O Novo Código Comercial: Análise de carga principiológica entre direito civil e direito empresarial

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1. RESUMO

Esta pesquisa tem por objetivo conhecer e analisar as diferentes cargas principiológicas entre o Direito Civil (Sociedade Civil) e o Direito Empresarial (Mercado), bem como explicitar a importância de tais princípios dessas duas áreas do Direito como fontes norteadoras. Tem como alvo, igualmente, confeccionar uma colisão proposital entra tais princípios para, ao final, extrair e apontar os principais pontos positivos e as problemáticas envolvendo o possível Novo Código Comercial, que, há alguns anos, vem sendo um ator principal nas discussões jurídicas dentro do Senado brasileiro. A reforma do Código Comercial entrou oficialmente em pauta em 2013, com a redação do Projeto de Lei nº 487/2013, do Senado, de autoria do Senador Renan Calheiros (MDB/AL). Esta pesquisa busca captar na doutrina e no debate atual as opiniões favoráveis e divergentes com mais relevância, bem como será contextualizado com breves aspectos históricos, incluindo o Código Comercial Imperial 1850, com a devida análise do contexto social da época, caminhando para um texto coeso onde fique exposto um nível de similaridade ou contraste importante entre as duas diferentes áreas do Direito. As diferenças legais serão apresentadas, conceituando de maneira clara e sucinta as diferenças principiológicas para que, finalmente, se tenha uma visão ampla, porém não definitiva, do que as autoridades legislativas pretendem entregar à sociedade brasileira com esse novo Código Comercial. Da mesma forma, perante o método de pesquisa empregado às doutrinas, debate e, principalmente, os princípios, objetiva-se aprender igualmente se o Código Civil de 2002 consegue entregar o que é dele esperado nas relações comerciais, bem como se é viável continuarmos com o modelo atual, ou, por ventura, reformarmos e simplificarmos nossas relações comerciais.

Palavras-chave: Código Comercial. Princípios do Direito Civil. Princípios do Direito Empresarial. Direito Comercial. Direito Empresarial.

ABSTRACT

This research aims to understand and analyze the different principles between Civil Law (Civil Society) and Business Law (Market), as well as explaining the importance of the principles of these two areas of Law as guiding sources. It also aims to create a purposeful collision between these principles to, in the end, extract and point out the main positive points and the problems surrounding the possible New Commercial Code, which, for some years, has been a major player in legal discussions within of the Brazilian Senate. The reform of the Commercial Code officially entered the agenda in 2013, with the drafting of Bill 487/2013 of the Senate, authored by Senator Renan Calheiros (MDB / AL). This research seeks to capture in the doctrine and current debate the most favorable and divergent opinions, as well as being contextualized with brief historical aspects, including the Imperial Commercial Code 1850, with due analysis of the social context of the time, moving towards a cohesive text where an important level of similarity or contrast is exposed between the two different areas of law. The legal differences will be presented, clearly and succinctly conceptualizing the principle differences so that, finally, there is a broad, but not definitive, view of what the legislative authorities intend to deliver to Brazilian society with this new Commercial Code. Likewise, in view of the research method used for doctrines, debate and, mainly, the principles, the objective is also to learn whether the Civil Code of 2002 manages to deliver what is expected of it in commercial relations, as well as whether it is feasible to continue with the current model, or, perhaps, we reform and simplify our commercial relations. 

Keywords: Commercial Code. Commercial Relations. Principles of Civil Law. Principles of Business Law. Commercial Law. Business Law

2. INTRODUÇÃO

Talvez a maior particularidade do ser humano seja se relacionar comercialmente. Muito antes do Mercado ser o que conhecemos hoje, as relações de negócios se faziam presentes e indispensáveis para manter, não apenas uma subsistência básica no início, mas também o ritmo do avanço e da modernização da raça humana. Claramente pautada na força física dos substituíveis e na força econômica dos mais ricos, as relações comerciais antigas eram repletas de insegurança e abusos, já que não existiam leis que pudessem regrar a sociedade em sua crescente sede de comércio, riqueza e bens cada vez melhores. Naquele cenário em que não se pode identificar uma clara condução e regramento das condutas comerciais realizadas, as pessoas inseridas nas relações comerciais transgrediam valores da boa-fé negocial e se condicionavam um bom negócio à fé ou sorte, já que esses povos mais antigos se baseavam apenas em tradições e costumes para negociar.

A partir do incremento da legislação, o indivíduo sobreveio a trazer para a sociedade a razão de inventar regulamentos e normas para se experimentar o comércio organizado, desse modo progredindo diante das dificuldades que iam aparecendo. E é a partir desse empenho que apareceram as primeiras normas que regulam a atividade negocial e comercial com o Código de Hamurabi, na Babilônia, “(…) mas ainda não como um complexo sistema de Direito Comercial, e sim como uma forma de regulamentar o comércio marítimo praticado à época, bem como alguns contratos típicos, como os de depósito, de transporte e de empréstimo”. (COMETTI, 2020).

As sociedades, graças ao comércio, foram se desenvolvendo. Por esse motivo é muito justo o comércio ser visto como uma das bases de tudo, pois é o conjunto de atos que geram a verdadeira riqueza dentro da sociedade, proporcionando a ela, recursos para os estudos científicos e muito mais. A miscelânea de culturas e povos foi ocorrendo e, decorrente disso, os negócios aumentando e se tornando igualmente mais complexos.

O aparelhamento entre legislação e comércio, ela regrando ele, veio na sua forma mais rígida, no Direito Romano, já que não apenas a compra, venda e troca eram comuns, como também as profissões e a produção de bens em uma quantidade cada vez mais maior se tornava hábito da sociedade, que era majoritariamente artesanal, com pouquíssimas opções mecânicas, sempre arcaicas, para auxiliar.

Apesar do avanço comercial com uma lei ampla para a época, principalmente quando analisada sob a óptica da densidade demográfica que estava abaixo dela, pode-se verificar que a sociedade se modernizava muito mais rápido do que a legislação. Na obra “Princípios do Direito Comercial”, do autor Alfredo Rocco, é exposto que a “excessiva burocracia e o constante formalismo romano traziam mais segurança, entretanto, essa rigidez se mostrava contraria às necessidades do dinâmico comércio em ascensão. ”

O Direito Comercial só cria certa autonomia, como matéria jurídica, na Idade Média, quando as produções e negócios tiveram que acompanhar o crescimento da população europeia. Ao longo desse período em diante, chegando na Idade Moderna, surgem linhas comerciais marítimas longas. Através dos descobrimentos e navegações, a Europa, com o comércio interno muito fervoroso e com seus grandes centros urbanos em formação, se conecta com a Ásia e chega no nosso continente Americano. A partir desse momento começa a surgir o capitalismo comercial e a importância dos contratos particulares como conhecemos hoje.

“Nesse contexto, diante da insuficiência do Direito Civil e das antigas normas (...) para disciplinar as novas relações comerciais, nasce um novo ramo autônomo do Direito Privado: o Direito Comercial”. (COMETTI, 2020).

Nesse sentido, a humanidade presenciou, nos últimos quatro séculos, a importância das corporações comerciais, dos costumes negociais regionais e da internacionalização das leis comerciais e de seus estudos.

Dentre os principais acontecimentos históricos, cabe enfatizar dois, de suma importância: o Código Comercial Francês, de 1807, e, posteriormente, nosso Código Comercial pátrio, de 1850. Ambos trazem muita relevância introdutória para uma pesquisa que deseja estruturar um caminho até os princípios do Direito Civil e do Direito Empresarial brasileiros do século XXI.

A importância do Código Comercial Francês (Código Napoleônico) se dá, entre outras coisas, no sentido cotidiano que ele insere nos atos de comércio. A lei passa a tratar dos incontáveis atos de comércio e não apenas de comerciantes habituados a tal pratica. É difícil, nos dias atuais, enxergar precisamente a diferença entre “direito dos comerciantes” e “direito das negociações”. Diante de tal dificuldade, é certo afirmar que a questão aqui é a abrangência. Nas palavras de Edilson Enedino das Chagas “(...) promulgado por Napoleão em 15 de setembro de 1807, que retirou o foco de proteção do direito comercial de uma classe (dos matriculados nas corporações de oficio) e o transferiu aos atos de natureza comercial, enumerados pela lei. ” Diante disso “Tornou-se objetivo o direito comercial, é dizer, transformou-se em um ramo de direito aplicável a determinados atos e não em determinadas pessoas. ” (COELHO, 2015).

Pouco mais de quatro décadas depois, aprovado pela lei n. 556, de 25 de junho de 1850, o Código Comercial do Império Brasileiro. Importante arranjo jurídico-institucional ocorrido ao longo das primeiras décadas após a Independência, constituindo-se um dos aspectos do processo de consolidação do Estado brasileiro, demonstrando a importância das relações comerciais em nossa pátria. O ato não só regulamentou as atividades comerciais e a profissão de comerciante, como estabeleceu garantias para a realização das operações comerciais e instituiu um aparato burocrático exclusivo para as causas mercantis, os tribunais e juízos comerciais.

Ante ao exposto e perante as diferentes nuances históricas, o caminho percorrido pelo Direito Comercial chega em 1942, quando, na Itália, surge a Teoria da Empresa. Uma tentativa de alargamento das normas comerciais, que acaba por se voltar, como um pêndulo histórico, para a figura do comerciante, deixando um pouco de lado o sistema objetivo Francês, e assim dando origem ao termo “empresário”.

Definidos os desenhos “modernos” do Direito Civil e do Direito Empresarial, entende-se que há, em todas as culturas a que eles se aplicam, suas fontes basilares, onde temos os princípios que, inicialmente, nada mais eram que ideias implícitas dentro dos textos confeccionados pelos nobres legisladores, até que sejam emergidos pelos estudos e pesquisas jurídicas, junto de uma importante dose decisões que transformam e moldam as interpretações pelo tempo. O mesmo acontece com os princípios. São objetos permanentes de interpretação, revisão e debate, pois, até posteriormente a serem figurados literalmente como princípios, com sua vestimenta de norma jurídica, continuam com sua maior parte cravadas de forma implícita na lei. Há, nesta pesquisa, um desígnio agregado de distinguir os princípios das regras, recorrendo às disposições defendidas majoritariamente, sem negligenciar, no entanto, as disposições isoladas e por vezes divergentes.

A importância de se delinear a pesquisa no mote célere de traçar um posicionamento, mesmo que o objetivo da mesma não seja esgotar o assunto, é prudente caminhar como se o fosse, para que dessa forma se possa chegar em uma conclusão humilde sobre a positividade ou não, de se reformar nossa legislação comercial com o nascimento de um novo Código.

Analisando o assunto através da visão de uma problemática apresentada e reconhecendo as estatísticas, surgiu a necessidade de desenvolver uma opinião. Ela nascerá ao decorrer desta pesquisa.

Partindo desse princípio é que esse projeto de pesquisa foi desenvolvido, a leitura dos princípios do Direito Civil e Direito Comercial vão além do que realmente são no que tange aos desafios de confronta-los para formar uma única consideração. É necessário desenvolver uma análise, que contribua, ainda que de forma mínima, para um fluxo de trabalhos e pesquisas que visam a discussão de um Direito Civil mais eficiente, assim como mais segurança jurídica para o empresariado brasileiro.

A dificuldade do que é proposta se dá pela abrangência do assunto, por conta disso, é de soberana importância salientar ainda que este estudo não tem o objetivo de esgotar a matéria abordada. Entretanto, a pesquisa pretende captar e apresentar material rico de conteúdo.

As principais fontes de coleta de informações e dados realizaram-se em livros doutrinários, artigos, revistas, jurisprudências, artigos científicos de juristas e autores que abordam a questão do Direito Empresarial e Direito Comercial.

A presente pesquisa possui a função acadêmica, para que o leitor possa desenvolver uma opinião crítica sobre o assunto, posicionando-se conforme o que melhor lhe convença.

Os princípios do Direito sempre merecem o melhor o debate. Esse é o ponto de referência do que se segue.

3. A DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIO JURÍDICO

O princípio tem como significado literal ser a origem, o início ou a essência de algo. Os princípios jurídicos seguem o mesmo caminho, já que são a causa primária, o objetivo intrínseco de alguma norma. Dessa forma, os princípios jurídicos são as colunas da norma, tendo proporcionalidade e abrangência abundante e sem nenhuma validade ou prazo determinado. José Miguel Medina (2013) faz uma análise:

[...] há também a tendência de se chamar um valor não transposto para o Direito de princípio. Não me refiro aos princípios oriundos do direito natural — afinal, creio que pouco ou nada sobrou de direito natural que tenha ficado fora do âmbito normativo. Aludo, aqui, por exemplo, a valores pessoais do intérprete/aplicador do Direito. Embora essa postura nem sempre (ou quase nunca) seja assumida, parece ser possível entrever que, entre nós, ainda que de modo dissimulado, impera a ideia de que princípios são preferências pessoais. Também lidamos com os princípios como se fossem valores quando procuramos conhecer um grupo social, para, daí, definir, à luz dos valores supostamente mais importantes numa comunidade, o que devemos entender, por exemplo, por moralidade administrativa (artigo 37, caput, da Constituição). A questão aqui, reside em saber se tais valores podem ser levados em consideração (sejam ou não chamados de princípios), para se resolver questões.

Importante enfatizar a questão da resolução dos problemas por meio da hermenêutica dos princípios jurídicos, dessa forma, um valor que não pode ser usado perante um conflito aparente de normas, ou em outras ocasiões que se assemelhem, torna-se ineficaz como princípio. Fica demonstrado a função ampla dos princípios jurídicos, que vão muito além de manuais de conduta filosóficos.

Os princípios são detentores de alta imperatividade e carregam um teor normativo gigantesco, ou seja, caso sejam contrariados irá se configurar ali uma ilegalidade, independentemente de suas diferenças com a norma, ele pode ser considerado como uma grande norma; a mãe das normas em sua respectiva área em que é basilar. No caso de violação de um princípio constitucional, por exemplo, fica configurada uma inconstitucionalidade.

Nesse sentido, adverte Celso Antônio Bandeira de Mello, sobre os efeitos das inobservâncias em relação aos princípios:

“Princípio - já averbamos alhures - é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalização do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo [...]. Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade”. (MELO, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo. 12ª ed. – São Paulo: Malheiros, 2000, p. 747)

É bem claro a importância de os fatos estarem em concordância com os princípios, porém os princípios jurídicos são ferramentas indispensáveis na solução de eventuais – e habituais – lacunas jurídicas e conflito aparente de normas. Mesmo após um princípio ser elencado para resolver eventual conflito, por razão de ser o mais aplicável ao caso concreto, o princípio eventualmente deixado de lado continuará existindo e poderá ser evocado em outro momento, sem qualquer tipo de consequência a sua existência.

Segundo Miguel Reale:

“Princípios são, pois verdades ou juízos fundamentais, que servem de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos à dada porção da realidade. Às vezes também se denominam princípios certas proposições, que apesar de não serem evidentes ou resultantes de evidências, são assumidas como fundantes da validez de um sistema particular de conhecimentos, como seus pressupostos necessários”. (REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 1986. p 60).

3.1. O PRINCÍPIO EM RELAÇÃO À REGRA

As fontes do direito estão previstas no artigo 4.º da Lei de Introdução ao Código Civil que estabelece: "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito". Assim, o intérprete é obrigado a integrar o sistema jurídico, ou seja, diante da lacuna (a ausência de norma para o caso concreto), ele deve sempre encontrar uma solução adequada. Basta analisar o verbo “decidirá” para entender que o sistema jurídico ordena a decisão do caso concreto.

Apesar de existir uma imagem de escassez de princípios em relação às normas, trata-se de uma relação equilibrada pois os princípios são muito mais abrangentes, sendo que sempre um princípio será utilizável a um caso concreto e, algumas vezes, mais de um.

Machado conceitua a fonte do direito da seguinte forma:

A fonte de uma coisa é o lugar de onde surge essa coisa. O lugar de onde ela nasce. Assim, a fonte do Direito é aquilo que o produz, é algo de onde nasce o Direito. Para que se possa dizer o que é fonte do Direito é necessário que se saiba de qual direito. Se cogitarmos do direito natural, devemos admitir que sua fonte é a natureza humana. Aliás, vale dizer, é a fonte primeira do Direito sob vários aspectos.

Conforme o exposto acima, fonte constitui o lugar de onde surge o direito, ou seja, sempre que se tratar de fonte do direito deve-se entender o seu ponto de partida, o seu início. Se num determinado povo, por exemplo, as pessoas costumam fazer algo que venha a culminar numa lei, a sua fonte é entendida como o costume daquele determinado povo, pois o diferencia dos outros povos e, sem esse costume, essa lei não surgiria. Del Vecchio assevera que “fonte de direito in genere é a natureza humana, ou seja, o espírito que reluz na consciência individual, tornando-se capaz de compreender a personalidade alheia, graças à própria. Desta fonte se deduzem os princípios imutáveis da justiça e do Direito Natural.”

4. OS PRINCÍPIOS DO DIREITO CIVIL

O Direito Civil como legislação macro; ampla, é filho da Corpus Juris Civilis. Assim, é facilmente perceptível que o Direito Civil é o maior em conteúdo e durante muito tempo foi o mais importante na maioria das culturas ocidentais, sendo indispensável para qualquer fato juridicamente relevante da sociedade, abrangendo todo o direito existente sobre seu título.

Ao decorrer do tempo o Direito Civil, assim como todos os ramos, evoluiu e sofreu mutações até chegar ao que conhecemos hoje, com todo um enorme conteúdo que reside no Código Civil Brasileiro. Nas palavras Maria Helena Diniz: “o direito civil é, pois, o ramo do direito privado destinado a reger laços familiares, patrimoniais e obrigacionais que se formam entre indivíduos encarados como tais, ou seja, enquanto membros da sociedade” (2015. p. 61).

4.1. PRINCÍPIO DA SOCIABILIDADE

É comum encontrar leituras que relacionam tal princípio com a revolução francesa – demonstrando ainda mais a influência de tal evento histórico na juridicidade brasileira – já que o lema da mesma era Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Como diz Bertocco: “o princípio da Sociabilidade é aquele que impõe prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, respeitando os direitos fundamentais da pessoa humana. (2009, p. 01).

Basicamente, este princípio garante a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, ou seja, quando houver um conflito entra um direito coletivo com outro individual, este princípio terá um peso de importância, se não indispensabilidade, para a resolução de fatídico conflito.

Conforme apresentado, o conteúdo é reiterado por Carlos Roberto Gonçalves que:

“se houver no caso concreto, uma colisão entre direitos individuais e coletivos, os coletivos terão um peso maior, pois se refere à coletividade. Este caráter social pode ser verificado em vários dispositivos, por exemplo, no artigo 422, do Código Civil, onde se lê que “a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato””. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, volume 1. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013)

4.2. PRINCÍPIO DA ETICIDADE

Esse princípio elege o valor da pessoa humana como fonte para todos os demais valores. Trata-se de uma síntese dos critérios éticos de uma relação e interatividade humana. A Eticidade nada mais é que a boa-fé objetiva. É um princípio indispensável para a regulação da vida em sociedade. "O princípio da eticidade funda-se no valor da pessoa humana como fonte de todos os demais valores. Prioriza a equidade, a boa- fé, a justa causa e demais critérios éticos.” (GONÇALVES, 2020, p. 29)

Tal princípio traz duas grandes vantagens quando se trata de resolução de problemas no momento de decisão do juízo competente, podendo ele ter uma liberdade discricionária para resolver algo pouco comum e previsível, bem como resolver a discussão sobre um contrato, fazendo com que o desfecho seja menos agressivo financeiramente para as partes.

4.3. PRINCÍPIO DA OPERABILIDADE

O princípio da operabilidade é autoexplicativo em seu título já que tem o objetivo de tornar o direito civil mais operacional; mais acessível, isso de vários pontos de vista, inclusive o da compreensão, tanto a que precede, tanto a que sucede a aplicabilidade do Direito Civil.

Ora, se o direito é aplicado na sociedade, ele deve ser ao menos aplicável, e para ser aplicável ele deve ser compreendido, e é disso que se trata o princípio ora analisado.

Neste princípio, existe uma busca pela simplificação, dentro do possível, da aplicabilidade do direito.  No bojo deste princípio está o concreto (não abstrato), em outras palavras o direito precisa ser aplicado e a legislação precisa ser criado para algo, deixando de lado as vacâncias recorrentes. É necessário existir uma concretude.

Nesse sentido, Carlos Roberto Gonçalves escreve e exemplifica:

Por essa razão, o novo Código evitou o bizantino, o complicado, afastando as perplexidades e complexidades. Exemplo desse posicionamento, dentre muitos outros, encontra-se na adoção de critério seguro para distinguir prescrição de decadência, solucionando, assim, interminável dúvida. (GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 1. 11ª ed. São Paulo: Saraiva. 2013)

Também afirma o próprio Miguel Reale, quando escreve sobre tal princípio:

“Concretude, que é? É a obrigação que tem o legislador de não legislar em abstrato, para um indivíduo perdido na estratosfera, mas, quanto possível, legislar para o indivíduo situado: legislar para o homem enquanto marido; para a mulher enquanto esposa; para o 'lho enquanto um ser subordinado ao poder familiar. Quer dizer, atender às situações sociais, à vivência plena do Código, do direito subjetivo como uma situação individual; não um direito subjetivo abstrato, mas uma situação subjetiva concreta. Em mais de uma oportunidade ter-se-á ocasião de verificar que o Código preferiu, sempre, essa concreção, para a disciplina da matéria.

5. PRINCÍPIOS DO DIREITO EMPRESARIAL

Como em qualquer outro ramo do direito, os princípios são as colunas do direito empresarial e nascem da Constituição, do Princípios que regem Código Civil de 2002 e acabam fundamentando as relações comerciais nele inseridas indiretamente e das legislações especializadas, como a Lei Falimentar, por exemplo.

5.1. PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

A atividade empresarial é a locomotiva do desenvolvimento econômico e social, essa atividade ocupa um lugar de destaque em praticamente todas as nações do mundo, principalmente em nossa pátria, que carece de um maior crescimento econômico orgânico capaz de sanar os inúmeros problemas sociais que nossa sociedade enfrenta. Dessa forma fica muito claro que a empresa tem um cunho comunitário/humanitário. Este princípio é realmente muito abrangente, necessitando de uma carga filosófica muito grande para receber uma análise mais profunda, já que quando falamos do termo “função social” normalmente estamos diante de uma situação em que o interesse público limite e regula o interessa privado, entretanto, sob a ótica unicamente jurídica pode-se verificar que este princípio gera duas grandes proteções à empresa como instituição: (i) se a empresa tem função social, cabe ao Estado proteger a manutenção de sua atividade; e (ii) se a empresa tem função social, ela necessita de proteção inclusive dos atos de seus sócios, para que a atividade empresarial seja conduzida de forma a trazer desenvolvimento para a própria empresa e, indiretamente, ao resto da sociedade. Nas palavras de Edilson Enedino das Chagas, “A função social da empresa não a protege somente contra atos ruinosos dos seus sócios, senão também impondo ao poder público a preservação da atividade empresarial”.

5.2. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA

Esse princípio, segundo a doutrina e as decisões proferidas no judiciário brasileiro, decorre diretamente do princípio da função social da empresa, já que, por decorrência dele, a empresa precisa ser protegida e colocada em primeiro lugar, inclusive quando colocada frente aos atos danosos dos sócios. Isso se dá em função da importância da empresa como vetor de produção de riquezas no comércio de bens e na prestação de serviços. Dessa forma entende-se que proteger a empresa é equivalente ao proteger essa circulação de riquezas que, por ora, é a base da economia moderna.

Nesse sentido, é possível analisar que o princípio da preservação da empresa “reconhece os efeitos negativos da extinção de uma atividade empresarial, que acarreta prejuízos não só aos investidores, como a toda a sociedade”. (CHAGAS. 2017. p. 55)

Outro ponto fundamental que norteia tal princípio, e que também deriva da função social da empresa, é a geração de empregos e o desenvolvimento econômico. Ora, pensando na sociedade de hoje, a empresa tem papel ímpar, senão único, sendo que somente ela é capaz de gerar riqueza, independentemente de seu tamanho. A tecnologia é sustentada por recursos que advém das empresas, direta ou indiretamente, afinal até mesmo o dinheiro público advém de tributos pagos por empresas ou por pessoas que trabalham nelas. Nesse sentido, um cenário negativo para a empresa é um cenário negativo para a sociedade em geral.

Seguindo a lógica, importante tratar brevemente da diferença entre a proteção à empresa como empreendimento e a proteção da sociedade empresária como relação de vontade dos sócios em se associar. Assim conceitua Fábio Ulhoa Coelho:

“O princípio da preservação da empresa, o que se tem em mira é a proteção da atividade econômica, como objeto de direito cuja existência e desenvolvimento interessam não somente ao empresário, ou aos sócios da sociedade empresária, mas a um conjunto bem maior de sujeitos. Na locação identificadora do princípio, “empresa” é o conceito de sentido técnico bem específico e preciso. Não se confunde nem com o seu titular (“empresário”) nem com o lugar em que explorada (“estabelecimento empresarial”)”  COELHO, F. U. (2015). Curso de Direito comercial: Direito de empresa (19ª ed.). São Paulo, SP: Saraiva.

Fica claro que o que se busca preservar, na aplicação do princípio da preservação da empresa, é, portanto, a atividade, o empreendimento.

5.3. PRINCÍPIO DA LIVRE INICIATIVA

Há aqui um princípio fundamental de ordem constitucional que figura no artigo 170 da Constituição Federal de 1988:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, [...]

O artigo que abre o capítulo dos princípios gerais da atividade econômica é exatamente o ventre do direito que o cidadão tem de ter acesso à produção de bens e serviços por conta e risco de outro cidadão em qualquer atividade econômica, ainda que na prática, alguns nichos de mercado são explorados exclusivamente por entes estatais. De acordo com Fábio Ulhoa Coelho, o princípio da livre iniciativa se desdobra em quatro condições fundamentais: "imprescindibilidade da empresa privada para que a sociedade tenha acesso aos bens e serviços de que necessita para sobreviver; busca do lucro como principal motivação dos empresários; necessidade jurídica de proteção do investimento privado; e reconhecimento da empresa privada como polo gerador de empregos e de riquezas para a sociedade" (COELHO, 2015. p. 41)

É perceptível que tal princípio termina onde a função social da empresa se inicia, sendo que essa “fronteira” é o que traz o equilíbrio para que dessa forma o cidadão tenha liberdade (civil e política) de se tornar empresário e como tal buscar seu lucro, bem como exercer o papel que o cabe na coletividade.

5.4. PRINCÍPIO DA LIVRE-CONCORRÊNCIA

Como mostrado anteriormente, o princípio constitucional da livre iniciativa chama para si um aspecto político junto às nuances econômicas, trazendo logo em seguida o princípio da livre concorrência como complemento. As palavras de Edilson Enedino das Chagas corroboram tal reflexão:

Intrinsecamente ligado ao princípio da livre-iniciativa, tem-se o princípio da livre-concorrencia. Ambos são complementares, mas, enquanto a livre-iniciativa aponta para a liberdade política, que lhe serve de fundamento, a livre concorrência significa a possibilidade de os agentes econômicos poderem atuar sem embaraços juridicamente justificáveis, em determinado mercado. (CHAGAS, 2017. p. 57)

Existe aqui um caráter de ferramenta. Tal princípio é o instrumento pelo qual a livre iniciativa consegue emanar plenamente sua vigência já que a livre concorrência serve como instrumento para que o mercado livre possa alinhar os preços de mercadorias e serviços, tudo baseado na disputa de clientes e melhoria de serviços, de forma que os atos das autoridades administrativas não devem nortear tais fatos, e sim somente combater o abuso de poder econômico, entrando em conflito e punindo os oligopólios, monopólios e carteis.

5.5. PRINCÍPIO DA LIVRE ASSOCIAÇÃO

O Princípio da Liberdade de Associação encontra-se na Constituição Federal no art. 5º, XVII e XX:

“XVII. É plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar

XX. ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”

Trata-se de uma liberdade política, destinada a garantir que todos possam se unir àqueles com quem mantém qualquer afinidade de interesse – a affectio societatis. É a máxima demonstração da vontade do cidadão, e aplica-se esse princípio, sobretudo, às sociedades empresárias, que são pessoas jurídicas constituídas para disponibilizar aos seus integrantes melhores meios para eles atingirem o objetivo comum de lucrar com a exploração de uma atividade econômica lícita.

 Graças ao princípio ora exposto o indivíduo que ingressa no mercado é protegido pela liberdade se estiver revestido de legalidade em seu busca pelo progresso e pelo lucro.

O direito de associação resume-se, nas palavras de Sérgio Botrel “ao reconhecimento de que os particulares poderão explorar atividades econômicas, que são garantidas e limitadas tanto na CF/88 quanto em normas infraconstitucionais e autorregulatórias. Há, assim, uma perspectiva constitucional que deve ser considerada para regular os interesses dos agentes econômicos”. Nesse sentido, assim como nos princípios anteriores, fica aqui a noção de que a liberdade não é absoluta e ela própria serve como limite quando praticada lado a lado com os outros princípios, sejam de ordem constitucional ou não, pois o próprio conceito de liberdade aqui é o direito do cidadão de poder atuar como associado, empresário ou consumidor com a menor restrição de liberdade possível, mas sempre respeitando os limites constitucionais e legais.

6. A COMPATIBILIDADE ENTRE AS CARGAS PRINCÍPIOLÓGICAS

Há necessidade de traçar um panorama, de forma mais objetiva possível, para que uma dúvida seja contemplada: Existe a necessidade de um Novo Código Comercial?

Obviamente tal resposta virá não de uma pesquisa, mas de várias, sem contar as decisões jurisprudenciais e os debates legislativos que nos levarão mais a fundo na questão, sendo que, mesmo assim, há necessidade de navegarmos na direção da resposta, mesmo que não haja em curto prazo uma resposta satisfatória aos operadores do direito em geral. Desse modo fica evidenciada a prudência em colocar frente a frente as cargas principiológicas que regem as matérias do direito Empresarial e do direito Civil.

Entretanto, antes de qualquer explanação, cabe uma exposição da experiência italiana em inserir o direito Comercial dentro do Codificação das leis do Direito Civil. Para fins de contextualização o leitor deve compreender as diferentes fases pelas quais o direito comercial como matéria autônoma passou: (i) a fase subjetiva é o encontro de anos de avanço do comércio sem nenhum tipo de regramento geral positivado. Tudo isso forma o instituto das corporações, decorrente da jus civile Romana. Basicamente, nesta fase, a figura da corporação era o principal centro de controle e regramento da atividade da mercancia, inserida sob o guarda-chuva da lei civil. Nesta fase, o Direito Comercial, com a devida equivalência à época, era aplicável aos comerciantes pertencentes às corporações.

Expõe sobre a fase subjetiva, Fran Martins (2017):

A primeira fase foi a subjetiva, na qual o sujeito era o burguês, ou melhor, os matriculados nas corporações de oficio.

Ainda sobre a fase subjetiva, Edilson das Chagas (2017):

Surge, como vimos, na Idade Média, quando a Europa estava fragmentada. Tratava-se de um direito essencialmente de classe, especificamente das corporações de ofício, e cuidava especialmente da mercancia. O direito comercial dessa fase era criado por essas corporações de oficio, as quais, por terem uma estrutura corporativa e classista, tiveram força política e econômica necessárias ao estabelecimento de regras próprias para os comerciantes;

(ii) a fase objetiva nasce com a desvinculação do direito comercial do direito civil sendo superada, graças a Lei Chapelier, de 1791, e ao Código Comercial Napoleônico, de 1807, a liberdade profissional, de comércio e trabalho passaram a ser regidas pela legislação comercial, deixando de lado o status das corporações que, quase sempre, viviam em meio a um mar de privilégios enquanto criavam restrições às liberdades comerciais.

Nesse sentido, Edilson de Chagas demonstra:

Os ideais da Revolução Francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) não se compatibilizavam com um ramo do direito que se preocupasse exclusivamente com a garantia de privilégios classistas aos matriculados nas corporações de oficio;

(iii) A Fase Subjetiva Moderna e a Teoria da Empresa trazem novamente a unificação das normas civis e empresariais com a edição, em 1942, do Codice Civile, na Itália, contudo a figura principal volta a ser o comerciante, que agora passa a ser denominado “empresário”. Fábio Ulhoa Coelho, na obra Manuel de Direito Comercial salienta que “a teoria da empresa corresponde ao marco último da evolução do direito comercial”. (p. 8)

Com as fases devidamente apresentadas, podemos perceber que estamos a frente de um fato que pode, nas devidas proporções, repetir o passado quando a separação das legislações, trazendo mais autonomia ao direito comercial. Sendo, por esse motivo, indispensável tal analise dos princípios da sociedade civil e do mercado.

Passando a uma análise mais exemplificativa da comparação entre os princípios apresentados, é nítido que os princípios que regem o direito Civil têm como centro de tudo o caráter antropocêntrico, como é observado no princípio da sociabilidade, enquanto o direito comercial tem como cerne a empresa como instituição, como pessoa jurídica e as relações societárias e contratuais. Dessa forma, apesar de não se excluir totalmente o indivíduo da legislação empresarial, tudo se converte a um aspecto patrimonial imediato. Dessa forma, uma pessoa mais habilidosa comercialmente pode chegar a um desfecho mais lucrativo, deixando a outra parte com certo prejuízo econômico.

A figura de uma parte “vencedora” na relação contratual é o ápice do conflito entre os princípios da livre iniciativa e livre concorrência com o princípio da eticidade, sendo que, em muitos casos, a exposição da vontade da parte menos habilidosa é suprida pela força dos princípios civis que protegem exageradamente sob a justificativa da falta de ética, e eventualmente prejudicando empresários que agem conforme a pretensão da obtenção de lucro ou a fuga de maior onerosidade. Podemos avaliar que tais decisões vão em desfavor à ética do empresário, que é diferente da boa-fé objetiva civilista.

Entretanto, nessa lógica, o princípio da operabilidade é um grande ponto de convergência, pois ele possibilita, sem exageros, o aumento da eficiência do juízo, dando uma liberdade discricionária ao juízo, trazendo equilíbrio à relação. Em outras palavras, qualquer indivíduo pode vencer na relação negocial por sua inteligência, só não poderá vencer pela falta de ética. Nesse aspecto, é nítido que uma breve análise pode demonstrar que há equilíbrio entre os ramos do direito, podendo eles tratar de seus conteúdos de forma mais específica ainda que seus princípios gerais sejam inconfundíveis, pois eles se completam.

Nesse caminho, nos explicou Waldemar Ferreira que “a distinção entre ambos (direito civil e comercial) residiria apenas por efeito de seu sentido econômico e político”. (FERREIRA, 1960).

Cesare Vivante, sendo citado na obra de Marcelo Cometti, faz crença de que “a vida moderna é permeada de certa uniformidade nas obrigações, o que não justificaria tratamentos distintos para o Direito Civil e o Direito Comercial”, e cita, ainda, que não faz sentido submeter “não comerciantes” a regras de Direito Comercial.

Os adeptos dessa linha de raciocínio normalmente racionalizam com base na evolução do direito comercial, o que faz enorme sentido, levando em consideração o atual comercio global a distância, a mutação dos títulos de crédito e até mesmo as criptomoedas, que nem mesmo tem uma legislação adequada no cenário brasileiro. Longe de haver uma conclusão sobre a separação ou não dos ramos do direito, fica claro aqui que o Direito Civil não é suficiente para tutelar os interesses do mercado. Talvez seja suficiente para complementa-los, somente.

Nesse sentido, uma linha de doutrinadores salienta que há alguns princípios que são próprios do Direito Empresarial, no caminho dessa corrente, Marcelo Tadeu Cometti os cita expondo tais idéias:

“Ainda no tema da autonomia do Direito Comercial, diversos doutrinadores destacam que o Direito Comercial possui princípios próprios, por vezes decorrentes da atividade econômica e do seu dinamismo e adaptabilidade. Como exemplos, podemos citar os seguintes: a) onerosidade, consubstanciada no intuito de lucro inerente às atividades mercantis; b) simplicidade das formas e informalismo, sobretudo pela diversidade de contratos e negócios celebrados no âmbito do Direito Comercial; c) proteção ao crédito e aos fornecedores de crédito, de maneira a fomentar a atividade empresarial; d) cosmopolitismo – ou internacionalidade – e a constante necessidade da superação das fronteiras para superação dos campos de atuação das atividades econômicas (vide atuação das empresas multi e transnacionais); e) elasticidade, verificada pela necessidade de adaptação das regras e dos contratos às constantes mudanças econômicas; f) fragmentarismo, com a adoção, no âmbito do Direito Comercial, de múltiplos microssistemas normativos, tais como as disciplinas próprias de Direito Bancário, Títulos de Crédito e de Direito do Mercado de Valores Mobiliários; e g) dinamismo, presente’ na velocidade dos negócios mercantis e na revisão de textos normativos (regulamentares ou legislativos).”

Para Fábio Ulhoa Coelho, “o direito comercial é hoje uma fonte de imprevisibilidade, o que gera insegurança jurídica, afasta negócios, posterga investimentos, não atrai investimentos globais e encarece os preços dos produtos e serviços”. (COELHO).

Assim, embora o Código Civil tenha disciplinado normas de direito empresarial, sobrevivem inúmeros argumentos, em favor da autonomia total do direito empresarial.

Edilson Enedino das Chagas explica que “o argumento, invencível, em favor da autonomia científica do direito empresarial é a ética do empresário, o qual atua movido pelo individualismo pela onerosidade presumida” (CHAGAS, p. 50). Porém, o próprio autor salienta que o direito civil moderno não ignora tais diferenças entre a ética do empresário e a boa-fé objetiva pois exclui certas atividades profissionais do conceito de empresa. Segundo ele “o Código Civil não admitiu que algumas pessoas e atividades fossem ‘contaminadas’ pela ética empresarial”. (CHAGAS, p. 50). Segundo Chagas, uma prova disto é a insolvência civil, que se aplica somente ao devedor não empresário.

No ano de 2012, o Centro de Estudos Jurídicos (CEJ) do Centro de Justiça Federal (CJF), realizou a I Jornada de Estudos de Direito Comercial, nela o Ministro do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) discursou a favor de uma maior independência do Direito Comercial, dizendo que “o direito comercial brasileiro está abrangido por legislação fragmentada, fruto de movimentos históricos distintos, o que dificulta sua compreensão e aplicação e afeta, por conseguinte, a segurança jurídica no âmbito empresarial”.

Em sentido contrário Rachel Sztajn diz, em artigo postado, que “melhor teria sido evitar no Brasil que se copiasse, e mal, o codice civile de 1942, a que se seguiu a aprovação de um monstrengo juridico em 2002. Mas agora Inês é morta, sem direito a ressurreição.” Essa gama de juristas, que argumentam em desfavor ao Novo Código Comercial, tem como principal e mais corriqueira justificativa que o direito empresarial e suas relações estão inseridas no direito civilista, e que tanto o direito civil quanto o empresarial ficariam órfãos um do outro sendo que, nessa relação, o mais prejudicado seria o direito empresarial, já que não poderia existir relações comerciais sem o direito que tutela as obrigações, por exemplo. Assim, Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa argumenta:

Na verdade, a organização sistêmica não passa de uma ferramenta instrumental e didática, apta a facilitar a vida do operador do direito. Mas este não pode perder de vista o todo, sob pena de matar o doente somente porque entende apenas da unha encravada do dedo mindinho do pé esquerdo.

Os microssistemas conversam entre si (não se trata daquele infeliz diálogo das fontes, considerando que uma norma sempre se sobrepõe individualmente a outras na aplicação da lei ou, pelo menos, assim deve ser), o que mostra a integridade do direito. Um problema de direito bancário poderá envolver questões de direito contratual, societário, concorrencial, penal, administrativo, tributário, e por aí vai. Isto não impede que eles sejam organizados na forma de pacotes jurídicos delimitados, segundo princípios particulares de cada um deles e, nos dias de hoje, submetidos os seus usuários a uma determinada agência reguladora. É útil e prático e eficiente. Melhor isto do que se pretender recriar nos dias atuais um grande monumento jurídico à semelhança daqueles do século retrasado.

O próprio autor Cesare Vivante, antes da obra Trattato di diritto, era contrário, como citado na obra de Marcelo Cometti “segundo o jurista italiano, a vida moderna é permeada de certa uniformidade nas obrigações, o que não justificaria tratamentos distintos para o Direito Civil e o Direito Comercial” (2020, p. 41). Pouco tempo depois, mudou de opinião. Já o próprio professor Macelo Cometti, opina:

Em nosso entendimento, o Direito Comercial teria um objeto mais específico, voltado à disciplina das relações jurídicas decorrentes do exercício de uma atividade econômica profissional e habitual, consubstanciada na ‘empresa’”. (COMETTI, Marcelo. Manual de Direito Empresarial. Vol. Único. 2ª ed. 2020. São Paulo: Jus Podivm).

Diante de tais considerações, citações e reflexões, os lados contrastantes se solidificam, ambos demonstrando que a escolha dos legisladores não navega em maré mansa, já que não há uma ideia central que possa ser considerada um ideal de consenso. Em outras palavras, ou o Novo Código Comercial será um grande passo para a modernização ou apenas um embrião do que antes estava guardado sob as asas do Código Civil, seja bom ou ruim, continuará o sendo. Nesse caminho, o grande distanciamento de opiniões traz consigo uma interessante visão quantitativa de quem busca pelo assunto, que é a maior riqueza de argumentos quando se trata de uma defesa em prol do Novo Código Comercial já que tal movimento é mais orgânico devido a maior equivalência que o Novo Código Comercial terá com os princípios do Direito Empresarial, por esses carregarem mais especialidade. Graças a essa especialidade impregnada aos princípios do direito empresarial, até mesmo nos decorrentes do texto constitucional, o sentido mais abrangente dos princípios que regem o direito civil fica em primeiro plano, colocando a área empresarial a mercê do caráter antropocêntrico da legislação civilista. Ainda em tempo, deve-se ter plena clareza que o caráter antropocêntrico não é algo ruim, longe disso. Esse conceito traz um norte aos operadores do direito, entretanto, quando colocado sob a égide do direito empresarial, tendo que ser interpretado junto à seus princípios, há uma perda dupla, tanto dos princípios do direito civil, que abrem espaço para as especialidades do direito empresarial, quanto dos princípios do direito empresarial, que ficam em segundo plano, sempre sub rogados às sobras do que pode ser decidido com base nos princípios do direito civil.

Dessa forma, um Novo Código Comercial coadunaria mais com os princípios do direito empresarial, extraindo deles um aprofundamento maior.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Logo, nitidamente que uma reforma no Código Comercial já divide a classe jurídica nacional. É fato que, com o advento de tal discussão, a relevância e aprofundamento no ramo do Direito Empresarial se tornam ainda maiores, inclusive dando fruto à presente pesquisa, e, nesse sentido, a atividade empresarial poderia ser ainda mais moderna e fluida. Na visão do ministro João Otávio de Noronha "o Brasil precisa urgentemente de uma legislação moderna e mais inteligente, capaz de fortalecer as relações comerciais, eliminar conflitos e inserir o país no mercado comercial globalizado."

Se efetivamente for para modernizar, desburocratizar e dar um salto de qualidade na legislação empresarial, um novo Código Comercial brasileiro deve ser o alvo ao qual o anseio de todos aqueles que estão diretamente envolvidos com a atividade empresarial devem procurar, entretanto, podemos estar à frente de mais um processo legislativo moroso que trará mais burocracia codificada ao ordenamento pátrio, sendo essa possibilidade completamente descartável.

É de soberana importância salientar ainda que este estudo não tem o objetivo de esgotar a matéria abordada. É fulgente que cada episódio tem suas particularidades, significando que, independente das teorias apresentadas e das disposições firmadas pelos autores, deve-se consecutivamente constatar o fato, adaptando as normas ao caso concreto, uma vez que, o que atualmente é apropriado, no futuro pode se mostrar impreciso e noutrora improvável, o direito existe em tenacidade modificação se amoldando ao advir dos tempos, porém com todas as transformações e os avanços ocorridos nos últimos anos, é indiscutível a necessidade de se terem legislações que acompanhem a modernidade. Além disso, diante de uma rede crescente e cada vez mais diversa e complexa de operações comerciais realizadas todos os dias, inclusive em âmbito internacional, é imprescindível a existência de normas e tratamentos especializados que lidem com as mais diversas relações, sejam elas inseridas no direito obrigacional, coabitando junta às leis da sociedade civil, seja em uma nova codificação. A unificação das relações comerciais e cotidianas dentro do Código Civil foram, de certa forma, festejadas e eram objeto de expectativa, entretanto, nesse sentido, a própria linha do tempo do Direito Empresarial nos ensina que retroagir pode significar muito avanço, isso dito baseado na alteração temporal, onde, em um momento o ramo do Direito Comercial estava diante do critério subjetivo e, em outro, avançava para a superação do próprio critério subjetivo. Com a unificação, trazida pelo Codice Civile italiano, um novo Direito Empresarial nasce, junto com a Teoria da Empresa, o que trouxe de volta a figura subjetiva do comerciante, porém muito mais refinada e moderna. Logo o que parece ser uma volta ao passado, pode ser modernização. Sendo assim, superar ou não a unificação da legislação empresarial com a legislação civil em uma grande legislação civil “lato sensu” pode ser mais um passo em direção a um ramo do Direito Empresarial mais simples e moderno, seja com um Código reformado, um novo ou projetos isolados que mirem mutações no Código Civil, contribuindo significativamente, para o crescimento econômico e o desenvolvimento do Brasil.

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Publicado por: Henrique Novais

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