O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E SUA EFICÁCIA NO DIREITO PENAL BRASILEIRO

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1.  RESUMO

O princípio da insignificância consiste na análise de uma conduta criminosa sob o plano da tipicidade, especificamente se ela foi materialmente relevante para o Direito Penal. Isto é, o referido princípio analisa a conduta delituosa não somente pelo seu encaixe formal a um tipo penal, mas também pela efetiva lesão causada e pela análise da relevância do bem jurídico-penal tutelado. No Brasil, o reconhecimento da insignificância em determinadas condutas já está pacificado nos tribunais pátrios, seja de primeiro ou segundo grau. Porém, em uma análise da história do nosso ordenamento jurídico, pode-se constatar que nem sempre o referido princípio foi aplicado, ao argumento de que o seu reconhecimento influenciaria a prática de crimes de insignificantes, conforme veremos neste trabalho de conclusão de curso.

Palavras-chave: Insignificância.Atipicidade Material.Permissibilidade no Direito Penal brasileiro.

ABSTRACT

The principle of insignificance consists in the analysis of a criminal conduct under the plan of typicality, specifically whether it was materially relevant to the criminal law. That is the said principle examines the criminal conduct not only by its formal fitting a criminal type, but also for effective injury caused for examining the relevance of the right criminal law protection. In Brazil, the recognition of insignificance incertain conduct is already pacified pátrios courts, whether of first or second degree. However, in an analysis of the history of our legal system, one can see that not always the said principle was applied, the argument that is recognition would influence the practice of crimes insignificanntes, as we will in this monography.

Keywords: Insignificance. Atypicality Material. Permissibility in the Brazilian Penal Law.

2. INTRODUÇÃO

A conceituação do princípio da insignificância surgiu na década de 70 com as ideias preconizadas pelo notável doutrinador alemão Claus Roxin, que tratava do tema como princípio da bagatela, assim como ensinou Cezar Roberto Bitencourt (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Para Roxin, a configuração de um crime não se resume à subsunção de uma conduta a um preceito primário de uma lei penal (tipicidade formal). Para ele, esta análise deve ir mais além, principalmente indagando se a conduta do agente, juridicamente considerada, foi capaz de causar expressiva lesão a um bem jurídico (tipicidade material).

O doutrinador Rogério Greco diz que, dentro do conceito analítico do crime (tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade), criado por Welzel, a insignificância do fato tido como delituoso deve ser analisada dentro do elemento tipicidade, precisamente na análise da tipicidade material (GRECO, 2015, p. 113).

Segundo Guilherme de Souza Nucci, a tipicidade é a adequação do fato ao tipo penal. Em outras palavras, o autor a representa pela confluência dos tipos concreto e abstrato, que é a junção do mundo real ao mundo normativo (NUCCI, 2014, p. 174).

A insignificância aqui retratada é de suma importância para o desfecho de vários casos, pois reflete o que é pregado pelo princípio da fragmentariedade do Direito Penal, cuja ideia básica se resume na assertiva de que o ordenamento jurídico-penal somente se aplica a uma pequena parcela de bens jurídicos.

Igualmente, tal corrente decorre da máxima da intervenção mínima estatal, onde o Estado ficará adstrito à elaboração de leis que punam condutas lesivas ao mínimo possível de bens jurídicos.

Em um exemplo notório, não é razoável conceber que um agente que furte um pacote de bolachas recheadas de uma grande rede de supermercados receba a mesma punição daquele que subtraia o cofre do mesmo estabelecimento.

É perceptível que no primeiro caso a lesão à rede de supermercados seria insignificante a fim de se mover a máquina do judiciário para a imposição de uma sanção penal ao agente, posto que o valor do bem subtraído não foi suficiente para diminuir o patrimônio da vítima, não causando, pois, nenhuma lesão.

Nesse diapasão, os crimes acometidos pelo princípio da insignificância são denominados de crimes de bagatela, delitos que, como o próprio nome já indica, não são juridicamente relevantes.

Há que se ressaltar que a insignificância de uma conduta tecnicamente típica foi notadamente rejeitada pelos tribunais pátrios durante muito tempo, o que refletia na aplicação do direito nas justiças comuns, com a atuação do magistrado singular.

Contudo, os tempos mudaram e atualmente os tribunais pátrios reconhecem a insignificância de certas condutas sem maiores discussões teóricas, o que contribui para a efetivação do justo concreto.

2.1. PROBLEMA

Sabe-se que o princípio da insignificância foi relegado durante muito tempo, uma vez que os legalistas não admitiam a sua aplicação em detrimento das formalidades de um tipo penal. Diante disso, relevante é o seu estudo em relação à sua aplicação no Direito Brasileiro.

Será possível a aplicação do princípio da insignificância frente a não aceitação daqueles que se utilizam como argumento a possibilidade da aludida aplicação influenciar ou fomentar a prática dos delitos de bagatela?

2.2. HIPÓTESES

Sob a ótica do princípio da legalidade estrita, uma conduta somente será considerada como crime quando lei anterior assim o definir. É o que dispõe o artigo 1°, do Código Penal e o artigo 5°, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988.

Em uma análise perfunctória dos indigitados dispositivos, é possível chegar-se à conclusão de que a legalidade acima retratada estaria lesada caso todo fato tido como crime tivesse sua tipicidade excluída em razão da insignificância de certas condutas.

O legislador, embora tenha visado proteger os bens jurídicos de mais importância, não quis punir qualquer conduta que porventura possa ter infringido o preceito primário de alguns tipos penais.

Ao tratar do tema do princípio em comento, Cezar Roberto Bitencourt assim leciona:

Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. (BITENCOURT, 2014, p. 60)

Na lição do doutrinador brasileiro Rogério Greco, o princípio em tela visa “auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela” (GRECO, 2015, p. 115).

Em que pese possa haver quem sustente que o princípio da insignificância fere os preceitos da segurança jurídica, dizendo que o seu reconhecimento pode vulnerar a segurança pública (PRADO, 2013, p. 183), é inegável que a sua aplicação tem contribuído sobremaneira para a equiparação entre os termos Direito e Justiça.

Por outro lado, há quem sustente que o leviano reconhecimento da insignificância em qualquer caso, conduziria ao inevitável estímulo e fomento da prática dos delitos de bagatela. Nesse diapasão, um indivíduo de alta periculosidade poderia sair por ai cometendo inúmeros furtos de pequeno valor ou com o objetivo de se alimentar, que jamais seria punido.

Ora, para aqueles que sustentam tal posicionamento, é preciso destacar que para o reconhecimento da insignificância, alguns requisitos devem ser preenchidos, tal como manifestado em um acórdão proferido no julgamento do HC n° 84.412 de 2004 pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello.

No julgamento do supracitado Habeas Corpus, ficaram estabelecidos os seguintes requisitos para a exclusão da tipicidade em razão da insignificância: mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Em resumo, pode-se dizer que há quem sustente ser viável a aplicação do referido princípio em detrimento de qualquer conspiração que possa ocorrer, desde que seja feito de forma ponderada, da mesma forma que existem os que defendem ferrenhamente o postulado da insignificância como verdadeiro instrumento do justo.

Como nada no Direito é absoluto, cabe aos juristas por profissão, aos magistrados por paixão e ao povo, como receptor das leis aplicadas, discutirem e tentarem solucionar os problemas decorrentes da aplicação, ou da não aplicação do princípio da bagatela aos casos notadamente de menos importância.

3. OBJETIVOS

3.0.1. OBJETIVO GERAL

O objetivo geral deste trabalho é examinar as vertentes do princípio da insignificância, levando em consideração os institutos jurídicos correlatos, bem como a sua aceitação pelos tribunais pátrios e pelos magistrados de primeiro grau.

3.0.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS

Especificamente, o presente trabalho buscará:

Estabelecer o conceito do princípio da insignificância em relação ao Direito Penal;

Fixar os principais institutos jurídicos e matérias correlatos ao tema para análise;

Analisar as correntes favoráveis e contrárias ao reconhecimento da conduta bagatelar.

3.1. JUSTIFICATIVA

A razão para a confecção deste trabalho é mostrar que o princípio da insignificância possui extrema importância no mundo jurídico, tanto é que vários são os doutrinadores que tratam do tema em seus trabalhos. Difícil é ver algum jurista que não dedique pelo menos um capítulo ao tema.

Nesse mesmo sentido, o próprio Supremo Tribunal Federal já tratou do assunto como m0atéria de ordem constitucional e de interesse público, pacificando-o de forma clara e objetiva, o que põe em evidência a importância do aludido princípio.

Dada a sua relevância, os Ministros da Suprema Corte acordaram em elaborar os requisitos para a aplicação do princípio em análise, o que contribuiu sobremaneira para o julgamento de casos que iniciaram em primeira instância, de forma que o processo não necessitasse ser levado a julgamento perante a corte maior do ordenamento jurídico brasileiro.

Por estas e outras razões, o presente trabalho buscará explicar todas as nuances que envolvem o princípio da insignificância, seja sob o aspecto jurídico, ou pelo aspecto social, além de trazer todos os benefícios de sua correta utilização.

A explanação abordará as conseqüências da aplicação da insignificância a crimes notadamente de menos potencial ofensivo e aos crimes que geram polêmica nos meios jurídico e social, mormente quando considerada a gravidade de tais condutas.

Diante disso, esta pesquisa possibilitará a conceituação do tema sob vários aspectos, levando à conclusão que o aprofundamento do tema possibilitará aos estudiosos, aplicadores e intérpretes do Direito a possibilidade de equiparar o máximo possível os conceitos do legal e do justo.

3.2. METODOLOGIA

O presente trabalho será efetuado mediante pesquisa bibliográfica, mormente em jurisprudências, normas jurídicas (leis, regulamentos, etc...) e principalmente em doutrinas do Direito Brasileiro, tudo com vistas a estabelecer uma conceituação genérica do tema, bem como esclarecer eventuais dúvidas.

3.3. ESTRUTURA DA MONOGRAFIA

Em síntese, o capítulo da introdução fará traços gerais sobre o tema, trazendo os precursores do princípio da insignificância e seus doutrinadores atuais, ao passo que o problema a ser resolvido consiste na aplicabilidade do instituto.

As hipóteses deste trabalho se resumem na possibilidade da aplicação do princípio da bagatela gerar efeitos negativos ou acarretar efeitos positivos na busca do justo concreto.

Já análise dos objetivos será feita para a busca da conceituação por maioria doutrinária, a aplicação de institutos correlatos ao tema, bem como estudar as correntes favoráveis e contrárias ao reconhecimento da insignificância de certas condutas.

A justificativa da pesquisa consiste na própria importância do tema, uma vez que, na busca da realização do justo concreto, a lei nem sempre prevalecerá no seu sentido formal.

3.4. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Ao tratar do princípio da insignificância, o doutrinador brasileiro Luiz Regis Prado faz alusão ao seu idealizador Claus Roxin, elaborando a seguinte introdução ao tema:

De acordo com princípio da insignificância formulado por ClausRoxin e relacionado com o axioma minina non cura praeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. A irrelevante lesão do bem jurídico protegido não justifica a imposição de uma pena, devendo excluir-se a tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal.(PRADO, 2013, p. 182)

Prosseguindo, o indigitado doutrinador elenca algumas distinções existentes entre o referido tema e o instituto da adequação social de Hans Welzel, além de fazer referências a outros autores, nestes termos:

Alguns autores assimilam ou equiparam o instituto da adequação social de Welzel e o critério da insignificância elaborado por Roxin. Entretanto, a finalidade dos casos englobados por ambos os critérios permite identificar diferenças marcantes entre eles, posto que nos casos abarcados pelo chamado princípio da insignificância não há a valoração social implícita na adequação social. Exemplo paradigmático é o furto de objeto de ínfimo valor. (PRADO, 2013, p. 182)

Já Rogério Greco, traz algumas semelhanças, dizendo que “da mesma forma que o princípio da intervenção mínima, o princípio da adequação social, nesta última função, destina-se precipuamente ao legislador, orientando-o na escolha de condutas a serem proibidas ou impostas, bem como na revogação de tipos penais” (GRECO, 2015, p. 106).

Por sua vez, Cesar Roberto Bitencourt utilizou a conceituação de princípio da bagatela idealizada por Klaus Tiedeman, além de esboçar os critérios para o reconhecimento da insignificância de determinadas condutas tidas como formalmente típicas in verbis:

A tipicidade penal exige uma ofensa de alguma gravidade aos bens jurídicos protegidos, pois nem sempre qualquer ofensa a esses bens ou interesses é suficiente para configurar o injusto típico. Segundo esse princípio, que Klaus Tiedemann chamou de princípio de bagatela, é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal. Amiúde, condutas que se amoldam a determinado tipo penal, sob o ponto de vista formal, não apresentam nenhuma relevância material. Nessas circunstâncias, pode-se afastar liminarmente a tipicidade penal porque em verdade o bem jurídico não chegou a ser lesado. (BITENCOURT, 2014, p. 60)

Nesse diapasão, cabe ressaltar que o autor Guilherme de Souza Nucci não dedicou um tópico próprio para o princípio da insignificância dentro do capítulo referente aos princípios do Direito Penal. Ao contrário, ele discorreu sobre a insignificância dentro do capítulo que trata da tipicidade.

Ao fazer o estudo do tema, o aludido doutrinador traz clássicos exemplos de aplicação do princípio da insignificância, tais como “furto de coisas insignificantes, tal como o de uma azeitona, exposta à venda em uma mercearia” (NUCCI, 2014, p. 176).

Ademais, o notável autor traz casos em que, embora o valor do bem discutido seja de pouca ou de nenhuma importância, não há que se falar em crime de bagatela:

Não se quer com isso sustentar a inviabilidade total de aplicação da insignificância para delitos, cujo bem jurídico é de interesse da sociedade. O ponto de relevo é dar o devido enfoque a tais infrações penais, tendo cuidado para aplicar o princípio ora examinado. Ilustrando, um policial, que receba R$ 10,00 de propina para não cumprir seu dever, permite a configuração do crime de corrupção passiva, embora se possa dizer que o valor dado ao agente estatal é ínfimo. Nesse caso, pouco importa se a corrupção se deu por dez reais ou dez mil reais. Afinal, o cerne da infração pena é a moralidade administrativa. (NUCCI, 2014, p. 178)

Dessarte, vários são os doutrinadores que tratam do tema da insignificância, o que reflete a sua real importância prática e teórica, ressaltando-se que a maioria é favorável à sua aplicação às condutas notadamente de menos importância.

4. DA TIPICIDADE

Para um melhor entendimento sobre o princípio da insignificância, necessária se faz uma breve explanação sobre o tema da tipicidade como elemento do crime.

O doutrinador Cezar Roberto Bitencourt conceitua tipicidade como sendo a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstrata prevista na lei penal, sendo que ela seria uma decorrência do princípio da reserva legal (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Nas palavras de Luiz Regis Prado a tipicidade “é a subsunção ou adequação do fato ao modelo previsto no tipo legal.” (PRADO, p. 285).

A tipicidade aqui retratada não se confunde com tipo. Os referidos termos possuem significados diversos. Segundo Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli:

O tipo é a fórmula que pertence à lei, enquanto a tipicidade pertence à conduta. A tipicidade é a característica que tem uma conduta em razão de estar adequada a um tipo penal, ou seja, individualizada como proibida por um tipo penal. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 444/445)

Na mesma linha de ideias, o autor Fernando Capez ensina que, para que haja tipicidade, é necessário haver a subsunção, a justaposição, o enquadramento ou o amoldamento de uma conduta do mundo real ao modelo descritivo constante do tipo penal (CAPEZ, 2009, p. 190).

Prosseguindo ainda mais no tema, é preciso destacar que a tipicidade se subdivide em tipicidade formal e tipicidade conglobante.

4.1. TIPICIDADE FORMAL

A tipicidade formal nada mais é do que a subsunção de uma conduta ao preceito primário de determinado tipo penal. É o simples encaixe de uma conduta a uma previsão legal (PRADO, p. 285).

Veja-se um clássico exemplo citado pelo doutrinador Rogério Greco, onde ele faz uma parábola da tipicidade formal com um brinquedo infantil, cujo objetivo é encaixar figuras umas nas outras:

Figurativamente, poderíamos exemplificar a tipicidade formal valendo-nos daqueles brinquedos educativos que tem por finalidade ativar a coordenação motora das crianças. Para essas crianças, haveria “tipicidade” quando conseguissem colocar a figura do retângulo no lugar que lhe fora reservado no tabuleiro, da mesma forma sucedendo com a esfera, a estrela e o triângulo. Somente quando a figura móvel se adaptar ao local a ela destinado no tabuleiro é que se pode falar em tipicidade formal; caso contrário, não. (GRECO, 2014, p. 164)

Outrossim, a tipicidade formal seria implementada quando houvesse o encaixe de uma peça em um quebra-cabeça, sendo a peça a conduta e a figura o tipo penal abstratamente previsto em lei. Se a peça se encaixar perfeitamente, a conduta é formalmente típica.

Da mesma forma, Bitencourt ensina que a tipicidade formal nada mais é do que a conformidade de um fato praticado por um indivíduo com a moldura abstratamente descrita na lei penal (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Por fim, é importante destacar que tipicidade formal é a simples relação de subsunção entre um fato concreto e um tipo penal. É a análise crua para constatar se a conduta se enquadrou ou não a um tipo penal, sem analisar a lesividade de tal conduta (ESTEFAM, GONÇALVES, 2012, p. 298).

4.2. TIPICIDADE CONGLOBANTE

Ao tratar do tema da tipicidade conglobante, Fernando Capez considera que o fato típico leva à presunção de ilicitude do fato, se considerado o ordenamento jurídico como um todo. Segundo ele, se algum ramo do direito fomentar ou permitir certa conduta, o fato não poderá ser considerado típico. Isso por que o direito é um só e deve ser considerado como um bloco monolítico, como um conjunto (CAPEZ, 2009, p. 199).

Rogério Greco considera que a insignificância de uma conduta leva ao reconhecimento da ausência de tipicidade material, que é integrante da chamada tipicidade conglobante, in verbis:

Para que se possa concluir pela tipicidade conglobante, é preciso verificar dois aspectos fundamentais: a) se a conduta do agente é antinormativa; b) se o fato é materialmente atípico. O estudo do princípio da insignificância reside nesta segunda vertente da tipicidade conglobante, ou seja, na chamada tipicidade material. (GRECO, 2014, p. 67)

Prossegue o autor ao dizer que para que uma conduta seja considerada típica, é necessário analisar a relevância do bem que está sendo objeto de proteção, uma vez que o legislador não quis proteger qualquer bem jurídico pelas normas penais (GRECO, 2014, p. 67).

Com efeito, para a análise da tipicidade, não basta somente a tipicidade formal. Zaffaroni e Pierangeli consideram indispensável a análise da tipicidade conglobante, sob pena de incorrer-se em injustiças. Veja o que escreveram os notáveis doutrinadores em sua obra:

Isto nos indica que o juízo de tipicidade não é um mero juízo de tipicidade legal, mas que exige um outro passo, que é a comprovação da tipicidade conglobante, consistente na averiguação da proibição através da indagação do alcance proibitivo da norma, não considerada isoladamente, e sim conglobada na ordem normativa. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 459).

Bitencourt também considera necessário haver o chamado juízo de tipicidade, que para ele é a análise da conduta formalmente típica sob a ótica de todo o direito. O referido doutrinador ainda faz jus às palavras de Zaffaroni e Pierangeli ao dizer que sem o juízo de tipicidade a antijuridicidade ficaria instável e a culpabilidade perderia seu objeto (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Por esta razão, é possível dizer que a tipicidade conglobante é um corretivo da tipicidade formal, uma vez que considera atípica aquelas condutas que apenas aparentemente estão proibidas. É o caso do oficial de justiça que, sob o cumprimento de uma ordem judicial, subtrai para si coisa alheia móvel. Formalmente ele estaria incorrendo na prática do delito de furto. Mas, pela análise da tipicidade conglobante, sua conduta é totalmente lícita (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 459).

5. DO CONCEITO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Como consta da obra Tratado de Direito Penal de Cezar Roberto Bitencourt, o princípio da insignificância foi cunhado pelo notável doutrinador alemão Claus Roxin em 1964 (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Ainda segundo Bitencourt, o aludido princípio foi rebatizado por Klaus Tiedemann como princípio da bagatela. Para este último autor, para que uma conduta seja considerada insignificante “é imperativa uma efetiva proporcionalidade entre a gravidade da conduta que se pretende punir e a drasticidade da intervenção estatal” (BITENCOURT, 2014, p. 60).

Pois bem, o princípio da insignificância, segundo Rogério Greco, tem por finalidade auxiliar o intérprete quando da análise do tipo penal, para fazer excluir do âmbito de incidência da lei aquelas situações consideradas como de bagatela (GRECO, 2014, p. 69).

Salienta Greco (2014), citando Assis Toledo, que o direito penal, pela própria natureza fragmentária, só alcança o necessário para a proteção do bem jurídico. Logo, não deve se ocupar de bagatelas.

Não é redundante dizer que “o Direito Penal não deve preocupar-se com bagatelas, do mesmo modo que não podem ser admitidos tipos incriminadores que descrevam condutas incapazes de lesar o bem jurídico” (CAPEZ, 2009, p. 11).

O autor Luiz Regis Prado resume bem o que vem a ser o próprio conceito e a aplicação prática do tão aclamado princípio, nestes termos:

De acordo com o princípio da insignificância, formulado por ClausRoxin e relacionado com o axioma minina non curatpraeter, enquanto manifestação contrária ao uso excessivo da sanção criminal, devem ser tidas como atípicas as ações ou omissões que afetem infimamente a um bem jurídico-penal. (PRADO, 2015, p. 127)

Com maestria, Francisco de Assis Toledo conceitua e exemplifica o princípio da bagatela com a natureza fragmentária do direito penal, que limita este a ir até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico, não devendo se ocupar de bagatelas (TOLEDO, 2001, p. 133).

Há ainda a lição do autor Guilherme de Souza Nucci, que também conceitua o princípio em análise e o exemplifica. Veja-se:

Com relação à insignificância (crime de bagatela), sustenta-se que o direito penal, diante de seu caráter subsidiário, funcionando como ultima ratio, no sistema punitivo, não se deve ocupar de bagatelas. Há várias decisões de tribunais pátrios, absolvendo réus por considerar que ínfimos prejuízos a bens jurídicos não devem ser objeto da tutela penal, como ocorre nos casos de “importação de mercadoria proibida” (contrabando), tendo por objeto material coisas de insignificante valor, trazidas por sacoleiros do Paraguai (NUCCI, 2014. p. 176).

Quando esteja presente uma lesão irrelevante a um bem jurídico protegido não existe justificativa para a imposição de uma pena, o que deve levar à exclusão da tipicidade da conduta em caso de danos de pouca importância ou quando afete infimamente a um bem jurídico-penal (PRADO, 2015, p. 127).

Da leitura dos conceitos supramencionados, é possível depreender que a unanimidade da doutrina brasileira é assente em considerar o princípio da insignificância como excludente da tipicidade, mais precisamente na modalidade da tipicidade material, que é a análise feita para aferir se a conduta causou expressiva lesão ao bem jurídico-penal tutelado pela norma abstrata.

5.1. DA ACEITAÇÃO DOUTRINÁRIA

Dentre os doutrinadores clássicos, os que mais deram relevo ao princípio da insignificância foram Zaffaroni e Pierangeli. Os ilustres doutrinadores reconheciam a possibilidade de aplicação do princípio em estudo, porém, com algumas ressalvas. Acompanhe o que eles preconizavam já no ano 2000:

A insignificância da afetação exclui a tipicidade, mas só pode ser estabelecida através da consideração conglobada da norma: toda a ordem normativa persegue uma finalidade, tem um sentido, que é a garantia jurídica para possibilitar uma coexistência que evite a guerra civil (a guerra de todos contra todos). A insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa, e, portanto, à norma em particular, e que nos indica que essas hipóteses estão excluídas de seu âmbito de proibição, o que não pode ser estabelecido à simples luz de sua consideração isolada. (ZAFFARONI; PIERANGELI, 2001, p. 459).

O autor Francisco de Assis Toledo também reconhece a possibilidade de aplicação da insignificância em algumas condutas. Acrescenta o autor que isso não quer dizer que o fato não pode ser punido civil ou administrativamente caso seja considerado insignificante à luz do Direito Penal (TOLEDO, 2001, p. 134).

Seguindo a linha de pensamentos de Toledo, o doutrinador Ney Moura Teles também reconhece a aplicação do princípio em casos de lesões insignificantes ao bem jurídico, igualmente ressaltando que nestes casos o agente poderia ser condenado à reparação do dano em outras esferas do direito (TELES, 2001, p. 218).

Justifica Ney Moura Teles que o direito penal deve proteger somente os bens jurídicos mais importantes, isso quando gravemente lesionados. Assim:

A norma penal incriminadora – cuja razão de ser é a proteção dos bens jurídicos mais importantes das lesões mais graves – não poderia, por isso mesmo, alcançar lesões insignificantes, que, por sua dimensão, não só não são graves, como também não alcançam o mínimo da significação exigida para reclamar a intervenção da mais severa das sanções jurídicas. (TELES, 2001, p. 218)

Já para Cezar Roberto Bitencourt, o reconhecimento da insignificância é possível sim, desde que seja feita não somente a análise do bem jurídico eventualmente lesionado, mas também a extensão da lesão (BITENCOURT, 2015, p. 61).

Em complemento ao posicionamento dos autores supracitados, Rogério Greco pondera que nem todo crime é passível de ser alcançado pela insignificância. Segundo ele:

Obviamente que nem todos os tipos penais permitem a aplicação do princípio, a exemplo do que ocorre com o delito de homicídio. No entanto, existem infrações penais em que a sua aplicação afastará a injustiça do caso concreto, pois a condenação do agente, simplesmente pela adequação formal do seu comportamento a determinado tipo penal, importará em gritante aberração. (GRECO, 2014, p. 69)

O eminente doutrinador Guilherme de Souza Nucci também pondera sobre a aplicação do princípio à luz do caso concreto, se posicionando favoravelmente desta forma:

Não se quer com isso sustentar a inviabilidade total de aplicação da insignificância para delitos, cujo bem jurídico é de interesse da sociedade. O ponto de relevo é dar o devido enfoque a tais infrações penais, tendo cuidado para aplicar o princípio ora examinado. Ilustrando, um policial, que receba R$ 10,00 de propina para não cumprir seu dever, permite a configuração do crime de corrupção passiva, embora se possa dizer que o valor dado ao agente estatal é ínfimo. Nesse caso, pouco importa se a corrupção se deu por dez reais ou dez mil reais. Afinal, o cerne da infração penal é a moralidade administrativa. (NUCCI, 2014, p. 178)

Por fim, não é demais ressaltar que a aplicação do princípio da insignificância só encontra segurança sob a égide da análise do caso concreto. Isto é, somente através da aplicação dos vetores sugeridos pelo Supremo Tribunal Federal, tais como mínima ofensividade da conduta e inexpressividade da lesão, é que será possível alcançar decisões justas em determinados casos (PRADO, 2015, p. 128).

5.2. DA ACEITAÇÃO JURISPRUDENCIAL

Quanto à aceitação jurisprudencial da conduta de bagatela, Fernando Capez leciona que o Superior Tribunal de Justiça, já em 2009, por intermédio da sua 5ª turma, já reconhecia a tese de exclusão da tipicidade pela aplicação do princípio da insignificância (CAPEZ, 2009, p. 11).

Atualmente, a jurisprudência brasileira é pacífica sobre a aplicação do indigitado princípio em alguns casos. A pacificação se tornou mais notável ainda a partir do julgamento do HC n° 84.412 de 2004, quando o Ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, elaborou alguns requisitos práticos para a sua aplicação.

Todavia, há casos em que a aplicação do princípio da insignificância torna-se inviável, seja pela própria gravidade em abstrato do delito, seja pelo bem jurídico que por ela é protegido. Como exemplo, podemos citar o delito de roubo, que se tornou pacífica a impossibilidade de aplicação da insignificância. Observem o que tem aplicado a Suprema Corte nestes casos:

HABEAS CORPUS. PENAL. DESCLASSIFICAÇÃO DE ROUBO PARA FURTO: IMPOSSIBILIDADE. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA: DISTINÇÃO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NO CRIME DE ROUBO. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA: OBSERVÂNCIA DO ART. 33 DO CÓDIGO PENAL. 1. O crime de roubo abrange a subtração da coisa e a violência ou ameaça à vítima. Daí a impossibilidade de desclassificação para o crime de furto. 2. Tem-se por consumado o crime de roubo quando, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da coisa subtraída, ainda que retomada logo em seguida. Situação distinta é a veiculada no HC n. 88.259, em que o paciente subtraiu um passe de ônibus, utilizando-se de arma de brinquedo. Considerou-se a particularidade consubstanciada na circunstância de ter sido ele o tempo todo monitorado por policiais que se encontravam no local do crime. Inaplicabilidade desse precedente ao caso ora examinado, em que o paciente teve a posse dos bens subtraídos, ainda que por pouco tempo. 3. A Segunda Turma desta Corte afirmou entendimento no sentido de ser "inaplicável o princípio da insignificância ao delito de roubo (art. 157, CP), por se tratar de crime complexo, no qual o tipo penal tem como elemento constitutivo o fato de que a subtração de coisa móvel alheia ocorra 'mediante grave ameaça ou violência à pessoa', a demonstrar que visa proteger não só o patrimônio, mas também a integridade pessoal" [AI n. 557.972-AgR, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJ de 31.3.06]. 4. O regime inicial semi-aberto é adequado ao disposto no artigo 33, § 2º, II, do CP. Ordem denegada.(STF - HC: 95174 RJ, Relator: EROS GRAU, Data de Julgamento: 09/12/2008, Segunda Turma, Data de Publicação: 19-03-2009)

Como é de costume, os Tribunais de Justiça estaduais também negam a aplicação do aludido princípio a crimes como o de roubo. Analisem as seguintes ementas que, por sua própria clareza, explicam o tema:

RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL - ROUBO MAJORADO PELO EMPREGO DE ARMA E CONCURSO DE PESSOAS - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - ABSOLVIÇÃO - INVIABILIDADE - ARMA NÃO APREENDIDA - IRRELEVÂNCIA - SENTENÇA ACERTADA - RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. É inviável o reconhecimento do princípio da insignificância no crime de roubo, diante da ameaça aos bens jurídicos tutelados pela norma ofendida, quais sejam, o patrimônio e a integridade física da vítima. Na hipótese de perfeita configuração da autoria e materialidade delitivas, referentes ao crime imputado ao agente, torna-se inviável qualquer pretensão absolutória. A prova testemunhal supre a apreensão da arma utilizada no delito. Recurso conhecido e não provido. (TJ-PR - ACR: 5975815 PR 0597581-5, Relator: Jorge WagihMassad, Data de Julgamento: 25/02/2010, 5ª Câmara Criminal, Data de Publicação: DJ: 345)

Apelação criminal. Roubo. Prova. Harmonia.O depoimento da vítima e as declarações das testemunhas, por estarem em consonância, autorizam o decreto condenatório, mormente quando em harmonia com as demais provas acostadas ao feito.Crime de roubo Princípio da insignificância.Quando é ofendido não só o patrimônio, mas também a própria segurança da vítima, fica afasta, definitivamente, o aspecto da pequenez patrimonial e fica patente a incompatibilidade da aplicação do princípio da insignificância no crime de roubo, infração praticada com violência e reveladora de periculosidade do agente, pouco importando o valor da coisa subtraída.(TJ-RO - APR: 10150120060031242 RO 101.501.2006.003124-2, Relator: Desembargador Cássio Rodolfo Sbarzi Guedes, Data de Julgamento: 26/03/2009)

Em crimes como o de homicídio, também não é possível a aplicação do princípio da insignificância, posto que o bem tutelado é indisponível (GRECO, 2014, p. 69). Logo, a jurisprudência tem sido assente no sentido de não ser possível a sua aplicação nos casos de crimes mais graves.

5.3. DOS REQUISITOS PARA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO

Por muito tempo, a jurisprudência dissentiu acerca dos requisitos de aplicação do princípio da insignificância.

Como dito anteriormente, foi com o julgamento do HC n° 84.412 de 2004, que o ministro do STF, Celso de Mello, elaborou os famosos requisitos práticos para a sua aplicação. Vejam quais são os aludidos requisitos com a transcrição da seguinte ementa do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. TENTATIVA DE FURTO . CRIME IMPOSSÍVEL. ESTABELECIMENTO COM APARATO DE SEGURANÇA. ABSOLUTA INEFICÁCIA DO MEIO EMPREGADO. NÃO CONFIGURAÇÃO. REQUISITOS PARA CONFIGURAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA: MÍNIMA OFENSIVIDADE DA CONDUTA DO AGENTE E NENHUMA PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA. 1. O fato de o agente ter sido vigiado pelo segurança do estabelecimento não ilide, de forma absolutamente eficaz, a consumação do delito de furto, pois existiu o risco, ainda que mínimo, de que o agente lograsse êxito na consumação do furto e causasse prejuízo à vítima, restando frustrado seu intento por circunstâncias alheias à sua vontade. 2. O crime impossível somente se caracteriza quando o agente, após a prática da apreensão do objeto, jamais poderia consumar o crime pela ineficácia absoluta do meio empregado ou pela absoluta impropriedade do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal. 4. São requisitos para a incidência do princípio da insignificância a mínima ofensividade da conduta do agente, nenhuma periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada. (Lição do Excelso Supremo Tribunal Federal no HC nº 84.412/SP, Relator Ministro Celso de Mello, in DJ 19/11/2004). 5. O princípio da insignificância não pode ter a finalidade de afrontar critérios axiológicos elementares, pois poderia, erroneamente, ser utilizado como hipótese supralegal de perdão judicial calcado em exegese ideologicamente classista ou, então, emocional. 6. ORDEM DENEGADA (STJ - HC: 115555 SP 2008/0202683-9, Relator: Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), Data de Julgamento: 02/12/2008,T6 - SEXTA TURMA, Data de Publicação: 19/12/2008)

Em igual sentido, notem os requisitos do princípio da insignificância trazido pela própria Suprema Corte na sua página “Glossário Jurídico” em seu site:

o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social. (http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491. Acesso em 08 de abril de 2016)

Por fim, existem ainda os clássicos exemplos trazidos pela doutrina, quais sejam, consideração do valor do bem jurídico em termos concretos, consideração da lesão ao bem jurídico em visão global e consideração particular aos bens jurídicos imateriais de expressivo valor social (NUCCI, 2014, p. 177-178).

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Da análise das hipóteses em face do resultado da pesquisa, é possível concluir que a aplicação do princípio da insignificância como maneira de se alcançar o justo é bem aceita nos tribunais pátrios, seja de primeira ou segunda instanciam e até mesmo no Supremo Tribunal Federal, sendo relevante que a referida não influencia a prática de delitos tidos como insignificantes.

Não há razão para se sustentar posicionamentos que insistam em dizer que o reconhecimento da insignificância de certas condutas possa influenciar a prática reiterada dos crimes de bagatela, uma vez que é pacífico no Supremo Tribunal Federal que para a aplicação do princípio da insignificância é necessário o preenchimento de alguns requisitos.

Logo, quando da aplicação do referido princípio, além da análise da inexpressividade da lesão, do reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e da mínima ofensividade da conduta, o magistrado deve analisar a vida pregressa do indivíduo, sob pena de, desta forma, influenciá-lo a sempre cometer pequenos delitos.

Em que pese existam poucas correntes doutrinárias e jurisprudenciais que sustentem ser incabível o reconhecimento da insignificância em algumas condutas, o que predomina é o entendimento que tal princípio é sim aplicável no Direito Penal Brasileiro.

O entendimento predominante é o de que, se não há lesão expressiva a algum bem jurídico tutelado, não há razão para que uma pena seja imposta. É o que dispõe o princípio da lesividade, pelo qual não há crime se da conduta não resulta lesão.

Ademais, o Direito Penal brasileiro tem caráter fragmentário, isto é, só deve se ocupar daqueles bens jurídicos que efetivamente não foram tutelados por outro ramo do direito. Ora, tratando-se de pequenas lesões a bens jurídicos, outro ramo do direito, como o Civil por exemplo, pode muito bem apreciar tais casos.

Não é muito ainda ressaltar que, o Direito Penal foi cunhado sob o princípio básico da intervenção mínima, pelo qual este deve ser a ultima ratio, só se aplicando quando nenhum outro ramo do direito conseguir tutelar determinados bem jurídicos. Tal princípio diz que o Estado, através do Direito Penal, não deve intervir na vida social senão quando os outros ramos do direito forem insuficientes.

O presente trabalho analisou minuciosamente todas as correntes doutrinárias e jurisprudenciais atinentes ao tema, o que contribuiu para a formação de um conceito amplamente aceito no ordenamento jurídico brasileiro.

Desta forma, é possível depreender que foi estabelecido um conceito amplo do princípio da insignificância, pelo qual o Direito Penal não deve se ocupar de lesões inexpressivas.

Segundo Claus Roxin, a análise da tipicidade não é meramente a análise do tipo formal, ou seja, se a conduta se encaixa à figura delitiva abstratamente prevista. É preciso ir mais a fundo, principalmente questionando se não existe alguma outra norma no direito que permita ou fomente a conduta formalmente típica. Se presente tal norma, a conduta não merece ser punida.

A referida análise é o que Zaffaroni denominou de juízo de tipicidade, segundo o qual o crime deve ser analisado sob a perspectiva de todo o ordenamento jurídico. Isto é o que o autor chamou de análise da tipicidade conglobante.

Além disso, ficou claro que a jurisprudência brasileira, assim como a doutrina, é pacífica em aceitar o reconhecimento do princípio da insignificância como princípio basilar do direito penal.

É sempre necessário lembrar que um Estado Democrático de Direito é constituído, sobretudo, por princípios. Assim sendo, não há como negar importância ao princípio cunhado por Claus Roxin, uma vez que não existe nenhum motivo aparente para se mover a máquina do judiciário a fim de impor uma pena ao agente que, por exemplo, furtou um biscoito cujo valor não cobriria sequer as custas processuais.

Diante do exposto, poucas são as correntes doutrinárias que se postam contra o princípio de Roxin, o que mostra a relevância do assunto, uma vez que tal princípio é uma das medidas mais escorreitas para corrigir a falha de aplicação da letra fria da lei.

Analogicamente, o princípio da insignificância pode ser equiparado à Régua de Lesbos, citada por Aristóteles em sua obra Ética a Nicômaco, quando ele trata da equidade. O referido instrumento servia para medir blocos de concreto, cuja superfície não era completamente plana. Como a régua era maleável, era possível medir os blocos perfeitamente.

Por outro lado, as leis abstratamente previstas são como réguas consistentes, que não admitem envergadura. Logo, diante de um caso concreto, é possível que partes do “bloco” (leia-se caso concreto) fiquem sem ser medidas, o que conduz a sérias injustiças na aplicação do direito.

Por esta razão, o princípio da insignificância, com o decorrer do tempo constituiu um dos instrumentos mais eficazes para corrigir as imperfeições das leis abstratas que, basicamente tentam prever fatos futuros, mas não conseguem fazê-lo, seja por ineficácia, ou mesmo por impossibilidade.

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TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed.São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

ZAFFARONI, Eugênio Raúl. PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro: Parte Geral. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. 


Publicado por: Kaique Francis Rodrigues Bueno

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