O JUSNATURALISMO TEOLÓGICO E O DIREITO PENAL POSITIVO: UMA ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA

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1. RESUMO

O presente trabalho analisa as questões relevantes envolvendo o Jusnaturalismo Teológico, o qual afirma a existência do direito natural, constituído de leis universais instituídas por Deus, as quais regem todo o universo e a vida nele inserido. Leis estas que compreendem as leis físicas, que regem a matéria e as leis morais, que regem as relações entre os seres da criação. No presente trabalho abordar-se-á ambas, dando enfoque especial às leis morais. Para melhor compreensão do tema, o presente trabalho inicia-se com a análise dos aspectos conceituais do Direito Natural com base nos ensinamentos desenvolvidos pelo Cristianismo e pela Doutrina Espírita, os quais trazem um corpo doutrinário que esclarecem o funcionamento do Universo, a evolução dos seres, o objetivo da vida e demais questões intrínsecas ao Homem. Abordar-se-á o posicionamento de diversos juristas que vislumbram no conhecimento advindo do Cristianismo e da Doutrina Espirita possibilidades de se reestruturar todo o sistema penal vigente. Com o desenvolvimento do trabalho será possível um comparativo entre a Justiça Divina e a Justiça Humana, proporcionando reflexões sobre uma possível adequação desta àquela. Será abordado, no campo da Criminologia, porém sob o enfoque do Jusnaturalismo Teológico, a questão do criminoso, da vítima e do ato do crime em si, trazendo a lume uma visão diferenciada dos temas em contraponto aos conceitos hoje estabelecidos. Posteriormente é abordado o Sistema Penal atual, sua evolução histórica, sua estrutura e real eficácia com relação ao combate à criminalidade. Abordar-se-á, embora de forma sucinta, os princípios do Direito Penal e sua base estrutural e alguns aspectos da Lei de Execução Penal, sua efetividade e eficácia. Abordar-se-á o sistema APAC, um novo modelo na relação sociedade-condenado. Por fim, conclui-se o presente trabalho propondo a criação de um novo modelo de resposta à criminalidade e à violência, baseado na educação moral, único meio real de promover o melhoramento do indivíduo e a consequente paz social.

Palavras-Chave: Jusnaturalimo Teológico. Direito Penal. Educação Moral.

2. INTRODUÇÃO

A ruptura entre ciência e religião principiado pelo movimento Iluminista1, iniciado no século XVIII, conhecido como Século das Luzes (da razão) criou um afastamento entre o pensamento religioso e o pensamento científico. A ciência passou a basear-se na razão e no experimento, se libertando dos ditames da Igreja. O pensamento racional assume papel norteador no progresso social. O avanço da ciência, em todas as áreas do saber é inegável, e a ciência do direito se inclui nesta perspectiva.

Analisando o Direito Penal, observa-se, porém, que os avanços não foram de todo positivos, pois ainda se encontra muito arraigado à filosofia religiosa da idade média, onde prepondera-se a punição, geradora de dor e sofrimento, ao criminoso. Consequente a esta visão atrasada, observa-se um sistema criminal que não atende as suas próprias finalidades de diminuir a criminalidade social, ressocializando o indivíduo. No Brasil, o que se tem observado é um aumento da criminalidade e um sistema penal que fere o princípio basilar da Republica Federativa do Brasil, a Dignidade da Pessoa Humana.

Imperioso buscar soluções para o atual quadro em que se encontra o Sistema Penal brasileiro. É preciso uma reestruturação de pensamentos e ações em prol de um mecanismo que se torne eficaz no combate a criminalidade e na construção efetiva da paz social.

A aproximação do Jusnaturalismo Teológico numa concepção moderna e da Ciência do Direito poderá fornecer novas perspectivas e soluções para os desafios da atualidade. É necessário repensar o direito penal, sem preconceitos e imposições dogmáticas, mas buscando soluções racionais capazes de satisfazer os anseios da sociedade.

O Jusnaturalismo Teológico contemporâneo se apresenta como uma possibilidade de rever valores sociais e estimular o desenvolvimento de mecanismos eficazes de combate à criminalidade, baseados na solidariedade entre os indivíduos, na cultura da educação e não da punição por vingança. Possui como principal característica a exigência de uma fé raciocinada, baseada no pensamento crítico e racional em detrimento de movimentos religiosos de outrora, em que a imposição do pensamento religioso causou grandes malefícios a toda sociedade, durante o período da Idade Média.

No presente estudo, desenvolver-se-á temas pertinentes ao Jusnaturalismo com o objetivo de, ao apresentarem-se os ensinamentos de uma filosofia jusnaturalista, o conhecimento dela advindo, possa auxiliar a repensar as instituições humanas, adequando-as, quanto possível, à realidade maior da vida, pois, somente compreendendo a dinâmica da vida e o homem nela inserido, será possível desenvolver procedimentos eficazes no combate à criminalidade, que nada mais é, do que a exteriorização das imperfeições que o Ser possui, momentaneamente, dentro de si próprio.

A Lei do Progresso é notável, e com a evolução do pensamento humano é necessário que as instituições igualmente evoluam. É preciso avançar diante dos parâmetros ora estabelecidos, combatendo paradigmas ineficazes, preconceitos e interesses outros que não a construção de uma sociedade mais justa, humana e solidária.

3. JUSNATURALISMO

O Jusnaturalismo é uma corrente jusfilosófica que defende a existência de um Direito Natural. É uma “Corrente de pensamento que propugna pela existência de um direito justo por natureza, independente da disciplina social imposta pelo legislador.” (ACQUAVIVA, 2010, p. 507).

O Mestre em filosofia do Direito, Antônio Bento Betioli, assim define o Jusnaturalismo:

“Tomamos o termo “jusnaturalismo” na sua acepção ampla, designando as inúmeras correntes de pensamento que admitem, além do direito positivo, da ordem jurídica estabelecida pelo Estado, e existência de uma outra ordem sobre que se apoia a ordem jurídica positiva, expressão do justo que deve orientar o trabalho do legislador humano. (....) há várias maneiras de se conceber o direito natural; para nós, ele vem a ser a ordenação jurídica originada e fundamentada na natureza humana, na acepção específica que lhe damos: síntese entre o “natural” e o histórico”.” (BETIOLI, 2014, P. 565)

Betioli, citando Francisco Amaral, complementa:

“A primeira referência à ideia do direito natural é encontrada na invocação das leis não escritas que Sófocles põe na boca de Antígona. O tema da peça é a resistência consciente do cidadão às leis injustas do Estado, tema esse desenvolvido pelos pensadores gregos, principalmente os estoicos, cujo pensamento foi divulgado em Roma, passando ao cristianismo, à filosofia e à teologia moral das idades médias e moderna. O direito natural foi assim cultivado por filósofos gregos (Platão e Aristóteles), jurisconsultos e políticos romanos (Paulo, Ulpiano, Cícero), teólogos católicos (São Tomás de Aquino), os membros da Escola do direito natural e do direito das gentes, nos séculos XVI e XVII (Grotius, Pufendorf, Thomasius), filósofos do século XVIII (Voltaire, Montesquieu), os homens da Revolução Francesa (Declaração dos Direitos do Homem) e, no século XX, entre outras manifestações, o catolicismo social e o socialismo humanista”. (Direito Civil: Introdução, Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 42 apud BETIOLI, 2014, p. 565)

Betioli, citando Aristóteles, considerado o “pai do direito natural” relata:

Aristóteles (384-322 a.c), no livro V, Capítulo 7, da Ética a Nicômaco, distingue o “justo por natureza” do “justo legal”. No primeiro caso, algo é justo, em todos os lugares e com o mesmo vigor, por força da natureza e independentemente da vontade humana; em suma, porque corresponde às leis da natureza. No segundo, no caso do “justo legal”, ele é estabelecido por leis emanadas da autoridade pública ou por convenções das partes. Desse modo, Aristóteles opõe-se aos que pretendiam reduzir o direito a pura convenção humana e abriu caminho a uma concepção jusnaturalista. (BETIOLI, 2014, p. 566)

Paulo Nader, em sua obra Filosofia do Direito, descreve a existência de três grandes divisões das ideias jusnaturalistas:

O escorço histórico revela três grupos de jusnaturalismo, que se diversificam em razão da fonte concebida: o jusnaturalismo cosmológico, que deriva o Direito Natural da ordem natural das coisas; o teológico, para quem ele emana diretamente da vontade divina e o jusnaturalismo antropológico, que indica a natureza humana como a grande fonte, de onde os juristas-filósofos recolhem os princípios, a partir dos quais deverão ser elaboradas as leis. (NADER, 2010, p. 55)

Na idade média, Santo Tomás de Aquino desenvolve o Direito Natural como Expressão da Razão Divina. Betioli esclarece:

Na idade média surge a figura notável de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), com a sua concepção de um mundo governado por leis que guardavam entre si uma hierarquia. A ordem universal , segundo o Doutor Angélico, é estabelecida pela “lei eterna”, que vem a ser a razão eterna do próprio Deus; ou, nas palavras de Tomás de Aquino: “A razão da sabedoria divina como diretora de todos os movimentos e ações no universo.” (BETIOLI, 2014, p. 567/568)

3.1. Jusnaturalismo Teológico

A teologia ou ciência de Deus é o estudo sobre a divindade, seus atributos e suas leis que regem o universo. O jusnaturalismo teológico refere-se a um direito natural estabelecido por uma inteligência superior, Deus. Define-se, portanto, o Jusnaturalimo Teológico, como sendo leis universais, instituídas por Deus, que repercutem sobre toda a obra da criação, incluindo o homem, numa justiça distributiva perfeita, onde a criatura está em relação constante com o criador.

O professor Ricardo Maurício Freire Soares, em seu artigo intitulado “Reflexões Sobre o Jusnaturalismo: O Direito Natural como Direito Justo”, esclarece:

Segundo Paulo Nader (2000, p.117-127)2, o jusnaturalismo teológico se consolida enquanto doutrina jusfilosófica na Idade Média, sob a decisiva influência do cristianismo. A doutrina cristã veio introduzir novas dimensões ao problema da justiça. Tratando-se de uma concepção religiosa de justiça, deve se dizer que a justiça humana é identificada como uma justiça transitória e sujeita ao poder temporal. Para o cristianismo, não é nela que reside necessariamente a verdade, mas na lei de Deus, que age de modo absoluto, eterno e imutável. Ocorreu, assim, uma verdadeira revolução da subjetividade, prevalecendo a atitude ou disposição de ser justo sobre a aspiração de ter uma idéia precisa de justiça. Continua esta, porém, a ser vista em um quadro superior de idéias, já agora subordinado a uma visão teológica, a partir do princípio de um Deus criador, do qual emana a harmonia do universo. Na idade média, o jusnaturalismo apresentava um conteúdo teológico, pois os fundamentos do direito natural eram a inteligência e a vontade divina, pela vigência do credo religioso e o predomínio da fé. Os princípios imutáveis e universais do direito natural podiam ser sintetizados na fórmula segundo a qual o bem deve ser feito, daí advindo os deveres dos homens para consigo mesmos, para com os outros homens e para com Deus. As demais normas, construídas pelos legisladores, seriam aplicações destes princípios às contingências da vida, v.g, do princípio jusnatural de que o homem não deve lesar o próximo, decorreria a norma positivada que veda os atos ilícitos. Segundo o jusnaturalismo teológico, o fundamento dos direitos naturais seria a vontade de Deus: o direito positivo deveria estar em consonância com as exigências perenes e imutáveis da divindade. (Disponível em: < www.unifacs.br/revistajuridica/arquivo/edicao_abril2007/docente/doc1.doc>)

Para entender a ideia da existência de um Direito Natural na sua vertente Teológica, primeiramente, precisa-se entender a ideia de Deus, como causa primária de toda estrutura universal existente. Tudo no universo obedece à lei de causa e efeito, na qual todo efeito tem uma causa, um fonte geradora, pois, do contrário teria que se admitir que do nada algo pudesse surgir. Para todo efeito inteligente, a causa há de ser igualmente inteligente. É irracional admitir-se que simplesmente pela agregação fortuita da matéria, sem uma inteligência superior comandando tudo, tenha surgido todo o complexo e harmonioso sistema universal, o planeta Terra com sua estrutura e o desenvolvimento evolutivo das espécies que nele habita, tudo movido por forças cegas e pelo acaso. Todo efeito há que necessariamente ter uma causa, uma força atuante que possibilita o desenvolver da evolução no planeta. Quando se observa o Universo, com sua estrutura complexa e com movimentos harmoniosos, donde se pode observar cálculos matemáticos precisos inseridos nos movimentos dos astros, conclui-se que uma obra desta magnitude e complexidade só pode ter sido criada por uma inteligência igualmente magnânima, superior aos acanhados limites da inteligência humana.

Quando se observa todo o sistema do Universo, verifica-se que o seu funcionamento é regido por leis materiais, estabelecidas para possibilitar a harmonia, o desenvolvimento e a renovação constante de toda a estrutura universal. Estas leis, das quais a ciência compreende apenas pequena parte, sustentam os mundos e os seres, possibilitando o desenvolvimento da vida. Mas, se existem as leis que regem os componentes materiais, existem igualmente as regras que regem os componentes morais, e é sobre estas regras que se desenvolverá o presente estudo.

Em O Livro dos Espíritos, uma das cinco obras básicas que compõe a Doutrina Espírita, Allan Kardec3 ensina que a Lei Natural é a Lei de Deus, e pode ser dividida em Leis da Física e Leis Morais:

A lei natural é a lei de Deus. É a única verdadeira para a felicidade do homem. Indica-lhe o que deve fazer ou deixar de fazer e ele só é infeliz quando dela se afasta. A lei de Deus é eterna e imutável como o próprio Deus. Todas as da Natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis da física, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência. As outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas suas relações com Deus e com seus semelhantes. Contêm as regras da vida do corpo, bem como as da vida da alma: são as leis morais. Confiou Deus a certos homens a missão de revelarem a sua lei. Em todos os tempos houve homens que tiveram essa missão. São Espíritos superiores, que encarnaram com o fim de fazer progredir a Humanidade. (KARDEC, 2010a, p. 377,378,380)

Todo o universo é regido por leis criadas por uma Inteligência Suprema, Deus, que mantêm todo um complexo sistema físico e moral em perfeita harmonia e funcionamento. Essas leis vêm sendo reveladas aos homens por Espíritos Superiores, que em todas as épocas da humanidade vem nos trazer o conhecimento delas. A ciência, através do esforço de cientistas abnegados sob a inspiração de Espíritos Superiores, pelo mecanismo da intuição, e a este respeito afirmava Albert Einstein que “não existe nenhum caminho lógico para o descobrimento das leis elementares – o único caminho é o da intuição”4, vem, pouco a pouco, descobrindo as leis que regem o mundo material, cabendo a religião descortinar as leis morais, as quais, a ciência pouco a pouco vai avalizando pelo experimento e pelas pesquisas. Os textos bíblicos, os ensinos de Sócrates, Platão, Confúcio, Buda, entre outros missionários, estão repletos de ensinamentos sobre as leis imutáveis que regem o universo.

Vive-se na atualidade uma busca por soluções ante os desafios sociais que se apresentam em todas as áreas do saber humano. É o momento de rever valores e buscar-se uma simetria entre a ciência e a religião, conforme ensinos da filosofia espírita:

A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana: uma revela as leis do mundo material e a outra as do mundo moral. Tendo, no entanto, essas leis o mesmo princípio, que é Deus, não podem contradizer-se. Se fossem a negação uma da outra, uma necessariamente estaria em erro e a outra com a verdade, porquanto Deus não pode pretender a destruição de sua própria obra. A incompatibilidade que se julgou existir entre essas duas ordens de ideias provém apenas de uma observação defeituosa e de excesso de exclusivismo, de um lado e de outro. Daí um conflito que deu origem à incredulidade e à intolerância. São chegados os tempos em que os ensinamentos do Cristo têm de ser completados; em que o véu intencionalmente lançado sobre algumas partes desse ensino tem de ser levantado; em que a Ciência, deixando de ser exclusivamente materialista, tem de levar em conta o elemento espiritual e em que a Religião, deixando de ignorar as leis orgânicas e imutáveis da matéria, como duas forças que são, apoiando-se uma na outra e marchando combinadas, se prestarão mútuo concurso. Então, não mais desmentida pela Ciência, a Religião adquirirá inabalável poder, porque estará de acordo com a razão, já se lhe não podendo mais opor a irresistível lógica dos fatos. A Ciência e a Religião não puderam, até hoje, entender-se, porque, encarando cada uma as coisas do seu ponto de vista exclusivo, reciprocamente se repeliam. Faltava com que encher o vazio que as separava, um traço de união que as aproximasse. Esse traço de união está no conhecimento das leis que regem o Universo espiritual e suas relações com o mundo corpóreo, leis tão imutáveis quanto as que regem o movimento dos astros e a existência dos seres. Uma vez comprovadas pela experiência essas relações, nova luz se fez: a fé dirigiu-se à razão; esta nada encontrou de ilógico na fé: vencido foi o materialismo. (KARDEC, 2010b, p. 65/66)

O jusnaturalismo enquanto campo de estudo da filosofia do direito, é o elo existente entre a ciência do direito e a ciência universal. Através dele a ciência do direito poderá se desenvolver, e, dia a dia, buscar aproximar-se cada vez mais do ordenamento perfeito que não é senão o ordenamento divino que rege os mundos e os seres, conforme ensina a filosofia espírita (KARDEC, 2010a, p. 438): “Só as leis divinas são eternas; as humanas mudam com o progresso e continuarão a mudar, até que tenham sido postas de acordo com aquelas”.

Dentre as várias crenças e filosofias que estudam a divindade, o presente trabalho terá como base na filosofia cristã, ou Cristianismo, a doutrina do Cristo. Para aprofundamento no tema utilizar-se-á os conhecimento trazidos pela filosofia espírita, ou Doutrina Espírita, que tem por base o próprio cristianismo, sendo, esta doutrina, o Consolador prometido por Jesus, que viria completar seus ensinamentos, conforme palavras do próprio Jesus (ALMEIDA, 2008, p. 416): “Tenho ainda muito a vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora; quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda verdade”, e em outra passagem Jesus complementa (ALMEIDA, 2008, p. 1414): “mas o Consolador, O Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo que vos tenho dito.”

A importância do Jusnaturalismo Teológico, com base na filosofia cristã, para o momento atual da humanidade, é descrito pelo Espírito de André Luiz, quando esclarece:

O Evangelho, assim, não é o livro de um povo apenas, mas o Código de Princípios Morais do Universo, adaptável a todas as pátrias, a todas as comunidades, a todas as raças e a todas as criaturas, porque representa, acima de tudo, a carta de conduta para a ascensão da consciência à imortalidade, na revelação da qual Nosso Senhor Jesus-Cristo empregou a mediunidade sublime como agente de luz eterna, exaltando a vida e aniquilando a morte, abolindo o mal e glorificando o bem, a fim de que as leis humanas se purifiquem e se engrandeçam, se santifiquem e se elevem para a integração com as Leis de Deus. (XAVIER, 2013c, p. 167)

3.1.1. Cristianismo e Espiritismo

O Cristianismo é o conjunto de ensinamentos trazidos por Jesus Cristo, contido nos quatro evangelhos escritos pelos evangelistas Mateus, Marcos, Lucas e João. Além dos evangelhos, formam o Novo Testamento bíblico, os Atos dos Apóstolos, escrito pelo evangelista Lucas; as Epístolas de Paulo, que totalizam quatorze epístolas contendo instruções aos primeiros cristãos; a epístola de Tiago; as duas epístolas de Pedro; as três epístolas do evangelista João; a epístola de Judas e o livro de Apocalipse, escrito pelo evangelista João. Além destes livros, todos os ensinamentos dos livros contidos no Antigo Testamento bíblico, que estão em sintonia com os ensinamentos cristãos, são considerados como ensinamentos válidos para o Cristianismo.

Para ter a dimensão da influência da filosofia cristã no mundo contemporâneo, cita-se uma pesquisa realizada pela Pew Research Center5 que demonstra que a filosofia cristã conta com 31,5% da população mundial como adeptos, o que lhe confere a primeira posição no ranking das maiores religiões do mundo, com aproximadamente 2,21 bilhões de adeptos.

No Brasil, considerando as religiões cristãs, como o Catolicismo, os Evangélicos e os Espíritas, o número de cristãos abrange cerca de 89% da população brasileira, conforme conclusão retirada dos dados do Censo 2010 do IBGE6.

No âmbito jurídico, têm-se vários juristas que trabalham pelo ideal de junção entre a ciência do direito e os ensinamentos da filosofia cristã. Dentre eles cita-se o Mestre em Ciências Penais e Criminológicas, Promotor de Justiça do Ministério Público do Paraná, Doutor Cândido Furtado Maia Neto. Em seu artigo Justiça Penal Cristã e Espiritualidade - Ciência à Luz dos Direitos Humanos e do Evangelho de Jesus Cristo, Cândido Furtado prescreve:

Na história universal destacamos a obra de Jesus Cristo, conforme divulgada nos Evangelhos de S. Mateus. S. Marcos, S. João e S. Lucas, acontecimentos que formam a própria biografia do Mestre dos Mestres, como caminho de luz às ciências humanas, especialmente como fonte ao direito penal, penitenciarismo e à criminologia. (Disponível em: )

O então Procurador de Justiça do estado de Minas Gerais, especialista em Direito Penal, Doutor Rogério Greco, relata:

Depois de conhecer pessoalmente um número considerável de penitenciárias no Brasil e, também, na Espanha, posso dizer, com segurança, que um dos fatores mais importantes para a efetiva reinserção do condenado no convívio em sociedade é, de fato, sua conversão, vale dizer, a entrega, verdadeira, de sua vida a Jesus Cristo. Que me perdoem os acadêmicos, mas não estou sendo religioso, como muitos podem pensar. Quem conheceu direta e pessoalmente as mazelas do cárcere, como é o meu caso, pode falar a respeito das diferenças existentes entre os presos que se converteram ao cristianismo e aqueles outros que ainda não tiveram esse encontro com o Cristo. (GRECO, 2015, Nota do Autor)

No âmbito do direito constitucional, cita-se o professor de Direito Constitucional, Doutor e Mestre em Direito do Estado, Doutor Uadi Lammêgo Bulos, que em sua obra Curso de Direito Constitucional, no item que aborda o Constitucionalismo do porvir, disserta:

O sofrimento da humanidade, a violência social, o desemprego, o subemprego e a informalidade, a descrença no poder absoluto da razão, o desprestígio das instituições e do próprio Estado, a crise de valores, a necessidade de se recorrer aos ensinamentos do Evangelho do Cristo de Deus, como único alívio imediato para os males humanos, a fome, as doenças dizimando as massas, (....) são alguns dos fatores que tendem a influenciar o ato de feitura das constituições do porvir. (BULOS, 2012, p. 97)

Ante a ciência do direito, vários juristas vislumbram um futuro onde a filosofia cristã representará uma de suas principais fontes para a elaboração das normas do porvir. Hoje, já existem associações, como a Associação Jurídico Espírita do Brasil7, onde profissionais do direito aliam a ciência do direito à filosofia espírita/cristã, debatendo soluções em torno dos problemas jurídicos da atualidade.

O Espiritismo ou Doutrina Espírita é o conjunto de ensinamentos trazidos pelos Espíritos Superiores, estudados, organizados e codificados por Allan Kardec em várias obras, dentre elas, as mais importantes, as que compõem o Pentateuco Kardequiano, consideradas obras básicas da Doutrina Espírita (O Livro dos Espíritos, 1857; O Livro dos Médiuns, 1861; O Evangelho Segundo o Espiritismo, 1864; O Céu e o Inferno, 1865 e A Gênese, 1868.). Define-se assim o Espiritismo:

O Espiritismo é a ciência nova que vem revelar aos homens, por meio de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele no-lo mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém, ao contrário, como uma das forças vivas e sem cessar atuantes da Natureza, como a fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e, por isso, relegados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo alude em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que ele disse permaneceu ininteligível ou falsamente interpretado. O Espiritismo é a chave com o auxílio da qual tudo se explica de modo fácil. [...] Assim como o Cristo disse: “Não vim destruir a lei, porém cumpri-la”, também o Espiritismo diz: “Não venho destruir a lei cristã, mas dar-lhe execução.” Nada ensina em contrário ao que ensinou o Cristo; mas, desenvolve, completa e explica, em termos claros e para toda gente, o que foi dito apenas sob forma alegórica. Vem cumprir, nos tempos preditos, o que o Cristo anunciou e preparar a realização das coisas futuras. Ele é, pois, obra do Cristo, que preside, conforme igualmente o anunciou, à regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra. (KARDEC, 2010b, p. 64, 65)

A Doutrina Espírita possui tríplice aspecto: científico8, filosófico e religioso9. Possui como objetivos principais relembrar os ensinos de Nosso Senhor Jesus Cristo, explicando-os de forma racional e inteligível, além de complementar estes ensinamentos com novas revelações acerca das leis universais. Contribuirá significativamente para o futuro da humanidade, auxiliando no progresso social:

O Espiritismo é chamado a desempenhar imenso papel na Terra. Ele reformará a legislação ainda tão frequentemente contrária às leis divinas; retificará os erros da História; restaurará a religião do Cristo, que se tornou, nas mãos dos padres, objeto de comércio e de tráfico vil; instituirá a verdadeira religião, a religião natural, a que parte do coração e vai diretamente a Deus, sem se deter nas franjas de uma sotaina, ou nos degraus de um altar. Extinguirá para sempre o ateísmo e o materialismo, aos quais alguns homens foram levados pelos incessantes abusos dos que se dizem ministros de Deus, pregam a caridade com uma espada em cada mão, sacrificam às suas ambições e ao espírito de dominação os mais sagrados direitos da Humanidade. (KARDEC, 2007, p. 330,331)

Observa-se a grande influência e importância da filosofia cristã e espírita na atualidade, sendo rica fonte de conhecimento que, embora venha sendo relegada somente ao âmbito religioso, a cada dia, vem ganhando espaço no âmbito das ciências humanas. Desenvolver-se-á nos próximos tópicos os pontos fundamentais destas filosofias, com o objetivo de levantar reflexões acerca do atual modelo social e das possibilidades de renovação.

Deus

Segundo a filosofia cristã, Deus é o criador de tudo o que existe. O livro Gênesis, primeiro livro do pentateuco de Moisés, que abre a sequencia de livros do Antigo Testamento, inicia falando sobre Deus e a criação (ALMEIDA, 2008, p.3): “No princípio, criou Deus os céus e a terra.” 10 Muito se questiona a respeito da criação ter sido realizada em seis dias, como nos relata os textos bíblicos. Porém, deve-se compreender que os relatos bíblicos estão repletos de simbolismo e forma alegórica, peculiar ao estilo oriental. Pode-se entender que cada dia da criação bíblica representa períodos geológicos que a ciência reconhece como sendo períodos em que o planeta Terra e a vida nele inserida tenham percorrido no processo de evolução. A palavra dia constante nos primeiros versículos do livro Gênesis, em hebraico Yôm, possui significado literal (24 horas) ou figurado (um espaço de tempo).

Segundo a filosofia espírita (KARDEC, 2010a, p. 73), “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.” Conclui-se desta definição que Deus é a inteligência maior do Universo, e causa primária de todas as coisas, ou seja, tudo no Universo é efeito da causa Deus. E Deus, sendo causa primária, não é efeito, mas causa em si mesmo. Ainda segundo a filosofia espírita (KARDEC, 2010a, p. 76), o homem não pode compreender a natureza íntima de Deus, falta-lhe para isso o sentido, quando, porém, pela sua perfeição, se houver aproximado de Deus, o homem o verá e o compreenderá. Pode, porém, o homem compreender algumas das perfeições de Deus:

Deus é eterno. Se tivesse tido princípio, teria saído do nada, ou, então, também teria sido criado, por um ser anterior. É assim que, de degrau em degrau, remontamos ao infinito e à eternidade.

É imutável. Se estivesse sujeito a mudanças, as leis que regem o Universo nenhuma estabilidade teriam.

É imaterial. Quer isto dizer que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria. De outro modo, ele não seria imutável, porque estaria sujeito às transformações da matéria.

É único. Se muitos Deuses houvesse, não haveria unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.

É onipotente. Ele o é, porque é único. Se não dispusesse do soberano poder, algo haveria mais poderoso ou tão poderoso quanto ele, que então não teria feito todas as coisas. As que não houvesse feito seriam obra de outro Deus.

É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela, assim nas mais pequeninas coisas, como nas maiores, e essa sabedoria não permite se duvide nem da justiça nem da bondade de Deus. (KARDEC, 2010a, p. 77-78)

A ideia que os homens fazem de Deus evolui conforme evolui o pensamento humano. Nos ensinos trazidos pelo antigo testamento bíblico, tem-se, de uma forma geral, a imagem de um Deus vingativo ao qual o homem devia temer: “Pois o Senhor, vosso Deus, é o Deus dos deuses e o Senhor dos senhores, o Deus grande, poderoso e temível” (ALMEIDA, 2008, p. 262). Era necessário utilizar a imagem de um Deus poderoso e vingativo para que Moisés conseguisse a obediência do povo hebreu. Somente o medo das consequências das ações poderia conter um povo indisciplinado e rebelde, que ainda não possuía um desenvolvimento intelectual e moral que possibilitasse a compreensão de um Deus bom e misericordioso. No livro de salmos tem-se a seguinte advertência: “Sobre eles faz recair a sua iniquidade e pela malícia deles próprios os destruirá; o Senhor, nosso Deus, os exterminará.” (ALMEIDA, 2008, p. 820)

Com a evolução do pensamento humano, a ideia sobre Deus também foi evoluindo, pois o homem passou a ter condições de compreender melhor sobre a conceituação de Deus. De um Deus vingativo e temível, tem-se, no novo testamento bíblico, a imagem de um Deus que é sinônimo de um Pai justo e amoroso, conforme os ensinos trazidos por Jesus Cristo, onde esclarece que (ALMEIDA, 2008, p. 1417): “Porque o próprio Pai vos ama”.

Observa-se que do SENHOR DOS EXÉRCITOS do antigo testamento, Deus se torna o PAI amoroso e justo. E como Pai, ele educa, ele age com justiça, e, acima de tudo, ele ama seus filhos e trabalha incessantemente para conduzi-los a glória dos Filhos de Deus, conforme ensina Paulo em sua epístola aos Romanos:

Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória a ser revelada em nós. A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. (ALMEIDA, 2008, p. 1487 )

O Apóstolo Paulo, em seu discurso em Atenas, disserta de forma magistral sobre Deus:

O Deus que fez o mundo e tudo que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuário feito por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos. (ALMEIDA, 2008, p. 1457)

Nesta bela dissertação de Paulo, entende-se Deus como irradiador de uma energia cósmica, na qual vivemos, pois a criatura está imersa nesta energia; na qual nos movemos, pois esta energia impulsiona os seres ao progresso; e existimos, pois esta energia fornece as condições essenciais da vida aos seres; Dele os seres foram gerados e Nele os seres vivem, como o peixe mergulhado nas águas. Sobre o tema disserta André Luiz:

Identificando o Fluido Elementar ou Hálito Divino por base mantenedora de todas as associações da forma nos domínios inumeráveis do Cosmo, do qual conhecemos o elétron como sendo um dos corpúsculos-base, nas organizações e oscilações da matéria, interpretaremos o Universo como um todo de forças dinâmicas, expressando o Pensamento do Criador. (XAVIER, 2013c, p. 37)

Na obra A Gênese, Kardec completa:

O Universo é, ao mesmo tempo, um mecanismo incomensurável, acionado por um número incontável de inteligências, e um imenso governo em o qual cada ser inteligente tem a sua parte de ação sob as vistas do soberano Senhor, cuja vontade única mantém por toda parte a unidade. Sob o império dessa vasta potência reguladora, tudo se move, tudo funciona em perfeita ordem. Onde nos parece haver perturbações, o que há são movimentos parciais e isolados, que se nos afiguram irregulares apenas porque circunscrita é a nossa visão. Se lhes pudéssemos abarcar o conjunto, veríamos que tais irregularidades são apenas aparentes e que se harmonizam com o todo. (KARDEC, 2008a, p. 459)

O apóstolo João evangelista, em sua primeira epístola, disserta belissimamente sobre a divindade e seu relacionamento com a criatura humana:

Todo aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus. Aquele que não ama não conhece a Deus, pois Deus é amor. Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós, e o seu amor é, em nós, aperfeiçoado. No amor não existe o medo; antes o perfeito amor lança fora o medo. Ora, o medo produz tormento; logo, aquele que teme não é aperfeiçoado no amor. Nós amamos porque ele nos amou primeiro. (ALMEIDA, 2008, p. 1617)

Nesta passagem observa-se claramente a evolução da visão que o homem possui de Deus. João nos afirma que no amor não existe o medo. Deus não deve ser temido, porém amado. É uma mudança na percepção e no relacionamento da criatura com o criador.

Deus é definido como amor. Deus como a energia cósmica do amor, que se faz sentir na intimidade da criatura quando esta estabelece sintonia com o criador, através do desenvolvimento do sentimento do amor dentro de si mesma, desenvolvendo a unidade cósmica criador/criatura, como ensina Jesus (ALMEIDA, 2008, p. 1418): “a fim de que todos sejam um; e como és tu, ó Pai, em mim e eu em ti, também sejam eles em nós; eu neles, e tu em mim, a fim que sejam aperfeiçoados na unidade”, e em outra passagem, Jesus assim se expressa (ALMEIDA, 2008, p. 1406): “Eu e o pai somos um”, no sentido de uma perfeita identificação de sentimentos e pensamentos, numa afinidade energética intrínseca da criatura com o criador.

E ao buscar a definição do que seja o amor e do que seja o amar, encontra-se a resposta na personalidade excelsa do Cristo Jesus, que deixou como o maior mandamento a prática do amor ao próximo, o qual ele próprio exemplificou na sua passagem pela Terra. O evangelista João relata a passagem onde Jesus prescreve (ALMEIDA, 2008, p. 1415): “O meu mandamento é este: que vos ameis uns aos outros, assim como eu vos amei.” E, em outra passagem Jesus nos orienta (ALMEIDA, 2008, p. 1412): “Vós me chamais o Mestre e o Senhor e dizeis bem; porque eu o sou. Porque eu vos dei o exemplo, para que, como eu vos fiz, façais vós também.”

Conclui-se destas passagens, que a missão de Jesus foi ensinar às criaturas como desenvolver o sentimento do amor dentro de si mesmas, através da vivência dos exemplos e ensinamento trazido e vivenciados por ele, com a finalidade de aproximar a criatura do criador11, o ser humano do ser divino, o homem da sua essência, o que lhe proporcionará a conquista da plenitude existencial, conforme as palavras do próprio Cristo Jesus (ALMEIDA, 2008, p. 1405): “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância.”

A visão que o homem possui de Deus é de grande importância para sua vida em sociedade. O relacionamento que o homem possui para com Deus, invariavelmente é a base para o relacionamento que o homem possui para com o próprio homem. Se o homem possui a imagem de um Deus cruel e vingativo, assim também o homem age para com os seus pares, se, ao contrário, o homem tem uma imagem de um Deus justo e misericordioso, assim o homem se relacionará para com os seus pares. Sobre este tema, a filosofia cristã vem trazer a imagem de um Deus Misericordioso, instruindo seus adeptos a também serem misericordiosos uns com os outros, conforme ensino de Jesus: “Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai.” (RYRIE, 2007, p. 991)

A ciência a cada dia busca encontrar provas para a existência de Deus, e dentre vários cientistas que se dedicam ao intento, destacam-se o polonês Michael keller, que em 2008 recebeu um dos maiores prêmios em dinheiro (US$ 1,6 milhão) já dados pela Fundação Templeton, instituição que reúne pesquisadores de todo o mundo. O prêmio foi dado devido a uma nova teoria que começa a ganhar corpo em toda a Europa: a “Teologia da Ciência”, a qual se define assim: a ciência encontrou Deus.12 O cientista Robert Jastrow, que foi chefe da Divisão Teórica da Nasa e diretor fundador da Nasa Instituto Goddard de Estudos Espaciais (1961), em entrevista ao programa Fantástico da Rede Globo de Televisão13, em 20 de maio de 1979, relata:

6”05 segundos : Robert Jastrow – “Os cientistas descobriram que todas as galáxias que estão nos sistemas estelares que formam o Universo estão se distanciando umas das outras a velocidades incríveis como se estivesse havido uma grande explosão cósmica e como prova disso descobriram os restos de fleches de luz e do intenso calor que a grande explosão que criou o universo provocou, encontramos agora em todos os lugares do espaço a radiação desta bola de fogo cósmica.”

6”55 segundos: Hélio Costa (repórter): “A teoria da grande explosão prova a existência de Deus?” Robert Jastrow: “Estou numa encruzilhada. Eu não sei em que acreditar, mas estou convencido agora de que existem no mundo forças sobrenaturais que não podem ser explicadas com as leis da natureza. Nós podemos chamar estas forças de Deus ou o que quisermos.”

→ Leis Divinas

Ao adentrar o tema Leis Divinas, inicialmente ater-se-á ao conceito de Providência14 Divina. Segundo a filosofia espírita (KARDEC, 2008a, p.73), “A providência é a solicitude de Deus para com as suas criaturas. Ele está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo às coisas mais mínimas. É nisso que consiste a ação providencial.” Uma das características da divindade é a onipresença. Deus está presente em toda a criação, pois a criação é parte de Deus. Paulo, em sua epístola aos Efésios (ALMEIDA, 2008, p. 1545), nos ensina que “há (....) um só Deus e Pai de todos, o qual é sobre todos, age por meio de todos e está em todos.”

Em outra obra da filosofia espírita, encontram-se mais esclarecimentos sobre a providência divina:

Realiza-se assim a grande lei de unidade da Criação; Deus nunca esteve inativo e sempre teve puros Espíritos, experimentados e esclarecidos, para transmissão de suas ordens e direção do Universo, desde o governo dos mundos até os mais ínfimos detalhes. Tampouco teve Deus necessidade de criar seres privilegiados, isentos de obrigações; todos, antigos e novos, adquiriram suas posições na luta e por mérito próprio; todos, enfim, são filhos de suas obras. E, desse modo, completa-se com igualdade a soberana justiça do Criador. (KARDEC, 2008b, p. 122/123)

Analisando o texto, conclui-se que Deus age no Universo através de Espíritos Superiores, que são Espíritos que, através de um processo de evolução intelectual/moral, alcançaram, por méritos próprios, a condição de Espíritos puros e se tornaram auxiliares diretos do criador. Paulo, em sua epístola aos Hebreus, em se referindo aos anjos, esclarece (ALMEIDA, 2008, p. 1582): “Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para serviço a favor dos que hão de herdar a salvação?”.

Deus irradia-se por todo universo, através da energia cósmica universal15, atuando por meio dela e pela ação dos Espíritos Superiores, tudo subordinado às leis universais. É por meio dessas leis, sábias e justas, que coordenam e organizam todo o sistema universal, que a Inteligência Suprema se revela ativamente.

As leis divinas são, portanto, uma expressão viva do criador, sendo conexão constante da criatura com o criador. Segundo a filosofia espírita:

Todas as leis da natureza são leis divinas, pois que Deus é o autor de tudo. Entre as leis divinas, umas regulam o movimento e as relações da matéria bruta: as leis da física, cujo estudo pertence ao domínio da Ciência. As outras dizem respeito especialmente ao homem considerado em si mesmo e nas relações com Deus e com seus semelhantes. Contêm as regras da vida do corpo, bem como as da alma: são as leis morais. (KARDEC, 2010a, p. 378)

O conhecimento das leis divinas têm por objetivo orientar a criatura sobre o percurso a seguir em direção ao objetivo final de toda a criação, que é desenvolvimento das virtudes divinas latentes na criatura que a possibilitará atingir a condição de Espíritos Puros, onde, em sintonia absoluta com as leis da vida, alcançarão o estado de plenitude íntima. No livro Gênesis (ALMEIDA, 2008, p. 4) é ensinado que o homem foi criado à imagem e conforme a semelhança de Deus. Paulo, em sua carta aos Efésios (ALMEIDA, 2008, p. 1545) ensina que “Até que todos cheguemos à unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, à perfeita varonilidade, à medida da estatura de Cristo.” O Objetivo final da criação é chegar a perfeita varonilidade, ou a homem perfeito, à medida da estatura de Cristo, que é o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem para lhe servir de guia e modelo (KARDEC, 2010a, p. 380). Deve observar que em Cristo, conforme as palavras de Paulo em sua epístola aos Colossenses (ALMEIDA, 2008, p. 1556), “habita, corporalmente, toda a plenitude da Divindade.”

Portanto, conclui-se que o objetivo final da criação é o desenvolvimento da divindade na criatura, criada à imagem e semelhança do criador (ALMEIDA, 2008, p. 4), o qual deixou sob a responsabilidade individual dos seres criados o trabalho da caminhada ascensional em direção a Ele, em respeito a livre arbítrio dos seres. Deus criou seres autônomos, com vontade própria, e quer que cada um, pelo esforço próprio, com o auxílio dos Espíritos Superiores, conquiste a meta final: a perfeição, conforme esclarece a filosofia espírita:

“Deus criou todos os Espíritos simples e ignorantes, isto é, sem saber. A cada um deu determinada missão, com o fim de esclarecê-los e de os fazer chegar progressivamente à perfeição, pelo conhecimento da verdade, para aproximá-los de si. Nesta perfeição é que eles encontram a pura e eterna felicidade. Passando pelas provas que Deus lhes impõe é que os Espíritos adquirem aquele conhecimento. Uns aceitam submissos essas provas e chegam mais depressa à meta que lhes foi assinada. Outros, só a suportam

murmurando e, pela falta em que desse modo incorrem, permanecem afastados da perfeição e da prometida felicidade.” (KARDEC, 2010a, p. 128)

A função primordial da lei divina é a educação do ser para que se torne homem perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra conforme disserta o apóstolo Paulo, em sua segunda epístola a Timóteo (ALMEIDA, 2008, p. 1576): “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para ensino, para a repreensão, para correção, para a educação na justiça, a fim de que todo homem de Deus seja perfeito e perfeitamente habilitado para toda boa obra”, e a filosofia espírita completa (KARDEC, 2010a, p. 444) que “A lei natural, ao contrário, rege a Humanidade inteira e o homem se melhora à medida que melhor a compreende e pratica”.

Com respeito às características das leis divinas, a filosofia espírita ensina (KARDEC, 2010a, p. 378) que a lei de Deus é eterna e imutável como o próprio Deus. Ao observar as leis ensinadas por Moisés nos livros iniciais do Antigo Testamento conclui-se que há divergências entre as próprias leis mosaicas e entre estas e os ensinos trazidos por Jesus Cristo. Se as leis de Deus são eternas e imutáveis, como explicar estas contradições existentes nas leis de Moisés e entre estas e os ensinos de Jesus, sendo que ambos são profetas reveladores das leis divinas? A filosofia espírita explica este aparente conflito entre as leis divinas quando ensina:

Na lei moisaica, há duas partes distintas: a lei de Deus, promulgada no monte Sinai, e a lei civil ou disciplinar, decretada por Moisés. Uma é invariável; a outra, apropriada aos costumes e ao caráter do povo, se modifica com o tempo. A lei de Deus está formulada nos dez mandamentos16. Todas as outras são leis que Moisés decretou, obrigado que se via a conter, pelo temor, um povo de seu natural turbulento e indisciplinado, no qual tinha ele de combater arraigados abusos e preconceitos, adquiridos durante a escravidão do Egito. Para imprimir autoridade às suas leis, houve de lhes atribuir origem divina, conforme o fizeram todos os legisladores dos povos primitivos. A autoridade do homem precisava apoiar-se na autoridade de Deus; mas, só a idéia de um Deus terrível podia impressionar criaturas ignorantes, em as quais ainda pouco desenvolvidos se encontravam o senso moral e o sentimento de uma justiça reta. É evidente que aquele que incluíra, entre os seus mandamentos, este: “Não matareis; não causareis dano ao vosso próximo”, não poderia contradizer-se, fazendo da exterminação um dever. As leis moisaicas, propriamente ditas, revestiam, pois, um caráter essencialmente transitório. (KARDEC, 2010b, p. 59-62)

Todas as prescrições contidas nos livros do Antigo Testamento, que não estão nos Dez Mandamentos, somente devem ser consideradas válidas se em consonâncias com os próprios Dez Mandamentos e com os ensinos trazidos pelo maior de todos os profetas, o Mestre dos mestres, Jesus Cristo.

A revelação da lei divina aos homens é gradativa, de acordo com a evolução intelectual/moral da criatura. O Próprio Mestre Jesus afirmou que não disse tudo, pois não o entenderiam (ALMEIDA, 2008, p. 1416) “Tenho ainda muito a vos dizer, mas vós não o podeis suportar agora” e na sequencia promete a vinda do Espírito de Verdade que ensinará toda a verdade, quando a humanidade, mais evoluída, tenha condições de compreender novos ensinamentos.

A filosofia espírita aborda esta questão, quando ensina (KARDEC, 2010a, p.382) que, “Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz: o homem precisa habituar-se a ela, pouco a pouco; do contrário, fica deslumbrado”. Sobre este tema, o apóstolo Paulo, em sua epístola aos hebreus disserta:

Ora, todo aquele que se alimenta de leite é inexperiente na palavra da justiça, porque é criança. Mas o alimento sólido é para os adultos, para aqueles que, pela prática, têm as suas faculdades exercitadas para discernir não somente o bem, mas também o mal. (ALMEIDA, 2008, p. 1585)

O Homem

A filosofia cristã define o homem como sendo constituído de três estruturas: o corpo, a alma e o Espírito17, conforme ensina o apóstolo Paulo, em sua primeira epístola aos Tessalonicenses (ALMEIDA, 2008, p. 1564): “O mesmo Deus vos santifique em tudo; e o vosso espírito, alma e corpo sejam conservados íntegros e irrepreensíveis.” Segundo a filosofia espírita (KARDEC, 2010a, p. 109) “os Espíritos são os seres inteligentes da criação”. Portanto, a inteligência, o raciocínio são atributos do Espírito. A alma a que Paulo se refere é o que a filosofia espírita denomina períspirito, definido como (KARDEC, 2010a, p. 138) “substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao Espírito e liga a alma ao corpo. Por meio desse laço é que o Espírito atua sobre a matéria e reciprocamente.” Observa-se que a filosofia espírita coloca alma e Espírito como sinônimos, sendo a alma um Espírito encarnado (KARDEC, 2010a, p. 137), ou seja, unido ao corpo físico, na carne, ao passo que Paulo coloca alma como sendo o que a filosofia espírita denomina períspirito. Portanto, a filosofia espírita define o homem como constituído de (KARDEC, 2010a, p. 138):

1º — o corpo ou ser material, análogo ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2º — a alma, Espírito encarnado que tem no corpo a sua habitação; 3º — o princípio intermediário, ou perispírito, substância semimaterial que serve de primeiro envoltório ao Espírito e liga a alma ao corpo. Tal, num fruto, o gérmen, o perisperma e a casca.

A morte representa apenas a destruição do invólucro físico, o corpo humano, enquanto que o Espírito, revestido pelo perispírito continua sua existência no pós-morte, pois o Espírito é imortal, e estagia temporariamente na carne para acelerar o seu processo evolutivo. Portanto, o Espírito ou alma, após a morte da estrutura física, o corpo, se desliga deste e continua a existir. O Apóstolo Paulo discorre sobre este tema em sua primeira epístola aos Coríntios (ALMEIDA, 2008, p. 1518), onde ensina: “Pois assim também é a ressurreição dos mortos. Semeia-se corpo natural, ressuscita corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual”, corpo este, que a filosofia espírita denomina como sendo o períspirito.

A filosofia espírita esclarece que (KARDEC, 2010a, p. 147) “a alma no instante da morte volta a ser Espírito, isto é, volve ao mundo dos Espíritos, donde se apartara momentaneamente.” Assim como existe o mundo físico, com sua estrutura social, existe o mundo espiritual, também com sua estrutura social, conforme nos ensina a filosofia espírita18 e a filosofia cristã, nas próprias palavras de Jesus (ALMEIDA, 2008, p.1413): “Na casa de meu Pai há muitas moradas” e do apóstolo Paulo (ALMEIDA, 2008, p. 1553): “Pois a nossa pátria está nos céus.”

Existem várias passagens bíblicas que confirmam a existência de Espíritos fora do corpo físico, entre elas destaca-se a consulta de Saul a médium de Em-dor, registrada no livro de 1Samuel, capítulo 28, versículos de 1 ao 25; e a conversa de Jesus com os Espíritos de Moisés e Elias, a qual transcreve-se:

Seis dias depois, tomou Jesus consigo a Pedro e aos irmãos Tiago e João e os levou, em particular, a um alto monte. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto resplandecia como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E eis que apareceram Moisés e Elias falando com ele. (ALMEIDA, 2008, p. 1272)

Sobre a dualidade constitutiva do homem, no livro Gênesis, do antigo testamento bíblico, encontra-se a seguinte passagem (ALMEIDA, 2008, p. 4): “Então, formou o Senhor Deus ao homem do pó da terra e lhe soprou nas narinas o fôlego da vida, e o homem passou a ser alma vivente.” Esta passagem repleta de simbolismo, descreve a criação do homem por Deus. Quando é descrito “formou o homem do pó da terra”, simboliza os elementos químicos que constituem o corpo físico do homem, elementos estes, todos encontrados na natureza, na terra. O corpo humano é o resultado de um longo processo evolutivo que durou bilhões de anos. A palavra fôlego, em hebraico, significa vento, espírito, representando nesta passagem a união do corpo físico com o Espírito, que proporcionou vida à matéria física, conforme a expressão ‘fôlego de vida’.

Esta constituição dualística do homem, Espírito e corpo, é confirmada em várias passagens bíblicas, entre elas destaca-se (ALMEIDA, 2008, p. 1398): “O espírito é que vivifica; a carne para nada aproveita” e (ALMEIDA, 2008, p. 1600): “Porque, assim como o corpo sem espírito é morto”. A filosofia espírita esclarece que,

[...] Dupla, no homem, só é a natureza. Há nele a natureza animal e a natureza espiritual. Participa, pelo seu corpo, da natureza dos animais e de seus instintos. Por sua alma, participa da dos Espíritos. [...] Encarnando no corpo do homem, o Espírito lhe traz o princípio intelectual e moral, que o torna superior aos animais. As duas naturezas nele existentes dão às suas paixões duas origens diferentes: umas provêm dos instintos da natureza animal, provindo as outras das impurezas do Espírito, de cuja encarnação é ele a imagem e que mais ou menos simpatiza com a grosseria dos apetites animais. Purificando-se, o Espírito se liberta pouco a pouco da influência da matéria. Sob essa influência, aproxima-se do bruto. Isento dela, eleva-se à sua verdadeira destinação. (KARDEC, 2010a, p. 369)

O conhecimento da sobrevivência do Espírito à morte do corpo físico possibilita reflexões sobre a forma que a humanidade em geral trata seus criminosos. Busca-se a exclusão, e, em alguns países, institui-se a pena de morte, como forma de “se livrar” de indivíduos nocivos à sociedade. Se um indivíduo não é recuperado pelo sistema prisional e vem a desencarnar (morrer, falecer), ele poderá continuar a prejudicar a sociedade, porém por outros meios, como a influenciação do pensamento, entre outros. Os relatos bíblicos de espíritos impuros que prejudicam os homens encarnados, revelam a atuação de Espíritos sobre o dia a dia da humanidade encarnada. Um exemplo encontra-se relatado pelo evangelista Marcos (ALMEIDA, 2008, p. 1304): “Porque Jesus lhe dissera: Espírito imundo, sai desse homem! E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? Respondeu ele: Legião é o meu nome, porque somos muitos”.

Sobre este tema a filosofia espírita adverte (KARDEC, 2010b, p. 556): “Os Espíritos maus pululam em torno da Terra, em virtude da inferioridade moral de seus habitantes. A ação malfazeja que eles desenvolvem faz parte dos flagelos com que a humanidade se vê a braços neste mundo”. Os Espíritos dos criminosos, no pós- morte, poderão continuar a prejudicar a sociedade. Portanto, a forma real de o homem “se livrar” de indivíduos que prejudicam a sociedade é recuperá-los, educa-los.

→ Encarnação e Reencarnação19

Segundo a filosofia espírita, todos os Espíritos são criados simples e ignorantes e se instruem nas lutas e tribulações da vida corporal (KARDEC, 2010a, p. 137). A encarnação constitui mecanismo que Deus utiliza para que os Espíritos evoluam em inteligência e moral, alcançando a perfeição espiritual, conforme esclarece a filosofia espírita:

Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos? Deus lhes impõe a encarnação com o fim de fazê-los chegar à perfeição. Para uns, é expiação; para outros, missão. Mas, para alcançarem essa perfeição, têm que sofrer todas as vicissitudes da existência corporal: nisso é que está a expiação. Visa ainda outro fim a encarnação: o de pôr o Espírito em condições de suportar a parte que lhe toca na obra da criação. Para executá-la é que, em cada mundo, toma o Espírito um instrumento, de harmonia com a matéria essencial desse mundo, a fim de aí cumprir, daquele ponto de vista, as ordens de Deus. É assim que, concorrendo para a obra geral, ele próprio se adianta. (KARDEC, 2010a, p. 136)

O apóstolo Paulo, em sua epístola aos Filipenses aborda o tema perfeição, quando ensina (ALMEIDA, 2008, p. 1552): “Não que eu o tenha já recebido ou tenha já obtido a perfeição; mas prossigo para conquistar aquilo para o que também fui conquistado por Cristo Jesus.” Paulo descreve claramente que o seu objetivo final é alcançar a perfeição.

A filosofia espírita ensina que Jesus constitui o tipo mais perfeito que Deus tem oferecido ao homem, para lhe servir de guia e modelo (KARDEC, 2010a, p.380) e conclui:

Para o homem, Jesus constitui o tipo da perfeição moral a que a Humanidade pode aspirar na Terra. Deus no-lo oferece como o mais perfeito modelo e a doutrina que ensinou é a expressão mais pura da lei do Senhor, porque, sendo ele o mais puro de quantos têm aparecido na Terra, o Espírito Divino o animava. (KARDEC, 2010a, p.380)

Ainda sobre os objetivos da encarnação, tem-se o seguinte ensinamento trazido pela filosofia espírita:

A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e intelectual do Espírito: ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades. A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes. Para o homem que vivesse insulado não haveria vícios nem virtudes; preservando-se do mal pelo insulamento, o bem de si mesmo se anularia. (KARDEC, 2008b, p. 34)

Através do processo das encarnações, o Espírito desenvolve a inteligência pelo trabalho que se faz necessário à sobrevivência, manutenção e progresso material. Em contato uns com os outros, o homem desenvolve a moralidade, os sentimentos nobres, sendo o maior deles, o amor. Inteligência e Amor são as duas asas que permitirão ao Espírito alçar voo aos níveis superiores da existência, na dimensão maior da vida, livrando-se do processo das encarnações.

Portanto, objetivo da encarnação é possibilitar o progresso do Espírito, tornando-se assim Espírito Perfeito. Porém, em apenas uma encarnação é impossível o Espírito adquirir todas as qualidades que o tornem perfeito. A alma, que não alcançou a perfeição durante a vida corpórea, acaba de depurar-se sofrendo a prova de uma nova existência (KARDEC, 2010a, p. 166), ou novas existências, o que se denomina reencarnação, tornar a encarnar, até que alcance a perfeição espiritual. A filosofia espírita ensina (KARDEC, 2010a, p. 157) que “A cada nova existência, o Espírito dá um passo para diante na senda do progresso. Desde que se ache limpo de todas as impurezas, não tem mais necessidade das provas da vida corporal.”

Nos textos bíblicos também se encontram várias passagens sobre a reencarnação, entre as quais se destaca o diálogo de Jesus com Nicodemos e a passagem na qual Jesus afirma que João Batista é a reencarnação de Elias.

Havia, entre os fariseus, um homem chamado Nicodemos, um dos principais dos judeus. Este, de noite, foi ter com Jesus e lhe disse: Rabi, sabemos que és Mestre vindo da parte de Deus; porque ninguém pode fazer estes sinais que tu fazes, se Deus não estiver com ele. A isto, respondeu Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus. Perguntou-lhe Nicodemos: Como pode um homem nascer, sendo velho? Pode, porventura, voltar ao ventre materno e nascer segunda vez? Respondeu Jesus: Em verdade, em verdade te digo: quem não nasce da água e do Espírito não pode entrar no reino de Deus. Não te admires de eu te dizer: importa-vos nascer de novo. (ALMEIDA, 2008, p. 1389)

Nesta passagem Jesus adverte Nicodemos da necessidade de nascer de novo, tanto da água, que simboliza a matéria, o corpo físico, quanto do Espírito, que simboliza o renascimento espiritual, a evolução do Espírito. E termina Jesus afirmando: ‘importa-vos nascer de novo’. Quanto à expressão ‘entrar no reino de Deus’, é o símbolo do término do processo reencarnatório, quando o Espírito atingindo a condição de Espírito puro, não terá necessidade de reencarnar, a não ser em missão. A respeito dos Espíritos puros, esclarece a filosofia espírita:

PRIMEIRA ORDEM. — ESPÍRITOS PUROS - 112. CARACTERES GERAIS. — Nenhuma influência da matéria. Superioridade intelectual e moral absoluta, com relação aos Espíritos das outras ordens. 113. Primeira classe. CLASSE ÚNICA. — Os Espíritos que a compõem percorreram todos os graus da escala e se despojaram de todas as impurezas da matéria. Tendo alcançado a soma de perfeição de que é suscetível a criatura, não têm mais que sofrer provas, nem expiações. Não estando mais sujeitos à reencarnação em corpos perecíveis, realizam a vida eterna no seio de Deus. Gozam de inalterável felicidade, porque não se acham submetidos às necessidades, nem às vicissitudes da vida material. Essa felicidade, porém, não é a de ociosidade monótona, a transcorrer em perpétua contemplação. Eles são os mensageiros e os ministros de Deus, cujas ordens executam para manutenção da harmonia universal. Comandam a todos os Espíritos que lhes são inferiores, auxiliam-nos na obra de seu aperfeiçoamento e lhes designam as suas missões. Assistir os homens nas suas aflições, concita--los ao bem ou à expiação das faltas que os conservam distanciados da suprema felicidade, constitui para eles ocupação gratíssima. São designados às vezes pelos nomes de anjos, arcanjos ou serafins. (KARDEC, 2010a, p.126-127)

Em outra passagem, a respeito da reencarnação, Jesus afirma:

Desde os dias de Joao Batista até agora, o reino dos céus é tomado por esforço, e os que se esforçam se apoderam dele. Porque todos os profetas e a Lei profetizaram até João. E, se o quereis reconhecer, ele mesmo é Elias, que estava para vir. (ALMEIDA, 2008, p. 1261)

Quando Jesus afirma ‘ele mesmo é Elias, que estava para vir’, Jesus está se referindo a uma passagem no livro de Malaquias, onde o SENHOR promete que Elias, um profeta do Antigo Testamento, que já havia morrido, iria retornar. Assim diz a passagem (ALMEIDA, 2008, p. 1241): “Eis que vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o grande e terrível Dia do SENHOR.” Nesta passagem fica clara a ideia da reencarnação, proclamada pelo próprio Mestre Jesus.

A reencarnação é lei da vida, e tem como objetivo propiciar condições para a evolução do Espírito, a caminho da perfeição. Na maioria das vezes a referência à conquista da perfeição aparece nos textos bíblicos, implicitamente, sob o termo salvação. Salvação no sentido de livrar o Espírito imortal das vicissitudes da vida corporal, da necessidade de reencarnar.

O apóstolo Pedro resume o entendimento a respeito da evolução do Espírito na seguinte passagem:

Por isso, cingindo o vosso entendimento, sede sóbrios e esperai inteiramente na graça que vos está sendo trazida na revelação de Jesus Cristo. Como filhos da obediência, não vos amoldeis às paixões que tínheis anteriormente na vossa ignorância; pelo contrário, segundo é santo aquele que vos chamou, tornai-vos santos também vós mesmos em todo o vosso procedimento, (....) Despojando-vos, portanto, de toda maldade e dolo, de hipocrisia e invejas e de toda sorte de maledicências, desejai ardentemente, como crianças recém-nascidas, o genuíno leite espiritual, para que, por ele, vos seja dado crescimento para salvação, (...) sois edificados casa espiritual para serdes sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais a Deus por intermédio de Jesus Cristo. (ALMEIDA, 2008, p. 1604-1605)

A proposta de Pedro é a transformação de valores íntimos, desejando o genuíno leite espiritual, ou seja, o conhecimento das leis divinas, alimento do Espírito, para que, através da vivencia destas leis, seja dado ao Espírito crescimento para a salvação. Segundo a filosofia espírita (KARDEC, 2010b, p. 95) “O progresso é lei da Natureza. A essa lei todos os seres da Criação, animados e inanimados, foram submetidos pela bondade de Deus, que quer que tudo se engrandeça e prospere”.

Progredir, tal a lei. Promover o progresso de pessoas, instituições, leis, enfim, da própria sociedade é o objetivo da grande jornada humana. A partir do momento que ideologias e sistemas instituídos fracassam é necessário construir novos conceitos e instituir novos sistemas para um novo mundo.

O objetivo principal de qualquer organização estatal, incluindo a organização penal, deverá ser propiciar mecanismos eficazes ao indivíduo para seu progresso espiritual, conforme ensinamentos de Aristóteles:

Visto que a ciência política utiliza [5] as demais ciências e, ainda, legisla sobre o que devemos fazer e sobre o que devemos nos abster, a finalidade dessa ciência deve necessariamente abranger a finalidade das outras, de maneira que essa finalidade deverá ser o bem humano. (ARISTÓTELES, 2001, p. 18)

[...] o bem do homem vem a ser a atividade da alma em consonância com a virtude e, se há mais de uma virtude, em consonância com a melhor e mais completa entre elas. (ARISTÓTELES, 2001, p. 27)

Sem dúvida alguma, a virtude que devemos examinar é a virtude [15] humana, pois o bem e a felicidade que estamos buscando são o bem e a felicidade humanos. Entendemos por virtudes humanas não são a do corpo, mas a da alma; e também dizemos que a felicidade é uma atividade da alma. (ARISTÓTELES, 2001, p. 37)

[...] De fato, ao falar do caráter de um homem não dizemos que ele é sábio ou que possui discernimento, mas que é calmo, amável ou tempe- [10] rante; porém, louvamos um homem sábio referindo-nos à sua disposição de espírito, e às disposições de espírito louváveis chamamos virtudes. (ARISTÓTELES, 2001, p. 39)

Através da aquisição da virtude, que são os valores morais e intelectuais a serem desenvolvidos pelo indivíduo, constrói-se uma sociedade melhor, objetivo de qualquer organização política instituída. Conforme ensinamento do instrutor espiritual Emmanuel, através da psicografia de Francisco Candido Xavier, é preciso embelezar o mundo, melhorando as criaturas que o habitam: “O mal, portanto, não é essencialmente do mundo, mas das criaturas que o habitam. Faz-se preciso, pois, embelezar o mundo e aprimorá-lo, combatendo o mal que está em nós.” (XAVIER, 2013a, p. 75,76)

Justiça Divina

A Justiça Divina pode ser definida como um sistema de leis divinas que possui como finalidade retribuir a cada um segundo o seu procedimento, com vistas ao desenvolvimento espiritual do indivíduo, estimulando-o ou advertindo-o. O conjunto destas leis resulta em um mecanismo de educação moral da criatura, com vistas ao objetivo final da criação, o desenvolvimento dos potenciais do Espírito, culminando na Perfeição Espiritual. A justiça divina é distributiva20, conforme ensinamento trazido pela Doutrina Espírita:

Os sofrimentos devidos a causas anteriores à existência presente, como os que se originam de culpas atuais, são muitas vezes a consequência da falta cometida, isto é, o homem, pela ação de uma rigorosa justiça distributiva, sofre o que fez sofrer aos outros. Se foi duro e desumano, poderá ser a seu turno tratado duramente e com desumanidade; se foi orgulhoso, poderá nascer em humilhante condição; se foi avaro, egoísta, ou se fez mau uso de suas riquezas, poderá ver-se privado do necessário; se foi mau filho, poderá sofrer pelo procedimento de seus filhos, etc. (KARDEC, 2010b, p. 124)

Observa-se no texto acima que o autor de uma infração às leis divinas “poderá” sofrer as consequências mais duras de sua ação, ou seja, não é absoluto, pois, como o objetivo da justiça divina é educar o indivíduo, se este, por si mesmo se modificar, não necessitará ser punido. Com relação ao tema disserta Emmanuel:

A inflexibilidade e a dureza não existem para a misericórdia divina, que, conforme a conduta do Espírito encarnado, pode dispensar na lei, em benefício do homem, quando a sua existência já demonstre certas expressões do amor que cobre a multidão dos pecados. ( XAVIER, 2013b, p. 167)

O Apóstolo Paulo, em sua primeira epístola aos Coríntios, adverte que os homens são livres para agir, porém que devem ponderar se determinadas atitudes serão proveitosas ou prejudiciais a eles mesmos. Assim Paulo se expressa (ALMEIDA, 2008, p. 1510): “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam.”

Conforme ensina a Doutrina Espírita, tem o homem o livre arbítrio de seus atos. Sem o livre arbítrio, o homem seria máquina (KARDEC, 2010a, p. 473). O desenvolvimento do livre arbítrio acompanha o da inteligência, que faz o homem compreender o bem e o mal, aumentando assim, a responsabilidade dos atos (KARDEC, 2010a, p. 446). Ao homem concedeu Deus a liberdade de agir, para que adquira experiência e se desenvolva por si mesmo, conforme esclarece a filosofia espírita:

Bebei na fonte viva do amor e preparai-vos, cativos da vida, a lançar-vos um dia, livres e alegres, no seio dAquele que vos criou fracos para vos tornar perfectíveis e que quer modeleis vós mesmos a vossa maleável argila, a fim de serdes os artífices da vossa imortalidade. – O Espírito de Verdade. (Paris, 1861.) (KARDEC, 2010b, p. 160)

Ressalte-se, porém, que a liberdade de agir do homem é relativa, não sendo, pois, absoluta, estando subordinada às leis naturais que regem o universo, no âmbito material e moral, conforme ensina Jesus, quando esclarece que “Não se vendem dois pardais por um asse? E nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai” (RYRIE, 2007, p. 925), e às consequências de suas atitudes no pretérito, conforme esclarece a filosofia espírita: “Nossos atos tecem asas de libertação ou algemas de cativeiro, para nossa vitória ou nossa queda. A ninguém devemos o destino senão a nós próprios.” (XAVIER, 2013f, p. 23)

O mestre Jesus advertiu sobre a responsabilidade maior de quem possui conhecimento para discernir o bem e o mal: “Se eu não viera, nem lhes houvera falado, pecado não teriam; mas, agora, não tem desculpa do seu pecado”(ALMEIDA, 2008, p. 1415). A filosofia espírita ensina: “O mal é sempre o mal e não há sofismas que façam se torne boa uma ação má. A responsabilidade, porém, do mal é relativa aos meios de que o homem disponha para compreendê-lo.” (KARDEC, 2010a, p. 470).

O próprio Mestre Jesus respeitou o livre arbítrio dos homens quando declarou (ALMEIDA, 2008, p. 1405): “eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância”; e em outra passagem conclui (ALMEIDA, 2008, p. 1395): “Contudo, não quereis vir a mim para terdes vida”.

Quando Jesus afirma que veio para que os homens tenham vida, quis dizer que veio ensinar aos homens como viver a vida em plenitude, através do desenvolvimento das potências internas do Espírito, as quais Jesus exemplificou durante sua passagem pela Terra, potências estas, que proporcionarão ao Espírito imortal vida em abundância. Por isso Jesus, como Mestre por excelência, advertiu (ALMEIDA, 2008, p. 1413): “Em verdade, em verdade vos digo que aquele que crê em mim fará também as obras que eu faço e outras maiores fará”.

O Espírito do homem foi criado à imagem e semelhança de Deus. O homem traz em si, a essência divina. Portanto, sempre que o homem tem atitudes contrárias às leis de Deus, ele está agindo contrário a sua própria essência, o que acarretará desajustes íntimos, que, através de variados processos, desencadeiam consequências emocionais e físicas para o próprio homem, sendo a verdadeira paz de consciência interior, a vivência em consonância com as leis divinas. O apóstolo Paulo discorre sobre o tema, quando afirma que Deus:

Retribuirá a cada um segundo o seu procedimento: a vida eterna aos que, perseverando em fazer o bem, procuram glória, honra e incorruptibilidade; mas ira e indignação aos facciosos, que desobedecem à verdade e obedecem à injustiça. Tribulação e angústia virão sobre a alma de qualquer homem que faz o mal; glória, porém, e honra, e paz a todo aquele que pratica o bem. (ALMEIDA, 2008, p. 1479)

O que muitas vezes denomina-se por castigo de Deus, na verdade, é a própria consciência que convoca o homem, por processos diversos, a refletir sobre suas atitudes equivocadas, a modificar suas ações, a reparar os erros cometidos e trabalhar pela construção de uma nova personalidade, em sintonia com a essência divina que traz em si mesmo, a qual o próprio homem é responsável por desenvolvê-la. Sobre a essência divina na criatura, Jesus afirma (ALMEIDA, 2008, p. 1406): “Replicou-lhes Jesus: Não está escrito na vossa lei: Eu disse: sois deuses?”, e o Apóstolo João conclui (ALMEIDA, 2008, p. 1616): “Todo aquele que é nascido de Deus não vive na prática do pecado; pois o que permanece nele é a divina semente”.

Associado às consequências íntimas do Espírito estão as consequências externas, pois, todas as ações do homem repercutem no Universo a sua volta, gerando consequências para ele próprio. Todo Universo é energia, e todas as ações humanas emitem energia que se associam com energias do mesmo nível. Energias positivas atraem energias positivas, energias negativas atraem energias negativas, e cada ser sofre as consequências de suas próprias atitudes. Eis a lei de Causa e Efeito. A Doutrina Espírita esclarece sobre os fluídos:

Os fluidos não possuem qualidades sui generis, mas as adquire no meio onde se elaboram; modificam-se pelos eflúvios deste meio, como o ar pelas exalações, a água pelos sais das camadas que atravessa. Sob o ponto de vista moral, trazem o cunho dos sentimentos de ódio, de inveja, de ciúme, de orgulho, de egoísmo, de violência, de hipocrisia, de bondade, de benevolência, de amor, de caridade, de doçura, etc. O quadro dos fluídos seria, pois, o de todas as paixões, das virtudes e dos vícios da humanidade. Os fluídos se combinam pela semelhança de suas naturezas; os dessemelhantes se repelem; há incompatibilidade entre os bons e os maus fluidos. (KARDEC, 2008a, p. 325, 326, 329)

As circunstâncias que ocorrem com o homem, todas as pessoas que convivem com ele, todos os fatos externos que lhe afetam são atraídos pelo próprio homem, conforme a qualidade da energia que emite de si mesmo, resultado de seus pensamentos, sentimentos e atitudes. A este respeito Jesus adverte (ALMEIDA, 2008, p. 1291): “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão”; e o apóstolo Paulo ensina (ALMEIDA, 2008, p. 1541): “Não vos enganeis: de Deus não se zomba; pois aquilo que o homem semear, isso também ceifará”. Neste sentido, a filosofia espírita esclarece:

Sendo infinita a justiça de Deus, o bem e o mal são rigorosamente considerados, não havendo uma só ação, um só pensamento mau que não tenha consequências fatais, como não há uma única ação meritória, um só bom movimento da alma que se perca, mesmo para os mais perversos, por isso que constituem tais ações um começo de progresso. A duração do castigo depende da melhoria do Espírito culpado. O código penal da vida futura pode resumir-se nestes três princípios: 1º — O sofrimento é inerente à imperfeição. 2º — Toda imperfeição, assim como toda falta dela promanada, traz consigo o próprio castigo nas consequências naturais e inevitáveis: assim, a moléstia pune os excessos e da ociosidade nasce o tédio, sem que haja mister de uma condenação especial para cada falta ou indivíduo. 3º — Podendo todo homem libertar-se das imperfeições por efeito da vontade, pode igualmente anular os males consecutivos e assegurar a futura felicidade. A cada um segundo as suas obras, no Céu como na Terra: — tal é a lei da Justiça Divina. (KARDEC, 2008b, p. 99, 100, 109)

Porém, não são todos os acontecimentos na vida do homem que são resultados da Lei de Causa e Efeito. Muitas vezes são escolhas que o próprio Espírito faz antes de encarnar para auxiliar no seu progresso espiritual ou, no caso dos Espíritos Superiores, são situações escolhidas por eles para que, através de seus exemplos em como lidar com as dificuldades, auxiliarem a humanidade a evoluir, conforme esclarece a filosofia espírita,

Não há crer, no entanto, que todo sofrimento suportado neste mundo denote a existência de uma determinada falta. Muitas vezes são simples provas buscadas pelo Espírito para concluir a sua depuração e ativar o seu progresso. Assim, a expiação serve sempre de prova, mas nem sempre a prova é uma expiação. Provas e expiações, todavia, são sempre sinais de relativa inferioridade, porquanto o que é perfeito não precisa ser provado. Pode, pois, um Espírito haver chegado a certo grau de elevação e, nada obstante, desejoso de adiantar-se mais, solicitar uma missão, uma tarefa a executar, pela qual tanto mais recompensado será, se sair vitorioso, quanto mais rude haja sido a luta. Tais são, especialmente, essas pessoas de instintos naturalmente bons, de alma elevada, de nobres sentimentos inatos, que parece nada de mau haverem trazido de suas precedentes existências e que sofrem, com resignação toda cristã, as maiores dores, somente pedindo a Deus que as possam suportar sem murmurar. Pode-se, ao contrário, considerar como expiações as aflições que provocam queixas e impelem o homem à revolta contra Deus. Sem dúvida, o sofrimento que não provoca queixumes pode ser uma expiação; mas, é indício de que foi buscada voluntariamente, antes que imposta, e constitui prova de forte resolução, o que é sinal de progresso. Os Espíritos não podem aspirar à completa felicidade, enquanto não se tenham tornado puros: qualquer mácula lhes interdita a entrada nos mundos ditosos. São como os passageiros de um navio onde há pestosos, aos quais se veda o acesso à cidade a que aportem, até que se hajam expurgado. Mediante as diversas existências corpóreas é que os Espíritos se vão expungindo, pouco a pouco, de suas imperfeições. As provações da vida os fazem adiantar-se, quando bem suportadas. Como expiações, elas apagam as faltas e purificam. São o remédio que limpa as chagas e cura o doente. Quanto mais grave é o mal, tanto mais enérgico deve ser o remédio. Aquele, pois, que muito sofre deve reconhecer que muito tinha a expiar e deve regozijar-se à idéia da sua próxima cura. Dele depende, pela resignação, tornar proveitoso o seu sofrimento e não lhe estragar o fruto com as suas impaciências, visto que, do contrário, terá de recomeçar. (KARDEC, 2010b, p. 125/126)

O objetivo final da Lei de Causa e Efeito é dar a cada um segundo a suas obras. Para aqueles que vivem a divindade em si próprios, a consequência será a plenitude existencial, resultado da sintonia criatura-criador, conforme ensina Paulo (ALMEIDA, 2008, p. 1501): “Nem olhos viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus tem preparado para aqueles que o amam”. Para aqueles, que ainda se encontram nos erros numerosos, as consequências serão situações que levem o Espírito a refletir, a se modificar e a reparar os erros cometidos, conforme ensina o salmista (ALMEIDA, 2008, p. 843): “Antes de ser afligido, andava errado, mas agora guardo a tua palavra. Foi-me bom ter eu passado pela aflição, para que aprendesse os teus decretos.”

A Doutrina Espírita assim define o culpado e o castigo ante as leis divinas:

“Quem é, com efeito, o culpado? É aquele que, por um desvio, por um falso movimento da alma, se afasta do objetivo da criação, que consiste no culto harmonioso do belo, do bem, idealizados pelo arquétipo humano, pelo Homem- Deus, por Jesus-Cristo.

“Que é o castigo? A consequência natural, derivada desse falso movimento; uma certa soma de dores necessária a desgostá-lo da sua deformidade, pela experimentação do sofrimento. O castigo é o aguilhão que estimula a alma, pela amargura, a se dobrar sobre si mesma e a buscar o porto de salvação. O castigo só tem por fim a reabilitação, a redenção. Querê-lo eterno, por uma falta não eterna, é negar-lhe toda a razão de ser. (KARDEC, 2010a. p. 571)

Ressalta-se que o castigo na visão da filosofia espírita, é a consequência natural dos atos do indivíduo que violam as leis naturais instituídas por Deus, como, por exemplo, o indivíduo que adoece devido à má alimentação. O objetivo do castigo é a reabilitação, a regeneração do indivíduo. O castigo, portanto, é processo educacional com vistas à redenção do individuo. Diferentemente do castigo aplicado pela legislação humana, que na sua grande maioria não possui viés educacional, mas vingativo, retribuindo-se com sofrimento, o sofrimento causado, sem preocupação com a educação do infrator.

O Espírito Emmanuel, através da psicografia de Francisco Candido Xavier, disserta sobre a origem do mal e do relacionamento da criatura como criador:

-O determinismo divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal. Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma a sua fragilidade em foco de ações contrárias a essa mesma lei, efetuando, desse modo, uma intervenção indébita na harmonia divina.

Eis o mal.

Urge recompor os elos sagrados dessa harmonia sublime.

Eis o resgate.

Vede, pois, que o mal, essencialmente considerado, não pode existir para Deus, em virtude de representar um desvio do homem, sendo zero na Sabedoria e na Providência Divinas.

O Criador é sempre o Pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os filhos transviados como incursos em vastas experiências. Mas, como Jesus e os seus prepostos são seus cooperadores divinos, e eles próprios instituem as tarefas contra o desvio das criaturas humanas, focalizam os prejuízos do mal com a força de suas responsabilidades educativas, a fim de que a Humanidade siga retamente no seu verdadeiro caminho para Deus. (XAVIER, 2013b. p. 95,96)

Consoante à justiça divina, cada um é responsável por suas atitudes, não sendo imputadas a outrem as consequências do erro de um homem. O profeta Ezequiel adverte sobre esta questão (ALMEIDA, 2008, p. 1110): “A alma que pecar, essa morrerá; o filho não levará a iniquidade do pai, nem o pai, a iniquidade do filho; a justiça do justo ficará sobre ele, e a perversidade do perverso cairá sobre este”.

Conclui-se que a cada um segundo as suas obras, sendo um erro a crença no pecado original, adotado por algumas correntes cristãs, nas quais acreditam que todos os homens sofrem as consequências do pecado cometido por Adão. Este erro é fruto de uma interpretação equivocada dos textos bíblicos.

Outro ponto importante que deve ser abordado é a questão das penas eternas ou fogo eterno, também fruto de interpretações equivocadas do texto bíblico. Uma das características de Deus é a infinita bondade, conforme ensina o salmista (ALMEIDA, 2008, p. 853): “Rendei graças ao SENHOR, porque ele é bom, porque a sua misericórdia dura para sempre. Rendei graças ao Deus dos deuses, porque a sua misericórdia dura para sempre”. Deus é misericordioso e sua misericórdia dura para sempre, portando é um erro acreditar na instituição das penas eternas.

Somente a título de exemplificação, pois não é objetivo deste trabalho realizar um tratado de teologia, pode-se citar a simbologia21 por detrás da palavra fogo, utilizada várias vezes por Jesus. O fogo possui as características de transformar, purificar e iluminar os objetos a ele submetidos. Significa, assim, todos os processos a que o Espírito será submetido a fim de se transformar, se purificar e se iluminar, conforme esclarece o profeta Zacarias:

Farei passar a terceira parte pelo fogo, e a purificarei como se purifica a prata, e a provarei como se prova o ouro; ela invocará o meu nome, e eu a ouvirei; direi: é meu povo, e ela dirá: O SENHOR é meu Deus. (ALMEIDA, 2008, p. 1236)

A própria palavra “eterno”, utilizada nos textos bíblicos, origina-se do grego aiõn, que significa era, um período ou lapso de tempo, indefinidamente longo, consoante com os ensinos da filosofia espírita (KARDEC, 2010a, p. 565): “Sendo o estado de sofrimento ou de felicidade proporcional ao grau de purificação do Espírito, a duração e a natureza de seus sofrimentos, dependem do tempo que ele gaste em melhorar-se.” Conclui-se, que ante a justiça divina, as consequências do erro perduram enquanto o Espírito persista no próprio erro, cessando com a melhora do Espírito. Conclui-se, ainda, que a finalidade da justiça divina não é a punição por vingança, como simples consequência pela desobediência às leis divinas, mas a educação do Espírito, conforme esclarece Paulo:

Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor, porque o Senhor corrige a quem ama. Deus nos disciplina para aproveitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade. Toda disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza; ao depois, entretanto, produz fruto pacífico de aos que têm sido por ela exercitados, fruto de justiça. (ALMEIDA, 2008, p. 1595)

Outra característica da justiça divina é que o homem é responsabilizado não somente pelos erros que cometeu, mas igualmente pelas consequências oriundas do bem que deixou de fazer. Tiago adverte (ALMEIDA, 2008, p. 1602): “Portanto, aquele que sabe que deve fazer o bem e não o faz nisso está pecando”; e a Doutrina Espírita também esclarece acerca do tema, ensinando que cumpre ao homem fazer o bem no limite de suas forças, porquanto responderá por todo o mal que haja resultado de não haver praticado o bem (KARDEC, 2010a, p. 387). Em outra passagem a filosofia espírita adverte que “Acresce que, para fazer o bem, como lhe cumpre, pois que isso constitui o objetivo único da vida, facultado lhe é impedir o mal, sobretudo aquele que possa concorrer para a produção de um mal maior.” (KARDEC, 2010a, p. 480).

Todos os homens se encontram em processo evolutivo a caminho da perfeição espiritual. Segundo o apóstolo Paulo (ALMEIDA, 2008, p. 1557) “o amor é o vínculo da perfeição”, demonstrando que somente vivenciando o amor, na expressão da fraternidade e do auxílio mútuo, o homem alcançará seu objetivo final diante das leis da vida. Toda vez que as atitudes do homem, sabedor de suas responsabilidades diante de si próprio e do seu próximo, não representam a expressão deste amor, ele será responsabilizado diante da lei de justiça divina. A este respeito esclarece Emmanuel:

“-A lei de talião prevalece para todos os espíritos que não edificaram ainda o santuário do amor nos corações, e que representam a quase totalidade dos seres humanos. Presos, ainda, aos milênios do pretérito, não cogitaram de aceitar e aplicar o Evangelho a si próprios, permanecendo encarcerados em círculos viciosos de dolorosas reencarnações expiatórias e purificadoras. Daí a verdade de que as criaturas humanas se redimirão pelo amor22 e se elevarão a Deus por ele, anulando com o bem todas as forças que lhes possam encarcerar o coração nos sofrimentos do mundo.” (XAVIER, 2013b, p. 187)

A lei de talião expressa pelo benfeitor espiritual Emmanuel, diz respeito à justiça distributiva, na qual cada um, de acordo com suas atitudes receberá as consequências, para o processo de educação íntima do indivíduo. Porém, como também adverte Emmanuel, a prática do amor, demonstrando a melhora do espírito perante suas imperfeições, o isenta das consequências do ato equivocado do passado, restando ao Espírito redimido efetuar a reparação, fazendo o bem àqueles a quem ele tenha feito o mal, conforme ensinos da Doutrina Espírita:

16º — O arrependimento, conquanto seja o primeiro passo para a regeneração, não basta por si só; são precisas a expiação23 e a reparação. Arrependimento, expiação e reparação constituem, portanto, as três condições necessárias para apagar os traços de uma falta e suas conseqüências. O arrependimento suaviza os travos da expiação, abrindo pela esperança o caminho da reabilitação; só a reparação, contudo, pode anular o efeito destruindo-lhe a causa. Do contrário, o perdão seria uma graça, não uma anulação. 17º — O arrependimento pode dar-se por toda parte e em qualquer tempo; se for tarde, porém, o culpado sofre por mais tempo. Até que os últimos vestígios da falta desapareçam, a expiação consiste nos sofrimentos físicos e morais que lhe são conseqüentes, seja na vida atual, seja na vida espiritual após a morte, ou ainda em nova existência corporal. A reparação consiste em fazer o bem àqueles a quem se havia feito o mal. Quem não repara os seus erros numa existência, por fraqueza ou má vontade, achar-se-á numa existência ulterior em contacto com as mesmas pessoas que de si tiverem queixas, e em condições voluntariamente escolhidas, de modo a demonstrar-lhes reconhecimento e fazer-lhes tanto bem quanto mal lhes tenha feito. (KARDEC, 2008b, p. 101, 102)

Conclui-se que a justiça divina é, na verdade, um processo de educação do indivíduo com vista à perfeição espiritual. Não existem punições motivadas simplesmente por vingança, devido ao indivíduo não ter obedecido as leis naturais, ou por ter causado sofrimento ao seu próximo, existe educação, num processo que culmina com a reparação aos males causados à outrem. Não existem penas eternas, existe aprendizado por tempo necessário a melhoria do Espírito. Não existe um Deus terrível, mas um Pai amoroso e justo. Eis a justiça divina, um mecanismo da educação dos indivíduos.

A Sociedade e o Criminoso

Ao abordar-se o homem com relação à justiça divina, deve-se igualmente abordar o homem em relação ao próprio homem, perante os erros uns dos outros. O Apóstolo Paulo ensina qual deve ser a atitude perante aquele que erra, esclarecendo:

Não torneis a ninguém mal por mal; esforçai-vos por fazer o bem perante todos os homens; não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar a ira24; porque está escrito: A mim me pertence a vingança25, eu é que retribuirei, diz o Senhor. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem. (ALMEIDA, 2008, p. 1494)

Nesta passagem Paulo deixa claro qual o comportamento que o homem deve ter para com aquele que comete um erro. Inicia dizendo que não se deve tornar mal por mal. Ante o mal deve-se responder com o bem26. Prossegue Paulo ensinando que não se deve vingar, mas deixar que as próprias leis divinas retribuam à ação negativa do indivíduo. Cabe ao homem, perante os equívocos dos outros, dar alimento ante a fome íntima de valores morais e dar água ante a sede íntima de esclarecimento. Cabe ao homem auxiliar o próprio homem no processo evolutivo a que todos se encontram inseridos. Toda ação da sociedade para com o criminoso deve ter um viés educacional. Se houver necessidade da punição, do castigo, no sentido de corrigir o indivíduo, seja restringindo sua liberdade, seja determinando a reparação ao dano causado, todas estas ações devem ter propósitos educacionais e nunca vingativos.

Em outra passagem, a filosofia cristã ensina a atitude que o individuo deve ter com relação àquele que o prejudica ou prejudica a sociedade, conclamando a uma mudança de atitude com relação a vingança, que era exercida até então,

Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos27 e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste. (RYRIE, 2007, p. 920)

Nesta passagem é ensinado que a atitude da sociedade para o com o criminoso deve ser de perdão, de auxílio. Por detrás destes ensinamentos, pode-se destacar duas justificativas que avalizam esta atitude de perdão e auxílio como sendo a mais acertada. Primeiramente, como ensina a filosofia espírita, todas as ações de um indivíduo para com outro, influencia o outro a desenvolver atitudes parecidas. Portanto, quando se retribui o mal com outro mal, através do processo da vingança, o que se estará fazendo é estimular que o outro tenha atitudes cada vez mais voltadas ao mal. Do contrário, quando se retribui o mal com atitudes de bondade, com ações voltadas ao real melhoramento moral do outro, estar-se-á estimulando o outro a agir com bondade, modificando suas atitudes do pretérito. A este respeito, Emmanuel esclarece:

Nossas emoções, pensamentos e atos são elementos dinâmicos de indução. Todos exteriorizamos a energia mental, configurando as formas sutis com que influenciamos o próximo, e todos somos afetados por essas mesmas formas, nascidas nos cérebros alheios. Cada atitude de nossa existência polariza forças naqueles que se nos afinam com o modo de ser, impelindo-os à imitação consciente ou inconsciente. É que o princípio de repercussão nos comanda a atividade em todos os passos da vida. (XAVIER, 2013e, p. 40)

E, em outro ensinamento, a filosofia espírita conclui:

Não há coração tão perverso que, mesmo a seu mau grado, não se mostre sensível ao bom proceder. Mediante o bom procedimento, tira-se, pelo menos, todo pretexto às represálias, podendo-se até fazer de um inimigo um amigo, antes e depois de sua morte. Com um mau proceder, o homem irrita o seu inimigo, que então se constitui instrumento de que a justiça de Deus se serve para punir aquele que não perdoou. (KARDEC, 2010b, p. 250)

Outra justificativa a ser analisada é a questão da projeção. A este respeito, Alessandro Barata disserta:

O fenômeno da projeção da agressividade e do correspondente sentimento de culpa sobre o delinquente é analisado, na literatura psicanalítica, através da mítica figura do bode expiatório, carregado dos nossos sentimentos de culpa e enviado ao deserto. Edwarde Naegeli relaciona a mórbida necessidade de sensacionais descrições de delitos com esta necessidade de um bode expiatório, que é encontrado no delinquente, sobre o qual são projetadas as nossas mais ou menos inconscientes tendências criminosas. (BARATTA, 2011, p. 56)

E citando Naegeli, Alessandro Baratta conclui:

O nosso negativo, a assim chamada sombra, produz, como conteúdo consciencial inibido através da instância do superego, sentimentos de culpa inconscientes que procuram ser descarregados. Em todo homem existe a tendência a transferir esta sombra sobre uma terceira pessoa, objeto da projeção, ou seja, a transportá-la para o exterior e, com isso, a concebê-la como alguma coisa de externo, que pertence a um terceiro. Em lugar de voltar-se contra si próprio, insulta-se e pune-se o objeto desta transferência, o bode expiatório, para o qual é sobretudo característico o fato de que se encontra em condição indefesa. (BARATTA, 2011, p. 56)

Deve-se ter o cuidado ante as manifestações de vingança contra o criminoso, pois, como discorre Naegeli, existe uma projeção da sombra28 do indivíduo sobre o criminoso. Sobre este tema, Paulo, o apóstolo, disserta que “Portanto, és indesculpável, ó homem, quando julgas, quem quer que sejas; porque, no que julgas a outros, a ti mesmo te condenas; pois praticas as próprias coisas que condenas.” (RYRIE, 2007, p. 1092) Quando Paulo afirma que o indivíduo pratica as próprias coisas que condena, este praticar não se resume ao agir, cometer a mesma ação que é condenada no outro, mas abrange também o fato de o indivíduo possuir intimamente aquela imperfeição, conforme ensina Jesus, que “qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela” (RYRIE, 2007, p. 919). O indivíduo é, em essência, o que sente, o que pensa, mesmo que não exteriorize por palavras ou atos este sentimento ou pensamento. Um exemplo disso é reportagem da revista Época com relação a estudos feitos sobre a homofobia:

Estudo conduzido por universidades americanas e britânicas sugere que a homofobia é mais comum em indivíduos que possuem desejos retraídos pelo mesmo sexo. Tal preconceito cresce ainda por culpa de pais autoritários que reprimem tais desejos, diz a pesquisa publicada na edição de abril do periódico Journal of Personality and Social Psychology. Segundo os cientistas, os homofóbicos são geralmente pessoas que estão em guerra com elas mesmas e acabam externando esses conflitos. Para os pesquisadores, os homossexuais que vivem em casas controladoras sentem medo de perder o amor e a aprovação dos pais caso admitam atração pelo mesmo sexo, por isso negam ou reprimem a si mesmos este desejo. Ou seja, de acordo com a pesquisa, a homofobia e a agressividade podem ser reação de quem se identifica com o grupo, mas não aceita o fato. (http://revistaepoca.globo.com/Sociedade/noticia/2012/04/homofobia-pode-ser-reacao-de-desejo-retraido-pelo-mesmo-sexo-diz-estudo.html)

Conclui-se que ao condenar, desejar vingança, o indivíduo poderá estar simplesmente projetando sua sombra no outro, e, ao mesmo tempo, utilizando de mecanismos, retribuir o mal pelo mal, que somente aumentarão as manifestações do mal no outro. Em todos os casos, o perdão e atitudes positivas no bem são o melhor caminho para a recuperação do criminoso, e a consequente reconstrução de uma sociedade melhor, com indivíduos melhorados.

O Criminoso

Criminoso é todo aquele que comete um crime. Crime são ações contrárias às leis penais estabelecidas por uma sociedade, ou, em um conceito mais amplo, são ações que contrariam o conceito de justiça. Segundo a filosofia espírita, “A justiça consiste em cada um respeitar os direitos dos demais” (KARDEC, 2010a, p. 493), sendo estes direitos determinados pela lei humana e pela lei divina (KARDEC, 2010a, p. 493). O criminoso, portanto, é o indivíduo que, conscientemente, infringe as leis humanas e/ou divinas, desrespeitando a justiça, prejudicando, assim, outro(s) indivíduo(s).

Vários estudiosos do direito, notadamente os da ciência penal, no âmbito da criminologia29, desenvolveram teorias para tentar explicar o fenômeno da criminalidade, suas causas e meios de combatê-las. Para entender o fenômeno do crime é necessário inicialmente entender os fatores que favorecem a existência do ato criminoso, entre eles, a personalidade30 do agente e a influência das condições do meio social31 onde ao agente está inserido.

Quanto à personalidade32 do agente, a filosofia espírita esclarece que:

“A mente é o equipamento sublime do Espírito, resultado de milênios incontáveis de evolução incessante, onde estão gravados, de maneira indelével, todos os recursos psicológicos de nossa personalidade: caráter, cultura, hábitos, aptidões, sensibilidade, desejos, virtudes, vícios, amor, paixões etc. Os recursos mentais variam de Espírito para Espírito, em função do livre-arbítrio de cada um no aproveitamento das experiências, na existência terrena.” (BARCELOS, 2005 apud SOBRINHO, 2012, p. 576/577)

A mente, sediada no Espírito, se manifesta no corpo físico através do cérebro, consoante esclarecimento da filosofia espírita: “O cérebro é o órgão sagrado de manifestação da mente, em trânsito da animalidade primitiva para a espiritualidade humana.” (XAVIER, 2013d, p. 56).

Todas as ações do homem partem da mente, inclusive a sua própria estrutura existencial, conforme esclarece a filosofia espírita:

Para definirmos, de alguma sorte, o corpo espiritual, é preciso considerar, antes de tudo, que ele não é reflexo do corpo físico, porque, na realidade, é o corpo físico que o reflete, tanto quanto ele próprio, o corpo espiritual, retrata em si o corpo mental que lhe preside a formação. (XAVIER, 2011, p. 25)

Na estrutura do homem, vista no item 1.1.1.3, a filosofia espirita elucidou que o homem é composto pelo Espírito, Perispírito e Corpo Físico. O Corpo físico é portanto, um reflexo do Perispírito e este um reflexo do Espírito, ou da Mente, onde se processa todos os valores da personalidade do Espírito. Por isso, alguns estudiosos da criminologia, entre eles, Cesare Lombroso33, identificaram traços físicos parecidos entre criminosos.

Sendo o cérebro, “o instrumento que traduz a mente, manancial de nossos pensamentos” (XAVIER, 2013d, p. 48), o conhecimento de sua estrutura é de vital importância para o conhecimento da personalidade do agente, e consequentemente, para o conhecimento das causas do impulso criminoso do indivíduo. Sobre este tema, a filosofia espírita esclarece:

Não podemos dizer que possuímos três cérebros simultaneamente. Temos apenas um que, porém, se divide em três regiões distintas. Tomemo-lo como se fora um castelo de três andares: no primeiro situamos a “residência de nossos impulsos automáticos”, simbolizando o sumário vivo dos serviços realizados; no segundo localizamos o “domicílio das conquistas atuais”, onde se erguem e se consolidam as qualidades nobres que estamos edificando; no terceiro, temos a “casa das noções superiores”, indicando as eminências que nos cumpre atingir. Num deles moram o hábito e o automatismo; no outro residem o esforço e a vontade; e no último demoram o ideal e a meta superior a ser alcançada. Distribuímos, deste modo, nos três andares, o subconsciente, o consciente e o superconsciente. Como vemos, possuímos, em nós mesmos, o passado, o presente e o futuro. (XAVIER, 2013d, p. 45/46)

Cada indivíduo possui em si mesmo as suas conquistas na caminhada evolutiva. Conquistas estas que se tornaram hábitos34, pelo processo do automatismo, consequência de reiteradas ações e reações diante das experiências que a vida lhe oferece, nas múltiplas existências corporais. Todo arquivo do pretérito está situado no subconsciente, sobre o qual Emmanuel elucida:

A subconsciência é o acervo de experiências realizadas pelo ser em suas existências passadas. O Espírito, no labor incessante de suas múltiplas existências, vai ajuntando as séries de suas conquistas, de suas possibilidades, de seus trabalhos; no seu cérebro espiritual organiza-se, então, essa consciência profunda, em cujos domínios misteriosos se vão arquivando as recordações, e a alma, em cada etapa da sua vida imortal, renasce para uma nova conquista, objetivando sempre o aperfeiçoamento supremo. (XAVIER, 2014, p. 94)

O indivíduo renasce para a conquista de novos aprendizados e para modificar os hábitos inferiores adquiridos na sua jornada evolutiva. A influência das condições sociais35 na qual está inserido é de grande importância neste processo, contribuindo para que ocorra essa renovação de hábitos inferiores ou para que haja a continuação da vivencia desses mesmos hábitos, gerando atitudes infelizes que prejudicam outros indivíduos, dentre as quais, algumas, tipificadas como crime.

Consoante ensino da filosofia espírita, “por instinto os homens buscam a sociedade e todos devem concorrer para o progresso, auxiliando-se mutuamente” (KARDEC, 2010a, p. 440). Todos os membros de uma sociedade são responsáveis uns pelos outros, devendo auxiliar-se mutuamente, para o progresso geral. Quando a família, a escola, e a sociedade como um todo, falha na educação36 e no oferecimento de condições dignas de sobrevivência ao indivíduo, esta mesma sociedade está contribuindo para que este indivíduo recapitule experiências infelizes do passado, estimulando os hábitos infelizes que ainda traz em sua intimidade, dentre eles, ações tipificadas como crime.

A filosofia espírita esclarece, sobre este tema, ao abordar o egoísmo, como o vício do qual deriva todo o mal (KARDEC, 2010a, p. 511) que:

“O choque, que o homem experimenta, do egoísmo dos outros é o que muitas vezes o faz egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Notando que os outros pensam em si próprios e não nele, ei-lo levado a ocupar-se consigo, mais do que com os outros. Sirva de base às instituições sociais, às relações legais de povo a povo e de homem a homem o princípio da caridade e da fraternidade e cada um pensará menos na sua pessoa, assim veja que outros nela pensaram. Todos experimentarão a influência moralizadora do exemplo e do contacto.” (KARDEC, 2010a, p. 513/514)

E conclui:

O homem deseja ser feliz e natural é o sentimento que dá origem a esse desejo. Por isso é que trabalha incessantemente para melhorar a sua posição na Terra, que pesquisa as causas de seus males, para remediá-los. Quando compreender bem que no egoísmo reside uma dessas causas, a que gera o orgulho, a ambição, a cupidez, a inveja, o ódio, o ciúme, que a cada momento o magoam, a que perturba todas as relações sociais, provoca as dissensões, aniquila a confiança, a que o obriga a se manter constantemente na defensiva contra o seu vizinho, enfim a que do amigo faz inimigo, ele compreenderá também que esse vício é incompatível com a sua felicidade e, podemos mesmo acrescentar, com a sua própria segurança. E quanto mais haja sofrido por efeito desse vício, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, como se combatem a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos. O seu próprio interesse a isso o induzirá. (KARDEC, 2010a, p. 515)

→ O Criminoso e a Vítima

Analisando a pessoa do criminoso e da vítima num delito, a Doutrina Espírita e a filosofia cristã possibilitam um enfoque diferenciado, que proporciona uma reflexão sobre a visão que a atual sociedade possui do criminoso e da vítima. Quando Jesus advertiu (ALMEIDA, 2008, p. 1291): “Embainha a tua espada; pois todos os que lançam mão da espada à espada perecerão”, o Mestre estava ensinando que aquele que ferir o seu próximo poderá37 ser ferido igualmente. Então, numa consequência futura, o indivíduo que feriu será ferido, ou seja, o algoz de hoje será a vítima de amanhã.

A vítima em um evento38 criminoso ou delito, sendo este qualquer ato que constitua uma infração às leis estabelecidas (HOUAISS, 2009, p. 610), sejam estas leis humanas ou divinas, é, na maioria das vezes, um Espírito em doloroso processo de expiação ante os erros do passado. Expiação, que segundo Emmanuel, é definida como “a pena imposta ao malfeitor que comete um crime” (XAVIER, 2013b, p. 167). Conclui-se que a vítima, na verdade, é um infrator das leis divinas, no passado recente ou remoto, recebendo sua “punição” educativa no presente, conforme esclarece a filosofia espírita:

Mas, se há males nesta vida cuja causa primária é o homem, outros há também aos quais, pelo menos na aparência, ele é completamente estranho e que parecem atingi-lo como por fatalidade. Tal, por exemplo, a perda de entes queridos e a dos que são o amparo da família. Tais, ainda, os acidentes que nenhuma previsão poderia impedir; os reveses da fortuna, que frustram todas as precauções aconselhadas pela prudência; os flagelos naturais, as enfermidades de nascença, sobretudo as que tiram a tantos infelizes os meios de ganhar a vida pelo trabalho: as deformidades, a idiotia, o cretinismo, etc. Os que nascem nessas condições, certamente nada hão feito na existência atual para merecer, sem compensação, tão triste sorte, que não podiam evitar, que são impotentes para mudar por si mesmos e que os põe à mercê da comiseração pública. Por que, pois, seres tão desgraçados, enquanto, ao lado deles, sob o mesmo teto, na mesma família, outros são favorecidos de todos os modos? Que dizer, enfim, dessas crianças que morrem em tenra idade e da vida só conheceram sofrimentos? Problemas são esses que ainda nenhuma filosofia pôde resolver, anomalias que nenhuma religião pôde justificar e que seriam a negação da bondade, da justiça e da providência de Deus, se se verificasse a hipótese de ser criada a alma ao mesmo tempo que o corpo e de estar a sua sorte irrevogavelmente determinada após a permanência de alguns instantes na Terra. Que fizeram essas almas, que acabam de sair das mãos do Criador, para se verem, neste mundo, a braços com tantas misérias e para merecerem no futuro uma recompensa ou uma punição qualquer, visto que não hão podido praticar nem o bem, nem o mal? Todavia, por virtude do axioma segundo o qual todo efeito tem uma causa, tais misérias são efeitos que hão de ter uma causa e, desde que se admita um Deus justo, essa causa também há de ser justa. Ora, ao efeito precedendo sempre a causa, se esta não se encontra na vida atual, há de ser anterior a essa vida, isto é, há de estar numa existência precedente. Por outro lado, não podendo Deus punir alguém pelo bem que fez, nem pelo mal que não fez, se somos punidos, é que fizemos o mal; se esse mal não o fizemos na presente vida, tê-lo-emos feito noutra. É uma alternativa a que ninguém pode fugir e em que a lógica decide de que parte se acha a justiça de Deus. (KARDEC, 2010b, p. 122/123)

Pode-se concluir que não existe injustiça diante das leis divinas, pois, Deus, tendo como um de seus atributos a soberana justiça e bondade, não poderia permitir que na sua criação existisse uma injustiça sequer, sendo que a aparente injustiça se torna justiça quando revelados as causas anteriores que culminaram na ação presente, que sendo analisada isoladamente, aparenta uma injustiça, conforme disserta André Luiz: “Funciona a justiça, através da injustiça aparente, até que o amor nasça e redima os que se condenaram a longas e dolorosas sentenças diante da Boa Lei.” (XAVIER, 2010. p. 23). Nenhuma ação sofrida pelo homem é injusta, pois, ou representa a aplicação da Lei Divina, em consequência de uma atitude pretérita desencadeadora das consequências atuais ou uma solicitação do próprio Espírito, como prova, tornando-se um meio de acelerar sua evolução, ou missão, onde o Espírito superior em grau evolutivo solicita para servir de exemplo para os demais, como foi o caso de Jesus Cristo.

No caso de o fato servir como prova para a vítima, ensina a Doutrina Espírita:

[...] Sabe ele que, pela mesma destinação da Terra, deve esperar topar aí com homens maus e perversos; que as maldades com que se defronta fazem parte das provas que lhe cumpre suportar e o elevado ponto de vista em que se coloca lhe torna menos amargas as vicissitudes, quer advenham dos homens, quer das coisas. Se não se queixa das provas, tampouco deve queixar-se dos que lhe servem de instrumento. Se, em vez de se queixar, agradece a Deus o experimentá-lo, deve também agradecer a mão que lhe dá ensejo de demonstrar a sua paciência e a sua resignação. Esta ideia o dispõe naturalmente ao perdão. (KARDEC, 2010b, p. 248 e 249)

Com base no exposto, conclui-se que, na verdade, não existe vítima, existe educando. Esta maneira de compreender o ato criminoso desenvolve na sociedade uma forma diferente de valorar o ato criminoso, proporcionando o desenvolvimento de um sentimento de compaixão, não somente pela vítima, mas também pelo criminoso, em detrimento do sentimento de vingança que ainda vige na sociedade diante de um crime, atitude esta responsável por produzir consequências donosas para a recuperação do criminoso39. A vítima de hoje, foi o criminoso de ontem e o criminoso de hoje poderá vir a ser a vítima de amanhã, em um perfeito e harmonioso mecanismo de redenção da humanidade, pela ação da lei de Causa e Efeito. A filosofia cristã ensina a este respeito que “Ai do mundo por causa dos escândalos! É necessário que haja escândalos, mas ai do homem pelo qual o escândalo vem!” (BORTOLINE, 2010, p. 1736), e a filosofia espírita esclarece:

É necessário que o escândalo venha, porque, estando em expiação na Terra, os homens se punem a si mesmos pelo contacto de seus vícios, cujas primeiras vítimas são eles próprios e cujos inconvenientes acabam por compreender. Quando estiverem cansados de sofrer devido ao mal, procurarão remédio no bem. A reação desses vícios serve, pois, ao mesmo tempo, de castigo para uns e de provas para outros. É assim que do mal tira Deus o bem e que os próprios homens utilizam as coisas más ou as escórias. (KARDEC, 2010b, p. 190/191)

Abordando o tema, o Espírito Emmanuel complementa:

-Num plano de vida, onde quase todos se encontram pelo escândalo que praticaram no pretérito, é justo que o mesmo “escândalo” seja necessário, como elemento de expiação, de prova ou de aprendizado, porque aos homens falta ainda aquele “amor que cobre a multidão dos pecados”. (XAVIER, 2013b, p. 206)

Ressalte-se, porém, que “A nenhum Espírito é dada a missão de praticar o mal40. Aquele que o faz fá-lo por conta própria, sujeitando-se, portanto, às consequências.”(KARDEC, 2010a, p.309). O Espírito que necessita passar pela expiação, atrai para si Espíritos com tendências inferiores para que sirvam de instrumento para seu processo educativo ante as leis divinas, Espíritos estes, que, por sua vez, responderão diante da Lei Divina pelos atos praticados, conforme esclarece a filosofia espírita:

Mas, ai daquele por quem venha o escândalo. Quer dizer que o mal sendo sempre o mal, aquele que a seu mau grado servir de instrumento à justiça divina, aquele cujos maus instintos foram utilizados, nem por isso deixou de praticar o mal e de merecer punição. Assim é, por exemplo, que um filho ingrato é uma punição ou uma prova para o pai que sofre com isso, porque esse pai talvez tenha sido também um mau filho que fez sofresse seu pai. Passa ele pela pena de talião. Mas, essa circunstância não pode servir de escusa ao filho que, a seu turno, terá de ser castigado em seus próprios filhos, ou de outra maneira. (KARDEC, 2010b, p. 191)

Esse ciclo, que a princípio parece ser perpétuo, crime-expiação-crime-expiação, somente cessará quando pela prática do amor, simbolizando a melhoria intima do Espírito culpado, o Espírito que cometeu uma infração às leis divinas, não necessitar passar pela expiação, e consequentemente, não necessitará que outro indivíduo pratique uma ação, considerada pela legislação humana como crime, para seu aprendizado, consoante esclarecimento da filosofia espírita:

Sendo assim, dirão, o mal é necessário e durará sempre, porquanto, se desaparecesse, Deus se veria privado de um poderoso meio de corrigir os culpados. Logo, é inútil cuidar de melhorar os homens. Deixando, porém, de haver culpados, também desnecessário se tornariam quaisquer castigos. Suponhamos que a Humanidade se transforme e passe a ser constituída de homens de bem: nenhum pensará em fazer mal ao seu próximo e todos serão ditosos por serem bons. Tal a condição dos mundos elevados, donde já o mal foi banido; tal virá a ser a da Terra, quando houver progredido bastante. Mas, ao mesmo tempo que alguns mundos se adiantam, outros se formam, povoados de Espíritos primitivos e que, além disso, servem de habitação, de exílio e de estância expiatória a Espíritos imperfeitos, rebeldes, obstinados no mal, expulsos de mundos que se tornaram felizes. (KARDEC, 2010b, p. 191)

4. JUSTIÇA HUMANA

A Justiça humana baseia-se na retribuição punitiva ao infrator, como consequência do ato ilegal que o mesmo praticou. Segundo Bitencourt (BITENCOURT, 2009, p. 84) “a pena é concebida como um mal que deve ser imposto ao autor de um delito para que expie sua culpa. Isso não é outra coisa que a concepção retributiva da pena.”

4.1. Evolução Histórica da Pena – Aspectos Gerais

Segundo o dicionário Houaiss (HOUAISS, 2009, p. 1464), pena é a sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível; castigo, condenação, penitência”, e Alessandro Baratta disserta sobre a função da pena:

[...] o fim da pena é a defesa social. [...] a pena constitui, em relação ao impulso criminoso, um contraestímulo. E assim o limite lógico da pena é assinalado por esta sua função de contraimpulso, que não deve ser superada jamais. Por isso, escreve Romagnosi em um parágrafo famoso da Genesi, “se depois do primeiro delito existisse uma certeza moral de que não ocorreria nenhum outro, a sociedade não teria direito algum de puní-lo [o delinquente]”41Contudo, segundo Romagnosi, a pena não é o único meio de defesa social; antes, o maior esforço da sociedade deve ser colocado na prevenção do delito, através do melhoramento e desenvolvimento das condições de vida social. (BARATTA, 2011, p. 35)

Em todas as épocas da história da humanidade, buscou-se aplicar uma punição aos atos considerados inaceitáveis pela sociedade, com a finalidade de reprimir esses atos que trazem consequências danosas à própria sociedade. O grande legislador hebreu, Moisés (Em torno de 1.500 a.c), estabeleceu diversas regras de conduta para o povo hebreu, assim como diversas punições a quem infringisse aquelas regras. A pena de morte era utilizada nos crimes considerados mais graves, como o adultério: “Se um homem adulterar com a mulher do seu próximo, será morto o adúltero e a adúltera.” (ALMEIDA, 2008, p. 168), e o homicídio: “Quem ferir a outro, de modo que este morra, também será morto.” (ALMEIDA, 2008, p. 104)

No período da Idade Média, instituiu-se como punição, para os casos de crimes mais graves, o Suplício, que consistia na “Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz [dizia Jaucourt]; e acrescentava: é um “fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade.” (ENCYCLOPÉDIE, verbete suplício apud FOUCAULT, 2009, p. 35). Em outra definição mais minuciosa, Foucault esclarece:

O suplício é uma técnica e não deve ser equiparado aos extremos de uma raiva sem lei. Uma pena, para ser um suplício, deve obedecer a três critérios principais: em primeiro lugar, produzir uma certa quantidade de sofrimento que se possa, se não medir exatamente, ao menos apreciar, comparar e hierarquizar; a morte é um suplício na medida em que ela não é simplesmente privação do direito de viver, mas a ocasião e o termo final de uma graduação calculada de sofrimentos: desde a decapitação — que reduz todos os sofrimentos a um só gesto e num só instante: o grau zero do

suplício — até o esquartejamento que os leva quase ao infinito, através do enforcamento, da fogueira e da roda, na qual se agoniza muito tempo; a morte suplício é a arte de reter a vida no sofrimento, subdividindo-a em “mil mortes” e obtendo, antes de cessar a existência. O suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. O suplício faz correlacionar o tipo de ferimento físico, a qualidade, a intensidade, o tempo dos sofrimentos com a gravidade do crime, a pessoa do criminoso, o nível social de suas vítimas. Há um código jurídico da dor; a pena, quando é supliciante, não abate sobre o corpo por acaso ou em bloco; ela é calculada de acordo com regras detalhadas; número de golpes de açoite, localização do ferrete em brasa, tempo de agonia na fogueira ou na roda (o tribunal decide se é o caso de estrangular o paciente imediatamente, em vez de deixa-lo morrer, e ao fim de quanto tempo esse gesto de piedade deve intervir) tipo de mutilação a impor (mão decepada, lábios ou língua furados). (FOUCAULT, 2009, p. 35/36)

Em sua obra Vigiar e Punir, Foucault descreve uma condenação imposta a Robert-François Damiens, que cometeu o crime de homicídio:

[Damiens fora condenado, a 2 de março de 1757], a pedir perdão publicamente diante da poria principal da Igreja de Paris [aonde devia ser] levado e acompanhado numa carroça, nu, de camisola, carregando uma tocha de cera acesa de duas libras; [em seguida], na dita carroça, na praça de Greve, e sobre um patíbulo que aí será erguido, atenazado nos mamilos, braços, coxas e barrigas das pernas, sua mão direita segurando a faca com que cometeu o dito parricídio, queimada com fogo de enxofre, e às partes em que será atenazado se aplicarão chumbo derretido, óleo fervente, piche em fogo, cera e enxofre derretidos conjuntamente, e a seguir seu corpo será puxado e desmembrado por quatro cavalos e seus membros e corpo consumidos ao fogo, reduzidos a cinzas, e suas cinzas lançadas ao vento. (FOUCAULT, 2009, p. 9)

Com a evolução da sociedade, os meios de punição também foram evoluindo, se tornando mais brandos e humanitários. Rogério Greco esclarece que,

Até o século XVIII, portanto, as penas mais utilizadas eram as corporais e a pena de morte, além das chamadas penas infamantes e, em alguns casos menos graves, as penas de natureza pecuniária. Com a virada do século XVIII, principalmente após a Revolução Francesa, a pena de privação de liberdade começou a ocupar lugar de destaque, em atenção mesmo a um princípio que, embora embrionário, começava a ser discutido, vale dizer, o princípio da dignidade da pessoa humana. Analisando essa mudança de opção punitiva, Foucault dizia que, a partir daquele momento, o sofrimento não mais recairia sobre o corpo do condenado, mas sim sobre sua alma. (GRECO, 2015, p. 87)

Quanto a este aspecto, a filosofia espírita, em uma de suas abordagens sobre a aplicação da pena de morte, descreve a constante evolução dos meios de punição em nome da Justiça:

A pena de morte, que pode vir a ser banida das sociedades civilizadas, não terá sido de necessidade em épocas menos adiantadas? “Necessidade não é o termo. O homem julga necessária uma coisa, sempre que não descobre outra melhor. À proporção que se instrui, vai compreendendo melhormente o que é justo e o que é injusto e repudia os excessos cometidos, nos tempos de ignorância, em nome da justiça.” (KARDEC, 2010a, p.437- 438)

No mesmo sentido, Rush, em 1787, assim se expressa:

Só posso esperar que não esteja longe o tempo em que as forças, o pelourinho, o patíbulo, o chicote, a roda, serão considerados, na história dos suplícios, como as marcas da barbárie dos séculos e dos países e como as provas da fraca influencia da razão e da religião sobre o espírito humano. (RUSH apud FOUCAULT, 2009, p. 15)

Esclarece-se que o termo religião42, utilizado por Rush, deve ser entendido no seu sentido original, como meio de religar o homem a Deus, e não no sentido das religiões organizadas, que a época da idade média, através dos Tribunais de Inquisição43, utilizaram-se de meios parecidos com o Suplício como forma de punição contra indivíduos considerados hereges. A religião estabelecida pela filosofia cristã é a religião do amor e do perdão, conforme ensinos de Jesus (ALMEIDA, 2008, p. 1251): “amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem”, e em outra passagem (ALMEIDA, 2008, p. 1343): “Sede misericordiosos, como também é misericordioso vosso Pai”, sendo o amor o meio de união da criatura com o criador (ALMEIDA, 2008, p. 1617): “Deus é amor, e aquele que permanece no amor permanece em Deus, e Deus, nele”. Portanto é inadmissível, que uma corrente religiosa que se diz cristã, utilize da violência, em qualquer nível, para como ser humano. A filosofia espírita define os objetivos norteadores da verdadeira religião, ensinando que,

O objetivo da religião é conduzir a Deus o homem. Ora, este não chega a Deus senão quando se torna perfeito. Logo, toda religião que não torna melhor o homem, não alcança o seu objetivo. Toda aquela em que o homem julgue poder apoiar-se para fazer o mal, ou é falsa, ou está falseada em seu princípio. Tal o resultado que dão as em que a forma sobreleva ao fundo. Nula é a crença na eficácia dos sinais exteriores, se não obsta a que se cometam assassínios, adultérios, espoliações, que se levantem calúnias, que se causem danos ao próximo, seja no que for. Semelhantes religiões fazem supersticiosos, hipócritas, fanáticos; não, porém, homens de bem. (KARDEC, 2010b, p. 188)

Conclui-se com Rush, que quando a religião, em seu sentido verdadeiro, estiver influenciando o homem em seus atos de uns para com os outros, edificar-se-á uma nova sociedade, mais justa, humana e fraterna.

Em consequências das transformações socioeconômicas que ocorreram com a passagem da Idade Média para a Idade Moderna, a pena de morte foi sendo contestada por vários setores da sociedade. Eram necessários outros meios de punição. Sobre isso transcreve Bitencourt:

“A pena privativa de liberdade – assinala – não tem uma longa história (...). Na segunda metade do século XVIII, o arco da pena de morte estava excessivamente tenso. Não tinha contido o aumento dos delitos nem o agravamento das tensões sociais, nem tampouco havia garantido a segurança das classes superiores. O pelourinho fracassava frequentemente em se tratando de delitos leves ou de casos dignos de graça, uma vez que a publicação da execução dava lugar mais à compaixão e à simpatia do que ao horror. O desterro das cidades e as penas corporais tinham contribuído para o desenvolvimento de um banditismo sumamente perigoso, que se estendia com a impetuosa rapidez quando as guerras e as revoluções haviam desacreditado e paralisado os velhos poderes. A pena privativa de liberdade foi a nova grande invenção social, intimidando sempre, corrigindo amiúde, que devia fazer retroceder o delito, quiçá, derrota-lo, no mínimo, cercá-lo entre muros. A crise da pena de morte encontrou aí seu fim, porque um método melhor e mais eficaz ocupava o seu lugar, com exceção de alguns poucos casos mais graves. (HANS VON HENTIG apud BITENCOURT, 2009, p. 118-119)

Na atualidade, os meios empregados para punição do infrator estão sendo contestados pela sua ineficácia em alcançar os resultados almejados. O processo de evolução da pena tem de continuar, numa busca incessante por um sistema cada vez mais eficaz na solução da criminalidade e da violência social.

4.2. Sistema Penal Atual

Na atualidade, existem correntes doutrinárias acerca dos fins atribuídos a pena, podendo ser classificadas em absolutas, relativas ou utilitárias e mistas. Rogério Greco, citando Ferrajoli, esclarece:

[...] são teorias absolutas todas aquelas doutrinas que concebem a pena como um fim em si mesma, ou seja, como “castigo”, “reação”, “reparação”, ou, ainda, “retribuição” do crime, justificada por seu intrínseco valor axiológico, vale dizer, não um meio, tampouco um custo, mas, sim, um dever ser metajurídico que possui em si seu próprio fundamento. São, ao contrário, “relativas” todas as doutrinas utilitaristas que consideram e justificam a pena enquanto um meio para a realização do fim utilitário da prevenção de futuros delitos. (GRECO, 2016, p. 44)

Sobre a teoria absoluta, Rogério Greco disserta:

As teorias absolutistas, com os olhos voltados para o passado, ou seja, simplesmente para a infração penal praticada pelo agente, advogam a tese da retribuição, sendo que as teorias relativas, com suas lentes voltadas para o futuro, buscando evitar que outras infrações penais sejam cometidas, apregoam a prevenção. Na reprovação, conforme preconiza a teoria absoluta, reside o caráter retributivo da pena. A punição se justifica pelo fato de ter o agente cometido uma infração penal. Ao mal do crime, retribui-se com o mal da pena. (GRECO, 2016, p. 44)

Sobre a teoria da Prevenção Especial, uma das divisões das Teorias relativas ou preventiva, Bitencourt esclarece:

A prevenção especial não busca a intimidação do grupo social nem a retribuição do fato praticado, visando apenas aquele indivíduo que já delinquiu para fazer com que não volte a transgredir as normas jurídico-penais. Os partidários da prevenção especial preferem falar de medidas e não de penas. A pena, segundo dizem, implica a liberdade ou a capacidade racional do indivíduo, partindo de um conceito geral de igualdade. Já a medida supõe que o delinquente é um sujeito perigoso ou diferente do sujeito normal, por isso, deve ser tratado de acordo com a sua periculosidade. Como o castigo e a intimidação não têm sentido, o que se pretende, portanto, é corrigir, ressocializar ou inocuizar. (BITENCOURT, 2009, p. 97)

Nesse sentido, Bitencourt conclui que,

O conceito de ressocialização deve ser submetido necessariamente a novos debates e a novas definições. É preciso reconhecer que a pena privativa de liberdade é um instrumento, talvez dos mais graves, com que conta o Estado para preservar a vida social de um grupo determinado. Este tipo de pena, contudo, não resolveu o problema da ressocialização do delinquente: a prisão não ressocializa. As tentativas para eliminar as penas privativas de liberdade continuam. A pretendida ressocialização deve sofrer profunda revisão. (BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, p. 132 apud GRECO, 2015, p. 339)

Na teoria absolutista, a pena é, simplesmente, uma resposta ao crime. Na teoria relativa, na pena, existe a preocupação de evitar que outras infrações penais sejam cometidas, buscando-se, entre outros objetivos, a ressocialização do criminoso. Na teoria mista, existe uma fusão das teorias absoluta e relativa, onde a pena passa a ter a função de retribuição ao ato cometido, mas igualmente a função de recuperar o criminoso. Esta teoria é a adotada pelo sistema penal brasileiro, consoante o caput do artigo 59 do Código Penal, pelo menos na teoria, pois, quando se analisa toda a estrutura do sistema penal brasileiro, observa-se que a finalidade deste ramo do direito, na prática, é a punição, a retribuição ao infrator pelo ato cometido. Quando se estipula previamente o quantum da pena imposta e utiliza-se a pena restritiva de liberdade como base de todo o sistema, observa-se a irrelevância da individualização das reais necessidades do indivíduo para sua reabilitação diante da vida. Sobre este tema, Rogério Greco discorre:

Roeder defendia que a pena não podia ter um tempo determinado, já que servia para corrigir aquele que praticou a infração penal, e devia durar o tempo que fosse necessário para isso. Cessada a necessidade, consequentemente, deveria cessar também o cumprimento da pena. [...] Pedro Garcia Dorado Monteiro [...] Dizia que [...] a pena não deve ser retributiva, senão corretiva da vontade criminosa, tomando-se como base um estudo psicológico e não por fundamento o delito, devendo servir a pena, outrossim, para impedir a prática de futuros crimes.(GRECO, 2016, p. 58)

Sendo a teoria mista adotada pela legislação penal brasileira, ao analisar o atual sistema penitenciário, que tem a função de colocar esta teoria em prática, encontra-se com um sério problema: as condições das instituições penais, destinadas ao cumprimento das penas impostas ao infrator. O que se observa é o tratamento desumano recebido pelos internos, num absoluto descaso pela dignidade da pessoa humana.

Segundo o “Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias INFOPEN – Dezembro 2014” (Disponível em ), o sistema prisional brasileiro tem uma população prisional de 622.202 presos, para um total de 371.884 vagas, gerando um déficit de 250.318 vagas, demonstrando a questão da superlotação nos institutos prisionais. Ainda segundo o levantamento, 55 % dos detentos possuem entre 18 e 29 anos, 61,6 % são negros e 75,08 % possuem até o Ensino Fundamental Completo.

O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Juan E. Méndez, especialista independente sobre Direitos Humanos, após ter visitado locais de detenção no Brasil em 2015, divulgou um relatório, em 29 de janeiro de 2016 (disponível em ), no qual denuncia a prática de tortura e maus-tratos e descreve a situação que encontrou como “cruel, desumana e degradante, devido à grave superlotação”.

De acordo com reportagem do site G1, Méndez,

afirma no relatório que ouviu diversos relatos de prisioneiros que apontam para o uso frequente de tortura e maus-tratos no Brasil. As práticas são aplicadas no momento da detenção e em interrogatórios, pela polícia, e no tratamento nas prisões, pelos agentes penitenciários, que raramente são levados à Justiça. Os métodos mais frequentes incluem, segundo Méndez, chutes, tapas, sufocamento, choques elétricos, uso de sprays de pimenta, de gás lacrimogêneo, bombas de ruído e balas de borracha, além de abuso verbal e ameaças. As práticas, segundo notou o especialista, estão arraigadas de tal maneira que parecem “neutralizadas” e os detentos as mencionam apenas quando perguntados. Méndez cita que a superlotação nas prisões é agravada pelas más condições sanitárias e o ambiente de violência. E observa que a relação entre agentes penitenciários e prisioneiros em muitos estados chega a ser de 2 para 490, quando deveria ser de 1 para 5. Uma das conclusões é que as mortes por policiais e agentes penitenciários não são casos isolados e que os mais afetados são minorias, como negros. Méndez afirma no relatório que os afrodescendentes correm risco maior de detenção, abuso policial e tortura, além de receberem penas maiores para os mesmos crimes do que detentos brancos e sofrer discriminação na prisão. Isso sugere, segundo Méndez, um alto grau de racismo institucionalizado. (Disponível em <>)

Rogério Greco, ao abordar o tema da dignidade da pessoa humana e os presídios relata:

O Estado deixa de observar o principio da dignidade da pessoa humana seja fazendo, ou mesmo deixando de fazer algo para preservá-la. O sistema carcerário, nosso tema principal, é um exemplo clássico desse raciocínio. Veja-se o que ocorre, em inúmeras penitenciárias brasileiras, onde presos são espancados por seus próprios companheiros de cela e o Estado (representado, ali, por seus agentes públicos), que deveria protegê-los, nada faz para evitar esse espancamento, pois, no fundo, aprova que os presos se agridam, ou mesmo que causem a morte uns dos outros. Não é incomum que funcionários públicos, que deveriam manter a ordem, a disciplina e a legalidade dos comportamentos no interior do sistema prisional, pratiquem toda a sorte de crimes contra aqueles que por eles deveriam ser protegidos. São incontáveis os casos de estupros de presas, de espancamento por pura diversão, ou mesmo a fim de se obter uma confissão, de subtração de bens dos presos. (GRECO, 2015, p. 68/69)

Analisando a influencia da mídia sobre a sociedade na questão da dignidade da pessoa humana em relação aos presos, Rogério Greco disserta que,

A mídia pode, hoje, ser considerada o quarto Poder, posicionando-se ao lado do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. [...] Muitos programas se especializaram no tema criminalidade. [...] Apregoam que o sistema é demasiado brando com aqueles que praticam uma infração penal e, por isso, pugnam por uma punição mais severa dos criminosos. A mídia, como afirma Giovane Santin44, em virtude de suas rotineiras intervenções, conjugadas com suas distorções da realidade, tem produzido uma evidente mudança comportamental nos cidadãos, que pretendem fazer da lei penal a salvação da sociedade contra os criminosos. [...] A sociedade, atemorizada pelos fatos expostos pelos meios de comunicação em massa, passou a concordar com as conclusões da mídia e a solicitar também uma resposta rápida, por parte do Estado, no que diz respeito ao aumento da criminalidade. Os direitos dos presos passaram a ser tratados com repúdio. [...] Dessa maneira, a mídia se encarregou de fazer que a expressão direitos humanos fosse vista com desprezo pela sociedade, que, no fundo, alegra-se quando alguém que praticou uma infração penal é preso e sofre, ilegalmente, no cárcere. (GRECO, 2015, p. 72/73)

Quanto às consequência do tratamento desumano ao preso no sistema prisional para a própria sociedade, Rogério Greco adverte que,

Nas penitenciárias que não atendem às regras mínimas para tratamento do recluso, o retorno do preso é carregado de traumas, de revoltas, o que resulta em índices de reincidências extremamente elevados, uma vez que o sistema não consegue cumprir com sua função ressocializadora, mas, ao invés, acaba destruindo a personalidade do preso. Não é incomum que, dependendo do tempo de pena que tenha cumprido, ao final, quando as portas de sua cela serão abertas, permitindo o seu retorno à sociedade, a personalidade do egresso esteja completamente destruída. Sairá, muitas vezes, pior do que entrou, e a sociedade terá que conviver com mais esse problema. (GRECO, 2015, p. 161)

A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, em seu artigo 5º, inciso II, prescreve que “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”, porém, a realidade vivenciada nas instituições prisionais brasileiras está muito distante deste preceito constitucional. Segundo o Relatório do Sistema Prisional Brasileiro45, elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados em 2006, dentre os problemas encontrados nas instituições prisionais de nosso país, destacam-se: Má Qualidade da Água e Comida Servida aos Presos; Superlotação; Ociosidade dos Presos; Falta de Assistência Médica para muitos presos doentes; Precariedade das Condições Sanitárias e de Higiene; Falta de Revisão nos Processos Criminais; Tortura e Espancamento.

A sociedade humana ainda vivencia os preceitos da Lei Mosaica, do “olho por olho, dente por dente”, assim expressa (ALMEIDA, 2008, p. 174/175): “Quem matar alguém será morto. Se alguém causar defeito em seu próximo, como ele fez, assim será feito: fratura por fratura, olho por olho, dente por dente”; e, na maioria das vezes, vai além, imputando ao infrator uma penalidade proporcionalmente maior às consequências do crime praticado, principalmente quando se leva em conta as condições das instituições penais. Giuseppe Bettiol alerta:

Se é verdade que o Direito Penal começa onde o terror acaba, é igualmente verdade que o reino do terror não é apenas aquele em que falta uma lei e impera o arbítrio, mas é também aquele onde a lei ultrapassa os limites da proporção, na intenção de deter as mãos do delinquente. (BETTIOL, 1967 apud BITENCOURT, 2009, p. 107)

A ineficiência da atual filosofia penal e do atual sistema vigente é visível a toda a sociedade e comprovada através de pesquisas de campo:

“Por todos os criminosos atrás das grades não é a solução; em geral é a causa do aumento da violência”, diz Azevedo. O argumento, embora controverso, tem sustentação. Um estudo coordenado pela jurista Ela Wiecko, da Universidade de Brasília, constatou que o índice de reincidência entre os condenados a pena de prisão (53,1 %) é maior que o dobro da média verificada entre réus que cumprem penas alternativas. (http://cienciahoje.uol.com.br/noticias/2011/08/cadeia-para-quem-precisa)

O então Ministro do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, Cézar Peluso, declarou que “a taxa de reincidência no nosso país chaga a 70%. Isso quer dizer que sete em cada dez libertados voltam ao crime. É um dos maiores índices do mundo”.46 Bitencourt disserta:

Os altos índices de reincidência tem sido, historicamente, invocados como um dos fatores principais da comprovação do efetivo fracasso da pena privativa de liberdade. Apesar da deficiência dos dados estatísticos, é inquestionável que a delinquência não diminuiu em toda a América Latina e que o sistema penitenciário tradicional não consegue reabilitar ninguém. A prisão, em vez de conter a delinquência, tem lhe servido de estímulo, convertendo-se em um instrumento que oportuniza toda espécie de desumanidades. Não traz nenhum benefício ao apenado; ao contrário, possibilita toda a sorte de vícios e degradações. A literatura especializada é rica em exemplos dos efeitos criminógenos da prisão. Enfim, a maioria dos fatores que dominam a vida carcerária imprimem a esta um caráter criminógeno, de sorte que, em qualquer prisão clássica, as condições materiais e humanas podem exercer efeitos nefastos na personalidade dos reclusos. Mas apesar dessas condições altamente criminológenas das prisões clássicas, tem-se procurado, ao longo do tempo, atribuir ao condenado, exclusivamente, a culpa pela eventual reincidência, ignorando-se que é impossível alguém ingressar no sistema penitenciário e não sair de lá pior do que entrou. (BITENCOURT, 2009, p. 111)

Nesta mesma linha de raciocínio, o então Procurador de Justiça em Minas Gerais, Tomáz de Aquino Resende, adverte que,

O maior de todos os problemas que o Estado enfrenta com a questão da execução penal é a do retorno do condenado ao convívio social [...] É que, no caso brasileiro, por exemplo, mais do que 70% dos egressos do sistema convencional reincidem no crime. E pior, a maioria comete crime mais grave do que aquele que o levou ao encarceramento anterior. (SILVA, 2011, p. 194)

Os professores e Mestres em Ciências Penais pela UFMG, Antônio de Padova Marchi Júnior e Franklin Higino Caldeira Filho, advertem:

Ocorrido o crime, a sociedade deseja e espera a aplicação de severa punição, consequência prevista em razão da realização do tipo penal. Todavia, acaba por assistir, omissivamente, às ações improdutivas do Estado que deixa impune o infrator e, quando chega a puni-lo, ou o faz indevidamente pela aplicação inadequada dos instrumentos sancionatórios clássicos, ou peca pela resistência em empregar mecanismos punitivos avançados já incorporados ao ordenamento jurídico pátrio e previstos em legislações penais modernas. O Estado simplesmente ainda não conseguiu equacionar de modo satisfatório o binômio punição/recuperação, evidenciando esse fato tanto aos olhos da comunidade quanto aos do infrator. O pior é que o cárcere, ao que parece, provoca um efeito reverso, potencializando o ímpeto criminoso dos internos, já que ninguém se sensibiliza com as condições de saúde deploráveis, com a superlotação das celas, com a ausência de atividades intelectuais, laborativas e religiosas e, principalmente, com a absurda submissão às facções criminosas que controlam os presídios através da violência. (SILVA, 2011, p. 173/174)

Na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal47, item 27, o então Ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, dissertou:

As críticas que em todos os países têm se feito à pena privativa de liberdade fundamenta-se em fatos de crescente importância social, tais como o tipo de tratamento penal frequentemente inadequado e quase sempre pernicioso, a inutilidade dos métodos até agora empregados no tratamento de delinquentes habituais e multirreincidentes, os elevados custos da construção e manutenção dos estabelecimentos penais, as consequências maléficas para os infratores primários, ocasionais ou responsáveis por delitos de pequena significação, sujeitos, na intimidade do cárcere, a sevícias, corrupção e perda paulatina da aptidão para o trabalho.

Quanto à eficácia do sistema prisional na recuperação do infrator, o Doutor em Educação Haroldo de Rezende, em artigo, publicado na revista “Cadernos de História da Educação”, da Universidade Federal de Uberlândia/MG, disserta:

Dentre as críticas dirigidas ao funcionamento da prisão, já em seu surgimento, figura tanto a formação da delinquência, uma vez que a própria prisão possibilita um entrosamento entre os presos que favorece a organização e a cumplicidade entre eles, como também, a fabricação de delinquentes, pelo tipo de vida que faz os indivíduos levarem. Desde o surgimento, constata-se que a prisão, ao invés de transformar os criminosos em gente honesta (Foucalt, 1992a, p. 131), apenas fabrica novos criminosos ou os “aperfeiçoa” ainda mais na criminalidade. Talvez sejam o cinismo, a estranheza, o enigma e a ambiguidade, que acompanham a prisão desde o seu surgimento, o que confere às práticas penais em nossa sociedade, ainda hoje, uma aura de evidencia, naturalidade e necessidade insubstituível. (RESENDE, 2010, p. 79/85)

No mesmo trabalho, Haroldo realizou uma pesquisa48com presos condenados, sendo abordado o tema sobre a eficácia do sistema carcerário:

Hoje, se eu estivesse com planos de praticar novos crimes, eu saberia por onde começar, porque eles aí explicam um para o outro, até dão aula um para o outro, explicando como é que se faz, como se planeja sequestro, por exemplo (Depoimento de Mateus da Silva); Na realidade, a cadeia não recupera, o sistema carcerário é falido! E a cadeia é uma faculdade, não é nem uma escola, é uma faculdade do crime. (Depoimento de Tiago da Silva); Você pensa que sai daqui recuperado, mas não! Você entra aqui roubando galinha e sai assaltante de banco (...) aqui é uma escola da malandragem (Depoimento de Maria da Silva); Você tem que se conscientizar que ficar atrás de uma grade 12, 15 anos, não vai se recuperar. Não adianta a pessoa pensar assim, a sociedade pensar assim: ”Quanto mais tempo ficar, melhor ele vai ficar”. Não! Porque não é fácil conviver atrás de uma grade em 10, 12 metros de espaço com 6, 7 pessoas. Você tem duas horas de sol. Não tem ocupação nenhuma, não tem serviço, não tem nada, não tem confiança. Então, fica difícil. A pessoa que tem muita cadeia é mais vigiada, vive dentro da tranca e vai se tornando um criminoso pior porque vai ficar ali muito tempo. Quando ele sair, vai pensar: “Ah, eu vou me recuperar do crime porque? Não compensa para mim! Eu fiquei esse tempo todo preso, não tenho mais chance na sociedade, sou um ex-presidiário e vou aprontar!” É por isso que muitos voltam para o crime. Se o cara tem muita cadeia, deu cinco, seis meses que ele está ali, então, arruma um serviço para essa pessoa, arruma uma coisa para fazer, alguma ocupação, mas não. Eles chegam com palito...isso para mim é história, palito de picolé, linha para você ficar dentro de uma cela, enquadrado, trabalhando com aquilo o dia inteiro, vendo aquelas quatro paredes te segurando. Está certo que você cometeu um crime, mas se é para recuperar...A cadeia não é para castigar, é para reintegrar a pessoa. Não é recuperar? Porque se for para castigar, tudo bem, mas não é para castigar, é para educar o cara de novo. Então, eu acho que tinha que ter uma oportunidade, se ele está aqui, ele tem que ter uma oportunidade para provar. Por exemplo, eu roubei você, você não quer me castigar – pelo que a justiça quer dizer, não quer castigar – você quer que eu me recupere para não te roubar amanhã de novo. Agora, do jeito que eles estão fazendo, minha cabeça vai ficar voltada para aquele cara que me pôs na cadeia. Eu vou sair, vou roubar dele de novo e ainda vou mata-lo. Então, quer dizer, eu vou é aumentar o meu crime. O preso precisa se reintegrar à sociedade pelo serviço, fora de uma cela, porque dentro de uma cela, brincando com cordão ou palito não vai. Quando ele sair, lá fora ele não vai fazer um artesanato de palito para vender... (Depoimento de Barnabé da Silva) – (RESENDE, 2010, p. 83, 84, 90, 91).

O professor Alessandro Baratta, em sua obra Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal, aborda o tema sobre as prisões, dissertando:

O cárcere é contrário a todo moderno ideal educativo, porque este promove a individualidade, o autorrespeito do indivíduo, alimentado pelo respeito que o educador tem dele. As cerimônias de degradação no início da detenção, com as quais o encarcerado é despojado até dos símbolos exteriores da própria autonomia (vestuário e objetos pessoais), são o oposto de tudo isso. A educação promove o sentimento de liberdade e de espontaneidade do indivíduo: a vida no cárcere, como universo disciplinar, tem um caráter repressivo e uniformizante. Exames clínicos realizados com os clássicos testes de personalidade mostraram os efeitos negativos do encarceramento sobre a psique dos condenados e a correlação destes efeitos com a duração daquele. A conclusão a que chegam estudos deste gênero é que “a possibilidade de transformar um delinquente antissocial violento em um indivíduo adaptável, mediante uma longa pena carcerária, não parece existir” e que “o instituto da pena não pode realizar a sua finalidade como instituto de educação.”49 (BARATTA, 2011, p. 183/184)

Analisando o tema sobre a ineficácia dos estabelecimentos criminais, disserta Hungria:

“Os estabelecimentos da atualidade não passam de monumentos de estupidez. Para reajustar homens à vida social invertem os processos lógicos de socialização; impõem silêncio ao único animal que fala; obrigam a regras que eliminam qualquer esforço de reconstrução moral para a vida livre do amanhã, induzem a um passivismo hipócrita pelo medo do castigo disciplinar, ao invés de remodelar caracteres ao influxo de nobres e elevados motivos; aviltam e desfibram, ao invés de incutirem o espírito de hombridade, o sentimento de amor-próprio; pretendem, paradoxalmente, preparar para a liberdade mediante um sistema de cativeiro.” (HUNGRIA apud MUAKAD, 1998, p. 21)

Com relação à cultura do encarceramento massivo, André Barrocal disserta:

A cultura do medo disseminada pelos meios de comunicação é só um dos obstáculos ao debate do encarceramento massivo. E não só no Brasil. Ministro da Corte Suprema da Argentina e vice-presidente da Associação Internacional de Direito Penal, Eugenio Raúl Zaffaroni acredita que o mundo moderno no fundo gosta da situação. As sociedades atuais são excludentes e precisam se livrar dos indesejados. Sistema prisional que não recupera ninguém e parece um matadouro ou uma universidade do crime seria o bueiro perfeito. As elites políticas e econômicas não sujam as mãos. “Quanto mais se matem os pobres, melhor. Esse é o programa das sociedades excludentes”, resume Zaffaroni. (Disponível em )

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), em estudo divulgado em 2015, intitulado "Violência e segurança pública em 2023: cenários exploratórios e planejamento prospectivo”, relata falhas nos processos utilizados pela sociedade no combate à criminalidade e aponta que o Brasil deve continuar tendo altas taxas de violência. Segundo reportagem no portal G1,

Até 2023, a tendência é que o Brasil continue tendo altas taxas de violência, acompanhada do endurecimento da legislação penal, do aumento da população carcerária e do monitoramento eletrônico, da expansão do tráfico e da manutenção da política antidrogas atual. A criminalidade no interior do país também deverá continuar crescendo, assim como a ação de organizações e facções criminosas no Brasil. O cenário fictício de violência endêmica é marcado por retrocesso, com a piora da situação de desigualdade social, desemprego e evasão escolar. Os investimentos em medidas socioeducativas e de execução penal diminuem e as condições das prisões e dos centros de internação se deterioram. O trabalho policial também é afetado negativamente e a relação entre as polícias e a sociedade piora. Resultado: violência endêmica. (http://oglobo.globo.com/brasil/violencia-seguira-em-alta-futuro-incerto-diz-estudo-do-ipea-para-2023-18116789)

Analisando os dados e textos acima, conclui-se da urgente necessidade de modificação na filosofia e no sistema penal ora vigente em nossa sociedade. O Sistema Penal atual deve urgentemente ser repensado. De uma filosofia punitiva baseada na vingança, deve-se edificar uma nova filosofia, a filosofia da educação moral50 do indivíduo, consoante os dizeres de Gustav Radbruch (RADBRUCH, 1963 apud BARATTA, 2011, p. 207): “a melhor reforma do direito penal seria a de substituí-lo, não por um direito penal melhor, mas por qualquer coisa melhor que o direito penal”.

4.2.1. Direito Penal

O Código Penal brasileiro, Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940, institui a base do direito penal brasileiro na atualidade, direito este que na conceituação de Guilherme de Souza Nucci, “é o corpo de normas jurídicas voltado à fixação dos limites do poder punitivo do Estado, instituindo infrações penais e as sanções correspondentes, bem como regras atinentes à sua aplicação.”(NUCCI, 2014, p. 5). Ressalte-se que o termo penal nos remete a pena, que segundo o dicionário Houaiss significa a sanção aplicada como punição ou como reparação por uma ação julgada repreensível; castigo, condenação, penitência, sofrimento; aflição (HOUAISS, 2009, p.1464).

Importantes dispositivos legais, que ressaltam uma forte característica do Código Penal, são seus artigos 14 e 17, onde se trata do Crime Tentado e do Crime Impossível. No artigo 14, inciso II do referido diploma legal, trata-se da Tentativa, sendo definido o crime tentado quando “iniciada a execução, não se consuma por circunstancias alheias à vontade do agente”, onde há uma diminuição na aplicação da pena, em relação ao quantum estipulado ao crime em questão quando consumado. Nucci, disserta sobre as teorias fundamentadoras da punição da tentativa, dentre elas a subjetiva e objetiva:

a) subjetiva (voluntária ou monista): leva em consideração, para justificar a punição da tentativa, fundamentalmente, a vontade criminosa, desde que nítida, podendo ela estar presente e identificada tanto na preparação quanto na execução. Leva-se em conta apenas o desvalor da ação, não importando, para a punição, o desvalor do resultado. Nesse caso, inicia-se a possibilidade de punir a partir do momento em que o agente ingressa na fase da preparação. Como o objetivo é punir aquele que manifesta vontade contrária ao direito, nem sempre deve o juiz atenuar a pena; b) objetiva (realística ou dualista): o objetivo da punição da tentativa volta-se ao perigo efetivo que o bem jurídico corre, o que somente se configura quando os atos executórios, de caráter unívoco, têm início, com idoneidade, para atingi-lo. É a teoria adotada pelo art. 14, II, do Código Penal brasileiro. Leva-se em consideração tanto o desvalor da ação quanto o desvalor do resultado. A redução da pena torna-se, então, obrigatória, uma vez que somente se poderia aplicar a pena igual à que seria cabível ao delito consumado se o bem jurídico se perdesse por completo – o que não ocorre na tentativa. (NUCCI, 2014, p. 161)

Conclui-se deste dispositivo legal, que a preocupação primordial do Estado é com o objeto jurídico protegido. Se não há efeito danoso para a vítima, a pena do agente que efetuou a tentativa deve ser diminuída com relação a pena aplicada ao crime consumado. Resulta isso o pensamento de que o crime em si é mais importante para o Estado que o indivíduo em si, que ao tentar uma ação criminosa contra outro indivíduo, se mostra, tanto quanto o agente que chega ao estágio de consumação do crime, necessitado de se submeter a um processo de reeducação moral. É a filosofia de combater o crime em si e não as causas da criminalidade, o impulso inicial, resultante da deficiência moral do indivíduo. É a teoria de combater o efeito e não as causas.

No artigo 17, que trata do Crime Impossível, tem-se: “Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime”. A legislação leva em conta o resultado e não a ação para que haja punição. Se os meios utilizados não possuem condições de gerar nenhum resultado danoso, não há que se falar em punição. Sobre o tema discorre Nucci:

[...] adota-se, no Brasil, a teoria objetiva, vale dizer, leva-se em conta, para punir a tentativa, o risco objetivo que o bem jurídico corre. No caso da tentativa inidônea, o bem jurídico não sofreu risco algum, seja porque o meio é totalmente ineficaz, seja porque o objeto é inteiramente impróprio. Daí por que não há punição. (NUCCI, 2014, p. 185)

Conclui-se deste dispositivo legal, que há uma preocupação do Estado em punir quem provocou dano ou teria condições de provocá-lo, e que não há uma preocupação do Estado com o agente, que possui um ímpeto criminoso, que precisa ser tratado, e que só não logrou êxito pela ineficácia dos meios. Este dispositivo legal é resultado da mentalidade da punição como fim em si mesma, e não da educação, com vistas à modificação moral do agente.

No artigo 27 disserta sobre a maioridade penal do indivíduo, que se inicia aos dezoito anos completos, consoante com o artigo 228 da CRFB/1988, que estipula como penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. Sobre a menoridade, disserta Nucci:

Menoridade: trata-se da adoção, nesse contexto, do critério puramente biológico, isto é, a lei penal criou uma presunção absoluta de que o menor de 18 anos, em face do desenvolvimento mental incompleto, não tem condições de compreender o caráter ilícito do que faz ou capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento. (NUCCI, 2014, p. 282)

Se existisse um sistema que realmente recuperasse o indivíduo, que mantivesse uma estrutura apta a trabalhar separadamente, cada indivíduo no desenvolvimento físico-psicológico em que se encontra, não necessitaria de estipular maioridade penal, pois, independente da idade do agente que infringiu o ordenamento jurídico, haveria uma instituição apta para tratá-lo e recuperá-lo, seja sob o regime fechado ou aberto. Se o jovem, o adolescente ou mesmo a criança cometem um ato prejudicial a outro ser humano e tipificado como crime, é porque a educação moral no lar não existiu, ou se existiu, não conseguiu obter êxito, e independente da capacidade do menor de compreender o caráter ilícito do fato que cometeu, cabe ao Estado e a sociedade como um todo, propiciar um processo educacional, compatível com a idade do infrator, que lhe permita um desenvolvimento do senso de moralidade, num trabalho conjunto com o infrator e com seus familiares.

No artigo 32 do referido diploma legal, encontra-se o rol das espécies de pena aplicadas ao criminoso, sendo elas as penas privativas de liberdade, as restritivas de direito e a pena de multa. Nucci discorre sobre a pena e suas características, conceituando-a como sendo:

[...] a sanção imposta pelo Estado, por meio de ação penal, ao criminoso como retribuição ao delito perpetrado e prevenção a novos crimes. O caráter preventivo da pena desdobra-se em dois aspectos (geral e especial), que se subdividem (positivo e negativo): a) geral negativo: significando o poder intimidativo que ela representa a toda a sociedade, destinatária da norma penal; b) geral positivo: demonstrando e reafirmando a existência e eficiência do direito penal; c) especial negativo: significando a intimidação ao autor do delito para que não torne a agir do mesmo modo, recolhendo-o ao cárcere, quando necessário; d) especial positivo: que é proposta de ressocialização do condenado, para que volte ao convívio social quando finalizada a pena ou quando, por benefícios, a liberdade seja antecipada. Conforme o atual sistema normativo brasileiro, a pena não deixa de possuir todas as características em sentido amplo (castigo + intimidação e reafirmação do direito penal + ressocialização). (NUCCI, 2014, p. 309)

Conforme discorre Nucci, as funções da pena seriam o castigo, intimidação e reafirmação do direito penal, tendo estas três características um viés ameaçador da pena, sendo a última característica, a ressocialização. Porém, como a ressocialização vem se mostrando pouco eficaz, o que sobra é o caráter ameaçador da pena, o que não contribui eficazmente para a diminuição da criminalidade. De uma forma geral, o que se verifica é o claro objetivo de punição do criminoso e não a preocupação em auxilia-lo a rever valores ante o convívio social. Neste contexto, em relação às penas privativas de liberdade, o que se constata é que se mostram como uma forma de ameaça de cercear o indivíduo de um dos bens mais preciosos, a liberdade, como mecanismo de intimidá-lo ante a prática do crime. É a cultura da frágil “educação pelo medo”.

O artigo 43 do referido diploma legal, elenca as penas restritivas de direito, alternativas à pena de privação de liberdade, desde que atendidos os requisitos dos artigos 44 ao 48 do referido diploma legal, sendo elas: prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos e limitação de fins de semana. Guilherme Nucci assim define as penas restritivas de direito:

[...] são penas alternativas às privativas de liberdade, expressamente previstas em lei, tendo por fim evitar o encarceramento de determinados criminosos, autores de infrações penais consideradas mais leves, promovendo-lhes a recuperação através de restrições a certos direitos. (NUCCI, 2014, p. 379)

Conceito de prestação pecuniária: consiste no pagamento em dinheiro feito à vítima e seus dependentes ou a entidade pública ou privada, com destinação social, de uma importância fixada pelo juiz, não inferior a um salário mínimo nem superior a 360 salários mínimos. Possui, dentre outras, a finalidade de antecipar a reparação do dano causado pelo crime à vitima. (NUCCI, 2014, p. 380)

Conceito de perda de bens e valores: trata-se da perda, em favor do Fundo Penitenciário Nacional, de bens e valores adquiridos licitamente pelo condenado, integrantes do seu patrimônio, tendo como teto o montante do prejuízo causado ou o proveito obtido pelo agente ou terceiro com a prática do crime, o que for maior. (NUCCI, 2014, p. 381)

Conceito da prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas: é a atribuição de tarefas gratuitas ao condenado junto a entidades assistenciais, hospitais, orfanatos e outros estabelecimentos similares, em programas comunitários ou estatais. Trata-se, em nosso entender, da melhor sanção penal substitutiva da pena privativa de liberdade, pois obriga o autor de crime a reparar o dano causado através do seu trabalho, reeducando-se, enquanto cumpre pena. (NUCCI, 2014, p. 381)

Conceito de interdição temporária de direitos: é a autentica pena restritiva de direitos, pois tem por finalidade impedir o exercício de determinada função ou atividade por um período determinado, como forma de punir o agente de crime relacionado à referida função ou atividade proibida. (NUCCI, 2014, p. 381)

Conceito de limitação de fim de semana: trata-se do estabelecimento da obrigação do condenado de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em Casa do Albergado ou lugar adequado, a fim de participar de cursos e ouvir palestras, bem como desenvolver atividades educativas. (NUCCI, 2014, p. 381/382)

As medidas restritivas de direito visam de forma geral à punição e a reparação do dano causado, impondo ao infrator sanções de restituição de valores, indenização à vítima, prestação de serviço à comunidade e interdição de direitos. Quanto à limitação de fim de semana, vislumbra-se o passo inicial para uma nova metodologia na aplicação da pena, quais sejam a ministração de cursos e palestras, desde que voltadas também para a educação moral do indivíduo, abordando temas sobre convivência social, ética e valores morais.

No capítulo III do título V da parte geral do referido diploma legal, tem-se as regras de fixação da pena, com a pena base, as circunstancias agravantes, atenuantes e o cálculo final, estabelecendo previamente o tempo que o condenado deverá cumprir a pena, devendo ser considerados, a posteriori, os requisitos de livramento condicional, constante no capítulo V do título V da parte geral do referido diploma legal e progressão de regime, constante nos artigos 112 ao 118 da Lei de Execução Penal (7.210 de 1884). Em todos os casos, de fixação de pena, de livramento condicional e progressão de regime, não é levado em consideração a educação moral do indivíduo e seu progresso moral durante o cumprimento da penalidade imposta pelo Estado. Quando se trata de recuperar o criminoso, não pode existir tempo previamente estipulado, pois, a condição única para a reintegração social do condenado deve ser sua efetiva melhora moral, o que pode durar um tempo menor que o hoje estipulado pela lei para determinado crime, como pode perdurar um tempo superior ao estipulado pela lei para determinado crime.

Em relação às regras de aplicação da pena no direito penal e às regras utilizadas pela justiça divina, observa-se nestas um referencial a ser utilizado em futuras atualizações do direito penal:

A justiça humana não faz distinção de individualidades, quanto aos seres que castiga; medindo o crime pelo próprio crime, fere indistintamente os infratores, e a mesma pena atinge o paciente sem distinção de sexo, qualquer que seja a sua educação. De modo diverso procede a justiça divina, cujas punições correspondem ao progresso dos seres aos quais elas são infligidas. Igualdade de crimes não importa, de fato, igualdade individual. (KARDEC, 2008b, p. 391) [....] Tanto mais é culpado o homem, quanto melhor sabe o que faz. (KARDEC, 2010a, p. 385)

Este texto demonstra a necessidade de se levar em consideração, ao se aplicar a pena, os antecedentes sociais do indivíduo, pois o que verifica-se no atual panorama social é a exclusão de muitos cidadãos à direitos básicos de cidadania (escola de qualidade, saúde, emprego, lazer), e quando os excluídos socialmente atingem os “incluídos”, passa-se a segunda forma de exclusão: os presídios. O texto também diz respeito ao artigo 21 do Código Penal brasileiro que adverte que “O desconhecimento da lei é inescusável.” Porém questiona-se: Para o Estado cobrar o conhecimento da Lei não deveria promover uma ampla divulgação? Mas isso não acontece. Com raras exceções, somente os cidadãos que possuem condições de cursar nível superior em direito possuem um conhecimento relativamente profundo do direito brasileiro. O ordenamento jurídico brasileiro hoje conta com uma vasta quantidade de crimes tipificados, não somente no Código Penal brasileiro, mas também em várias leis específicas. Com isso verifica-se a necessidade de inserir nos currículos escolares a formação básica do direito, para aí sim poder exigir que todos tenham o conhecimento da lei.

No título VIII do referido diploma legal, tem-se os casos de extinção da punibilidade, que no conceito de Nucci,

[....] é o desaparecimento da pretensão punitiva ou executória do Estado, em razão de específicos obstáculos previstos em lei, por razões de política criminal. Inexiste fundamento de ordem técnica para justificar a causa de extinção da punibilidade; todas decorrem de vontade política do próprio Estado, por meio do Legislativo, de impedir a punição ao crime que seria imposta pelo poder Judiciário. (NUCCI, 2014, p. 593)

Em vários casos de extinção da punibilidade, como prescrição, decadência, não existe uma preocupação com a condição do agente, mas simplesmente com o decurso do tempo. Mais uma vez, fica nítida a intenção do Estado unicamente com a punição e não com a recuperação efetiva do indivíduo.

Por fim, conclui-se que em toda estrutura do Código Penal ressalta-se a função penalizadora do instituto, com regras que em nenhum momento levam em conta a situação moral do indivíduo e a necessidade de submetê-lo a uma educação pautada em valores morais. Tem-se um instituto que se impõem pela ameaça, o que reflete sua ineficácia e atraso diante da evolução social. O medo não educa, o medo, no máximo, reprime até certo limite. Sem educação moral do indivíduo não há garantia eficaz de que não haverá infração ao ordenamento ora instituído.

4.2.2. Lei de Execução Penal (LEP)

O ordenamento jurídico brasileiro, no âmbito das execuções penal, é regido pela Lei 7.210 de 1984, que determina, entre outros, direitos e deveres dos condenados e a estrutura dos estabelecimentos penais. Com relação à Lei de Execução Penal, disserta René Ariel:

“A experiência tem demonstrado ao longo dos anos que a execução penal é um vasto espaço de terras devolutas, um quadro de naturezas mortas, um arquipélago de dificuldades e um território sitiado pela violência, quando não pela indiferença tradicional do Poder Público em relação ao problema geral da insegurança coletiva e individual. A Lei de Execução Penal é uma proposta de revisão e mudança de padrões e estruturas anquilosadas e responsáveis pelo descrédito da execução e, por via de consequência, do próprio magistério punitivo.” (DOTTI, René Ariel, A Lei de Execução Penal - Perspectivas Fundamentais. Revista dos Tribunais 598/275 apud SILVA, 2011, p. 349)

A Lei de Execução foi um grande avanço na legislação criminal brasileira, embora necessitando de algumas inovações. Se as regras já instituídas pela LEP fossem realmente cumpridas, ter-se-ia um avanço enorme no trabalho de recuperação do condenado.

Em seu artigo primeiro é exposto o objetivo do referido diploma legal, que é efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal, bem como proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado. Através de ações estipuladas pela referida lei, almeja-se o objetivo de reintegrar condenado ou internado ao convívio social. Nos artigos 10 ao 27 é descrito sobre a assistência ao preso, que possui o objetivo de prevenir o crime e orientar o retorno à convivência em sociedade. A assistência ao preso será: material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Considerando que a assistência ao preso é devidamente realizada, o que na realidade não acontece na grande maioria das instituições penais brasileiras, ainda assim, no campo da assistência educacional encontra-se uma falha. Em seus artigos dezessete ao vinte e um, o referido diploma legal, trata da Assistência Educacional ao condenado. Observa-se uma preocupação exclusiva com a educação intelectual/profissional, olvidando-se da educação moral, única realmente capaz de promover a recuperação efetiva do indivíduo, por trabalhar a causa intrínseca da criminalidade.

Em seu artigo quarto, o referido diploma legal, estabelece que o Estado deverá recorrer à cooperação da comunidade nas atividades de execução da pena e da medida de segurança. Infelizmente, sociedade atual, por questões religiosas e culturais, enxerga no criminoso um indivíduo que errou/pecou e que deve ser condenado/punido. Essa cultura prejudica e muito uma atuação mais efetiva da sociedade no auxilio à recuperação do condenado. A mudança na mentalidade social é, em parte, responsabilidade do Estado, que através do viés educacional, poderá, nas escolas e através de meios de comunicação, promover uma alteração na visão do indivíduo com relação ao condenado. Neste sentido, Bitencourt, analisando algumas sugestões de Alessandro Barata para combater a delinquência, disserta:

É necessário que a questão criminal seja submetida a uma discussão massiva no seio da sociedade e da classe obreira. Todos os segmentos sociais devem conscientizar-se de que a criminalidade é problema de todos e não será resolvido com o simples lema “Lei e Ordem”, que representa uma política criminal repressiva e defensora intransigente da ordem (geralmente injusta) estabelecida. Os meios de comunicação coletiva exercem um papel importante, posto que apresentam a criminalidade como um “perigoso inimigo” interior. Nessas condições, fica difícil que a opinião pública possa abandonar a atitude predominantemente repressiva e vingativa (além de estigmatizante) que tem a respeito do fenômeno delitivo. É indispensável uma transformação radical da opinião pública e da atitude dos cidadãos em relação ao delinquente se se pretende oportunizar-lhe a possibilidade de ressocializar-se. (BITENCOURT, 2009, p.123)

Quando se tem uma sociedade atuante nas instituições penais e na vida dos condenados e internados, a vida do egresso mais facilmente se reestrutura, pois ele encontrará o apoio da sociedade na qual está inserido, o que atualmente não acontece.

O professor, Mestre e Doutor em Ciências Penais pela UFMG, Felipe Martins Pinto disserta sobre a participação da comunidade no sistema prisional:

Quando os diversos seres humanos que cumprem pena privativa de liberdade tentam denunciar as condições a que estão submetidos, eles são execrados pela sociedade. Amaldiçoados por suas condutas, não raro os condenados em cumprimento de pena obtêm, em resposta às súplicas por condições decentes, discursos ultrajantes e de total repúdio, clichês assimilados com grande naturalidade pelas pessoas em geral e reproduzidos de maneira quase instintiva. E, por mais disparatado que possa parecer, a tranquilidade e a qualidade de vida da sociedade como um todo estão diretamente vinculadas às condições impostas aos diversos condenados e presos provisórios. Parece um tanto ilógica a colocação formulada acima, se cotejada com as ideias de vingança e revanchismo, maciçamente reproduzidas na sociedade. No entanto, diante da previsão constitucional do artigo 5º, XLVII, da Constituição da República de 1988, que veda a prisão perpétua e a pena de morte, com exceção das hipóteses de guerra declarada, afere-se que todos os ocupantes do cárcere potencialmente retornarão ao convívio social e que o seu reingresso trará todas as marcas colhidas no período em que estiveram cumprindo pena. Suas atitudes fora do cárcere guardarão sintonia com as experiências e os sentimentos experimentados, uma vez que o meio detém relevante papel na construção do caráter do ser humano e consiste em um instrumento que tanto pode resgatar um indivíduo socialmente desviado como corrompê-lo. Uma estrutura carcerária opressora e aviltante contribui para a deformação do ser humano e fomenta a sua revolta contra a sociedade, que acaba por sofrer um efeito rebote de sua própria conduta, seja consubstanciada em discursos vazios e panfletários de cega intensificação do rigor punitivo, seja pela cômoda postura de pessoas que preferem se omitir sobre a matéria. (SILVA, 2011, p. 21)

Dissertando sobre a visão social do criminoso, Alessando Baratta adverte:

Estas considerações se referem à relação geral entre cárcere e sociedade. Antes de tudo, esta relação é uma relação de quem exclui (sociedade) e quem é excluído (preso). Toda técnica pedagógica de reinserção do detido choca contra a natureza mesma dessa relação de exclusão. Não se pode, ao mesmo tempo, excluir e incluir. Antes de falar de educação e de reinserção é necessário, portanto, fazer um exame dos sistemas de valores e dos modelos de comportamento presentes na sociedade em que se quer reinserir o preso. Um tal exame não pode senão levar à conclusão, pensamos, de que a verdadeira reeducação deveria começar pela sociedade, antes que pelo condenado51: antes de querer modificar os excluídos, é preciso modificar a sociedade excludente, atingindo, assim, a raiz do mecanismo de exclusão. (BARATTA, 2011, p. 186)

No artigo 61, o referido diploma legal estabelece os órgãos da execução penal, que, entre outras atividades específicas, têm como tarefa o acompanhamento e a fiscalização da execução penal. No rol dos órgãos nota-se a ausência de um órgão para trabalhar o desenvolvimento moral do condenado, composto de psicólogos, pedagogos e religiosos que teriam a função de fiscalizar e acompanhar a ação do trabalho de recuperação moral do condenado nos estabelecimentos prisionais e na situação do egresso, auxiliando no que seja possível e promovendo a interação sociedade/sistema prisional.

Nos demais dispositivos legais, alguns, embora relativamente eficazes em determinados fatores da recuperação do indivíduo, esbarram na estrutura deficitária do Sistema Prisional, que não atende às exigência legais contidas no referido diploma legal. Há uma negligência, fruto da falta de vontade por parte do poder público em promover a aplicação fática do referido diploma legal. Falta assistência jurídica; falta assistência educacional em todos os níveis; falta estrutura de segurança que garanta que nenhum preso será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, que garanta ao preso o respeito a integridade física e moral; falta condições materiais dignas; falta respeito ao ser humano, o que coloca o próprio Estado, e consequentemente a sociedade que ele representa, no papel de “criminoso” e o criminoso no papel de “vítima.”

Conclui-se o raciocínio acima exposto com a lição de Mario Ottoboni:

É evidente que o zelo pelo correto cumprimento da pena não implica somente exigir o respeito à dignidade do condenado como pessoa humana, mas, acima de tudo, requer o empenho pelo trabalho de socialização, sem o qual haverá apenas a punição do infrator, de pouco significado para a sociedade e para o sentenciado. Não se legou ao Estado tão somente o direito de punir, mas, prioritariamente, o dever de recuperar o condenado, preparando-o convenientemente para voltar ao convívio social. (OTTOBONI, 2001, p. 47 apud SILVA, 2011, p. 362)

4.2.3. APAC

A APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados),

[...] constitui uma entidade civil de direito privado, sem fins lucrativos, que adota, preferencialmente, o trabalho voluntário. Possui estatuto próprio e tem suas ações coordenadas pelo juiz da Execução Criminal da Comarca, com a colaboração do Ministério público e do Conselho da Comunidade, conforme previsto em lei. O Poder Legislativo, por meio da Lei 15.299/2004, reconheceu as APACs como entidades aptas a firmar convenio com o Poder Executivo, que, por sua vez, passou a destinar recursos para a construção e reforma dos estabelecimentos prisionais administrados pelas APACs. (SILVA, 2011, p. 6, 7)

O advogado, escritor, fundador da APAC e inspirador de seu Método, define--a como sendo “um método de valorização humana, portanto de evangelização, para oferecer ao condenado condições de recuperar-se, logrando, dessa forma, o propósito de proteger a sociedade e promover a justiça” (OTTOBONI, 2004, p. 23 apud SILVA, 2011, p. 56).

O ex-governador de Estado de Minas Gerais, Antônio Augusto Junho Anastasia, declarou que o método APAC se converte, hoje, em alternativa concreta às disfuncionalidades de nosso sistema penal. (SILVA, 2011, p. 11) e prossegue:

Nessa toada encarta-se o “método apaqueano”: uma reforma avant la lettre. Nos idos da década de 1970, alguns visionários, ainda poucos, no Estado de São Paulo, deram os primeiros passos para consolidar um movimento promissor: iniciava-se a história das APACs, que vieram a se converter em um dos mais destacados mecanismos de restituição das penas privativas de liberdade à sua essência: a ressocialização do apenado. Poder-se-ia sintetizar o método apaqueano na possibilidade permanente de permitir ao preso tornar-se sujeito ativo de sua recuperação. Ainda fragilizada por sua recente implantação, as APACs acabaram por se disseminar no âmbito do sistema prisional brasileiro, contribuindo sobremaneira para uma inflexão positiva. A experiência da atuação das APACs, em Minas Gerais, é quiçá um dos mais promissores avanços no âmbito do Direito Carcerário, evidenciando a vocação do Estado para a inovação e para as parcerias dos Poderes com a sociedade. A concatenação de esforços entre Poder Judiciário, Poder Executivo e a Sociedade Civil organizada permitiu-nos avançar na implementação desse modelo, que hoje se mostra como a grande possibilidade para tornar a cadeia mais humana. A singeleza de suas atividades contrasta com a nobreza e altivez de seus objetivos. As APACs dão mostra concreta da viabilidade de um Direito Penal fundado em bases humanistas, que saiba encontrar na compaixão o contrapeso da desforra; na dignidade, a antítese da massificação; e no Direito, a expressão última da centelha humana. (SILVA, 2011, p. 12, 13)

A APAC constitui uma evolução no sistema prisional, onde inicia-se um processo mais humano e mais eficaz no tratamento ao condenado. Surge como uma nova perspectiva ante o desolador quadro atual do sistema prisional brasileiro. Como fundamento do método, Silvio Marques Neto, cita um ensinamento do Professor Psiquiatra Forense Odon Ramos Maranhão, onde, em resposta ao questionamento “qual é a causa do crime?”, disse que ao examinar milhares de condenados no Sistema Penitenciário de São Paulo, para a elaboração de laudos relativos à periculosidade, veio a concluir que “a causa da criminalidade é a falta de amor paterno na fase da formação da personalidade”. (SILVA, 2011, p. 30). E, na continuação de sua exposição, Silvio Marques cita texto de Francesco Carnelutti, contido na obra Instituições de Processo Penal (2. Ed., 1º vol.), do Professor Hélio Tarnaghi, na qual o autor reproduz e comenta o discurso de Carnelutti:

A solução do problema do crime e da pena, que não encontrou nos livros de ciência, ele a vai achar (é Carnelutti quem o diz) no livro da fé. Quanto ao problema do crime: Jesus, falando aos discípulos acerca do Juízo Final, colocou os encarcerados ao lado dos doentes, dos desnudos, dos peregrinos (sem pouso), dos sedentos, dos esfaimados (a passagem a que Carnelutti se refere está em S. Mateus 25,34). Os encarcerados são doentes, mas do espírito. O mal deles é como o dos sequiosos ou esfomeados. Mas de que têm sede ou fome? Quanto à questão da pena: os homens alcançarão o prêmio (a visão beatífica) por haver alimentado os famintos, dessedentado os sedentos, hospedado os viajantes, vestido os nus, visitado os enfermos, procurado os presos. Aí está, portanto, a solução: ir até os encarcerados e, como S. Francisco (de Assis), descer até eles, encará-los, beijá-los. É preciso dar-lhes amor. Nisso está o segredo da vitória na luta contra o crime. (SILVA, 2011, p. 31)

Os advogados Mario Ottoboni e Valdeci Antônio Ferreira, dissertaram a respeito do método da APAC:

Aos poucos, cuidadosamente, fomos definindo o Método APAC. A denominação de recuperando, que demos ao preso que cumpre pena na APAC, foi outro desafio para se chegar a um bom termo. O objetivo era enquadrá-lo dentro da proposta básica de valorização humana, mediante uma enorme gama de ações catalogadas como essenciais, tais como: alfabetização, solidariedade entre os presidiários, bons costumes, participação em cursos, educação, aulas de religião, formação de mão de obra especializada, assistência à saúde, conscientização dos familiares sobre a importância de interação com a APAC, etc. Recuperando seria o termo correto, por ser abrangente, diferenciado, e por definir o que era nossa pretensão de realizar, dentro do programa de valorização do ser humano. (SILVA, 2011, p. 94, 95)

Outro ponto importante do método APAC é a participação da sociedade, conforme disserta Mario Ottoboni e Valdeci Antônio Ferreira:

Qualquer trabalho objetivo de nossa proposta dificilmente atingirá o seu desiderato se não for desenvolvido com o preso atrás das grades. A pena deve ser executada como uma forma de diálogo do presidiário com a sociedade, e isso só será possível com a presença da comunidade no presídio, dando palestra de valorização humana, de conhecimentos gerais, sobre a importância da família, com alfabetização, cursos bíblicos, tudo enfim que desperte no recuperando a certeza de que ele não está sozinho, que é útil, que poderá vencer e ser feliz. Somente quando o preso sente a presença de alguém que lhe oferece uma amizade sincera, dessas que não exigem compensações ou retornos, é que se inicia o processo de desalojamento das coisas más armazenadas em seu interior, e a verdade começa a assumir o seu lugar, restaurando, gradativamente, a autoconfiança, revitalizando os seus próprios valores. Isso se chama libertação interior. (SILVA, 2011, p. 97, 102)

O método APAC dá grande ênfase à questão religiosa, donde Mario Ottoboni e Valdeci Antônio Ferreira dissertam que,

Portanto, dentro das APACs, deve haver um espaço para se cultivarem os valores da religião, primando sempre pelo trabalho ecumênico, sem proselitismo, levado a termo por uma equipe bem preparada, capaz de dar testemunho de unidade. Ali, mais do que em qualquer outro lugar, a noção do justo deve ser venerada. (SILVA, 2011, p. 104)

Os mesmos autores citam Nelson Hungria:

- Uma das causas primordiais, senão a causa única, do declínio da cultura atual é a sua crescente incapacidade religiosa. - Um mundo social sem religião, como o atual, é um mundo de incertezas, destituído de entusiasmo, reduzido ao nível morto das conveniências individuais, impregnado de insuportável tristeza. - Precisamos fazer de novo a experiência de ‘Deus’. Não basta que dentro das colunas partidas da inoperante civilização atual nos guiem os ‘gênios’. É preciso também que surjam os ‘santos’.(SILVA, 2011, p. 104)

Conclui-se que o sistema APAC é um grande avanço social ante o crime, recuperando, em nosso sistema prisional, a dignidade da pessoa humana e o tratamento mais eficaz na recuperação do indivíduo.

5. POR UM NOVO SISTEMA PENAL, O SISTEMA EDUCACIONAL

Ao atentar-se a uma reflexão sobre um novo modelo como resposta ao crime e à violência, deve-se levar em consideração um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consoante o artigo terceiro da Carta Magna, “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Promover o bem de todos, inclusive do criminoso, visando sua melhoria moral e sua inserção à sociedade, deve ser o norteador desse novo modelo a que se vislumbra desenvolver. O modelo atual, baseado na penalidade, ao invés de promover o bem do indivíduo, provoca-lhe males, muitas vezes irreversíveis, sendo contrário à própria Constituição.

Busca-se um novo modelo para uma nova sociedade. Não é mais possível continuar com o atual modelo vigente que denigre, humilha e expõe o indivíduo a condições sub-humanas de existência. A sociedade chegou a um ponto crucial de sua jornada. Este é o momento de efetuar mudanças drásticas e eficazes com vistas à edificação de uma nova sociedade, que corresponda aos anseios da Carta Magna e propicie o bem de todos, sem qualquer tipo de preconceitos, inclusive o preconceito com relação ao criminoso, que, devido a sua condição, é constantemente tratado com discriminação quanto aos princípios basilares da dignidade da pessoa humana. Sobre esta perspectiva relata Vínícius:

O crime não é o criminoso, o vício não é o viciado, o pecado não é o pecador, do mesmo modo e pelo mesmo critério que o doente não é a doença. Assim como se combatem as enfermidades e não os enfermos, assim também se devem combater o crime, o vício e o pecado, e não o criminoso, o viciado e o pecador. A medicina jamais pensou na eliminação dos enfermos; toda a sua preocupação está em curar as doenças. Pois o processo deve ser o mesmo, em se tratando dos distúrbios que afetam o moral dos indivíduos. É muito fácil encarcerar ou eletrocutar um criminoso. Educá-lo é mais difícil, mais trabalhoso, demanda esforço, tempo, saber e caridade. Retirem-se os delinquentes do convívio social, como se faz com o pestoso que ameaça a salubridade pública; mas, como a este, preste-se àquele a assistência que lhe é devida: educação. (CAMARGO, 2009, p. 65, 67, 68)

Na mesma linha de raciocínio de Vinícius, o médium Francisco Candido Xavier, sob a inspiração de seu guia espiritual Emmanuel, foi consultado sobre questões do Direito Penal, texto este contido no livro “A Psicografia ante os Tribunais”, de Miguel Timponi, Federação Espírita Brasileira – 5ª Edição, 1978, e com trechos do texto transcrito por Clementino de Alencar no jornal “O Globo” do Rio de Janeiro, em 27/05/1935, na qual Chico Xavier esclarece:

[...] Considerando o Direito dentro das características e precisando conciliá-lo com o Evangelho, somos de opinião de que o Estado ou a sociedade deve defender-mais e punir menos. A educação deve ser difundida em todas as suas modalidades, e nas prisões, as penitenciárias devem representar escolas, hospitais e oficinas, onde o delinquente, apesar de se conhecer coagido em sua liberdade, reconheça o seu direito de cidadão, digno da educação, que ainda necessita, e do trabalho, segundo as suas possibilidades individuais. A escola, a instrução e a assistência significam um fator preponderante na intangibilidade do estado. A sociedade pode, pois, castigar o delinquente, regenerá-lo e beneficiá-lo, buscando reintegrá-lo no respeito e na consideração de si mesmo. (XAVIER, 1978 apud MAIA NETO, 2005, p. 77)

A Educação moral52 deve ser o norteador do novo modelo a ser desenvolvido como resposta ao crime e à violência existentes em nossa sociedade. Porém, uma educação realmente comprometida com a melhoria moral do indivíduo, onde diversas áreas do saber humano se unam e elaborem propostas de atuação para o tratamento e não a penalização do criminoso. Assim descreve Haroldo de Resende:

Perscruta-se, pois, o caráter educativo subjacente aos mecanismos prisionais, implícita ou explicitamente dispostos nos procedimentos de transformação dos sujeitos transgressores da lei que têm sua existência segmentada na prisão. Essa transformação deve traduzir-se na reeducação. A medida punitiva penal trona-se um mecanismo que faz da pena, como contrapartida da infração, uma transformação do preso, de modo a reabilitá-lo para o convívio social, reeducando-o. A função do poder de punir não difere, em sua centralidade, da de educar (Cf. Foucault, 1991, p. 265). De acordo com a perspectiva teórica, o que a prisão deve fazer com o condenado, inclusive através do próprio encarceramento, é atuar no seu comportamento de forma a melhorá-lo, corrigindo-o e transformando-o. (RESENDE, 2010, p. 80/81)

O professor Dr. Alessandro Baratta cita Calliess sobre a importância da educação no combate à criminalidade:

Certamente hoje, em uma sociedade na qual o problema da educação tornou-se o problema social por excelência, a política social não pode ser feita sem política educacional, e isto significa que as sanções penais devem sempre vir consideradas também como uma parte da política da educação. Os processos reguladores do direito penal não podem ser compreendidos fora dos outros processos sociais da socialização e da educação. (CALLIESS, 1974, p. 129 apud BARATTA, 2011, p. 169)

John Howard, citado por Rogério Greco, coloca a educação moral como uma das bases para o cumprimento de pena:

Depois de avaliar e criticar inúmeras prisões, Howard, em seu livro intitulado Estate of prisions, fixou as bases para um cumprimento de pena que não agredisse os demais direitos do homem, a saber: 1) higiene e alimentação; 2) disciplina distinta para presos provisórios e os condenados; 3) educação moral e religiosa; 4) trabalho; 5) sistema celular mais brando. (ASUA, Luis Gimenez. Tratado de derecho penal, t. I, p. 259 apud GRECO, 2015, p. 116)

O pedagogo português Manuel Antonio Ferreira-Deusdado, em seu trabalho intitulado Estudos sobre Criminalidade e Educação, disserta sobre a importância da educação moral na formação de um novo caráter do indivíduo:

O espirito humano tem em todos os fenômenos moraes a faculdade de recusar a sua adesão a qualquer tendência que o solicite. Nos próprios fenômenos de sensibilidade o império da vontade possue o poder de intervir e a sua acção póde, dirigida pelas idéias, disciplinada pelo habito e fortalecida pelo exemplo, contrahir sentimentos nobres e amortecer inclinações ruins. Ainda que a existência do senso moral no criminoso seja demasiado tênue, a instrucção ampliando as relações funestas que resultam da prática do crime, veem mostrar ao criminoso as tristes consequências do delicto e os nobres estímulos e delicados prazeres que gera a obra da virtude. Toda a educação resulta de bem dirigir a acquisição dos hábitos. A vontade é o mobil das nossas acções e a força civilisadora por excellencia. Fortalece-la pois com exemplos elevados, deve ser o destino da educação. A noção clara do dever moral que se aviva com a instrucção, não determina necessariamente a sua prática, todavia é mais um grau de probabilidade para a execução do bem. A cultura intellectual dilata o poder da liberdade e modifica por tanto o gênero do crime, porém não o supprime; mas a cultura do sentimento moral, inoculando o principio do dever, desvia o homem da senda do crime, e se o homem é como cremos até certo ponto o artista do seu destino, póde, pela educação com afinco obstinado e inflexivel, aniquilar na sua alma as inclinações ruins e substitui-las por aspirações d’uma ethica elevada. (DEUSDADO, 1889, p. 116)

Conforme disserta Manoel Antonio Ferreira-Deusdado no texto acima, a vontade é o móvel das ações do indivíduo. Eis o grande desafio do processo educacional moral, despertar a vontade no indivíduo para que ele promova sua auto- -educação, pois, educação moral não é algo que se impõe, mas um processo que necessita da total adesão do educando.

A Filosofia Espírita coloca a Educação como elemento transformador da sociedade, por ser o elemento transformador dos indivíduos que a compõem. Assim discorre o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail (03/10/1804 - 31/03/1869), pseudônimo Allan Kardec:

[...] Esse elemento é a educação, não a educação intelectual, mas a educação moral. Não nos referimos, porém, à educação moral pelos livros e sim à que consiste na arte de formar os caracteres, à que incute hábitos, porquanto a educação é o conjunto dos hábitos adquiridos. Quando essa arte for conhecida, compreendida e praticada, o homem terá no mundo hábitos de ordem e de previdência para consigo mesmo e para com os seus, de respeito a tudo o que é respeitável, hábitos que lhe permitirão atravessar menos penosamente os maus dias inevitáveis. A desordem e a imprevidência são duas chagas que só uma educação bem entendida pode curar. (KARDEC, 2010a, p. 408)

A educação, convenientemente entendida, constitui a chave do progresso moral. Quando se conhecer a arte de se manejar os caracteres, como se conhece a de manejar as inteligências, conseguir-se-á corrigi-los, do mesmo modo que se aprumam plantas novas. Essa arte, porém, exige muito tato, muita experiência e profunda observação. Faça-se com a moral o que se faz com a inteligência e ver-se-á que, se há naturezas refratárias, muito maior do que se julga é o número das que apenas reclamam boa cultura, para produzir bons frutos. (KARDEC, 2010a, p. 514/515)

Cabe a educação combater essas más tendências. Fá-lo-á utilmente, quando se basear no estudo aprofundado da natureza moral do homem. Pelo conhecimento das leis que regem essa natureza moral, chegar-se-á a modificá-la, como se modifica a inteligência pela instrução e o temperamento pela higiene. (KARDEC, 2010a, p. 486/487)

Conforme ensina a filosofia espírita, somente a educação moral do ser poderá solucionar o problema da criminalidade, que nada mais é que a exteriorização de hábitos53 viciosos que o indivíduo traz consigo, sob o estímulo de circunstancias externas. A educação moral possibilitará que este indivíduo substitua os maus por bons hábitos, os vícios por virtudes54, promovendo uma reestruturação íntima do individuo que repercutirá na própria reestruturação social.

Sobre a Educação Moral, o Doutor em Filosofia Pedro Goergen, professor titular (aposentado) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), em seu trabalho “Educação Moral Hoje: cenários, perspectivas e perplexidades”, relata que:

A moralidade da sociedade contemporânea assume hoje uma dimensão inversamente proporcional à sua visibilidade discursiva. Parece que quanto mais se fala em ética e moral, mais escandalosamente imorais se tornam as práticas. O discurso moralizante nasce, de um lado, da justa revolta das vítimas da barbárie moral e, de outro, do cinismo dos protagonistas da imoralidade. Comum aos dois aportes é a tendência de culpabilizar os outros, sejam eles indivíduos, grupos ou instituições. No presente trabalho, quero defender o ponto de vista de que a barbárie moral que vivemos não se explica nem se soluciona culpando o outro e exigindo que ele mude seu comportamento. As raízes da imoralidade são muito mais profundas e alcançam o terreno comum da tradição e da cultura. Por isso, entendo que a superação da barbárie moral não pode ser alcançada mediante intervenções e sanções tópicas, locais, superficiais, mas que é necessário um repensar amplo e corajoso dos arquétipos de nossa cultura, no que se refere aos conceitos de cidadania, democracia, justiça social e espaço público. Tal projeto deve relacionar a nossa tradição cultural e os valores a ela inerentes com o contexto moralmente perverso do modo de produção capitalista neoliberal que nos governa no momento. As perplexidades e ambivalências ético-morais precisam ser entendidas e analisadas a partir da confluência das características e tradições de nossa cultura com o modo de produção e os referenciais e representações ético-morais que lhe são próprias. Estes dois aportes – a tradição cultural e a realidade econômico-política – representam as vertentes cínicas das quais nasce a imoralidade que barbariza nossas relações sociais. Imoralidade essa que ora gera revolta, ora não provoca mais que indiferença e conformismo. A moralidade social exige o aporte crítico da filosofia, da antropologia, da história, da ciência política, do direito, da teoria educacional, das ciências da comunicação, da sociologia, da psicologia, da economia, da epistemologia e da teologia, tanto para desvendar suas armadilhas cínicas, quanto para construir um espaço público no interior do qual se realize um amplo debate ético sobre os princípios a partir dos quais se julgam as decisões e as ações. Dizer que a responsabilidade é de todos não significa dizer que ela não é de ninguém. Ao contrário, significa que cada segmento social, cada instituição, cada indivíduo deve assumir responsabilidade moral em seu âmbito de atuação. Por sua inegável influência sobre a formação das futuras gerações, cabe aos setores diretamente envolvidos com a educação, como a família, a mídia e a escola, um papel particularmente relevante na reforma moral da sociedade. Nesse cenário, a tarefa da educação moral coloca-se numa nova perspectiva de formar um sujeito moral, portador de uma consciência crítica que lhe permita uma permanente percepção e avaliação da pertinência dos códigos, normas, tradições, na perspectiva da liberdade e da justiça. A tarefa da educação moral não é apenas um compromisso dos pais, da escola ou de uma outra instância qualquer, mas um compromisso da sociedade como um todo e de todas as suas instituições políticas, jurídicas, midiáticas e também educacionais.(GEORGE, 2007)

O filósofo grego Aristóteles, na obra Ética a Nicômaco, disserta sobre o desenvolvimento das virtudes intelectual e moral:

Como vimos, há duas espécies de virtude, a intelectual e a moral. A primeira deve, em grande parte, sua geração e crescimento ao ensino, e por isso requer experiência e tempo; ao passo que a virtude moral é adquirida em resultado do hábito. (...) Pelos atos que praticamos em nossas relações com outras pessoas, tornamo-nos justos ou injustos; (...) Em uma palavra: nossas disposições morais nascem de atividades semelhantes a elas. (ARISTÓTELES, 2008, p. 40/41)

Conclui-se com Aristóteles que as virtudes morais podem ser desenvolvidas no indivíduo, pela prática constante, que as tornarão hábitos salutares. Eis o grande desafio da ciência do direito, promover meios que possibilitarão a recuperação do criminoso, modificando suas disposições morais, promovendo a educação do ser.

Somente um modelo educacional moral poderá realmente promover a melhoria do atual quadro em que se encontra a nossa sociedade. Mas, para que se implemente este modelo, é necessário a boa vontade dos governantes e da sociedade, num trabalho conjunto. É preciso modificar a mentalidade de vingança, ora predominante na sociedade contemporânea, para uma mentalidade de compaixão e auxílio em prol do indivíduo que, por não ter sido moralmente educado, promove o fenômeno da criminalidade no meio em que vive. Enquanto a sociedade continuar com o atual modelo de exclusão e punição, aumentar-se-ão os ódios e a própria violência, pois violência gera violência.

Rogério Greco adverte sobre a necessidade de mudanças urgentes no atual sistema instituído,

Assim, já chegamos naquele momento preconizado por Foucault em que olharíamos para nossas celas e teríamos vergonha do que estávamos fazendo com os seres humanos, que passaram a ser tratados como animais. Essa tese, mais do que inovar, serve de alerta para que as medidas sejam adotadas imediatamente. Não se pode mais esperar, pois, enquanto estamos discutindo academicamente esses problemas, pessoas estão, neste exato instante, sofrendo os males impostos de forma ilegal pelo cárcere. O tempo urge contra nós, ou melhor, contra aqueles miseráveis, destituídos de qualquer dignidade pessoal, que foram selecionados para fazer parte deste show de horrores, que servem de bodes expiatórios, encobrindo a incapacidade do Estado para exercer suas funções sociais! Maranata! (GRECO, 2015, p. 352)

Nesse mesmo sentido, Cândido Furtado Maia Neto disserta:

O direito penal ortodoxo com seus dogmas ultrapassados dará vez a um novo paradigma para um novo estudo das ciências jurídicas e criminológicas, no contexto da espiritualidade, à luz da vida e da reencarnação. (MAIA NETO, Cândido Furtado, e Lenchoff Carlos, in “Criminalidade, Doutrina Penal e Filosofia Espírita”, ed. Lake, São Paulo, 2005 ).

O eminente físico e professor indiano radicado nos Estados Unidos da América, Dr. Amit Goswami, autor de “O Universo Autoconsciente” e “A Física da Alma”, assevera que tudo gira, acontece e se determina no universo através de uma consciência cósmica. Razão pela qual, o tradicional e clássico estudo do direito penal e das causas dos crimes requer modernas explicações. O direito penal capitalista ou materialista precisa dar lugar a ciência espiritual, a aplicação clássica não efetiva a verdadeira justiça criminal, pelo contrário, tem sido causa e produto de grandes males sociais. (MAIA NETO in < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/4965/Justica_Penal_Crista_e_Espiritualidade__Ciencia_a_Luz_dos_Direitos_Humanos_e_do_Evangelho_de_Jesus_Cristo >)

Educação moral, eis o caminho pelo qual o atual Direito Penal deve seguir. Caminho que conduz a novos horizontes, a uma nova realidade, a uma nova estrutura social. Não mais castigar corpos, mas elevar almas à conquista das virtudes, à conquista de si mesmas. Não mais punir por punir, mas conduzir os indivíduos pelos caminhos da autotransformação, da superação dos vícios e imperfeições morais, da conquista do eu maior que reside na intimidade de todos os seres, que não é senão o arquétipo divino, a que está destinada a se tornar toda criação. Que seja a criatura, em relação ao criador, a sua imagem e semelhança, conforme nos conclama o Senhor: “Sede santos, porque eu sou santo”. (RIRYE, 2007, p. 1222).

6. CONCLUSÃO

O Jusnaturalismo Teológico, com base na Filosofia Cristã/Espírita, revela uma Lei Divina que possui como objetivo final a melhoria do Espírito imortal com vistas à conquista da Perfeição, que significa o desenvolvimento das virtudes divinas que o Espírito possui em estado latente. Com a conquista destas virtudes, o homem se torna melhor e se tornando melhor, a própria sociedade se torna melhor. Esta deve ser a visão do Direito, hoje denominado Penal: desenvolver mecanismos eficazes que estimulem o indivíduo a desenvolver as virtudes que existem dentro de si em estado latente. A este processo denomina-se educação moral.

Não é possível dissociar educação moral de criminalidade, pois se existe o crime é devido à inexistência de desenvolvimento da moralidade nos indivíduos. Penalizar o indivíduo, sem moralizá-lo é estimular ainda mais os vícios que estão, provisoriamente, inerentes à personalidade do indivíduo criminoso.

Toda mudança de filosofia e modelos sociais enfrentará, inevitavelmente, a resistência dos paradigmas existentes. Ante os desafios do porvir, deve-se refletir sobre a ineficácia dos atuais modelos sociais e a urgente necessidade de elaboração de um novo modelo de atuação da sociedade frente à criminalidade.

Criminalidade é um problema que diz respeito a toda sociedade. Infelizmente, vive-se em uma sociedade baseada no individualismo, onde os interesses próprios se tornam preponderantes frente aos interesses coletivos. O indivíduo frente a um criminoso possui o pensamento de que, para que não seja prejudicado pelo ato deste criminoso, este deve ser encarcerado, “resolvendo” assim o problema. Não existe preocupação quanto às condições que este criminoso será submetido ou se será efetivamente recuperado, e quando este criminoso não é preso ou é solto e comete novos crimes, culpa-se o Estado. Não se deve responsabilizar exclusivamente o Estado pelos males que afligem a sociedade. A responsabilidade é de todos, assim como a busca de soluções é responsabilidade de toda a sociedade. Se existe criminalidade, esta é consequência, dentre outros fatores, porém como fatores preponderantes, porque a sociedade falhou na educação de suas crianças e jovens e devido à existência de excluídos sociais, resultado do egoísmo humano. Enquanto a sociedade não se responsabilizar pelos males que ela mesma criou e não trabalhar pela solução dos mesmos, o quadro atual não mudará.

Somente a educação moral, associada à construção de uma sociedade mais justa e fraterna, será capaz de modificar o atual panorama social. À educação moral cabe a nobre tarefa de transformar os indivíduos, de melhorá-los e de torná-los aptos a conviverem pacificamente uns com os outros, numa sociedade mais fraterna e humana. E este processo envolve toda a sociedade num trabalho contínuo em prol da própria sociedade.

Não é mais possível postergar as mudanças que se fazem urgentes, inadiáveis. A atual sociedade já possui maturidade intelectual suficiente para as transformações exigidas, o que lhe falta é sentimentos nobres e boa vontade para iniciar a grande obra de edificação de um novo amanhã, isento dos equívocos da atualidade.

O atual momento que vive a sociedade humana reflete a falência das instituições e dos métodos sociais constituídos. A violência, a exclusão social, as paixões desenfreadas, o desrespeito à natureza, a desvalorização do Ser enquanto Humano, demonstram a decadência de uma sociedade construída sobre as bases do individualismo, do materialismo e da satisfação dos prazeres imediatistas a qualquer custo. O homem sofre as consequências de suas próprias ações equivocadas.

O atual momento requer de cada um dos membros da grande sociedade humana o desenvolvimento de novos valores íntimos, como a fraternidade55, a espiritualidade, a benevolência, a indulgência e o perdão. Como consequência desta reestruturação íntima de valores, ter-se-á uma nova sociedade, reconstruída sobre novas bases, onde o amor, apregoado e vivenciado por Nosso Senhor Jesus Cristo será o móvel de todas as relações sociais.

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1 “Movimento intelectual que correspondia aos interesses daqueles que desejavam mais liberdade política e econômica. Os pensadores iluministas defendiam, além da não intervenção do Estado na economia, a igualdade jurídica entre os homens, a liberdade religiosa e de expressão e outros direitos. Com isso, o Iluminismo abriu caminho para as revoluções que combateram as estruturas do antigo regime,” [...] entre estas estruturas a serem combatidas estava o [...] “poder da Igreja, que se baseava em verdades reveladas pela fé, contrariando a autonomia da razão, ou seja, a liberdade do indivíduo para elaborar conceitos, normas, ideias e teorias. Segundo o pensamento da iluminista, só com a autonomia da razão seria possível estimular o avanço da ciência e das técnicas aplicadas aos transportes, às comunicações, à medicina etc.” (COTRIM, 2005, p. 266)

2 NADER, Paulo. Filosofia do direito. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2000.

3 Pseudônimo de Hippolyte Léon Denizard Rivail (03/10/1804 - 31/03/1869), pedagogo francês que pesquisou, estudou, organizou e codificou os ensinos trazidos pelos Espíritos Superiores, formando corpo de ensinamentos denominados Doutrina Espírita ou Espiritismo.

4 (ROHDEN, Huberto. 2004 apud MAIA NETO, 2005, p. 13)

5 Divulgada na Pew Research Forum De on Religion & Public Life (Global Religion Landscape / 2012), disponível em .

6 Disponível em < http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/06/numero-de-evangelicos-aumenta-61-em-10-anos-aponta-ibge.html>.

7 Para mais informações, acesse .

8 “O ESPIRITISMO É, AO MESMO TEMPO, UMA CIÊNCIA DE OBSERVAÇÃO E UMA DOUTRINA FILOSÓFICA. COMO CIÊNCIA PRÁTICA ELE CONSISTE NAS RELAÇÕES QUE SE ESTABELECEM ENTRE NÓS E OS ESPÍRITOS; COMO FILOSOFIA, COMPREENDE TODAS AS CONSEQÜÊNCIAS MORAIS QUE DIMANAM DESSAS MESMAS RELAÇÕES.” (KARDEC, 2009, p. 55). Define-se ciência como sendo o “corpo de conhecimentos sistematizados adquiridos via observação, identificação, pesquisa e explicação de determinadas categorias de fenômenos e fatos, e formulados metódica e racionalmente.” (HOUAISS, 2009, p. 463). No âmbito cientifico da Doutrina Espírita, “O método adotado por Allan Kardec na investigação e comprovação do fato mediúnico — instrumento comprobatório da existência e comunicabilidade do Espírito — é o experimental, aplicado às ciências positivas, fundamentado na observação, comparação, análise sistemática e conclusão”. (ROCHA, 2012, p. 71)

9 “Espiritismo é uma doutrina filosófica de efeitos religiosos, como qualquer filosofia espiritualista, pelo que forçosamente vai ter às bases fundamentais de todas as religiões: Deus, a alma e a vida futura. Mas, não é uma religião constituída, visto que não tem culto, nem rito, nem templos e que, entre seus adeptos, nenhum tomou, nem recebeu o título de sacerdote ou de sumo-sacerdote.” (KARDEC, 2007, p. 289/290)

10 A palavra Deus contida neste versículo bíblico, é um substantivo masculino plural, deuses, em hebraico Heloim. Na obra Evolução em dois Mundos, a filosofia espírita esclarece: “O fluído cósmico é o plasma divino, hausto do Criador ou força nervosa do Todo-Sábio. Nesse elemento primordial, vibram e vivem constelações e sóis, mundos e seres, como peixes no oceano. Nessa substância original, ao influxo do próprio Senhor Supremo, operam as Inteligências Divinas a Ele agregadas, em processo de comunhão indestrutível, os grandes Devas da teologia hindu ou os Arcanjos da interpretação de variados templos religiosos, extraindo desse hálito espiritual os celeiros da energia com que constroem os sistemas da Imensidade, em serviço de Co-criação em plano maior, de conformidade com os desígnios do Todo-Misericordioso, que faz deles agentes orientadores da Criação Excelsa. Essas Inteligências Gloriosas tomam o plasma divino e convertem-no em habitações cósmicas, de múltiplas expressões, radiantes ou obscuras, gaseificadas ou sólidas, obedecendo a leis predeterminadas, quais moradias que perduram por milênios e milênios, mas que se desgastam e se transformam, por fim, de vez que o Espírito Criado pode formar ou co-criar, mas só Deus é o Criador de Toda a Eternidade. (XAVIER, 2011, p. 19)

11 “Eu sou o caminho, a verdade e a vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (RYRIE, 2007, p. 1038)

12Reportagem em: < http://www.istoe.com.br/reportagens/2200_O+CIENTISTA+DE+DEUS > Acesso em 24/05/2015.

13 Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=clSPdpYd1Ao > Acesso em 24/05/2015.

14 Providência: “4 REL ação pela qual Deus conduz os acontecimentos e as criaturas para o fim que lhes foi destinado” - (HOUAISS, 2009, p. 1568)

15 O fluído cósmico é o plasma divino, hausto do Criador ou força nervosa do Todo-Sábio. Nesse elemento primordial, vibram e vivem constelações e sóis, mundos e seres, como peixes no oceano. (XAVIER, 2011, p. 19)

16 Os dez mandamento estão descritos em várias passagens do antigo testamento, entre elas no Livro de Êxodo, capítulo 20, versículos 1 ao 17.

17 Os médicos e cientistas, pesquisadores holandeses Titus Rivas, Anny Adrien e Rudolf Smit publicaram um livro, que por enquanto somente está disponível em holandês, chamado “Wat een stervend brein niet an”, que na tradução literal seria intitulado “O que um cérebro morrendo é capaz de fazer”, onde atestam que a alma pode deixar o corpo e observá-lo. – Disponível em < https://br.noticias.yahoo.com/blogs/eita/cientistas-atestam-que-nossa-alma-pode-deixar-o-corpo-e-observ%C3%A1-lo-135252335.html > Acesso em 23/05/2015.

Estudo científico sobre Experiência Quase Morte (EQM): Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010160832013000500005&lng=pt&nrm=iso&tlng=e n >

Estudo científico sobre Psicografia: Agência USP de notícias: Disponível em: < http://www.usp.br/agen/?p=121208>

18 Para aprofundamento no tema, sugere-se a leitura do livro Nosso Lar, psicografia de Francisco Candido Xavier, pelo Espírito André Luiz, onde trata da estrutura da colônia espiritual Nosso Lar.

19 Recomenda-se a leitura das seguintes obras científicas que abordam o tema reencarnação: 20 Casos sugestivos de Reencarnação, de Ian Stevenson (1918-2007; Foi pesquisador do Departamento de Medicina Psiquiátrica da Universidade de Virgínia – EUA), editora Difusora Cultural; Muitas Vidas, Muitos Mestres, de Brian L. Weiss, editora Salamandra.

Estudo científico sobre Regressão de Memória em vidas passadas: Disponível em: < http://istoe.com.br/26515_DE+VOLTA+AO+PASSADO/>

20 [...] “podemos definir justiça distributiva como sendo o tipo de justiça pela qual a comunidade dá a cada um de seus membros o que lhe é devido (bens e encargos), segundo o seu mérito e capacidade.” (BETIOLI, 2014, p. 543). A respeito do caráter distributivo da lei divina cita-se a passagem bíblica da oferta da viúva pobre: “Assentado diante do gazofilácio, observava Jesus como o povo lançava ali o dinheiro. Ora, muitos ricos depositavam grandes quantias. Vindo, porém, uma viúva pobre, depositou duas pequenas moedas correspondentes a um quadrante. E, chamando os seus discípulos, disse-lhes: Em verdade vos digo que esta viúva pobre depositou no gazofilácio mais do que o fizeram todos os ofertantes. Porque todos eles ofertaram do que lhes sobrava; ela, porém, da sua pobreza deu tudo quanto possuía, todo o seu sustento.” (RYRIE, 2007, p. 973)

21É preciso interpretar as lições de Jesus no seu sentido espiritual, conforme as seguintes instruções: “as palavras que eu vos digo são espírito e são vida.” (RYRIE, 2007, p. 1028) e “a letra mata, mas o espírito vivifica”. (RYRIE, 2007, p. 1131)

22 “Acima de tudo, porém, tende amor intenso uns para com os outros, porque o amor cobre multidão de pecados.” (ALMEIDA, 2008, p. 1608)

23 “purificação de crimes ou faltas cometidas” (HOUAISS, 2009, p. 859)

24 A palavra grega traduzida por “ira” significa punição.

25 A palavra grega traduzida por “vingança” significa executar justiça, penalidade.

26 Bem é “aquilo que enseja as condições ideais ao equilíbrio, à manutenção, ao aprimoramento e ao progresso de uma pessoa ou de uma coletividade” (HOUAISS, 2009, p. 275)

27 “Amar os inimigos não é, portanto, ter-lhes uma afeição que não está na natureza, visto que o contacto de um inimigo nos faz bater o coração de modo muito diverso do seu bater, ao contacto de um amigo. Amar os inimigos é não lhes guardar ódio, nem rancor, nem desejos de vingança; é perdoar-lhes, sem pensamento oculto e sem condições, o mal que nos causem; é não opor nenhum obstáculo à reconciliação com eles; é desejar-lhes o bem e não o mal; é experimentar júbilo, em vez de pesar, com o bem que lhes advenha; é socorrê-los, em se apresentando ocasião; é abster-se, quer por palavras, quer por atos, de tudo o que os possa prejudicar; é, finalmente, retribuir-lhes sempre o mal com o bem, sem a intenção de os humilhar. Quem assim procede preenche as condições do mandamento: Amai os vossos inimigos.” (KARDEC, 2010b, p. 247/248)

28 “A medida que o indivíduo se afasta da infância, caminhando para a fase adulta, desenvolve em si mesmo posturas que viabilizam seu relacionamento com o meio em que vive. Tais posturas vão se tornando mais complexas com o passar do tempo, exigindo adaptações familiares, sociais, profissionais e de cidadania, tornando-o parte de uma coletividade impregnada de costumes, preconceitos, leis e culturas específicas. Esse processo de adaptação consiste, em última instancia, no resultado do esforço que o indivíduo vê-se obrigado a realizar, no sentido de não expor para a sociedade em que está inserido, características de sua individualidade que ameaçariam sua aceitação social ou afeto daqueles que lhe são caros. Isso resulta no que a psicologia analítica denomina máscara ou persona. [...] O conjunto dos conteúdos reprimidos em função da construção da máscara forma o que a psicologia junguiana denomina sombra. [...] Todos os conteúdos assim reprimidos são despejados no inconsciente, mas nem por isso deixam de existir, e de alguma forma irão se manifestar.” (RODRIGUES, 2016, p. 32/33)

29 “Pode-se conceituar criminologia como a ciência empírica (baseada na observação e na experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas criminosas. A criminologia é uma ciência do “ser”, empírica, na medida em que seu objeto (crime, criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e não no mundo dos valores, como ocorre com o direito, que é uma ciência do “dever ser”, portanto normativa e valorativa. A interdisciplinaridade da criminologia decorre de sua própria consolidação histórica como ciência dotada de autonomia, à vista da influência profunda de diversas outras ciências, tais como a sociologia, a psicologia, o direito, a medicina legal etc.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 19/20)

30 “Entende-se por “personalidade” a síntese de todos os elementos que concorrem para a conformação mental de uma pessoa”. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 199)

31 “As estatísticas criminais demonstram existir uma relação de proximidade entre a pobreza e a criminalidade. Não que a pobreza seja um fator condicionante extremo de criminalidade, tendo em vista a ocorrência dos chamados “crimes do colarinho branco”, geralmente praticados pelas camadas mais altas da sociedade. Por outro lado, nos crimes contra o patrimônio, a imensa maioria dos assaltantes é semialfabetizada, pobre, quando não miserável, com formação moral inadequada. Percebe-se que nutrem ódio ou aversão àqueles que detêm posses e valores. Esses sentimentos fazem crescer uma tendência criminal violenta no indivíduo. Nesse sentido, as causas da pobreza, conhecidas de todos – má distribuição de renda, desordem social, grandes latifúndios improdutivos etc. –, somente funcionam como fermento dos sentimentos de exclusão, revolta social e consequente criminalidade.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 174/175)

32 “Dessa forma, não estaríamos diante um conjunto de traços de personalidade determinantes de uma conduta criminosa, mas diante de uma ação delituosa resultante da interação entre determinados contextos e situações do meio, juntamente com um conjunto de processos cognitivos pessoais, afetivos e vivenciais, os quais acabariam por levar a pessoa a interpretar a situação de forma particular e a agir (criminosamente) de acordo com o sentido que lhe atribui. Aqui também se pensa em determinada personalidade criminosa, personalidade esta produzida não apenas pelo arranjo genético, mas sobretudo pelo desenvolvimento pessoal.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 208)

33 “Lombroso imaginou ter encontrado, no criminoso, em sentido natural-cientifico, uma variedade de homo sapiens, que seria caracterizada por sinais (stigmata) físicos e psíquicos.” (GRECO, 2016, p. 53)

34 “maneira usual de ser, fazer, sentir.” (...) “maneira permanente ou frequente de comportar-se.” (HOUAISS, 2009, p. 1003)

35 “Conforme o ensino de Álvaro May Rink da Costa, “A aprendizagem é feita num processo de comunicação com outras pessoas, principalmente, por grupos íntimos, incluindo técnicas de ação delitiva e a direção específica de motivos e impulsos, racionalizações e atitudes. Uma pessoa torna-se criminosa porque recebe mais definições favoráveis à violação da lei do que desfavoráveis a essa violação. Este é o princípio da associação diferencial.”” (COSTA, ALVARO MAY RINK, 1976 apud PENTEADO FILHO, 2012, p. 88)

36 “A educação e o ensino são fatores inibitórios de criminalidade. No entanto, sua carência ou defeitos podem contribuir para estabelecer um senso moral distorcido na primeira infância. Assim, a educação informal (família, sociedade) e a formal (escola) assumem relevância indisfarçável na modelagem da personalidade humana”. (PENTEADO FILHO, 2012, p. 179)

37 “Já desde esta vida poderemos ir resgatando nossas faltas? “Sim, reparando-as.”” (...) “Só por meio do bem se repara o mal e a reparação nenhum mérito apresenta, se não atinge o homem nem no seu orgulho, nem nos seus interesses materiais.”(KARDEC, 2010a, p. 563)

38 “A sociedade humana pode ser comparada a imensa floresta de criações mentais, onde cada Espírito, em processo de evolução e acrisolamento, encontra os reflexos de si mesmo. Aí dentro os princípios de ação e reação funcionam exatos.” (XAVIER, 2013e, p. 75)

39 “A sociedade define o que entende por “conduta desviante”, isto é, todo comportamento considerado perigoso, constrangedor, impondo sanções àqueles que se comportarem dessa forma. Destarte, condutas desviantes são aquelas que as pessoas de uma sociedade rotulam às outras que as praticam. A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os condenados, funcionando a pena como geradora de desigualdades. O sujeito acaba sofrendo reação da família, amigos, conhecidos, colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola. Sustenta-se que a criminalização primária produz a etiqueta ou rótulo, que por sua vez produz a criminalização secundária (reincidência). A etiqueta ou rótulo (materializados em atestado de antecedentes, folha corrida criminal, divulgação de jornais sensacionalistas etc.) acaba por impregnar o indivíduo, causando a expectativa social de que a conduta venha a ser praticada, perpetuando o comportamento delinquente e aproximando os indivíduos rotulados uns dos outros. Uma vez condenado, o indivíduo ingressa numa “instituição” (presídio), que gerará um processo institucionalizador, com seu afastamento da sociedade, rotinas do cárcere etc.” (PENTEADO FILHO, 2012, p. 93/94)

40 “O delito é a lesão social produzida pelo estado egoístico da psique humana (leia-se espírito) na qual a evolução altruística não está suficientemente avançada para dominar as tendências egoísticas do limite que exige determinado estado social” - Relatório do V Congresso Internacional de Antropologia Criminal em Amsterdã (MAIA NETO, 2005, p. 341)

41 G. D. Romagnosi [1834], p. 83

42 Relig- : “Outros autores [Lactâncio e Sérvio] associam religìo a religáre: seria propriamente 'o fato de se ligar com relação aos deuses'.” (Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa 1.0 – HOUAISS, 2009)

43 Inquisição: “tribunal eclesiástico instituído pela Igreja católica no começo do sXIII com o fito de investigar e julgar sumariamente pretensos hereges e feiticeiros, acusados de crimes contra a fé católica; Santo Ofício [Os condenados eram enviados ao Estado, para serem sentenciados.]” (HOUAISS, 2009, p. 1087)

44 SANTIN, Giovani. Mídia e criminalidade. Sistemas punitivos e direitos humanos na Ibero-América, p. 94.

45Disponível em:

46

47 Publicada no Diário do Congresso (Seção II), de 29-3-1984.

48 Foram realizadas treze entrevistas com presos condenados, pessoas que já foram processadas, julgadas e, por meio de sentença condenatória, apenadas com reclusão em regime fechado. Cada entrevista foi feita em duas sessões. Na primeira, depois de explicitados os propósitos da pesquisa e o procedimento técnico da história oral de vida, deixou-se que o discurso do depoente fosse o mais livre possível, com mínimas intervenções, já na segunda sessão foram feitas questões mais diretivas a partir do depoimento anterior e/ou de outros depoimentos. As entrevistas foram realizadas na cidade de Uberlândia, MG, na Colônia Penal Professor Jacy de Assis, instituição inaugurada em setembro de 1998, configurando-se como um “estabelecimento de passagem”, no qual os presos cumprem penas enquanto aguardam julgamento ou recambiamento para penitenciárias, mas também onde, pelas próprias condições do sistema penitenciário, condenados cumprem sentença. Observe-se que, para a preservação da identidade dos entrevistados foram-lhes atribuídos nomes fictícios. No processamento das entrevistas os depoimentos foram editados sem preocupação em transcrever interjeições, pausas ou vícios de linguagem, uma vez que o interesse não recai sobre questões específicas da linguística ou aspectos de expressões da oralidade, de modo que na conversão das narrativas orais à forma escrita, buscou-se adequação aos padrões gramaticais, garantindo a preservação integral do conteúdo dos textos orais, inclusive palavras e expressões próprias daquele espaço social, remetendo seus significados, quando aparecem ao longo do texto, em notas de rodapé. (RESENDE, 2010, p. 80)

49 PRESCHI, 1961 apud BARATTA, 2011, p. 183/184

50 Conjunto de valores, individuais ou coletivos, considerados universalmente como norteadores das relações sociais e da conduta dos homens. (HOUAISS, 2009, p. 1316)

51 R. BERGALLI, [1976], p. 66. Para crítica da ideologia da ressocialização, cf., também, R. BERGALLI, [1982].

52 “A moral é a regra do bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na observância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus.” (KARDEC, 2010a, p. 383) – Com base neste conceito de moral, conclui-se que a Educação Moral é o processo no qual se possibilita ao indivíduo, a tomada de consciência das atitudes consideradas benéficas ou maléficas para si próprio e para o grupo em que vive, estimulando-o a agir no bem. É um processo de desenvolvimento de virtudes em detrimento dos vícios que ainda fazem parte da personalidade do indivíduo.

53 “O hábito é uma esteira de reflexos mentais acumulados, operando constante indução à rotina. Até agora, no mundo, a nossa justiça cheira a vingança e o nosso amor sabe a egoísmo, pelo reflexo condicionado de nossas atitudes irrefletidas nos milênios que nos precedem o “hoje”. Não podemos desconhecer, todavia, que somente adotando a bondade e o entendimento, com a obrigação de educar-nos e com o dever de servir, como hábitos automáticos nos alicerces de cada dia, colaborando para a segurança e felicidade de todos, ainda mesmo à custa de nosso sacrifício, é que refletiremos em nós a verdadeira felicidade, por estarmos nutrindo o verdadeiro bem.” (XAVIER, 2013e, p. 83,85)

54 “A virtude, no mais alto grau, é o conjunto de todas as qualidades essenciais que constituem o homem de bem.” (KARDEC,2010b, p. 356) A filosofia espírita define bem como sendo “[...] tudo que é conforme a lei de Deus; o mal, tudo que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringí-la.” (KARDEC, 2010a, p. 383) Portando o homem de bem é aquele que tem suas ações pautadas nas leis divinas. E, se houver dúvida quanto à qualidade de uma ação, a filosofia espírita esclarece: “Estando sujeito ao erro, não pode o homem enganar-se na apreciação do bem e do mal e crer que pratica o bem quando em realidade pratica o mal? “Jesus disse: vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.””(KARDEC, 2010a, p. 383/384)

55 “A fraternidade, na rigorosa acepção do termo, resume todos os deveres dos homens, uns para com os outros. Significa: devotamento, abnegação, tolerância, benevolência, indulgência. É, por excelência, a caridade evangélica e a aplicação da máxima: “Proceder para com os outros, como quereríamos que os outros procedessem para conosco.” O oposto do egoísmo. A fraternidade diz: “Um por todos e todos por um.” O egoísmo diz: “Cada um por si.”” (KARDEC, 2007, p. 259)


Publicado por: NEILSON JOSÉ DE CASTRO JUNIOR

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