O abandono afetivo e sua reparação

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1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto de estudo a reparação do dano decorrente do abandono afetivo com a aplicabilidade da Responsabilidade Civil. A pesquisa teve como cerne a busca de uma definição atual de entidade familiar, indispensável, portanto foi conhecer suas matrizes históricas, abordando a evolução da família e filiação. Verifica-se que com o fim da família patriarcal, teve início uma nova concepção de família, baseada no vínculo afetivo. Por conseguinte, ressalvada a relevância do afeto para o saudável desenvolvimento psíquico-social do filho, analisar-se-á o Poder Familiar, englobando os seus atributos, bem como as hipóteses de suspensão, perda ou extinção deste. Nesse contexto, advém a abordagem do Abandono Afetivo em conjunto com os fundamentos do dano moral na filiação. Neste capítulo serão abordados inicialmente os pressupostos do dano moral no direito brasileiro de um modo geral, para em seguida passar à análise do dano moral aplicável ao Direito da Família e da aplicação do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana à filiação. Ao final determinar-se-á a possibilidade do instituto da responsabilidade civil e do dano moral ser aplicado em face do abandono afetivo provocado pelo genitor e esclarecer a lacuna de que o Poder Judiciário não está, ao condenar o genitor ao pagamento de indenização, obrigando um pai a amar o seu filho. Apesar do Abandono Afetivo ainda não estar expressamente disciplinado no ordenamento jurídico brasileiro, o posicionamento doutrinário e jurisprudencial vem demonstrando entendimentos de forma crescente e positiva acerca do tema, uma vez que o Judiciário há de se adequar ao estilo de vida moderna. Nessa intenção, é que o presente trabalho será desenvolvido, demonstrando o verdadeiro divisor de águas que a Constituição Federal de 1988 promoveu ao analisar a evolução histórica da família e filiação.

Palavras-chave: Poder Familiar; Responsabilidade civil; Dano moral; Abandono afetivo.

2. DA FAMÍLIA

2.1. A Evolução Histórica da Família

Para tratar do tema “Família” é imprescindível perceber sua preexistência em relação ao Estado. A instituição família organiza-se através de regras culturalmente elaboradas, assim, é necessário adequar a justiça à vida e não engessar a vida dentro de normas jurídicas. Verifica-se que a sociedade está em constante ebulição, fazendo com que a lei não consiga acompanhar com tanta rapidez todas as mudanças por que passam as famílias, cabendo à doutrina e jurisprudência atender os artífices da justiça. O direito é o reflexo do momento social e modifica-se conforme as mudanças ocorridas na sociedade.

No curso das primeiras civilizações organizadas em sociedade de que se têm notícias, a família aparece como base de sustentação, somada ao elemento religioso e moral. Entretanto, para compreender a noção atual de família, sua estrutura e a forma de se constituir, imprescindível é o entendimento da sua variação ocorrida no tempo e espaço, sem, contudo, pretender esgotar o assunto.

A noção de família do direito brasileiro encontra sua origem na família romana que, por sua vez, se estruturou e sofreu influência no modelo grego. Portanto, a doutrina jurídica reconhece que elementos básicos da estruturação da família como unidade jurídica, econômica e religiosa fundada no pátrio poder autoritário no Direito brasileiro, foi um princípio herdado do direito romano e que perdura até os tempos atuais.

O núcleo familiar dispunha de perfil rigorosamente hierarquizado e patriarcal, em que um conjunto de pessoas permanecia sob o poder absoluto, ilimitado e vitalício de um chefe, o pater famílias.

Tanto no Direito Romano, como no Grego, o afeto natural não esteve presente como elo entre os membros que compunham a família, embora até pudesse estar presente. Nesse período os vínculos sanguíneos e jurídicos eram mais importantes e prevaleciam sobre os vínculos do amor, bem como a importância econômica predominava sobre a afetiva.

Convém trazer o entendimento de Carbonera (1998, p. 297-298) que trata o afeto na concepção da família tradicional, sustentando que:

“A affectio, no modelo da família patriarcal, tinha sua existência presumida e condicionada à existência de uma situação juridicamente reconhecida. Desta forma, o casamento já trazia consigo a affectio maritalis, justificando previamente a necessidade de continuação da relação. Não se questionava tal elemento, uma vez que ele trazia parte da estrutura do matrimônio. [...] O compromisso de manter a vida em comum, não revela necessariamente, a existência de afeto. A continuidade podia ser motivada por outros elementos como, por exemplo, a impossibilidade de dissolução de vínculo: neste caso a affectio, presumida, se fazia presente.”

Na sociedade extremamente machista, como era a sociedade romana, os poderes patriarcais eram numerosos, princípios que nos dias atuais jamais seriam aceitos. O pátrio poder era exercido unicamente pelo pai, com poderes para decidir o futuro do resto da família que vivia sob seu comando. Estava em suas mãos decidir sobre o Direito da vida e da morte (Jus vita ac necis); Direito de Abandono (Jus exponendi); Direito de dar Prejuízo (Jus naxal dandi).

Costumes semelhantes ocorriam no Brasil, na França e no mundo ocidental em que a organização familiar estava construída com base na família romana eminentemente patriarcal, em que a autoridade paterna era o chefe absoluto.

O grande marco da era codificada ocorreu com o Código Napoleônico (Code Civil des Français ou Code Napoléon). Até o XVIII já haviam surgido outras compilações de códigos legais, no entanto a França foi o primeiro país a ter um efetivo sistema de leis escritas. Esse Código entrou em vigor em 1804, baseando-se também no Direito Romano e veio reafirmar ainda mais esse modelo patriarcal e hierarquizado, onde o pátrio poder era unitário e exercido pelo pai com a total submissão da mulher e dos filhos.

No Brasil, por sua vez, a base do direito no período Colonial e também na época do Império foram as Ordenações Filipinas, consideradas severas e bastantes variadas, no entanto não se afastava do praticado no mesmo período no restante do mundo. Somente a partir da independência brasileira, em 1822, que os textos das Ordenações Filipinas foram sendo paulatinamente revogados. Em 1899, Clóvis Beviláqua iniciava a elaboração do projeto do Código Civil Brasileiro.

O Código Civil fora promulgado em 1916 e substituiu o Livro IV das Ordenações Filipinas, passando a vigorar a partir de 1° de janeiro de 1917. Nele foram regulados assuntos pertinentes ao direito das famílias, guardando inspiração no modelo do Código Civil Francês, absorveu os conceitos de legitimidade da família e dos filhos, tomou por princípio a defesa da constituição matrimonial e adotou como regra de proteção à filiação a presunção pater is et, ou seja, de que o filho concebido na constância da sociedade conjugal tem por pai o marido da mãe, tornando-se assim, a lei fundamental sobre a matéria.

Outras formas de concepção da família que não através do casamento, continuou sem receber qualquer proteção pelo Estado. O perfil da família manteve-se como sendo matrimonializada, patriarcal, hierarquizada e heterossexual. Por conseguinte não havia direito a pleitear os filhos nomeados de espúrios, adulterinos, bastardos ou incestuosos.

Cabe trazer a situação aproveitada pelo filho rotulado como ilegítimo segundo Beviláqua (1917, p.332): “negar reconhecimento ao filho é excluir-lhe direitos, é punir quem não tem culpa, é brindar quem infringiu os ditames legais”.

Seguindo a cronologia, passa-se a analisar as Constituições do Brasil. A primeira outorgada, em 1824, não fez referência alguma à família ou ao casamento, bem como a segunda Constituição do Brasil. A primeira da República, em 1891, possuía um parágrafo que reconhecia apenas o casamento civil e sua celebração seria gratuita, contudo não dedicou capítulo especial à família.

A partir de uma tendência internacional, a segunda Constituição da República, em 1934, dedicou um capítulo especialmente à família, estabelecendo, inclusive, as regras do casamento indissolúvel.

Felizmente, as modificações sociais da época levaram às mudanças gradativas na nossa legislação referente à família e à filiação, superando as idéias contidas no Código Civil de 1916, haja vista que por se retratar a valores do século XIX contrapunha-se com a realidade e as transformações pelas quais passavam a sociedade do século XX.

A Constituição Federal de 1937 trouxe a equiparação entre os filhos legítimos e os naturais. E essa disposição revogou o artigo do Código Civil de 1916, o qual restringia os direitos sucessórios de filhos naturais que concorressem com legítimos ou legitimados.

O Decreto-Lei n° 3.200 de 1941 tratou da organização e proteção da família, determinando que não se fizesse menção nas certidões de registro civil, sobre a origem da filiação, se legítima ou ilegítima, salvo quando solicitado pelo interessado ou em virtude de decisão judicial. Posteriormente com o advento do Decreto-Lei n° 5.213 de 1941 foi autorizado ao pai permanecer com a guarda do filho natural, se assim o tivesse reconhecido e através do Decreto-Lei n° 4.737 de 1942 foi reconhecido o filho ilegítimo, condicionado ao desquite. Este decreto esteve em vigor até 1949, quando passou a vigorar a Lei n° 883 de 1949 abrandando esse rigorismo. Em 1962 a mulher casada passou a ter plena capacidade, eliminando a sua incapacidade relativa pelo denominado “Estatuto da Mulher Casada”.

Destaca-se, nas palavras de Venosa (2001, p. 27) o início da “era da igualdade entre os cônjuges, sem que, no entanto, a organização familiar deixasse de ser preponderantemente patriarcal, pois muitas prerrogativas ainda foram mantidas com o varão.” As transformações foram acompanhando os anseios da sociedade contemporânea gradativamente.

O marco histórico temporal no direito brasileiro foi a promulgação, em 05 de outubro de 1988, da Constituição da República Federativa do Brasil, considerada Constituição “Cidadã”, em que os conceitos de família e de filiação ganharam grande destaque. O legislador constituinte pretendeu adequar o texto legal à realidade social, consagrando a paridade da filiação, garantindo aos filhos, havidos ou não do casamento, os mesmos direitos e qualificações, impedindo qualquer discriminação; apresentou um novo conceito de família ao instaurar a igualdade entre o homem e a mulher, estendendo o poder familiar à mulher; deu proteção a família monoparental e passou a proteger de forma igualitária todos os seus membros; introduziu o conceito de união estável; reduziu de cinco para dois o tempo exigido para o divórcio direto, ou seja, reconheceu a relevância do mundo fático há tanto tempo desamparado pelo mundo jurídico.

Visando acompanhar a evolução da sociedade, foi instituído o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), disciplinando os interesses da criança e do adolescente, compreendendo nessa proteção sujeitos de direitos. Baseado na Doutrina Jurídica da Proteção Integral, fez com que o filho deixasse de ocupar a posição de objeto, para ocupar a posição de sujeito na relação familiar (art. 15).

A Lei n° 10.406/2002, atual Código Civil Brasileiro, passou a vigorar em janeiro de 2003. Seu projeto original data de 1975, inclusive anterior à Lei do Divórcio, Lei 6.515/77, necessitou de algumas adequações da Doutrina e Jurisprudência para atender a nova concepção do direito de família. Essa desordem estrutural, alvo de profundas críticas, decorre dessa inclusão retalhada.

Pertinente acrescentar que em relação a esse avanço na compreensão da relação familiar esclarece Diniz (2002, p. 20):

“Está instituída a completa paridade dos cônjuges ou conviventes tanto nas relações pessoais como nas patrimoniais, visto que igualou seus direitos e deveres e também seu exercício na sociedade conjugal ou convencional.”

Com esse progresso observa-se a quebra do patriarcalismo e o surgimento de uma família que transmite valores e enfatiza o afeto, a compreensão e a igualdade entre seus membros. Nesse mesmo sentido está a lição de Boeira (1999, p. 22-23):

“A família ao transformar-se, valoriza as relações de sentimentos entre seus membros, numa comunhão de afetividade recíproca no seu interior. Assim, sob uma concepção eudemonista, a família e o casamento passam a existir para o desenvolvimento da pessoa, realizando os seus interesses afetivos e existenciais, como apoio indispensável para sua formação e estabilidade na vida em sociedade.”

Ocorreu, portanto, um renascimento do Direito de Família para os novos fatos sociais, a saber, pela modificação da expressão pátrio poder em poder familiar, seguindo-se do reconhecimento da igualdade de filiação, bem como pela adoção como forma de filiação irretratável. Todavia, apesar dos esforços, este novo texto normativo não conseguiu traduzir, ainda, todas as novas concepções da atual família.

2.2. A Família e a Construção da Afetividade

O Estado sempre resistiu em admitir vínculos de convivência formados sem o “selo de oficialidade”. O casamento era a única forma admissível de constituição da família até a entrada em vigor da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, a qual reconheceu e dá proteção a novos núcleos de relações de afeto, ou seja, surgiram outros modelos de família. A Carta Magna rastreando os fatos da vida inseriu novas formas de entidades familiares tendo como principal fundamento a afetividade.

No dizer de Maria Berenice Dias (2006, p. 39):

“Faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente de sua conformação.”

A união estável foi elevada constitucionalmente à condição de entidade familiar, gênero do qual igualmente faz parte a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (família monoparental), mas essa proteção não encerram numerus clausus. A presença de uma família não pode ser limitada nesse universo, uma vez que na busca do conceito de entidade familiar, é necessário ter uma visão pluralista, que reúna os mais diversos arranjos vivenciais. O ponto de identificação é encontrado na afetividade, estabilidade e ostensibilidade. Os demais tipos de entidades familiares estão implícitos, incluídos no âmbito de abrangência do conceito indeterminados de família indicado no caput do art. 226 da Constituição Federal. Como todo conceito amplo, os demais tipos dependerão de concretização na experiência da vida, conduzindo à tipicidade aberta, dotada de ductilidade e adaptabilidade.

É sabido que a Constituição, ao garantir especial proteção à família, citou algumas entidades familiares, as mais freqüentes, mas não as desigualou. Imperioso elencar, portanto, algumas entidades familiares presentes socialmente.

O Código Civil não traz o conceito de União Estável, assim como não define a maioria dos institutos que regulamenta. Segundo Euclides de Oliveira “a união estável nasce da convivência, simples fato jurídico que evolui para a constituição de ato jurídico, em face de direitos que brotam nessa relação.”

A Família Monoparental é a entidade familiar em que o filho se encontra vinculado só ao pai ou a mãe. Demonstra a realidade social, verificada principalmente nos grandes centros urbanos, onde pessoas solteiras, separadas ou viúvas, vivem sozinhas com os filhos.

Entretanto, conforme salienta Dias (2006, p. 44), “De forma injustificável, o legislador omitiu-se em regular seus direitos, que acabaram alijados do Código Civil.

Além disso, a Constituição Federal de 1988 traz o princípio constitucional da paternidade responsável como um dos fundamentos do planejamento familiar, garantindo a homens e mulheres o direito de decidir o tamanho de sua família, ou ficar apenas no âmbito do casal;

Deve-se retratar a Família Anaparental nas palavras de Barros (2003, p. 151), esse tipo de unidade familiar é “A convivência entre parentes ou entre pessoas, ainda que não parentes, dentro de uma estruturação com identidade de propósito, impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar batizada com o nome de família anaparental”.

Como complemento, cabe transcrever a lição de Dias (2006, p.44):

“Ainda que inexista qualquer conotação de ordem sexual, a convivência identifica comunhão de esforços, cabendo aplicar, por analogia, as disposições que tratam do casamento e da união estável. Cabe lembrar que essas estruturas de convívio em nada se diferenciam da entidade familiar de um dos pais com seus filhos e que também merece proteção constitucional.”

A Família Eudemonista, Sociológica ou Socioafetiva é aquela em que a felicidade é o seu fundamento, a saber, está baseada no afeto, revelando a valorização da pessoa humana. Logo, conforme acrescenta Schettini Filho (1998, p. 91) “é a afetividade, e não a vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento.”

Nessa concepção, verifica-se que a família extrapola sua composição meramente biológica, deparando-se com outros valores, emotivos, afetivos e até psicológicos. Surge, então, um novo nome para essa tendência de identificar a família pelo seu envolvimento afetivo: Família Eudemonista.

Necessário se faz transcrever o entendimento de Welter (2003, p. 64) argumentando que, “a família eudemonista tem por concepção o fato de não ser o indivíduo que existe para a família e para o casamento, mas a família e o casamento existem para o seu desenvolvimento pessoal, em busca de sua aspiração a felicidade.”

Nessa compreensão, a base da família moderna valoriza o elemento abstrato do sentimento, que se traduz em alicerce da relação familiar. Sendo assim, a noção de entidade familiar se constrói no afeto cultivado dia a dia, no companheirismo, cooperação, amizade e cumplicidade, que deve estar presente tanto na relação entre casais como na relação entre pais e filhos.

A expressão ‘afeto’, segundo o Dicionário Aurélio (2004) “significa que Disposição de alma, sentimento. Amizade, simpatia: nutria por mim um grande afeto. Psicologia Aquilo que age sobre um ser: a sensação é um afeto elementar.”

Na esteira da evolução, com os laços de afeto derivados da convivência familiar foi instalada uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo-se valor jurídico ao afeto e evidenciando que o princípio norteador do direito das famílias é o Princípio da Afetividade. É cabível dizer que esse princípio tem fundamento constitucional, tendo em vista que a Constituição abriga princípios implícitos, os quais decorrem naturalmente de seu sistema. Há algumas referências, cuja a interpretação sistemática conduz a esse constitutivo da evolução social da família, como o regido no art. 227, § 6º em que ‘todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem”; art. 227, §§ 5º e 6º a adoção como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos; art. 226, §§ 3º e 4º “ a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos e a união estável têm a mesma dignidade da família constitucionalmente protegida; art. 226, §§ 3º e 6º o casal é livre para extinguir o casamento ou a união estável, sempre que a afetividade desapareça.

Esse é, aliás, o pensamento de Paulo Luiz Lôbo (2002) que, com propriedade, observa:

“Se todos ao s filhos são iguais, independentemente de sua origem, é porque a Constituição afastou qualquer interesse ou valor que não seja o da comunhão de amor ou do interesse afetivo como fundamento da relação entre pai e filho. A fortiori, se não há qualquer espécie de distinção entre filhos biológicos e filhos adotivos, é porque a Constituição os concebe como filhos do amor, do afeto construído no dia a dia, seja os que a natureza deu seja os que foram livremente escolhidos. Se a Constituição abandonou o casamento como único tipo de família juridicamente tutelada, é porque abdicou dos valores que justificavam a exclusão, passando a privilegiar o fundamento comum a todas as entidades, ou seja, a afetividade, necessário para realização pessoal de seus integrantes. O advento do divórcio direto (ou a livre dissolução na união estável) demonstrou que apenas a afetividade, e não a lei, mantém unidas essas entidades familiares.”

Note-se que a afetividade decorre da valorização constante da dignidade humana e nesse sentido esse sentimento passou a ser considerado como fator relevante quando das soluções dos conflitos familiares e onde houver uma relação ou comunidade unidas por laços de afetividade, sendo estes suas causas originárias e final, haverá família.

2.3. Do Poder Familiar

Numa tentativa conceitual cabe afirmar que Poder Familiar é a reunião de direitos e deveres atribuídos aos pais. É uma expressão recente, vinda para substituir o antigo vocábulo machista pátrio poder. A principal característica desse termo, pater potestas, que remonta ao direito romano era o direito absoluto e ilimitado conferido somente ao pai, este era o chefe da organização familiar.

Até mesmo o antigo Código Civil Brasileiro, de 1916, considerava somente o marido como o chefe da sociedade conjugal e o pátrio poder a este. A mulher só poderia assumir a chefia dessa sociedade na falta ou impedimento do pai. A discriminação era tamanha que vindo a viúva casar novamente, perdia o pátrio poder com relação aos filhos. Só quando enviuvasse novamente é que recuperava o pátrio poder (art. 393, CC/ 1916), conforme leciona Maria Berenice Dias.

A evolução pela qual passou a família forçou as sucessivas alterações legislativas. Entrou em vigor o Estatuto da Mulher Casada (L 4.121/62), assegurando o pátrio poder a ambos os pais, mas devia ser exercido pelo marido com apenas a colaboração da mulher. No entanto, havendo divergência prevalecia a vontade do pai, mas a mãe poderia recorrer-se da justiça; foi instituído o Divórcio (EC 9/77 e L 6.515/77), pondo fim à indissolubilidade do casamento do casamento.

É possível perceber que com o surgimento de novos paradigmas, tais como a emancipação da mulher, a descoberta de métodos contraceptivos e o fim do caráter produtivo e reprodutivo da família, houve a dissociação dos conceitos de casamento, sexo e reprodução. Esse novo rumo tomado pela família e pelo direito prestigiou a aproximação de seus integrantes e restringiu o poder patriarcal.

Imperioso destacar o entendimento do Ilustre professor Cristiano Chaves(2004) sobre a identificação do vínculo afetivo que enlaça os integrantes da família atual:

“A valorização do afeto nas relações familiares não se cinge apenas ao momento de celebração do casamento, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessando o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo é o único modo de garantir a dignidade da pessoa.”

A família atual tem uma nova concepção, está pautada nos laços afetivos de carinho e amor.

2.3.1. Atributos

A Constituição Federal de 1988 concedeu tratamento isonômico ao homem e à mulher (art. 5º, I), segundo Zeno Veloso, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Outorgou a ambos os genitores o desempenho do poder familiar no tocante aos filhos comuns ao assegurar-lhes iguais direitos e deveres referentes à sociedade conjugal no art. 226, §5º. Consagrou, ainda, a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações, onde a palavra “filho” não comporta nenhum adjetivo.

Todas as modificações trazidas pela Constituição levaram à derrogação de muitos dispositivos do Código Civil então em vigor, fazendo com que este perdesse o papel de lei fundamental do direito de família.

Pretendendo acompanhar a evolução das relações familiares, em 1990, ingressou no ordenamento jurídico pátrio o Estatuto da Criança e do Adolescente (L. 8.069/90), objetivando a proteção integral dos tutelados, com mais características de deveres e obrigações dos pais para com os filhos a somente direitos em relação a esses. Exatamente por envolver muitas obrigações, o poder familiar converteu-se em múnus, em contrapartida sua expressão não revela seu real conteúdo. Crítica lançada brilhantemente pelo saudoso Silvio Rodrigues (apud DIAS, 2007, p.377):

“pecou gravemente ao se preocupar mais em retirar a palavra “pátrio” do que incluir o seu real conteúdo, que, antes de um poder, representa obrigação dos pais, e não da família, como o nome sugere.”

Verifica-se que a autoridade parental está impregnada de deveres voltados por completo para a proteção da menoridade, onde o exercício dessa autoridade deve estar voltada a lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, seja na seara física, mental, moral, espiritual ou socialmente. É preciso ter em mente a lição de Caio Mário (2007, p.420): “a ideia predominante é de que a potestas deixou de ser uma prerrogativa do pai para se afirmar como a fixação jurídica do interesse dos filhos.”

O Princípio da Legalidade, representado no art. 5º, II da CF/88, preceitua que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa em virtude de lei. Assim, havendo uma espécie normativa devidamente elaborada conforme a regra de processo legislativo constitucional está criada a obrigação ao indivíduo.

Partindo desse entendimento, percebe-se que aos genitores não cabem desobedecer ao comando constitucional regido no art. 227 em que estão assegurados as crianças e adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Não é também permitida nenhuma forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Cabe acrescentar que a forma de implementação de todos esses direitos e garantias está no Estatuto da Criança e Adolescente e devem ser assegurados com absoluta prioridade pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Na hipótese de um ou ambos os genitores deixarem de cumprir com os deveres que decorrem do poder familiar sujeitam-se a sanções aplicadas pelo Estado. A intenção dessa intervenção estatal é impedir que os filhos aproveitem qualquer prejuízo decorrente do comportamento de qualquer dos pais. Medidas estas que serão analisadas individualmente.

2.3.2. Suspensão

A suspensão está regida no Código Civil, art. 1.637, sendo aplicada aos casos de abuso de autoridade, verbis:

Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único - Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.”

É uma medida facultativa, menos grave e temporária porque cessada a causa que a motivou, pode ser cancelada sempre que a convivência familiar atender ao interesse dos filhos. É perfeitamente cabível a sua aplicação em relação a um único filho e não a toda prole, bem como atacar apenas algumas prerrogativas do poder familiar.

O procedimento para a perda ou suspensão do poder familiar está regulado dos arts. 155 ao 163 do ECA. A aplicação da suspensão depende de procedimento judicial. Será competente para intentar tal ação qualquer pessoa que tenha legítimo interesse, tanto poderá ser qualquer dos genitores, o Ministério Público, ou até mesmo um parente, conforme rege o art. 155, ECA:

“Art. 155. O procedimento para a perda ou a suspensão do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tenha legítimo interesse.”

Dependendo do grau de prejuízo a que a criança ou adolescente esteja submetido, pode-se recorrer à medida cautelar (art. 888, V, CPC) de suspensão liminar ou incidental do poder familiar (art. 157, ECA).

Atentar-se-á que sua imposição de forma discricionária é descabida, uma vez que a atenção deve estar voltada ao interesse da prole.

2.3.3. Perda

Inicialmente, necessário se faz esclarecer o equívoco relativo à confusão entre os conceitos de extinção e destituição do poder familiar. No inciso V, do art. 1635 do Código Civil a hipótese de “perda” ali elencada não deveria tratar de forma de “extinção”, mas mera “destituição” do poder familiar.

A perda se dará por decisão judicial(art. 1638 do CC) e o procedimento é semelhante ao da suspensão, ambos regulados nos mesmos artigos 155 ao 163, ECA, por sua vez, dependerá da configuração das seguintes hipóteses: a) castigo imoderado do filho; b) abandono do filho; c) prática de atos contrários à moral e aos bons costumes; d) reiteração de faltas aos deveres inerentes ao poder familiar.

 Para considerar um castigo como imoderado não pode prevalecer os juízos de valor subjetivos do juiz, pois constituiria abuso de autoridade. A moral e o bom cosstume deverão ser aferidos com base nos valores predominantes na comunidade, levando-se em conta sempre o melhor interesse do menor.

A suspensão do poder familiar deve ser preferida à perda, quando houver possibilidade de recomposição ulterior dos laços de afetividade. O Código Civil, ao incluir a vedação ao castigo imoderado, estaria admitindo implicitamente o castigo moderado. O castigo pode ser físico ou psíquico ou de privação de situações de prazer.

Entretanto, sob o ponto de vista estritamente constitucional não há fundamento jurídico para o castigo físico ou psíquico, ainda que "moderado", porque de qualquer forma estaria consistindo em violência à integridade física do filho, que é direito fundamental inviolável da pessoa humana, também oponível aos pais.

O poder disciplinar, contido na autoridade parental, não inclui, portanto, a aplicação de castigos que violem a integridade do filho.

A sentença que decreta a perda ou a suspensão é registrada à margem do registro de nascimento do menor (art. 163, ECA). Confirmando que não há cancelamento do registro e sim faz constar a ocorrência, permanecendo intácto os vínculos de parentesco. Nesses casos os genitores somente estariam afastados do poder familiar, mas ainda seriam conside­rados “pais” para todos os demais efeitos, como o dever de prestar alimentos, por exemplo.

2.3.4. Extinção

Esta é uma medida imperativa, é a interrupção definitiva do poder familiar, são hipóteses exclusivas dispostas no art. 1635 do Código Civil: a) morte dos pais ou do filho; b) emancipação do filho; c) maioridade do filho; d) adoção do filho, por terceiros; e) perda em virtude de decisão judicial.

Com a morte de um dos pais faz concentrar, no sobrevivente, o poder familiar. Em relação à emancipação dá-se por concessão dos pais, mediante instrumento público, dispensando-se homologação judicial, se o filho contar mais de 16 anos. Cabendo acrescentar que nestes casos não se extingue o parentesco e sim o poder familiar. Das hipóteses citadas no art. 1635 CC, dispensar atenção ao instituto da adoção é necessário, vez que esta, além de extinguir o pater famílias dos genitores carnais, transfere-o ao adotante, de maneira irrevogável e definitiva.

Na adoção ocorre o cancelamento do registro original, há o rompimento dos vínculos com os pais e demais parentes e estabelece-se novos vínculos de parentesco (art. 41, ECA).

Para justificar essa intervenção do Estado na destituição do poder família cabe transcrever o entendimento de João Andrades Carvalho (1995):

“O exercício do pátrio poder é, antes de tudo, um compromisso assumido pelos pais para com a sociedade. A família, núcleo situado dentro de um todo meio, que é o grupo social, não esgota seus fins em si mesmo. O homem é preparado na família para ingressar na sociedade, e carregará para essa os valores assimilados naquela. É por isso que, se não houverem a contento no desempenho do múnus paterno, devem os pais prestar contas à sociedade, maior interessada nas peças que a compõem, eis a razão pela qual o pátrio poder está subordinado a regras e limites."

A jurisprudência tem admitido a cumulação de ações de extinção e de adoção. Mesmo não havendo pedido expresso, trata-se de um mero efeito da sentença concessiva da adoção. É imprescindível a citação dos pais, onde os mesmos figuram como litisconsortes necessários.

A aplicação desta medida gera efeitos graves tanto na vida do filho quanto na vida dos pais, porque há a perda da autoridade e das prerrogativas que tinham em relação aos filhos, havendo dessa forma a extinção do vinculo afetivo existente entre eles, por isso é que só deverá ter aplicação nos casos previstos em lei, e quando houver o melhor interesse da criança e adolescente.

3. ABANDONO AFETIVO: FUNDAMENTOS DO DANO MORAL NA FILIAÇÃO

3.1. Pressupostos do Dano Moral no Direito Civil Brasileiro

A responsabilidade civil é o dever jurídico de indenizar o dano causado à outra pessoa. Por sua vez, o dano tem sido conceituado pela doutrina civilista clássica coma a diminuição dos bens jurídicos de uma pessoa em decorrência da prática de atos ilícitos praticados por terceiros, onde a indenização será medida pela extensão desse dano, ou seja, sem dano não há indenização.

O dano poderá ser material (patrimonial) quando ocorrer destruição ou deterioração de bens, lucros e vantagens. Será moral (extrapatrimonial) nas situações em que o ilícito tem consequências psíquicas, afetivas ou sentimentais sobre a personalidade da vítima. Assim, a obrigação de indenizar pressupõe o prejuízo material ou moral. Naquele basta que o autor demonstre que seu patrimônio fora afetado pelo ato ilícito para que os prejuízos sejam liquidados para fins de ressarcimento. Em relação a esse a tarefa de quantificar o prejuízo não é nada fácil, mas deverá o juiz tomar por base a reação do homem médio em relação às lesões sofridas para conseguir aproximar-se do sofrimento, tristeza e dor para compensar o padecimento da vítima.

Segue nesse mesmo entendimento Sérgio Cavalieri Filho, in “Programa de Responsabilidade Civil” (2000, p.37), que:

"enquanto o dano material importa em lesão de bem patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação, o dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade física e psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.”

O autor da ação pode pleitear, simultaneamente, indenização por dano material e moral. É matéria sumulada pelo STJ, nos seguintes termos:

“Súmula 37. São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”

Sobre os pressupostos da responsabilidade civil há divergência doutrinária. Silvio de Salvo Venosa (2003, pag. 13) enumera quatro pressupostos para que passe a existir o dever de indenizar, afirmando que “(...) os requisitos para a configuração do dever de indenizar: ação ou omissão voluntária, relação de causalidade ou nexo causal, dano e finalmente, culpa.” Já Maria Helena Diniz (2003, pag. 32) entende que são três os pressupostos ação ou omissão, dano e a relação de causalidade. Sílvio Rodrigues (2002, pag. 16) apresenta como pressupostos da responsabilidade civil a culpa do agente, ação ou omissão, relação de causalidade e dano. No presente trabalho serão abordados quatro pressupostas para caracterizar o Dano Moral, levando-se em conta o os elementos regulados no art. 186 do CC, quais sejam: a conduta humana (ação ou omissão), o nexo de causalidade, o dano e a culpa.

A conduta humana refere-se à ação ou omissão do agressor. É preciso provar que o agente praticou o ato omissivo ou comissivo responsável pelo resultado danoso, seja por dolo, negligência, imprudência ou imperícia. Essa culpabilidade também pode decorrer de atos praticados por terceiros, pela chamada responsabilidade civil imprópria (art. 932 do CC). A omissão se configura quando for violado o dever jurídico de agir previsto em lei ou cláusula contratual.

O dano moral é o sofrimento psíquico experimentado pela vítima de violação aos seus direitos de personalidade. É a violação da dignidade humana provocando lesões à integridade física, intelectual ou moral do indivíduo. A ilicitude da ação ou omissão atinge todo e qualquer direito da personalidade, principalmente a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem. A verdade é que os efeitos gerados não são passíveis de reparação e ressarcimento, mas somente de compensação indenizatória que serve para diminuir a dor e aliviar o sofrimento pelo mal sofrido. Deve ser vista como uma pena privada, voltada a desestimular atentados contra a dignidade humana, através da diminuição do patrimônio do agressor.

O elemento nexo causal é um dos pressupostos fundamentais para a configuração da responsabilidade civil e do dever de indenizar. Refere-se à relação de causalidade entre o ato ilícito e o dano ou prejuízo sofrido pela vítima. Não sendo o dano sofrido por ato do agente, inexiste a relação de causalidade, conforme ensina Sílvio de Salvo Venosa (2003, pag. 39):

“O conceito de nexo causal, nexo etimológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, mas nunca dispensará o nexo causal. Se a vítima, que experimentou um dano, não identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida”.

O agente precisa ser responsável sobre os danos que, direta ou imediatamente, resultaram de sua ação ou omissão.

Já na culpabilidade do agente o art. 186 estabeleceu o dolo e a culpa como os elementos subjetivos da responsabilidade civil. No entanto não pode ser considerado elemento essencial, uma vez que a nossa legislação civil admite a ocorrência de responsabilidade civil sem culpa, como é o caso constante no art. 927 do CC. A culpa se caracteriza quando o causador do dano apesar de não ter a intenção de provocá-lo, mas por imprudência, negligência, imperícia causa dano e deve, portanto, repará-lo. Sempre que restar comprovada a presença de um dos três elementos: negligência, imperícia ou imprudência fica caracterizada a culpa do agente, surgindo o dever de reparação, pois mesmo sem intenção o agente causou dano. O dolo estará presente diante da ação omissão voluntária, consciente e intencional dirigida a provocar o dano moral.

Ocorrido o fato lesivo com os direitos da personalidade efetivamente atingidos e presentes os pressupostos de configuração da Responsabilidade Civil é suficiente para caracterizar o Dano Moral Indenizável.

3.2. O Dano Moral Aplicado ao Direito de Família

O direito de família é um ramo do direito que tutela as relações interpessoais, surgindo daí a controvérsia sobre a possibilidade da aplicação, neste ramo, do Dano Moral que se reveste em uma compensação pecuniária.

Não há regra específica sobre a matéria na legislação brasileira, na Jurisprudência o tema não é pacífico e a Doutrina é divergente nessa questão. Assim, paira a dúvida se caberia ao Judiciário adentrar na seara intrafamiliar para aplicar a normatização da responsabilidade civil, com o arbitramento de indenização, por se referir a uma compensação em relações nas quais sabidamente deve prevalecer o vínculo afetivo.

Partindo da premissa de que não há qualquer restrição legal quanto à aplicação da matéria no Direito de Família e de que o dano moral é um instituto do Direito e não está restrito a nenhum ramo específico, não permanecem motivos para afastá-lo quando configurado o dano moral.

O argumento para esse raciocínio e sua aplicação repousa na Constituição Federal, art. 5, inc. X, a qual faz alusão à violação dos direitos da personalidade caracterizador do dano moral passível de indenização, incluindo nessa constatação que as causas do Direito de Família são passíveis de obter compensações financeiras, reforçado pelo princípio fundamental consagrado pela CF/88, da dignidade da pessoa humana, que inclui os direitos indissociáveis da essência de cada ser humano observados em sua integralidade, direitos que se encontram implícitos no texto constitucional que certamente deve ser respeitado em todas as relações sociais e com maior ênfase nas relações familiares, tendo em vista que a família é o alicerce da sociedade.

Os direitos de personalidade são posições subjetivas que impõem a terceiros o dever de não intervenção sobre a esfera física, intelectual e moral de cada indivíduo. Tomar como base o conceito de dano moral auxilia no deslinde da controvérsia exposta, assim vejamos. Pela doutrina do Professor Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 80), “o dano moral configura-se com a violação da dignidade da pessoa humana ou de qualquer dos direitos da personalidade. Verifica-se que os direitos da personalidade revelam o gênero do qual a dignidade da pessoa humana é apenas uma de suas espécies.”

O Código Civil também assegura aos seus titulares o poder de exigir compensações indenizatórias em caso de violação do direito de personalidade, in verbis:

“’Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito de personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”

É notório que o Dano Moral deve ser oriundo de uma conduta reprovável revestida de ilicitude que provoque na vítima sofrimento profundo, dor moral no sentido mais amplo, oriundo da prática de atos cujo rol pode ser inesgotável,não valendo como argumento negativo o fato de que algumas situações já possuem sanções próprias.

Inúmeras são as situações que ensejam o Dano Moral no âmbito do Direito de Família. Não se restringe somente na esfera das relações conjugais, mas também no tocante estado de filiação, como exemplo, nos casos de abandono material, intelectual e moral do filho, e ainda, na negativa de reconhecimento da filiação.

O ato ilícito deve provocar uma perturbação psíquica, deixando sequelas na estrutura emocional da vítima. Portanto, não basta apenas a simples violação dos deveres do casamento, a menos que se verifique a infração grave dos deveres conjugais imputado ao cônjuge culpado. Na hipótese de noivos abandonados no altar, nesses casos, verifica-se uma dor, uma desilusão ou um constrangimento acima da média, capazes de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo.

Outro exemplo é citado com o ensinamento do autor Yussef Said Cahali, in verbis: “configura ato ilícito o assédio à esposa para a prática de atos sexuais anômalos, a se permitir a ocorrência de atentado ao pudor ou ofensa à honra da mulher”. Outra situação é a hipótese na qual se vale o homem da diferença sócio-econômica para constranger, humilhar e violentar física ou psicologicamente esposa ou companheira, para mantê-la sob o mesmo teto. É preciso ter a noção de que o mero aborrecimento não caracteriza o dano moral indenizável. O sofrimento precisa ser excepcional, que ultrapasse os padrões médios da tolerabilidade.

Ademais, a culpa nesse seara terá papel fundamental como embasador do pedido de ressarcimento por Danos Morais que ocasionem lesão aos direitos inerentes à personalidade dos cônjuges.

Os julgados dos Tribunais brasileiros ainda revelam-se tímidos no tocante à aplicação de ressarcimento por Danos Morais na esfera das relações familiares, no entanto com o amadurecimento das discussões sobre o tema haverá ampliação nos casos de responsabilização civil no direito de família, diante das graves lesões aos direitos personalíssimos.

3.3. Aplicação do Princípio da Dignidade Humana à Filiação

A Dignidade da Pessoa Humana é o princípio constitucional fundamental de valor supremo moral e ético, que leva consigo a síntese de todos os direitos fundamentais inerentes ao homem. Esse fundamento afasta a possibilidade de restrição deste princípio a algum ramo jurídico em detrimento dos direitos inseparáveis do indivíduo, analisados em sua dimensão individual.

Nas décadas anteriores à Constituição Federal de 1988 o respeito à pessoa era ignorado e prevalecia a todo tempo a vontade dos chefes de Estado ou até mesmo daqueles que detinham mais “poderes” (influência financeira) e com isso atrocidades eram cometidas impunemente a fim de satisfazer esses indivíduos.

Assim, superando o passado e visando compreender o presente busca-se a essência desse princípio e a sua dimensão. Entretanto incide sobre uma infinidade de situações. É certo que seguir por uma linha de entendimento exclusivamente intelectual seria impossível e baseado no entendimento de Walter Rothenburg esse e todos os outros princípios devem ser sentidos e experimentados no plano dos afetos.

A DIGINIDADE DA PESSOA HUMANA visa proteger todo e qualquer ser humano independente de qualquer requisito ou condição, tais como raça, cor, religião ou sexo. Ela concede unidade aos direitos e garantias fundamentais.

O Dano Moral nada mais é do que toda violação à dignidade humana que provoque lesões à integridade física, intelectual ou moral do indivíduo. O prejuízo recai sobre os direitos da personalidade como a honra, a vida privada, a imagem. Isso porque eles são irradiações da cláusula da dignidade da pessoa humana, consagrada na CF de 88. Tanto é que para ser aferida a intensidade do dano moral deve ser avaliada a dor experimentada pela vítima no seu sentimento de dignidade.

Dentre os direitos protegidos ligados à personalidade, os mais pertinentes ao tema, consagrados no artigo 229 da Constituição Federal, são o direito à vida, à dignidade humana, à alimentação, à saúde, à educação, à convivência familiar, dentre outros princípios, cujos preceitos dispostos na Magna Carta, devem ser aplicados na seara atinente ao tema.

Voltando a atenção às questões relacionadas ao Direito de Família, constata-se que os operadores do Direito precisam buscar respaldos nas reformas sociais e jurídicas consagradas nos últimos tempos para modificar a atual concepção vigente acerca da aplicação do Dano Moral no âmbito do Direito de Família. Evolução que prega a igualdade e a total observância à dignidade da pessoa humana.

Em suma, a concepção da família almeja novos rumos, frente aos princípios que norteiam nossa Constituição Federal, destacando-se o da igualmente e da dignidade da pessoa humana. Diante dessa sociedade moderna não se denota justo manter pensamentos retrógrados que não representem a realidade social. É possível partir dos princípios constitucionais fundamentais que podem e devem pautar as ações de caráter indenizatório, principalmente no campo do Direito de Família, ainda que seja necessário socorrer-se da Analogia, dos Princípios Gerais do Direito, das Doutrinas ou das Legislações e Jurisprudências Alienígenas.

3.4. Dano Moral decorrente do Abandono Afetivo

Superado o reconhecimento da aplicação do dano moral no âmbito do direito de família e a dignidade da pessoa humana como princípio que norteia todo o ordenamento jurídico, sobrevém a análise da aplicação do dano moral em decorrência do abandono por parte daqueles que detêm a obrigação de cuidado com a criança ou adolescente.

Permitir a aplicação do instituto da Responsabilidade Civil nas relações interpessoais ocasionadas pelo abandono afetivo é respeitar princípios constitucionais fundamentais, refletidos na dignidade humana, acompanhar a tendência social, voltada para a valorização do vínculo de afetividade e cumprir com as obrigações decorrentes da paternidade, seja ela civil ou biológica.

A discussão relativa ao afeto é um tema atual, mas não é pacífica, vem sendo reconhecido pela doutrina e parte da jurisprudência. No entanto não está expressamente disposto no ordenamento jurídico brasileiro, guardando divergências de entendimento.

Ocorreram evoluções nas relações familiares na medida em que as relações de sentimentos entre seus membros se acentuaram. Tanto é que a Constituição de 1988 seguindo a nova tendência alargou o conceito de entidade familiar, cedendo proteção especial não só à família constituída pelo casamento, como também à união estável, família monoparental. Essa mudança atingiu também a filiação, levando a figura do pater famílias a perder força e transformar-se em poder familiar, o vínculo consanguíneo deixou de ser a única opção para se estabelecer o parentesco e a proteção passou a ser integral da figura dos filhos. Cumpre acrescentar que parentesco não se confunde com família, inserida na concepção de família está o parentesco mais importante, qual seja a filiação.

Para a identificação do vínculo parental são utilizados três critérios, conforme orienta Heloisa Helena Barboza, citada por DIAS (2007, p.322):

“a) critério jurídico – previsto no Código Civil, estabelece a paternidade por presunção, independentemente da correspondência ou não com a realidade (CC 1.597); b) critério biológico – é o preferido, principalmente em face da popularização do exame de DNA; e (c) critério socioafetivo – fundado no melhor interesse da criança e na dignidade da pessoa humana, segundo o qual pai é o que exerce tal função, mesmo que não haja vínculo de sangue.”

Na filiação também surgiram novos conceitos que melhor retratam a realidade social, consagrando filiação sócio-afetiva. Fixou a constituição pilares, nos quais a nova filiação precisa basear-se na a plena igualdade entre filhos, a desvinculação do estado de filho ao estado civil dos pais e a doutrina da proteção integral. A relação sócioafetiva é fato que não pode ser, e não é desconhecido pelo Direito.

Seguindo na mesma linha de raciocínio está Assumpção (2004, p. 202) ao afirma que:

“O verdadeiro sentido da paternidade tem, neste início de milênio, três modelos: a paternidade jurídica do matrimônio (pater is est), a paternidade biológica, cuja relevância sempre foi reputada fundamental, podendo hoje ser claramente revelada pela pesquisa de DNA, e a paternidade socioafetiva, fruto do nascimento mais emocional e menos fisiológico, uma verdade que se constrói, haja vista que a paternidade exige mais do que apenas laços de sangue.”

O estabelecimento da filiação socioafetiva tem como base a posse do estado de filho, denominado como o reconhecimento jurídico do afeto, que busca garantir a felicidade como um direito a ser alcançado e materializado quando estiverem presentes todos os elementos pertinentes à concreta e efetiva relação filial, levando-se em consideração o comportamento daqueles que a integram.

Desse modo, traz Orlando Gomes (1994, p. 311):

“Ostentar um estado de filho é, ter de fato o título correspondente, desfrutar as vantagens a ele ligadas e suportar seus encargos. É passar a ser tratado como filho. E o estado de filho afetivo é identificado pela exteriorização da condição de filho, nas seguintes circunstâncias: a) sempre ter levado o nome dos presumidos genitores; b) ter recebido continuamente o tratamento de filho; c) ter sido constantemente reconhecido, pelos presumidos pais e pela sociedade, como filho.”

Em outra perspectiva, cabe trazer o exposto por Farias e Rosenvald (2008, p.520):

“De qualquer sorte, releva a lembrança de que a afetividade somente pode ser invocada para determinar o estado de filiação, jamais para negá-lo. Isto é, não pode o juiz acolher a tese da desafetividade, de modo a negar um vínculo. Se alguém pretende negar o vínculo, deverá se vale dos demais critérios, não do afetivo.”

Convém fazer uma breve síntese das espécies de filiação socioafetivas. É claro que não será em todos e quaisquer casos que haverá a presença da afetividade necessária para o estabelecimento do vínculo de filiação.

A Adoção admitida ordenamento jurídico pátrio, vem regulada no Código Civil, arts. 1618 a 1.629, e no Estatuto da Criança e do Adolescente nos arts. 39 a 52. É um instituto jurídico decorrente de um ato de vontade e sua eficácia está condicionada à chancela judicial. É indiscutível que na adoção o amor se faz na convivência que se constrói aos poucos, partindo da premissa que os pais adotivos são pais por opção, isto é, uma relação familiar construída de forma voluntária pelo simples desejo de serem pais, não está baseada em um fator biológico, mas em fator sociológico.

A Constituição Federal de 1988 veio e equiparou os filhos de sangue aos filhos adotivos, vedando-se qualquer discriminação entre eles quanto a direitos e qualificações, portanto a origem da filiação é única, depois de constituída pela sentença judicial e pelo registro de nascimento, o adotado assume a condição de FILHO.

Outra figura da filiação sociológica é o “filho de criação parte-se do pressuposto que a palavra filho não admite qualquer adjetivação, conforme aduz Maria Berenice Dias: essa complementação pejorativa está na hora de ser abolida. Nesse caso não há nenhum vínculo biológico, jurídico ou registral, presente apenas como vínculo probatório o afeto, contudo merece desfrutar de todos os direitos atinentes à filiação.

Esse não é um caso em que há convergência de entendimentos. De um lado sustenta-se que no sistema brasileiro não existe a adoção de fato, impossível, portanto o filho de criação ser equiparado ao biológico. Do outro lado, sob o fundamento de ausência de regulamentação e baseando-se em princípios constitucionais é possível reconhecer essa entidade familiar.

A adoção à brasileira é entendida como a que a paternidade ou maternidade biológica é reconhecida, mesmo não a sendo. Ainda que essa conduta constitua o crime de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do Código Penal, não tem havido condenações, pela motivação afetiva que envolve sua prática. Nesse caso, pode ser instituído o estado de filho afetivo (posse de estado de filho), tornando, dessa forma irrevogável o estabelecimento da filiação.

Ensina Lôbo (2004, p. 512) que:

A adoção à brasileira, dá-se com a declaração falsa e consciente de paternidade e maternidade de criança nascida de outra mulher, casada ou não, sem observância das exigências legais para adoção. O declarante ou declarantes são movidos pelo intuito generoso e elevado de integrar a criança à sua família, como se a tivesse gerado.”

A Filiação afetiva no reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade ou maternidade em uma tentativa conceitual deduz que reconhecimento voluntário da paternidade é o ato daquele que registra o seu filho voluntariamente e o reconhecimento judicial ocorre quando a admissão da filiação é obtida por sentença em processo judicial. Saliente-se que os dois atos são irrevogáveis.

Contudo, o reconhecimento apesar de ser irrevogável, poderá ser anulado por inobservância das formalidades legais ou por algum dos defeitos dos atos jurídicos, ou seja, o registro apenas pode ser invalidade se houver erro ou falsidade, conforme dispõe o art. 1.604 do atual Código Civil.

Assim, nesse reconhecimento voluntário ou judicial da paternidade é estabelecido o estado de filho não importando se biológico ou não, o que atribui direitos que provocam efeitos morais e patrimoniais.

Na fertilização artificial heteróloga, com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, é considerada como paternidade socioafetiva, apesar de que no Brasil ainda não possui legislação específica que regule a reprodução assistida, e os julgados que tratam sobre o tema ainda são poucos. A paternidade e maternidade socioafetiva na reprodução humana medicamente assistida, utilizam-se como base as regras éticas estabelecidas pelo Conselho Federal da Medicina e o Direito Comparado.

O art. 1597 do CC incluiu como causa de presunção de paternidade e da maternidade do filho concebido na constância do casamento e da união estável os filhos: “V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.”

Esse tipo de inseminação advém quando o material genético é oriundo de pais diferentes, ou seja, quando é utilizado sêmen de outro homem, normalmente doador anônimo, e não do marido, para a fecundação do óvulo da mulher. Desse modo, presume-se a paternidade e a maternidade dos filhos concebidos na constância do casamento. A única exigência é que o marido tenha autorizado previamente a utilização do sêmen estranho ao seu. Diante dessa autorização não cabe, durante ou após o casamento, a negativa de paternidade, haja vista que a filiação é presumida em favor do casal.

O amparo legal desse tipo de concepção vem para fortalecer a natureza fundamentalmente socioafetiva, e não somente a biológica, da filiação e da paternidade. Reafirmando que a família contemporânea busca preservar o comprometimento mútuo, identidade de projetos de vida e propósitos comuns, valorizando o que tem de mais relevante entre os familiares, o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, seguindo ideais pluralistas, solidárias, humanistas e democráticas.

Ao considerar o afeto como um atributo que dá sentido à existência, que constrói o indivíduo através das relações com outros indivíduos ou do meio social é possível afirmar que a sua falta é a desencadeadora de diversas mazelas sociais. Escreve Rolf Madaleno (2004) com bastante sabedoria:

Justamente por conta das separações e dos ressentimentos que remanescem na ruptura da sociedade conjugal, não é nada incomum deparar com casais apartados, usando os filhos como moeda de troca, agindo na contramão de sua função parental e pouco se importando com os nefastos efeitos de suas ausências, suas omissões e propositadas inadimplências dos seus deveres. Terminam os filhos, experimentando vivências de abandono, mutilações psíquicas e emocionais, causadas pela rejeição de um dos pais e que só servem para magoar o genitor guardião. Como bombástico e suplementar efeito, baixa a níveis irrecuperáveis a auto-estima e o amor próprio do filho enjeitado pela incompreensão dos pais.”

Consagrado o Princípio da Afetividade nos artigos 226, § 4º e 227 da Constituição Federal, tutelando não apenas a família formada pelo casamento e os filhos oriundos desse, mas também todas aquelas que se formam pela comunhão do afeto, independente de vínculo biológico. O afeto é a base para a formação de todo e qualquer indivíduo, quer quando prescinde da paternidade biológica, quer quando suplanta o aspecto biológico.

Antes de adentrar nas trágicas consequências que o ato de abandono pode gerar no filho, faz-se necessário elucidar as obrigações do PODER FAMILIAR, os quais não podem ser desrespeitados, sob pena de cometer ato ilícito, gerar danos e consequentemente o dever do Estado em punir e arbitrar uma compensação pecuniária.

Trazendo sob a égide jurídica, a CF impõe o dever dos pais em assegurar aos filhos "com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária", além de colocá-los "a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão". São questões intimamente ligadas às questões familiares e que envolvem o contato constante decorrente dos vínculos familiares.

 O Código Civil de 2002, nos artigos 1634, II determina a competência dos pais em ter os filhos menores em sua companhia e guarda; o artigo 1632 alerta que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos e completa que aos primeiros cabem o direito de ter os segundos em sua companhia. 

Analisando o Estatuto da Criança e do Adolescente, a proteção integral é mantida e o direito à convivência familiar é reafirmado quando determina que seja dever da família garantir, prioritariamente “a efetivação dos direitos referentes à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.” Dispõe o artigo 19:

“Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” 

A obrigação do poder familiar é regida pelo princípio da proteção integral de crianças e adolescentes até que cesse a menoridade. A affectio revela-se através da convivência familiar, concretizando a realização da dignidade da pessoa humana, já que é no grupo familiar que se inaugura o desenvolvimento psicológico, delineia o caráter e o equilíbrio para a convivência social. Dúvida não resta sobre os benefícios desse amparo paterno-filial.

A afetividade reveste-se no dever jurídico oponível aos pais, em caráter permanente, de dirigir a criação e educação dos filhos; tê-los em sua companhia e guarda, além de mantê-los financeiramente com base nas necessidades dos filhos, sejam elas: alimentação, vestuário, lazer, educação, saúde, verificando sempre o binômio necessidade versus possibilidade, necessidade de alimentos e possibilidade financeira do pai/mãe.

Ao tratar de filiação, importante elucidar o princípio constitucional da paternidade responsável que a Constituição Federal de 1988 traz como um dos fundamentos do planejamento familiar, garantindo a homens e mulheres o direito de decidir o tamanho de sua família, ou ficar apenas no âmbito do casal. O planejamento familiar, a saber, o ato consciente de planejar o nascimento dos filhos, tanto em relação ao número desejado, quanto à ocasião mais apropriada de tê-los, é livre e recebe proteção constitucional:

“Art. 226, § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.”

O Código Civil também faz referência no art. 1.565, §2º e a Lei 9.263/1996 regulamenta o planejamento familiar. São legislações com natureza promocional e não coercitiva, visa a orientação por meios, métodos e técnicas disponíveis para a regulação da fecundidade.

O cerne da questão está no que fato de que a criança veio ao mundo, por ato dos genitores, independentemente se desejada ou não, planejada ou não, cabendo aos pais arcarem com a responsabilidade desta escolha (consciente ou não).

Em contrapartida afastar-se de um filho, privando-o do convívio família e das demais obrigações que envolvem o poder familiar é violar um dever, é atentar contra a sua dignidade, impedindo que essa prole tenha um desenvolvimento sadio da personalidade e do seu amadurecimento enquanto ser humano, possibilitando que essa sofra de transtornos psicológicos, baixa autoestima, insegurança, dificuldades de relacionamento, como também pode desencadear riscos sociais como a criminalidade, o uso de substâncias entorpecentes. Punir a negligência dos genitores somente à perda do poder familiar não estaria compensando a “vítima” das consequências advindas da omissão da figura do genitor.

Ao revés, um pai, incluído nessa expressão os genitores e adotantes, que não pretende maiores aproximações com seu filho ou que só aceitou o reconhecimento da paternidade por imposição judicial, a decisão da perda do poder familiar traduz-se em um favor para esse genitor que não terá e/ou poderá mais se aproximar desse filho “rejeitado”, ainda que a responsabilidade de alimentar seja mantida.

Com fulcro nesse corolário, há motivação para que os pedidos de indenização sejam levados ao Poder Judiciário. Assim, necessária se faz tal condenação para firmar as responsabilidades decorrentes da ação volitiva de conceber uma criança, mesmo que advinda de uma situação não planejada ou que não haja relação marital entre os genitores. Portanto, o gerador não pode abandonar sua prole a própria sorte ou acreditar que uma pensão alimentícia irá suprir sua atenção e o acompanhamento da rotina dessa criança.

Não obstante, o dever de cuidar é obrigação inescapável e protegida pela norma constitucional. Dentre algumas obrigações essenciais para o desenvolvimento sadio de uma criança está o de assegurar a saúde, educação, convivência familiar, profissionalização e dignidade.

Assim, como é sabido, o descumprimento da lei gera consequências jurídicas, não estando restrito à perda do pátrio poder regido no Código Civil, cabendo perfeitamente, diante desse ilícito civil a condenação por indenização financeira. Exatamente como Giselda Hironaka (2005, p.3) afirma:

“Nesta vertente da relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade – há o viés naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de buscar-se indenização compensatória em face de danos que os pais possam causar a seus filhos por força de uma conduta imprópria, especialmente quando a eles são negados a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, o que acarretaria a violação de direitos próprios da personalidade humana, de forma a magoar seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social; isso, por si só, é profundamente grave.”  

Não se discorda que é um dano de delicada mensuração, mas não impossível, deve se levar em conta, inicialmente, as consequências aproveitadas pela vítima do abandono, o sofrimento, as circunstâncias em que ocorreu o dano e esses prejuízos devem ser comprovados por um profissional habilitado. Uma perícia deverá confirmar a extensão dos danos sofridos em função da ausência ou repulsa completa e notória da figura do pai, lato sensu, somente nesses casos haverá proteção do dano moral por abandono afetivo. Contudo, não se deve levar em consideração qualquer tipo de reclamação nesse sentido porque só a falta da figura dos pais não é suficiente para caracterizar o abandono afetivo. É cediço que vivemos na era da velocidade, o tempo é curto e parece correr cada vez mais depressa, assim, não haverá que ser reconhecido o dano moral devido às circunstâncias da vida, nos casos em que restar demonstrado que foi atribuída a atenção possível para aquele momento. A análise em epígrafe verifica a ausência de afeto por opção do genitor.

Insta enfatizar que a Natureza Jurídica do Dano Moral no nosso ordenamento jurídico é compensatória. O Brasil não adota o sistema norte-americano do punitive damages, ou seja, o dano moral de natureza punitiva. Pode até parecer que a condenação guarda uma intenção punitiva àquele genitor que gerou sua prole e não pretende assumi-la, cometendo assim o ilícito civil e, consequentemente, gerando a responsabilidade civil, mas o caráter é pedagógico para inibir a reiteração dessa conduta danosa.

Tal elucidação em nada contraria nosso ordenamento jurídico, ao contrário está em perfeita harmonia ao valorizar a Dignidade da Pessoa Humana. E, como toda obrigação está sujeita as sanções quando descumprida, não foi diferente quanto ao poder familiar, além da CF/88 e o Código Civil estarem de acordo, o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8069/90) estatuiu em seu art. 249 que a infração aos deveres do poder pátrio está suscetível à sanção, seja ela de reparação civil, de obrigação de fazer até destituição do poder familiar.

3.5. Obrigação de Amar

Os argumentos contrários à condenação do genitor por danos morais em face do abandono afetivo repousam na impossibilidade de obrigar os pais a amarem seus filhos, afirmando que o amor não tem preço e não há meios de impor esse dever a outrem. Nessa linha de raciocínio o pai deveria sim cumprir com suas responsabilidades financeiras, mas a obrigação estaria restrita ao sustento. Dos filhos. O pagamento regular da pensão alimentícia já seria suficiente para suprir as outras lacunas, inclusive sentimentais. Os pais para sustentarem seus filhos, já teriam que se esforçar trabalhando, com o objetivo de manter um bom nível de vida até a maioridade ou a formatura na faculdade. Considerando esse um ato de afeto e respeito.

No entanto, a proposta não é essa, a intenção é educar e orientar, no sentido de que se os pais não quiserem dar amor aos filhos, realmente ninguém poderá forçá-los, mas será responsabilizado por suas atitudes incompatíveis com os costumes e com o ordenamento jurídico pátrio, já que está regido na CF/88 que é direito da criança e do adolescente a vida, a saúde, a alimentação, a educação, o lazer, a profissionalização, a cultura, a dignidade, o respeito, a liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Conclui-se que ter um filho não se restringe ao dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana, onde o sustento é apenas uma das parcelas geradas pela paternidade. É certo que a valorização e a manutenção dos vínculos afetivos entre pais e filhos são fundamentais, entretanto para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença no momento que essa conduta compromete a formação da criança abandonada afetivamente é imprescindível.

O Judiciário não é e nunca vai ser competente para condenar alguém no sentido de obrigar a amar um filho, mas no sentido de fazer-se cumprir os deveres decorrentes do poder familiar, uma vez que é abandono moral grave, merecedor de severa atuação do Poder Judiciário. Assim, não é correto afirmar que é uma condenação ao pagamento de indenização pelo desamor e sim pelo descumprimento de um dever que lhe é imposto desde o momento em que gerou uma criança.

Não haveria como o Poder Judiciário negligenciar esse assunto ao deparar-se com uma situação em que o pai coloca um filho no mundo e sob o pretexto de não amá-lo o abandona à mercê da própria sorte.

4. ANÁLISE DOUTRINÁRIA

Não há consenso na doutrina acerca da aplicação do dano moral em decorrência do abandono afetivo, causados pelos pais que descumpriram com os deveres decorrentes do poder familiar. Diante da ausência de legislação específica, as posições doutrinárias se mantêm divergentes.

A parcela dos doutrinadores favoráveis à essa reparação civil defende seus argumentos baseados na proteção do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, no princípio implícito da afetividade e no princípio da proteção integral da criança e do adolescente, bem como no descumprimento dos deveres do poder familiar.

Verifica-se que Maria Berenice Dias se posiciona afirmando “a omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter um filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação,”

Seguindo o mesmo entendimento, tem-se o ensinamento de Maria Celina Bodin (2005, p. 39):

“a lei obriga e responsabiliza os pais no que toca aos cuidados com os filhos. A ausência desses cuidados, o abandono moral, viola a integridade psicofísica dos filhos, bem como o princípio da solidariedade familiar, valores protegidos constitucionalmente.”

Corrobora desse pensamento Priscilla Menezes da Silva (2011):

O que se deveria tutelar com a teoria do abandono afetivo é o dever legal de convivência. Não se trata aqui da convivência diária, física, já que muitos pais se separaram ou nem chegam a viver juntos, mas da efetiva participação na vida dos filhos, a fim de realmente exercer o dever legal do poder familiar.”

Analisando as palavras das autoras citadas, comprova-se que a conduta omissiva do pai atenta contra a dignidade da criança, causando-lhe transtorno emocional, social e intelectual, suficiente para caracterizar o ilícito gerador do dever de indenizar.

Compartilha desse entendimento Bernardo Castelo Branco (2006, p.94):

A conduta omissiva dos pais no tocante à formação moral dos filhos, permitindo-lhes o livre acesso a ambientes nocivos ao seu desenvolvimento, ao contato com jogos, álcool e drogas, entre outros fatores deturpadores da personalidade, constitui, portanto, a adoção de comportamento ilícito, uma vez que viola um dever juridicamente imposto aos titulares do poder familiar.”

Convém ressaltar que a intenção dessa reparação não é o caráter punitivo. Na verdade busca-se concretizar o entendimento de que a omissão parental gera consequências jurídicas. É, neste sentido, a lição de Rolf Madaleno (2007, p.128), ao dispor que:

“o dano à dignidade humana do filho em estágio de formação deve ser passível de reparação material, não apenas para que os deveres parentais deliberadamente omitidos fiquem impunes, mas principalmente, para que, no futuro, qualquer inclinação ao irresponsável abandono possa ser dissuadida pela firme posição do Judiciário, ao mostrar que o afeto tem um preço muito caro na nova configuração familiar.”

Em sentido oposto, está a outra parte da doutrina que não reconhece a possibilidade da reparação pecuniária nos casos de abandono afetivo, sob pena de estar quantificando e impondo o amor. Afirmando, ainda, que a sanção prevista para esses casos já se encontra inserido no direito de família, qual seja a destituição do poder familiar.

Adepto deste argumento é Renan Kfuri Lopes (2006, p.54): “a violação aos deveres familiares gera apenas as sanções no âmbito do Direito de Família, refletindo, evidentemente, no íntimo afetivo e psicológico da relação.”

Sob essa ótica argumenta-se que ninguém pode impor a um pai amar seu filho. Como seria possível postular amor em juízo? Não estaria o Judiciário competente para criar ou conceder esse sentimento íntimo do ser humano.

Contrariando esse pensamento, assevera-se, mais uma vez, que a indenização se afigura possível em razão da prática de um ato ilícito, revestido no descumprimento do dever de convivência familiar, direito fundamental da criança e do adolescente.

Para os opositores da indenização nos casos de abandono afetivo, a propositura de ação de reparação civil tem o condão de prejudicar ainda mais a relação paterno-filial, afetando a convivência familiar. Este argumento é inoportuno porque essa relação paterno-filial precisou chegar ao Judiciário na tentativa de salvar algum vínculo, não sendo este possível, caberá ao menos a reparação do dano causado. O verdadeiro objetivo é o caráter pedagógico e compensatório, de maneira a influenciar e desestimular as futuras negligências no campo afetivo e financiar o tratamento pelo dano psicológico gerado no filho.

A análise sobre esse tema e de todos que envolvam relação interpessoal deve ser responsável e prudente para apontar os requisitos autorizadores da responsabilização civil, para que, uma vez comprovado o nexo de causalidade entre o dano sofrido pelo filho e a atitude omissiva e voluntária do pai no cumprimento do dever de convivência familiar, possa surgir o dever de indenizar.

5. ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

Analisando a jurisprudência acerca do tema, as mudanças ocorridas na estrutura familiar são perceptíveis. É incontestável que a afetividade passou a ser o instrumento propulsor das famílias contemporâneas e os tribunais pátrios, como era de se esperar, vêm recepcionando, ainda que lentamente, as demandas cujo objeto é a reparação civil do dano moral decorrente do descumprimento do dever de convivência familiar.

A primeira decisão no ordenamento jurídico pátrio que levantou a discussão no tocante à possível indenização por danos morais decorrente do abandono afetivo foi proferida pelo juiz Mario Romano Maggioni, em 15.09.2003, na 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa – RS (Processo n.º 141/1030012032-0). A referida decisão, inédita até então, permitiu que o genitor fosse condenado ao pagamento de 200 salários-mínimos de indenização, a título de compensação pela ausência moral e afetiva com relação à sua filha.

O magistrado tomou como fundamento os deveres decorrentes da paternidade, insculpidos no art. 22 da Lei n.º 8.069/90, dispondo que: “aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos (art. 22, da lei nº 8.069/90). A educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme”.

Aproveitou o ensejo e ressaltou as consequências negativas que podem decorrer do abandono afetivo na filiação, ao considerar que: “a ausência, o descaso e a rejeição do pai em relação ao filho recém-nascido, ou em desenvolvimento, violam a sua honra e a sua imagem. Basta atentar para os jovens drogados e ver-se-á que grande parte deles derivam de pais que não lhes dedicam amor e carinho; assim também em relação aos criminosos.”

No mesmo julgado, o Ministério Público, intervindo no interesse de menores posicionou-se contrário à decisão, considerando não ser da competência do judiciário a condenação ao pagamento de indenização por desamor. Contudo, em que pese tais argumentações, a sentença foi julgada procedente, transitou em julgado em razão da não interposição de recurso pelo réu, considerado revel no processo.

Decisão favorável ao tema adveio também da apelação cível de nº. 70021427695, do TJRS, da Comarca de São Gabriel, em que o Desembargador Claudir Fidélis Faccenda deu provimento parcial ao apelo do autor, confirmando a sentença monocrática que condenou o réu a indenização por danos morais provenientes do abandono afetivo. Afirma em sua decisão que:

É perfeitamente possível o filho buscar reparação pecuniária do pai por danos morais, em casos onde há a efetiva comprovação de que houve negativa de amparo afetivo, moral e psicológico de que toda criança necessita. A violação dos direitos à personalidade do filho, como a honra, a imagem, dignidade e a reputação social, é passível de reparação no âmbito da responsabilização civil e assegurada pela Constituição Federal (art. 5, inc. X).” (TJRS, 2007).

Outra decisão favorável e de grande repercussão fora proferida pela Sétima Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais (TAMG) que, seguindo a mesma linha de argumentação da supramencionada, reformou a sentença proferida pela 19ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte - MG, para condenar o pai ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 44.000,00 (quarenta e quatro mil reais), independentemente do descumprimento da prestação alimentar, ao argumento de que restou configurado nos autos o dano à dignidade do menor, provocado pela conduta ilícita do pai que não cumpriu o dever que a lei lhe impõe de manter o convívio familiar com o filho. Considerando que a dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito à convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana. (TAMG, AC 4085505-54.2000.8.13.0000, 7ª C. Cível, Rel. Juiz Unias Silva, julg. 01.04.2004, pub. 29.04.04).

Do acórdão supramencionado, o pai do menor impetrou Recurso Especial para o Superior Tribunal e Justiça (STJ), 757.411/MG, o qual foi conhecido e provido pelo ministro relator Fernando Gonçalves e acompanhado pelos ministros Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini e César Asfor Rocha, julgando improcedente a ação. Segue a Ementa:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ABANDONO MORAL. REPARAÇÃO. DANOS MORAIS. IMPOSSIBILIDADE.

1. A indenização por dano moral pressupõe a prática de ato ilícito, não rendendo ensejo à aplicabilidade da norma do art. 159 do Código Civil de 1916 o abandono afetivo, incapaz de reparação pecuniária. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (grifo meu)

Apenas o ministro Barros Monteiro, voto dissidente, não conheceu do recurso, por entender cabível a reparação por danos morais decorrente do abandono afetivo. Assim explicitou seu voto:

O Tribunal de Alçada de Minas Gerais condenou o réu a pagar 44 mil reais por entender configurado nos autos o dano sofrido pelo autor em sua dignidade, bem como por reconhecer a conduta ilícita do genitor ao deixar de cumprir seu dever familiar de convívio e afeto com o filho, deixando assim de preservar os laços de paternidade. Esses fatos são incontroversos. Penso que daí decorre uma conduta ilícita da parte do genitor que, ao lado do dever de assistência material, tem o dever de dar assistência moral ao filho, de conviver com ele, de acompanhá-lo e de dar-lhe o necessário afeto.” (STJ, 2005).

O ministro, nesse caso, votou pela improcedência do recurso por entender que a conduta ilícita, o dano e o nexo causal estavam presentes, decorrendo o dever de reparação, enquadrando-se a norma prevista no artigo 186 do CC, pois o prejuízo de cunho moral resta evidenciado com o sofrimento, com a dor, com o abalo psíquico sofrido pelo autor durante todo esse tempo.

Vê-se pelos trechos dos julgados mencionados que parte da jurisprudência reconhece o encargo decorrente do poder familiar e o dever de indenizar diante do prejuízo para os direitos da personalidade do filho menor, guiando-se pelo princípio da dignidade da pessoa humana, pelo direito do filho à convivência familiar e da valoração jurídica do afeto. Conquanto a questão da reparação civil em caso de abandono moral e afetivo na filiação não encontra consenso. Presentes, ainda decisões conflitantes, como esta proferida no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG):

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAI. ABANDONO AFETIVO. ATO ILÍCITO. DANO INJUSTO. INEXISTENTE. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. MEDIDA QUE SE IMPÕE.

O afeto não se trata de um dever do pai, mas decorre de uma opção inconsciente de verdadeira adoção, de modo que o abandono afetivo deste para com o filho não implica ato ilícito nem dano injusto, e, assim o sendo, não há falar em dever de indenizar, por ausência desses requisitos da responsabilidade civil.” (TJMG, AC 0063791-20.2007.8.13.499, 17ª C. Cível, Rel. Des Luciano Pinto, julg. 27.11.2008, pub. 09.01.09).

O entendimento nesse julgamento foi de que o afeto não é um dever do pai e, portanto, o seu descumprimento não representa ato ilícito ou dano injusto geradores do dever de indenizar.

É interessante destacar o voto do Ministro Relator, no referido julgado, para quem não seria cabível a reparação civil nos casos de abandono afetivo:

No caso de abandono ou do descumprimento injustificado do dever de sustento, guarda e educação dos filhos, porém, a legislação prevê como punição a perda do poder familiar, antigo pátrio-poder, tanto no Estatuto da Criança e do Adolescente, art. 24, quanto no Código Civil, art. 1638, inciso II. Assim, o ordenamento jurídico, com a determinação da perda do poder familiar, a mais grave pena civil a ser imputada a um pai, já se encarrega da função punitiva e, principalmente, dissuasória, mostrando eficientemente aos indivíduos que o Direito e a sociedade não se compadecem com a conduta do abandono, com o que cai por terra a justificativa mais pungente dos que defendem a indenização pelo abandono moral. Por outro lado, é preciso levar em conta que, muitas vezes, aquele que fica com a guarda isolada da criança transfere a ela os sentimentos de ódio e vingança nutridos contra o ex-companheiro, sem olvidar ainda a questão de que a indenização pode não atender exatamente o sofrimento do menor, mas também a ambição financeira daquele que foi preterido no relacionamento amoroso.”

Pelo conteúdo da decisão no Recurso Especial (REsp) n.º 757.411 – MG, verifica-se que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguia nessa mesma linha de raciocínio, para o qual o descumprimento dos deveres jurídicos decorrentes do poder familiar encontrava solução no próprio direito de família, com a perda do poder familiar, prevista no Código Civil.

Até o presente momento, não houve pronunciamento do Pretório Excelso relativo ao tema ora tratado. Foi interposto o Recurso Extraordinário 567194/MG, Relatora Min. Ellen Gracie, considerando em, 18/08/2009, que a matéria reside no âmbito da legislação infraconstitucional e o assunto pressupõe reexame do conjunto fático-probatório, o que contraria a Súmula n.º 279 do STF, conforme verificação da ementa:

CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. ABANDONO AFETIVO. ART. 229 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DANOS EXTRAPATRIMONIAIS. ART. 5º, V E X, CF/88. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. 1. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, consoante iterativa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. A análise da indenização por danos morais por responsabilidade prevista no Código Civil, no caso, reside no âmbito da legislação infraconstitucional. Alegada ofensa à Constituição Federal, se existente, seria de forma indireta, reflexa. Precedentes. 3. A ponderação do dever familiar firmado no art. 229 da Constituição Federal com a garantia constitucional da reparação por danos morais pressupõe o reexame do conjunto fático-probatório, já debatido pelas instâncias ordinárias e exaurido pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. Incidência da Súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 5º, V e X, da Constituição Federal. 5. Agravo regimental improvido.”

Ouvindo os reclames da doutrina e dos Tribunais de Justiça que consagravam a possibilidade jurídica de indenização do dano moral decorrente do abandono afetivo da filiação, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, felizmente modificou o posicionamento sustentado, no sentido de que é a infração do dever legal de manter a convivência familiar (art. 1634, II, CC/02), aliada a infração dos deveres de guarda e educação (art. 22 do ECA) que ensejam a reparação civil do dano moral decorrente do abandono afetivo na filiação. Sendo categórico no sentido de afirmar que não se trata de obrigar um pai a amar um filho, mas de responsabilizar civilmente aquele que descumpre um dever jurídico.

Na confluência deste raciocínio, trecho do voto da Ministra Nancy Andrighi no recurso especial nº1.159.242-SP, Dje10/05/2012, verbis: “amar é faculdade, cuidar é dever.”

Por oportuno, transcreve-se o atual posicionamento do colendo Superior Tribunal de Justiça, nestes casos:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.

1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.

2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.

3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de

criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.

4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.

6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.

7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ, Resp 1159242 / SP, 3ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, julg. 24.04.12, DJe 10.05.12).

Acerca da decisão proferida pelo STJ, interessante destacar, a importante lição de Maria Berenice Dias (2009, p.417):

Profunda foi a reviravolta que produziu, não só na justiça, mas nas próprias relações entre pais e filhos, a nova tendência da jurisprudência, que passou a impor ao pai o dever de pagar indenização, a título de danos morais, ao filho pela falta de convívio, mesmo que venha atendendo ao pagamento da pensão alimentícia. A decisão da justiça de Minas Gerais, apesar de ter sido reformada pelo STJ, continua aplaudida pela doutrina e vem sendo amplamente referendada por outros julgados. Imperioso reconhecer o caráter didático dessa nova orientação, despertando a atenção para o significado do convívio entre pais e filhos. Mesmo que os genitores estejam separados, a necessidade afetiva passou a ser reconhecida como bem juridicamente tutelado.”

Acrescentando sobre tudo que já foi relatado, o dano moral caracteriza-se independentemente do cumprimento da prestação alimentícia, já que esta tem ligação direta com o abandono material. Assim, pode haver configuração do abandono moral, em razão do descumprimento por parte do pai do dever de prestar assistência moral ao filho, prejudicando o desenvolvimento completo e sadio da personalidade do mesmo.

Por fim, o entendimento contrário à condenação de dano moral decorrente do abandono afetivo, sob a ótica de estar quantificando o afeto não é mais suficiente, se levar em consideração que outros direitos da personalidade também estariam sendo quantificada como a dignidade, a imagem, a honra e nem por isso o judiciário deixa de conceder indenizações nos casos em que restam configurados danos a esses direitos extrapatrimoniais.

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como cerne defender a aplicação do dano moral ao direito das famílias, decorrente do abandono afetivo. A diretriz da temática foi o acompanhamento da evolução da família, em conjunto com a valorização do afeto. Cabe citar como pontos importantes desse avanço o fim do modelo patriarcal, absoluto e ilimitado, dando lugar à afetividade e a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988, dando importantes destaques à Família.

As modificações sociais levaram e continuam influenciando as mudanças gradativas na nossa legislação referente à família e à filiação.

Vela a CF/98 (art.227) que é assegurado às crianças e aos adolescentes o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Não cabendo, portanto o descumprimento da legislação.

O tema da Responsabilidade Civil não está limitado às questões patrimoniais, já que no ordenamento jurídico pátrio não há qualquer restrição, ao contrário o Dano Moral nada mais é do que toda violação à dignidade humana que provoque lesões à integridade física, intelectual ou moral do indivíduo. O prejuízo recai sobre os direitos da personalidade como a honra, a vida privada, a imagem todos extrapatrimoniais.

Isso porque eles são irradiações da cláusula da dignidade da pessoa humana, consagrada na CF de 88. Tanto é que para ser aferida a intensidade do dano moral deve ser avaliada a dor experimentada pela vítima no seu sentimento de dignidade

Assim, não resta motivo para impedir essa aplicação nas relações interpessoais, não há que se apegar a um detalhe que não interfere na intenção que o instituto do abandono afetivo guarda aproximar-se da realidade das famílias modernas.

Quando o genitor descumpre com as obrigações advindas do poder familiar, regidas na constituição (art. 227 CF), fere os direito da personalidade, atinge o princípio fundamental da CF, qual seja o Princípio da Dignidade Humana. Diante do cometimento de ato ilícito (art.186 cc), o dano causado, há de ser ressarcido.

Não seria razoável o Poder Judiciário não acatar os incessantes pedidos de indenização em face dos pais/mães faltosos, os quais geraram o filho e conscientemente optaram por rejeitá-lo, seja porque não planejaram a chegada daquela criança ou porque já não mantêm relação com a parceira(o), não está a se buscar o motivo e sim as consequências que esses atos causaram no desenvolvimento saudável da prole.

A doutrina é divergente e a Jurisprudência também não é pacífica, mas há indicação de amadurecimento. A verdade é que os efeitos gerados não são passíveis de reparação e ressarcimento, mas somente de compensação indenizatória que serve para diminuir a dor e aliviar o sofrimento pelo mal sofrido. Deve ser encarada como uma pena pedagógica, voltada a desestimular atentados contra a dignidade humana, através da diminuição do patrimônio do agressor.

Da mesma forma que a Constituição Federal de 1988 protege o direito das Crianças e Adolescentes, impondo obrigações aos genitores, preserva a aplicação do princípio constitucional da paternidade responsável como um dos fundamentos do planejamento familiar, garantindo a homens e mulheres o direito de decidir o tamanho de sua família, ou ficar apenas no âmbito do casal. Não condenar esses “pais” ausentes à uma compensação ao dano cometido e permitir que continuem negligenciando as obrigações do poder famílias, rejeitando um filho e excluindo-lhes direitos, é o mesmo “punir quem não tem culpa, é brindar quem infringiu os ditames legais”.

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Publicado por: priscila Marques Degani

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