Ineficácia das Medidas Socioeducativas

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1. RESUMO

A presente monografia tem como objetivo analisar a ineficácia das medidas socioeducativas aplicadas aos menores infratores no ordenamento jurídico brasileiro. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê medidas com caráter pedagógico, sem caráter de pena, ou seja, não se busca a punição ao adolescente autor do ato infracional, mas sim tem como objetivos a reeducação do menor visando a ressocialização e o retorno à família e a sociedade. Observou-se que as medidas sócio-educativas não são aplicadas com esse caráter previsto no Estatuto, mas sim com um caráter punitivo, posto que a reeducação e ressocialização do infante não têm sido alcançadas. Chegou-se à conclusão de que o Estatuto deveria ser aplicado corretamente, para que as medidas pudessem ter a eficácia desejada, ou seja, para que possam alcançar a efetiva reeducação e reintegração do adolescente infrator.

Palavras chave: Ato infracional. Ressocialização. Estatuto da Criança e do Adolescente.

ABSTRACT

This thesis aims to analyze the ineffectiveness of educational measures applied to offenders in Brazilian law. The Statute of the Child and Adolescent provides pedagogical measures on a non-penalty, ie, not seeking punishment the teen author of the offense, but has the lowest obtivos the reeducation aimed at rehabilitation and the return to family and society. It was observed that the socio-educational measures are not applied to this character provided for in the Statute, but with a punitive character, since the rehabilitation and re-socialization of the infant have not been achieved. Came to the conclusion that the statute should be applied correctly, so that measures could have the desired effect, ie, so that they can achieve effective rehabilitation and reintegration of the offender teenager.

Keywords: Act infraction. Resocialization. Statute of Children and Adolescents.

2. INTRODUÇÃO

O presente estudo consiste na pesquisa individual orientada sob a forma de monografia jurídica, exigida como requisito para à obtenção do grau de Bacharel em Direito no curso de graduação da Faculdade Castelo Branco.

Embora a sociedade tenha a falsa impressão de que o adolescente infrator não sobre responsabilização por seus atos, na realidade o ordenamento jurídico brasileiro apresenta um amplo sistema de garantias e medidas previstas, inclusive estas se encontram de acordo com as normativas internacionais.

Assim, o trabalho tem como objetivo abordar a responsabilização penal do adolescente infrator que ocorre por meio das medidas socioeducativas e posteriormente tentar esclarecer os motivos da reincidência dos menores.

Para isso, no desenvolver do trabalho procurou demonstrar algumas causas que levam os adolescentes a retornar a praticar os atos infracionais, a fim de apontar a participação e responsabilidade daqueles que apresentam a obrigação de cuidar desses menores, sejam eles a família, o Estado ou a sociedade.

Dessa forma, utilizou-se basicamente a técnica de pesquisa bibliográfica de elementos textuais com base na análise da legislação e opinião doutrinária, que pudessem dar sustentação a exposição e conclusão do trabalho. Utilizando-se também de pesquisas de campo realizada em órgãos governamentais, e como material de apoio ao desenvolvimento do trabalho, foram abordadas matérias jornalísticas e informações divulgadas nos diversos meios de comunicação.

3. OS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Para a lei brasileira as crianças são os indivíduos de até onze anos de idade e adolescentes são aquelas pessoas que têm entre doze e dezoito anos. Por serem pessoas em desenvolvimento, crianças e adolescentes precisam ser especialmente protegidos pela sociedade e pelo Estado e é isso que diz o artigo 227, da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

3.1. O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA ABSOLUTA PRIORIDADE

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, prevê o atendimento diferenciado e privilegiado de todos os direitos de crianças e adolescentes – após a emenda constitucional de 13 de julho de 2010, também ao jovem – criando assim o princípio da absoluta prioridade.

O autor Wilson Liberati levanta a questão de que esse principio poderia implicar um desnível de tratamento e de garantia de direitos propostos pela Constituição, ao mesmo tempo em que assegura que “todos são iguais perante a lei”. Contudo a criança e o adolescente tem a peculiar condição de pessoas em desenvolvimento, e requerem tratamento jurídico especial, assim, o respeito à diferença entre os sujeitos de direito não implica na discriminação ou violação do princípio da isonomia consagrado pela Constituição. (LIBERATI, 2012. p. 60)

É certo que a igualdade preconizada pelo texto constitucional consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Se houvesse a possibilidade jurídica de tratar igualmente os desiguais ou desigualmente os iguais, isso importaria injustiça e violação do princípio da igualdade. (LIBERATI, 2012. p. 61)

Se espelhando no texto constitucional o Estatuto da Criança e do Adolescente definiu e materializou o conceito de absoluta prioridade em seu artigo 4° e seus parágrafos.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Parágrafo único. A garantia de prioridade compreende:

a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias;

b) precedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas;

d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

Deve-se observar que tanto a Constituição quanto o Estatuto da Criança e do Adolescente preveem que a aludida prioridade não é obrigação exclusiva do Estado, mas sim da família, da sociedade e da comunidade. O texto da lei convoca todos para que em suas respectivas atribuições apliquem o princípio da absoluta prioridade em relação às crianças e adolescentes. (LIBERATI, 2012. p. 62)

4. INIMPUTABILIDADE

De uma forma genérica, pode-se afirmar que toda vez que um agente apresentar condições de normalidade psíquica e maturidade psíquica estará presente à imputabilidade. Ocorrendo de forma contraria a falta de sanidade ou maturidade mental, sendo este o caso dos menores de 18 (dezoito) anos, podem levar ao reconhecimento da inimputabilidade, pela incapacidade de culpabilidade. (BITENCOURT, 1999. p 348)

Nesse sentido, Bitencourt discorre:

Podem levar, dizemos, porque a ausência dessa sanidade mental ou dessa maturidade mental constitui um dos aspectos caracterizadores da inimputabilidade. Embora imaturidade menta, isoladamente, esgote o conceito de inimputabilidade, porque, por presunção legal, o menor de dezoito anos é mentalmente imaturo e, consequentemente, incapaz de culpabilidade, ou na velha terminologia, irresponsável penalmente. Nessa hipótese, é suficiente que se faça a comprovação da idade do menor, isto é do aspecto puramente biológico. (BITENCOURT, 1999. p 348)

Assim, a imputabilidade se inicial aos 18 (dezoito) anos, sendo a “maioridade penal”, na legislação brasileira definida pelo sistema biológico, ignorando-se o desenvolvimento mental do menor de dezoito anos, considerando-o inimputável, independentemente de possuir capacidade de entender a ilicitude do fato. (BITENCOURT, 1999. p 349)

Dessa forma, os menores de 18 (dezoito) anos, autores de infrações penais terão suas responsabilidades reguladas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, que prevê as medidas adequadas à gravidade dos fatos e à idade do menor infrator. (BITENCOURT, 1999. p 350)

5. HISTÓRIA DO DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE NO BRASIL

As crianças e adolescentes nem sempre tiveram seus direitos individuais garantidos no território brasileiro. Deve-se observar que a história do direito da criança no Brasil é recente, originando-se pela necessidade da regulamentação das atividades que envolviam os filhos de escravos.

Um movimento abolicionista, em 1862, fez com que o Senado aprovasse uma nova lei, que entre outras coisas, garantia que no momento da venda do escravo esse não poderia ser separado de seu filho, obrigando assim, o proprietário a sempre manter pais e filhos reunidos. (LIBERATI, 2012. p. 40).

Outro marco no período de escravidão foi a Lei 2.040, de 28 de fevereiro de 1871, também chamada de “Lei do Ventre Livre”, promulgada pela princesa Isabel. A lei concedia, a todas as crianças, filhas de escravas, nascidas após a vigência da lei, a liberdade. (LIBERATI, 2012. p. 40)

Contudo, o objetivo principal da lei não era a proteção das crianças, mas sim, era um meio de impedir a continuidade da escravidão, como pode se observar no artigo da lei:

Art. 1o: Os filhos da mulher escrava que nascerem no Império desde a data desta lei, serão considerados de condição livre.

§1o: Os ditos filhos menores ficarão em poder e sob a autoridade dos senhores de suas mães, os quais terão obrigação de criá-los e tratá-los até a idade de oito anos completos. Chegando o filho da escrava a esta idade, o senhor da mãe terá a opção, ou de receber do Estado a indenização de 600$000, ou de utilizar-se dos serviços do menor até a idade de 21 anos completos. No primeiro caso o governo receberá o menor, e lhe dará destino, em conformidade da presente lei. A indenização pecuniária acima fixada será paga em títulos de renda com o juro anual de 6%, os quais se considerarão extintos no fim de trinta anos. A declaração do senhor deverá ser feita dentro de trinta dias, a contar daquele em que o menor chegar à idade de oito anos e, se a não fizer então, ficará entendido que opta pelo arbítrio de utilizar-se dos serviços do mesmo menor.

§2o: Qualquer desses menores poderá remir-se do ônus de servir, mediante prévia indenização pecuniária, que por si ou por outrem ofereça ao senhor de sua mãe, procedendo-se à avaliação dos serviços pelo tempo que lhe restar a preencher, se não houver acordo sobre o quantum da mesma indenização.

Outro momento que marcou a história brasileira de proteção a criança foi a instituição da Roda dos Expostos, que era um local onde era possível abandonar-se uma criança, sem a necessidade de que os pais fossem expostos. Em outras palavras, era:

De forma cilíndrica e com uma divisória no meio, esse dispositivo era fixado no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior da parte externa, o expositor colocava a criança que enjeitava, girava a Roda e puxava um cordão com uma sineta para avisar à vigilante – ou Rodeira – que um bebê acabara de ser abandonado, retirando-se furtivamente do local, sem ser reconhecido. (MARCÍLIO, 1998. p.46)

A Constituição do Império, de 1824, e a primeira Constituição da República em 1891, não estabeleceram qualquer proteção ou direito a criança ou adolescente. Contudo o Código Criminal, de 1830, e o primeiro Código Penal da República, de 1890, fizeram as primeiras referências sobre a responsabilidade penal de menores de 21 anos de idade. (LIBERATI, 2012. p. 41)

Segundo Liberati, o Código Criminal do Império determinava que os menores de 14 anos de idade encontravam-se isentos da imputabilidade pelos atos praticados, que fossem considerados criminosos, entretanto os menores de 14 anos que tinham discernimento sobre o ato cometido deveriam ser recolhidos às Casas de Correção, até que completassem 17 anos. E entre os 14 e 17 anos os menores seriam considerados cúmplices, sujeitos a pena de dois terços da que cabia ao adulto infrator, e os maiores de 17 e menores de 21 anos gozavam de atenuante da menoridade. (LIBERATI, 2012. p. 42-43)

O Código Penal da República, declarou a irresponsabilidade de pleno direito dos menores de 9 anos de idade, assim, impossibilitando que fossem considerados criminosos, como também, os maiores de 9 e menores de 14 anos que não tivessem discernimento. Contudo se os de idade entre 9 e 14 anos tivessem praticado o ato com discernimento, os mesmos seriam recolhidos em estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo determinado pelo juiz, desde que não ultrapassasse os 17 anos de idade. Já os maiores de 14 e menores de 17 eram impostas as penas de cúmplice, e aos menores de 21 anos era aplicada a atenuante de menoridade.( LIBERATI, 2012. p. 45)

Dessa forma se observa nos artigos do código:

Art. 27. Não são criminosos:

§ 1º Os menores de 9 anos completos;

§ 2º Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem sem discernimento;

Art. 30. Os maiores de 9 anos e menores de 14, que tiverem obrado com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriais, pelo tempo que ao juiz parecer, contanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 anos.

Art. 42. São circunstancias atenuantes:

§ 11. Ser o delinquente menor de 21 anos.

Art. 65. Quando o delinquente for maior de 14 e menor de 17 anos, o juiz lhe a aplicará as penas da cumplicidade.

Sobre a teoria do discernimento adotada pelos dois códigos,o Código Criminal do Império e o Código Penal da Republica, Gantus salienta:

[...] a manutenção da teoria do discernimento e de medidas de caráter essencialmente repressivas, o que demonstra a pouca sensibilidade dos elaboradores republicanos aos reclamados que tentavam prevalecer a preocupação com o futuro, particularmente expressos pelas propostas de incorporação de medidas educativas no tratamento aos menores”. Ainda na concepção do autor “a teoria da ação com discernimento imputava responsabilidade penal ao menor em função de uma pesquisa da sua consciência em relação à prática da ação criminosa. (apud LIBERATI, 2012. p. 42).

Em 1° de janeiro de 1916 entrou em vigor a Lei 3.071, sendo conhecida como o Código Civil, estabelecendo regras para o exercício de direitos na esfera civil, apresentando uma divisão entre os absolutamente e os relativamente incapazes de exercer tais direitos, e fixando o fim da menoridade aos 21 anos de idade completos. (LIBERATI, 2012. p. 43)

O Código Penal da República sofreu algumas alterações em 1921, através da Lei 4.242, e uma dessas modificações, eliminou o critério do discernimento e passou a considerar o menor de 14 anos totalmente isento de responsabilidade penal. Como determina o artigo 24 da lei. (LIBERATI, 2012. p. 43)

Art. 24. O menor de 14 anos, indigitado autor ou cúmplice de fato qualificado crime ou contravenção, não será submetido a processo penal de espécie alguma; a autoridade competente tomará somente as informações precisas, registrando-as, sobre o fato punível e seus agentes, o estado psico, mental e moral do menor, e a situação social, moral e econômica dos pais, ou tutor, ou pessoa em cuja guarda viva.


CÓDIGO DE MENORES “MELLO MATOS”

Conhecido como Código de Menores “Mello de Matos”, o decreto nº 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, consolidou as leis de assistência e proteção aos menores. (LIBERATI, 2012. p. 66)

Em seu artigo 1º, descreveu seu objeto e finalidade: “Art. 1º O menor, de um ou de outro sexo, abandonado ou delinquente, que tiver menos de 18 (dezoito) anos de idade, será submetido pela autoridade competente às medidas de assistência e proteção neste Código”.

Assim, destaca-se o fato de que o código dividia os menores em duas categorias, os abandonados, que incluíam os vadios, mendigos e libertinos; e os delinquentes, desde que menores de 18 anos de idade, que estariam amparados e disciplinados pelas normas contidas no código. (LIBERATI, 2012. p. 66)

O Código não garantiu o acesso à cidadania aos menores pobres uma vez que não os reconhecia como sujeitos de direitos. Era uma lei que estabelecia o controle da pobreza. Suas normas adequavam-se à necessidade do menor ficar contido no seio de uma família capaz de seguir os parâmetros da moralidade estabelecida. Caso a família se mostrasse incapaz de educar e vigiar seus filhos poderiam os pais perder o pátrio-poder. Foi com este Código que se extinguiu o sistema de “roda dos expostos” e se estabeleceu a proteção dos menores abandonados passando estes à tutela do Estado. (LIBERATI, 2012. p. 66∕70)

Tratou também da responsabilidade penal dos menores a partir dos 14 anos de idade, que se submetiam a um processo especial, vedando sua prisão comum. O menor delinquente com idade inferior a 14 anos não poderia mais se sujeitar a qualquer espécie de processo penal, como descreve Veronese:

Foi somente em 1926 que, através do Decreto Legislativo, nº 5.083 de 1-12-1926, foi instituído o Código de Menores, que seria consolidado em 1927, o qual veio disciplinar a incidência da lei penal com referência aos menores:

Menos de 14 anos – improcessável, com internamento, porém, se tratar de menor pervertido ou doente;

Mais de 14 anos e menor de 18 anos – processo especial;

Mais de 16 anos e menos de 18 anos, evidenciando periculosidade, internação em estabelecimento especial;

Mais de 18 e menos de 21 anos, atenuante de menoridade. (VERONESE, 1999. p.23.

 

Com a situação precária da política brasileira na época, o Código de Menores não prosperou, como destaca Veronese

Sobre o Código de Menores de 1927, convém ainda ressaltar que, apesar dos esforços de Mello Mattos e seus sucessores, estes tiveram como uma barreira praticamente instransponível, em virtude da política da época, a falta de recursos e a implantação de novos. De forma que as reclamações oriundas dos juízes de menores nesse sentido eram constantes. (VERONESE, 1999. p.31.)

5.1. SERVIÇO DE ASSISTÊNCIA A MENORES

Criado por meio do Decreto-lei 3.799, de 1941, o Serviço de Assistência a Menores, também conhecido com SAM. O sistema tinha como missão amparar socialmente os menores carentes, abandonados e infratores, centralizando a execução de uma política de atendimento, de caráter corretivo, repressivo e assistencial, em todo território nacional. (LIBERATI, 2012. p. 75-76)

O SAM, como descreve Liberati, para atingir seu objetivo, foi constituído em seções, sendo elas de administração; de pesquisas e tratamento somato-psíquico; de triagem e fiscalização, e seção de pesquisas sociais e educacionais. (LIBERATI, 2012. p. 76)

Contudo, apesar da aparente organização, o Serviço de Assistência a Menores funcionava como um sistema penitenciário para a população menor de 18 anos, ou seja, não conseguiu atingir suas finalidades, como explica Veronese:

No entanto, o SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de atendimento, que geravam revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados. (VERONESE, 1999. p.32.)

Com o passar do tempo, o SAM foi definhando, uma vez que não contava com uma estrutura adequada, sem autonomia financeira e, principalmente, com métodos inflexíveis de atendimento, que ocasionaram grande tumulto entre os internos. (LIBERATI, 2012. p. 77)

Na década de 60, o SAM encontrava-se com seu objetivo destorcido e totalmente sem metodologia de atendimento, deixando na história o caso da mãe de um menor envolvido em um assassinato de uma jovem, a qual impetrou habeas corpus para garantir que seu filho não fosse internado em estabelecimento inadequado e sem curso ginasial. Pedido esse que foi julgado em caráter preventivo através do HC 38.193, julgado em junho de 1961, pelo STJ. (LIBERATI, 2012. p. 77)

O menor Por ser chegou a ser internado no Presídio do Distrito Federal, por irresponsável penalmente, foram impostas medidas correcionais ao menor. De plano, o ministro convocado Sampaio Costa levantou o óbice à discussão que extravasa o direito de ir e vir tutelado por meio de habeas corpus. (FUCK, 2012, p. 59)

A objeção foi respondida pelo ministro Nelson Hungria, nos seguintes termos:

Senhor Presidente, rejeito a preliminar, que não tem, no caso, fundamento.Trata-se de ameaça de internação num estabelecimento de assistência a menores que se transformou, na prática, numa fábrica de criminosos, onde não há ensino secundário senão para a perversão moral. É isto o que se quer evitar a esse menor: o constrangimento de internação num reformatório falido, que, ao invés de reabilitá-lo, apenas o aviltará irremediavelmente. (HC 38.193/GB, 25-1-1961.) (FUCK, 2012, p. 59)

Confirmando o verdadeiro papel da justiça, o ministro Nelson Hungria, no mérito, discorreu:

Senhor Presidente, é notório que esse menino, o paciente, vem sendo vítima de uma tremenda prevenção, como se fosse o último dos réprobos, o pior dos facínoras. [...] Tudo se negou a esse menino. Em torno dele se criou um ambiente de absoluta incompreensão. [...] No entanto, o complexo fato criminoso de que teria participado, segundo o noticiário escandaloso, não foi, sequer, convincentemente esclarecido quanto ao episódio mais grave, não sabendo se houve homicídio ou suicídio, dada a imprestabilidade de um laudo pericial que não faz honra à nossa Polícia Técnica, pois nada mais é que uma sucessão de conjecturas indignas de figurar na mais reles novela policial. [...] Houve protestos contra semelhante crueldade, e C.M. foi, então, remetido para o SAM, para esse depósito de menores delinquentes que procedem das oitenta “favelas” da antiga Capital da República. Sabe-se o que é o SAM: uma escola para o crime, uma fábrica de monstros morais. Superlotado e sob regime da mais hedionda promiscuidade, a sua finalidade prática tem sido a de instruir para o vício, para a reação pelo crime, para todas as infâmias e misérias. Todos os famosos delinquentes precoces trazem a marca que o SAM lhes imprimiu, isto é, a erradicação total do brio, do amor próprio, do mínimo ético indispensável à vida em sociedade. Zé da Ilha, Mauro Guerra, Cabeleira, Moleque33, são produtos específicos do SAM. O que lá se aprende é fazer do crime profissão e meio de vida. Não apenas o SAM, senão também os 17 pseudorreformatórios que ele superintende, falharam redondamente nos seus objetivos. Deveriam ser arrasados, desde o teto até os alicerces, para que se recomeçasse tudo de novo e sob moldes inteiramente diversos. Para os menores que uma vez delinquiram só há uma salvação ou possibilidade de recuperação: não serem recolhidos ao SAM ou dele escaparem pela fuga. [...] (FUCK, 2012, p. 59∕61)

Pelo teor do acórdão é possível vislumbrar o Serviço de Assistência a Menores vinte anos após sua criação, se tornou um verdadeiro caos. As instituições subordinadas ao SAM já não atendiam mais às necessidades de reeducação dos menores da época. (LIBERATI, 2012. p. 77)

5.2. LEI DE INTRODUÇÃO DO CÓDIGO PENAL

O decreto-lei 3.914, de 09 de dezembro de 1941, também chamado de Lei de Introdução ao Código Penal, alterou o art. 71, do Código de Menores (Decreto 17.943-A) que determinava a internação do menor em seção especial da escola de reforma. (LIBERATI, 2012. p. 78-79)

Tal modificação se materializou no art. 7º, do Decreto-lei, qual seja:

 

Art 7º No caso do art. 71 do Código de Menores (decreto número 17.943-A, de 12 de outubro de 1927), o juiz determinará a Internação do menor em seção especial de escola de reforma.

§ 1º A internação durará, no mínimo, três anos.

§ 2º Se o menor completar vinte e um anos, sem que tenha sido revogada a medida de internação, será transferido para colônia agrícola ou para instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, ou seção especial de outro estabelecimento, à disposição do juiz criminal.

§ 3º Aplicar-se-á, quanto á revogação da medida, o disposto no Código Penal sobre a revogação de medida de segurança.

 

A modificação do art. 71, do decreto 17.943-A, teve sua importância no fato de introduzir um prazo limitado e definido para a internação de menores infratores. Além disso, a modificação regulamentou a continuação da medida aplicada para aquele jovem-adulto de 21 anos de idade que estivesse internado e não tivesse revoada a medida de internação, ou seja, se o juiz não revogasse a medida de internação, quando o infrator completasse 21 anos, ele seria transferido para colônia agrícola ou para instituto de trabalho, de reeducação ou de ensino profissional, ou seção especial de outro estabelecimento, à disposição do juiz criminal. (LIBERATI, 2012. p. 79-80)

Essa determinação legal representava uma medida de defesa social, haja vista, que se o infrator ainda causasse perigo ao meio social, não deveria voltar ao convívio comunitário, senão quando em condições adequadas. O juiz criminal só poderia liberar o infrator quando constatasse, por meio de perícias técnicas, a cessação da periculosidade. (LIBERATI, 2012. p. 80)

Cavallieri, adepto da indeterminação do prazo para aplicação das medidas lembra:

 

[...] não havendo limitação para a medida decretada pelo juiz de menores, o critério único é o da conveniência social do retorno do infrator. Com relação ao direito penal comum, cumprida a pena, recuperação à parte, segue-se a liberação. Com relação ao menor, isso jamais acontecerá. (CAVALLIERI, 1978, p. 148)

Deve-se observar que a alteração, realizada pela Lei de Introdução ao Código Penal manteve sua preocupação tão somente na fixação de prazo para o cumprimento da medida de internação, fixada pelo Código de Menores de 1927, que continuava em vigor. Na época não se priorizava o interesse ou os direitos da criança e do adolescente.

5.3. DECRETO-LEI 6.026 - ALTERAÇÃO DO DECRETO 17.943-A, DE 1927

O Decreto-lei 6.026, de 24 de novembro de 1943, alterou o Decreto 17.943-A, de 1927, o Código de Menores da Época, dispondo sobre as medidas aplicáveis aos menores de 18 anos, autores de fatos considerados infrações penais. O legislador estabeleceu um procedimento para apuração da prática da infração penal. (LIBERATI, 2012. p. 80)

O mencionado Decreto-lei estabeleceu diferenças entre os procedimentos de infratores menores ou maiores de 14 anos. Para os menores com idade inferior a 14 anos o procedimento era judicial, devendo a autoridade policial, desde logo, apresentar o menor e as testemunhas ao juiz competente. (LIBERATI, 2012. p. 80)

Nesses casos o requisito principal era a verificação da periculosidade do infrator, uma vez que verificado se os motivos e circunstâncias do fato e as condições do menor não evidenciassem periculosidade, o juiz poderia deixá-lo com o pai ou responsável, ou poderia interna-lo em estabelecimento de reeducação profissional, e a qualquer tempo poderia revogar ou modificar a decisão. (LIBERATI, 2012. p. 81)

Nos casos em que o menor demonstrasse periculosidade, o juiz determinaria sua internação em estabelecimento adequado, estando sujeito a acompanhamento do diretor do órgão administrativo competente e do Ministério Público, após, com o laudo favorável, o juiz poderia declarar cessada a periculosidade. (LIBERATI, 2012. p. 81)

Como descreve os artigos abaixo do citado decreto.

 

Art. 3º Tratando‑se de menor até 14 anos, o Juiz adotará as medidas de assistência e proteção indicadas pelos motivos e circunstâncias do fato e pelas condições do menor.

Art. 5º Quando se tratar de menor até 14 anos, a autoridade policial, logo que tiver conhecimento da ocorrência, fará apresentar o menor e as tes­temunhas ao Juiz competente.

§ 1º O Juiz ouvirá, imediatamente, o menor, o pai ou responsável e as testemunhas, com intervenção do Ministério Público, se estiver presente.

§ 2º A seguir, o Juiz decidirá verbalmente e de plano.

§ 3º Se o Juiz não puder decidir imediatamente resolverá sobre o des­tino provisório do menor, proferindo a decisão definitiva no prazo de cinco dias.

§ 4º O escrivão registrará, em livro especial, a qualificação do menor, do pai ou responsável e das testemunhas, o fato e a decisão do Juiz. Em casos especiais, o Juiz poderá mandar lavrar auto, contendo o resumo das declarações prestadas.

Se o menor infrator contasse com mais de 14 anos e menos de 18 anos de idade, o procedimento de apuração do ato ilícito seria iniciado pela autoridade policial, que deveria apresentá-lo ao juiz competente e iniciar as investigações necessárias. As medidas aplicadas aos adolescentes que fossem considerados autores do ato infracional, continuavam a sendo as mesmas do Código de Menores de 1927, com a inclusão da verificação da periculosidade do agente. (LIBERATI, 2012. p. 82)

Assim, verificada a periculosidade do menor de 18 anos e maior de 14 anos, encontrava-se o juiz autorizado a interná-lo em estabelecimento prisional destinado a adultos. Se a manifestação de periculosidade permanecesse além dos 21 anos, o infrator ainda seria submetido à internação em colônia penal agrícola. (LIBERATI, 2012. p. 82)

Deve-se resaltar que a mudança significativa foi a possibilidade de o menor de 14 anos ser apresentado imediatamente ao juiz competente, eliminando os efeitos maléficos de um procedimento prolongado. (LIBERATI, 2012. p. 82)

5.4. FUNDAÇÃO NACIONAL DO BEM-ESTAR DO MENOR – FUNABEM

Criada ainda na vigência do Código de Menores “Mello Mattos”, pela lei 4.513, de 1º de dezembro de 1964, a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor, conhecida por FUNABEM, veio para substituir o Serviço de Assistência a Menores – SAM, uma vez que ele não estava respondendo às necessidades de atendimento, passando a ser conhecido, pela sua metodologia, como “universidade do crime” e “sucursal do inferno”, como resaltou Antônio Carlos Gomes da Costa (COSTA, 1991. p. 16).

Para Veronese:

 

[...] a criação da FUNABEM – Fundação Nacional do Bem-estar do Menor, pela Lei nº 5.513, de 1º de dezembro de 1964, veio responder ao “clamor público” que passou a exigir, por parte do Governo, alguma solução diante do descrédito que se tornou o SAM, a própria percepção das elites frente ao problema da infância, bem como aos desajustes interburocráticos nas instituições estaduais de atendimento, juizados de menores e policiais, haja vista a ausência de uma política, além das prescrições do Código de Menores, que estabelecesse uma linguagem comum e específica para tal atuação. (VERONESE, 1999. p. 32-33)

 

Inicialmente, a FUNABEM foi planejada para não ter um contato direto com o menor, mas sim, para planejar, assistir, financeiramente e com pessoal, as entidades dos Estados, Municípios e entidades particulares que se encarregassem do atendimento direto dos menores em processo de marginalização. Todavia, em razão de ter herdado as atribuições e os estabelecimentos administrados pelo SAM e não ter concretizado a transferência deles para os Estados, a Fundação, acabou por atuar como órgão executor das próprias medidas que planejava. (LIBERATI, 2012. p. 84)

A FUNABEM apresentava suas diretrizes em seu artigo 8º:

 

Art. 8º - A FUNABEM tem como objetivo o atendimento das necessidades básicas do menor atingido por processo de marginalização social, devendo para tanto:

I - observar os compromissos constantes de documentos internacionais a que o Brasil tenha aderido ou vier a aderir e que resguardem os direitos do menor e de sua família;

II - assegurar prioridade à integração do menor na comunidade, por meio de:

a) assistência na própria família;

b) incentivo à adoção, nos casos previstos em lei;

c) colocação familiar em lares substitutos;

d) programas tendentes a corrigir as causas da desintegração.

III - incrementar a criação de instituições para menores que possuam características aproximadas das que informam a vida familiar e a adaptação, a esse objetivo, das entidades existentes, de modo que somente se venha a admitir internamento de menor à falta de instituições desse tipo ou por determinação judicial;

IV - respeitar, no atendimento às necessidades de cada região do País, as suas peculiaridades, incentivando as iniciativas locais, públicas ou privadas, e atuando como fator de dinamização e autopromoção dessas comunidades.

 

Observa-se que a Fundação apresentou uma vertente mais assistencial que repressiva, a política de atendimento implantada passou a focalizar o menor como um “individuo carente”, assim, a noção de periculosidade cedeu espaço na estratégia de atendimento para a noção de privação. (LIBERATI, 2012. p. 84)

De acordo com as normas da FUNABEM, o menor atingido pelo processo de marginalização seria identificado por ser encontrar ou em situação aparente ou caracterizada como de abandono, vítima de exploração ou de conduta antissocial, deveria ter sua situação estudada, com a finalidade de caracterizar plenamente as condições efetivas em que se encontrava. Esse estudo poderia ser feito, sem alterar seu quadro de vida, adotando-se ou recolhendo-se o menor em estabelecimento especializado. (LIBERATI, 2012. p. 86)

As medidas aplicadas aos menores, os carentes ou delinquentes, tinha natureza punitiva, revestida de proteção assistencial. Haja vista que o menor abandonado era internado, porque seus pais não tinham condições financeiras; o órfão era internado, porque não tinham responsáveis e o infrator era internado, porque se encontrava em situação irregular, por conduta desviante, proporcionada por ele próprio. (LIBERATI, 2012. p. 89)

Segundo Liberati:

Após 50 aos de vigência do primeiro Código de Menores, a situação era praticamente a mesma: a conquista de direitos era apenas uma ilusão; o menor era, ainda, tratado como um ser frágil, problemático, carente e desprovido de direitos – e, por isto, estava sujeito a suportar medidas de cunho punitivo e curativo mesmo que não tivesse praticado qualquer ato ilícito o não apresentasse qualquer problema social. (LIBERATI, 2012, p. 89)

Pode-se observar que na época em que a política de atendimento da FUNABEM foi instituída a intenção era proteger o menor, assegurar-lhe a garantia de seus interesses. Contudo, o ideal da FUNABEM, devido a uma política centralizada, foi esquecido, por absoluta falta de condição de ser colocado em prática. (LIBERATI, 2012. p. 89)

Referente à FUNABEM, Teixeira, diz:

Como entidade educacional, a Funabem atendia inicialmente aos alunos em regime de internato, semi-internato e externato; com a retirada dos jovens desassistidos das ruas, sem programas definidos, a entidade conduziu rapidamente ao regime carcerário, acarretando graves problemas. Com a entrada em vigor do Estatuto da Criança e do Adolescente em 12 de outubro de 1990 (Lei 8.069∕90), a Funabem foi transformada em Fundação Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência – FCBIA, propondo gradativa extinção dos internatos e modificando totalmente as propostas de atuação deste órgão dentro da nova doutrina jurídica da proteção integral da criança adotada pelos documentos internacionais. (TEIXEIRA, 1993. p. 310)

 

5.5. LEI RELATIVA A MENORES INFRATORES

A Lei 5.258, de 10 de abril de 1967, ficou conhecida por Lei Relativa a Menores Infratores, teve uma vida efêmera e foi alterada completamente, um ano depois, pela Lei 5.439, de 22 de maio de 1968. Sendo criada para dispor sobre as medidas aplicáveis aos menores infratores de 14 a 18 anos. (LIBERATI, 2012. p. 89)

Alterada a Lei 5.258∕1967, restabeleceram-se as diretrizes do antigo Decreto 6.026∕1943, surgindo a Lei 5.439∕1968. Assim, as medidas aplicadas aos menores infratores fundavam-se no critério da periculosidade. Constatada a prática de infração penal por menores de 14 a 18 anos, o juiz examinaria o autor e o fato. (LIBERATI, 2012. p. 90)

Se o autor da infração não fosse considerado perigoso, o juiz poderia aplicar-lhe as seguintes medidas: entregá-lo à sua família ou responsável ou interná-lo em estabelecimento de reeducação ou profissional, podendo revogar a medida a qualquer tempo. Contudo, se o juiz constatasse que o menor infrator era perigoso, este seria internado em estabelecimento adequado, até cessar a periculosidade, que seria atestada, por meio de parecer do diretor do estabelecimento ou órgão administrativo e parecer do curador de menores. (LIBERATI, 2012. p. 90-91)

A intervenção estatal preconizava a reeducação e tratamento do menor infrator, cuja medida poderia ser até a privação de liberdade, com a aplicação de medida de internação por períodos longos, chegando até quatro anos, no caso do menor infrator abaixo de 14 anos, e sete anos, se o menor tivesse acima de 14 anos. (LIBERATI, 2012. p. 92)

5.6. CÓDIGO DE MENORES

Depois de mais de 50 anos de vigência do Decreto 17.943-A, de 12 de outubro de 1927, tinha chegado o momento de adaptar a legislação às novas diretrizes propostas pela FUNABEM. Assim, foi promulgada, em 10 de outubro de 1979, a Lei nº 6.697, conhecida como Código de Menores. (LIBERATI, 2012. p. 92)

Veio inserir o conceito de menor em situação irregular, pois, muitas crianças estavam na infância em perigo, conforme retrata Veronese:

Dentro desde panorama surge o Código de Menores de 1979, Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, no Ano Internacional da Criança. Com tal Código se dá o estabelecimento de um novo termo: “menor em situação irregular”, que dizia respeito ao menor de 18 anos de idade que se encontrava abandonado materialmente, vítima de maus-tratos, em perigo moral, desassistido juridicamente, com desvio de conduta e ainda o autor de infração penal. (VERONESE, 1999. p. 35)

Implantando a doutrina da “situação irregular”, o novo Código estabeleceu em seu artigo 2º, a definição legal do que seria considerada uma situação irregular:

Art. 2º Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor:

I - privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de:

a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável;

b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las;

Il - vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável;

III - em perigo moral, devido a:

a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes;

b) exploração em atividade contrária aos bons costumes;

IV - privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável;

V - Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária;

VI - autor de infração penal.

Parágrafo único. Entende-se por responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exerce, a qualquer título, vigilância, direção ou educação de menor, ou voluntariamente o traz em seu poder ou companhia, independentemente de ato judicial.

O Código de Menores de 1979, foi um meio de controlar a problemática que girava em tono das crianças e dos adolescentes, segundo Teixeira:

O Código de Menores de 1979 adotou a Doutrina de Proteção ao Menor em Situação Irregular [...] o Código de Menores não se dirigia à prevenção, só cuidava do conflito instalado. O Juiz de Menores atuava na prevenção de 2º grau, através da política de costumes, proibição de frequência em determinados lugares, casas de jogos etc. (TEIXEIRA, 1993. p. 312)

A doutrina da situação irregular constituiu um avanço em relação ao pensamente anterior, na medida em que fez do menor o interesse da norma não apenas pela questão penal, mas pelo interesse do direito especial, quando apresentasse uma patologia social, conhecida por situação irregular. (LIBERATI, 2012. p. 93)

O Código de 1979 consolidava as situações expressadas pelos termos “menor abandonado” e “menor delinquente”, propostos pelo Código anterior. Assim, surgia o direito do menor como ciência autônoma. (CAVALLIERI, 1978. P. 73)

O direito do menor foi definido por Cavalieri como:

[...] o conjunto de normas jurídicas relativas à definição da situação irregular do menor, se tratamento e prevenção. [...] Aceito o conceito proposto para o direito do menor, em que se destacam três momentos: definição – tratamento – prevenção, examinada a primeira parte, a definição ou diagnóstico da situação irregular, passamos a examinar a parte realtiva ao tratamento, ou seja, a terapia, aplicada em forma de medidas judiciais. (CAVALLIERI, 1978. p. 73)

A filosofia do tratamento adotada pelo Código de 1979, foi descrita em seus artigos 4º e 5º:

Art. 4º A aplicação desta Lei levará em conta:

I - as diretrizes da Política Nacional do Bem-Estar do Menor, definidas pela legislação pertinente;

II - o contexto socioeconômico e cultural em que se encontrem o menor e seus pais ou responsável;

III - o estudo de cada caso, realizado por equipe de que participe pessoal técnico, sempre que possível.

Parágrafo único. Na ausência de serviço especializado, a autoridade judiciária poderá atribuir à pessoal habilitado o estudo a que se refere este artigo.

Art. 5º Na aplicação desta Lei, a proteção aos interesses do menor sobrelevará qualquer outro bem ou interesse juridicamente tutelado.

O Código de Menores, no art. 14, apresentava seis medidas aplicáveis a todos os menores considerados em situação irregular, cabendo à autoridade judiciária adequá-las ao caso concreto, sendo elas:

Art. 14. São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária:

I - advertência;

II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade;

III - colocação em lar substituto;

IV - imposição do regime de liberdade assistida;

V - colocação em casa de semiliberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado.

Observa-se que as medidas aplicadas aos infratores menores de 18 anos tinham caráter punitivo. Praticada a infração penal ou uma conduta desviante, o juiz aplicava a medida, não na forma de pena, mas como forma de proteção, vigilância e prevenção. O juiz tinha a autoridade judiciária, a faculdade de escolher, dentre as medidas arroladas, a que melhor atendesse ao caso concreto. (VERONESE, 1999, p. 35)

Embora este Código de menores tenha constituído uma melhoria em relação à situação irregular do menor, admitia condições controvertidas, segundo Veronese:

A idade de 18 anos dos menores que se encontravam em situação irregular estava vinculada, como se observa, ao sistema adotado pelo Código Penal, art. 27, que os exclui das sanções penais, sujeitando-os, no entanto, às normas previstas por legislação especial. (VERONESE, 1999, p. 36)

Aos jovens entre 18 e 21 anos eram designadas medidas de internação, não lhes sendo possível a reinserção na sociedade por entender que ainda possuíam desvio de conduta, permanecendo sob os cuidados do Juízo de Menores, conforme Veronese cita:

Quando o Código de Menores, no seu art. 1º, II, fazia referência aos menores entre 18 e 21 anos, designava especialmente os chamados jovens-adultos, autores de delitos praticados antes dos 18 anos, que implicavam em medida de internação. No entanto, estes jovens-adultos, mesmo tendo alcançado a maioridade, não podiam se reinserir na sociedade por continuarem apresentando os mesmos desvios, os mesmos problemas que os levaram à internação, e assim permaneciam sob a jurisdição do Juízo de Menores, sujeitos às medidas previstas no citado Código. (VERONESE, 1999, p. 36)

Deste modo, a internação era mantida depois dos 18 anos, tendo todavia, como limite a idade de 21 anos. “[...] vedada à aplicação extensiva de preceitos do Código Penal, uma vez que, durante a menoridade, seria inaplicável o Estatuto Repressivo, em face da inimputabilidade penal”. (CAMPOS, 1978, p.52)

5.7. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Foi instituído em 13 de julho de 1990, na forma da Lei nº 8.069, o Estatuto da Criança e do Adolescente, seguindo a Doutrina da Proteção Integral à criança e ao adolescente, conforme o artigo 227 da Constituição Federal de 1988.

Inicialmente vale resaltar a distinção feita pelo Estatuto, que descreve como “criança” a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescentes aquela com idade entre doze e dezoito anos. A Constituição Federal de 1988 assegurou, no art. 228, que “são penalmente inimputáveis os menores de 18 (dezoito) anos, sujeitos às normas da legislação especial”. Tal disposição foi seguida no art. 27, do Código Penal e no art. 104, do Estatuto. (LIBERATI, 2012. p. 111)

Art. 27. - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei.

Contudo, deve-se fazer uma distinção entre inimputabilidade penal e impunidade. A inimputabilidade é considerada causa de exclusão da culpabilidade, ou seja, exclusão da responsabilidade penal. Assim observa-se que isso não implica impunidade, haja vista que o Estatuto estabelece medidas de responsabilização compatíveis com a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento dos autores do ato infracional. (LIBERATI, 2012. p. 111)

O Estatuto proclama um sistema de garantia de direitos utilizando todas as disposições do direito material e processual naquilo que se adaptar à garantia dos direitos da criança e do adolescente. Em seu 267 artigo, veio garantindo e determinando as crianças e adolescentes, direitos, deveres e responsabilidades, assim como para o Estado quanto para a família, os quais compõe a sociedade. (ALBERGARIA, 1999. p 174)

Sobre o Estatuto, Albergaria diz:

O Estatuto, ao explicar o art. 227 da Constituição de 1988, incorpora as normas de Beijing e as da Convenção dos Direitos da Criança que integram a Declaração Internacional dos Direitos Humanos. Segundo Annina Lahale, a legislação brasileira é a primeira dos países latino-americanos a incorporar as normas da Convenção e das Regras de Beijing, que devem servir de base às legislações nacionais para proteção das crianças que são vitimas de injustiça social, econômica ou jurídica. (ALBERGARIA, 1999. p. 174)

Instituído como uma lei de proteção integral à criança de até 12 anos e aos adolescente de 12 a 18 anos, o Estatuto da Criança e do Adolescente apresenta os direitos fundamentais e deveres das crianças e dos adolescentes. (ALBERGARIA, 1999. 177)

Sobre os direitos fundamentais, Albergaria expõe o seguinte:

Os direitos fundamentais do menor estão previstos nos arts. 7º a 69 do Estatuto, Menciona-se o direito à vida como primeiro dos direitos fundamentais por constituir a existência da criança o superior interesse da família e da sociedade, o direito à vida é condição básica para se realizar plenamente a pessoa humana. (ALBERGARIA, 1999. p. 177)

Sobre a situação da criança e do adolescente, Rizzini afirma:

Todo esse processo histórico de quase 500 anos, que vai até início 1989, deixou a herança de uma concepção e prática de assistência asilar e de segregação às crianças e aos adolescentes. Com o discurso de “ser para o bem da criança” e de “salvá-la do seu meio promíscuo”, muitas delas foram retiradas de suas famílias”. (RIZZINI, 2000. p. 29)

Dessa forma, para Veronese a criação do Estatuto significou uma revolução:

O Estatuto da Criança e do Adolescente tem a relevante função ao regulamentar o texto constitucional, e fazer com que este último não se constitua em letra morta. No entanto, a simples existência de leis que proclamem os direitos sociais, por si só não consegue mudar as estruturas, antes há que se conjugar aos direitos uma política social eficaz, que de fato assegure materialmente os direitos já positivados. (VERONESE, 1999. p. 101)

O Estatuto determina que havendo ameaça ou violação de direitos de crianças ou adolescentes, esses terão a sua disposição serviços do município para que os responsáveis sejam levados à justiça para se explicar e sejam tomadas as devidas providencias. A esse respeito, D’Agostini dispõe:

Neste sentido, o ECA prevê que, quando houver ameaça ou violação de direitos da população infanto-juvenil, a vítima terá à sua disposição todo um aparato de serviços municipais, devendo o vitimizador, seja ele ou a família, a sociedade ou o Estado, prestar contas perante a Justiça da sua ação ou omissão. (D’AGOSTINI, 2003. p. 65)

Com relação ao menor que comete ato ilícito, o Estatuto considera ato infracional toda conduta descrita na lei como crime ou contravenção penal, conforme dispôs no art. 103. Assim, se o ato praticado por criança ou adolescente estiver adequado ao tipo penal, então, terão praticado ato descrito como crime ou contravenção penal, ou como chama o Estatuto, um ato infracional. (LIBERATI, 2012. p. 110)

O Estatuto englobou em uma só expressão – ato infracional – a prática de crime e contravenção penal por criança e adolescente. Como descreve Liberati:

Essa adequação do fato típico à lei, pela previsão estatutária, implica, todavia, a consagração do princípio da tipicidade, que, segundo Heleno Cláudio Fragoso, confere ao “tipo penal o modelo legal do comportamento proibido: a descrição pelo texto legal de um tato que a lei proíbe ou ordena, ou seja, o tipo constitui a matéria da proibição”.

[...] A contravenção penal, por sua vez, não recebeu definição ontológica em nosso sistema penal. Dela tem-se apenas o enunciado no art. 1º, da Lei de Introdução ao Código Penal – Decreto-lei 3.914, de 9.12.141 –, segundo o qual a contravenção é “a infranção penal a que a lei comina isoladamente, pena de prisão simples ou de multa”. (LIBERATI, 2012. p. 109-110)

Contudo, não se pode permitir eufemismos na ação delituosa de adolescente, o fato típico é o mesmo, seja ele praticado por maior ou menor de 18 anos, ou seja, a essência do crime é a mesma, entretanto o tratamento jurídico deve ser adequado à especial condição de casa agente. (LIBERATI, 2012. p. 110)

Essa posição, no entanto, é entendida de forma diversa por Amarante, entende:

[...] o fato atribuído à criança ou ao adolescente, embora enquadrável como crime ou contravenção, só pela circunstância de sua idade, não constitui crime ou contravenção, mas, na linguagem do legislador, simples ato infracional. (AMARANTE, 2010. p. 494)

Assim, Liberati dispõe:

Portanto, existe um procedimento especial que aplica medidas socioeducativas de caráter sancionatório-punitivo com finalidade pedagógico-educativa aos infratores considerados inimputáveis em virtude da menoridade. Aos adolescentes entre 12 e 18 anos não se pode imputar, pois, responsabilidade frente à legislação penal comum. Contudo, pode-se-lhes atribuir responsabilidade com fundamento nas normas preconizadas pelo ECA, donde poderão responder pelos atos infracionais que praticarem, submetendo-se às medidas socioeducativas previstas no art. 112. (LIBERATI, 2012. p. 112)

6. PRINCIPAIS DOCUMENTOS INTERNACIONAIS

6.1. DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA

A Organização das Nações Unidas/ONU firmou em Genebra, no dia 26 de setembro de 1924, a Declaração de Direitos da Criança, a qual foi, posteriormente, adotada pela Assembleia Geral, em 20 de novembro de 1959, por meio da Resolução 1.386 (XIV), da qual o Brasil é um dos Estados Signatários. (LIBERATI, 2012. p. 21)

A Declaração garante à criança um ambiente de afeto e segurança; receber educação; proteção contra atos de crueldade e exploração; ser os primeiros a receber proteção e socorro em situações de risco; entre outras. A declaração firma o pressuposto de que a criança é uma pessoa em desenvolvimento, devido a sua imaturidade física e mental, assim, necessitando de cuidados especiais, antes e depois do nascimento, incluindo legislação apropriada. (LIBERATI, 2012. p. 21)

6.2. REGRAS MÍNIMAS DE BEIJING

Regras das Nações Unidas que versam sobre a Administração da Justiça de Menores, também conhecida como Regras Mínimas de Beijing, foram adotadas definitivamente em 29 de novembro de 1985, por meio da Resolução 40∕33. (LIBERATI, 2012. p. 24)

O documento traz princípios básicos para a proteção aos direitos do jovem infrator, tais regras representam as condições mínimas para o tratamento dos infratores. Observa-se que as regras baseiam-se no fato do jovem ainda estar em fase de desenvolvimento de sua personalidade. (LIBERATI, 2012. p. 24)

As regras podem ser divididas em duas partes, ambas com o mesmo objetivo, qual seja a proteção do jovem infrator. Na primeira parte são elencadas as recomendações dirigidas aos Estados Membros, para que forneçam os meios necessários para a proteção e reinserção social do jovem infrator, de maneira eficaz. Na segunda parte são descritas as regras de proteção do jovem diante das instâncias de julgamento, relacionam os princípios que devem ser seguidos pela Justiça e as garantias asseguradas aos jovens infratores. De forma geral as regras propõem medidas substitutivas àquelas de privação de liberdade. (LIBERATI, 2012. p. 24)

O documento traz as seguintes definições:

2.2 Para os fins das presentes regras, os Estados Membros aplicarão as definições seguintes, de forma compatível com seus respectivos sistemas e conceitos jurídicos:

a) jovem é toda a criança ou adolescente que, de acordo com o sistema jurídico respectivo, pode responder por uma infração de forma diferente do adulto;

b) infração é todo comportamento (ação ou omissão) penalizado com a lei, de acordo com o respectivo sistema jurídico;

c) jovem infrator é aquele a quem se tenha imputado o cometimento de uma infração ou que seja considerado culpado do cometimento de uma infração.

As Regras Mínimas de Beijing descrevem garantias processuais relativas ao jovem infrator:

7.1 Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.

As regras propõem que as medidas de privação de liberdade somente serão aplicadas em último caso e enquanto estiver sobre custódia o jovem deverá receber cuidados, proteção e toda a assistência necessária. (LIBERATI, 2012. p. 26)

Como descrevem os pontos a seguir:

13. Prisão preventiva

13.1 Só se aplicará a prisão preventiva como último recurso e pelo menor prazo possível.

13.2 Sempre que possível, a prisão preventiva será substituída por medidas alternativas, como a estrita supervisão, custódia intensiva ou colocação junto a uma família ou em lar ou instituição educacional.

13.3 Os jovens que se encontrem em prisão preventiva gozarão de todos os direitos e garantias previstos nas Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros, aprovadas pelas Nações Unidas.

13.4 Os jovens que se encontrem em prisão preventiva estarão separados dos adultos e recolhidos a estabelecimentos distintos ou em recintos separados nos estabelecimentos onde haja detentos adultos.

13.5 Enquanto se encontrem sob custódia, os jovens receberão cuidados, proteção e toda assistência - social, educacional, profissional, psicológica, médica e física que requeiram, tendo em conta sua idade, sexo e características individuais.

No Brasil, as regras não têm força normativa, mas foram a base de orientação para a constituição do Estatuto da Criança e do Adolescente, apresentando medidas que garantem o respeito aos direitos a uma parcela da população que encontrasse em desenvolvimento, os jovens. (LIBERATI, 2012. p. 26)

6.3. DIRETRIZES DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A PREVENÇÃO DA DELINQUÊNCIA JUVENIL

O 8° Congresso das Nações Unidas sobre a Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente estabeleceu as diretrizes para a prevenção da delinquência e para o bem estar da comunidade, que se tornaram conhecidas como Diretrizes de Riad, adotadas por meio da resolução 45/112, de 14 de dezembro de 1990. (LIBERATI, 2012. p. 26-27)

Dentro das diretrizes foram estabelecidos os seguintes princípios:

I. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

1. A prevenção da delinquência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais.

2. Para ter êxito, a prevenção da delinquência juvenil requer, por parte de toda a sociedade, esforços que garantam um desenvolvimento harmônico dos adolescentes e que respeitem e promovam a sua personalidade a partir da primeira infância.

3. Na aplicação das presentes Diretrizes, os programas preventivos devem estar centralizados no bem-estar dos jovens desde sua primeira infância, de acordo com os ordenamentos jurídicos nacionais.

4. É necessário que se reconheça a importância da aplicação de políticas e medidas progressistas de prevenção da delinquência que evitem criminalizar e penalizar a criança por uma conduta que não cause grandes prejuízos ao seu desenvolvimento e que nem prejudique os demais. Essas políticas e medidas deverão conter o seguinte:

a) criação de meios que permitam satisfazer às diversas necessidades dos jovens e que sirvam de marco de apoio para velar pelo desenvolvimento pessoal de todos os jovens, particularmente daqueles que estejam patentemente em perigo ou em situação de insegurança social e que necessitem um cuidado e uma proteção especiais.

b) critérios e métodos especializadas para a prevenção da delinquência, baseados nas leis, nos processos, nas instituições, nas instalações e uma rede de prestação de serviços, cuja finalidade seja a de reduzir os motivos, a necessidade e as oportunidades de cometer infrações ou as condições que as propiciem.

c) uma intervenção oficial cuja principal finalidade seja a de velar pelo interesse geral do jovem e que se inspire na justiça e na equidade.

d) proteção do bem-estar, do desenvolvimento, dos direitos e dos interesses dos jovens.

e) reconhecimento do fato de que o comportamento dos jovens que não se ajustam aos valores e normas gerais da sociedade são, com frequência, parte do processo de amadurecimento e que tendem a desaparecer, espontaneamente, na maioria das pessoas, quando chegam à maturidade, e

f)consciência de que, segundo a opinião dominante dos especialistas, classificar um jovem de "extraviado", "delinquente" ou "pré-delinquente" geralmente favorece o desenvolvimento de pautas permanentes de comportamento indesejado.

5. Devem ser desenvolvidos serviços e programas com base na comunidade para a prevenção da delinquência juvenil. Só em último caso recorrer-se-á a organismos mais formais de controle social. (LIBERATI, 2012. p. 27-28)

Segundo Liberati, as Diretrizes de Riad representaram um caminho norteador para a elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente, mesmo não apresentando força normativa internamente. Mas contribuíram para firmar que é a família o espaço de recuperação e reintegração do jovem infrator. (LIBERARI, 2012. p. 28)

6.4. REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA PROTEÇÃO DE JOVENS PRIVADOS DE LIBERDADE

Instituídas na 68° Sessão Plenária da Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 14 de dezembro de 1990, através da resolução 45/113, as Regras Mínimas das Nações Unidas para Proteção de Jovens Privados de Liberdade, surgiram com intuito de fixar normas que garantissem estabelecimentos apropriados para a internação de jovens infratores. (LIBERATI, 2012. p. 29)

Para a aplicação das regras, a resolução 45/113 adotou as seguintes definições:

11. Devem ser aplicadas, aos efeitos das presentes Regras, as seguintes definições:

a) Entende-se por jovem uma pessoa de idade inferior a 18 anos. A lei deve estabelecer a idade-limite antes da qual a criança não poderá ser privada de sua liberdade;

b) Por privação de liberdade, entende-se toda forma de detenção ou prisão, assim como a internação em outro estabelecimento público ou privado, de onde não se permita a saída livre do jovem, ordenado por qualquer autoridade judicial, administrativa ou outra autoridade pública. (LIBERATI, 2012. p. 29-30)

Além de resguardarem os direitos dos jovens detidos, as Regras sugerem que os funcionários das instituições de provação de liberdade, no cumprimento de suas funções, devem respeitar e garantir os direitos humanos fundamentais de todos os adolescentes reclusos. (LIBERATI, 2012. p. 32)

Como demonstrados a seguir:

[...] No desempenho de suas funções, o pessoal dos centros de detenção Deverá respeitar e proteger a dignidade e os direitos humanos fundamentais de todos os jovens, especialmente:

a) nenhum membro do pessoal do centro de detenção ou da instituição deverá infligir, instigar ou tolerar nenhum ato de tortura, nem forma alguma de tratamento, castigo ou medida corretiva ou disciplinar severa, cruel, desumana ou degradante, sob nenhum pretexto ou circunstância de qualquer tipo;

b) todo o pessoal deverá impedir e combater, severamente, todo ato de corrupção, comunicando-o, sem demora, às autoridades competentes;

c) todo o pessoal deverá respeitar estas Regras. Quando tiverem motivos para suspeitar que estas Regras foram gravemente violadas, ou possam vir a ser, deverão comunicar as suas autoridades superiores ou órgãos competentes com responsabilidade para supervisionar ou remediar a situação;

d) todo o pessoal deverá velar pela total proteção da saúde física e mental dos jovens, incluída a proteção contra a exploração e maus tratos físicos, sexuais e efetivos e deverá adotar, com urgência, medidas para que recebam atenção médica, sempre que necessário;

e) todo o pessoal deverá respeitar o direito dos jovens à intimidade e deverá respeitar, em particular, todas as questões confidenciais relativas aos jovens ou às suas famílias que cheguem a conhecer no exercício de sua atividade profissional;

f) todo o pessoal deverá reduzir, ao mínimo, as diferenças entre a vida dentro e fora do centro de detenção que tendam a diminuir o devido respeito à dignidade dos jovens como seres humanos. (LIBERATI, 2012. p. 32-33)

 

7. AS MODALIDADES DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS E SUA APLICAÇÃO

7.1. ATO INFRACIONAL

O ECRIAD, em seu artigo 103, conceitua o ato infracional como: “Art. 103. Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.”

Assim, toda infração prevista no Código Penal, na Lei de Contravenção Penal e Leis Penais esparsas, quando praticada por uma criança ou adolescente, corresponde a um ato infracional. (ISHIDA, 2008. p. 171).

Com explica Ishida:

Pela definição finalista, crime é fato típico e antijurídico. A criança e o adolescente podem a vir a cometer crime, mas não preenchem o requisito da culpabilidade, pressuposto de aplicação da pena.

Isso porque a imputabilidade penal inicia-se somente aos 18 (dezoito) anos, ficando o adolescente que cometa infração penal sujeito à aplicação de medidas socioeducativas por meio de sindicância.

Dessa forma, a conduta delituosa da criança e do adolescente é denominada tecnicamente de ato infracional, abrangendo tanto o crime como a contravenção penal. (ISHIDA, 2008. p. 171).

Deve-se resaltar que as condutas praticadas por adolescentes somente se configurarão como ato infracional se contiver os mesmo aspectos definidos como crime, conforme preceitua Ferrandin:

Embora o Estatuto da Criança e do Adolescente trate os adolescentes infratores como inimputáveis penalmente (art. 104, ECA), tal inimputabilidade não implica em imputabilidade, devendo ser estes, responsabilizados por atitudes colidentes com a legislação penal. Em razão disso, o ECA estabelece como ato infracional, consoante seu art. 103, “a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, sinal de adesão ao princípio de legalidade, o que permite vislumbrar um início de correspondência entre Diploma Repressivo Comum e o Estatuto Especial, pois o mesmos elementos – tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade – são exigíveis, embora se tenha conhecimento de que, na prática, ainda hoje, ações que não coadunam com a lei e de caráter estritamente expiatório, são endereçadas ao adolescentes desprovidas de qualquer pudor”. (FERRANDIN, 2009, p. 51)

Depreende-se, portanto, que a criança e o adolescente podem vir a cometer crime, mas não podem preencher os requisitos da culpabilidade, pressuposto para a aplicação da pena, isso porque a imputabilidade penal inicia-se somente aos dezoito anos, ficando o adolescente que comete infração penal, sujeito às medidas socioeducativas. (ISHIDA, 2008, p. 115)

Liberati resalta:

Não se pode permitir eufemismo na ação delituosa de um adolescente que pratica, por exemplo, fato tipificado no art. 121, do CP. O fato típico é descrito como homicídio, seja ele praticado por maior ou menor de 18 anos. A essência do crime é a mesma. O tratamento jurídico, entretanto, deve ser adequado à especial condição de cada agente. (LIBERATI, 2012. p. 110)

 

7.2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

As medidas socioeducativas elencadas no Estatuto da Criança e do Adolescente são as previstas em seu artigo 112:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I - advertência;

II - obrigação de reparar o dano;

III - prestação de serviços à comunidade;

IV - liberdade assistida;

V - inserção em regime de semi-liberdade;

VI - internação em estabelecimento educacional;

VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Volpi adverte:

As medidas socioeducativas devem ser aplicadas de acordo com as características da infração, circunstâncias familiares e a disponibilidade de programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-se a reeducação e a ressocialização, bem como, tendo-se por base o Princípio da Imediatidade, ou seja, logo após a prática do ato infrancional. (VOLPI, 2006. p 42)

Como observado, as medidas socioeducativas possuem natureza sancionatória e conteúdo prevalentemente pedagógico, considerando-se que elas serão aplicadas exclusivamente pela autoridade judiciária aos adolescentes considerados autores de ato infracional. (LIBERATI, 2012. p. 117)

7.2.1. DA ADVERTÊNCIA

O artigo 115 do ECRIAD descreve a advertência como: “Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”.

Caracteriza-se como a mais branda das medidas, haja vista que se trata de uma advertência verbal, de forma informativa e imediata, que deve ser reduzida a termo. É recomendada, via de regra, para os adolescentes que não têm histórico criminal e para os atos infracionais considerados leves, quanto à sua natureza ou consequência. (LIBERATI, 2012. p. 121)

Quanto à destinação da advertência, Lima ressalta:

Por fim, observamos que a advertência, na modalidade de medida sócia – educativa,deve-se destinar, via de regra, a adolescentes que não registrem antecedentes infracionais e para os casos de infrações leves, seja quanto à sua natureza, seja quanto às suas consequências. Poderá ser aplicado pelo órgão do Ministério Público, antes de instaurado o procedimento apuratório, juntamente com o beneficio da remissão, e pela autoridade judiciária, no curso da instrução do procedimento apuratório do ato infracional ou na sentença final. (LIMA, 2008, p. 425.)

Vianna ressalça que a advertência pode ser aplicada tanto pelo Juiz da Vara da Infância e da Juventude, quanto pelo representante do Mistério Público:

(...): aplicada tanto pelo representante do Ministério Público, no caso Curador da Infância e da Juventude, como pela Autoridade Judiciária, Juiz da Infância e da Juventude, consiste na admoestação benévola de uma falta, aconselhamento a que não se repita. A advertência é prevista para o adolescente autor de ato infracional (art. 115 do ECA), para os pais (art. 129, VII, do ECA) e para as entidades governamentais (art. 97, I, a) e não governamentais (art. 97, II, a). (VIANNA, 2004, p. 385)

7.2.2. DA OBRIGAÇÃO DE REPARAR O DANO

O Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 116 estabelece:

Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

A medida de reparação tem caráter educativo, haja vista a forma como é aplicada, mas também apresenta um lado, de acordo com Liberati, “sancionatório-punitivo”, visando impor ao adolescente autor do ato infracional uma conduta, uma ação como forma de reparar o dano cometido que deverá, de preferência, ser cumprido exclusivamente pelo mesmo. (LIBERATI, 2012. p. 122)

A primeira forma de reparação do dano é restituir o objeto, dando-se a satisfação da obrigação, quando ocorre a usurpação de um bem que era da vítima e quando não se tem o perecimento do bem. (LIBERATI, 2012. p. 122)

A segunda maneira de satisfazer a obrigação é o ressarcimento do dano, uma vez que não é possível a devolução, as partes farão um acordo para substituí-la por soma em dinheiro, a qual, de preferência será com recursos próprios do adolescente, devendo o acordo ser homologado pelo juiz. (LIBERATI, 2012. p. 123)

E por fim, a terceira forma de reparação do dano é a compensação do prejuízo por qualquer meio, não sendo possível devolver a coisa, nem sua compensação em dinheiro, a medida poderá ser substituída por outra, de natureza genérica, sendo o caso em que o Ministério Público ou a defesa formulará o requerimento, indicando à medida que entenda mais adequada. (LIBERATI, 2012. p.123)

7.2.3. PRESTAÇÃO DE SERVOÇOS À COMUNIDADE

Sobre essa medida, o artigo 117, e seu parágrafo único prescrevem:

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada normal de trabalho.

Percebe-se que ao mesmo tempo em que a citada medida impõe restrições aos direitos do infrator, ela sanciona seu comportamento e delimita sua condição de autor de ato infracional. É apresentada com uma conotação pedagógica, pois seu efeito é de ordem moral, uma vez que o adolescente que agrediu a sociedade tem a oportunidade de se redimir, prestando serviços com seu trabalho. (LIBERATI, 2012. p. 124)

Em sua obra Liberati considera:

Com natureza sancionatório-punitiva e, também, como grande apelo comunitário e educativo, a medida socioeducativa de prestação de serviço à comunidade constitui medida de excelência tanto para o jovem infrator quando para a comunidade. Esta poderá responsabilizar-se pelo desenvolvimento integral do adolescente. Ao jovem valerá como experiência de vida comunitária, de aprendizado de valores e compromissos sociais. (LIBERATI, 2012. p.124)

É importante destacar que a medida não pode ser proposta contra a vontade do adolescente, pois coresponderá a trabalho forçado e obrigatório, o que é vetado. Devendo também o trabalhado ser de forma gratuita, devendo ser medida que reflita ônus para o infrator, e não uma relação de emprego. (LIBERATI, 2012. p. 125)

7.2.4.  LIBERDADE ASSISTIDA

A liberdade assistida está elencada no artigo 118, do ECRIAD:

Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

§ 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

§ 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

A medida se concretiza pelo acompanhamento do infrator em suas atividades sociais, como escola e trabalho. Sempre aplicada como uma das alternativas à privação de liberdade e à institucionalização do infrator. (LIBERATI, 2012. p. 126)

Para Liberati:

O melhor resultado dessa medida será conseguido pela especialização e valor do pessoal ou entidade que desenvolverá o acompanhamento com o jovem. Os técnicos ou as entidades deverão desempenhar sua missão através de estudo do caso, de métodos de abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz, sempre sob a supervisão do juiz. (LIBERATI, 2012. p.127)

Observa-se que como a medida PE ato executório, o juiz designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual deverá ter formação técnica e apresentar relatórios das atividades e do comportamento do adolescente, especificando o cumprimento das obrigações estipuladas pela autoridade judiciária. (LIBERATI, 2012. p. 127)

7.2.5. INSERÇÃO EM REGIME DE SEMI-LIBERDADE

Tem sua previsão no artigo 120, do ECRIAD:

Art. 120. O regime de semi-liberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

§ 1º São obrigatórias a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

§ 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

O regime de semiliberdade caracteriza-se pela privação parcial da liberdade do adolescente infrator, sendo imposta somente após o devido processo legal, devendo ser executada com finalidade pedagógica. (LIBERATI, 2012. p. 129)

Liberato destaca:

Após o processo judicial de apuração do ato infracional, observado o devido processo legal, a autoridade judicial poderá aplicar as medidas que lhe aprouver, considerando a capacidade do infrator de cumpri-las, segundo seu estágio de desenvolvimento intelectual, físico, moral e psíquico. Mas é importante salientar, por fim, que a medida em destaque além do caráter educativo e pedagógico que carrega em seu desenvolvimento, tem natureza jurídico-punitiva e de retribuição ao ato infracional praticado. (LIBERATI, 2012. p.130)

7.2.6. INTERNAÇÃO EM ESTABELECIMENTO EDUCACIONAL

Com previsão no artigo 121 do Estatuto

Art. 121. A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Apresenta algumas restrições quanto a aplicação da internação, descritas no artigo 122:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I - tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;

II - por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III - por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Segundo Liberati, a medida de internação tem como orientação três princípios básicos como o da brevidade, o da excepcionalidade e o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. (LIBERATI, 2012. p.131)

O artigo 123, do Estatuto faz menção ao local diferenciado quanto a faixa etária, compleição física e a gravidade do ato infracional, determinando ainda a obrigatoriedade de atividades pedagógicas durante o período da internação:

Art. 123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescentes, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas.

Segundo Volpi:

A internação consiste em afastar, temporariamente, o adolescente do convívio sócio-familiar, colocando-o em instituição, sob responsabilidade do Estado. Mas afastá-lo do convívio sócio-familiar, não quer dizer aliená-lo, pois mesmo que a instituição seja destinada à privação de liberdade, não pode perder a essência legal de Escola, para que assim a medida cumpra o fim social-pedagógico para que foi criada. (VOLPI, 2006.p. 68)

Liberati afirma:

Vale salientar que a medida de internação será necessária naqueles casos em que a natureza da infração e o tipo de condições psicológicas do adolescente fazem supor que sem seu afastamento temporário do convívio social a que está habituado ele não será atingido por qualquer medida restauradora ou pedagógica, podendo apresentar inclusive, riscos para sua comunidade. (LIBERATI, 2012. p. 133)

7.3. SISTEMA NACIONAL DE ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO

Liberati conceitua o SINASE como:

[...] o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo que envolvem o processo de apuração de ato infracional e de execução de medida socioeducativa, incluindo nele, por adesão, o Sistema em níveis estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atenção do adolescente em conflito com a lei. (LIBERATI, 2012. p.136)

Criado através da Lei 12.594 de 2012, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, veio para regulamentar os procedimentos destinados ao acompanhamento do cumprimento da medidas legais , tanto as protetivas quando as socioeducativas, que se destinam à responsabilização diferenciada do adolescente a que se atribui a prática de ação conflitante com a lei.

Ramidoff descreve:

[...] a nova legislação especificou as orientações principiológicas, bem como os regramentos, e objetivou os critérios para avaliação direcionada ao integral cumprimento das medidas legais judicialmente aplicadas, assim como para adequabilidade do programa e do projeto socioeducativo a ser individualizado. (RAMIDOFF, 2012.p. 13)

A legislação vem estabelecer uma integração entre os Sistemas de Atendimento dos Estados, Municípios e do distrito Federal, bem como de seus respectivos planos, políticas e programas específicos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei. (RAMIDOFF, 2012. p. 13)

8. A INEFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS

Em um levantamento realizado pelo Poder Judiciário de Mato Groso e divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, no Complexo Socioeducativo do Pomeri, localizado em Cuiabá, no ano de 2013, demonstrou que 71% dos jovens em conflito com a lei voltaram a cometer atos infracionais, mesmo depois de submetidos as medidas socioeducativas. Em outro levantamento realizado pela Polícia Judiciária Civil, demonstram que de cada dez menores apreendidos, seis são reincidentes, ou seja, 60% dos mesmos. (Artigo – Mesmo após medidas socioeducativas menores voltam ao crime. Disponível em

Em entrevista realizada como Promotor de Justiça, responsável pela Vara da Infância e Juventude de Colatina, o Sr. Marcelo Ferraz Volpato, ele afirmou que a reincidência nesta cidade chega a 80% dos casos. Entretanto, quando foi questionado se as medias aplicadas alcançavam seu objetivo, sua resposta foi “sim”, de forma que as medidas aplicadas em meio aberto, de liberdade assistida, que são voltadas para o resgate social do jovem e não sua retirada do convívio com a sociedade possibilitam o maior resgate, a melhor forma de reeducação do jovem infrator. (Anexo 1)

Por meio do descrito pelo representante do Ministério Público, as medidas socioeducativas mais aplicadas são as de advertência, liberdade assistida e a de internação, assim se observa que a após sua aplicação, a medida que mais apresenta índices de reincidência é de internação. (Anexo 1)

Isso se deve a vários fatores, como a superlotação nas unidades de atendimento a menores. Segundo o Instituto de Atendimento Socioeducativo do Espírito Santos – IASES – o Estado apresenta atualmente 14 unidades destinadas a internação dos adolescentes infratores, sendo que dentre elas 03 apresentam quadro no qual o numero de internos supera o de vagas em 77%, o que gera grande preocupação aos familiares dos internos, haja vista, que em condições precárias os números de rebeliões, que ocorrem quando o tumulto causado pelos internos afeta a unidade por completa, ou mesmo motins, que é o tumulto ocorrido em um local especifico da unidade, aumentam consideravelmente, uma vez que no presente ano já foram registrados 02 rebeliões e 2 motins nas unidades, que acarretaram na morte de um adolescente. (ARPINI,2014)

Retratando esse aspecto de superlotação, o Portal de Noticias G1 disponibilizou um gráfico abordando os dados da reportagem e os locais das unidades que apresentam esse quadro de superlotação. Verificando-se que as unidades localizadas em Vitória e Cariacica-Sede, são as que se encontram situação preocupante. (Anexo 2 )

O Jornal A Gazeta, em reportagem publicada no dia 1° de outubro de 2014, apresentou, o que se pode considerar, outro motivo para a falência das medidas socioeducativas, qual seja, as torturas que ocorrem nas unidades. A OEA – Organização dos Estados Americanos, realizou em 2011 pesquisa nas unidades de internação do estado, apresentando recomendações de medidas que de caráter de urgência que deveriam ser adotadas para retirar os menores internados de situações de risco. Contudo, em novo acompanhamento nesse ano, a OEA verificou que os socioeducandos permanecem em situação de risco, sendo relatado agressões entre os menores, além da utilização de forma abusiva de algemas, agressões e ameaças por parte dos agentes socioeducativos. (Anexo 3)

Tais atitudes dos agentes socioeducativos pode ser resultado de uma falta de treinamento adequado, uma vez que como relatado pelo Dr. Volpato, os profissionais da área não recebem o devido treinamento do parte do Estado, o que impossibilita uma melhor profissionalização dos agentes. (Anexo 1)

Em outra reportagem realizada pelo Portal de Noticias G1, foi relatado uma manifestação por parte dos agentes socioeducativos, como forma de protesto por melhores condições de trabalho e melhorias no quadro de superlotação das unidades. Fato este que sé resalta a ideia de despreparo dos agentes, de falta de condição para o trabalho com os menores. (Noticia – Grupo de agentes socioeducativos fecha trânsito em Vitória – Disponivel em < http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2014/09/grupo-de-agentes-socioeducativos-fecha-transito-em-vitoria.html> Acesso em 30 de novembro de 2014)

Em outro aspecto, o Promotor de Justiça relatou como uns dos principais motivos para o reincidência dos menores é a falta de comprometimento do jovem e a desestruturação da familiar. Uma vez que o apoio da família é fundamental para o que adolescente não retome a pratica dos delitos. O meio em que o adolescente é criado, o meio social de sua convivência é determinante para sue comportamento inadequado. (Anexo 1)

O representante do Ministério Público afirma que dentro das unidades de acompanhamento aos menores, são oferecidas oportunidades de mudança ao menor, na forma de cursos profissionalizantes, contudo a falta de apoio familiar prejudica a mudança de paradigma dos jovens (Anexo 1)

9. CONCLUSÃO

No decorrer do trabalho, foi abordada a história da responsabilização do adolescente infrator que, ao longo do tempo, mostrou-se arbitrária da forma com que crianças e adolescentes eram tratados. Durante a vigência do Código de Menores, por força da Proteção da Situação Irregular, os menores em conflito com a lei eram tratados como menores abandonados e delinquentes, objetos de proteção, no qual seus direitos eram restringidos, sendo instrumentos de controle social, vítimas de omissão da família, da sociedade e do Estado.

No decorrer da história muitas leis foram criadas, até que a promulgação da Constituição Federal de 1988, com a criação da Lei n. 8.069/90, o atual Estatuto da Criança e do Adolescente, sendo adotado por este a doutrina da proteção integral, em que crianças e adolescentes passam a ser consideradas pessoas em desenvolvimento, sujeitos de direito, tendo todas as garantias reconhecidas.

O ECRIAD elenca um rol de medidas socioeducativas que podem ser aplicadas exclusivamente aos adolescentes infratores, com a garantia que seus direitos não sejam violados, dando assim uma nova dimensão as medidas aplicadas, bem diferentes das leis criadas e que eram aplicadas anteriormente.

Em relação às medidas de semiliberdade e internação, os problemas apresentados em suas unidades onde são executados o cumprimento das medidas, que equivale a estrutura física de ambos os estabelecimentos encontram-se em situação precária, pouca iluminação, umidade nos quartos, necessitando de reformas urgentes nos estabelecimentos com um todo.

Ambas as unidades não possuem curso de profissionalização, não possuem pedagogos, bem como não existe acompanhamento para os egressos, momento este que seria primordial acompanhar o adolescente infrator, para que ele não volte a delinquir. A segurança é precária, sendo uma ameaça constante a integridade física dos funcionários.

A maioria dos internos vem de famílias desestabilizadas, com histórico de crimes e problemas com drogas, dificultando ainda mais a ressocialização do adolescente, pois a família deveria ser a base de apoio para que esse adolescente obtivesse valores para o convívio em sociedade.

Destarte, verifica-se que as instituições destinadas ao cumprimento das medidas socioeducativas, bem como a família, não realiza o seu papel de acordo com as leis vigentes. Deixando a desejar na estrutura física e nos programas socioeducativos para a reinserção desses adolescentes no mercado de trabalho, seja pela falta de curso profissionalizante, falta de programas mais efetivos como educação e assistência social, ou seja, a falta de políticas públicas mais efetivas.

Percebe-se, por fim, que as medidas socioeducativas aplicadas, efetivamente, não são eficazes, não alcançando o objetivo que é ressocializar o adolescente em conflito com a lei, tendo a necessidade de investimentos em políticas públicas nos campos da saúde, assistência social, profissionalização e principalmente em educação.

10. REFERÊNCIAS

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Publicado por: Izabelle Giovana Costa

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