Multiparentalidade e seus efeitos jurídicos

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1. RESUMO

Este trabalho tem como objetivo analisar as possibilidades de multiparentalidade e os seus efeitos jurídicos. E como problemas têm que uma vez reconhecida e admitida a multiparentalidade, quais os efeitos jurídicos que dela decorrem? Em resposta ao problema, pode ser elaborada a hipótese com base na legislação, que garante ao menor envolvido amparo legal, não sendo desligado dos vínculos familiares biológicos. Nota-se quando é possível adotar a multiparentalidade como uma opção, e os reflexos que essa modalidade gera, no âmbito do registro civil e da sucessão. Para que isso aconteça é necessário identificar quando há o vínculo afetivo, para que seja de interesse do filho em prioridade, sem que se retire o vínculo com os pais biológicos. Definindo assim como ficará o registro civil, podendo adotar ou não os sobrenomes dos pais tanto biológicos quanto afetivos, e a presença dos nomes deles sem prevalência de filiação. E quando aplicar o direito sucessório, para que nenhum tipo de filho seja prejudicado, e que todos sejam tratados de forma igualitária como a lei ordena. Sendo possível identificar outras obrigações que derivam dessa modalidade, como a prestação alimentícia, de forma recíproca, e o vínculo que nasce aos demais parentes de linha reta e colaterais. A metodologia utilizada foi a dedutiva, pesquisa bibliográfica e documental, realizada de maneira interdisciplinar, analisando o Direito Civil, Direito de Família, Constituição Federal, casos concretos, entre outros, visto que o tema envolve discussões nestes domínios do Direito.

Palavras chave: Multiparentalidade. Afetividade. Efeitos. Sucessório.

ABSTRACT

This paper aims to analyze the possibilities of multi-parenting and its legal effects. And as problems have to be recognized and admitted to multiparenting, what are the legal effects that result from it? In response to the problem, the hypothesis can be elaborated based on the legislation, which guarantees the minor involved legal protection, without being disconnected from biological family bonds. It is noticeable when it is possible to adopt multiparenting as an option, and the reflexes that this modality generates, in the scope of civil registration and succession. For this to happen, it is necessary to identify when there is an affective bond, so that it is of interest to the child in priority, without removing the bond with the biological parents. Thus defining how the civil registry will be, being able to adopt or not the surnames of both biological and affective parents, and the presence of their names without the prevalence of affiliation. And when to apply the right of succession, so that no type of child is harmed, and that everyone is treated equally as the law requires. It is possible to identify other obligations that derive from this modality, such as the provision of food, in a reciprocal way, and the bond that is born to other straight and collateral relatives. The methodology used was deductive, bibliographic and documentary research, carried out in an interdisciplinary way, analyzing Civil Law, Family Law, Federal Constitution, concrete cases, among others, since the theme involves discussions in these areas of Law.

Keywords: Multiparenting. Affectivity. Effects. Succession.

2. INTRODUÇÃO

O tema proposto busca analisar a possibilidade da multiparentalidade, seus efeitos jurídicos e sua aplicabilidade sobre o Direito de Família, que ao longo dos anos se desenvolveu para representar a sociedade atual, que é visto com ampla participação de demais entes familiares.

Diante disso, tem-se como problema a seguinte questão: Uma vez reconhecida e admitida a multiparentalidade, quais os efeitos jurídicos que dela decorrem? Quais são as consequências jurídicas de se reconhecer a possibilidade de se ter mais de um pai ou mais de uma mãe?

Em resposta ao problema, pode ser elaborada a hipótese com base na legislação, que garante ao menor envolvido amparo legal, não sendo desligado dos vínculos familiares biológicos.

Logo, optou-se por elaborar um objetivo geral, que se pauta em analisar o instituto da multiparentalidade e, de maneira específica, os seus efeitos jurídicos, passando pelo campo do direito de família (guarda e alimentos), pelo campo registral (registro civil), pelo direito sucessório (direito a herança) e até mesmo no direito previdenciário (pensão por morte), cuja análise passa, obrigatoriamente, na preservação do melhor interesse do menor envolvido e na proibição de qualquer tipo de descriminação entre os filhos, aplicando-se, pois, o princípio da isonomia filial[1].

Tem por justificativa jurídica debater sobre os efeitos da multiparentalidade, e ser de grande relevância social por existir um grande número de famílias que vivem nessa realidade. A metodologia utilizada foi a dedutiva, pesquisa bibliográfica e documental, realizada de maneira interdisciplinar, analisando o Direito Civil, Direito de Família, Constituição Federal, casos concretos, entre outros, visto que o tema envolve discussões nestes domínios do Direito.

Na busca destes objetivos, se fez, em um primeiro momento, uma análise do desenvolvimento histórico da vida em sociedade e a aplicabilidade do direito nas novas relações de família que surgiram com este desenvolvimento, sendo fundamental compreender a importância que a Constituição Federal de 1988 teve nesse campo, pois encampou a idéia de família eudemonista, ou seja, de que a família não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para que seus indivíduos possam alcançar seus objetivos enquanto pessoa, notadamente a busca pela felicidade.

Com isso foi possível que o Supremo Tribunal Federal reconhecesse como família a união estável entre pessoas do mesmo sexo (ADI 4277) e, na sequência, o Superior Tribunal de Justiça reconhecer a possibilidade de que pessoas do mesmo sexo pudessem casar (REsp 1.183.378/RS), resultando então na edição da Resolução 175/13 do CNJ, que regulamentou a celebração de casamento civil e a conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Pensando então no afeto como fator de redesenho das famílias e esta como um meio à disposição do indivíduo na busca da felicidade, foi então possível reconhecer a multiparentalidade, que nada mais é do que a possibilidade de se ter mais de um pai ou mais de uma mãe, cuja tese foi validada pelo Supremo Tribunal Federal, que, em 2016, em um caso que se discutia eventual prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica, restou decidida que “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

Obviamente que o reconhecimento jurídico de que é possível ter mais de um pai ou mais de uma mãe trouxe diversos impactos para o direito, que, como dito, consiste no objetivo deste trabalho, a exemplo do direito aos alimentos, que foi analisado em dois aspectos, tanto o filho fazendo jus aos alimentos de dois pais ou duas mães, como o direito de ambos os pais (biológico e afetivo) pleitearem alimentos do filho.

Ainda relacionado com o direito de família, investigou-se a questão da guarda, que, como se sabe, deve ser pensada sempre no interesse da criança/adolescente, sem se olvidar do direito de visitas dos pais e dos avos, bem como a questão relacionada aos impedimentos matrimoniais.

Já no campo do direito sucessório se fez uma análise do direito a herança, sendo investigada a situação de falecimento de ambos os pais (biológico e afetivo) e o direito do filho de herdar de ambos, mas também a situação inversa, essa mais problemática, pois não há uma solução no Código Civil.

Outro aspecto jurídico que foi objeto de investigação diz respeito ao nome e, consequentemente, a questão do registro civil.

Enfim, espera-se que este trabalho tenha respondido o questionamento feito e que possa de alguma maneira, contribuir para esse tema tão relevante para o direito familiar. 

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA FILIAÇÃO

3.1. CONCEITO DE FAMÍLIA E SUA EVOLUÇÃO

Historicamente, antes do homem se organizar em comunidades, eram constituídos por grupos de pessoas que possuíam um mesmo ancestral em comum, ou através do matrimônio, de modo que, em sentido amplo, era possível definir a família como sendo os seres ligados por vínculos da consanguinidade ou afinidade.

Para a construção da família, seus membros tinham obrigações, e era a figura masculina que exercia o papel central, conhecido como “patriarca”. Com o crescimento dessas entidades familiares é que surgiu às primeiras sociedades, sendo este instituto considerado a unidade social mais antiga.

Com o passar do tempo à formação da família começou a se modificar, e sua estrutura ficou cada vez mais reduzida, ocasião em que a sua formação passou a ser a união entre homens e mulheres mediante um ato solene, o casamento.

Em outra quadra da história, o casamento deixou de ser algo obrigatório para a construção familiar, tanto que o direito passou a tutelar, por exemplo, as uniões estáveis e até mesmo famílias formadas por um único indivíduo, sem se esquecer de outras composições familiares, como as relações homoafetivas.

Assim, pode-se dizer que nos dias atuais há um novo elemento que está sendo utilizado pelo legislativo, judiciário e pelos demais operadores do direito que está dando uma nova cara a esse instituto, que é o afeto[2].

Antes de chegar nessas novas composições familiares construídas no afeto, é importante compreender como a família era tratada pelo nosso ordenamento jurídico, tendo por início o Código Civil de 1916, cujo artigo 229[3] dispunha que o casamento era a única união que legitimava a família.

Por conseguinte, uma família constituída fora do matrimônio era considerada ilegítima, assim como os filhos nascidos dessa relação. Em outras palavras, o CC/1916 não tutelava o relacionamento extraconjugal, tampouco os frutos dessa relação.

Aqui é importante tecer uma observação, pois nessa época as famílias eram administradas totalmente pelos homens[4], que era quem desempenhava o trabalho profissional, ou seja, o marido era o único que podia exercer funções fora do lar, sendo ele também o responsável por controlar toda a sociedade conjugal, fazendo de sua esposa e filhos submissos. Dito de outra forma, o homem era visto em posição de chefia, o único que possuía direitos tanto em casa como perante a sociedade.

Com o decorrer do tempo verificou-se uma mudança na concepção de família e até mesmo na situação da mulher, que deixou de ser submissa para também adquirir e exercer direitos, cujo grande salto foi com a Constituição Federal de 1988, ocasião em que as mulheres tiveram seus direitos reconhecidos não apenas no âmbito do casamento, mas na vida em sociedade.

Falando da Constituição de 1988, esse documento trouxe um grande salto evolutivo para o direito de família, uma vez que este diploma consagrou o princípio constitucional da pluralidade das entidades familiares (CF, art. 226, caput).

Dito de outra forma, a Constituição Federal de 1988 reconheceu o casamento como um dos modos de constituição da entidade familiar, mas deixou claro que este não é o único e nem se sobrepõe, hierárquica ou valorativamente, aos demais, ou seja, o casamento é uma das múltiplas formas de constituição de entidade familiar.

Por óbvio, ao reconhecer outras formas de constituição de entidades familiares, o legislador constituinte pôs fim à distinção existente entre a chamada família legítima e outras formas de expressão do afeto.

Comentando essa nova feição trazida pelo Texto Constitucional, o professor Cristiano Chaves nos diz que com a CF/88, a família foi pluralizada, assumindo diferentes feições e o casamento perdeu a exclusividade, mas não a proteção, ou seja, continua tutelado como uma das formas de constituir a entidade familiar, através de uma união formal, solene, entre homem e mulher, embora não possua mais a característica da exclusividade, convivendo com outros mecanismos de constituição de família, como a união estável, a família monoparental, a família homoafetiva, etc.[5]

Assim, ao dispor textualmente que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, o legislador constituinte deixou evidente que todo e qualquer núcleo familiar, qualquer que seja ele e independente da forma que foi constituído merecem proteção estatal, não podendo sofrer discriminações. O casamento, em meio a esta multiplicidade de núcleos afetivos, continua protegido, apenas perdendo o exclusivismo.[6]

Em resumo, pode-se dizer que o texto constitucional causou uma reviravolta na compreensão que se tinha de família, como fica claro nas palavras de Cristiano Chaves, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt Jr e Wagner Inácio Freitas Dias:

Superação da existência de uma família legítima. Não mais se justifica a qualificação do casamento como família legítima, em face da especial proteção dedicada pelo Estado aos núcleos familiares como um todo (CF, art. 226). Bem por isso, não é mais e possível tratamento discriminatório entre os filhos, nem qualquer distinção protetiva entre os diferentes tipos de entidades familiares. Casamento, união estável, família monoparental, família homoafetiva, família avoenga, família anaparental... são diferentes modelos de família, merecedoras de especial proteção do Estado, sem qualquer categorização ou hierarquia entre eles. Ate porque uma pessoa humana não pode merecer mais ou menos proteção jurídica por conta do tipo de família escolhido.[7]

Como dito, essas mudanças passam pela compreensão de que a nossa atual Constituição consagrou a noção de família eudemonista, ou seja, a família deve ser vista como um meio ou um instrumento pelo qual a pessoa desenvolve a sua personalidade com vistas a alcançar o seu objetivo, que é a felicidade, sendo este o principal motivo pelo qual o direito de família deve voltar seus olhos para as pessoas que compõe a família, e não para a família como instituição.

Consequentemente, esse novo paradigma, pautado no afeto e na busca da felicidade causou um salto evolutivo na compreensão do que é família, abrindo espaço para o reconhecimento de novos núcleos familiares, a exemplo da união estável, da união estável homoafetiva, do casamento homossexual, da família avoenga, da família anaparental, etc., culminando com o tema desse trabalho, que consiste na possibilidade de se ter uma família multiparental, ou seja, uma família composta por mais de um pai ou por mais de uma mãe.

Em resumo, o afeto e o carinho se tornaram um elemento que redesenhou as relações familiares. 

3.2. A SOCIOAFETIVIDADE COMO FATOR DE REDESENHO DAS RELAÇÕES FAMILIARES

Como visto, a Constituição de 1988 encampou a idéia da família eudemonista, de modo que essa compreensão passa pelo reconhecimento de que a família não é um fim em si mesmo, mas sim um meio para que os seus indivíduos possam alcançar seus objetivos enquanto pessoa, notadamente a busca pela felicidade.

Essa nova compreensão de família viabilizou um redesenho das relações familiares, todos pautados e construídos sobre relações de afeto, carinho, amor, de modo que ao lado do casamento, da união estável e do núcleo monoparental é possível encontrar novos desenhos familiares, a exemplo da união entre pessoas do mesmo sexo, que, depois de muito tempo, teve o seu reconhecimento pelo STF, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa, que, dada a sua importância, merece transcrição:

1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação.  2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva. (ADI 4277, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219-01 PP-00212).

Na sequência e seguindo a linha decisória do STF, o Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.183.378/RS, admitiu então o casamento entre pessoas do mesmo sexo, dando assim um passo adiante, pois além da união estável entre pessoas do mesmo sexo, passou a admitir o casamento, cujos contornos são diversos, notadamente a sua solenidade, formalidade e, principalmente, a segurança jurídica que daí advém, cujo acórdão recebeu a seguinte ementa:

DIREITO DE FAMÍLIA. CASAMENTO CIVIL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO (HOMOAFETIVO). INTERPRETAÇÃO DOS ARTS. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. INEXISTÊNCIA DE VEDAÇÃO EXPRESSA A QUE SE HABILITEM PARA O CASAMENTO PESSOAS DO MESMO SEXO. VEDAÇÃO IMPLÍCITA CONSTITUCIONALMENTE INACEITÁVEL. ORIENTAÇÃO PRINCIPIOLÓGICA CONFERIDA PELO STF NO JULGAMENTO DA ADPF N. 132/RJ E DA ADI N. 4.277/DF. 1. Embora criado pela Constituição Federal como guardião do direito infraconstitucional, no estado atual em que se encontra a evolução do direito privado, vigorante a fase histórica da constitucionalização do direito civil, não é possível ao STJ analisar as celeumas que lhe aportam "de costas" para a Constituição Federal, sob pena de ser entregue ao jurisdicionado um direito desatualizado e sem lastro na Lei Maior. Vale dizer, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo sua missão de uniformizar o direito infraconstitucional, não pode conferir à lei uma interpretação que não seja constitucionalmente aceita. 2. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento conjunto da ADPF n. 132/RJ e da ADI n. 4.277/DF, conferiu ao art. 1.723 do Código Civil de 2002 interpretação conforme à Constituição para dele excluir todo significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, entendida esta como sinônimo perfeito de família. 3. Inaugura-se com a Constituição Federal de 1988 uma nova fase do direito de família e, consequentemente, do casamento, baseada na adoção de um explícito poliformismo familiar em que arranjos multifacetados são igualmente aptos a constituir esse núcleo doméstico chamado "família", recebendo todos eles a "especial proteção do Estado". Assim, é bem de ver que, em 1988, não houve uma recepção constitucional do conceito histórico de casamento, sempre considerado como via única para a constituição de família e, por vezes, um ambiente de subversão dos ora consagrados princípios da igualdade e da dignidade da pessoa humana. Agora, a concepção constitucional do casamento - diferentemente do que ocorria com os diplomas superados - deve ser necessariamente plural, porque plurais também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção do Estado, mas apenas o intermediário de um propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade. 4. O pluralismo familiar engendrado pela Constituição - explicitamente reconhecido em precedentes tanto desta Corte quanto do STF - impede se pretenda afirmar que as famílias formadas por pares homoafetivos sejam menos dignas de proteção do Estado, se comparadas com aquelas apoiadas na tradição e formadas por casais heteroafetivos. 5. O que importa agora, sob a égide da Carta de 1988, é que essas famílias multiformes recebam efetivamente a "especial proteção do Estado", e é tão somente em razão desse desígnio de especial proteção que a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento, ciente o constituinte que, pelo casamento, o Estado melhor protege esse núcleo doméstico chamado família. 6. Com efeito, se é verdade que o casamento civil é a forma pela qual o Estado melhor protege a família, e sendo múltiplos os "arranjos" familiares reconhecidos pela Carta Magna, não há de ser negada essa via a nenhuma família que por ela optar, independentemente de orientação sexual dos partícipes, uma vez que as famílias constituídas por pares homoafetivos possuem os mesmos núcleos axiológicos daquelas constituídas por casais heteroafetivos, quais sejam, a dignidade das pessoas de seus membros e o afeto. 7. A igualdade e o tratamento isonômico supõem o direito a ser diferente, o direito à auto-afirmação e a um projeto de vida independente de tradições e ortodoxias. Em uma palavra: o direito à igualdade somente se realiza com plenitude se é garantido o direito à diferença. Conclusão diversa também não se mostra consentânea com um ordenamento constitucional que prevê o princípio do livre planejamento familiar (§ 7º do art. 226). E é importante ressaltar, nesse ponto, que o planejamento familiar se faz presente tão logo haja a decisão de duas pessoas em se unir, com escopo de constituir família, e desde esse momento a Constituição lhes franqueia ampla liberdade de escolha pela forma em que se dará a união. 8. Os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565, todos do Código Civil de 2002, não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e não há como se enxergar uma vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar. 9. Não obstante a omissão legislativa sobre o tema, a maioria, mediante seus representantes eleitos, não poderia mesmo "democraticamente" decretar a perda de direitos civis da minoria pela qual eventualmente nutre alguma aversão. Nesse cenário, em regra é o Poder Judiciário - e não o Legislativo - que exerce um papel contramajoritário e protetivo de especialíssima importância, exatamente por não ser compromissado com as maiorias votantes, mas apenas com a lei e com a Constituição, sempre em vista a proteção dos direitos humanos fundamentais, sejam eles das minorias, sejam das maiorias. Dessa forma, ao contrário do que pensam os críticos, a democracia se fortalece, porquanto esta se reafirma como forma de governo, não das maiorias ocasionais, mas de todos. 10. Enquanto o Congresso Nacional, no caso brasileiro, não assume, explicitamente, sua coparticipação nesse processo constitucional de defesa e proteção dos socialmente vulneráveis, não pode o Poder Judiciário demitir-se desse mister, sob pena de aceitação tácita de um Estado que somente é "democrático" formalmente, sem que tal predicativo resista a uma mínima investigação acerca da universalização dos direitos civis. 11. Recurso especial provido. (REsp 1183378/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 25/10/2011, DJe 01/02/2012)

Como forma de consolidar todo esse novo arranjo familiar, que teve início com a decisão do STF e depois com a decisão do STJ, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), no ano de 2013, editou a Resolução 175/13, que regulamentou a celebração de casamento civil e a conversão da união estável em casamento entre pessoas do mesmo sexo (união homoafetiva).[8]

Note-se que o reconhecimento da união homoafetiva por parte do Supremo Tribunal Federal uma demonstração de que para o direito de família o importante é o afeto, o amor, o carinho, pouco importando a opção sexual, que deixa de ter a relevância de outrora, notadamente do Código Civil de 1916.

Ainda falando sobre afetividade e de vínculos familiares, Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho nos diz que é com base nesse sentimento de afeto que hoje se tem o reconhecimento das relações filiais desbiologizadas, mitigando-se, assim, com justiça, o entendimento, até então dogmático, da supremacia genética decorrente do laudo de exame de DNA, podendo, inclusive, gerar a consequente obrigação alimentar[9], sem prejuízo de outros aspectos jurídicos, tais como guarda, herança, etc.

Assim, é possível concluir que a socioafetividade foi capaz de redesenhar as noções existentes de família, proporcionando um salto evolutivo neste ramo do direito civil, proporcionando assim o reconhecimento da união e até mesmo o casamento entre pessoas do mesmo sexo, e, por fim, viabilizou o reconhecimento da multiparentalidade, que é justamente o reconhecimento jurídico da existência de mais de um pai ou uma mãe.

3.3. A FAMÍLIA MULTIPARENTAL

Quando se fala em multiparentalidade, o que se está a dizer é a possibilidade de uma mesma pessoa ter dois pais ou duas mães, o que, diga-se de passagem, só é possível em decorrência dessa nova visão que se tem de família, notadamente essa concepção eudemonista.

Esse tema foi objeto de análise por parte do Supremo Tribunal Federal, que, em 2016, firmou o seu entendimento sobre a matéria no julgamento do RE 898.060 (Tema 622), cuja ementa segue abaixo transcrita:

Recurso Extraordinário. Repercussão Geral reconhecida. Direito Civil e Constitucional. Conflito entre paternidades socioafetiva e biológica. Paradigma do casamento. Superação pela Constituição de 1988. Eixo central do Direito de Família: deslocamento para o plano constitucional. Sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB). Superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias. Direito à busca da felicidade. Princípio constitucional implícito. Indivíduo como centro do ordenamento jurídico-político. Impossibilidade de redução das realidades familiares a modelos pré-concebidos. Atipicidade constitucional do conceito de entidades familiares. União estável (art. 226, § 3º, CRFB) e família monoparental (art. 226, § 4º, CRFB).Vedação à discriminação e hierarquização entre espécies de filiação (art. 227, § 6º, CRFB). Parentalidade presuntiva, biológica ou afetiva. Necessidade de tutela jurídica ampla. Multiplicidade de vínculos parentais. Reconhecimento concomitante. Possibilidade. Pluriparentalidade. Princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º, CRFB). Recurso a que se nega provimento. Fixação de tese para aplicação a casos semelhantes. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias inferiores abordam a matéria jurídica invocada no Recurso Extraordinário na fundamentação do julgado recorrido, tanto mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na origem. 2. A família, à luz dos preceitos constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta distinção entre filhos legítimos, legitimados e ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria de filiação, por adotar presunção baseada na centralidade do casamento, desconsiderava tanto o critério biológico quanto o afetivo. 3. A família, objeto do deslocamento do eixo central de seu regramento normativo para o plano constitucional, reclama a reformulação do tratamento jurídico dos vínculos parentais à luz do sobreprincípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. 4. A dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade, de modo que a eleição individual dos próprios objetivos de vida tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). 5. A superação de óbices legais ao pleno desenvolvimento das famílias construídas pelas relações afetivas interpessoais dos próprios indivíduos é corolário do sobreprincípio da dignidade humana. 6. O direito à busca da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo à centralidade do ordenamento jurídico-político, reconhece as suas capacidades de autodeterminação, autossuficiência e liberdade de escolha dos próprios objetivos, proibindo que o governo se imiscua nos meios eleitos pelos cidadãos para a persecução das vontades particulares. Precedentes da Suprema Corte dos Estados Unidos da América e deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo jamais pode ser reduzido a mero instrumento de consecução das vontades dos governantes, por isso que o direito à busca da felicidade protege o ser humano em face de tentativas do Estado de enquadrar a sua realidade familiar em modelos pré-concebidos pela lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter meramente exemplificativo, reconhece como legítimos modelos de família independentes do casamento, como a união estável (art. 226, § 3º) e a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, cognominada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além de enfatizar que espécies de filiação dissociadas do matrimônio entre os pais merecem equivalente tutela diante da lei, sendo vedada discriminação e, portanto, qualquer tipo de hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade familiar, conduziram à imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das famílias exige a ampliação da tutela normativa a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, (ii) pela descendência biológica ou (iii) pela afetividade. 11. A evolução científica responsável pela popularização do exame de DNA conduziu ao reforço de importância do critério biológico, tanto para fins de filiação quanto para concretizar o direito fundamental à busca da identidade genética, como natural emanação do direito de personalidade de um ser. 12. A afetividade enquanto critério, por sua vez, gozava de aplicação por doutrina e jurisprudência desde o Código Civil de 1916 para evitar situações de extrema injustiça, reconhecendo-se a posse do estado de filho, e consequentemente o vínculo parental, em favor daquele utilizasse o nome da família (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua condição de descendente pela comunidade (reputatio). 13. A paternidade responsável, enunciada expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição, na perspectiva da dignidade humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, tanto dos vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles originados da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos. 14. A pluriparentalidade, no Direito Comparado, pode ser exemplificada pelo conceito de “dupla paternidade” (dual paternity), construído pela Suprema Corte do Estado da Louisiana, EUA, desde a década de 1980 para atender, ao mesmo tempo, ao melhor interesse da criança e ao direito do genitor à declaração da paternidade. Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios à regulação estatal, por omissão, não podem restar ao desabrigo da proteção a situações de pluriparentalidade, por isso que merecem tutela jurídica concomitante, para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos, ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se nega provimento, fixando-se a seguinte tese jurídica para aplicação a casos semelhantes: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.(RE 898060, Relator(a): LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-187  DIVULG 23-08-2017  PUBLIC 24-08-2017).

Na ocasião discutia-se eventual prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica, tendo o Min. Luiz Fux decidido que caberá ao filho, de acordo com o seu próprio interesse, decidir se mantém, em seu registro, apenas o pai socioafetivo ou ambos, o socioafetivo e o biológico, de modo que mesmo que não tenha construído com o genitor (pai biológico) vínculo de afetividade algum, terá o direito de fazer constar o nome dele em seu registro, ainda que seja para fim meramente econômico, a exemplo de fazer jus à sua herança ou então para fins de alimentos, cuja tese fixada foi à seguinte: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”.

A respeito do voto do Min. Fux vale à pena citar a seguinte passagem:

“O conceito de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado. Nos Estados Unidos, onde os Estados têm competência legislativa em matéria de Direito de Família, a Suprema Corte de Louisiana ostenta jurisprudência consolidada quanto ao reconhecimento da ‘dupla paternidade’ (dual paternity). No caso Smith v. Cole (553 So.2d 847, 848), de 1989, o Tribunal aplicou o conceito para estabelecer que a criança nascida durante o casamento de sua mãe com um homem diverso do seu pai biológico pode ter a paternidade reconhecida com relação aos dois, contornando o rigorismo do art. 184 do Código Civil daquele Estado, que consagra a regra pater ist est quem nuptiae demonstrant. Nas palavras da Corte, a ‘aceitação, pelo pai presumido, intencionalmente ou não, das responsabilidades paternais, não garante um benefício para o pai biológico. (...) O pai biológico não escapa de suas obrigações de manutenção do filho meramente pelo fato de que outros podem compartilhar com ele da responsabilidade’ (‘The presumed father’s acceptance of paternal responsibilities, either by intent or default, does not ensure to the benefit of the biological father. (...) The biological father does not escape his support obligations merely because others may share with him the responsibility’).

Em idêntico sentido, o mesmo Tribunal assentou, no caso T.D., wife of M.M.M. v. M.M.M., de 1999 (730 So. 2d 873), o direito do pai biológico à declaração do vínculo de filiação em relação ao seu filho, ainda que resulte em uma dupla paternidade. Ressalvou-se, contudo, que o genitor biológico perde o direito à declaração da paternidade, mantendo as obrigações de sustento, quando não atender ao melhor interesse da criança, notadamente nos casos de demora desarrazoada em buscar o reconhecimento do status de pai (‘a biological father who cannot meet the best-interest-of-thechild standard retains his obligation of support but cannot claim the privilege of parental rights’).

A consolidação jurisprudencial levou à revisão do Código Civil estadual de Louisiana, que a partir de 2005 passou a reconhecer a dupla paternidade nos seus artigos 197 e 198 (PALMER, Vernon Valentine. Mixed Jurisdictions Worldwide: The Third Legal Family. 2. ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2012). Louisiana se tornou, com isso, o primeiro Estado norte-americano a permitir legalmente que um filho tenha dois pais, atribuindo-se a ambos as obrigações inerentes à parentalidade (McGINNIS, Sarah. You Are Not The Father: How State Paternity Laws Protect (And Fail To Protect) the Best Interests of Children. In: Journal of Gender, Social Policy & the Law, v. 16, issue 2, 2008, pp. 311-334).

A omissão do legislador brasileiro quanto ao reconhecimento dos mais diversos arranjos familiares não pode servir de escusa para a negativa de proteção a situações de pluriparentalidade. É imperioso o reconhecimento, para todos os fins de direito, dos vínculos parentais de origem afetiva e biológica, a fim de prover a mais completa e adequada tutela aos sujeitos envolvidos.

Na doutrina brasileira, encontra-se a valiosa conclusão de Maria Berenice Dias, in verbis: ‘não mais se pode dizer que alguém só pode ter um pai e uma mãe. Agora é possível que pessoas tenham vários pais. Identificada a pluriparentalidade, é necessário reconhecer a existência de múltiplos vínculos de filiação. Todos os pais devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar, sendo que o filho desfruta de direitos com relação a todos. Não só no âmbito do direito das famílias, mas também em sede sucessória. (...) Tanto é este o caminho que já há a possibilidade da inclusão do sobrenome do padrasto no registro do enteado’ (Manual de Direito das Famílias. 6. ed. São Paulo: RT, 2010, p. 370). Tem-se, com isso, a solução necessária ante os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III) e da paternidade responsável (art. 226, § 7º)”.

Dessa forma, é possível admitir a existência da chamada multiparentalidade, que consiste, basicamente, na possibilidade de um filho ter mais de uma mãe ou mais de um pai, sendo, na normalidade dos casos, um pai de origem biológica e outro de origem afetiva, ou seja, um pai de sangue e outro de coração, de carinho, de afeto, construído sobre os laços de convivência.

Tanto é verdade que após a decisão do Supremo Tribunal Federal vários tribunais começaram a admitir a sua existência da multiparentalidade, senão vejamos alguns acórdãos do Tribunal de Justiça de Goiás:

APELO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. COEXISTÊNCIA DE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. MULTIPARENTALIDADE. PRECEDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL COM REPERCUSSÃO GERAL (RE 898.000-SP). SENTENÇA REFORMADA. PROVIMENTO. I - É possível o ajuizamento de ação de investigação de paternidade, mesmo na hipótese de existência de vínculo socioafetivo, uma vez que o reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, assentado no princípio da dignidade da pessoa humana, podendo ser exercitado sem nenhuma restrição em face dos pais, não havendo falar que a existência de paternidade socioafetiva tenha o condão de obstar a busca pela verdade biológica da pessoa.  II - A Suprema Corte assentou o entendimento no sentido de que a existência de paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concocomitante com o de origem biológica. III - Reformada a sentença de improcedência, para julgar procedente o pleito inicial e reconhecer a dupla paternidade no registro civil do autor apelante, com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes.  IV - Apelo provido. (TJGO, Apelação (CPC) 5175346-02.2017.8.09.0051, Rel. Des(a). BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, 4ª Câmara Cível, julgado em 22/04/2020, DJe  de 22/04/2020)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. DETERMINAÇÃO JUDICIAL DE EXCLUSÃO PATERNIDADE SOCIOAFETIVA EM VIRTUDE DO RECONHECIMENTO DA PATERNIDADE BIOLÓGICA. REGISTRO ESPONTÂNEO DE FILHO. ADOÇÃO À BRASILEIRA. AUSENTE ALEGAÇÃO DA PRESENÇA DE VÍCIOS. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO DEMONSTRADA. MULTIPARENTALIDADE. DUPLA PATERNIDADE. POSSIBILIDADE. SENTENÇA REFORMADA. 1. Em atenção ao princípio da congruência ou da adstrição, consagrado pelos referidos dispositivos legais, o juiz está limitado à causa de pedir e ao pedido do autor e, se for o caso, do reconvinte, motivo pelo qual qualquer concessão que não tenha sido postulada gera a nulidade da sentença. 2. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário nº 898.060, com repercussão geral reconhecida, admitiu a coexistência entre as paternidades biológica e a socioafetiva, afastando qualquer interpretação apta a ensejar a hierarquização dos vínculos. 3. O STJ, no julgamento do RESp nº 1.352.529-SP, mencionou que "a chamada "adoção à brasileira", muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida à condição resolutiva". 4. Não é possível a desconstituição do registro civil de nascimento quando o reconhecimento da paternidade foi efetuado sem nenhum tipo de vício que comprometesse a vontade do declarante. 5. De acordo com o STJ, a simples divergência entre a paternidade declarada no assento de nascimento e a paternidade biológica não autoriza, por si só, a anulação do registro, o qual só poderia ser anulado, uma vez comprovado erro ou falsidade, em ação própria - destinada à desconstituição do registro. STJ, AgInt no AREsp 1041664/DF. 6. O reconhecimento da paternidade biológica não macula, tampouco impede a coexistência dos vínculos socioafetivo e biológico. 7. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJGO, Apelação (CPC) 5526241-54.2018.8.09.0051, Rel. JOSÉ CARLOS DE OLIVEIRA, 2ª Câmara Cível, julgado em 04/12/2019, DJe  de 04/12/2019)

Assim, uma vez reconhecida a multiparentalidade, várias são as suas consequências jurídicas, que, por sinal, não se limitam apenas aos pais e mães, mas também aos outros graus de parentesco, a exemplo da relação avoenga.

Dentre essas consequências jurídicas, que, por sinal, serão exploradas separadamente, pode-se dizer na existência de um direito fundamental ao uso do nome do pai[10], pois isso individualiza o ser humano na sociedade. Assim, depois de reconhecida a multiparentalidade, o filho pode adotar o sobrenome dos pais afetivos, podendo, inclusive, manter o sobrenome dos pais biológicos em seu registro, já que um não exclui o do outro.

Além do direito ao nome, a multiparentalidade também implica aos pais biológicos e afetivos a obrigação de prestar alimentos, que, neste caso, deve observar o princípio da proporcionalidade e o binômio necessidade x capacidade, devendo-se levar em conta dois legitimados passivos. Além disso, o filho também deverá ajudar os pais, pois esse direito é recíproco, conforme estabelece o art. 1.696 do CC/02.[11]

Outro fator é sobre a guarda do filho, que é decidida pelo princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, previsto no caput do art. 227 da Constituição Federal de 1988[12] e no Estatuto da Criança e do Adolescente[13], sendo que a referida decisão deve ser pautada naquilo que melhor atenda aos interesses da criança, sobressaindo, na maioria das vezes, os laços afetivos.

Uma vez definida a guarda, também há implicações nas visitas, que deve ser resguardado ao pai ou a mãe que não ficou com a guarda, devendo ainda se estender aos avos. Com isso mantêm-se os vínculos familiares, já que a nova família não anula a outra, salvo se existir algum impedimento suficiente para que esse direito seja vetado.

Outra influência se dá no direito sucessório, já que os filhos afetivos têm os mesmos direitos dos filhos biológicos, não havendo mais qualquer distinção entre eles. Logo, em caso de falecimento, os filhos têm direito tanto da herança dos pais afetivos, como dos pais biológicos. Ademais, há de se perquirir a situação inversa, pois falecendo o filho e não deixando herdeiros, a herança será dos ascendentes, restando saber em qual proporção quando se tem dois pais ou duas mães.

O direito previdenciário também sofre os influxos da multiparentalidade, notadamente em caso de falecimento do pai ou da mãe e o direito à pensão por morte, no qual faz jus o filho, sem qualquer discriminação. 

Por derradeiro, também há um impacto na questão do casamento, pois em havendo o reconhecimento da multiparentalidade e, consequentemente, a criação de um novo vínculo familiar, aplica-se todas as hipóteses do impedimento para o casamento previstas no art. 1521 do CC/02.

Enfim, antes de analisar de maneira específica cada uma dessas consequências jurídicas da multiparentalidade, é importante tecer algumas considerações sobre o Provimento 83/2019 do Conselho Nacional de Justiça e, ainda, diferenciar a multiparentalidade da adoção.

3.4. DOS PROVIMENTOS 63/2017 E 83/2019, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

Uma vez reconhecida a possibilidade jurídica da multiparentalidade, o Conselho Nacional de Justiça editou no ano de 2017 o Provimento 63, ocasião em que admitiu a possibilidade de se proceder ao reconhecimento da paternidade e maternidade socioafetiva diretamente nos Cartórios de Registro Civil[14].

Comentando esse procedimento, Erica Barbos Silva nos ensina que:

Segundo o procedimento estabelecido, o Registrador Civil deveria colher à manifestação dos interessados, com a rigorosa a conferência dos documentos pessoais do requerente e demais envolvidos, bem como a certidão de nascimento do filho reconhecido, e ainda: Informar às partes que o ato é irrevogável (art. 10, §1º); Se o requerente é maior de 18 (dezoito) anos (art. 10, §2º); Se não são irmãos ou ascendentes (art. 10, §3º); Se há diferença de idade no mínimo de 16 (dezesseis) anos entre o requerente e o filho reconhecido (art. 10, §4º); Se não há pedido de adoção (art. 13); E, principalmente, sendo o filho reconhecido menor, realizar a coleta da anuência dos pais biológicos do registrado (art. 11, § 3º) e, tendo ele mais de doze anos, o seu consentimento (art. 11, § 4º). Não sendo possível a manifestação de qualquer dos envolvidos, abre-se a necessidade de chancela judicial (art. 11, § 6º). Com o ato, o filho reconhecido passa a ter todos os direitos legais, inclusive sucessórios, em igualdade com todos os demais filhos, sem qualquer distinção, cabendo ao Registrador Civil informar às partes.[15]

Ocorre que o referido ato normativo foi alterado pelo Provimento 83/2019, publicado no dia 14 de agosto de 2019, de modo que agora somente os filhos maiores de 12 anos podem ter o reconhecimento socioafetivo feito em Cartório de Registro Civil. Assim, quando o filho for uma criança menor de 12 anos, o reconhecimento socioafetivo deve ser requerido através da Justiça, com o auxílio de um advogado. [16]

Além disso, é aconselhável que o requerente demonstre a afetividade de todas as formas possíveis, inclusive através de documentos, como o apontamento escolar sendo o responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida, entre outros cujos documentos deverá ser arquivados pelo registrador, juntamente o pedido de reconhecimento.[17]

Vale destacar que a ausência dos documentos citados não impedirá o registro, desde que justificada, embora tenha o registrador o dever de atestar como apurou o vínculo socioafetivo.

Em suma, o referido provimento foi, de um modo geral, um grande avanço no campo do direito de família, pois desjudicializou o reconhecimento da socioafetividade, embora seja obrigatório no caso de crianças menores de 12 anos ou então nos casos em que o Cartório de Registro Civil suspeite sobre a ocorrência de fraude ou má-fé por uma das partes, evitando, com isso, qualquer tipo de mal a criança, como  o sequestro e comércio de crianças ou uma burla ao sistema de adoção.

Outro ponto interessante do provimento é que o reconhecimento só se dará em havendo prova do vínculo afetivo e, uma vez constatado tais requisitos, deve ser encaminhado para o Ministério Público, que então emitirá um parecer, sendo que o registro da paternidade ou maternidade socioafetiva só será feito pelo registrador após o parecer favorável, pois se o Ministério Público opinar pelo não reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador não procederá ao registro e comunicará ao requerente o ocorrido, arquivando-se o expediente.

Sobre essa sistemática, é oportuno citar as considerações feitas por Érica Barbosa Silva, in verbis:

É justamente por essa razão que as entrevistas a serem realizadas pelo Registrador devem ser aprofundadas, permitindo a verificação dos elementos constitutivos dessa relação. Agrega-se, igualmente, segurança jurídica ao procedimento, mediante seu encaminhamento ao Ministério Público, regularizando-se o expediente, pois, em caso de dúvida ou suspeita de fraude, o juiz corregedor permanente, em regra, já solicitava a manifestação do parquet. Vale destacar que tal exigência deve ser atendida apenas se o reconhecido for menor de 18 (dezoito) anos, pois está expresso na justificativa do Provimento n. 83 que será plena a aplicação do reconhecimento extrajudicial da parentalidade de caráter socioafetivo para maiores de idade, cravando a diferença entre os procedimentos. [18]

Para finalizar esse tema, apesar de o provimento viabilizar o reconhecimento extrajudicial da paternidade ou da maternidade socioafetiva, o referido ato normativo não admite o reconhecimento múltiplo (mais de dois pais ou duas mães socioafetivas - art. 14,§1º), ficando restrito para incluir apenas um ascendente socioafetivo, seja materno ou paterno.

Enfim, o referido Provimento foi um avanço no reconhecimento da paternidade socioafetiva, que, como já dito, consiste em um novo arranjo familiar, calcado no afeto, no amor e na convivência e, agora, com todos os cuidados necessários, exigindo-se prova do vínculo e com a atuação ministerial.

3.5. DIFERENÇA ENTRE A MULTIPARENTALIDADE E ADOÇÃO

A principal diferença entre os dois institutos é a de que na adoção há a constituição de novos vínculos e de uma nova família – entre os adotantes e o adotado -, com o consequente rompimento dos vínculos familiares anteriores da pessoa adotada, enquanto que na multiparentalidade o que ocorre é a formação de mais de um vínculo paterno ou materno ou ambos, ou seja, o papel de pai e/ou de mãe é exercido por mais de uma pessoa.

Os principais requisitos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção são: a) idade mínima de 18 anos para o adotante (ECA, art. 42, caput); b) diferença de dezesseis anos entre adotante e adotado (art. 42, §3º); c) consentimento dos pais ou dos representantes legais de quem se deseja adotar; d) concordância deste, se contar mais de 12 anos (art. 28, §2º); e) processo judicial (art. 47, caput); f) efetivo benefício para o adotando (art. 43). Tais requisitos foram comentados em linhas gerais nos itens anteriores. Acresça-se que, embora não explicitado no Código Civil, é necessário também, para aperfeiçoamento da adoção, o consentimento dos adotantes. Trata-se de ato personalíssimo e exclusivo, como já foi dito. Destarte, não pode, por exemplo, uma pessoa, que tenha sido criada desde tenra idade por outra, exigir o reconhecimento, por sentença, de sua condição de filho adotivo. Por sua natureza contratual, ao lado da institucional, a adoção exige convergência das vontades do adotante e do adotado, não podendo operar-se pela vontade de uma só pessoa. Constitui em realidade uma faculdade jurídica do adotante, em relação ao qual os filhos havidos do casamento não têm nenhuma interferência e nem devem, por isso, ser ouvidos.[19]

Logo, nota-se que a adoção não pode ser algo postulado pelo requerido, devendo, ao contrário, ser postulada pelo adotante e desde que atendidos todos os requisitos legais, a exemplo da concordância dos genitores biológicos, o respeito da diferença de idade de dezesseis anos entre eles, etc., o que não ocorre na multiparentalidade, que, por sua vez, não exige nenhuma diferença de idade entre pai e filho.

Outra diferença entre a adoção é que esta sempre será judicial e, como regra, exige-se um período de estágio de convivência, sendo esta às lições do professor Carlos Roberto Gonçalves:

A adoção, seja a de menor ou a de maior de idade, deve sempre obedecer o processo judicial (ECA, art. 47; CC, art. 1.619). Sobreleva relembrar que o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê procedimentos próprios para a adoção de menores de 18 anos (arts. 165 a 170), sob a competência do Juiz da Infância e da Juventude (art. 148, III). Nessa consonância, e tendo em vista o entendimento já manifestado de que continuam em vigor as normas do aludido diploma que não conflitam com o novo Código Civil, a adoção dos referidos menores requer o preenchimento ainda de outro requisito: o estágio de convivência, a ser promovido obrigatoriamente, só podendo ser dispensado “se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo” (ECA, art. 46, §1º, com a redação dada pela Lei nº 12.010/2009). A antiga redação do citado §1º do art. 46 previa que o estágio de convivência poderia ser dispensado se o adotando fosse maior de um ano de idade ou se, qualquer que fosse a sua idade, já estivesse na companhia do adotante durante tempo suficiente para permitir a referida avaliação. O novo § 3º do art. 46 do ECA, introduzido pela Lei Nacional da Adoção, trata do estágio de convivência na hipótese de adoção internacional, antes disciplinada pelo § 2º do aludido dispositivo legal. A novidade é que o prazo mínimo de estágio foi unificado para trinta dias, independentemente da idade da criança ou do adolescente. Antes, o prazo era de no mínimo quinze dias para crianças de até dois anos de idade, e de no mínimo trinta dias quando se tratasse de adotando acima de dois anos de idade.[20]

O intuito do estágio de convivência é de que ambas as partes saibam como a outra é, ter tempo de analisarem se terão um bom convívio, se possuem afinidade e, assim, determinar se há a possibilidade de acontecer à adoção ou não, podendo este ser dispensado quando o adotando já estiver convivendo com o adotante por um período considerado como suficiente para constituir um vínculo familiar.

Já na multiparentalidade o que ocorre é justamente o contrário, pois o menor já convive com o pai ou a mão afetiva, de modo que não há nenhum estágio de convivência prévio. Na verdade, vive-se como família e, por este motivo, criam-se os laços necessários para o reconhecimento deste vínculo familiar, fazendo-se necessário tão somente a inclusão no registro civil, com o fim de conferir legalidade e segurança jurídica a esta situação de fato, como bem observado por Maylton:

A multiparentalidade tem por fim conferir legalidade e segurança jurídica a uma situação já estabilizada no mundo dos fatos. Com efeito, percebe-se que primeiramente o vínculo afetivo é formado, fazendo surgir no íntimo dos envolvidos o sentimento de filiação, para então buscar-se o seu reconhecimento jurídico. Faz-se necessário destacar que a sentença que declara a multiparentalidade tem a mesma natureza jurídica daquela proferida em ação de investigação de paternidade. Assim, não se sujeita a condições, de modo que o parentesco se estenderá para todos os parentes dos envolvidos na filiação multiparental. Ademais, a multiparentalidade produzirá também efeitos no campo do direito previdenciário, direito das sucessões e em todos os outros nos quais a filiação possa influir. Não é demais ressaltar que a multiparentalidade está em perfeita harmonia com o princípio do melhor interesse da criança consagrado no ECA, haja vista que possibilitará ao filho o desenvolvimento de sua personalidade na convivência com todos aqueles considerados pais, sem necessidade de preferência de um em sacrifício a outro. [21]

Portanto, há uma nítida diferença entre a multiparentalidade e a adoção, que passa desde os seus requisitos legais, possibilidade de reconhecimento na via extrajudicial, etc., mas, principalmente, pelo fato de se tratarem de institutos incompatíveis, pois, na adoção, o adotado desliga-se de qualquer vínculo existente com os pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais[22], enquanto na multiparentalidade estes vínculos permanecem, já que a pessoa passa a ter dois pais ou duas mães.

4. DOS EFEITOS JURÍDICOS DA MULTIPARENTALIDADE

Como já foi dito, uma vez reconhecida a multiparentalidade, seus efeitos jurídicos serão variados, passando pelo reconhecimento dos alimentos, nome, herança, direitos previdenciários, impedimentos matrimoniais, etc..

Assim, necessário se faz uma análise pormenorizada das consequências jurídicas que o reconhecimento da multiparentalidade exerce em nosso ordenamento jurídico, a começar pelos alimentos.

4.1. ALIMENTOS

Do ponto de vista jurídico, os alimentos significam o conjunto das prestações necessárias para a vida digna do indivíduo, cujo conceito pode ser extraído do art. 1.694 do CC/2002, que assim dispõe:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.

§2º Os alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.

Para Flávio Tartuce e José Fernando Simão, o principal argumento para a existência dos alimentos é o princípio da dignidade da pessoa humana, vetor básico do nosso ordenamento jurídico, além do princípio da solidariedade, senão vejamos:

Diante dessa proteção máxima da pessoa humana, precursora da personalização do Direito Civil, e em uma perspectiva civil constitucional, entendemos que o art. 6º da CF/1988 serve como uma luva para preencher o conceito atual dos alimentos. Esse dispositivo do Texto Maior traz como conteúdo os direitos sociais que devem ser oferecidos pelo Estado, a saber: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados. Anote-se que a menção à alimentação foi incluída pela Emenda Constitucional 64, de 4 de fevereiro de 2010, o que tem relação direta com o tema aqui estudado. Ademais, destaque-se que, conforme a doutrina contemporânea constitucionalista, os direitos sociais também devem ser tidos como direitos fundamentais, tendo aplicação imediata nas relações privadas (SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais..., 2004, p. 331-350).[23]

Assim, podem-se compreender no conceito de alimentos todas as prestações necessárias para a vida e a afirmação da dignidade do indivíduo, que, como visto, deve ser observado entre pais e filhos menores, cônjuges e companheiros, com bem destaca o professor Carlos Roberto Gonçalves:

Malgrado a incumbência de amparar aqueles que não podem provar à própria subsistência incumba precipuamente ao Estado, este a transfere, como foi dito, às pessoas que pertencem ao mesmo grupo familiar, as quais por um imperativo da própria natureza, têm o dever moral, convertido em obrigação jurídica, de prestar auxílio aos que, por enfermidade ou por outro motivo justificável, dele necessitem.[24]

Em relação a sua fixação, a doutrina, de um modo geral, pauta-se no binômio necessidade x possibilidade, sendo esta a conclusão que se extrai do art. 1.695 do Código Civil de 2002, que assim dispõe:

Art. 1.695. São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens suficientes, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença, e aquele, de quem se reclamam, pode fornecê-los, sem desfalque do necessário ao seu sustento.

No entanto, a doutrina mais moderna tem levado em consideração um terceiro pressuposto, que seria a razoabilidade ou a proporcionalidade. Assim, importa não somente a necessidade do credor ou a capacidade econômica do devedor, mas, sim, a conjunção dessas medidas de maneira adequada.[25]

A propósito, vejamos o entendimento de Cristiano Chaves, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt Jr e Wagner Inácio Freitas Dias:

Em qualquer hipótese, os alimentos devem viabilizar para o credor uma vida digna, compatível com a sua condição social, em conformidade com a possibilidade do devedor de atender ao encargo. Vislumbra-se, assim, uma dualidade de interesses: a necessidade de quem pleiteia e a capacidade contributiva de quem presta que devem ser sopesados a luz da proporcionalidade. Ausente um dos elementos, frustra-se a prestação alimentícia. Desta maneira, mesmo reconhecendo as necessidades do credor, não é possível fixar um pensionamento que escape a capacidade econômica do alimentante. Vislumbra-se, deste modo, um importante campo de cognição para o magistrado, devendo levar em conta as peculiaridades de cada caso para fixar um valor justo. As mais diferentes situações, envolvendo pessoas completamente distintas, terão sempre solução equânime, se respeitado o balizamento indicado pelo legislador. Para a fixação do quantum alimentar, portanto, leva-se em conta a proporcionalidade entre a necessidade do alimentando e a capacidade do alimentante, evidenciando um verdadeiro trinômio norteador do arbitramento da pensão.[26]

No caso da multiparentalidade, como há dois pais ou duas mães, um biológico e outro afetivo, é possível exigir de qualquer um deles ou de ambos os alimentos (solidariedade), devendo, obviamente, se pautar na necessidade de quem pede e na possibilidade de quem paga, e, ainda, na razoabilidade do referido valor, lembrando que aqui não há nenhuma distinção entre os pais.

Por outro lado, assim como um pai deve prestar alimentos aos filhos, na multiparentalidade também pode acontecer de os pais, qualquer deles, seja o biológico ou o afetivo, exigir do filho uma pensão, caso dela necessite, cujos alimentos neste caso são devidos justamente com base no princípio da solidariedade.

Portanto, o que se tem aqui é uma via de mão dupla, de modo que o filho pode pedir alimentos de ambos os pais, seja o afetivo ou o biológico, havendo entre eles uma solidariedade, mas em contrapartida também pode ser exigido por ambos os pais a prestar alimentos, caso deles necessitem, sendo que nessa situação o pai biológico ou afetivo deverá demonstrar a necessidade dos alimentos, pois esta não é presumida, conforme preconiza o art. 1696 e 1697, ambos do Código Civil de 2002.

4.2. NOME

O nome é um elemento imprescindível para qualquer pessoa, já que é utilizado como uma forma de personificar o indivíduo, atuando assim como um elemento de identificação pessoal.

Também com base no princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se entendido que o direito ao nome é um direito fundamental e a mais expressiva manifestação da personalidade, sendo este o entendimento exposto pelo professor Silvio Venosa, in verbis:

O nome é, portanto, uma forma de individualização do ser humano na sociedade, mesmo após a morte. Sua utilidade é tão notória que há exigência para que sejam atribuídos nomes a firmas, navios, aeronaves, ruas, praças, acidentes geográficos, cidades etc. O nome, afinal, é o substantivo que distingue as coisas que nos cercam, e o nome da pessoa a distingue das demais, juntamente com os outros atributos da personalidade, dentro da sociedade. É pelo nome que a pessoa fica conhecida no seio da família e da comunidade em que vive. Trata-se da manifestação mais expressiva da personalidade.[27]

Pode-se dizer que o nome é composto pelo prenome (nome de batismo) e o sobrenome, também conhecido como apelido familiar ou patronímico, e que se caracteriza por indicar a origem familiar, motivo pelo qual não pode ser livremente escolhido, sendo adquirido com o nascimento e transmissível por sucessão. Daí porque os pais têm liberdade de escolha apenas em relação ao prenome, não importando se simples ou composto, não podendo, todavia, expor a pessoa ao ridículo, de modo que a liberdade de escolha não é ilimitada e arbitrária.[28]

Além dos elementos acima destacados, podem-se também empregar outras partículas, como o agnome (“junior”, “filho”, “neto”, “sobrinho”...), que em geral apontam para o grau de parentesco ou de geração, permitindo a identificação dos sujeitos que recebem o mesmo nome e pertencem a mesma família. [29]

Enquanto todo sujeito deve ser registrado com prenome e sobrenome, o uso do agnome, assim como os axiônimos, não é obrigatório. Aqueles distinguem parentes, e estes são colocados adiante do prenome, indicando uma forma de tratamento cortês (Senhor, Vossa Excelência...) ou ainda a existência de títulos de nobreza, títulos acadêmicos, eclesiásticos, ou qualificações de dignidade oficial (ministro, desembargador, senador, prefeito...).[30]

Já o pseudônimo, também conhecido como codinome ou heterônimo, distingue-se dos elementos anteriores por ser escolhida pelo próprio indivíduo, que abraça uma designação normalmente destinada a sua identificação em atividade de cunho artístico, literário, jornalístico ou cultural. Di Cavalcanti (Emiliano de Albuquerque Melo) e Silvio Santos (Senor Abravanel) são exemplos de pseudônimos reconhecidos, cuja proteção está assegurada pelo art. 19 do CC/02, da mesma forma que se dá ao nome.[31]

Há ainda quem faça uso de apelidos na identificação da pessoa natural. Se com o passar do tempo tais designações se tornarem públicas e notórias, podem substituir o próprio prenome ou serem incorporadas ao nome existente, tornando-o composto, como nos exemplos de Luis Inácio (Lula) da Silva e Acelino (Popó).[32]

Em sendo o nome uma manifestação expressiva do direito de personalidade, uma vez reconhecida a multiparentalidade, plenamente possível que conste no registro público os prenomes de todos os genitores, tanto o biológico como o socioafetivo, incluindo aí os nomes de todos os avos.

Aqui vale a observação de que o Conselho Nacional de Justiça padronizou as certidões de casamento, nascimento e óbito em todo o país, substituindo os campos pai e mãe para somente filiação, e dos avos paternos e maternos para avós, o que foi um avanço, não havendo assim maiores problemas na aceitação do registro de mais de dois pais na certidão de nascimento, podendo ser registrado a multiparentalidade sem nenhum embaraço registral.[33]

Ademais, o próprio Provimento 63/17, do CNJ, alterado pelo Provimento 83/19, viabilizou esse reconhecimento pela via extrajudicial, de modo que o próprio Cartório de Registro Civil poderá proceder com o devido registro, sendo vedado, no entanto, a inclusão de múltiplos pais ou mães (art. 14, §1º).

4.3. HERANÇA

Com a abertura da sucessão (morte da pessoa humana, CC, art. 6°), todas as suas relações patrimoniais (ativas e passivas) são transmitidas automática e imediatamente para os seus herdeiros. É como se o próprio autor da herança, em seu último suspiro de vida, no limiar de sua morte, estivesse, com as próprias mãos, transmitindo o seu patrimônio. Impede-se, assim, uma solução de continuidade, obstando que o patrimônio fique acéfalo, sem titular. Isto porque a transmissão automática, criada pela jurisprudência francesa no direito medieval, gera uma mutação automática, por força de lei, na titularidade do patrimônio que pertencia ao falecido. [34]

Sobre a herança, vários são os dispositivos legais que tratam do tema, a começar pelo art. 5°, inciso XXX, da CF/88[35], que garante o direito à herança, sendo que o art. 227, §6º[36], também da CF/88, preserva a igualdade entre os filhos, corroborado pelo artigo 1.596 do CC[37], que proíbe qualquer discriminação feita entre eles. Por fim, o artigo 1.784 do CC[38], que determina que após a abertura da sucessão, a herança será transmitida aos herdeiros necessários presentes no artigo 1.845 do mesmo diploma legal[39], que, por sinal, consagra os filhos como herdeiros necessários.

Sobre a proibição de discriminação dos filhos prevista no art. 1.596 do CC/02, a doutrina nos ensina que:

Colocando definitiva pá de cal sobre um período pouco saudoso de discriminação entre os filhos, o Texto Constitucional, no art. 227, §6°, foi de clareza solar ao determinar a igualdade substancial entre os filhos, evitando qualquer conduta discriminatória, materializando, de certo modo, a dignidade da pessoa humana almejada como finalidade precípua da República Federativa do Brasil. (…) A partir do Texto Maior de 5 de Outubro, endossado pelo dispositivo codificado, todos os filhos passaram a ter as mesmas prerrogativas, independente de sua origem ou da situação jurídica dos seus pais (CF, art. 227, § 6o). Trata-se, sem dúvida, de norma-princípio paradigmática, servindo para eliminar todo e qualquer tipo de tratamento discriminatório (bastante comuns no sistema do Código Civil de 1916, que optou por conferir privilégios ao filho nascido de um casamento). Com isso, afastou-se também do campo filiatório os privilégios concedidos a uma, ou outra, pessoa em razão da simples existência de casamento. Filho é filho, sem designações ou discriminações.[40]

Em suma, este dispositivo legal consagrou a igualdade existencial entre os filhos, deixando claro que o tratamento jurídico independe da origem da filiação, pouco interessando se é sexual, biotecnológica, adotiva, afetiva ou de qualquer outra origem, de modo que os filhos possuem idênticos direitos patrimoniais, não se justificando um tratamento sucessório diferenciado.

Desse modo, não há dúvidas de que no caso de multiparentalidade, por não ser possível um tratamento discriminatório, o filho terá direito a duas heranças, tanto do pai biológico quanto do pai afetivo, sendo uma consequência natural do reconhecimento dessa forma de família.

A propósito, vale aqui citar as lições de Adriana Karlla Lima, segundo o qual:

[...] deve-se outorgar o direito à sucessão, pois a filiação socioafetiva, conforme demonstrado anteriormente, gera efeitos jurídicos por si só, desde que esteja presente na relação o nome, o trato e a fama. Devendo subsistir o direito mesmo que não haja o reconhecimento por via judicial, e sobrevenha o falecimento do pretenso pai. Cabendo, assim, ao Judiciário julgar conforme o caso concreto, protegendo a relação paterno-filial.[41]

Agora uma questão sem uma resposta muito precisa é saber o que acontece quando o filho falecer antes dos pais sem deixar descendentes, sendo que a resposta da lei brasileira sempre foi a de que “os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra metade aos da linha materna” (art. 1836 do CC/02[42] ), o que significa que o pai recebia a metade dos bens, e a mãe, a outra metade.

A respeito desta questão, o professor Anderson Schereiber indaga como será feita a distribuição nessa hipótese: a mãe recebe metade e cada pai recebe um quarto da herança? Ou se divide a herança igualmente entre os três, para que a posição de pai não seja “diminuída” em relação à posição de mãe (ou vice-versa)? [43]

Respondendo a essa indagação, Cristiano Chaves, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt e Wagner Dias ensinam que o mais correto é que se faça uma divisão igualitária entre todos eles, senão vejamos:

De acordo com a teoria da pluriparentalidade, a existência de um vínculo de filiação socioafetivo não poderia eliminar a possibilidade de concomitante filiação biológica. Isso porque se tratavam de critérios diferentes e, em razão disso, poderiam coexistir simultaneamente. Renata Barbosa de Almeida e Walsir Edson Rodrigues Júnior foram um dos primeiros a se posicionar favoravelmente ao argumento: “Parece permissível a duplicidade de vínculos materno e paterno-filiais, principalmente quando um deles for socioafetivo e surgir, ou em complementação ao elo biológico ou jurídico preestabelecido, ou antecipadamente ao reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica” (Direito Civil: Famílias. São Paulo: Atlas, 2012, p. 382-383). Superando um histórico de divergências jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a compatibilidade da pluriparentalidade com a isonomia constitucional garantida entre os filhos, fixando a seguinte tese jurídica a respeito da temática: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vinculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". (STF, Ac. Tribunal Pleno, RE 898.060/SC, Repercussão geral 622, rei. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16). A presente decisão traz à baila a questão da sucessão dos ascendentes e a formação de uma nova linha para cada ascendente que for acrescentado. Desta forma, havendo dois pais e uma mãe, três serão as linhas sucessórias ascendentes, dividindo-se, de forma igualitária, o monte partilhável em cada uma delas. E, desta forma, deve-se proceder em relação a cada ascendente que se reconhecer. Trata-se da aplicação lógica do disposto no presente artigo, lembrando-se que o legislador tomou por consideração da existência do secular par andrógino e não as inovações decorrentes do reconhecimento da concorrência entre biologia e afeto. Medida hermenêutica justa e licita que atualiza o conteúdo do artigo, sem se fazer fugir da ratio essendi que conduziu a sua construção. ”[44]

Enfim, trata-se de uma questão polêmica e que decorre do reconhecimento da multiparentalidade, de modo que só nos restar aguardar qual será o posicionamento dos tribunais sobre essa matéria, embora nos parecessem que o correto seja uma distribuição igualitária, de modo que a herança seja dividida em 03 partes iguais.

4.4. GUARDA

Outra questão que se coloca quando se admite a multiparentalidade diz respeito à guarda, pois se questiona quem é que exerceria esse papel de guardião: o pai biológico, a mãe biológica, o pai socioafetivo ou uma guarda compartilhada?

Sobre o tema, vale citar, novamente, as observações feitas por Cristiano Chaves, Luciano Figueiredo, Marcos Ehrhardt e Wagner Dias, nos seguintes termos:

A idéia do compartilhamento da convivência entre os pais foi, historicamente, arquitetada para uma família biparental, baseada na custódia exercida entre o pai e a mãe (ou, no caso da filiação homoparental, entre o pai e o pai ou entre a mãe e a mãe). Todavia, com a admissibilidade da tese da pluriparentalidade pelo Supremo Tribunal Federal, um novo horizonte vem se apresentando para a matéria: “A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro publico, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios". (STF, Ac. Tribunal Pleno, RE 898.060/SC, Repercussão Geral 622, rei. Min. Luiz Fux, j. 22.9.16). Em razão da nova possibilidade de formação familiar, uma pessoa pode, concomitantemente, ter dois pais e uma mãe ou, noutro exemplo, duas mães e um pai. Nesse caso, a clareza solar da tese jurídica consagrada pela Corte Excelsa não deixa margem para dúvidas: serão produzidos todos os efeitos jurídicos de uma relação familiar, o que abrange a regra geral da guarda conjunta. E, por conta disso, todos os pais e todas as mães estarão, automaticamente, no exercício do poder familiar e, por lógica, poderão reclamar a guarda compartilhada do filho. ”[45]

Assim, em relação à guarda, o que nos parece mais correto é que se faça uma análise do caso concreto e que a decisão seja pautada no princípio do melhor interesse para a criança ou o adolescente, não podendo se estabelecer uma preferência em abstrato, pois o que importa é que o filho esteja com pessoas nas quais possui afinidade e no caso de haver várias, é plenamente possível que se estabeleça uma guarda compartilhada.

Agora caso se estabeleça a guarda unilateral, o artigo 1.589 do CC/02 dispõe que o pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação, devendo referido dispositivo ser aplicado também para as situações de mais de um pai ou mais de uma mãe, alcançando, inclusive, os avós, que, no caso, serão 03 (três).

Assim, correta a observação feito por Christiano Cassettari, segundo o qual:

(...) Não há preferência para o exercício do direito de visita de uma criança ou adolescente em decorrência da parentalidade ser biológica ou afetiva, pois o que deve ser atendido é o melhor interesse da criança, lembrando que tal direito é extensivo, também, aos avos, não apenas biológicos, mas também, socioafetivos.[46]

Sobre o tema, o TJGO reconheceu a questão da multiparentalidade e manteve uma sentença que estabeleceu o direito de visitas, cuja ementa segue abaixo:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. MULTIPARENTALIDADE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA COMINADA COM A BIOLÓGICA. POSSIBILIDADE. 1. A regulamentação do direito de visitas, assim como todas as questões que envolvem menores, deve prestigiar sempre e primordialmente o melhor interesse da criança (art. 227, caput, da Constituição Federal). 2. O regime de visitação permite a necessária e efetiva aproximação entre a genitora, cujo pátrio poder foi revogado, e a filha menor, a fim de desenvolver e fortalecer o vínculo afetivo entre elas, imprescindível para o desenvolvimento saudável da criança, apresentando-se, sem dúvida, como fator de contribuição para a estabilidade emocional desta e da família. 3. O Supremo Tribunal Federal sedimentou o entendimento segundo o qual "a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios”. (RE 898060, Relator Min. Luiz Fux, Tribunal Pleno, Publicado em 24/08/2017). APELAÇÃO DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 0068658-12.2015.8.09.0168, Rel. CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4ª Câmara Cível, julgado em 12/02/2019, DJe  de 12/02/2019)

Portanto, em se tratando de guarda, o importante é sempre atender aos interesses da criança e do adolescente, e, sempre que possível, manter uma convivência tanto com a família biológica como com a família afetiva, sendo de extrema importância regulamentar esse direito de convivência.

4.5. IMPEDIMENTOS MATRIMONIAIS

Em noções gerais, para que exista juridicamente o casamento deve haver alguns critérios essenciais, como ter a idade necessária, o consentimento e celebração na forma da lei.

Além disso, é necessário que os nubentes não incorram nos chamados impedimentos matrimoniais, que são proibições legais que vedam o casamento de determinadas pessoas.

Em resumo, os impedimentos são objeções destinadas a impedir que algumas pessoas possam contrair casamento, ou seja, é uma proibição de casar dirigida a uma pessoa em relação à outra predeterminada.

Sobre os impedimentos matrimoniais, vale citar trecho da obra de Carlos Roberto Gonçalves, que assim dispõe:

Os motivos de proibição do casamento já existiam no direito romano. A ideia básica é que o casamento exige requisitos especiais distintos dos pressupostos necessários dos atos comuns da vida civil. Para que os indivíduos tenham essa capacidade especial é mister que reúnam as condições impostas pela lei, que costumam apresentar-se sob a forma negativa e são designadas como impedimentos. A expressão impedimento é de origem canônica e salienta o caráter excepcional da regra proibitiva, uma vez que, em princípio, todos podem casar-se, segundo expressa a regra “omnes possuntmatrimoniumcontrahere, qui jure non prohibentur”.[47]

Importante notar que não se confundem os conceitos de impedimentos matrimoniais e de incapacidade jurídica, pois enquanto o impedimento é circunstancial, a incapacidade jurídica é genérica, abrangendo diversos atos e hipóteses, sendo possível lembrar que uma pessoa com dezesseis anos de idade é incapaz, porém não é impedida de casar com o seu noivo. Ao revés, uma pessoa maior e capaz, no gozo de suas faculdades mentais, está impedida de casar com o seu irmão ou o seu ascendente.[48]

Em se tratando de proibições legais, obstando a constituição de um casamento válido, entende-se que as suas hipóteses estão, taxativamente, previstas no Código Civil, não comportando interpretação ampliativa.

Dessa forma, não podem casar (art. 1521 do CC/02): (i) os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; (ii) os afins em linha reta; (iii) o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; (iv) os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; (v) o adotado com o filho do adotante; (vi) as pessoas casadas; (vii) o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.

Note-se que pelo art. 1521 do CC/02 o legislador trouxe como impedimento a questão da consanguinidade, pois proibiu o casamento entre ascendentes e descendentes em linha reta, visto que pode provocar o nascimento de filhos com deficiência, além de possuir sua razão moral para não acontecer.

Também foi utilizada como critério a afinidade, sendo proibido o casamento dos afins em linha reta, por exemplo, o viúvo não pode casar-se com a enteada, nem com a sogra, por haver afinidade em linha reta e ela não se extinguir com a dissolução do casamento anterior.

Do mesmo modo proibiu-se o casamento entre irmãos, seja unilateral ou bilateral, assim como dos colaterais, até o terceiro grau, inclusive, o que alcança a situação do tio ou tia como a sobrinha ou o sobrinho.

A adoção também foi utilizada como critério pelo legislador, de modo que restou proibido o casamento ente o adotante com quem já foi cônjuge do adotado, e vice-versa, ou entre o adotado com o filho do adotante, sendo que a razão para essa proibição ocorre porque ao adotar um indivíduo ele será considerado como filho, por isso, não há distinções no seu tratamento, nem moral, nem civil.

Igualmente não podem casar as pessoas casadas, pois no Brasil não se admite a poligamia, assim como também restou proibido o casamento entre o cônjuge sobrevivente com o que foi condenado pelo homicídio ou tentativa de homicídio em desfavor do seu cônjuge.

Em resumo, pode-se dizer que o Código Civil 2002 organizou os impedimentos em três categorias distintas: i) impedimentos decorrentes do parentesco, abrangendo as hipóteses dos incisos I a V do art. 1.521 da Lei Civil; ii) impedimentos decorrentes da proibição da existência de casamento anterior, obstando a pratica da bigamia; iii) impedimentos decorrentes da prática de crime, tendo o propósito de obstaculizar o casamento do cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa dele contra o ex-consorte.

Feito esse parêntese sobre os impedimentos matrimoniais, questiona-se como ficaria a situação do filho com dois pais ou duas mães? Aplicam-se a ele os impedimentos matrimoniais?

Ao que nos parece, em havendo o reconhecimento da multiparentalidade, consequentemente a criança cuja paternidade/maternidade foi duplicada terá parentesco em linhas reta e colateral (até quarto grau) com a família do pai/mãe afetivos e pai/mãe biológicos, valendo este grau de parentesco para os impedimentos matrimoniais, de modo que não poderá casar, por exemplo, com um tio, seja do lado afetivo, seja do lado biológico.

Portanto, como o ordenamento jurídico brasileiro lista os impedimentos como uma maneira de preservar a pureza da raça e a moral familiar, parece não haver dúvida de que tais situações deve se aplicar no caso da pluriparentalidade, pois há razões morais que a justifiquem, além do que não se pode ter diferenciado entre os filhos.

4.6. DIREITOS PREVIDENCIÁRIOS

Outro aspecto jurídico relevante da multiparentalidade diz respeito às relações previdenciárias, pois uma vez reconhecida a sua existência e, consequentemente, a existência de um pai biológico e outro afetivo, seria possível ao filho figurar como dependente de todos eles, e, em caso de óbito, receber duas ou três pensões por morte?

Em primeiro lugar, a lei que cuida do tema é omissa em relação a essa situação, até porque se trata de uma construção jurisprudencial, tanto é verdade que a Lei 8.213/91, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, dispõe como sendo dependentes (i) o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave; (ii) os pais; (iii) o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental ou deficiência grave. Além disso, a existência de dependente de qualquer das classes exclui do direito às prestações os das classes seguintes (art. 16).

Note-se que o inc. I do art. 16 consagra o filho como dependente preferencial do segurado, mas, como dito, a lei não trata da situação da criança/adolescente com dois pais ou com duas mães.

Há de se destacar, ainda, a inexistência de vedação expressa à cumulação de pensões decorrentes da relação de paternidade/filiação, de modo que morrendo ambos os pais, os filhos terão direito ao recebimento de duas pensões, o que já não acontece com o cônjuge/companheiro, que tem o direito de optar pela mais vantajosa.

Portanto, diante da presença de expressa previsão legal do caráter de dependência do filho independentemente da sua condição – se biológico ou afetivo - e da ausência de regra legal vedando a cumulação de pensões, à conclusão a que se chega é que, uma vez reconhecida uma relação multiparental, devem ser assegurados ao filho todos os direitos previdenciários decorrentes da pluralidade dos vínculos de paternidade, de modo que ele faz jus à cumulação de pensões, tanto do pai biológico, quanto do afetivo.

Enfim, essa conclusão é que se extrai do atual ordenamento jurídico e, em face da omissão legislativa, seria crucial que o direito previdenciário regulasse essa situação mediante a edição de uma lei sobre o tema, para que não paire nenhuma dúvida.

5. ANÁLISE DE DOIS CASOS CONCRETOS SOBRE MULTIPARENTALIDADE.

5.1. O CASO DE CACHOEIRA ALTA E A DUPLA PATERNIDADE BIOLÓGICA

Em março de 2019, o Juiz de Direito Filipe Luis Peruca, de Cachoeira Alta – Goiás enfrentou um inusitado caso envolvendo dois irmãos gêmeos idênticos (univitelinos) e a investigação da paternidade de uma criança.

Na situação analisada pelo magistrado, a criança, representada por sua genitora, ajuizou ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos, inicialmente em face de um dos irmãos, uma vez que o exame de DNA, realizado antes mesmo do início da ação, havia dado positivo, sem que, contudo, houvesse o reconhecimento da paternidade.

O requerido, devidamente citado, apresentou contestação e aduziu a sua ilegitimidade, dizendo que não havia mantido relações com a genitora da criança, razão pela qual formulou pedido para incluir no polo passivo seu irmão gêmeo, o que foi deferido e, uma vez realizado novo exame de DNA, o resultado também foi positivo, sendo que ambos os irmãos se recusaram a assumir a paternidade da criança.

 Na sentença, o juiz afastou a preliminar de ilegitimidade passiva e reconheceu a dupla paternidade, considerando que os irmãos se valiam dolosamente do fato de serem irmãos gêmeos idênticos para angariar o maior número de mulheres e para ocultar a traição em seus relacionamentos, sendo comum a utilização dos nomes dos irmãos de forma aleatória, de modo que a má-fé de um dos irmãos que buscava ocultar a paternidade não poderia receber amparo do Poder Judiciário, devendo-se prestigiar a solução que melhor contemplasse os interesses da criança em detrimento da torpeza dos demandados.

O juiz considerou que, embora a multiparentalidade tenha suas origens a partir do reconhecimento de vínculo biológico e afetivo, o conceito deveria ser aplicado de forma analógica no caso diante da multiplicidade de laços genéticos e, por esse motivo, fixou os alimentos em 30% do salário mínimo vigente para cada réu, de forma independente, além de 50% das despesas médicas, farmacêuticas, odontológicas, escolares e de vestuário da criança.

Note-se que o caso de Cachoeira Alta é muito singular e representa essa nova visão do direito de família, no qual reconhece a possibilidade de múltiplos vínculos familiares, tanto do ponto de vista biológico, quanto do ponto de vista afetivo.

A grande singularidade desta decisão está no fato de que houve o reconhecimento de uma dupla filiação biológica, sendo que na verdade tal situação é impossível, pois não tem como concluir que os dois indivíduos tenham fornecido o seu material genético para o nascimento da criança, sendo esta, aliás, a conclusão a que se chegou Lívia Teixeira Leal, em um artigo publicado sobre o tema:

Na realidade, não se estaria diante de um caso de multiparentalidade genética ou biológica, na medida em que, apesar de haver correspondência de DNA entre a criança e os dois irmãos gêmeos imputados como pais, não houve a contribuição de ambos no processo reprodutivo, considerando que apenas um forneceu o gameta para que se consumasse a fecundação.[49]

Ocorre que em face da negativa de ambos em assumir a paternidade da criança, não havia, no caso, nenhuma alternativa senão a atribuição da paternidade a ambos para atender aos interesses e direitos da criança, pois só assim é que o interesse dela estaria resguardado, até porque julgar improcedente os pedidos seria negar ao infante o direito à filiação e corroboraria com a postura omissa e negligente dos irmãos.

Logo, o que se percebe da referida decisão é que houve o reconhecimento de uma multiparentalidade, no caso biológico, sendo que esse reconhecimento acaba por trazer todos os efeitos jurídicos citados no capítulo anterior, a exemplo do direito ao nome, herança, alimentos, impedimentos matrimoniais e até mesmo questões envolvendo direito previdenciário, a exemplo de uma possível pensão por morte. Tanto é verdade que o próprio juiz do caso condenou ambos os pais a pagarem alimentos ao filho.

Sem sombra de dúvidas, trata-se de uma decisão muito curiosa e que, como disse Lívia Teixeira Leal[50], parece reproduzir a memorável história em que o Rei Salomão precisou decidir sobre a maternidade de uma criança entre duas mães[51], sendo que no caso concreto juiz optou por atribuir a paternidade a ambos os irmãos e com isso reconhecer a multiparentalidade para que, no fundo, restassem assegurado os direitos da criança.

5.2. UM CASO DE DUPLA MATERNIDADE DECORRENTE DA INSEMINAÇÃO “CASEIRA”

Um caso de dupla maternidade foi recentemente julgado pelo juiz de direito Alexandre Jose da Silva Barbosa, titular da 2° Vara de Família de Bangu/RJ, que permitiu que uma criança gerada por um casal homoafetivo de mulheres tenha em sua certidão o registro de das duas mães, pois concluiu que a inseminação artificial foi realizada com consentimento entre as companheiras.[52]

Consta dos autos que o casal realizou uma “inseminação caseira” para que uma delas gestasse o bebê, sendo que elas vivem em união estável e criam a criança juntas, sendo este o motivo pelo qual a mãe afetiva pleiteou pela sua inclusão no registro da criança, pleito este que foi acolhido pelo juiz, que decidiu que o caso em tela encontra respaldo em nossa legislação uma vez que presume a filiação quando a inseminação for com o consentimento do outro cônjuge, conforme preceitua o inciso V do artigo 1.597 do CC.

A inseminação caseira consiste, basicamente, na coleta do sêmen de um doador e sua inseminação imediata em uma mulher com uso de seringa ou outros instrumentos, como cateter, sendo normalmente feita entre pessoas leigas e em ambientes domésticos e hotéis, ou seja, fora dos serviços de Saúde e sem assistência de um profissional de Saúde.[53]

Segundo Delma Silveira Ibias, resta pendente de regulamentação a dupla maternidade em nascimento de criança gerada por autoinseminação, conhecida popularmente como inseminação caseira, que ocorre quando duas mulheres decidem ter um filho com material genético masculino de um doador anônimo ou não, introduzindo dito material no útero de uma delas, que será a parturiente, cujo nome constará da Declaração de Nascido Vivo (DNV) fornecida pelo hospital, porém, como a inseminação realizou-se de forma caseira, elas não terão a declaração, com firma reconhecida, do médico diretor da clínica onde teria sido realizado o procedimento, documento este que consta do rol determinado pelo art. 17 do Provimento 63/2017 CNJ. Diante de tal negativa, somente através de uma determinação judicial é possível realizar o registro de nascimento da criança em nome das duas mães, autoras do projeto parental.[54]

Enfim, tem-se aqui mais um caso de multiparentalidade, ocasião em que se tem o reconhecimento de duas mães, sendo uma biológica e a outra afetiva, o que deve ser plenamente reconhecido pelo Poder Judiciário, pois se coaduna com este novo modelo que se tem do direito de família, pautado no carinho e no afeto, sendo que deste reconhecimento deve-se aplicar todos os efeitos jurídicos narrados no capítulo anterior.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A família desenvolve um papel fundamental no desenvolvimento do ser humano, o que tem ligação direta com a vida em sociedade que se é criada, já que a família é o primeiro instituto social ao qual somos expostos. Mesmo no passado, com modelos padrões e hierárquicos de família, percebe-se o quanto somos dependentes de vínculos afetivos no dia a dia.

Com os estudos realizados, nota-se que este instituto é o principal meio para a formação da personalidade, principalmente em crianças e adolescentes, visto que o elo mais forte que este menor possui, não podendo ser privado de exercer esse convívio familiar, sob o risco de, no futuro, ter inúmeros problemas psicológicos e sociais por não ter tido a oportunidade de saber o que é ter um pai ou uma mãe presente.

Com o passar dos anos as famílias foram se redesenhando e abrangendo um número maior de integrantes, deixando alguns conceitos ultrapassados, de modo que a socioafetividade se mostrou o principal divisor desses tempos, pois a busca pela felicidade, amor, afeto e carinho deve se sobressair à relação que muitas vezes e por muitos anos foi apenas biológica, como é o caso de milhares de pessoas que cresceram em casas onde não eram amados de verdade, apenas por se sentirem na obrigação de conviver por ter o mesmo sangue.

Com a socioafetividade veio à possibilidade de multiparentalidade, como se viu no decorrer deste trabalho, que fez com que todo afeto envolvido em pessoas que não são do mesmo sangue se concretize em laços familiares que, por sinal, não se confunde com a adoção, pois nesta ocorre todo o rompimento com os antigos pais.

Desse instituto os filhos passaram ter a possibilidade de dupla paternidade/maternidade, cujos efeitos são os mais variados possíveis, indo desde o direito ao nome, alimentos, guarda, etc., até questões previdenciárias.

Em relação aos alimentos, como há dois pais ou duas mães, um biológico e outro afetivo, foi possível concluir que a criança poderá possível exigir de qualquer um deles ou de ambos (solidariedade), devendo, obviamente, se pautar na necessidade de quem pede e na possibilidade de quem paga, e, ainda, na razoabilidade do referido valor, lembrando que aqui não há nenhuma distinção entre os pais.

Por outro lado, assim como um pai deve prestar alimentos aos filhos, na multiparentalidade também pode acontecer de os pais, qualquer deles, seja o biológico ou o afetivo, exigir do filho uma pensão, caso dela necessite, cujos alimentos neste caso são devidos justamente com base no princípio da solidariedade.

Já em relação ao nome, viu-se que se trata de um elemento imprescindível para qualquer pessoa, já que é utilizado como uma forma de personificar o indivíduo, atuando assim como um elemento de identificação pessoal.

Logo, em sendo o nome uma manifestação expressiva do direito de personalidade, uma vez reconhecida a multiparentalidade concluiu-se ser plenamente possível que conste no registro público os prenomes de todos os genitores, tanto o biológico como o socioafetivo, incluindo aí os nomes de todos os avós, tanto é que o CNJ padronizou as certidões de casamento, nascimento e óbito em todo o país, substituindo os campos pai e mãe para somente filiação, e dos avós paternos e maternos para avós, o que foi um avanço, não havendo assim maiores problemas na aceitação do registro de mais de dois pais na certidão de nascimento.

Com relação aos direitos sucessórios, não há dúvidas de que no caso de multiparentalidade, por não ser possível um tratamento discriminatório – art. 1.596 do CC/02 -, o filho terá direito a duas heranças, tanto do pai biológico quanto do pai afetivo, sendo uma consequência natural do reconhecimento dessa forma de família.

Agora no caso do filho falecer antes dos pais sem deixar descendentes, a resposta da lei brasileira sempre foi a de que “os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra metade aos da linha materna” (art. 1836 do CC/02 ), o que significa que o pai recebia a metade dos bens, e a mãe, a outra metade. Todavia, em ocorrendo a multiparentalidade, o que parece o mais correto é que a herança do filho seja dividido em 03 partes iguais, tratando os pais e a mãe de maneira igualitária.

Já em relação à guarda, foi possível concluir que o importante é sempre atender aos interesses da criança e do adolescente, e, na medida do possível, manter uma convivência tanto com a família biológica como com a família afetiva. Em resumo, o que mais importa aqui é o bem-estar da criança.

No tocante aos impedimentos matrimoniais, que são objeções destinadas a impedir que algumas pessoas possam contrair casamento, ou seja, é uma proibição de casar dirigida a uma pessoa em relação à outra predeterminada, foi dito que em havendo o reconhecimento da multiparentalidade, a criança cuja paternidade/maternidade foi duplicada terá parentesco em linhas reta e colateral (até quarto grau) com a família do pai/mãe afetivos e pai/mãe biológicos, valendo este grau de parentesco para os impedimentos matrimoniais, de modo que não poderá casar, por exemplo, com um tio, seja do lado afetivo, seja do lado biológico.

Também se analisou a questão previdenciária, ocasião em que foi possível concluir que diante da presença de expressa previsão legal do caráter de dependência do filho independentemente da sua condição – se biológico ou afetivo - e da ausência de regra legal vedando a cumulação de pensões, uma vez reconhecida uma relação multiparental, devem ser assegurados ao filho todos os direitos previdenciários decorrentes da pluralidade dos vínculos de paternidade, de modo que ele faz jus à cumulação de pensões, tanto do pai biológico, quanto do afetivo.

Por derradeiro, no último capítulo foi feita uma análise de dois casos concretos envolvendo o reconhecimento da multiparentalidade, sendo que em um dos casos houve um duplo reconhecimento biológico (caso de Cachoeira Alta), o que causou muita perplexidade, e o outro houve o reconhecimento de uma dupla maternidade decorrente da chamada inseminação caseira, sendo que todos os efeitos jurídicos estudados anteriormente se aplicam aos casos.

Diante do exposto, pode-se concluir que a multiparentalidade é uma modalidade que veio para ficar no ordenamento jurídico, e está sujeita a várias modificações ao decorrer dos tempos, já que a sociedade também vive em constante evolução. Algo para garantir ainda mais os direitos das crianças e adolescentes, mantendo seu melhor interesse protegido, principalmente no núcleo familiar, garantindo assim o princípio da dignidade humana e o princípio da afetividade, não cabendo a mais ninguém o julgamento sobre como uma família é estruturada, ou definição de quem é ou não pai/mãe.

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ANEXO I – SENTENÇA DO CASO DE DUPLA PATERNIDADE DE CACHOEIRA ALTA

“Autos nº XXXXX

Vistos etc.

Trata-se de ação de investigação e reconhecimento de paternidade c.c. pedido de tutela antecipada de alimentos provisórios ajuizada por XXXXX, absolutamente incapaz, representada por sua genitora XXXXX em desfavor de XXXXX, partes devidamente qualificadas nos autos.

Narrou, a autora, que sua genitora manteve relacionamento amoroso com XXXXX e, desse relacionamento, resultou o nascimento da requerente. Afirmou, ainda, que a genitora da requerente e o requerido, por livre iniciativa, fizeram exame de DNA, para comprovar a filiação, no qual o resultado foi positivo.

Em razão dos fatos, pugnou pela procedência dos pedidos formulados na petição inicial, com o reconhecimento da paternidade do requerido, bem como na condenação pelos alimentos.

Anexou documentos com a petição inicial.

Recebida a petição inicial (evento n. 04), determinou-se o encaminhamento dos autos para o Ministério Público.

Manifestação do Ministério Público anexada nos autos no evento de n. 08.

Em seguida, deferiu-se o benefício da assistência judiciária gratuita para a parte autora, bem como se fixou os alimentos provisórios (evento de n. 11). Audiência de conciliação (evento 22) restou infrutífera. Na ocasião, pugnou o requerido, pela juntada de novo exame de DNA, realizado com o seu irmão, XXXXX, no qual o resultado do exame de paternidade, outrossim, deu positivo. O requerido XXXXX apresentou contestação (evento 24). Em preliminar, alegou ilegitimidade passiva, pois, segundo sustenta, não teve relações com a genitora da autora. Em seguida, formulou pedido de denunciação da lide, para incluir no polo passivo seu irmão XXXXX, em razão de o exame de DNA ter sido positivo para a paternidade da autora. No mérito, afirmou nunca ter tido qualquer relação com a genitora da autora, atribuindo nova versão aos fatos. Afirmou, ainda, que realizou o exame espontaneamente, pois seu irmão já teria realizado o exame de DNA e dado positivo, tendo apenas realizado o exame atendendo ao pedido de seu irmão, para evitar complicações no relacionamento. Por fim, pugnou pela revogação da liminar, bem como pela realização de novo exame de DNA completo – TWIN TEST, para aferir a paternidade e, também, bateu-se pela improcedência dos pedidos iniciais. A parte autora se manifestou no evento de n. 28. Em sua manifestação, impugnou a preliminar levantada pelo requerido. No que se refere à denunciação da lide, pleiteou pela intimação e citação do litisdenunciado, para compor a lide. No mais, impugnou os fatos trazidos à baila pelo requerido. Decisão no evento de n. 32, em que, em síntese, afastou a preliminar levantada em contestação e, também, analisou a denunciação da lide apresentada na contestação. Em razão de não ser o caso de denunciação da lide, deferiu-se prazo para inclusão do litisconsorte no polo passivo da demanda. Com a inclusão do requerido XXXXX no polo passivo, operou-se a respectiva citação e, em seguida, foi apresentada contestação. Em preliminar, alegou ilegitimidade passiva, porquanto teria sido chamado ao processo apenas para que seu irmão “enrolasse” o pagamento dos alimentos. No mérito, atribuiu nova versão aos fatos, aduzindo não ter mantido qualquer espécie de relacionamento com a genitora da requerente. Outrossim, pugnou pela realização do exame de DNA completo – TWIN TEST, para aferir a real paternidade biológica da requerente. Ao final, bateu-se pela improcedência dos pedidos. Atendendo a pedido das partes, designou-se audiência de conciliação, instrução e julgamento (evento 50). Audiência realizada (evento 72), em que não foi possível a conciliação. Tomou-se o depoimento da genitora da autora e dos requeridos. Em seguida abriu-se vista dos autos para as partes se manifestarem em memoriais. Em suas alegações finais, no evento de n. 77, o requerido XXXXX refutou os fatos trazidos para os autos pelo seu irmão XXXXX bem como pugnou pela realização de estudo social da requerente, portanto sustenta que a autora chama o requerido XXXXX, de modo a existir paternidade socioafetiva. Ainda, sustentou a improcedência do pedido de investigação de paternidade, devendo esta ser atribuída ao requerido XXXXX. Ainda, sustentou a redução dos alimentos provisórios e definitivos, pois possui outras obrigações com sua família atual. O requerido XXXXX apresentou alegações finais (evento 78), que, em síntese, sustenta não ser o pai da autora, atribuindo a paternidade a seu irmão XXXXX. Sustentou, ainda, a dupla paternidade, atendendo ao melhor interesse da criança. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos; a procedência da paternidade imputada a XXXXX; a procedência da paternidade socioafetiva do Senhor XXXXX. A parte autora apresentou suas alegações finais (evento 80). Em suas alegações, pugnou pelo reconhecimento da paternidade com relação ao requerido XXXXX, réu inicial da demanda. Subsidiariamente, pugnou pelo reconhecimento de dupla paternidade, com relação aos dois requeridos. Por fim, o Ministério Público apresentou parecer (evento n. 85), que, em síntese, pleiteou pelo reconhecimento da dupla paternidade para os requeridos, bem como a fixação dos alimentos em 30% (trinta por cento) do salário-mínimo vigente e 50% (cinquenta por cento) das despesas médicas, odontológicas e escolares, para cada um dos genitores. Em seguida, vieram os autos conclusos. É, em síntese, o Relatório. DECIDO. De início, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva, invocada pelo requerido XXXXX. Isso porque, como é sabido, o fato de o requerido alegar, em sua defesa, não ter mantido qualquer espécie de relacionamento com a genitora da autora não afasta sua legitimidade (pertinência subjetiva) para o processo. Revela-se, na verdade, matéria alusiva ao mérito da demanda, quanto à (im)procedência do pedido formulado pela autora em detrimento do requerido e, portanto,, como tal deverá ser analisado. Ademais, o novo Código de Processo Civil trouxe em seu bojo o princípio da primazia do julgamento de mérito, de modo que, sempre que possível, deve-se julgar o mérito da demanda em detrimento do acolhimento de preliminar (art. 488, caput, CPC). Assim, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva. Afasto, outrossim, o pedido de realização de estudo social, a fim de aferir a paternidade socioafetiva da requerente com o atual companheiro da genitora da autora. É sabido que, no âmbito do Direito de Família, afigura-se possível a paternidade socioafetiva que, porém, deve ser requerida pelo(a) filho(a), com o escopo de ampliar os laços familiares (multiparentalidade). No caso dos autos, afigura-se indevida a realização de estudo social para aferir eventual paternidade socioafetiva existente entre a requerente e o companheiro da autora, porquanto referido pleito deveria ter sido realizado, em outro processo, pela requerente em desfavor do companheiro da genitora da autora. Além disso, o senhor XXXXX não é parte na demanda, sendo, pois, de todo descabida qualquer medida, no bojo destes autos, contra terceiro estranho à lide. De se frisar, ademais, que o autor limita na petição inicial, os limites objetivos e subjetivos da demanda, assim como a matéria fática a ser analisada pelo Juízo e debatida pelas partes. Por estas razões, afasto o pedido de realização de estudo social e condenação de terceiro na eventual paternidade socioafetiva. Por subsecutivo, afasto o pedido de realização de exame de DNA TWIN TEST, tendo em vista que, além de representar um custo elevado (mais de sessenta mil reais), na audiência de instrução, as partes afirmaram não possuir condições financeiras de arcar com os custos, além da possibilidade de o resultado não ser conclusivo. Conforme consta nos autos, os requeridos são gêmeos univitelinos, portadores do mesmo DNA, o que aumenta a probabilidade de o resultado do exame de DNA - TWIN TEST ser inconclusivo. Agregue-se a isto o elevado custo, que, outrossim, inviabiliza a realização do exame. Desse modo, inviável a realização de outras provas além daquelas constantes nos autos. Afastadas as preliminares, e os pedidos de diligências complementares, passo a análise do mérito. E, no tocante ao mérito, as questões serão analisadas em separado.

DA PATERNIDADE

A presente demanda versa sobre investigação e reconhecimento de paternidade cumulada com pedido de alimentos. Inicialmente, a demanda foi direcionada contra XXXXX, diante da existência, prévia, de um exame de DNA, cujo resultado deu positivo para a paternidade da autora. Posteriormente, a autora realizou novo exame de DNA, agora com o irmão do requerido XXXXX, com o XXXXX, em que o resultado, da mesma forma, foi positivo.

Nada obstante a existência de dois exames de DNA, atestando a paternidade de ambos os requeridos para com a autora, revela-se nos autos a negativa, dos requeridos, em assumir a paternidade. Com efeito, fica evidente que os requeridos, desde a adolescência, valiam-se – e valem-se! –, dolosamente, do fato de serem irmãos gêmeos idênticos. Tanto assim que, no curso da instrução, ficou claro que um usava o nome do outro, quer para angariar o maior número de mulheres, quer para ocultar a traição em seus relacionamentos. Era comum, portanto, a utilização dos nomes dos irmãos de forma aleatória e dolosamente. No caso dos autos, ressai que um dos irmãos, de má-fé, busca ocultar a paternidade. Referido comportamento, por certo, não deve receber guarida do Poder Judiciário que, ao revés, deve reprimir comportamentos torpes, mormente no caso em que os requeridos buscam se beneficiar da própria torpeza, prejudicando o direito ao reconhecimento da paternidade biológica da autora, direito este de abrigo constitucional, inalienável e indisponível, intrinsecamente ligado à dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da Constituição da República). Superadas as questões iniciais, entendo que, no caso, deve ser reconhecida a multiparentalidade, conforme passo a expor. Como é sabido, o conceito de família não deve ser realizado de forma técnica e imutável, pelo contrário, deve ser extraído do contexto social, jurídico e psicológico, no âmbito da sociedade e levando-se em consideração a consciência coletiva da atualidade. Assim, diz-se que família é gênero, que, por sua vez, comporta diversas modalidades de constituição, devendo todas ser objeto da proteção do direito. Dentro do âmbito de proteção do instituto “família”, não se pode olvidar para o princípio da plena proteção das crianças e adolescentes, porquanto os filhos menores – crianças e adolescentes – gozam, por determinação constitucional (art. 227), de plena proteção e prioridade absoluta em seu tratamento. Logo, seus interesses devem ser tutelados e seus direitos resguardados. Dessa forma, exsurge o direito à identificação biológica e origem genética, que traz à tona a importância acerca da elucidação da paternidade, para o exercício dos direitos resultantes do vínculo familiar. É bem verdade que, no caso sub judice, embora existam dois exames de DNA atestando a paternidade de ambos os requeridos com a autora, há, de outro lado, a negativa de ambos. Durante a instrução, não foi possível aferir, com segurança, qual dos dois requeridos manteve relações sexuais com a genitora da autora, tornando, pois, impossível concluir pela paternidade de apenas um dos réus. Assim, reputo que a saída que melhor atende os interesses da criança, cuja proteção e prioridade possuem abrigo na Constituição da República, é a multiparentalidade. Mas não por afinidade, e sim a multiparentalidade biológica ou genética. Segundo leciona a doutrina:

“A visão tradicional sobre a filiação é no sentido de que o seu reconhecimento resultaria em uma dual perspectiva de parentalidade (em primeiro grau): o (os) filho (os) vincula-se a um pai e a uma mãe. (…)

Vem a lume o tema da multiparentalidade, qual seja uma situação em que um indivíduo tem mais de um pai e/ou mais de uma mãe, simultaneamente, produzindo-se efeitos jurídicos em relação a todos eles. (…)

Com efeito, mesmo que não tenha construído com o genitor (pai biológico) vínculo de afetividade algum, terá o direito de fazer constar o nome dele em seu registro, ainda que seja para fim meramente econômico, a exemplo de fazer jus à sua herança. Aliás, poderá ter direito a duas heranças, caso também seja feito o registro do pai socioafetivo”.  (GAGLIANO, Pablo Stolze. Manual de Direito Civil: Volume único. Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho. - 2ª Edição. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. pág. cit. 1393). Das lições doutrinárias surge a questão relativa à multiparentalidade, que, normalmente, ocorre entre uma filiação biológica e uma afetiva, dando ensejo, pois, a dupla paternidade genética ou biológica. Porém, como dito alhures, o conceito de família não é estanque, e deve ser analisado em cotejo com a evolução social e jurídica da sociedade, atentando-se, outrossim, para as peculiaridades do caso concreto, a fim de aferir a excepcionalidade de alguma medida a ser aplicada. E o caso sub judice, nesse aspecto, goza de certa particularidade, pois não é com frequência que se encontra um processo de reconhecimento de paternidade a existência de duas pessoas, possíveis pais, com o mesmo DNA. Assim, diante das peculiaridades do caso concreto, reputo que a decisão que mais açambarca o conceito de justiça, é aquela que prestigia os interesses e direitos da criança, em detrimento da torpeza dos requeridos.

Além disso, embora a lei não regulamente questão de tamanha complexidade e singularidade, a ausência de comando normativo, por certo, não pode implicar no non liquet, visto que a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, de forma expressa, estabelece, em seu art. 4º, que:

“Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Em arremate, preconiza o art. 5º, do mesmo diploma legal:

“Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais aquela se destina e às exigências do bem comum”

Dessarte, diante do dinamismo que orienta as relações sociais, o próprio ordenamento jurídico estabelece meios de integração e de interpretação das normas para suprir as lacunas eventualmente existentes. Vale frisar, ainda, que a multiparentalidade teve suas origens a partir do reconhecimento do vínculo biológico e afetivo. Contudo, no caso dos autos, a multiparentalidade decorre dos laços genéticos, e não por afinidade, daí distinguindo-se do que ordinariamente ocorre na espécie, que, de modo analógico, e com o escopo de integrar as normas para suprir uma lacuna existente, utiliza-se para dar solução ao caso submetido a julgamento. Tem-se, pois, como dito, a multiparentalidade genética ou biológica. Por isso, forçoso reconhecer, no caso, que a paternidade deve ser atribuída a ambos os requeridos, pelas razões expostas alhures.

DOS ALIMENTOS

Reconhecida a dupla paternidade, conceito inerente a multiparentalidade por laços genéticos ou biológicos, exsurge clara a obrigação alimentar, com obrigações individuais, para cada réu. Como é sabido, os alimentos devem ser fixados em atenção ao que dispõe o art. 1.694, §1º, do Código Civil, no qual dispõe:

“Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”.

Tem-se, portanto, o binômio necessidade/possibilidade, sem olvidar para doutrina que, além dos dois requisitos, também arrola a proporcionalidade. Nesse contexto, deve-se sopesar a necessidade da parte autora em cotejo com as possibilidades dos requeridos, devendo-se fixar os alimentos de modo proporcional e razoável. A requerente, por sua própria condição (filha, menor impúbere), possui a presunção absoluta de necessitar dos alimentos, dever este que decorre do fato de os requeridos, conforme reconhecido, na qualidade de pais, por força do vínculo biológico, e também por força do comando normativo insculpido no art. 1.703, do Código Civil. De outro lado, com relação à possibilidade de pagar os alimentos, não obstante as alegações da parte autora, não foram possíveis aferir os rendimentos reais e efetivos de ambos os requeridos, constando nos autos apenas informações relativas à existência de vínculo trabalhista. Assim, sopesando a necessidade da requerente e a possibilidade dos requeridos, reputo proporcional a fixação dos alimentos em 30% do salário-mínimo vigente, obrigação esta, ressalto, independente entre os réus, pois cada um possui obrigação própria e direta com a autora. Logo, cada réu deve pagar à autora a importância de 30% do salário mínimo. Em razão do vínculo biológico, o requerido XXXXX que ainda não pagou a verba alimentar, deverá pagá-la, a contar da sua citação no processo, devendo a autora diligenciar acerca do cumprimento da sentença. Sublinhe-se, por oportuno, que a fixação dos alimentos submete-se à cláusula rebus sic stantibus, pela qual sobrevindo modificação na situação fática, a revisão dos alimentos pode ser requerida a qualquer momento. Este entendimento foi expressamente acolhido pelo Código Civil de 2002, conforme se extrai do art. 1.699, in verbis:

“Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira que os supre, ou na de quem os recebe, poderá p interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração.”

Além dos alimentos, que devem ser ofertados em pecúnia, devem os requeridos arcar com 50% (cinquenta por cento) das despesas médicas, farmacêuticas, odontológicas, escolares roupas e calçados. É o quanto basta.

DISPOSITIVO Diante do exposto e do mais que dos autos consta, afasto as preliminares levantadas pelos requeridos, nos moldes da fundamentação supra, bem como: JULGO PROCEDENTE o pedido de reconhecimento de paternidade, como pais da autora XXXXX e XXXXX; JULGO PROCEDENTE o pedido de alimentos, fixados estes em 30% do salário mínimo vigente, para cada requerido, valor a ser depositado até o dia 10 (dez) de cada mês, em conta bancária a ser obtida junto à genitora da autora, bem como condenar os réus a arcar com metade das despesas médicas, farmacêuticas, odontológicas, escolares, roupas e calçado da autora; CONDENO, ainda, os requeridos, nas despesas eventualmente suportadas pela parte autora, bem como nas custas e honorários advocatícios, que fixo em R$ 3.000,00, na proporção de cinquenta por cento para cada, ficando suspensa a exigibilidade de tais verbas enquanto perdurarem os motivos ensejadores da assistência. Expeça-se ofício ao Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais, da Comarca de Cachoeira Alta, para que promova as alterações necessárias, em conformidade com esta sentença, a fim de que conste na respectiva certidão de nascimento da autora, o nome dos dois requeridos como pais, assim como a ascendência paterna. Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se. Dê-se ciência ao Ministério Público. Cumpra-se.

Cachoeira Alta, 21 de março de 2019.

Filipe Luis Peruca

“Juiz de Direito”

ANEXO II – SENTENÇA DA DUPLA MATERNIDADE – INSEMINAÇÃO CASEIRA

Processo n°: 0036363-58.2017.8.19.0204

  1. XXX propôs a presente ação de face da XXX, todos qualificados à fl. 03, objetivando o registro biparental como genitora do menor XXX.
  2. Alegou como causa de pedir que: a) vive em união estável com a ré que teve um filho fruto de inseminação artificial caseira; b) o menor foi registrado somente em nome da ré e não tem nenhuma relação de afetividade com o doador do material genético; c) com a inicial vieram os documentos de l.. 11/46.
  3. Foi nomeado Curador Especial, face a colidência de interesses, que contestou por negativa geral, conforme fl. 85.
  4. A ré XXX concordou com o pedido, conforme contestação de fl. 102/103.
  5. O Estatuto social e psicológico foi juntado à fl. 113/118.
  6. A audiência de instrução e julgamento transcorreu conforme assntada de fl. 233/235.
  7. O Ministério Público se manifestou em parecer final à fl. 241/245, pela procedência do pedido. É o relatório. Passo a decidir.
  8. Trata-se de demanda onde se objetiva o registro biparental do menor XXX.
  9. O caso em tela encontra respaldo em nossa legislação uma vez que presume a filiação quando a inseminação for com o consentimento do outro cônjuge, conforme preceitua o inciso V do artigo 1.597 do Código Civil.
  10. Desta fora, e tendo em vista a concordância da parte ré bem como o estudo técnico juntado aos autos e, ainda, o parecer favorável do Ministério Público, entendo que o pedido merece prosperar.
  11. Isto posto, JULGO PROCEDENTE o pedido inicial para reconhecer que XXX também é filho de XXX, passando a chamar-se XXX, tendo como avós maternos XXX e XXX. Oficie-se ao RCPN para averbação do nome da segunda mãe e dos avós maternos no registro do menor.
  12. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor atribuído à custa.
  13. Transitado em julgado, dê-se baixa e remeta-se a central de arquivamento.

[1] Artigos 226 e 227 da Constituição Federal; artigos 1.596, 1.803 e 1.834 do Código Civil; súmula 447 do STF.

[2] AFETO. É a disposição de alguém por alguma coisa, seja ela positiva ou negativa.

[3] Art. 229. “Criando a família legitima, o casamento legitima os filhos comuns, antes dele nascidos ou concebidos.”

[4] PATRIARCADO. Pode ser entendido como uma instituição social que se caracteriza pela dominação masculina nas sociedades contemporâneas em várias instituições sejam elas políticas, econômicas, sociais ou familiares. É uma forma de valorização do poder dos homens sobre as mulheres que repousa mais nas diferenças culturais presentes nas idéias e práticas que lhe conferem valor e significado que nas diferenças biológicas entre homens e mulheres (MILLET, 1969, p. 58).

[5] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.247.

[6] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.247.

[7]  FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.247.

[8] O PRESIDENTE DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, no uso de suas atribuições constitucionais e regimentais. CONSIDERANDO a decisão do plenário do Conselho Nacional de Justiça, tomada no julgamento do Ato Normativo no 0002626-65.2013.2.00.0000, na 169ª Sessão Ordinária, realizada em 14 de maio de 2013; CONSIDERANDO que o Supremo Tribunal Federal, nos acórdãos prolatados em julgamento da ADPF 132/RJ e da ADI 4277/DF, reconheceu a inconstitucionalidade de distinção de tratamento legal às uniões estáveis constituídas por pessoas de mesmo sexo; CONSIDERANDO que as referidas decisões foram proferidas com eficácia vinculante à administração pública e aos demais órgãos do Poder Judiciário; CONSIDERANDO que o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento do RESP 1.183.378/RS, decidiu inexistir óbices legais à celebração de casamento entre pessoas de mesmo sexo; CONSIDERANDO a competência do Conselho Nacional de Justiça, prevista no art. 103-B, da Constituição Federal de 1988; RESOLVE: Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo. Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis. Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

[9] STOLZE, Pablo; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1083.

[10]  BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.

[11]  Art. 1696. O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.

[12]  Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

[13]  Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

[14]  Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoa de qualquer idade será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. § 1º O reconhecimento voluntário da paternidade ou maternidade será irrevogável, somente podendo ser desconstituído pela via judicial, nas hipóteses de vício de vontade, fraude ou simulação. § 2º Poderão requerer o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva de filho os maiores de dezoito anos de idade, independentemente do estado civil. § 3º Não poderão reconhecer a paternidade ou maternidade socioafetiva os irmãos entre si nem os ascendentes.§ 4º O pretenso pai ou mãe será pelo menos dezesseis anos mais velho que o filho a ser reconhecido. Art. 11. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva será processado perante o oficial de registro civil das pessoas naturais, ainda que diverso daquele em que foi lavrado o assento, mediante a exibição de documento oficial de identificação com foto do requerente e da certidão de nascimento do filho, ambos em original e cópia, sem constar do traslado menção à origem da filiação. § 1º O registrador deverá proceder à minuciosa verificação da identidade do requerente, mediante coleta, em termo próprio, por escrito particular, conforme modelo constante do Anexo VI, de sua qualificação e assinatura, além de proceder à rigorosa conferência dos documentos pessoais. § 2º O registrador, ao conferir o original, manterá em arquivo cópia de documento de identificação do requerente, juntamente com o termo assinado. § 3º Constarão do termo, além dos dados do requerente, os dados do campo FILIAÇÃO e do filho que constam no registro, devendo o registrador colher a assinatura do pai e da mãe do reconhecido, caso este seja menor. § 4º Se o filho for maior de doze anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá seu consentimento. § 5º A coleta da anuência tanto do pai quanto da mãe e do filho maior de doze anos deverá ser feita pessoalmente perante o oficial de registro civil das pessoas naturais ou escrevente autorizado. § 6º Na falta da mãe ou do pai do menor, na impossibilidade de manifestação válida destes ou do filho, quando exigido, o caso será apresentado ao juiz competente nos termos da legislação local. § 7º Serão observadas as regras da tomada de decisão apoiada quando o procedimento envolver a participação de pessoa com deficiência (Capítulo III do Título IV do Livro IV do Código Civil). § 8º O reconhecimento da paternidade ou da maternidade socioafetiva poderá ocorrer por meio de documento público ou particular de disposição de última vontade, desde que seguidos os demais trâmites previstos neste provimento. Art. 12. Suspeitando de fraude, falsidade, má-fé, vício de vontade, simulação ou dúvida sobre a configuração do estado de posse de filho, o registrador fundamentará a recusa, não praticará o ato e encaminhará o pedido ao juiz competente nos termos da legislação local. Art. 13. A discussão judicial sobre o reconhecimento da paternidade ou de procedimento de adoção obstará o reconhecimento da filiação pela sistemática estabelecida neste provimento. Parágrafo único. O requerente deverá declarar o desconhecimento da existência de processo judicial em que se discuta a filiação do reconhecendo, sob pena de incorrer em ilícito civil e penal. Art. 14. O reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva somente poderá ser realizado de forma unilateral e não implicará o registro de mais de dois pais e de duas mães no campo FILIAÇÃO no assento de nascimento. Art. 15. O reconhecimento espontâneo da paternidade ou maternidade socioafetiva não obstaculizará a discussão judicial sobre a verdade biológica.

[15] SILVA, Érica Barbosa. Provimento nº83 do CNJ alterou regras para o reconhecimento socioafetivo. Registro Civil, São Paulo: 2019. Disponível em: < https://blog.registrocivil.org.br/2019/09/12/provimento-no-83-do-cnj-alterou-regras-para-o-reconhecimento-socioafetivo/>. Acesso em: 15 de junho de 2020.

[16]  Art. 1º O Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017, passa a vigorar com as seguintes alterações: I - o art. 10 passa a ter a seguinte redação: Art. 10. O reconhecimento voluntário da paternidade ou da maternidade socioafetiva de pessoas acima de 12 anos será autorizado perante os oficiais de registro civil das pessoas naturais. II - o Provimento n. 63, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 10-A: Art. 10-A. A paternidade ou a maternidade socioafetiva deve ser estável e deve estar exteriorizada socialmente. §1º O registrador deverá atestar a existência do vínculo afetivo da paternidade ou maternidade socioafetiva mediante apuração objetiva por intermédio da verificação de elementos concretos. §2º O requerente demonstrará a afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, tais como: apontamento escolar como responsável ou representante do aluno; inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência; registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar; vínculo de conjugalidade - casamento ou união estável - com o ascendente biológico; inscrição como dependente do requerente em entidades associativas; fotografias em celebrações relevantes; declaração de testemunhas com firma reconhecida. §3º A ausência destes documentos não impede o registro, desde que justificada a impossibilidade, no entanto, o registrador deverá atestar como apurou o vínculo socioafetivo. §4° Os documentos colhidos na apuração do vínculo socioafetivo deverão ser arquivados pelo registrador (originais ou cópias) juntamente com o requerimento. III - o § 4º do art. 11 passa a ter a seguinte redação: 4º Se o filho for menor de 18 anos, o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva exigirá o seu consentimento.  IV - o art. 11 passa a vigorar acrescido de um parágrafo, numerado como § 9º, na forma seguinte: "art. 11 (…) §9º Atendidos os requisitos para o reconhecimento da paternidade ou maternidade socioafetiva, o registrador encaminhará o expediente ao representante do Ministério Público para parecer.  I – O registro da paternidade ou maternidade socioafetiva será realizado pelo registrador após o parecer favorável do Ministério Público. II - Se o parecer for desfavorável, o registrador não procederá o registro da paternidade ou maternidade socioafetiva e comunicará o ocorrido ao requerente, arquivando-se o expediente. III – Eventual dúvida referente ao registro deverá ser remetida ao juízo competente para dirimí-la. V - o art. 14 passa a vigorar acrescido de dois parágrafo, numerados como § 1º e § 2º, na forma seguinte: "art. 14 (…) §1ª Somente é permitida a inclusão de um ascendente socioafetivo, seja do lado paterno ou do materno. §2º A inclusão de mais de um ascendente socioafetivo deverá tramitar pela via judicial. Art. 2º. Este Provimento entrará em vigor na data de sua publicação.”

[17] SILVA, Érica Barbosa. Provimento nº83 do CNJ alterou regras para o reconhecimento socioafetivo. Registro Civil, São Paulo: 2019. Disponível em: < https://blog.registrocivil.org.br/2019/09/12/provimento-no-83-do-cnj-alterou-regras-para-o-reconhecimento-socioafetivo/>. Acesso em: 15 de junho de 2020.

[18] SILVA, Érica Barbosa e. Primeiras impressões sobre o Provimento 83 do CNJ, sobre filiação socioafetiva. Revista Consultor Jurídico, São Paulo: 2019. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2019-ago-23/erica-barbosa-impressoes-provimento-filiacao-socioafetiva>. Acesso em: 15 de junho de 2020.

[19] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. 6. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 403-404.

[20] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. Vol. 6. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 403-404.

[21]  Maylton. A multiparentalidade como nova espécie de entidade familiar. Conteúdo Jurídico, Brasília: 2015. Disponível em: . Acesso em: 15 de junho de 2020.

[22]  Art. 41. A adoção atribui a condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais. § 1º Se um dos cônjuges ou concubinos adota o filho do outro, mantêm-se os vínculos de filiação entre o adotado e o cônjuge ou concubino do adotante e os respectivos parentes. § 2º É recíproco o direito sucessório entre o adotado, seus descendentes, o adotante, seus ascendentes, descendentes e colaterais até o 4º grau, observada a ordem de vocação hereditária.

[23] TARTUCE, Flávio; SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Direito de Família. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Método, 2008, v. 5, p. 394.

[24] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 512.

[25] STOLZE, Pablo; FILHO, Rodolfo Pamplona. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 1317.

[26] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.452.

[27]  VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil – Parte geral. 4ª Ed. Editora Atlas, 2004, p. 209.

[28]  FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 82.

[29] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 83.

[30]  FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 83.

[31] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 83.

[32] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 83.

[33] SOUZA, Katyana Guasth Queiroz  De; FERNANDES, Dílson Bastos. MULTIPARENTALIDADE: A possibilidade de coexistência da filiação biológica e socioafetiva e seus efeitos jurídicos. Revista online Fadivale, Governador Valadares: 2015, ano XI, nº 11. p. 10.

[34] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1579.

[35]  Art. 5° (…) XXX - é garantido o direito de herança;

[36] Art. 227 (…) §6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

[37]  Art. 1.596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.

[38]  Art. 1.784. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários.

[39]  Art. 1.845. São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.

[40] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1360.

[41] LIMA, Adriana Karlla de. Reconhecimento da paternidade socioafetiva e suas consequências no mundo jurídico. Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 88, maio 2011. Disponível em:. Acesso em: 16 de maio de 2020.

[42] Art. 1.836. Na falta de descendentes, são chamados à sucessão os ascendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente. §1° Na classe dos ascendentes, o grau mais próximo exclui o mais remoto, sem distinção de linhas.§2º Havendo igualdade em grau e diversidade em linha, os ascendentes da linha paterna herdam a metade, cabendo a outra aos da linha materna.

[43] SCHEREIBER, Anderson.  STF, Repercussão Geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. Disponível em: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/388310176/stf-repercussao-geral-622-multiparentalidade-e-seus-efeitos Acesso em: 16 de maio de 2020.

[44] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1648-1649.

[45] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.341.

[46]  CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 2. ed. – São Paulo: Atlas, 2015. p. 127.

[47] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Direito de Família. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 68-69.

[48] FARIAS, Cristiano Chaves; FIGUEIREDO, Luciano; EHRHARDT JR., Marcos; DIAS, Wagner Inácio Freitas. Código Civil para concursos. 5. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Juspodivm, 2017, p. 1.264.

[49] LEAL, Lívia Teixeira. Multiparentalidade genética? Análise da sentença proferida pelo Juiz Filipe Luis Peruca, de Cachoeira Alta – Goiás. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 20, p. 153.

[50] LEAL, Lívia Teixeira. Multiparentalidade genética? Análise da sentença proferida pelo Juiz Filipe Luis Peruca, de Cachoeira Alta – Goiás. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 20, p. 153.

[51] Segundo narra a história, duas mães estavam dormindo com seus bebês, quando uma delas sufocou seu filho com o peso de seu próprio corpo, o que o matou. Ela, então, retira o bebê da outra mãe enquanto esta dormia, de modo que as duas mães passam a pleitear a maternidade da criança viva. O rei, diante de tal caso e da inexistência de provas, decide partir a criança em duas partes, dando a cada uma das demandantes uma parte. Enquanto uma delas aceita a sentença proferida, a outra diz ao rei que não precisa fazer mal ao bebê, que, sendo tal medida necessária, a criança poderia ser entregue à outra, a fim de que permanecesse viva. O Rei Salomão, então, diante da atitude da segunda mãe, percebe que esta era de fato a mãe da criança viva, atribuindo-lhe a maternidade (LEAL, Lívia Teixeira. Multiparentalidade genética? Análise da sentença proferida pelo Juiz Filipe Luis Peruca, de Cachoeira Alta – Goiás. Revista Brasileira de Direito Civil – RBDCivil, Belo Horizonte, v. 20, p. 153.)

[52] Disponível em: https://migalhas.uol.com.br/quentes/333021/dupla-maternidade—filho-de-casal-homoafetivo-tera-registro-de-duas-maes. Consultado em 10.11.2020.

[53] Disponível em: http://www.blog.saude.gov.br/index.php/53303-inseminacao-artificial-caseira-riscos-e-cuidados Consultado em 10.11.2020.

[54] IBIAS, Delma Silveira. Reconhecimento de dupla maternidade de criança gerada por inseminação caseira. Disponível em: https://www.ibdfam.org.br/artigos/1556/Reconhecimento+de+dupla+maternidade+de+crian%C3%A7a+gerada+por+insemina%C3%A7%C3%A3o+caseira+  Consultado em 10.11.2020. 


Publicado por: Carolina Silva Miquilino

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