O transexual operado poderá retificar seu registro de nome e sexo?

Direitos da Personalidade – Direito à identidade: "Direito ao nome – o transexual operado poderá retificar seu registro de nome e sexo?"

SUMÁRIO

10 -BIBLIOGRAFIA

1 - INTRODUÇÃO

2 - DIREITOS DA PERSONALIDADE

3 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES

4 - PARADGIMAS SEXUAIS

5 - TRANSEXUALISMO

6 - JURISPRUDÊNCIAS

7 - DOUTRINAS

8 - ARTIGOS E OUTROS

 

1 – INTRODUÇÃO:

O presente trabalho visa compreender a polêmica, no que tange ao transexual e a retificação do registro civil e mudança de sexo. O método adotado é tentar desencadear deste quando o ser vem a terra, ou seja, o nascimento com vida, adquirindo, assim, a personalidade jurídica, passando pelo prisma dos direitos da personalidade, transexualismo na acepção do termo, princípios constitucionais, paradigmas sexuais, casos julgados e doutrinas, para posteriormente fazermos uma conclusão da dinâmica do direito na sociedade, ajustando-se aos ditames de valor e moral no mundo contemporâneo.

2 – DIREITOS DA PERSONALIDADE:

Antes de fazer quaisquer considerações acerca do direito à identidade sexual do transexual e o que vem a ser o transexualismo, cumpre analisar, prima facie, os direitos da personalidade porque estes estão ligados ao íntimo do ser humano, de modo inseparável, de tal modo que a pessoa não existiria sem eles.

Uma das principais inovações da Parte Geral do Novo Código Civil é, justamente, a existência de um capítulo próprio destinado aos direitos da personalidade, porquanto por tais circunstâncias da matéria: a previsão legal dos direitos da personalidade dignifica o homem.

O homem não deve ser protegido somente em seu patrimônio, mas, principalmente, em sua essência. O direito da personalidade está ligado ao corpo vivo ou morto, sendo indisponível; podendo, porém, ocorrer a disponibilidade desse direito desde que, a par da manifestação expressa da vontade de seu titular, sejam resguardadas as limitações impostas pelas normas de ordem pública.

Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona em seu livro: Novo curso de Direito Civil, conceituam-se os direitos da personalidade:.

Os direitos da personalidade são aqueles que têm por objeto os atributos físicos, psíquicos e morais da pessoa em si e em suas projeções sociais

É de Maria Helena Diniz o ensinamento de que os direitos da personalidade são:

os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos, próprio corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária) e sua integridade moral (honra, recato, segredo pessoal, profissional e doméstico, imagem, identidade pessoal, familiar e social).

Assim, a personalidade é parte do indivíduo, a parte que lhe é intrínseca, pois é através dela que a pessoa poderá adquirir e defender os demais bens.

O Transexualismo significa que há uma transposição na correlação do sexo anatômico e psicológico, ou seja, a pessoa tem a convicção de pertencer a um sexo e possuir genitais opostos ao sexo que psicologicamente se pertence. Talvez seja o transexualismo um dos temas mais polêmicos na atualidade, quando envolve a possibilidade de mudança de sexo no registro civil. Além do que o tema é encoberto pelo monstro do preconceito, sem falarmos na esfera religiosa que alguns se embasam para continuarem a excluir da sociedade pessoas que não apresentam os padrões sociais exigidos. O estudo envolve vários setores da Ciência, como por exemplo a Antropologia, a Medicina, a Psicanálise e principalmente o Direito. O estudo pautado na questão interdisciplinar analisa o fenômeno do transexualismo à luz do Direito.2.1 – Possibilidade de alteração do nome:

O estudo da possibilidade de alteração do nome transporta-se inicialmente para o significado da palavra NOME. No dicionário Aurélio encontra-se as seguintes acepções:

[Do lat. nomen.] S. m. 1. Palavra(s) com que se designa pessoa, animal ou coisa. 2. V. prenome: "Seu nome é Joana". 3. Palavra(s) que exprime(m) uma qualidade característica ou descritiva de pessoa ou coisa; epíteto, cognome, alcunha, apelido. 4. Fama, reputação, nomeada, renome. 5. Boa reputação: "É uma firma de nome" 6. Família, linhagem: "D. João, o sexto do nome (D. João VI)". 7. Pessoa que se notabiliza por sua atuação em determinado campo de atividade: "Goya é um nome na pintura". 8. Título (4): "Só é chefe de nome". 9. V. nome feio: "É um imoral: vive dizendo nomes" 10. Designação patronímica da pessoa; nome de família; sobrenome, apelido.

Nome civil. 1. Nome de pessoa tal como figura no registro civil: "O Visconde de Chateaubriand – François René Chateaubriand, como era seu nome civil – nasceu em Saint-Malo, na França, a 4 de setembro de 1768" (Múcio Leão, Emoções e Harmonia, p. 102).

Ao se falar em nome civil aflora características da pessoa e presume-se tratar da denominação constante no registro civil. Assim é que ao pronunciar o nome "Julia" vem a mente uma pessoa do sexo feminino. E como bem expõe Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, o que deve reger a disciplina legal do nome é que este é marca indelegável do indivíduo, assim como um atributo de sua personalidade.

O Código Civil no art. 16 dispõe que toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome. A Lei de Registros Públicos, no art. 58, em sua redação original tratava da imutabilidade do nome. A alteração do artigo flexibilizou a terminologia sem se afastar totalmente do primórdio da antiga redação. A possibilidade de alteração do nome esbarra no princípio, ainda vigente, da imutabilidade. Tal princípio sofreu mitigação como bem explica a profª Maria Celina Bodin de Moraes:

"As regras gerais que regem o direito ao nome civil delineiam-se, como não poderia deixar de ser, à luz dos valores constitucionais, dentre os quais, o maior deles, a dignidade da pessoa humana. A mitigação da regra da imutabilidade do prenome encontra sua justificativa principal nesta dignidade. Assim é que, na prática, a jurisprudência tem garantido que o direito da personalidade à real e adequada individualização da pessoa suplante a tradicional proibição de alteração do prenome, principalmente através do alargamento da exceção da "exposição ao ridículo", podendo-se bem entender esta expressão – expor ao ridículo seu portador – em sentido ainda mais amplo, como representativa do que não é condigno à individualização da personalidade humana."

3 - PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS INERENTES

A Constituição de 1988, no Título I, ao tratar dos princípios fundamentais que norteiam a República Federativa do Brasil, destaca, no art. 1º, inc. II e III, a valorização da cidadania e da dignidade da pessoa humana, elegendo, desta forma, valores humanistas como alguns dos princípios objetivos do Estado e da Sociedade. A obrigação de garantir o bem-estar do cidadão, de zelar por sua dignidade e pelo livre desenvolvimento de sua personalidade são amparados constitucionalmente. Desses princípios fundamentais extraem-se outros, como as garantias e os direitos individuais e coletivos, arrolados no art. 5º, as garantias e direitos sociais do indivíduo, constantes do art. 6º, e o direito à saúde, física e psíquica, promovido no art. 196.

O princípio da dignidade humana é a base para sociedade desenvolvida. E como bem expõe a professora Maria Celina Bodin de Moraes, o fundamento jurídico da dignidade humana manifesta-se, em primeiro lugar, no princípio da igualdade. O princípio igualdade não sustenta o tratamento igual aos cidadãos, ao contrário, busca tratamento equilibrado mantendo o respeito aos grupos minoritários.

Esclarece Maria Celina Bondin de Moraes:

"A forma de violação por excelência do direito à igualdade, ensejadora de dano moral, traduz-se na prática de tratamento discriminatórios, isto é, em proceder a diferenciações sem fundamentação jurídica (ratio), sejam elas baseadas em sexo, raça, credo, orientação sexual, nacionalidade, classe social, idade, doença, dentre outras."

Ao explicar o princípio da igualdade Celso Ribeiro Bastos indaga o que significa igualdade e responde dizendo que se "traduz numa relação entre dois entes quando estes apresentam as mesmas características, a mesma estrutura, a mesma forma, quando, enfim, não apresentem desigualdade que se nos afigurem relevantes." A complexidade do princípio ora em estudo, fez com que a doutrina melhor explicasse denominando igualdade substancial e formal. Aquela é o tratamento igual e uniforme a todos os homens, é a busca pela paridade dos homens quanto a seus direitos e deveres. Pelo princípio da igualdade substancial todo ser humano deve ser tratado da mesma forma, a regra deve ser a mesma para todos, independente da situação concreta que encontra-se o homem.4 - PARADIGMAS SEXUAIS

4.1 - Sexo jurídico e psicossocial

Sexo é uma daquelas palavras com múltiplo sentido, há os que entendam como a parte física da relação sexual e outros definem como o status sexual, masculino ou feminino. A importância da determinação do sexo é flagrante, pois decorre de direitos e deveres para com a sociedade.

O sexo jurídico também chamado de sexo legal, é definido pela simples observação externa do órgão genital do nascituro, por essa análise é feito o registro de nascimento, onde constará o sexo da pessoa (masculino ou feminino). O sexo psicossocial sofre influência pré-natal, porém é após o nascimento, durante a aprendizagem que o sexo psicossocial será mais fortemente marcado. Nessa fase as influências recebidas são responsáveis pela estruturação do comportamento da pessoa e pela sua identificação sexual, podendo o ambiente psicossocial que a criança se desenvolve se encarregar de manter diferenças entre masculino e feminino ou estimulá-las. Ana Paula Peres complementa o estudo do sexo psicossocial dizendo que o produto final do sexo psicológico será a percepção do indivíduo de si mesmo, como homem ou mulher.

O drama sofrido por pessoas que nasceram com genitália do sexo oposto ao sexo psicológico é contado em diversos livros e sites.

A Revista Época na reportagem assinada por Cristiane Segatto, intitulada Nasce uma mulher, narra entrevistas com transexuais operadas. As histórias se repetem. Desde criança repudiam os brinquedos de menino, preferem as roupas femininas. Apanham dos familiares e dos amigos na escola. Quando entram na adolescência iniciam a mudança, com a ingestão de hormônios femininos e cirurgias plásticas, como: silicone, lipoaspiração, correção do pomo-de-adão. Assim que adquirem possibilidade econômica realizam a cirurgia de mudança de sexo. Existe outro tipo de transexual, aqueles que buscam se adequar a sociedade, casam-se por diversas vezes, buscam incessantemente parceiras, pois acreditam que o problema está no outro, por fim se descobrem e se aceitam transexuais. Esta busca em se adequar a um sexo psicológico que não é o seu, se dá pela falta de coragem em enfrentar a discriminação que ao transexual é conferido.

5 – TRANSEXUALISMO

5.1 - Legislação no Brasil

Não existe no Brasil uma legislação segura regularizando o problema. O Conselho Federal de Medicina tenta minimizar o problema e o projeto de Lei nº 70-B, se aprovado, será a primeira Lei brasileira a tratar do assunto. O projeto de lei nº 70, B, de autoria do Deputado Federal José Coimbra limita-se a incluir um novo parágrafo ao art. 129 do Código Penal (Decreto –lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940) e atribuir nova redação ao art. 58 da Lei nº 6.015 de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos).A inclusão do parágrafo 9º ao art. 129 do Código Penal visa possibilitar a realização da cirurgia, já que hoje é ela considerada lesão corporal. O médico que venha a operar um transexual no Brasil incide no crime de lesão corporal, mesmo a Resolução n.º 1.652 de 06 de novembro de 2002 permitindo tal cirurgia, o tema é polêmico e poderia, eventualmente, ensejar uma noticia criminis e posterior processo judicial.

Com a alteração da lei penal passa a conduta do médico ser lícita e jurídica. A nova redação atribuída pelo projeto ao art. 58 da Lei de Registros Públicos traz três parágrafos: o primeiro é reprodução do primitivo parágrafo único, sem modificação de conteúdo; o segundo trata da possibilidade de alteração do prenome quando a pessoa houver se submetido à cirurgia de alteração de sexo e mediante autorização judicial; e o terceiro, trata da alteração do documento de identidade e do registro de nascimento, devendo ser averbado nestes documentos tratar-se de pessoa transexual.

A CCJR (Comissão de Constituição e Justiça e de Redação) da Câmara também apresentou uma emenda aditiva, acrescentando mais um parágrafo, com a seguinte redação "§ 4º É vedada a expedição de certidão, salvo a pedido do interessado ou mediante determinação judicial". É uma forma de proteger a intimidade do transexual. E um procedimento já adotado nos casos de adoção plena.

5.2. O Transexualismo nos demais países (Direto Comparado)

Justifica-se a analise do tema no direito comparado por força do disposto no art. 17 da Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, que preceitua:

"As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes."

A contrário senso, se as leis, atos, sentenças e quaisquer declarações de vontade de outros países não atentem contra a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes poderão ser aceitos no Brasil.

A idéia de globalização no mundo moderno não é mais uma aspiração. A tendência que se observa no mundo é a de alterar-se o registro adequando-se o sexo jurídico ao sexo aparente.

A Suécia a muito legislou sobre o tema, em 21 de abril de 1972 promulgou lei que permite a retificação do registro do transexual, desde que solteiro, com mais de dezoito anos e estéril. Na Alemanha lei promulgada em 10 de setembro de 1980, acolhendo a jurisprudência daquele país promulga lei que dispõe sobre o transexualismo de a modificação do prenome e sexo no assento de nascimento. Também na Itália, sob a influência da jurisprudência e doutrina, em 14 de abril de 1982 foi promulgada a Lei 164, permitindo a retificação do sexo e alteração do prenome no registro de nascimento dos transexuais. Na França e na Bélgica, não foi o tema normatizado. Os tribunais desses países inadmitiam mudança de sexo e prenome da pessoa, tais incidentes fizeram com que a Convenção Européia dos Direitos do Homem, julgando reclamação contra esses países, fizesse cumprir o art. 8º da Convenção Européia dos Direitos do Homem. Hoje, apesar de ainda controvertido o tema, os tribunais vêem julgando no sentido de modificação para o novo estado sexual e do prenome no registro de nascimento.

6 – JURISPRUDÊNCIAS:

O caso de transexualismo mais divulgado e comentado pela imprensa, sem dúvida nenhuma foi o do transexual Luiz Roberto Gambine Moreira, conhecido pelo nome artístico de Roberta Close. Em 10 de maio de 1994, tendo como presidente o Des. Carpena Amorim e relator o Des. Luiz Carlos Guimarães, da Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, reformou a sentença de 1º grau, julgando improcedente o pedido da inicial.

Luiz Roberto havia se submetido a uma cirurgia de transgenitalismo, de homem para mulher, em 1990, em Londres, após anos de sofrimento gerado pelo seu estado homem/mulher. O autor quando criança apanhava muito de seu pai, que não entendia a condição do filho, além da família havia discriminação e surras na escola e dos primos. Porém, como transexual, o autor não sentia-se homem e ficava constrangido em usar roupas e agir como homem. A solução era a cirurgia de mudança de sexo, não permitida no Brasil, na época, o que levou o autor a procurar o recurso no exterior. Após a mudança de sexo, o autor ingressou com ação pleiteando a redesignação do assento de nascimento de Luiz Roberto Gambine Moreira para Roberta Gambine Moreira. Julgado procedente o pedido em 1º grau, reformado em 2º grau, o autor requereu recurso extraordinário ao STF. Negado seguimento ao referido recurso por falta de prequestionamento. Sendo hoje Roberta Close, legalmente Luiz Roberto.

Anos depois encontrava-se um acórdão do mesmo Tribunal de Justiça, Décima Sexta Câmara Cível, em que foi presidente e relator o Des. Ronald Valladares, aceitando o pedido da inicial e determinando que no Registro Civil constasse o sexo feminino, averbando-se à margem a anotação quanto à retificação ter se dado em virtude de decisão judicial, pela condição de transexual submetido a cirurgia de mudança de sexo. Recorreu ao referido Tribunal de Justiça o Apelante Carlos que em 1º grau pleiteava a alteração do prenome e do sexo no Registro Civil. Procedente em parte o pedido da inicial, deferido a alteração do nome para Carla deliberou o Juiz de 1º grau que constasse no Registro como transexual. No mérito o acórdão trouxe fundamento em outros julgados e na legislação alienígena, baseando-se principalmente, no parecer do Ministério Público, para então decidir pela alteração do sexo no Registro Civil.

Sendo a jurisprudência como fonte do direito cumpre ainda relatar mais um caso julgado no Estado de Santa Catarina onde o juiz Maurício Cavallazzi Póvoas, da 3ª Vara da Família de Joinville (SC), acolheu pedido de retificação de registro civil feito por L.C, de 25 anos, em sua exordial o autor após ser submetido à cirurgia de mudança de sexo há dois anos — de forma gratuita por meio do Programa de Transtorno de Identidade de Gênero do Hospital das Clínicas de Porto Alegre — L.C. foi buscar na Justiça o direito de ter seus documentos pessoais retificados, com alteração de nome e sexo.

Embora doutrina e jurisprudência apontem, majoritariamente, para a impossibilidade da alteração ou, ainda, admitam uma alteração relativa, constando no próprio registro menção a situação anterior, o juiz firmou sua convicção no sentido de atender ao pleito formulado afirmando que: "O autor é mulher em sua plenitude física e mental e, no que depender de mim, também o será juridicamente. Certamente é o fim de sua agonia. Que viva feliz e dignamente, sem ser alvo de gracinhas, humilhações, piadinhas e constrangimentos", e ressalta: "É digno um ser humano com corpo de mulher, jeito de mulher, voz de mulher, genitália de mulher, enfim, vida de mulher, estar fadado a carregar para o resto da vida nome e gênero masculino, por excesso de formalismo legal? Me parece evidente que não é digno. Ao contrário, a situação é vexatória e certamente causa àquele que se encontra nela uma sensação de humilhação e desgosto que não se deseja ao pior inimigo", registrou o juiz na sentença. Conquanto o Juiz Maurício Cavallazzi Póvoas, da 3ª Vara da Família de Joinville (SC) diante do fato de L. C de 25 anos julgou procedente a retificação do registro civil de masculino para feminino: "DIANTE DO EXPOSTO JULGO PROCEDENTE o pedido contido na presente ação de retificação de registro civil manejado por L. O. C., para, em conseqüência, com fulcro nos arts. 55, § único, 56 e 109, da Lei dos Registros Públicos, e artigos 1º, inciso III, 3º, inciso IV, e 5º, inciso X, todos da Constituição Federal, determinar a retificação do assento de nascimento de L. O. C. , passando a constar o nome de A. O. C., retificando-se, ainda, o gênero, que deverá passar a ser do sexo feminino, mantidas as demais anotações e não devendo constar, no referido registro, qualquer referência às alterações que ora se determina. Expeça-se ofício para a Receita Federal, Delegacia da Polícia Federal, Secretaria de Segurança Pública/SC e Cartórios Eleitorais desta Comarca, para que sejam feitas as alterações necessárias.

Com vistas ao integral cumprimento do art. 56 da Lei dos Registros Públicos e evitando prejuízo a terceiros, determino a expedição de edital, que deverá ser publicado em jornal de grande circulação. Sem custas. P.R.I."

8 – DOUTRINAS:

A alteração do prenome, de outra banda, encontra respaldo na mesma norma legal, mais especificamente nos artigos 55 parágrafo único e 56, da Lei nº 6.015/73. A propósito, Walter Ceneviva, em sua obra "Lei dos Registros Públicos Comentada" (15ª ed., 2002, ed. Saraiva, pág. 126), ressalta que "uma vez que se constate ser o prenome capaz de expor o seu titular a situações de vexame, a alteração deve ser deferida, a seu requerimento, com a prova, por ele, da verificação de vexame". Vê-se, pois, que encontra abrigo legal a alteração do prenome pretendida.

Segundo Maria Helena Diniz, a transexualidade constitui a condição sexual da pessoa que rejeita a sua identidade genética e a sua própria anatomia, identificando-se psicologicamente com o gênero oposto. Completa essa autora que "trata-se de uma anomalia surgida no desenvolvimento da estrutura nervosa central, por ocasião de seu estado embrionário, que, contudo, não altera suas atividades intelectuais e profissionais, visto que em testes aplicados apurou-se que possui, em regra, um quociente intelectual (QI) entre 106 e 118, isto é, um pouco superior à média" (O Atual Estágio do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2ª Edição, 2002, p. 231).

Leciona Flávio Turtre, Mestre em Direito Civil comparado pela PUC/SP que: "O transexualismo constitui uma doença ou patologia, segundo apontam vários autores especializados no assunto e algumas entidades médicas internacionais e de outras nacionalidades. Não se confunde, portanto, com o homossexualismo (atração por pessoa do mesmo sexto) ou com o bissexualismo (atração por pessoa do mesmo sexo e do sexto oposto, comomitantemente). Trata-se de uma situação diferenciada, que merece tratamento diferenciado, consagração da especialidade, de acordo com a segunda parte do princípio constitucional da isonomia ("a lei deve tratar de maneira desigual os desiguais"), atendendo assim o princípio também da dignidade da pessoa humana consagrado na Constituição da República.

9 – ARTIGOS E OUTROS

Tereza Rodrigues Vieira, em artigo intitulado "Adequação de Sexo do Transexual: Aspectos Psicológicos, Médicos e Jurídicos" publicado no site da conceituada Universidade Mackenzie (www.mackenzie.com.br/universidade/psico/publicação/revista2/artg.pdf) ensina: "Transexual, é o indivíduo que possui a convicção inalterável de pertencer ao sexo oposto ao constante em seu Registro de Nascimento, reprovando veementemente seus órgãos sexuais externos, dos quais deseja se livrar por meio de cirurgia. Segundo uma concepção moderna, o transexual masculino é uma mulher com corpo de homem. Um transexual feminino é, evidentemente, o contrário. São, portanto, portadores de neurodiscordância de gênero. Suas reações são, em geral, aquelas próprias do sexo com o qual se identifica psíquica e socialmente. Culpar este indivíduo é o mesmo que culpar a bússola por apontar para o norte. O componente psicológico do transexual caracterizado pela convicção íntima do indivíduo de pertencer a um determinado sexo se encontra em completa discordância com os demais componentes, de ordem física, que designaram seu sexo no momento do nascimento. Sua convicção de pertencem ao sexo oposto àquele que lhe fora oficialmente dado é inabalável e se caracteriza pelas primeiras manifestações da perseverança desta convicção, segundo uma progressão constante e irreversível, escapando a seu livre arbítrio".

A possibilidade de mudança, no entanto, do sexo indicado no registro de nascimento é matéria que não está pacificada. Muito ao revés, há doutrina e jurisprudência sustentando a impossibilidade da troca do sexo no registro ou, na melhor das hipóteses, uma troca relativa, constando no próprio registro a situação anterior do transexual, ao argumento, por exemplo, de que "As necessidades e as angústias daqueles que pretendem submeter-se à cirurgia de "mudança de sexo", entendemos legitimar a proposta objetivando trazer tal operação para legalidade, não se vislumbrando mais o crime de lesão corporal dolosa, com perda de função. Todavia, o avanço é significativo, mas retificar-se o registro de seu sexo, sem qualquer referência ao registro anterior, parece-nos uma grande irresponsabilidade, que juridicamente revela-se insustentável." (O TRANSEXUAL, A CIRURGIA E O REGISTRO - Luiz Flávio Borges D'Urso, Publicada na RJ nº 229 - NOV/1996, pág. 21) No mesmo norte já decidiu o TJSP (vide RT 493/61).

CONCLUSÃO

É possível verificar que os casos de transexualismo feminino são mais debatidos, deve-se isso ao avanço da medicina neste campo, a cirurgia de transformação sexual de masculino para feminino encontra-se hoje muito mais avançada que a cirurgia de transformação de feminino para masculino, os resultados desta são ainda pouco satisfatórios, enquanto que aquela beira a perfeição, quando realizada de forma eficiente.

O tema empolgante e essencial, deve ser tratado e solucionado. O operador do direito não pode emperrar o sistema, pelo simples fato de não concordar ou discriminar o transexual ou qualquer outro que não se adeqüe aos padrões projetado. Existindo o fato deve-se dar uma solução justa e digna, pautada nos princípios básicos da sociedade mundial, liberdade, solidariedade, dignidade, justiça e cidadania.

Hoje, ainda a sociedade exclui pessoas do seu convívio. Pessoas que não correspondem ao traçado pela sociedade não fazem parte, são os excluídos. O presente trabalho tentou demonstrar o problema do transexual, pois desta forma acredita-se que a solução virá mais rápida. O desconhecimento faz com que prevaleça o preconceito e a adesão às regras preestabelecidas.

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Publicado por: Juliano de Paula Dias

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