O art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro e a garantia fundamental da não autoincriminação

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1. INTRODUÇÃO

O presente estudo intenta discorrer acerca da duvidosa constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o qual tipifica a conduta de afastar-se do local do acidente, o condutor, com o fim de fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

Fundamentando-se numa interpretação sistemática e constitucional, corroborada por dispositivos previstos em tratados de direitos humanos de que a República Federativa do Brasil é parte, analisaremos se o delito em tela desrespeita o direito fundamental à não autoincriminação.

Por meio de método dedutivo, buscar-se-á demonstrar a existência, no Brasil, de um histórico e cultural ranço inquisitório, ainda presente não somente na legislação penal brasileira, como no caso específico do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, mas também materializada na interpretação restritiva de direitos constitucionais promovida por autoridades operadoras do direito, o que não se coaduna com a nova ordem constitucional e internacional de direitos humanos.

Primeiramente, desenvolver-se-á o conhecimento acerca das peculiaridades do denominado delito de fuga do local do acidente, tais como sua tipicidade, a conduta nele descrita, seu objeto jurídico, sujeito passivo e ativo, etc., a fim de se averiguar a intenção do legislador ao elegê-lo como bem jurídico a ser tutelado pelo direito penal.

Após, buscaremos compreender qual deverá ser o alcance da garantia da não autoincriminação no caso em questão, principalmente quando consideramos a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 05 de outubro de 1988, a qual objetivou ampliar, afirmar e reforçar, após turbulentos anos de ditadura militar (1964 a 1985), a proteção aos direitos e garantias fundamentais individuais e coletivos.

Dada a nova ordem constitucional, questionaremos se, no delito do art. 305 do CTB, poderá haver limites à ampla defesa, bem como se será permitido subtrair do condutor do veículo parcela de sua liberdade no exercício do direito à autodefesa.

Para tanto, será exposto e analisado relativamente recente julgado do Supremo Tribunal Federal (decisão de novembro de 2018) acerca da constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.

Serão debatidos os fundamentos da decisão, a fim de discernir se se coadunam com o direito à não autoincriminação e aos fundamentos e princípios do Estado Democrático de Direito, indissociáveis da crescente internacionalização dos direitos humanos.

Será realizada pesquisa de jurisprudência de outros tribunais sobre o tema, expondo-se suas decisões, objetivando explorar seus fundamentos, tanto divergentes quanto coincidentes com a decisão do Pretório Excelso.

A compreensão da garantia fundamental da não autoincriminação será necessária para o desenvolvimento do presente trabalho, haja vista sua elevada importância constitucional e sua inserção no âmbito dos direitos humanos.

Para tanto, expor-se-ão entendimentos doutrinários sobre a garantia da não autoincriminação, sua definição e contornos, a fim de, demonstrado o seu grau de importância, vislumbrar a necessidade da sua constante aplicação visando à ampliação na efetividade de direitos fundamentais por parte do Estado.     

Apresentar-se-á, de forma breve, sua evolução histórica e legislativa, até alcançar um status universal de direito fundamental individual frente ao Estado, previsto, inclusive, em tratados internacionais de direitos humanos.

Com relação à ordem jurídica interna, serão apresentados os dispositivos nos quais se depreende a garantia da não autoincriminação, a exemplos da Constituição da República, do Código de Processo Penal e do Código de Processo Penal Militar.  Os principais tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é parte e que preveem o direito de não se autoincriminar também serão expostos, especialmente o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto de São José da Costa Rica.

Além disso, verificaremos que um dos maiores obstáculos à efetivação da não autoincriminação relativamente ao delito previsto no art. 305 do CTB reside na relutância  por parte do Estado e de operadores do direito de, no seu poder-dever de investigar e punir as condutas criminosas, submeter o princípio penal da verdade real, especialmente no âmbito da investigação policial, às garantias individuais, considerando a instauração de uma nova ordem de direitos fundamentais e de direitos humanos no Brasil em 1988.

Discutir-se-á se o tipo penal previsto no art. 305 do CTB configuraria a consubstanciação da verdade real com a despreocupação em se respeitar direitos fundamentais como a garantia da não autoincriminação.

Por fim, exporemos posicionamentos de renomados doutrinadores acerca da duvidosa constitucionalidade do art. 305 do CTB, bem como sobre o alcance do princípio da vedação à autoincriminação no tratamento da questão.

2. ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO: OFENSA À GARANTIA DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO?

O presente capítulo visa, num primeiro momento, à definição dos elementos do crime previsto no art. 305 do CTB, objetivos e subjetivos, identificando-se o bem jurídico protegido a fim de compreender os motivos de que se valeram os legisladores para efetivar a tutela penal da conduta.

A conduta tipificada no delito exige uma ação por parte do agente que o obrigaria a se apresentar pessoalmente na cena do acidente de forma contrária ao seu direito fundamental de ampla defesa?

Será possível perscrutar não somente acerca da legalidade do tipo penal, mas também sobre incongruências e incompatibilidades com os valores e princípios constitucionais?

Estaria a garantia da não autoincriminação sendo atingida e desrespeitada?

Considerando que, por séculos, os seres humanos conviveram com sistemas criminais privados de uma análise racional e de julgamentos humanizados, nos quais era subtraído do suspeito a oportunidade de exercitar sua defesa livremente, observaremos a atual ordem constitucional brasileira como base para fundamentar a defesa da garantia da não autoincriminação em sua plenitude.

2.1. Crime de fuga do local do acidente  

Com o crescimento dos centros urbanos no Brasil, e com o consequente aumento da circulação de pessoas e bens, especialmente a partir do final do séc. XIX, corroborado pelo advento de novos meios de transporte como o trem e o automóvel, e a popularização deste a partir do início do século XX, houve a necessidade, por parte do Poder Público, de aperfeiçoar as vias públicas, criar políticas de educação no trânsito e leis cogentes visando à sua regulamentação (ALMEIDA SOBRINHO, 2012, p. 02).

As leis de trânsito evoluíram no país até o surgimento do atual Código de Trânsito Brasileiro - Lei 9.503 de 23 de setembro de 1997, o qual estabeleceu novos crimes de trânsito e reformulou outros tipos penais outrora presentes no Código Penal Brasileiro e na Lei de Contravenções Penais (FUKASSAWA, 2015, p. 23).

O crime de fuga do local do acidente por parte do condutor envolvido em acidente de trânsito está previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, o qual dispõe o seguinte:

Art. 305. Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída.

Pena: detenção de seis meses a um ano, ou multa.

Portanto, o legislador objetivou punir a conduta do agente que se afasta, se distancia do local do acidente com o fim específico de escapar à responsabilidade civil ou criminal que possa lhe ser atribuída em decorrência do fato, sendo este o elemento subjetivo do tipo. Faz-se mister, portanto, existir conexão entre a fuga do local do acidente e o próprio acidente no qual esteja envolvido o veículo conduzido pelo autor (FUKASSAWA, 2015, 253).

Para Damásio de Jesus, haveria dois elementos subjetivos do tipo, sendo o primeiro o dolo referente à vontade de se afastar do local do acidente, e o segundo consistente na vontade de fugir à responsabilidade (JESUS, 2009, p. 149).

Para o autor, tratar-se-ia de crime formal ou de consumação antecipada, havendo ainda doutrinadores como Heleno Cláudio Fragoso, que o considera crime de perigo (FRAGOSO apud JESUS, 2009, p. 148).

O sujeito ativo é o condutor do veículo automotor envolvido em acidente de trânsito, sendo o momento consumativo do delito o afastamento do condutor do veículo do local do acidente (JESUS, 2009, p. 149).

Quanto ao seu objeto jurídico, há divergência na doutrina. De um lado, há doutrinadores como Renato Marcão (MARCÃO, 2017, p. 145) e Fernando Fukassawa (FUKASSAWA, 2015, p. 252), que ensinam que o tipo penal visa a tutelar tanto a administração da justiça quanto o interesse da vítima que faria jus à reparação civil de seu dano. Por outro lado, existem aqueles que entendem que o objeto jurídico do delito seria tão somente a administração da justiça, sendo representantes deste pensamento Damásio de Jesus (JESUS, 2009, p. 148) e Fernando Capez (CAPEZ, 2017, p. 370).           

Marcellus Polastri (POLASTRI, 2015, p. 127) comenta que o objeto jurídico do art. 305 do CTB seria tão somente a administração da justiça, tanto penal como civil. Brilhantemente ensina que a objetividade jurídica do delito não reside propriamente na intenção de proteger a vida humana ou a sua incolumidade, sendo a conduta descrita no tipo censurada criminalmente porque prejudicaria a administração da justiça.

A conduta descrita no art. 305 do CTB prejudica o próprio Estado uma vez que sua prática acaba por dificultar ou impedir a identificação dos responsáveis pelos danos causados no acidente (BALTAZAR JUNIOR, GONÇALVES, LENSA, 2016, p. 330), bem como a consequente persecução criminal, como a instauração de inquérito policial e, na esfera cível, a possibilidade de busca de reparação civil pelo particular.

Assim sendo, não configura verdadeiro crime de trânsito, haja vista que não atenta contra a segurança do tráfego, mas tão somente buscou-se criminalizar a conduta porque ela representa um verdadeiro indício de culpa. (FUKASSAWA, 2015, p. 253).  

Com relação ao sujeito passivo do crime, Renato Marcão (MARCÃO, 2017, p. 146) aborda com maior profundidade o tema, e ensina que na eventualidade de o condutor do veículo fugir do local do acidente visando a eximir-se à responsabilização criminal, figura como sujeito passivo o próprio Estado, a quem se atribui o ônus de apurar os fatos e promover a persecução penal dos agentes culpados pelo fato.

Por outro lado, quando o intuito da fuga do condutor do veículo for o de tentar fugir à sua responsabilização civil, o sujeito passivo será a pessoa prejudicada pelo acidente, a qual tem o direito à devida reparação no âmbito civil. Na prática, portanto, havendo o duplo objetivo do agente, presentes estarão figurando o sujeito passivo tanto o Estado quanto a vítima a quem caiba indenização cível. (MARCÃO, 2017, p. 146).

Esclarecidas as principais características do delito, temos condições de compreender e questionar, de forma crítica, acerca da real intenção do legislador na eleição da conduta como passível de punição criminal, bem como sobre sua duvidosa pertinência, haja vista que, repita-se, não se trata de crime de trânsito propriamente dito.

Por outro lado, o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, ao prever pena privativa de liberdade a alguém que tenta frustrar a reparação cível de outrem,  revela, no nosso ordenamento, a possibilidade de prisão fundamentada em uma  expectativa de dívida civil de um particular, hipótese que, numa primeira análise, contrariaria o texto constitucional, o qual proíbe, em regra, a prisão civil por dívida, no seu art. 5º, inciso LXVII. Não faz sentido a previsão de pena de detenção neste caso (CABETTE apud GOMES, 2015). Prevê o dispositivo constitucional o seguinte:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel;

A fim de desenvolver um raciocínio crítico e consentâneo com os valores e princípios constitucionais de direitos humanos, passaremos a analisar a garantia de não se autoincriminar no tópico seguinte.

2.2. Nemo tenetur se detegere: A garantia de não produzir prova contra si mesmo.

A garantia fundamental da não autoincriminação, conhecida também pelo brocardo latino nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a se descobrir) (QUEIJO, 2012, p. 28), assegura que a ninguém se pode exigir a obrigação de se autoincriminar ou de produzir provas contra si mesmo.

Assim, fica livre o possível acusado de crime a colaborar ou não com a investigação, uma vez que é sujeito de direito e não simples objeto da prova (QUEIROZ, 2017).

Nenhum ser humano, independentemente de sua condição, pode ser obrigado, seja pelo Poder Público ou por qualquer particular, a contribuir, contra a sua vontade, com quaisquer espécies de informações, declarações, dados, objetos ou provas que lhes sejam incriminadoras, seja direta ou indiretamente (GOMES, 2010).

Luiz Flávio Gomes (GOMES, 2010) ensina que, para que uma prova contra o acusado seja recebida como válida, deverá decorrer de ato do suspeito/acusado manifestado de forma consciente e voluntária.

São inadmissíveis as práticas de constrangimento, fraude, coação ou qualquer tipo de pressão para a obtenção da prova. Além disso, ninguém que se recusar a produzir prova contra si mesmo pode ser prejudicado criminalmente (SANTOS, 2009).

Embora a garantia da não autoincriminação (QUEIJO, 2012, p. 49) não esteja prevista expressamente no ordenamento jurídico brasileiro, percebe-se sua grande importância para a proteção dos direitos humanos no sentido de efetivar os direitos fundamentais constitucionais da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa, todos eles indissociáveis do nemo tenetur se detegere.

Visando a uma melhor compreensão do princípio, será produzida no tópico seguinte uma breve análise histórica da garantia da não autoincriminação.

2.3. Breve evolução histórica da garantia da não autoincriminação.

A máxima latina nemo tenetur se detegere, literalmente, significa que ninguém é obrigado a se descobrir (QUEIJO, 2012, p.28).

No direito dos países de tradição anglo-americana, os quais possuem, em regra, o sistema legal da commom law (do inglês “direito comum”), o princípio é conhecido pela expressão privilege against self-incrimination (privilégio contra a autoincriminação) (QUEIJO, 2012, p. 28).

Alguns estudiosos consideram tarefa impossível identificar as raízes do princípio, afirmando que ela se enquadraria como uma regra geral de direito (QUEIJO, 2012, p. 27-28).

Maria Elizabeth Queijo (QUEIJO, 2012, p. 29-31) descreve, por meio de comparação, o manejo efetivamente realizado e o grau de importância da admissão da confissão do acusado nos vários estágios da história humana, bem como os procedimentos usados nos interrogatórios como forma de identificar tal princípio.

Na antiguidade, menciona a autora o Código de Hamurabi, as Leis de Manu, o Antigo Egito e o Direito Hebreu, nos quais sequer era possível a aplicação da garantia da não autoincriminação, pois, quando não se fazia uso da tortura, havia obrigação de dizer a verdade. O Direito Hebreu, por sua vez, considerava a confissão como aberração ou estado de loucura.

Nas civilizações clássicas, Grécia e Roma, também se aplicava a tortura no interrogatório para a obtenção da confissão. Por causa disso, os autores negam que o princípio nemo tenetur se detegere tenha surgido no clássico direito romano (QUEIJO, 2012, p. 30).

Da mesma forma, na Idade Média, a confissão era tida como prova máxima e utilizada como meio de prova, obtida, em regra, por meio de tortura, a fim de confirmar uma condenação já decidida previamente pelas autoridades, sendo impensável sequer o direito ao silêncio, ou direito algum (QUEIJO, 2012, p. 30-31).

Somente no final da Idade Moderna e início da Contemporânea é que o princípio, associado ao ato do interrogatório, paulatinamente foi se firmando, especialmente com as ideias iluministas e a Revolução Francesa (VALE, 2014), por ocasião da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a qual previa em seu art. 9º o seguinte:

Art. 9º. Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado e, se julgar indispensável prendê-lo, todo o rigor desnecessário à guarda da sua pessoa deverá ser severamente reprimido pela lei. (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 1978).

No entanto, costuma-se afirmar que a origem da garantia da não autoincriminação encontra-se no direito anglo-americano, tendo sua fonte de influência no privilege against self-incrimination (POLASTRI, 2018, p.84).

O nemo tenetur se detegere se firmou no direito anglo-americano por meio de outro princípio semelhante e anterior, o nemo tenetur prodere se ipsum (ninguém é obrigado a se acusar) no final da Idade Média e Renascença (QUEIJO, 2012, p.36).

R. H. Helmholz (apud LANGBEIN, 1994), professor de Direito da Universidade de Chicago e especialista em história medieval (UNIVERSITY OF CHICAGO, 2019),   ensina que o sistema anglo-americano enfrentou a questão de forma diferente da lei medieval da igreja romana. Traçou-se um limite, especialmente na Inglaterra, entre o poder cristão e o poder secular na medida em que o crente tinha o dever de confessar o pecado à igreja sem ser obrigado a confessar suas ofensas a juízes e acusadores seculares, ou ius commune, muito embora houvesse várias exceções à aplicação do privilege against self-incrimination no âmbito do ius commune (QUEIJO, 2012, p. 38).

Afirma o mencionado professor que a origem do privilege against self-incrimination no final de século XVIII foi, em grande medida, resultado do trabalho de advogados de defesa (apud QUEIJO, 2012, p. 39). O processo penal enfrentou, a partir de então, mudanças significativas com a constituição de defensores, a possibilidade de se considerar a insuficiência das provas, a garantia da presunção de inocência, etc.

Com isso, tornou-se possível ao acusado a opção de manter-se silente, mas para tanto foi fundamental o desenvolvimento da defesa técnica, que se processou, sobretudo, a partir de 1730 (QUEIJO, 2012, p. 42).

Já nos Estados Unidos da América, o nemo tenetur prodere se ipsum buscava vedar a tortura nos interrogatórios. Não havia inicialmente a ideia de que o acusado tinha o direito à não autoincriminação, porém, se houvesse grave suspeita sobre uma pessoa, o juiz a inquiria, incentivando-a a dizer a verdade. Se a suspeita fosse branda, o juiz não deveria pressionar o acusado para responder (QUEIJO, 2012, p. 43).

A Declaração de Direitos do Estado da Virgínia de 1776 previa a garantia de não ser obrigado a produzir prova contra si mesmo, porém, na prática, as transformações foram lentas e outros Estados não previam tal garantia. Após, esta previsão foi incorporada à Constituição dos Estados Unidos da América de 1787, à 5ª (quinta) emenda, a qual prevê que ninguém será obrigado, em qualquer processo criminal, a testemunhar contra si mesmo (VALE, 2014).

No país, assim como na Inglaterra, os advogados também tiveram papel fundamental para a implementação do privilege against self-incrimination (QUEIJO, 2012, p. 45).

A despeito da evolução do princípio no sistema anglo-americano, as ideias iluministas exerceram uma influência universal no que tange ao reconhecimento dos direitos humanos, das garantias criminais, e do próprio princípio nemo tenetur se detegere, o qual se afigura como uma garantia ao acusado no seu interrogatório, não sendo mais o indivíduo visto e considerado simples objeto da prova, mas sim sujeito de direitos. Além disso, o pensamento iluminista combateu a prática da tortura, vista como imoral, bem como considerava as declarações autoincrimativas como antinaturais (QUEIJO, 2012, p.32).

Esta influência se revela na evolução das garantias e direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos das nações que, nos séculos vindouros, assumiriam o compromisso de proteger os direitos humanos, transformando-se de Estados opressores em Estado Democráticos de Direito, submissos à lei.

2.3.1. A garantia da não autoincriminação nos tratados internacionais de direitos humanos.

Segundo Ionilton Pereira (VALE, 2014), a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 é considerada a norma consagradora dos direitos humanos fundamentais. Dentre eles, o princípio da presunção da inocência se destaca por embasar o direito ao silêncio e o direito de não produzir provas contra si mesmo, constituindo-se verdadeira imunidade natural do ser humano, o qual tem a garantia e o direito de não se autoincriminar (NUCCI, 2012, p. 271).

Conforme mencionado anteriormente, a Declaração de 1789, de influência universal (VALE, 2014), consagrou, no seu art. 9º, os princípios supramencionados, garantindo aos acusados a presunção da inocência e o respeito à sua integridade física e moral, buscando eliminar, dessa forma, todas as formas de abuso e excessos por parte do Estado. O próprio texto do artigo preceitua que todo o “rigor desnecessário” à manutenção da prisão do indivíduo deve ser reprimido pela lei.

A Declaração Francesa, de inspiração iluminista (VALE, 2014) foi incorporada, posteriormente, ao Art. XI, item 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, por sua vez, estabeleceu proteção universal aos direitos humanos (VALE, 2014). No seu artigo XI, item 1, ela preceitua o seguinte:

Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Ressalte-se que, embora tenha garantido o direito à presunção de inocência e se referido à não utilização da tortura, a Declaração Universal dos Direitos Humanos não mencionou expressamente a garantia da não autoincriminação (QUEIJO, 2012, p. 80).       

O princípio nemo tenetur se detegere foi expressamente previsto no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1966 (QUEIJO, 2012, p. 79), o qual, no seu artigo 14, n.3, g, verbis:3, prevê o seguinte:

3. Toda pessoa acusada de um delito terá direito, em plena igualmente, a, pelo menos, às seguintes garantias:

...

g) De não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.

Também foi reconhecido expressamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, aprovada na Conferência de São José da Costa Rica em 1969. O direito à não autoincriminação foi adotado no seu artigo 8º, parágrafo 2º, item g, como garantia fundamental a ser obedecida no tratamento de qualquer acusado por crime (QUEIJO, 2012, p. 50), conforme segue transcrito abaixo:

PARTE I - DEVERES DOS ESTADOS E DIREITOS PROTEGIDOS

...

Artigo 8º - Garantias judiciais

...

2. Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa. Durante o processo, toda pessoa tem direito, em plena igualdade, às seguintes garantias mínimas:

...

g) direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada;

...

3. A confissão do acusado só é válida se feita sem coação de nenhuma natureza.

Em 1998, o Estatuto de Roma, tratado internacional que criou o Tribunal Penal Internacional com o fim de punir os crimes que afetam a comunidade internacional na sua paz, segurança e bem-estar, também previu expressamente a garantia da não autoincriminação (JANUÁRIO, 2008). Tal disposição consta do seu art. 55, item 1, a (VALE, 2014).

Direitos das Pessoas no decurso do inquérito

1. No decurso do inquérito aberto nos termos do presente Estatuto:

a) Nenhuma pessoa poderá ser obrigada a depor contra si própria ou a declarar-se culpada;

[...]

2. Sempre que existam motivos para crer que uma pessoa cometeu um crime da competência do Tribunal e que deve ser interrogada pelo Procurador ou pelas autoridades nacionais, em virtude de um pedido feito em conformidade com o disposto na Parte IX do presente Estatuto, essa pessoa será informada, antes do interrogatório, de que goza ainda dos seguintes direitos:

[...]

b) A guardar silêncio, sem que tal seja tido em consideração para efeitos de determinação da sua culpa ou inocência;

O Estatuto de Roma foi aprovado pelo Estado brasileiro por meio do Decreto 4.388, em 2002.

É interessante notar que o Tribunal Penal Internacional tem competência para julgar crimes graves, com repercussão internacional. Para fins elucidativos, cabe transcrever as seguintes disposições do referido tratado:

Capítulo II

Competência, Admissibilidade e Direito Aplicável

Artigo 5o

Crimes da Competência do Tribunal

1. A competência do Tribunal restringir-se-á aos crimes mais graves, que afetam a comunidade internacional no seu conjunto. Nos termos do presente Estatuto, o Tribunal terá competência para julgar os seguintes crimes:

a) O crime de genocídio;

b) Crimes contra a humanidade;

c) Crimes de guerra;

d) O crime de agressão.

No entanto, percebe-se que, no mencionado Estatuto, os direitos fundamentais dos acusados, apesar da gravidade dos crimes ali previstos, foram devidamente preservados, conforme podemos confirmar por meio da leitura do seu artigo 67, o qual prevê os direitos do acusado, e do seu artigo 55, cuja transcrição parcial se deu acima no que diz respeito à garantia da não autoincriminação (BRASIL, 2002).

Por fim, é necessário mencionar que o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre Direitos Humanos foram ratificados pelo Brasil no ano de 1992, passando ambos a terem validade no ordenamento interno a partir dos Decretos nº. 592 e nº. 678, respectivamente (QUEIJO, 2012, p. 80).          

Podemos concluir, portanto, que se configuram direitos universais aqueles concretizados nos tratados internacionais de direitos humanos, os quais gradativamente foram reafirmados nas Constituições modernas dos Estados sociais e democrático-liberais, a exemplo da Carta Magna de 1988.

A garantia da não autoincriminação constitui-se, assim, em direito fundamental de primeira geração, de oposição dos indivíduos ao poder e arbítrio estatal, e por isso também são chamados de direitos negativos (VALE, 2014).

2.3.2. A garantia da não autoincriminação na ordem jurídica brasileira.

Influenciado pelo direito anglo-americano (POLASTRI, 2018, p. 82), a Constituição da República de 1988 consagrou o direito ao silêncio, conforme preceitua o seu art. 5º, inciso LXIII:

O preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado...

Além disso, a Carta Magna estabeleceu no seu texto as garantias fundamentais da presunção de inocência, da ampla defesa e do devido processo legal, os quais se relacionam de forma interdependente com a garantia da não autoincriminação. Prevê o texto constitucional o seguinte, no seu art. 5º, incisos LIV, LV e LVII, os quais seguem transcritos:

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

[...]

LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

Apesar de não prevista expressamente, a garantia fundamental da não autoincriminação (QUEIJO, 2012, p. 49) é de suma importância para as garantias da presunção da inocência, do devido processo legal e da ampla defesa.

No ordenamento jurídico brasileiro, as seguintes disposições legais preveem o direito à não autoincriminação, dentre elas o art. 186 do Código de Processo Penal, o qual dispõe o seguinte:

Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.

Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

Por sua vez, o Código de Processo Penal Militar de 1969 prevê o direito ao silêncio do acusado. No entanto, contém dispositivos incompatíveis com a Constituição da República, por não acolher em seu texto, de forma ampla, a garantia da não autoincriminação. Preceituam alguns de seus dispositivos o seguinte: 

Observações ao acusado

Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa.

...

Silêncio do acusado

Art. 308. O silêncio do acusado não importará confissão, mas poderá constituir elemento para a formação do convencimento do juiz.

De nítida inspiração autoritária e anterior à Carta Magna de 1988, o Código de Processo Penal Militar sofreu pouquíssimas alterações no decorrer dos anos e não acompanhou os avanços da nova ordem estabelecida pela Constituição da República, nem a evolução legislativa e jurisprudencial dela decorrente, tendo se tornado inexistente a possibilidade de o juiz interpretar o silêncio do acusado desfavoravelmente a ele. (MACEDO, 2014).

Segundo Polastri, doutrina e jurisprudência têm entendido que a qualquer pessoa passível de acusação criminal, ainda que na situação de mero investigado ou até mesmo simples testemunha ou informante, é assegurado o direito ao silêncio (POLASTRI, 2018, p. 82).

No entanto, o direito constitucional ao silêncio é parte integrante do direito à não autoacusação, sendo que dele decorrem outros direitos, tais como a não obrigatoriedade de colaborar com as investigações ou a instrução penal, o direito de não depor contra si mesmo, de não confessar, e até o direito de não dizer a verdade. (GOMES, 2010). Afigura-se, assim, um limite ao princípio da liberdade das provas.

Para Leonardo Isaac Yarochewsky (YAROCHEWSKY, 2018), o direito ao silêncio e a garantia da não autoincriminação são entendidas como bem mais extensos do que a forma literal induz a pensar.

Seguindo tal entendimento, Paulo Queiroz (QUEIROZ, 2017) ensina que o nemo tenetur se detegere abrange várias garantias, dentre elas:

Quanto às atuais implicações penais e processuais penais, há um certo consenso no sentido de que o princípio compreende: 1)o direito ao silêncio, preso ou solto o investigado (CF, art. 5°, LXIII; CPP, art. 186, parágrafo único2), podendo, inclusive, responder a certas perguntas e não responder a outras, silêncio que não pode ser interpretado em seu desfavor, nem implica confissão; 2)a necessidade de ser previamente informado dessa garantia; 3)privilégio de não prestar juramento ou compromisso de dizer a verdade; 4)o direito de se recusar a entregar documentos e de praticar qualquer comportamento ativo que o incrimine (fornecer material grafotécnico etc.); 5)a recusa de participar de reconhecimento, acareação ou reprodução simulada dos fatos; 6)o direito de ser dispensado do interrogatório (CPP, art. 457, §2°, final); 7)a vedação de perguntas capciosas ou em tom de ameaça que induzam o indivíduo à confissão ou delação; 8)o direito de não se submeter ao teste de alcoolemia (exame do bafômetro) nos delitos de trânsito; 9)a possibilidade de invocação do princípio perante qualquer juízo ou autoridade pública, cível ou criminal, policial ou parlamentar; 10)a não caracterização dos delitos de falso testemunho, desobediência ou desacato, quando no exercício estrito do privilégio; 11)a disponibilidade da garantia pelo colaborador na forma do art. 4°, §14, da Lei n° 12.850/20133; 12)a ilegalidade de toda prisão fundada na recusa de colaborar com a investigação; 13)apesar do direito ao silêncio, o investigado ou acusado tem o dever de se identificar pelos meios legais, revelando nome e apelidos etc; 14)a legalidade das provas não invasivas, isto é, que não ofendam a integridade física do suspeito ou que não dependam de ação do indivíduo, com ou sem sua anuência, a exemplo de inspeções ou verificações corporais e coleta de material orgânico por ele descartado (v.g., sêmen contido em camisa de vênus, saliva em copos, cigarros etc.)..(QUEIROZ, 2017)

Acrescido das previsões da Convenção de São José da Costa Rica e do Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, num primeiro momento se poderia defender uma interpretação restritiva ao nemo tenetur se detegere, por se entender que ele seria dirigido somente a atos de comunicação, tais como declarações ou confissões. Porém, o meio probatório não importa, se oral ou documental, material ou corporal ou simplesmente questão de procedimento (GOMES, 2010).

Para reforçar a necessidade de interpretação extensiva do direito fundamental à não autoincriminação, Luiz Flávio Gomes (GOMES, 2010), diante do princípio da máxima efetividade dos direitos fundamentais, ensina que, onde há a mesma razão, deve vigorar o mesmo direito. Logo, sendo a razão do direito ao silêncio o direito a não se autoincriminar, deve-se aplicá-lo em outras situações, privilegiando-se, assim, um raciocínio lógico e dedutivo.

A doutrina aponta que o Brasil, por ser signatário de tratados internacionais sobre direitos humanos, as normas neles previstas foram incorporadas como direitos fundamentais por força do art. 5º, § 2º da Constituição da República (POLASTRI, 2018, p. 86), o qual dispõe o seguinte:

Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

Incluído pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, o parágrafo 3º do art. 5º da Carta Magna trouxe a seguinte disposição:      

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.

A doutrina ainda diverge com relação à discussão acerca do status ou da hierarquia dos tratados de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro.

Há aqueles que defendem o status de norma constitucional dos pactos internacionais de direitos humanos, baseados no disposto nos parágrafos 1º e 2º da Carta Magna. Outros argumentam haver equivalência com as leis ordinárias, para quem não haveria amparo legal para sustentar a sua natureza constitucional, devendo-se respeitar a rigidez da Constituição, a qual teria limites materiais e formais para ser emendada (BARBOSA, 2016).

A Emenda Constitucional nº. 45/2004 não pôs fim à discussão (BARBOSA, 2016), sendo interessante a posição de Gilmar Ferreira Mendes, o qual sustenta que os Tratados de Direitos Humanos anteriores e posteriores à Emenda Constitucional nº. 45/2004 que não forem aprovados em dois turnos em cada Casa Legislativa, por três quintos de votos de seus respectivos membros, devem ser consideradas normas supralegais pelo fato de seu conteúdo ter compatibilidade material com os direitos e garantias fundamentais expressos na Constituição da República. Por outro lado, os tratados assim aprovados, deverão ter hierarquia de norma constitucional (TAVARES, 2012).

De qualquer forma, Murilo Evangelista Barbosa resume bem a importância atribuída aos tratados de direitos humanos na esfera jurídica brasileira, conforme trecho transcrito abaixo:

Diante da pesquisa realizada, uma conclusão é plenamente acertada: quer tenha a hierarquia de lei ordinária, quer tenha paridade com as normas constitucionais, ou ainda, quer tenha status supralegal, porém infraconstitucional, as normas internacionais que tratam de direitos humanos, ingressam no ordenamento jurídico pátrio nacional, inserindo, complementando ou especificando os direitos previstos na Constituição Federal. (BARBOSA, 2016).

A garantia da não autoincriminação poderia ser extraída, ainda, do direito à ampla defesa, da presunção de inocência, do devido processo legal, bem como do valor-guia da dignidade da pessoa humana, previsto no inciso III do art. 1º da Constituição da República (POLASTRI, 2018, p. 86).

Eregidos os principais fundamentos do nemo tenetur se detegere, à luz deles torna-se importante discorrer, de forma breve, acerca da sua incidência ou não na fase inquisitorial do crime de fuga do local do acidente, o que se fará a seguir.

2.4. O art. 305 da Lei 9.503/97 e sua apuração: verdade real no inquérito policial e o princípio nemo tenetur se detegere.

Analisado o princípio da não autoincriminação, cabe perquirir neste momento, se, na fase investigatória do delito previsto no art. 305 do CTB, o princípio da verdade real prevaleceria face a direitos fundamentais e individuais do investigado, acarretando a sua condenação sem o devido respeito a eles.

Para fins de definição, e considerando a relevância dos interesses presentes no processo penal, o princípio da verdade real ou verdade material estabelece que o magistrado não deve se contentar tão somente com as provas trazidas pelas partes ao processo, devendo, ademais, buscar a verdade real dos fatos, esgotando todos os meios necessários para alcançá-la e fundamentar a sentença. (GUEDES, 2012).

Segundo Pacelli (PACELLI, 2017, p. 177), a gravidade dos fatos criminais justifica se permitir uma busca mais extensa e intensa da verdade, contrariamente ao que ocorreria no processo civil. Para o autor, é necessário esclarecer, no entanto, que toda verdade judicial é sempre uma verdade processual, não somente por ser produzida no curso do processo, mas por se tratar de uma certeza jurídica, pois a verdade revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Na realidade jurídica brasileira, no entanto, quando se trata de investigação e instrução criminal, o princípio da verdade real insere-se como um dos principais óbices ao reconhecimento do direito de não produzir prova contra si mesmo (GUEDES, 2012).

Justifica-se tal princípio, mesmo com a instauração de uma nova ordem constitucional, na necessidade de manutenção da ordem pública e diante do aumento da criminalidade, mitigando-se, assim, a garantia da não autoincriminação. Deste modo, privilegiam-se os interesses do Estado e da sociedade na persecução penal principalmente no âmbito das provas que necessitam da efetiva colaboração do acusado para a sua produção (GUEDES, 2012).

Nesta perspectiva, considerando que o principal critério para a definição do sistema como acusatório ou inquisitório seria a gestão da prova, Eugênio Pacelli ensina que o processo penal deve assegurar às partes igualdade de condições (PACELLI, 2017,p. 133) na análise da prova pelo juiz, de forma democrática e submissa aos princípios e garantias individuais constitucionais. Caso contrário, visualizaríamos a atuação de um sistema inquisitório não apenas na fase investigatória mas também na fase instrutória.

Isso posto, questiona-se se, no caso do art. 305 do CTB, haveria inquisitoriedade no tratamento do acusado desde o início, obrigando-o a permanecer no local do acidente em desrepeito, por parte do próprio Estado, ao seu direito de ampla defesa e de não produzir provas contra si mesmo, e, posteriormente, sendo validada pelo Estado-Juiz ao condená-lo.

A busca da verdade real, tida como principal meta do processo penal, pode resultar em arbitrariedades, conforme ensina Ferrajoli (apud Queijo, 2012, p. 64), justificando a violação de direitos, pois, prevalecendo sobre todos os outros valores envolvidos numa acusação contra uma pessoa, colidiriam, de um lado, o interesse público na persecução penal, e, de outro, a garantia individual da não autoincriminação (QUEIJO, 2012, p. 165).

Maria Elizabeth Queijo ensina, em consonância com a evolução histórica dos direitos fundamentais e o fortalecimento do Estado democrático de direito, que o princípio da verdade real deve se submeter e promover as garantias constitucionais. Ensina o seguinte:

“...há forte tendência, que remonta aos tempos historicamente, a se obter a “verdade” com a cooperação do acusado, por suas palavras ou mediante a produção de provas que implicam a sua colaboração. Tal entendimento funda-se não só na busca da verdade real, mas também constitui resquício da concepção de que o acusado é objeto da prova no processo penal. [...] Por isso é de extrema importância reafirmar o entendimento de que, no processo penal, tanto quanto no processo civil, a verdade apurada é processual. Trata-se de verdade aproximativa, na medida em que a verdade, coincidente com a realidade, é hipotética. Não se pode, no Estado de Direito, admitir que a verdade processual seja alcançada mediante violações de direitos e de garantias do acusado. Deve ela ser apurada de forma legal e ética. O valor “verdade”, no processo, não se sobrepõe aos outros valores que estão envolvidos nem à função social do processo, que é a pacificação social. [...] Desse modo, a priori, nenhuma incompatibilidade há entre o reconhecimento do princípio nemo tenetur se detegere e a busca da verdade no processo penal. Aliás, contrariamente, a ideia de apuração da verdade processual, dentro dos parâmetros da legalidade e da ética, em tudo se concilia com o princípio nemo tenetur se detegere, que representa, sobretudo, o respeito à dignidade humana no processo penal” (QUEIJO, 2012, p. 66/67).

Apesar de a doutrina comumente afirmar, falaciosamente, que não se produz prova no inquérito policial, na realidade, a quase totalidade dos elementos probatórios trazidos às ações penais são identificados ou produzidos no curso da investigação criminal, durante a fase do inquérito policial. A atuação policial, em regra, destina-se a colecionar, a compilar provas e indícios de autoria e de materialidade de infrações penais (ANSELMO, 2015), servindo à finalidade de persecução penal e punição dos infratores por parte do Estado.

Assim sendo, considerando a operacionalização, pelo juiz criminal, da busca da verdade material desde a fase do inquérito policial, bem como o aparente empecilho consistente na garantia da não autoincriminação corroborado pelo extenso rol de direitos fundamentais constitucionais que visam à proteção das liberdades individuais frente ao poder estatal, o presente tópico tem o objetivo de perquirir se o delito previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro inserir-se-ia como exemplo de afronta ao nemo tenetur se detegere

O delito, que prevê pena privativa de liberdade para o condutor do veículo que foge do local do acidente com intuito de eximir-se de responsabilidade penal ou civil, será apurado, inicialmente, por meio da atuação policial, do registro da ocorrência e da instauração de inquérito policial ou de termo circunstanciado de ocorrência (por se tratar de crime de menor potencial ofensivo).

Por outro lado, conforme elucidado nos tópicos anteriores, sendo o objeto jurídico do delito a própria administração da justiça, visando, portanto, a possibilitar e a facilitar a apuração e identificação dos responsáveis pelo fato por meio da obrigação dirigida ao condutor de permanecer no local do acidente para sua identificação, adviria daí maior facilidade para o Estado policial apurar o fato com vistas à condenação dos culpados.  

Ao comentar sobre o inquérito policial e o respeito aos direitos fundamentais, Eliomar da Silva Pereira (apud ANSELMO, 2015), destaca ainda que, nele (procedimento penal de investigação), “embora não existam partes e contraditório”, existe um sujeito de direito, e não um mero objeto de investigação, com interesses legítimos de defender-se, talvez não tão amplamente, mas proporcionalmente à esfera de proteção das garantias fundamentais do investigado.

Segundo Márcio Adriano Anselmo, a importância de que se reveste o inquérito policial é tamanha que, dos atos nele produzidos, somente a oitiva de testemunhas e possível acareação são medidas que devem ser repetidas em juízo, enquanto as provas documentais e periciais nele realizadas são utilizados como prova na ação penal (ANSELMO, 2015). Continua o autor, afirmando o seguinte:

[...] é perceptível por mera observação empírica, a qualquer operador na seara do Direito Penal, que o inquérito policial é o mais importante instrumento de colheita de provas de infrações penais.

Observadas as implicações do delito previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro com relação à intenção do legislador na sua criação, bem como aos reflexos do princípio da verdade real na sua apuração, conflitando com garantias constitucionais, analisaremos importante decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da constitucionalidade do mencionado tipo penal, bem como as divergências jurisprudenciais e doutrinárias acerca do tema nos tópicos seguintes.

2.5. A Jurisprudência nacional acerca da constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.

Exporemos neste tópico os entendimentos da jurisprudência pátria acerca da constitucionalidade ou não do delito de fuga do local do acidente, mencionando os seus fundamentos e explicando a evolução dos posicionamentos dos tribunais no decorrer do tempo.

Inicialmente, revelar-se-á no tópico seguinte o conteúdo da decisão de mérito proferida pelo Supremo Tribunal Federal sobre a questão.

Após, verificaremos qual foi o tratamento dado ao tema pelos tribunais inferiores, anteriormente à decisão do STF, sobre a constitucionalidade ou não do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.

2.5.1. Supremo Tribunal Federal.

Em que pese a garantia da não autoincriminação ter-se consolidado como direito fundamental no nosso sistema jurídico criminal constitucional, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) nº. 971959, considerou constitucional o delito de fuga do local do acidente previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Na decisão trazida à apreciação do Supremo pelo mencionado RE, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ-RS) absolvera o acusado, um taxista que fugira do local do acidente no qual havia colidido com outro veículo no ano de 2010, no município de Flores da Cunha/RS (D’AGOSTINHO; OLIVEIRA; RAMALHO, 2018).

Condenado a 08 (oito) meses de detenção na primeira instância, a pena foi substituída por restritiva de direitos. Na apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu o acusado por considerar que o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro seria inconstitucional, uma vez que a exigência da sua presença no local do acidente violaria a garantia da não autoincriminação, não se podendo obrigá-lo a produzir provas contra si mesmo (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Inconformado, o Ministério Público do Rio Grande do Sul interpôs Recurso Extraordinário no Supremo Tribunal Federal.

O Supremo, então, por 7 votos a 4, declarou a constitucionalidade do artigo 305, e considerou a conduta nele descrita como típica, ilícita e culpável, não ofensiva ao princípio da não autoincriminação uma vez que o direito ao silêncio estaria garantido (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Segue transcrita a decisão de mérito do Tribunal Pleno do STF referente à questão:

Decisão Tribunal Pleno – 14/11/2018. Julgado mérito de tema com repercussão geral.

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 907 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário, nos termos do voto do Relator, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli (Presidente). Em seguida, por maioria, fixou-se a seguinte tese: “A regra que prevê o crime do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) é constitucional, posto não infirmar o princípio da não incriminação, garantido o direito ao silêncio e ressalvadas as hipóteses de exclusão da tipicidade e da antijuridicidade”, vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello, que votaram contrariamente à tese. Não participou, justificadamente, da votação da tese, o Ministro Roberto Barroso. Ausente, justificadamente, a Ministra Rosa Weber. Plenário, Sessão Ordinária, 14.11.2018.

Como visto, a maioria do Ministros manifestaram concordância com o posicionamento do Ministério Público, dando provimento, assim, à sua pretensão.

Neste ponto do trabalho, entende-se necessário expor, de forma breve, as bases de fundamentação dos Ministros do STF, bem como os entendimentos do Ministério Público e da Defesa, a fim de enriquecer o debate do ponto de vista constitucional.  

Para tanto, aproveitando a disponibilidade da íntegra do julgamento no site de vídeos Youtube (STF, 2018, online), foi possível não só conhecer as teses, mas também concluir que o tema se reveste de enorme importância constitucional, tendo ele despertado muitas dúvidas nos eminentes julgadores (STF, 2018, online).

Inicialmente, o Ministério Público do Rio Grande do Sul salientou que o princípio da não autoincriminação não seria absoluto, mas limitar-se-ia apenas a contribuições ou manifestações ativas do suspeito ou acusado, não isentando o condutor de permanecer no local do acidente uma vez que o direito ao silêncio estaria salvaguardado. Mencionou, ainda, a Convenção de Viena, a qual prevê a obrigação do condutor de permanecer no local do acidente (STF, 2018, online).

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Gianpaollo Poggio Smanio, na posição de amicus curiae, destacou as milhares de mortes ocorridas no trânsito brasileiro, agravada pelos enormes prejuízos financeiros, como justificativa para que o CTB seja um instrumento para a redução destes números, citando, oportunamente, que, na data do julgamento, estaria havendo, em nível mundial, a promoção da Década de Ação de Segurança no Trânsito pela ONU (STF, 2018, online).

Para o Procurador, o art. 305 do CTB, por ser um delito de menor potencial ofensivo, é um tipo penal pertinente no ordenamento, uma vez que respeita o princípio da proporcionalidade, além de estimular a solidariedade e a colaboração (STF, 2018, online).

O indivíduo não estaria obrigado a depor em seu desfavor, nem a participar de reconstituição dos fatos ou exames obrigatórios, sendo-lhe garantido o direito ao silêncio. Defendeu o Procurador-Geral de Justiça que, no nosso ordenamento, não existem direitos fundamentais absolutos, portanto, deve haver a obrigação, por parte do condutor, de permanecer no local do acidente (STF, 2018, online).

A Procuradora-Geral da República (PGR) à época, Raquel Dodge, compartilhou do mesmo entendimento, afirmando que o CTB, juntamente com a Lei Seca, visaram à diminuição do número de acidentes, acompanhando o aumento da frota de veículos no país. Citou dados do Ministério da Saúde, que constataram a diminuição de mortes em 14% (quatorze por cento), de 2014 para 2016, bem como que o Brasil figura em quinto lugar no mundo em mortes no trânsito, acarretando prejuízos da monta de 52 (cinquenta e dois) bilhões de reais anuais para o contribuinte.

A PGR pontuou que o condutor tem responsabilidade e dever de socorrer pessoas, servindo o art. 305 do CTB como instrumento para criar uma cultura de solidariedade, com cunho preventivo, não se exigindo, por outro lado, que ele fabrique provas contra si mesmo (STF, 2018, online).

No lado oposto, na condição de amicus curiae, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, levantou dúvidas acerca dos parâmetros e limites para que o Direito Penal fosse utilizado para tratar do assunto. Seria proporcional a escolha do legislador pela esfera criminal para tutelar a conduta do art. 305, quando, na realidade, o que se espera proteger, aqui, é a administração da justiça? Não há direito ao silêncio para o condutor, que será obrigado a permanecer no local do acidente, devendo se identificar e deixando o seu veículo no local dos fatos servindo de prova para fins de apuração de responsabilidade. Há, para a Defensoria, flagrante desrespeito à não autoincriminação (STF, 2018, online).      

O Ministro Relator Luiz Fux sustentou que a exigência da permanência do condutor no local do acidente e sua consequente identificação não o obrigam a assumir a responsabilidade pelo fato, podendo até mesmo aproveitar a situação como meio de defesa. Defendeu que a responsabilização penal do agente que incide na conduta do art. 305 do CTB teria amparo na Carta Magna, a qual prevê, como um de seus objetivos, a construção de uma sociedade justa e solidária (STF, 2018, online).

Alexandre de Moraes, por sua vez, mencionou que o respeito à garantia do direito ao silêncio não justificaria a não participação do indivíduo no devido processo legal. Citou, ainda, dados numéricos de estatística de acidentes automobilísticos no país, apontando o número de 47 mil mortes no ano de 2017, o que justificaria a declaração da constitucionalidade do delito em questão (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018). O objetivo do art. 305 não seria o de incriminar o indivíduo apenas, mas estaria inserido num conjunto de medidas para identificar os envolvidos e afastar a dificuldade de apurar o que ocorreu visando a evitar que ocorra novamente, servindo os dados coletados para orientar e melhorar a eficiência das políticas públicas de tráfego, prevenindo mortes (STF, 2018, online).

No mesmo sentido, Luiz Edson Fachin posicionou-se contra a impunidade, a morosidade da Justiça e a dificuldade de responsabilização. Citou, ainda, a Convenção de Viena sobre Trânsito Viário, internalizada no Brasil em 1981, a qual prevê que o condutor ou qualquer outro usuário da via implicado em acidente de trânsito deverá, se houver mortos ou feridos, advertir a polícia e permanecer ou voltar ao local até a chegada da autoridade. Para o Ministro, o bem jurídico a ser tutelado seria a administração da justiça e o art. 305 do CTB não ofenderia o nemo tenetur de detegere, considerando que, no caso, este se limitaria ao direito ao silêncio (direito de permanecer calado) (STF, 2018, online).

Corroborando a constitucionalidade, Luís Roberto Barroso sustentou que, num acidente, não haveria uma intervenção penal imediata sobre o indivíduo obrigado a permanecer no local do acidente, ficando-lhe garantido o direito ao silêncio, não estando obrigado a descrever o fato, nem prestar declarações. O tipo penal do art. 305 teria validade uma vez que incentivaria a prática solidária de socorrer alguém, devendo este ato ser considerado atenuante numa demonstração de culpabilidade num fato de trânsito. Asseverou que o Estado não deve transmitir a mensagem de que está liberada a fuga do local do acidente, deixando para trás vítimas ou danos materiais, estimulando, assim, um comportamento de falta de responsabilidade e solidariedade (STF, 2018, online).

Rosa Weber entendeu que o legislador, ao criar o art. 305 do CTB, expressou sua preocupação com a administração da justiça e a segurança no trânsito, buscando proteger a integridade da vítima, a incolumidade pública e o bem-estar dos usuários das vias públicas, não ferindo, por isso, os princípios da ampla defesa e da não autoincriminação. Pontuou não haver direitos absolutos, e destacou que a permanência do condutor no local do acidente permitiria sua identificação, tornando a responsabilização penal e civil mais fáceis. Afirmou, ainda, que, em casos de acidentes com vítimas, é um importante fator de solidariedade que, indiretamente, visa a proteger a vida e a integridade física da vítima (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Endossando a legalidade do delito de fuga do local do acidente, Cármen Lúcia não visualizou excesso na previsão legal do tipo penal, justificando-se a criminalização da conduta num quadro no qual as medidas administrativas não foram suficientes para impedir números exorbitantes de mortes por acidentes de trânsito no ano de 2017 (47 mil mortes), os quais são comparáveis aos de algumas guerras. Não haveria para a Ministra afronta ao princípio da proporcionalidade ou excesso na atuação do legislador, sendo o tipo penal constitucional, uma vez que, transcrevendo suas palavras “o direito é feito considerando a realidade para a qual se produz” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Para Ricardo Lewandowski, o reconhecimento do art. 305 do CTB como constitucional não significaria autoincriminação, podendo até mesmo ser considerado como oportunidade para o condutor exercer a autodefesa e esclarecer as circunstâncias do acidente. Os eventuais riscos que o motorista possa sofrer, e que exijam o abandono do local do acidente, podem ser considerados excludentes de ilicitude, tais como a legítima defesa ou o estado de necessidade (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Lewandowski, embora tenha decidido pela constitucionalidade, levantou a possibilidade de existência de bis in idem quando o indivíduo, além de fugir, não preste socorro a feridos. Suscitou, ainda, hipótese paralela, na qual alguém poderia alegar que, como houve um grande aumento nos casos de sonegação fiscal, justificar-se-ia criminalizar a conduta, por exemplo, do comerciante que foge de fiscais para não apresentar livros fiscais. Qual seria o limite do direito penal? Destacou  acerca da importância do tema e alertou os demais julgadores a considerarem, em seus votos, a relevante quantidade de Tribunais de Justiça que reconheceram o tipo penal como inconstitucional. (STF, 2018, online).

O primeiro a divergir do provimento do recurso, Ministro Gilmar Mendes, ressaltou que a garantia da não autoincriminação é mais amplo que o direito ao silêncio, tendo como sustentadores outros princípios e garantias tais como o devido processo legal, a presunção de inocência e o princípio da dignidade da pessoa humana (STF, 2018, online).

Afirmou que o Supremo já havia firmado o entendimento de que o direito ao silêncio deveria ter interpretação ampliada, não se podendo restringir a meras declarações verbais, nem se argumentar que, mantendo-se silente, não estaria o indivíduo produzindo prova contra si mesmo (STF, 2018, online).

A exigência dirigida ao condutor de permanecer no local do acidente violaria o nemo tenetur se detegere, e contribuiria, sem dúvidas, para a comprovação de autoria e materialidade, revelando o seu envolvimento com o fato possivelmente criminoso. Desta forma, o fato de o condutor poder permanecer em silêncio no local do acidente não afastaria a ofensa ao nemo tenetur se detegere (STF, 2018, online).

Ademais, considerando a existência de outros meios à disposição do Estado para lidar com a questão, bem como a incongruência no grau de severidade de tratamento quando comparado com delitos mais graves como homicídio ou estupro, nos quais o legislador não criminalizou a conduta do indivíduo que foge do local do crime, revela-se afronta à proporcionalidade pela proibição de excesso (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018). Gilmar Mendes questionou, ainda, se, no caso do art. 305, a reposta penal seria a melhor saída. Por que não uma medida administrativa? (STF, 2018, online)

De acordo com ele, o STF, em outras oportunidades, já havia afirmado a existência de ofensa à garantia da não autoincriminação ao se obrigar o acusado/suspeito, por exemplo, a fornecer padrões grafotécnicos, a participar de reconstituição de crime ou se submeter a exame de alcoolemia (STF, 2018, online).

O Ministro questionou a criminalização da conduta quando ocorre a hipótese de danos de cunho civil (prejuízos materiais), o que seria inconstitucional quando se considera a proibição de prisão por dívidas, tornando possível a atuação de um direito penal máximo, e não mínimo (STF, 2018, online).

Mencionou, ainda, o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº. 395, na qual o STF afirmou haver violação à garantia da não autoincriminação no caso de condução coercitiva do imputado para prestar informações, mesmo que lhe seja possível permanecer silente. Deve-se aplicar, conforme seu entendimento, a mesma lógica para o delito de fuga do local do acidente (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Em voto minoritário, o Ministro Marco Aurélio Mello sustentou que o delito do art. 305 do CTB, ao lançar ao banco dos réus a pessoa que meramente deixa o local do acidente, ofenderia o princípio constitucional da proporcionalidade. A seu ver, o legislador não agiu bem ao prever o tipo penal pelo simples fato de o condutor estar obrigado a permanecer no local do acidente, não havendo, para ele, uma previsão como esta, nem mesmo para aqueles que tenham de fato cometido um crime propriamente dito (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Marco Aurélio defendeu uma interpretação sistemática da Constituição da República, afirmando que a norma em questão não seria razoável, uma vez que já há o art. 304 do CTB para punir a omissão. Mencionou que para o art. 305, pouco importa o motivo porque o condutor se afastou, presumindo-se que o fez para eximir-se de responsabilidade penal ou civil. Neste último caso, haveria prisão por dívida civil. Alertou ainda para o fato de que não houve redução dos acidentes de trânsito em decorrência do art. 305 do CTB (STF, 2018, online).

Também vencido, o Ministro Celso de Mello defendeu que o Supremo Tribunal Federal tem, com fundamento na Constituição da República, afirmado consistentemente os direitos e garantias fundamentais aplicáveis aos indivíduos sujeitos à investigação ou persecução criminal e, para tanto, deve assegurar, de forma jurisdicional, a garantia fundamental da não autoincriminação. Para ele, as acusações penais, em nenhuma hipótese, presumem-se provadas (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Compartilhando o mesmo entendimento do Ministro Gilmar Mendes, Celso de Mello sustentou que a garantia da não autoincriminação não está limitada ao direito ao silêncio. O suspeito, investigado ou acusado dispõe, sem reservas, do direito de não ser obrigado a efetivamente colaborar, ativa ou passivamente, com o Estado, quando estiver em jogo sua possível incriminação. Caso o fosse, haveria ofensa ao princípio do devido processo legal (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Mencionou ainda, o Ministro, a previsão de nulidade absoluta do procedimento investigatório prevista no art. 7º, inciso XXI do Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) - Lei 8.906/94, no qual o advogado tem direito a:

Art. 7º São direitos do advogado:

[...]

XXI - assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente[...]  

Por fim, Dias Toffoli limitou-se a aderir à corrente minoritária, corroborando seus fundamentos, manifestando-se, portanto, pelo não provimento do Recurso Extraordinário (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2018).

Tenciona-se, ao comentar os entendimentos exarados pelos Ministros nos seus votos, ainda que de forma concisa, contribuir com o objetivo deste trabalho de construir uma avaliação crítica acerca do mérito do caso, submetendo-o aos parâmetros dos princípios e garantias constitucionais, em especial o nemo tenetur se detegere

A decisão, portanto, pacificou a questão acerca da duvidosa constitucionalidade do delito, a qual vinha sendo enfrentada pelos tribunais inferiores, os quais apresentavam divergências de entendimento.         

Cabe mencionar que o Supremo Tribunal Federal, anteriormente a 2018, quase chegou a apreciar a constitucionalidade ou não do delito de fuga do local do acidente, porém acabou não enfrentando a questão, tendo somente declarado a extinção da punibilidade pela prescrição, conforme ementa de julgado transcrita a seguir:        

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CRIME PREVISTO NO ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. PRESCRIÇÃO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. PREJUDICIALIDADE. PERDA DO OBJETO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Decisão: Trata-se de recurso extraordinário interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra acordão assim ementado: “APELAÇÃO CRIME. ARTIGO 305 DO CTB. FUGA DE LOCAL DE ACIDENTE. FATO TÍPICO. 1. Controle difuso de constitucionalidade. Reconhecimento autorizado no âmbito da Turma Recursal Criminal, sem afronta à Súmula Vinculante n. 10 do STF. Solução que alcançou recente decisão do órgão especial do TJRS, que declarou a inconstitucionalidade do dispositivo em comento. 2. Como consequência, proclamando-se inexistência de infração penal, impõe-se a reforma da sentença para absolver o réu com base no artigo386, II, do CPP. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA INCIDENTALMENTE. RECURSO PROVIDO.” Não foram opostos embargos de declaração. Nas razões do apelo extremo, sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito, alega violação ao artigo 5º, LXIII, da Constituição Federal. Requer seja provido o recurso, com a reforma do decisum, a fim de reconhecer a constitucionalidade do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro. O Ministério Público opina pelo reconhecimento da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva. É o relatório. DECIDO. O recurso extraordinário está prejudicado. Da leitura dos autos, observo que a sentença condenatória, reformada em sede de apelação, foi prolatada em 22 de junho e 2012, aplicando-se tão somente pena de multa. Destarte, restou consumada a prescrição da pretensão punitiva do Estado, nos termos do artigo 114, I, do Código Penal, que dispõe: “Art. 114 - A prescrição da pena de multa ocorrerá: I - em 2 anos, quando a multa for a única cominada ou aplicada; ” Ex positis, declaro EXTINTA a punibilidade de Joaquim Soares Lopes, e julgo PREJUDICADO o presente recurso extraordinário, com fundamento no artigo 38 da Lei 8.038/1990 e no inciso IX do art. 21 do RISTF. Publique-se. Brasília, 15 de dezembro de 2014. Ministro Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente(RE 832346, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 15/12/2014, publicado em DJe-021 DIVULG 30/01/2015 PUBLIC 02/02/2015).

2.5.2. Entendimentos dos tribunais inferiores.

Para uma melhor compreensão do tema, faz-se necessário ilustrar o quadro anterior à decisão do Supremo Tribunal Federal no cenário jurídico brasileiro, bem como mencionar os fundamentos utilizados pelos tribunais inferiores ao declararem a constitucionalidade ou não do tipo penal previsto no art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.

Como visto, antes de o Supremo decidir a questão da constitucionalidade do delito, por anos coube aos próprios tribunais inferiores a missão de se pronunciarem sobre o tema, conforme seus respectivos entendimentos.

Comparativamente, observa-se que os Tribunais de Justiça do Estado de São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Espírito Santo, vinham decidindo, anteriormente à decisão do STF, pela inconstitucionalidade do delito por entenderem que feririam direitos fundamentais como a garantia da não autoincriminação e a ampla defesa, por meio da qual a autodefesa deveria ter ampla aplicação, não se restringindo ao direito ao silêncio.

A fim de conhecer os fundamentos das decisões de inconstitucionalidade dos tribunais, inicialmente, cabe transcrever decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo acerca do tema:

Apelação Criminal - Crime de trânsito - Homicídio culposo na direção de veículo automotor – Sentença condenatória – Recurso ministerial objetivando a condenação pelo artigo 305 do CTB – Inadmissibilidade – Reconhecimento da atipicidade do delito, ante a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Órgão Especial desta Corte Paulista. Absolvição mantida. Homicídio culposo na direção de veículo automotor, inabilitação para a condução da motocicleta e fuga do local do acidente - Materialidade e autoria suficientemente demonstradas - Acusado que não teve a cautela necessária, na condução de motocicleta, derrubando o passageiro ao solo, o qual veio a ser atropelado por automóvel – Culpa demonstrada na modalidade imprudência - Condenação mantida – Pena corporal reduzida - Concessão de habeas corpus de ofício, nos termos do artigo 654, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal – Redução do aumento relativo às duas causas de aumento - Prazo da suspensão da habilitação para dirigir veículo automotor redimensionado, de acordo com o disposto no artigo 293 do Código de Trânsito Brasileiro – Regime mantido. Recurso ministerial não provido, concedendo-se habeas corpus de ofício.
(TJSP; Apelação Criminal 0000092-35.2015.8.26.0104; Relator (a): Moreira da Silva; Órgão Julgador: 13ª Câmara de Direito Criminal; Foro de Cafelândia - Vara Única; Data do Julgamento: 04/10/2018; Data de Registro: 15/10/2018) (TJ-SP, 2018, on-line).

Compartilhava igual entendimento o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, conforme ementas transcritas a seguir:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - CRIMES DE TRÂNSITO - ART. 305 DO CTB - ABANDONO DO LOCAL DO ACIDENTE - CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO PELA CORTE SUPERIOR DESTE TRIBUNAL - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO - MEDIDA DE RIGOR.
- Impossível a condenação do agente nas iras do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro diante da declaração de inconstitucionalidade do referido dispositivo pela Corte Superior deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. (TJMG - Apelação Criminal 1.0518.16.000117-9/001, Relator(a): Des.(a) Júlio Cezar Guttierrez , 4ª CÂMARA CRIMINAL, julgamento em 08/08/2018, publicação da súmula em 16/08/2018) (TJ-MG, 2018, on-line).

APELAÇÃO CRIMINAL - RECURSO MINISTERIAL - ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB)- CONDENAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJMG - ARTIGO 309 DO CTB - CONDENAÇÃO - NECESSIDADE - PERIGO CONCRETO DEVIDAMENTE COMPROVADO - PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA - OCORRÊNCIA. O artigo 305 do CTB é conflitante com o direito de não autoincriminação constitucionalmente previsto, devendo a declaração de sua inconstitucionalidade ser mantida em grau recursal. Comprovada a autoria, a materialidade e evidenciado o perigo real na conduta do apelado, que pilotou motocicleta embriagado e colidiu com outro veículo na via, causando lesão a terceiro, imperativa a condenação pela prática do crime previsto no art. 309 do CTB. Decorrido o prazo prescricional fixado para a pena concretamente aplicada, deve-se declarar a extinção do direito de punir do Estado. (TJ-MG - APR: 10284110012820001 MG, Relator: Alexandre Victor de Carvalho, Data de Julgamento: 13/09/2016, Câmaras Criminais / 5ª CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 19/09/2016) (TJ-MG, 2016, on-line).

No mesmo sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso, conforme se depreende de julgado que segue transcrito:

APELAÇÃO - CRIMES DE TRÂNSITO - RECURSO DA ACUSAÇÃO CONTRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA - 1) PRELIMINAR ARGUIDA PELA DEFESA - INTEMPESTIVIDADE DAS RAZÕES RECURSAIS - MERA IRREGULARIDADE - RECURSO INTERPOSTO TEMPESTIVAMENTE - 2) CONDENAÇÃO - FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE - ARTIGO 305 CTB - INCONSTITUCIONALIDADE - INCOMPATIBILIDADE COM O DIREITO FUNDAMENTAL AO SILÊNCIO - NINGUÉM É OBRIGADO A PRODUZIR PROVA CONTRA SÍ - MANUTENÇÃO DA ABSOLVIÇÃO QUE SE IMPÕE - RECURSO IMPROVIDO. 1) Não merece acolhida a preliminar levantada pela defesa e ratificada pela Procuradoria de Justiça quanto à intempestividade das razões recursais, pois conforme já sedimentado na jurisprudência pátria, as razões intempestivas constituem mera irregularidade, não causando, por conseguinte, consequências processuais. A disposição contida no art. 601, do Código de Processo Penal, segundo a qual, findos os prazos para a apresentação das razões, com ou sem elas a apelação será encaminhada ao juízo ad quem. Preliminar rejeitada. 2) Impôr ao réu o dever de aguardar no local do acidente a colheita das provas em seu desfavor é incompatível com o preceito constitucional da não incriminação. Pois, a autodefesa não se restringe ao direito de calar-se perante à autoridade policial e judicial, mas, possui ampla aplicação, como no caso dos autos. (Ap 107860/2016, DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 25/01/2017, Publicado no DJE 01/02/2017) (TJ-MT - APL: 00011223120128110039 107860/2016, Relator: DES. JUVENAL PEREIRA DA SILVA, Data de Julgamento: 25/01/2017, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 01/02/2017) (TJ-MT, 2017, on-line).

Acórdãos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul também evidenciam seus entendimentos de inconstitucionalidade do delito de fuga do local do acidente pelo condutor para eximir-se de responsabilidade penal e civil. Seguem transcritos:

APELAÇÃO CRIMINAL. ART. 34, DO DECRETO-LEI 3.688/41 E ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. DIREÇÃO PERIGOSA E FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. MANTIDA A REJEIÇÃO DA DENÚNCIA, POR FUNDAMENTO DIVERSO. 1. Hipótese em que a denúncia não demonstra qual a conduta anormal em tese praticada pelo denunciado que teria gerado perigo de dano à segurança viária. 2. O simples fato de causar acidente de trânsito não está a significar que o condutor tenha gerado perigo de dano, na medida em que esse resultado deve decorrer de algum comportamento anterior consistente na condução do veículo de forma anormal. 3. Inconstitucionalidade do tipo penal consagrado no art. 305 do CTB, por violação a garantia posta no inciso LXIII do art. 5º da CF. 4. Súmula vinculante n° 10 do STF. Não se constituindo a Turma Recursal Criminal em órgão fracionário de tribunal, mas sim em órgão da justiça de 1º grau, com função, no microssistema do Juizado Especial Criminal, típica de 2º grau, afigura-se possível o reconhecimento de inconstitucionalidade em controle difuso. APELO IMPROVIDO, POR FUNDAMENTO DIVERSO.(Recurso Crime, Nº 71005845813, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Luiz Antônio Alves Capra, Julgado em: 06-06-2016) (TJ-RS, 2016, on-line).

APELAÇÃO.CRIME. ARTIGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO.GO 305 DO CÓDIGO DE TRÃNSITO BRASILEIRO. AFASTAMENTO DO LOCAL DO ACIDENTE. RÉU QUE APÓS COLISÃO COM DANOS MATERIAIS, COM O INTUITO DE FURTAR-SE DE POSSÍVEL INDENIZAÇÃO, EMPREENDEU FUGA DO LOCAL. O Pleno deste Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do incidente n.º 70047947478, firmou entendimento no sentido de que a redação do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro é inconstitucional. Assim sendo, a prática da conduta descrita no referido dispositivo é atípica e a absolvição do agente por tal conduta é impositiva. APELO IMPROVIDO. (ApelaçãoCrime, Nº 70077321669, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genacéia da Silva Alberton, Julgado em: 12-09-2018) (TJ-RS, 2018, on-line).

Corroborava tal posicionamento o Tribunal de Justiça de Santa Catarina ao vislumbrar ofensas à ampla defesa e ao nemo tenetur se detegere, conforme se constata no julgado transcrito a seguir:   

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. DECISÃO DE PRONÚNCIA. CRIMES DE HOMICÍDIO SIMPLES TENTADO (ART. 121, CAPUT, DO CP), POR SETE VEZES, FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTS. 305 E 306, AMBOS DO CTB). RECURSO DEFENSIVO.    [...] REQUERIDA ABSOLVIÇÃO PELA PRÁTICA DOS CRIMES CONEXOS. POSSIBILIDADE EM RELAÇÃO AO DELITO PREVISTO NO ART. 305 DO CTB. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE PELO ÓRGÃO ESPECIAL DESTA CORTE DE JUSTIÇA. DELITO DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE QUE OFENDE OS PRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA E DA NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO (ART. 5º, LV E LXIII, DA CF). PRECEDENTES. AFASTAMENTO QUE SE IMPÕE. [...]. RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. (TJSC, Recurso em Sentido Estrito n. 0008068-51.2014.8.24.0018, de Chapecó, rel. Des. Volnei Celso Tomazini, Segunda Câmara Criminal, j. 15-05-2018). (TJ-SC, 2018, on-line).

O Tribunal de Justiça do Espírito Santo compartilhava do mesmo entendimento e fundamentos. Senão, vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. ARTS. 303, 305 E 307, TODOS DO CTB. [...]. ART. 305, CTB. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUNAL PLENO. ABSOLVIÇÃO. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. PENA RETIFICADA DE OFÍCIO. [...]. 2. A imposição de sanção ao acusado, pelo fato de afastar-se do local do acidente, prevista no art. 305 da Lei 9.503⁄1997 (Código de Trânsito Brasileiro) conflita com a ordem jurídica vigente, isto é, vai de encontro a direitos consubstanciados nas garantias da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do devido processo legal para a apuração de atos contrários ao Direito. Incidente de inconstitucionalidade julgado procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 305 da Lei 9.503⁄1997 (Código de Trânsito Brasileiro). (TJES, Classe: Incidente De Arguição de Inconstitucionalidade Ap, 49110023170, Relator: DAIR JOSÉ BREGUNCE DE OLIVEIRA, Órgão julgador: TRIBUNAL PLENO, Data de Julgamento: 16⁄06⁄2016, Data da Publicação no Diário: 05⁄07⁄2016). 3. Nessa ordem de ideias, não há outro caminho a seguir a não ser concluir pela absolvição do apelante quanto à conduta descrita no artigo 305, do Código de Trânsito Brasileiro. 4. Recurso conhecido e desprovido mas, de ofício, promovida a absolvição do apelante das imputações relativas ao crime previsto no artigo 305, do Código de Trânsito Brasileiro, ante a conclusão alcançada pelo egrégio Tribunal Pleno no julgamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade, registrado sob o nº 0002317-39.2011.8.08.0049 (049110023170). [...].
(TJES, Classe: Apelação, 035090105566, Relator : SÉRGIO LUIZ TEIXEIRA GAMA, Órgão julgador: SEGUNDA CÂMARA CRIMINAL , Data de Julgamento: 07/06/2017, Data da Publicação no Diário: 13/06/2017) (TJ-ES, 2017, on-line).

No mesmo sentido, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, ao declarar a inconstitucionalidade do delito do art. 305 do CTB, considerou a existência de ofensa às garantias da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do devido processo legal, além de apontar para a natureza subsidiária do direito penal, ao qual se deve recorrer como ultima ratio (razão última) para proteção de bens jurídicos. Alertou-se ainda para o fato de que somente ao Estado, titular da pretensão punitiva, pesa o ônus de produzir provas acusatórias. Segue abaixo ementa transcrita:   

EMENTA: CONSTITUCIONAL. INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE. ARTIGO 305 DA LEI 9.503/97 (CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO). GARANTIAS DA AMPLA DEFESA, PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA, NÃO AUTOINCRIMINAÇÃO E DEVIDO PROCESSO LEGAL. DIREITO PENAL COMO ULTIMA RATIO. BEM JURÍDICO PROTEGIDO. AUSÊNCIA DE SUPORTE CONSTITUCIONAL. ÔNUS DO ESTADO DE FAZER PROVA DA ACUSAÇÃO. 1. O artigo 305 da Lei 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) conflita com a ordem jurídica vigente ao impor sanção ao acusado pelo fato de afastar-se do local do acidente, tisnando os direitos que lhe são constitucionalmente assegurados, consubstanciados nas garantias da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do devido processo legal para a apuração de atos contrários ao Direito. 2. Inolvidável é a natureza subsidiária do direito penal, que atua sempre como última ratio de bens jurídicos cuja lesão (ou perigo de) se mostre digna e necessitada de cominação de pena. 3. O tipo em comento (artigo 305 do CTB) carece de referência constitucional, na medida em que, buscando garantir o esclarecimento de fatos ocorridos em acidente de trânsito, a fim de evitar que o agente se furte à responsabilidade civil e criminal, lançou mão de tutela visivelmente desproporcional, porquanto extremamente gravosa aos direitos e garantias fundamentais do indivíduo, especialmente quando em cotejo com a finalidade visada pela norma penal, outorgando tratamento sobremaneira oneroso ao motorista implicado em acidente de trânsito. Sendo o Estado titular da pretensão punitiva, sobre ele pesa o ônus de fazer a prova da acusação, mediante a observância do devido processo legal, revelando-se incompatível com a ordem constitucional vigente, na qual consagrada a presunção de inocência, a tipificação de figura delitiva a modo de facilitar o exercício do jus puniendi estatal. 4. Reconhecimento da inconstitucionalidade do dispositivo adversado. (TRF4, Arguição de Inconstitucionalidade 000493466.2011.404.0000, Relator Victor Luiz dos Santos Laus, Corte Especial, D.E. 24/01/2013) (TRF4, 2013, online)

Inversamente, os Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e do Amapá vinham se manifestando pela constitucionalidade do delito, fundamentando não haver ofensa ao nemo tenetur se detegere, uma vez que estaria respeitado o direito ao silêncio do motorista, o qual teria tão somente a obrigação de permanecer no local para ser identificado, sendo que o objeto jurídico do tipo penal seria a proteção da administração da justiça.

Para ilustrar, seguem transcritas decisões do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, as quais reconheciam a constitucionalidade do crime do artigo 305 do Código de Trânsito Brasileiro:

Apelação. Condenação pelos crimes dos artigos 305, 306 e 309, todos do Código de Trânsito, em concurso material. Recurso defensivo pleiteando a absolvição por ausência de provas, a inconstitucionalidade da norma do art. 305 do CTB [...] A denúncia atribui ao réu a prática de três crimes - afastar-se de local de acidente para fugir à responsabilidade,[...]. Rejeita-se a tese de inconstitucionalidade do art. 305, do CTB, tendo em vista que o objetivo desde tipo penal é proteger a administração da justiça, não violando o direito de não autoincriminação [...]. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ - APL: 00017284320118190016 RIO DE JANEIRO CARMO VARA UNICA, Relator: MÔNICA TOLLEDO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/04/2017, TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 10/04/2017) (TJ-RJ, 2017, online).

APELAÇÃO CRIMINAL. ARTIGOS 14 E 16, PARÁGRAFO ÚNICO, INCISO III, DA LEI 10.826/03. ART IGO 305 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, TODOS NA FORMA DO ARTIGO 69 DO CÓDIGO PENAL. [...]. CONDUTOR DE VEÍCULO QUE FOGE DO LOCAL DO ACIDENTE PARA SE FURTAR À RESPONSABILIDADE PENAL OU CIVIL QUE LHE POSSA SER ATRIBUÍDA. PRELIMINAR REJEITADA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO. [...] Pugna ainda pelo reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 305, do CTB [...]. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 305 DO CTB. O artigo 305 do Código de Trânsito, que tipifica a conduta do condutor de veículo que foge do local do acidente, para se furtar à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída, não viola a garantia da não autoincriminação, que assegura que ninguém pode ser obrigado por meio de fraude ou coação, física e moral, a produzir prova contra si mesmo. Outrossim, a arguição de inconstitucionalidade não procede, porquanto a incriminação não afronta o direito ao silêncio consagrado na Carta Federal, nem implica confissão de crime por parte do motorista envolvido no acidente, por isso que nem sempre tal ocorrência significa ilícito penal, sem olvidar que a norma incriminadora não foi declarada inconstitucional pela Corte Suprema. Saliente-se, por fim, que a douta Procuradoria Geral da República, no ano de 2015, ajuizou ação declaratória de constitucionalidade (adc nº 35), que está pendente de julgamento, objetivando que a Suprema Corte declare que o artigo 305 do CTB não ofende qualquer princípio constitucional, ao argumento esposado pelo Excelentíssimo Procurador-Geral Rodrigo Janot, no sentido de que "os condutores, ao serem proibidos de fugir do local do acidente para facilitar a apuração do acontecimento, não necessariamente sofrerão qualquer responsabilidade penal ou civil, podendo até mesmo, após a averiguação, receber reparação civil ulterior e contribuir com a produção de provas criminais não contra si, mas contra alguém" [...] 5. PRELIMINAR REJEITADA. APELO DEFENSIVO PARCIALMENTE PROVIDO (TJRJ. 0322046-14.2014.8.19.0001. Des(a). SIDNEY ROSA DA SILVA - Julgamento: 17/11/2015 - SÉTIMA CÂMARA CRIMINAL. Publicação:24/11/15 (TJ-RJ, 2015, online).

Com entendimento igualmente minoritário, o Tribunal de Justiça do Amapá reconhecia a constitucionalidade do delito, conforme julgados abaixo transcritos:

APELAÇÃO CRIMINAL - CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE FUGA DO LOCAL DO ACIDENTE (ARTIGO 305 DO CTB) E DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE (ARTIGO 306 DO CTB)- PRETENSÃO DE ABSOLVIÇÃO, PELA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DO CTB E REVISÃO DA DOSIMETRIA QUANTO AO CRIME E EMBRIAGUEZ AO VOLANTE- IMPOSSIBILIDADE. 1) A alegação de inconstitucionalidade do art. 305 do CTB não se sustenta, tendo em vista que sua finalidade é a preservação da incolumidade pública, dentro do que se inserem os direitos fundamentais à vida e à segurança de todos, dessa forma impõe-se ao agente o dever de permanecer no local do acidente. 2) Quanto a dosimetria, esta deve ser mantida, pois, a pena foi bem dosada e fundamentada. 3) Recurso desprovido.
(APELAÇÃO. Processo Nº 0032896-16.2015.8.03.0001, Relator Desembargador AGOSTINO SILVÉRIO, CÂMARA ÚNICA, julgado em 23 de Maio de 2017). (TJ-AP, 2017, online).

PENAL E PROCESSUAL PENAL. LESÃO CORPORAL CULPOSA. FUGA DO LOCAL PARA SE EXIMIR DA EVENTUAL RESPONSABILIDADE. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. ALEGAÇÃO DE FRAGILIDADE PROBATÓRIA. LAUDO DE EXAME PERICIAL DE CRIME DE TRÂNSITO E PALAVRA DA VÍTIMA. VALOR PROBANTE. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 305 DO CTB. INADMISSIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA. [...]; 3) Inexistente qualquer incongruência entre o crime de fuga do local do acidente para se eximir de responsabilidade civil ou criminal [art. 305 do CTB] e o princípio de que o acusado não é obrigado a produzir provas contra si, tendo em vista que a permanência do possível infrator no local visa somente facilitar a apuração dos fatos, resguardando-se o seu direito a permanecer em silêncio; 4) Recurso desprovido.(APELAÇÃO. Processo Nº 0020239-13.2013.8.03.0001, Relator Desembargador RAIMUNDO VALES, CÂMARA ÚNICA, julgado em 19 de Julho de 2016)(TJ-AP, 2016, online)

Percebe-se, portanto, que a jurisprudência dos tribunais não era unânime com relação ao tema, sendo que, majoritariamente, entendia-se o tipo penal como inconstitucional (MITIDIERO, 2015, p. 1037).

Com o julgamento do Recurso Extraordinário nº. 971959, declarando constitucional o delito, o Supremo Tribunal Federal destoou da posição majoritária imperante no país até então, tanto da doutrina como da jurisprudência, ambas consentâneas com os direitos e garantias fundamentais.

Vale mencionar que a questão ainda será objeto de julgamento na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 35, movida pela Procuradoria-Geral da República em 2015, com o objetivo de declarar o dispositivo constitucional, defendendo que a obrigatoriedade da presença do suspeito no local do acidente não o impele a produzir prova contra si mesmo (CABETTE, 2015). Tal ADC encontra-se na pendência de julgamento no Tribunal.

2.6. Posições doutrinárias acerca da ofensa à não autoincriminação com relação ao art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro.

A doutrina pátria diverge acerca da constitucionalidade ou não do crime de fuga do local do acidente no que tange ao respeito à garantia do nemo tenetur se detegere. Na realidade, desde o advento do Código de Trânsito Brasileiro, a doutrina vem questionando, na sua maioria, a constitucionalidade do delito em tela (POLASTRI, 2015, p. 126).

Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, apud MARCÃO, 2017, p. 148) entende ser inconstitucional o delito do art. 305 do CTB, fundamentando que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, não sendo, portanto, plausível, obrigar alguém a permanecer no lugar do acidente para sofrer as consequências penais e civis do que causou.

Argumenta o autor que o art. 305 não deveria sequer ser aplicado, uma vez que torna possível o entendimento incongruente de que ao agente seja  permitido fugir à responsabilidade em quaisquer outros crimes, como forma de se defender, exceto neste específico crime de trânsito (embora a atitude não seja nobre)  (NUCCI, apud Marcão, 2017, p. 148).

Para Damásio de Jesus, trata-se de ofensa ao nemo tenetur se detegere, não podendo a lei exigir do sujeito que ele produza prova contra si mesmo. O doutrinador cita Ariosvaldo de Campos Pires, o qual, no Parecer oferecido ao Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária em 1996 sobre o Projeto de Lei n. 73/94, que instituiu o atual Código de Trânsito, se refere ao art. 305 do CTB como proposição incriminadora de constitucionalidade duvidosa (JESUS, 2009, p.147).

Argumenta o autor que, se o agente comete um homicídio doloso, não terá a obrigação de permanecer no local, logo não seria de bom alvitre exigir essa conduta num crime de trânsito. Admitir-se tal crime seria desrespeitar o art. 8º, inciso II, alínea “g”, do Pacto de São José da Costa Rica, pelo qual ninguém tem o dever de se autoincriminar. (JESUS, 2009, p.148).

O jurista Luiz Flávio Gomes compartilha, também, entendimento acerca da inconstitucionalidade do delito (GOMES apud CABETTE, 2015). Ao analisar a questão do delito de fuga do condutor a fim de se eximir de responsabilidade civil, afirma que a proibição constitucional da prisão por dívida pode ser fundamento para defender a impossibilidade de se exigir a presença do indivíduo no local do acidente, sendo certo que, na ordem vigente, somente se admite a prisão por dívida de alimentos, considerando-se o determinado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CABETTE, 2015).

A questão acerca da duvidosa constitucionalidade do delito de fuga do local do acidente é levantada por Maurício Antônio Ribeiro Lopes, o qual o considera, primeiramente, uma norma de dever moral, estranha aos limites do Direito. Além disso, o texto legal imporia, na prática, a obrigação de se autoincriminar, o que feriria o princípio nemo tenetur se detegere previsto no art. 8º do Pacto de São José da Costa Rica. Quanto à intenção do agente de se eximir de responsabilidade civil, entende o autor que, constitucionalmente, ninguém poderia ficar passível de sofrer pena privativa de liberdade em decorrência de obrigações civis (POLASTRI, 2015, p. 126).

Ao discorrerem sobre o direito de não produzir provas contra si mesmo, alguns autores mencionam o direito constitucional à ampla defesa, o qual seria exercido, de um lado, por meio de defesa técnica, por profissional habilitado (advogado) e, por outro lado, também por meio da defesa pessoal, a qual se dividiria em defesa pessoal positiva e negativa (CAZABONNET; FALAVIGNO, 2013).

A defesa pessoal negativa, segundo Aury Lopes Junior (LOPES JUNIOR apud CAZABONNET; FALAVIGNO, 2013), significa um direito de não fazer, não esclarecer ou colaborar com diligências passíveis de ensejarem a responsabilização criminal do acusado.

O princípio nemo tenetur se detegere, portanto, segundo Cazabonnet e Falavigno (CAZABONNET; FALAVIGNO, 2013), deve ter aplicação ampla, não incidindo apenas no interrogatório.

Maria Elizabeth Queijo ensina que há uma forte tendência por parte do Estado, resultado de um processo histórico de inquisitoriedade no processo penal, de se obter a “verdade” com a cooperação do acusado,  por meio de suas declarações ou colaboração para a produção de provas, fundando tal entendimento na busca da verdade real. Tal concepção é resquício da ideia de que o acusado é objeto da prova no processo penal (QUEIJO, 2012, p. 64).

Em sentido oposto, há autores que entendem que o crime de fuga do local do acidente seria constitucional.

Renato Marcão (MARCÃO, 2017, p. 148) entende que exigir a permanência do agente no local do acidente não implicaria a obrigatoriedade de prestar informações utilizáveis como provas contra si mesmo, inexistindo, portanto, ofensa ao nemo tenetur se detegere, pois, segundo o art. 5º, inciso LXIII, da Constituição da República, subsistiria o direito ao silêncio.

Poderia o agente, assim, embora a atitude não seja nobre, deixar de prestar informações passíveis de serem usadas como prova em investigação ou instrução criminal ou contrariar interesses quanto à eventual reparação civil de danos (MARCÃO, 2017, p. 149) .

Entendendo ser constitucional o delito, Marcellus Polastri afirma não haver  contrariedade do tipo penal à garantia constitucional da não autoincriminação, uma vez que não se atingiria o direito fundamental à ampla defesa, de ordem processual e atinente ao processo penal. No tipo, a conduta descrita seria anterior à existência do processo (POLASTRI, 2015, p. 127).

Ainda assim, o tipo penal poderia ser criticado e obstado devido a uma incongruência legal, consistente no fato de que a fuga de um autor de crime hediondo não seria punida, enquanto que a do causador de acidente seria punida com prisão pelo Código de Trânsito Brasileiro. Para Polastri, no entanto, não constituiria uma inconstitucionalidade, mas apenas um tratamento diferenciado previsto em lei especial (POLASTRI, 2015, p. 127).

No mesmo sentido, prega Fukassawa que não existe inconstitucionalidade no tipo penal em obrigar o agente a permanecer no local do acidente. A necessidade de permanência no local ou da identificação do agente não constituiriam confissão de culpa pelos fatos e não adviriam disto provas de autoria do acidente (FUKASSAWA, 2015, p. 258).

A intenção do legislador, segundo o autor, não foi impor ao indivíduo a obrigação de se autoincriminar ou afastar a sua presunção de inocência, mas sim possibilitar a identificação das pessoas envolvidas para apuração dos fatos e solução de danos materiais (FUKASSAWA, 2015, p. 258).

Ensina, ainda, que o princípio da não autoincriminação se fundamenta na presunção de inocência e na desigualdade de forças entre o Estado e o indivíduo, por isso a previsão do direito ao silêncio na esfera criminal, seja na fase do inquérito policial, seja na judicial. Sendo assim, não se poderia defender a inconstitucionalidade do delito em exame por violação da ampla defesa (FUKASSAWA, 2015, p. 257/258).

Ao analisar a garantia da não autoincriminação, Samuel Miranda Colares defende que ela deveria ser aplicada com cautela, pois, se por um lado, consagra o direito de qualquer cidadão a não se autoincriminar, não serve para impedir o Estado de investigar a existência de crimes, prejudicando, assim, o direito de toda a sociedade em ver apurados e punidos os delitos (COLARES, 2010?).

Ao acusado, a garantia da não autoincriminação se resumiria à prerrogativa de não facilitar a sua própria condenação, por meio de confissões e produção de provas que lhe sejam prejudiciais (COLARES, 2010?).

3. CONCLUSÃO

Na busca por uma compreensão sistemática acerca da evolução histórica e da solidificação da garantia fundamental da não autoincriminação, com todos os princípios e direitos humanos que lhe dão sustentação, como a ampla defesa, o direito ao silêncio, a presunção de inocência e o tratamento digno imanente à toda pessoa humana, conclui-se  que o ser humano não deve ser utilizado como meio para obtenção dos fins do poder do Estado.

O delito de fuga do local do acidente pelo condutor de veículo automotor com o fim de eximir-se de responsabilidade criminal e/ou civil configura hipótese de tentativa, por parte do Estado, de impor, de exigir, de obrigar a presença do cidadão no local do acidente, mesmo contra a sua vontade, logo, de maneira antinatural, visando à sua identificação e à apuração criminal do fato, bem como possibilitar à vítima o ressarcimento por danos civis.

A decisão do Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 971959, a qual declarou a constitucionalidade do art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro, fundamentando que não haveria ofensa à garantia da não autoincriminação, resultou em retrocesso na medida em que deixou de utilizar o processo penal como um meio para não só aplicar direitos fundamentais constitucionais aos indivíduos, mas também estendê-los.

A fim de reforçar tal entendimento, cabe mencionar o extenso rol de direitos fundamentais previstos no art. 5º da Carta Magna, corroborado pelo seu parágrafo 2º, o qual, apesar de já transcrito no presente trabalho, merece novamente o ser neste momento: “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Da mesma forma, o seu parágrafo 3º, introduzido pela Emenda Constitucional nº. 45/2004, prevê que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

Tais previsões demonstram a intenção do Poder Constituinte de ampliar e favorecer uma interpretação extensiva acerca da aplicação destes direitos e garantias.

A decisão do Supremo contraria frontalmente dispositivos do Pacto de São José da Costa Rica e do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, os quais foram expostos neste trabalho.

Ademais, o objeto jurídico do delito, de acordo com a melhor doutrina, até mesmo de autores que defendem a constitucionalidade do artigo 305, não seria a proteção da incolumidade da vida humana, mas sim a administração da justiça e/ou o interesse indenizatório da vítima, o que, por si só, partindo de um paradigma constitucional, já configura um contrassenso e um desrespeito aos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição da República e nos tratados internacionais de direitos humanos.      

Contrariamente aos autores que defendem a constitucionalidade do delito por não haver ofensa à garantia da não autoincriminação, seja pelo fato de que o direito ao silêncio seria respeitado, ou porque a ampla defesa estaria garantida no processo penal, defende-se no presente trabalho uma visão ampliada do nemo tenetur se detegere, o qual não pode sofrer interpretação restritiva na nova ordem constitucional, pelas razões expostas.

Ora, conforme estudado, o direito de não produzir provas contra si mesmo não se reduz ao direito ao silêncio ou à ampla defesa no processo penal, mas assegura à pessoa humana o direito de não contribuir com qualquer ação ou omissão que lhe possa ser prejudicial criminalmente.

Ao longo da história, os direitos humanos evoluíram para que o ônus da prova recaísse sobre o Estado, exclusivamente, a fim de que cessassem as agruras e desrespeitos levados a cabo por ele no passado contra os indivíduos.

A permanência do cidadão no local do acidente configura uma contribuição, uma ação exigida pelo Estado para a identificação e eventual responsabilização. É inegável o desrespeito ao nemo tenetur se detegere, pois, inevitavelmente, o nexo causal entre uma possível acusação e o fato estarão satisfeitos, prejudicando o indivíduo criminalmente, o qual, sem dúvidas, responderá a um inquérito policial, bem como será processado civilmente para pagar os prejuízos advindos da sua conduta.

Ao Estado cabe, evidentemente, o ônus de investigar os fatos criminosos e punir os indivíduos que cometem crimes. O princípio da verdade real no inquérito policial e no processo penal visam a esta finalidade e se faz necessário em qualquer sociedade. No entanto, deve o Estado, em todos os âmbitos da perquirição criminal, observar e aplicar os princípios e garantias individuais previstos constitucionalmente.

Reitere-se que a garantia de não produzir provas contra si mesmo está estabelecida no nosso ordenamento constitucional e nos tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é parte, portanto, aplicável inclusive na fase policial.

Verdadeiro contrassenso, também, é a existência, no nosso ordenamento, da exigência de permanência do indivíduo no local do fato exclusivamente no delito do art. 305 do CTB, até mesmo em casos em que não houve um crime praticado pelo condutor. Todos os outros crimes, até mesmo crimes graves e violentos como o homicídio, o estupro ou o latrocínio, não há pena privativa de liberdade prevista para quem foge após o ato delituoso.

Tal constatação faz-nos concluir que o art. 305 do CTB fere o princípio da razoabilidade, depreendendo-se deste raciocínio que não é adequado tutelar-se criminalmente tal comportamento, sendo mais razoável punir-se tal conduta com medidas administrativas somente, evitando-se, assim, o excesso do Estado na sua pretensão de aplicar pena privativa da liberdade nesta hipótese.

Não bastassem tais argumentos, flagrantemente inconstitucional, ainda, é a previsão de prisão para o condutor que foge com a intenção de se eximir de responsabilidade civil decorrente do acidente, a qual considera a frustração do interesse privado da vítima de seu ressarcimento material como causa de encarceramento, hipótese que não se submete à ordem constitucional vigente, a qual proíbe, em regra, a prisão por dívidas.

Portanto, o presente trabalho teve como objetivo a defesa da inconstitucionalidade do artigo 305 e afirmar que a decisão do Supremo não considerou as opiniões dos doutrinadores pátrios, nem a fundamentação da jurisprudência majoritária dos tribunais estaduais acerca do tema, nem a lógica da necessidade de implementação extensiva dos direitos humanos, nem as noções de um direito penal mínimo.     

Infelizmente, no Brasil, ainda impera, culturalmente, a crença e a esperança cega de que é possível resolver os problemas sociais com a punição penal, desprivilegiando os necessários investimentos em infraestrutura e educação no trânsito.

Dever-se-ia recorrer ao Direito Penal somente como última alternativa (ultima ratio) e, ainda assim, para proteger bens jurídicos de forma consentânea com as garantias e direitos fundamentais constitucionais.

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Publicado por: Albino Barbosa de Lima

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