IMPARCIALIDADE NO PROCESSO PENAL: O JUIZ DAS GARANTIAS COMO INSTRUMENTO DE RESGUARDO DO SISTEMA ACUSATÓRIO

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1. RESUMO

O presente trabalho se propõe a examinar a imparcialidade como princípio basilar do processo penal democrático e sua repercussão nos sistemas processuais, acusatório e inquisitório, explorando-se as perspectivas históricas destes.

Ademais, se analisa o papel do julgador no processo penal brasileiro, fazendo-se a reflexão acerca dos poderes investigatórios, instrutórios e acautelatórios do juiz. Estuda--se a gestão da prova e a separação entre as atividades inerentes aos sujeitos processuais.

Averigua-se, ao final, a acolhida do Juiz das Garantias pelo Projeto do novo Código de Processo Penal, tal qual sua configuração, desdobramentos e atributos.

Palavras- chave: Direito Processual Penal. Imparcialidade do julgador. Poderes instrutórios. Atribuições. Cautelares. Juiz das Garantias. Sistemas Processuais Penais. Sistema Acusatório.

2. INTRODUÇÃO

Em um Estado Democrático de Direito, como objetiva a Constituição Federal de 1988, o processo está associado a princípios, direitos e garantias individuais inerentes a qualquer indivíduo que esteja sob o crivo da persecução penal. Um desses direitos é o de ser julgado de forma equânime e imparcial, em decorrência da opção constitucional brasileira pelo sistema processual penal acusatório.

O estudo sobre a função do julgador na investigação preliminar gera críticas significativas entre a idealização de um sistema acusatório e a sua mitigação por conta de atos considerados inquisitoriais, em dissonância ao princípio da imparcialidade.

Nessa sistemática, poderia o juiz deter prerrogativas acautelatórias e instrutórias na fase pré-processual, tendo em vista que esse mesmo julgador sentenciará o mérito quando decorrida a ação penal?

Considerando que há o risco sintomático de contaminação do juiz com a causa, a qual decidirá posteriormente, caso atue em acautelamentos e medidas na fase de inquérito, as ponderações se dão no plano dos prejuízos que o conhecimento prévio do julgador em relação à matéria processada poderão acarretar ao réu na decisão final.

O juiz das garantias, vislumbrado pelo Projeto de Lei nº 8.045/2010 (Novo Código de Processo Penal), na medida em que fosse inserido no ordenamento jurídico brasileiro, seria o responsável por dar providências e acautelamentos a respeito do escopo da perquirição criminal e, até mesmo, da própria pessoa do investigado, no que tange à determinação de medidas cautelares durante a fase pré-processual e na realização da audiência de custódia.

É de extrema relevância o debate sobre o ativismo judicial e a interferência da fase pré-processual na imparcialidade das decisões. Dessa forma, necessária se faz a apuração das discussões doutrinárias a respeito do Juiz das Garantias, de forma a esmiuçar suas funções e finalidades, do mesmo modo que as características constantes no projeto de Novo Código de Processo Penal.

Não obstante, é preciso discorrer sobre sua aplicabilidade, caso seja aprovado o projeto em estudo, bem como sobre os desafios e caminhos a serem tomados para sua efetivação.

3. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS

Ao contrário do que se infere em um primeiro trato com os fundamentos introdutórios do processo penal, o sistema processual inquisitório não fora o precursor dos demais. O que se verificou ao longo da história concerniu à sua interposição de forma gradativa em prejuízo do sistema acusatório, já existente. Com o curso temporal dos séculos, este último viera a regressar, encontrando-se prevalecente nos países que se regem por regimes democráticos, de modo qual se deslindará a seguir.

3.1. Sistema Processual Penal Acusatório

Oriundas da Grécia Antiga, as premissas do sistema processual penal acusatório se revelavam na medida em que, quando se consumava determinada prática delituosa grave, a notícia desse crime competia a qualquer pessoa do povo.

Subsequentemente, a acusação ficava a cargo de determinado indivíduo que o Estado, na figura de seus imperadores, identificasse como possuidor de reputação ilibada na sociedade, para que a formalizasse. Muitas vezes, via-se nessas ocasiões a possibilidade de promoção política por parte dos sujeitos constituídos para essa incumbência, que estimavam especializar-se na oratória e na vida pública.

Desse cenário, extraíam-se três figuras com atribuições estritamente delimitadas: o detentor da acusação, o réu conjuntamente à sua perspectiva de defesa, e o Estado, que ao final julgaria o feito.

Por esse ângulo, leciona Aury Lopes Jr. a respeito das características substanciais do sistema em análise:

Como notas características, destacamos:

a) a atuação dos juízes era passiva, no sentido de que eles se mantinham afastados da iniciativa e gestão da prova, atividades a cargo das partes;

b) as atividades de acusar e julgar estão encarregadas a pessoas distintas;

c) a adoção do princípio no procedat iudex ex officio, não se admitindo a denúncia anônima nem processo sem acusador legítimo e idôneo;

d) estava apenado o delito de denunciação caluniosa, como forma de punir acusações falsas e não se podia proceder contra réu ausente (até porque as penas são corporais);

e) a acusação era por escrito e indicava as provas;

f) havia contraditório e direito de defesa;

g) o procedimento era oral;

h) os julgamentos eram públicos, com os magistrados votando ao final sem deliberar; [...]- Grifo do autor. 1

No entanto, esse modelo começara a ruir progressivamente, destacando-se dois fatores extremamente determinantes para tanto.

O primeiro gerou-se na eclosão da chamada “vingança privada”. Nesse sentido, não se detinha o controle dos indivíduos que comunicavam os delitos, os quais eram investigados pelos oficiais, denominados curiosi. Mesmo com a inadmissão das imputações anônimas, as arguições passaram a ser interpostas de forma infundada e caluniosa, reiteradamente, para a promoção de retaliações e hostilidades entre sujeitos desafetos, considerando ser temerário ao Estado encontrar-se refém dessa situação.

Em segundo lugar, a inércia do Estado frente à ausência de julgamento para alguns crimes causava um crescente descontentamento social em relação ao modelo processual vigente à época, em que pese a atuação jurisdicional só deveria ocorrer caso houvesse o apontamento dos fatos pelo popular, sendo vedado o desempenho de ofício. Nessa perspectiva, muitos delitos restavam sem apreciação estatal, na medida em que só se noticiavam aqueles inerentes aos interesses de parcela da sociedade.

Nessa acepção, o sistema acusatório perdurou, no formato então conhecido e vivenciado, até o final do século XII e início do século XIII, entrando em decadência nesse estágio histórico, mormente a expansão do Império Romano e de sua forma peculiar de processo judicial, qual seja, pelo viés do Direito Canônico, fundado nos preceitos e parâmetros da Igreja Católica, dando lugar ao sistema processual penal denominado sistema inquisitório.

3.2. Sistema Processual Penal Inquisitório

A terminologia desse sistema processual penal deriva familiarmente do procedimento adotado pelo direito canônico, especialmente na era das fogueiras da Inquisição. Procedimento esse promovido pela Igreja Católica quando do julgamento dos sujeitos que praticavam as condutas classificadas como heresias afrontosas à Fé Apostólica Romana. Tem-se que a Inquisição Espanhola, com influência em diversos países europeus, como a França, Inglaterra e Escócia, fora a mais autoritária e patente das que se instalaram.

Salienta-se que esse período é considerado um dos mais sanguinários e cruéis da história. Em uma verdadeira difusão de poder entre a coroa e a Igreja, o Estado, na figura do monarca absolutista, que para a manutenção do seu poder ilimitado e incontestável necessitava da crença no “direito divino dos reis”, buscava, sob qualquer meio, repelir quaisquer ameaças aos cânones da fé católica, sendo instituído o “Tribunal da Inquisição” ou “Santo Ofício”, justamente para a consecução deste fim.

Nessa lógica, não existia espaço para qualquer tolerância aos insultos e vilipêndios contra a abalizada verdade absoluta, proclamada pela Igreja e pelos monarcas. Sob este viés, elucida Aury:

O “buscar a verdade” significa dinâmica, movimento. O movimento de buscar a verdade evidencia a inércia de quem presume havê-la encontrado. Como admitir que alguém busque enquanto eu fico inerte? Então estou em erro e, portanto, correndo o risco de afastar-me da salvação? [...] 2

Na transição entre os sistemas processuais, do penal acusatório para o penal inquisitório, contemplaram-se de forma contundente as rupturas significativas de todas as bases que abrangiam o julgamento criminal. O Estado tomou a acusação para si, na figura do julgador, ficando a cargo deste o acúmulo das funções acusatórias e decisórias concomitantemente. Não obstante, a própria produção da prova que instruiria o feito concernia ao juiz, representante dos interesses estatais.

Logo, a chancela desse sistema encontra-se fundada na centralização das funções jurisdicionais e na concentração de poder nas mãos de um único sujeito.

Dentre todas as disfunções desse modelo de processo, destaca-se a valoração da prova. Ao julgador, cabia analisar as provas postas em exame e a estas conferir o valor que o conviesse. Surgia-se, nessa ótica, o que se denomina sistema de provas tarifadas, por cada espécie de prova ser capaz de receber “tarifa” distinta do juiz, com a confissão sendo referida como a mais suprema dessas.

Com efeito, quando o réu exercia uma confissão, reputava-se desnecessária qualquer produção de outros meios de prova que corroborassem a primeira. Ainda, o efeito mais consternador se devia ao fato de que para um confesso, dispensava-se a defesa, pois esta era tida como desnecessária frente à atribuição de valor incontestável ao elemento probatório posto.

Surge, nessa conjuntura, a configuração da tortura, sendo auferidas incontáveis confissões nesses termos, com valoração equivalente e sem nenhuma objeção à sua validade, de forma completamente autorizada pelo Estado. Produzia o réu a própria prova da qual o julgador necessitava para condená-lo, através de meios extremamente cruéis e degradantes, com a completa supressão de direitos e garantias individuais.

Ao final do século XVIII e início do século XIX, surgiam na Europa e ao redor do mundo o intento de diversos movimentos revolucionários. Destaca-se a elaboração da Constituição da Virgínia, a Independência dos Estados Unidos e, em 1789, o início da Revolução Francesa, com impactos de imensa magnitude na política européia. Os ideais iluministas que influenciaram essa Revolução, se pautavam na possibilidade de o indivíduo pensar de forma livre e independente de quaisquer dogmas impostos através de arbitrariedades. O sujeito, nesse contexto, poderia se insurgir contra o Estado absolutista, que subsistia até então.

Nessa ótica, não sobrara espaço para o sistema inquisitório, tendo este avistado um processo de degeneração, com a consequente insurreição do sistema acusatório, como já se sustentara em outros séculos, mas que, nesse momento posterior, caracterizava-se de forma completamente distinta do primeiro tempo grego.

3.3. Sistema Processual Penal Misto

Com a decadência do sistema processual penal inquisitório, viu-se a necessidade de se difundir a concentração das funções jurisdicionais, presentes então na competência de um único sujeito, o julgador. Prezou-se, nesse novo momento, pela divisão das atribuições de acusar e julgar, direcionadas a pessoas distintas e independentes entre si. Na exposição de Denilson Feitoza:

O sistema misto se desenvolveu durante o século XIX, tendo como lei base o Code d’ instruction criminelle francês de 1808, que se expandiu pela Europa continental a partir do triunfo das ideias da Revolução Francesa e da dominação napoleânica.

O sistema misto retém duas das principais características do sistema inquisitório: a) a persecução penal pública; b) a averiguação da verdade histórica como meta do procedimento penal, com base na qual se deve fundar a decisão final.

O sistema acusatório misto tem as seguintes características: [...]
c) quanto à separação das figuras do acusador, do juiz e do defensor: as funções de acusar, julgar e defender são atribuídas a pessoas ou órgãos diferentes; - Grifo do autor. 3

Nessa esteira, surge a figura do Ministério Público, órgão permanente criado pelo Estado para sustentar a acusação, o que não ocorreu no sistema acusatório da Grécia Antiga. Denota-se que existem novamente três sujeitos na relação piramidal do processo: o Estado-juiz, o acusador e o acusado.

Por conseguinte, o ônus da prova é de quem acusa, pois ao réu, que se defenderá da imputação, será concedida a presunção de inocência, até que, depois de observado o devido processo legal e, respeitadas todas as garantias individuais inerentes à validade dos atos, o titular da ação penal comprove sua culpa, através da instrução probatória por este executada. O processo passa a ser um instrumento de garantias para o cidadão e não mais um instrumento de perseguição estatal.

Entende Levy Emanuel Magno que o atual modelo de sistema processual penal adotado pelos Estados Democráticos de Direito se classifica como sistema misto, pois nesses cenários o processo penal é dividido em duas fases: preliminar e investigatória, na qual predomina o sistema inquisitório, e processual, na qual prevalece o sistema acusatório; além da argumentação de que inexistem modelos processuais puros na atualidade. Observa:

O sistema processual penal brasileiro, em sentido amplo, é misto (híbrido), posto que coexistem os dois sistemas (inquisitório e acusatório), a bem da verdade em momentos distintos.
Em sentido estrito, o processo é acusatório, pois, na fase processual propriamente dita, os princípios aplicados são diversos da fase investigatória.
Ocorrida a infração penal, a investigação (apuração) será feita sob o sistema inquisitivo e unilateral. - Grifo do autor. 4

Para Aury Lopes Júnior, a caracterização deste em sistema processual penal misto é “reducionista” e “insuficiente”, pois:

A classificação de sistema misto peca por insuficiência em dois aspectos:
Considerando que os sistemas realmente puros são tipos históricos, sem correspondência com os atuais, a classificação de “sistema misto” não enfrenta o ponto nevrálgico da questão: a identificação do núcleo fundante.
A separação (inicial) das atividades de acusar e julgar não é o núcleo fundante dos sistemas e, por si só, é insuficiente para sua caracterização. [...]
Portanto, é reducionismo pensar que basta ter uma acusação (separação inicial das funções) para constituir-se um sistema acusatório. É necessário que se mantenha a separação para que a estrutura não se rompa e, portanto, é decorrência lógica e inafastável que iniciativa probatória esteja (sempre) nas mãos das partes. Somente isso permite a imparcialidade do juiz - Grifo do autor.5

Na concepção do professor, o segundo aspecto de insuficiência na classificação do sistema misto é a “fraude” do sistema bifásico, no qual a prova é levantada sem contraditório na fase pré-processual, e, posteriormente, entranhada na fase processual, sendo necessária apenas uma especulação de isenção imparcial por parte do julgador.

3.4. A opção constitucional de 1988

Sob o esteio de uma Constituição Democrática, que enaltece de forma consagrada os direitos e garantias individuais dos cidadãos, bem como as prerrogativas inerentes à validade dos processos, com inúmeros princípios que os regem, oriundos das três gerações de direitos fundamentais, pode-se dizer que um sistema processual inquisitório seria inadmissível na ordem constitucional vigente desde 1988.

Não há consenso na doutrina pátria sobre a conceituação do sistema processual penal adotado no Brasil. Para alguns autores, como Levy Emanuel Magno e Denilson Feitoza, cujas palavras fizeram-se supracitadas, e outros, como Guilherme de Souza Nucci e Rogério Lauria Tucci, o sistema processual penal brasileiro é caracterizado como sistema misto, ao passo que, em alguns aspectos, guarda resquícios do sistema inquisitório, como nas possibilidades de produção de prova ex officio, mas que, em consonância com os preceitos constitucionais, sob os quais o processo se deslinda, sua preponderância se daria na ótica acusatória. Pontifica Nucci:

O sistema adotado no Brasil, embora não oficialmente, é o misto. Registremos desde logo que há dois enfoques: o constitucional e o processual. Em outras palavras, se fôssemos seguir exclusivamente o disposto na Constituição Federal poderíamos até dizer que nosso sistema é acusatório (no texto constitucional encontramos os princípios que regem o sistema acusatório). Ocorre que nosso processo penal (procedimento, recursos, provas, etc.) é regido por Código específico, que data de 1941, elaborado em nítida ótica inquisitiva (encontramos no CPP muitos princípios regentes do sistema inquisitivo, como veremos a seguir). [...] 6

Ora, fosse verdadeiro e genuinamente acusatório não se levariam em conta, para qualquer efeito, as provas colhidas na fase inquisitiva, o que não ocorre em nossos processos na esfera criminal [...] Defender o contrário, classificando-o como acusatório é omitir que o juiz brasileiro produz prova de ofício [...] 7

Para Aury Lopes Júnior, Eugênio Pacelli, Fábio Roque Araújo e Nestor Távora, o sistema processual penal pátrio não é misto, uma vez que o inquérito não se constitui como fase processual, sendo, inclusive, presidido por uma autoridade administrativa, que não possui jurisdição. Se o processo nasce com a denúncia e se finda com a sentença, o sistema é acusatório, contaminado pelo inquisitório. Nessa perspectiva, observam Fábio Roque Araújo e Nestor Távora:

Importante destacar que a existência do inquérito policial entre nós não torna o nosso sistema misto. Isto porque, em que pese ser o inquérito marcado pela inquisitividade, ocorre em um momento pré-processual, de investigação preliminar, razão pela qual não podemos caracterizar nosso sistema processual com fundamento nele. É por esta razão que reiteramos que o nosso sistema é o acusatório. 8

Além disso, para outros processualistas, como Paulo Rangel e Norberto Avena, o sistema processual penal brasileiro é formalmente acusatório, no que tange à observância de todo o conjunto constitucional no qual o Código de Processo Penal fora recepcionado, bem como à separação entre as fases investigativa e processual. Porém, os elementos de prova colhidos no inquérito, com relevância meramente informativa, por vezes dão gênese à função jurisdicional. Sob esse enfoque, assegura Paulo Rangel:

O Brasil adota um sistema acusatório que, no nosso modo de ver, não é puro em sua essência, pois o inquérito policial regido pelo sigilo, pela inquisitoriedade, tratando o indiciado como objeto de investigação, integra os autos do processo, e o juiz, muitas vezes, pergunta, em audiência, se os fatos que constam do inquérito policial são verdadeiros. Inclusive, ao tomar depoimento de uma testemunha, primeiro lê seu depoimento prestado, sem o crivo do contraditório, durante a fase do inquérito, para saber se confirma ou não, e, depois, passa a fazer as perguntas que entende necessárias. Neste caso, observe o leitor que o procedimento meramente informativo, inquisitivo e sigiloso dá o pontapé inicial na atividade jurisdicional à procura da verdade processual. Assim, não podemos dizer, pelo menos assim pensamos, que o sistema acusatório adotado entre nós é puro. Não é. Há resquícios do sistema inquisitivo, porém já avançamos muito. 9

Não obstante, o versado professor Geraldo Prado pronuncia-se pela apreciação da teoria da aparência acusatória, inspirado pela escola processual penal espanhola, sobretudo pelo entendimento de Antonio María Lorca Navarrete. Nessa articulação, o processo possui apenas o “ar” acusatório, observado tão somente de forma superficial, visto que, em sua sucessão de atos, estes se desdobraram simplesmente pela execução de feitos inquisitoriais precedentes. Por esse ângulo, testifica Prado:

Navarrete, examinando a forma como na Espanha desenvolve-se o processo penal, acentua a impossibilidade de se conciliar duas fases tecnicamente antagônicas, porque inspiradas por princípios opostos, tais sejam, o inquisitivo e o acusatório. Reclama por isso, o mencionado autor, uma urgente redefinição do modelo, com preponderância da acusatoriedade, salvo se pretender a lei espanhola render loas à teoria da aparência acusatória, pela qual o sistema acusatório é só mediático, estruturalmente condicionado em seus resultados pela atividade inquisitória anterior. –Grifo do autor. 10

[...] se notarmos o concreto estatuto jurídico dos sujeitos processuais e a dinâmica que entrelaça todos estes sujeitos, de acordo com as posições predominantes nos tribunais (principalmente, mas não com exclusividade no Supremo Tribunal Federal), não nos restará alternativa salvo admitir, lamentavelmente, que prevalece, no Brasil, a teoria da aparência acusatória. Muitos dos princípios opostos ao acusatório verdadeiramente são implementados todo dia. [...] – Grifo nosso. 11

Apesar de expressiva divergência doutrinária, converge-se a doutrina majoritária no sentido de que a ordem constitucional brasileira de 1988 acolheu o sistema processual penal acusatório, argumentando os defensores que, ainda que não seja de forma pura e ideal, há uma efetiva separação entre as funções de acusar, defender e julgar, bem como a observância de princípios intrínsecos a esse sistema, quais sejam: o contraditório, a oralidade, a presunção de inocência, a publicidade, o juiz natural e a iniciativa das partes.

4. Resquícios do Sistema Inquisitório no Código de Processo Penal brasileiro

O Código de Processo Penal brasileiro nasceu sob o viés autoritário de uma ditadura, em 1941, nivelado notoriamente com o Codice Rocco, Código de Processo Penal do fascismo italiano. Nessa acepção, sentencia o Doutor Marco Aurélio Nunes da Silveira:

A comissão nomeada por Francisco Campos era constituída por importantes juristas daquele período: Nelson Hungria, Roberto Lyra, Cândido Mendes de Almeida, Vieira Braga, Florêncio de Abreu e Narcélio de Queirós. O resultado foi um código que representava os ideais políticos vigentes ao Estado Novo, declaradamente autoritário e fundado num pretenso pensamento “popular-democrático”. A base foi o Codice Rocco de processo penal (1930), da Itália fascista de Mussolini, da qual Alfredo Rocco era ministro da Justiça. – Grifo do autor.12

Com o invento da Constituição de 1988, este fora recepcionado ao que se constatou compatível com a nova ordem constitucional vigente, e, incidiu em algumas disposições não recepcionadas pelo motivo oposto.

Todavia, há colocações no corpo do diploma legal supramencionado, que, apesar de possuírem total inconformidade com o sistema acusatório atual, bem como com os princípios constitucionais basilares da persecução criminal, ainda se encontram em uso, recebendo críticas e tornando-se matéria de inúmeros debates e controvérsias.

Primordial para a classificação do sistema processual penal adotado no Brasil é a linha que discerne o sistema acusatório do inquisitório, que se encontra na verificação do núcleo fundante separador de ambos, qual seja, a gestão da prova, como bem avocado por Jacinto Nelson de Miranda Coutinho e mantido por Aury Lopes Júnior. Por essa lógica, anuncia Coutinho:

Por este viés, não é difícil compreeender que todas as ciências e teorias se fundam em princípios unificadores, ali colocados como a representação da coisa, da Verdade que, se existir, não pode ser dita, justo por faltar linguagem para tanto. [...] O problema é que é o fim do sistema – como referido – que resignifica o princípio unificador e ele, como é elementar, ganha um colorido diferente nos dois sistemas conhecidos: o princípio unificador será inquisitivo se o sistema for inquisitório; e será dispositivo se o sistema for acusatório. Como ideia única, não comporta divisão e, deste modo, não se pode ter um princípio misto e, de consequência, um sistema misto. –Grifo do autor. 13

No sistema processual penal acusatório, a gestão da prova encontra-se na incumbência das partes, pois este se rege pelo princípio do dispositivo. Já no sistema processual penal inquisitório, que se domina pelo princípio inquisitivo, a gestão da prova incumbe ao julgador que atua de forma ativa para sua persecução.

Alguns dispositivos de lei constantes no Código de Processo Penal dão ao juiz a prerrogativa de produzir provas, de ofício, surgindo, com isso, o princípio da busca da verdade real.

Por conseguinte, expõem-se os mais notáveis moldes dessa inquisitoriedade arraigada no Processo Penal Brasileiro:

Art. 13.  Incumbirá ainda à autoridade policial: [...]

II -  realizar as diligências requisitadas pelo juiz ou pelo Ministério Público; - Grifo nosso. 14

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I - ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida;

II - determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante. - Grifo nosso. 15

Art. 222. A testemunha que morar fora da jurisdição do juiz será inquirida pelo juiz do lugar de sua residência, expedindo-se, para esse fim, carta precatória, com prazo razoável, intimadas as partes.- Grifo nosso. 16

Art. 241.  Quando a própria autoridade policial ou judiciária não a realizar pessoalmente, a busca domiciliar deverá ser precedida da expedição de mandado. - Grifo nosso17

Art. 311.  Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. - Grifo nosso.18

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312. - Grifo nosso.  19

Art. 385.  Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada. - Grifo nosso.20

Nos dispositivos acima aludidos, o que se pode averiguar é a saída do juiz da posição de julgador, de garantidor, para produzir provas ou determinar medidas cautelares de ofício, misturando-se com as partes. No mais, entende-se que quando o julgador intenta se colocar em situação de produtor de provas, este já teria se “decidido” subjetivamente sobre o objeto em questão, a favor da acusação ou da defesa, esquadrinhando apenas o subsídio probatório para fundamentar o que já restou convencido.

Nesse sentido, o juiz deixa de ser imparcial, ferindo de forma contundente o sistema acusatório e as garantias constitucionais de um processo devido, em tremenda dissonância com a ordem constitucional vigente.

5. A IMPARCIALIDADE NO PROCESSO PENAL

5.1. Definição

O princípio do juiz natural encontra harmonização com o artigo 5º, inciso LIII, da Constituição Federal do Brasil, que dispõe: “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;”21 guardando estreita relação com o princípio da imparcialidade jurisdicional. Isso é dado na medida em que a figura do juiz natural se pauta na designação, exercida em lei, de um julgador próprio para cada delito, preestabelecido antecedentemente à prática deste.

Quando cometido o ilícito penal, já se tem ciência, de pronto, qual será o juízo competente para seu processamento. Desdobrando-se a isso, verificam-se, correlatamente, as figuras do Promotor de Justiça natural, autor da ação penal pública, e o Defensor natural, incumbido da defesa técnica do acusado.

Nesse sentido, há ponto de divergência entre àqueles que negam, versus àqueles que aquiescem à existência dos desdobramentos do princípio do juiz natural, como o Promotor de Justiça natural, por exemplo. Entre os defensores de sua subsistência, encontram-se Aury Lopes Jr, Guilherme de Souza Nucci, Fábio Roque Araújo e Nestor Távora. Discorrem Nucci, Araújo e Távora:

A inamovibilidade do promotor está prevista no art. 128,§5º, I, b, da Constituição, o que sustenta um acusador imparcial, visto não ser possível alterar o órgão acusatório, conforme interesses particulares.

Ademais, a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei 8.625/93) prevê a admissibilidade de designação de promotores de justiça para casos expressamente previstos e não para satisfazer qualquer vontade específica do Procurador-Geral de Justiça [...]22

Há divergências em relação à existência deste princípio. O entendimento majoritário da doutrina, contudo, é no sentido de que existe o princípio do promotor natural e ele se caracteriza pela proibição de designação arbitrária de membros do MP.23

Ainda na perspectiva de Nestor Távora, agora pressuposta em conjunto com Rosmar Rodrigues Alencar, esta considera mais uma segmentação do princípio do juiz natural, qual seja, a figura do Delegado de Polícia Natural, porém, o tema é deveras controvertido na doutrina, havendo-se em posição remota. No que concerne a esse raciocínio, Távora e Alencar desfiam:

Conquanto haja resistências da jurisprudência e da doutrina majoritária em admitir tal princípio do delegado de polícia natural, entendemos que já se trata de princípio positivado no sistema [...]

Corolário do princípio do delegado natural é a imposição de limites à remoção da autoridade policial, que só poderá ocorrer por ato fundamentado (parágrafo 5º, do artigo 2º, da Lei 12.830/2013). O artigo 3º, por outro prisma, dá realce a esse princípio e à característica de bacharel em Direito, devendo-lhe ser dispensado o mesmo tratamento protocolar que recebem os magistrados, os membros da Defensoria Pública e do Ministério Público e os advogados.24

No entanto, apesar de as supramencionadas questões controvertidas encontrarem-se em debates abertos, pode-se notar que todos os órgãos que compõem a Justiça Penal devem ser embasados pela imparcialidade, independência, cooperação e legalidade. Em um Estado Democrático de Direito, há regras de competência específicas para limitar o poder estatal, evitando arbitrariedades e violação dos direitos e garantias individuais.

Pretende-se, com isso, assegurar que o juiz natural seja também imparcial. O julgador não conservará qualquer vínculo, dependência ou atilho, tanto com o objeto da causa, quanto com o próprio acusado, visto que sua qualificação para atuar no processo fora feita de forma objetiva e vinculada somente à ordem jurídica.

A mesma Carta Magna que testifica o princípio do juiz natural, veda de forma contundente a configuração de um Tribunal de Exceção. É defesa a composição de Juízes e Tribunais fora do espectro legal, direcionados a casos e indivíduos distintivos.

Reputa, nessa perspectiva, Aury Lopes Jr.:

Considerando que as normas processuais não podem retroagir para prejudicar o réu, é fundamental verdar-se a atribuição de competência post facto, evitando-se que a juízes ou Tribunais sejam especialmente atribuídos poderes (após o fato) para julgar um determinado delito. Por fim, a ordem taxativa de competência é indisponível, não havendo possibilidade de escolha. [...]

O princípio do juiz natural não é mero atributo do juiz, senão um verdadeiro pressuposto para sua própria existência. 25

A imparcialidade é abalizada como preceito de grande magnitude, tendo em vista o enfoque direcionado pelos tratados internacionais protetivos de direitos humanos e o apreço demonstrado pelos sistemas jurídicos democráticos à sua concretização e manutenção. Trata- -se de elemento imperioso ao exercício constitucional da jurisdição.

Ainda, nas lições de Aury:

A imparcialidade do órgão jurisdicional é um ‘princípio supremo do processo’ e, como tal, imprescindível para o seu normal desenvolvimento e obtenção do reparto social justo. 26

O sistema acusatório é um imperativo do moderno processo penal, frente à atual estrutura social e política do Estado. Assegura a imparcialidade e a tranquilidade psicológica do juiz que irá sentenciar, garantindo o trato digno e respeitoso com o acusado, que deixa de ser um mero objeto para assumir sua posição de autêntica parte passiva do processo penal. [...] evita-se eventuais abusos de prepotência estatal que se pode manifestar na figura do juiz ‘apaixonado’ pelo resultado de sua labor investigadora e que, ao sentenciar, olvida-se dos princípios básicos de justiça, pois tratou o suspeito como condenado desde o início da investigação.27

Apesar de a imparcialidade ser imprescindível para o processo penal constitucionalizado, observa-se resquícios da inquisitoriedade nos chamados sistemas processuais acusatórios, principalmente no que diz respeito à delimitação das funções do juiz, visto que, por vezes, este se desloca do arranjo de ator observador do processo e se coloca como produtor de prova ou investigador de fatos, perqueridor da verdade.

5.2. Imparcialidade subjetiva e Imparcialidade objetiva

Diferentemente da neutralidade, a imparcialidade no processo penal pode ser definida como o despimento do julgador de quaisquer valores e preceitos pré-formados, quando posto em posição de Estado-juiz, abstendo-se de considerações subjetivas que possam influenciar sua decisão. Já a primeira é concebida como a inexistência total de convicções e ideologias por parte do magistrado.

André Machado Maya considera inverossímil exigir que o Estado-juiz seja isento de quaisquer traços pessoais, opiniões e ideologias que formam o seu caráter restrito, aludindo esta importantíssima diferenciação:

Assim, a neutralidade, compreendida como ausência de valores, de ideologias, apresenta-se como uma utopia, algo inalcançável diante da essência do homem, ser humano constituído por razão e emoção, cujo psiquismo se estrutura, segundo a teoria psicanalítica de Freud, pela combinação de três diferentes fatores: os hereditários-constitucionais, as antigas experiências emocionais e as experiências traumáticas da vida real contemporânea, esta última responsável pelas influências que os meios social e cultural exercem sobre a estruturação psíquica de qualquer pessoa. [...] Por tudo isso, afigura-se mais apropriada a consciência da impossibilidade de uma atuação jurisdicional neutra, como forma de permitir ao magistrado o exercício mais responsável do seu livre convencimento, fazendo uso da motivação racional sem refugiar-se sobre a máscara de fórmulas meramente objetivas ou sob a mera transcrição de textos legais. 28

A imparcialidade é exigível em qualquer processo, de qualquer natureza, podendo ser considerada como um total alheamento do juiz aos interesses das partes. Esta, no entanto, não se confunde com a neutralidade.

Nesse sentido, faz-se também apropriada a diferenciação entre a imparcialidade subjetiva e a imparcialidade objetiva, ressaltando-se, desde logo, que ambas acham-se cruciais para o fiel exercício da jurisdição.

A imparcialidade subjetiva se funda na consciência do julgador, ou seja, quando sua apreciação sobre determinada matéria não contém vício de convicção capaz de danificar ou causar detrimento aos sujeitos do processo.

Já a imparcialidade objetiva se embasa na aparência de imparcialidade do juiz, ou seja, quando este não teve sua percepção de imparcialidade comprometida ou tomada como questionável perante a sociedade e às instituições. Assim, discorre Aury:

[...] Desde o caso Piersack, de 1982, entende-se que a subjetiva alude à convicção pessoal do juiz concreto, que conhece de um determinado assunto e, deste modo, a sua falta de pré-juízos.

Já a imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontra em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade. Em ambos os casos, a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições. Não basta estar subjetivamente protegido; é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial (é a visibilidade).29

Nessa perspectiva, André Machado Maya reporta em sua obra a apreciação do Tribunal Europeu de Direitos Humanos a respeito de ambos os aspectos da imparcialidade:

[...] ressalva feita pela própria Corte no sentido da inexistência de uma diferenciação clara entre as duas noções de imparcialidade, pois uma mesma conduta de um juiz pode não apenas provocar objetivamente uma apreensão de perda da imparcialidade sob o ponto de vista de terceiros, o que representa a análise objetiva, mas também externa a convicção pessoal desse magistrado, o que conduz ao exame subjetivo da imparcialidade.30

O Código de Processo Penal, com a finalidade de conter episódios de parcialidade subjetiva e objetiva, criou alguns institutos para que a imparcialidade, em sentido amplo, fosse protegida. Sob essa égide, encontram-se: o impedimento, a suspeição e a incompatibilidade, na medida em que, qualquer julgador sobre o qual paire dúvida acerca de sua imparcialidade, seja obstado de atuar naquela ação versada. A observância de tais institutos possui caráter obrigatório.

As causas de impedimento estão elencadas nos artigos 252 e 253 do Código de Processo Penal:

Art. 252. O juiz não poderá exercer jurisdição no processo em que:

I - tiver funcionado seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, como defensor ou advogado, órgão do Ministério Público, autoridade policial, auxiliar da justiça ou perito;

II - ele próprio houver desempenhado qualquer dessas funções ou servido como testemunha;

III - tiver funcionado como juiz de outra instância, pronunciando-se, de fato ou de direito, sobre a questão;

IV - ele próprio ou seu cônjuge ou parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive, for parte ou diretamente interessado no feito 31

Art. 253. Nos juízos coletivos, não poderão servir no mesmo processo os juízes que forem entre si parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta ou colateral até o terceiro grau, inclusive32

Essas hipóteses guardam relação com o processo em curso. Nesse caso, o magistrado que se enquadre em alguma das situações acima expostas será tolhido de funcionar na respectiva demanda.

No entanto, a suspeição refere-se às circunstâncias extrínsecas ao litígio, relacionadas com o juiz ou com os indivíduos intimamente atados a este. Suas possibilidades estão previstas no artigo 254 do Código de Processo Penal:

Art. 254. O juiz dar-se-á por suspeito, e, se não o fizer, poderá ser recusado por qualquer das partes:

I - se for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer deles;

II - se ele, seu cônjuge, ascendente ou descendente, estiver respondendo a processo por fato análogo, sobre cujo caráter criminoso haja controvérsia;

III - se ele, seu cônjuge, ou parente, consanguíneo, ou afim, até o terceiro grau, inclusive, sustentar demanda ou responder a processo que tenha de ser julgado por qualquer das partes;

IV - se tiver aconselhado qualquer das partes;

V - se for credor ou devedor, tutor ou curador, de qualquer das partes;

VI - se for sócio, acionista ou administrador de sociedade interessada no processo. 33

Tanto o rol implementado para contextos de impedimento, quanto o rol planeado para cenários de suspeição, são considerados, majoritariamente, como taxativos. Já quando se está diante da incompatibilidade, vislumbra-se a possibilidade de integração das situações consideradas antagônicas à imparcialidade esperável do órgão jurisdicional, sem que, necessariamente, estas se encontrem explícitas em texto de lei. Sua previsão se encontra no artigo 112 do Código de Processo Penal:

Art. 112. O juiz, o órgão do Ministério Público, os serventuários ou funcionários de justiça e os peritos ou intérpretes abster-se-ão de servir no processo, quando houver incompatibilidade ou impedimento legal, que declararão nos autos. Se não se der a abstenção, a incompatibilidade ou impedimento poderá ser arguido pelas partes, seguindo-se o processo estabelecido para a exceção de suspeição. 34

Ao passo que se verifica a existência de atos e fatos que possam macular o princípio da imparcialidade, trazendo prejuízo às partes e a toda sistemática de processo penal, a perpetuação e a derivação destes desaprecia a conjuntura constitucional-democrática sobre a qual o processo está sustentado; estes devem ser expurgados tanto da teoria, quanto da prática processual.

Por conseguinte, no processo penal pátrio funciona a prevenção como regra de assunção de competência, que nada mais é que a possibilidade de um juiz que, tomando contato com o objeto da ação em momento anterior ao início desta, presidindo atos diligenciais ou cautelares, possa julgar na fase processual, em prejuízo de outro juiz igualmente competente.

Para Aury Lopes Jr. há, na hipótese em questão, patente contaminação da imparcialidade jurisdicional. Os artigos 75, parágrafo único, e 83, do atual Código de Processo Penal dispõem:

Art. 75. Parágrafo único. A distribuição realizada para o efeito da concessão de fiança ou da decretação de prisão preventiva ou de qualquer diligência anterior à denúncia ou queixa prevenirá a da ação penal.35

Art. 83. Verificar-se-á a competência por prevenção toda vez que, concorrendo dois ou mais juízes igualmente competentes ou com jurisdição cumulativa, um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa. 36

Nesse espectro, a regra constante nos supramencionados artigos, se guardasse correspondência com o princípio da imparcialidade, subjetiva e objetiva, deveria estabelecer- -se em sentido contrário. Em caso de dois ou mais juízes competentes para atuação no caso penal, a atribuição seria dada àquele que se mantivesse afastado dos elementos oriundos da fase de investigação, bem como das medidas com gênese na fase inquisitória. Aury deslinda:

O juiz-instrutor é prevento e como tal não pode julgar. Sua imparcialidade está comprometida não só pela atividade de reunir o material ou estar em contato com as fontes de investigação, mas pelos diversos pré-julgamentos que realiza no curso da investigação preliminar (como na adoção de medidas cautelares, busca e apreensão, autorização para intervenção telefônica, etc.) [...] Sem dúvida, chegou o momento de repensar a prevenção e também a relação juiz/inquérito, pois ao invés de caminhar em direção à figura do juiz garante ou de garantias, alheio à investigação e verdadeiro órgão supra-partes, está sendo tomado o caminho errado do juiz-instrutor.37

Ademais, o professor alude à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como referencial acerca da questão:

O Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH) [...] consagrou o entendimento de que o juiz com poderes investigatórios é incompatível com a função de julgador. Ou seja, se o juiz lançou mão de seu poder investigatório na fase pré-processual, não poderá, na fase processual, ser o julgador. [...] Segundo o TEDH, a contaminação resultante dos pré-juízos conduzem à falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva. [...] o contato direto com o sujeito passivo e com os fatos e dados pode provocar no ânimo do juiz instrutor uma série de pré-juízos e impressões a favor ou em contra do imputado, influenciando no momento de sentenciar. 38

A atuação do juiz da causa, em fase anterior ao início do processo, em sede de investigação preliminar é alvo de diversas críticas, conforme se explicitará em momento oportuno (4.1, 4.2).

5.3. Imparcialidade e Direitos Humanos

Em um contexto pós Segunda Guerra Mundial, no momento em que as Nações Unidas se atentavam à dignidade humana e ao resguardo dos direitos inerentes a todos os homens, diversos tratados foram firmados no intuito de se primar pela integridade física, moral e social do indivíduo, bem como pelo equilíbrio dos Estados.

O princípio da imparcialidade, conjuntamente ao seu caráter essencial para a própria noção de jurisdição, fora enunciado nos mais importantes diplomas internacionais referentes a Direitos Humanos, uma vez identificado pelos Estados signatários como digno de se considerar inato a qualquer pessoa humana.

Na Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948, em seu artigo X, é assegurado ao ser humano o direito “a uma audiência justa e pública por parte de um Tribunal independente e imparcial, para decidir de seus direitos e deveres ou do fundamento de qualquer acusação criminal contra ela”. 39

De igual forma, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, de 1966, em seu artigo 14,§1º, preceitua que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida publicamente e com as devidas garantias por um Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido por lei, na apuração de qualquer acusação de caráter penal [...]”40

Não obstante, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica”, alude em seu artigo 8º.1. que “toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei [...]”41

Cumpre salientar que o artigo 5º, §2º, da Constituição Federal atribuiu aos Tratados Internacionais que versem sobre Direitos Humanos, dos quais o Brasil seja signatário, status material de norma constitucional, e, de acordo com o estabelecido pelo §3º do mesmo dispositivo, os Tratados equivalerão formalmente às emendas constitucionais, caso sejam aprovados internamente com o quórum exigido à aprovação destas.

Maya, utilizando a jurisprudência europeia de forma comparada, remete em sua obra as principais amostras de julgamentos realizados no âmbito do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, dos quais, alguns merecem referência:

No mesmo sentido, a Corte Europeia julgou violado o direito a um julgamento imparcial no caso Daktaras vs. Lituânia, em que o próprio Presidente da Suprema Corte, antes de nomear os juízes competentes para o exame do recurso do réu, havia formalizado perante a divisão criminal do Tribunal um requerimento de reforma da decisão atacada, para que prevalecesse a decisão condenatória proferida em primeira instância [...]42

Em outra oportunidade semelhante, no julgamento do caso Buscemi vs. Itália, outra vez o TEDH decidiu no sentido da violação da imparcialidade subjetiva, caso em que o juiz teria emitido sua opinião sobre fatos pendentes de julgamento em jornal de circulação local, travando, pela mídia, um debate com uma das partes envolvidas na controvérsia judicial [...]43

É inconcebível se desenvolver um processo penal constitucionalizado, na esteira da democracia, quando o princípio da imparcialidade é violado, quando o julgador assume qualquer posição que não a delimitada pelos cânones do sistema processual acusatório. Nas palavras de Afrânio Silva Jardim “É impossível compatibilizar o Estado Democrático de Direito, prometido expressamente em nossa Constituição da República, com um Poder Judiciário punitivista, ativista, que "flexibiliza" direitos fundamentais e sociais elencados na Constituição.”44

O tratamento imparcial destinado ao indivíduo, na ótica dos direitos humanos, nada mais é que o reconhecimento da sua condição humana como pressuposto suficiente à aplicação de um processo pautado pela equidade e pela própria noção de justiça.

6. O JULGADOR

Para que o processo se desenlace de forma adequada, é necessária a presença de três sujeitos processuais essenciais: autor, réu e juiz. Esse trinômio estrutural irá interferir no feito, na medida de suas atribuições.

O juiz nunca será parte processual, se o fosse, teria necessariamente que guardar interesse tendente a qualquer um dos lados opostos do caso penal. O processo penal acusatório almeja, imperativamente, um julgador imparcial. Leciona Paulo Rangel:

O sistema acusatório por nós adotado coloca o juiz na verdadeira função de órgão estatal equidistante do conflito de interesse de alta relevância social. O juiz julga e aplica a lei, porém quem assume o papel de manifestar a pretensão acusatória é o Ministério Público. Aliás, parece-nos óbvio que, dentro de um Estado Democrático de Direito, o órgão que acusa não pode ser o mesmo que julga e vice-versa. A imparcialidade do órgão julgador é imprescindível a um julgamento sereno e isento de qualquer paixão, sendo outra característica da jurisdição. O réu deve ter todos os direitos inerentes à sua defesa, montando-se, assim, o actum trium personarum.45

O verdadeiro sujeito processual é o Estado-juiz, representado através de um órgão. A função do juiz, portanto, é a condução do processo, a garantia de que todos os atos ocorram pautados pela legalidade, e que o resultado necessário seja atingido. Ou seja, este substituirá a vontade das partes, de forma a se buscar a verdade processual, obtendo-se um resultado legal.

Neste sentido, dispõe o artigo 251 do Código de Processo Penal que “ao juiz incumbirá prover à regularidade do processo e manter a ordem no curso dos respectivos atos, podendo, para tal fim, requisitar a força pública.”46

No que concerne à busca da verdade, anteriormente mencionada, há de se esclarecer algumas considerações acerca do princípio da verdade real. Esse princípio é bastante controvertido na doutrina; todavia, pacífico na jurisprudência.

Nessa égide, permite-se que o juiz tome a iniciativa probatória, que busque a verdade histórica dos fatos narrados na inicial, assumindo, assim, um protagonismo na condução do processo e na produção de provas. No entanto, a busca pela verdade real por parte do juiz, prejudica o sistema acusatório, colocando-se o julgador em posição que não lhe pertence e em condição completamente inadequada, tal como dissonante dos rudimentos do processo penal constitucionalizado.

Paulo Rangel defende a busca pela verdade processual, ou seja, a verdade construída durante a instrução probatória, e, não necessariamente, a correspondente à construção histórica do fato. Assevera:

Descobrir a verdade processual é colher elementos probatórios necessários e lícitos para se comprovar, com certeza (dentro dos autos), quem realmente enfrentou o comando normativo penal e a maneira pela qual o fez. A verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens. Até porque o conceito de verdade é relativo, porém, nos autos do processo, o juiz tem que ter o mínimo de dados necessários (meios de provas) para julgar admissível ou não a pretensão acusatória. [...]

[...] A verdade é processual. São os elementos de prova que se encontram dentro dos autos que são levados em consideração pelo juiz em sua sentença. A valoração e a motivação recaem sobre tudo que se apurou nos autos do processo.47

Ainda nessa perspectiva, consta a lição de Fábio Roque Araújo e Nestor Távora:

A busca da verdade real (ou material) constitui um dos princípios mais controversos do processo penal na atualidade. [...] porém, existe certa divergência em sede doutrinária acerca da possibilidade de se alcançar a verdade real, que seria um dogma inatingível. Por esta razão, alguns autores preferem falar em verdade processualmente construída, ou verdade humanamente possível.48

Vale destacar a posição vigorosa de Aury Lopes Jr.:

O mito da verdade real está intimamente relacionado com a estrutura do sistema inquisitório; com o “interesse público” (cláusula geral que serviu de argumento para as maiores atrocidades); com sistemas políticos autoritários; com a busca de uma “verdade” a qualquer custo (chegando a legitimar a tortura em determinados momentos históricos); e com a figura do juiz ator (inquisidor) [...]

[...] Dessarte, há que se des-cobrir a origem e a finalidade do mito da verdade real: nasce na inquisição e, a partir daí, é usada para justificar os atos abusivos do Estado, na mesma lógica de que “os fins justificam os meios”. Assim, no processo penal, só se legitimaria a verdade formal ou processual.49

Considera, finalmente, Eugênio Pacelli:

Talvez o mal maior causado pelo citado princípio da verdade real tenha sido a disseminação de uma cultura inquisitiva, que terminou por atingir praticamente todos os órgãos estatais responsáveis pela persecução penal. Com efeito, a crença inabalável segundo a qual a verdade estava efetivamente ao alcance do Estado foi a responsável pela implantação da ideia acerca da necessidade inadiável de sua perseguição, como meta principal do processo penal. O aludido princípio, batizado como da verdade real, tinha a incumbência de legitimar eventuais desvios das autoridades públicas, além de justificar a ampla iniciativa probatória reservada ao juiz em nosso processo penal. A expressão, como que portadora de efeitos mágicos, autorizava uma atuação judicial supletiva e substitutiva da atuação ministerial (ou da acusação). [...] Desde logo, porém, um necessário esclarecimento: toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.50

Apesar da reflexão disposta acima, o entendimento do Supremo Tribunal Federal é o de que a busca da verdade real é um princípio orientador do processo penal, consubstanciada no Inquérito 4023/AP, julgado em 23/08/2016.

6.1. Poderes instrutórios e acautelatórios do juiz na fase pré-processual

Como sabido, a Constituição Federal de 1988 consagrou o sistema processual penal acusatório, este se caracterizando por uma rigorosa separação entre as funções de acusar, defender e julgar; ainda, pela publicidade dos atos processuais e pela profunda definição do campo da acusação, sendo a antítese do processo inquisitório.

Ao juiz é reservada uma atuação independente e imparcial, e é com base nessa isenção que se conclui que este deve se afastar de qualquer atividade probante, uma vez que a iniciativa na produção de provas poderia contaminar a sua propensão e predispô-lo a condenar o réu.

Nesse sentido, a produção de provas de ofício não se coaduna com o sistema constitucionalmente previsto, em virtude de a iniciativa probatória constituir alçada das partes. A apreciação das provas e a aplicação do Direito ao caso penal configuram a atribuição do estado-juiz.

Porém, nos moldes de um Código de Processo Penal com características de regimes autocráticos, é facultada ao juiz a produção de provas, de ofício, mesmo antes de instaurada a ação penal. É o que se extrai do artigo 156 do CPP:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício:

I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; [...] 51

Isso posto, é permitido que o julgador, sem qualquer requisição das partes, determine, por exemplo, uma interceptação telefônica, a requisição de um documento, a oitiva de testemunhas, alguma investigação ou diligência, busca e apreensão, dentre outras medidas.

Aury Lopes Jr. repudia veementemente tal possibilidade:

O sistema inquisitório muda a fisionomia do processo de forma radical. O que era um duelo leal e franco entre acusador e acusado, com igualdade de poderes e oportunidades, se transforma em uma disputa desigual entre o juiz-inquisidor e o acusado. O primeiro abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador. [...] Frente a um fato típico, o julgador atua de ofício, sem necessidade de prévia invocação, e recolhe (também de ofício) o material que vai constituir seu convencimento. [...] O juiz é livre para intervir, recolher e selecionar o material necessário para julgar. [...] 52

Não há espaço para juízes “justiceiros” nas democracias. Encorajados, muitas vezes, pela busca da verdade real, diversos julgadores se transformam em verdadeiros inquisidores, tomando para si a competência atribuída às polícias e ao Ministério Público, imiscuindo-se na pretensão punitiva, em prejuízo da serenidade, da imparcialidade e do equilíbrio a estes reservados.

No rol das medidas cautelares, previstas na legislação infraconstitucional e expedidas pelo juiz natural da causa, antes mesmo do marco inicial do processo, destacam-se a condução coercitiva (aplicando-se não somente ao acusado, mas também ao investigado), disposta no artigo 260 do Código de Processo Penal, as constantes nos artigos 319 e 320 do Código de Processo Penal, e a prisão temporária, assentada na Lei 7.960/1989.

Contudo, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental, 395 e 444, do dia 14 de junho de 2018, decidiu pela inconstitucionalidade da condução coercitiva de investigados ou réus para fins de prestarem interrogatório, determinada pelo artigo 260 do Código de Processo Penal, considerando tratar-se de incongruência com a liberdade de locomoção e a presunção de inocência.

Ademais, durante a fase investigativa, pode o juiz decretar a prisão preventiva do investigado, conforme se colhe do artigo 311 do CPP, esta qualificada, no processo constitucionalizado, como medida ultima ratio:

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.53

Importa acrescentar que, para a decretação da prisão preventiva, faz-se necessária a observância, por parte do magistrado, das circunstâncias autorizadoras para tanto, quais sejam: “a garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria”54, conforme disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal.

Assim sendo, o julgador, necessariamente, se antecipa em elementos meritórios para fundamentar sua decisão ao decretar quaisquer cautelares e prisões acima dispostas. Outra concepção não se aduz, quando se analisa o inciso II do artigo 282 do Código de Processo Penal, que enuncia a “adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado”55, para a aplicação de medidas cautelares; ou seja, o juiz deverá se imiscuir nos fatos e elementos já colhidos para fundamentar a determinação de diligências instrutórias e cautelares, mesmo antes de oferecida a denúncia pela acusação.

6.2. Audiência de Custódia

A audiência de Custódia fora introduzida no Direito Processual Penal brasileiro em decorrência de sua imprescindibilidade para a democratização do processo e pelo reconhecimento já consagrado em diversos Estados americanos. Nessa acepção, observou-se a determinação expressa no artigo 7º. 5, da Convenção Americana de Direitos Humanos, que preceitua: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade [...]”56

Porém, somente fez-se reputada de forma eminente nos Tribunais nacionais a partir do ano de 2016, após resolução regulamentadora do Conselho Nacional de Justiça, com ratificação de legalidade da metodologia auferida pelo Supremo Tribunal Federal

Esta consiste na apresentação do preso ao juiz, imediatamente após a sua prisão em flagrante. Sua finalidade é apreciação da presença, ou não, dos requisitos inerentes à prisão, se esta se encontra abarcada pela legalidade. Como resultados da audiência, o juiz poderá relaxar o flagrante ou decretar a prisão preventiva, bem como determinar medidas cautelares ou outras restrições previstas em lei.

Renato Brasileiro leciona:

Grosso modo, a audiência de custódia pode ser conceituada como a realização de uma audiência sem demora após a prisão em flagrante, permitindo o contato imediato do preso com o juiz, com um defensor (público, dativo ou constituído) e com o Ministério Público. Em prática em inúmeros países, dentre eles Peru, Argentina e Chile, o objetivo precípuo desta audiência de custódia diz respeito não apenas à averiguação da legalidade da prisão em flagrante para fins de possível relaxamento, coibindo, assim, eventuais excessos tão comuns no Brasil como torturas e/ou maus tratos, mas também o de conferir ao juiz uma ferramenta mais eficaz para aferir a necessidade da decretação da prisão preventiva (ou temporária) ou a imposição isolada ou cumulativa das medidas cautelares diversas da prisão (CPP, art. 310, I, II e III), sem prejuízo de possível substituição da prisão preventiva pela domiciliar, se acaso presentes os pressupostos do art. 318 do CPP. 57

É indubitável, em audiências de custódia, observar-se o relevante contato do magistrado com os elementos fáticos e circunstanciais do caso, antes mesmo deste ser iniciado processualmente. Não se trata, somente, da exclusiva verificação da legalidade do flagrante, visto que, caso este não seja relaxado e, para que se decrete uma prisão preventiva ou qualquer outra medida cautelar, feito será com a devida fundamentação, acerca do caráter e das circunstâncias do fato. A análise da legalidade de um ato não se faz sem o mínimo respaldo à conjuntura episódica.

Posteriormente, no processo penal que vige atualmente, este mesmo julgador decidirá o mérito na ação penal, podendo constar-se afetado por pré-concepções formadas a partir de anterior vislumbre de aspectos determinantes.

6.3. Gestão da Prova

Para Jacinto Coutinho e Aury Lopes Jr., o parâmetro primordial que diferencia o sistema processual inquisitório do sistema processual acusatório é a gestão da prova, ou seja, a quem cabe atrair a pretensão punitiva e a persecução da estrutura probatória necessária para a condenação do acusado.

Quando o juiz, que é sujeito processual completamente desinteressado das partes e alheio aos seus desejos, toma para si essa incumbência, o caso penal encontra-se diante de um julgador inquisidor e, consequentemente, parcial:

A imparcialidade do juiz fica evidentemente comprometida quando estamos diante de um juiz-instrutor (poderes investigatórios) ou quando lhe atribuímos poderes de gestão/iniciativa probatória. É um contraste que se estabelece entre a posição totalmente ativa e atuante do instrutor, contrastando com a inércia que caracteriza o julgador. [...]

O juiz deve manter-se afastado da atividade probatória, para ter o alheamento necessário para valorar essa prova. A figura do juiz espectador em oposição à figura inquisitória do juiz ator é o preço a ser pago para termos um sistema acusatório [...]58

Compreendida a questão e respeitada a opção ‘acusatória’ feita pela Constituição, são substancialmente inconstitucionais todos os artigos do CPP que atribuem poderes instrutórios e/ou investigatórios ao juiz. 59

Segundo Geraldo Prado, o juiz inquisidor parte em busca de uma perspectiva que corrobore a sua convicção pré-concebida:

Ao tipo de prova que se pesquisa corresponde um prognóstico, mais ou menos seguro, da real existência do thema probandum, e, sem dúvida, também das consequências jurídicas que podem advir da positivação da questão fática. Quem procura sabe ao certo o que pretende encontrar e isso, em termos de processo penal condenatório, representa uma inclinação ou tendência perigosamente comprometedora da imparcialidade do julgador. Desconfiado da culpa do acusado, investe o juiz na direção da introdução de meios de prova que sequer foram considerados pelo órgão de acusação, ao qual, nestas circunstâncias, acaba por substituir. Mais do que isso, aqui igualmente se verificará o mesmo tipo de comprometimento psicológico objeto das reservas quanto ao poder do próprio juiz iniciar o processo, na medida em que o juiz se fundamentará, normalmente, nos elementos de prova que ele mesmo incorporou ao processo, por considerar importantes para o deslinde da questão. Isso acabará afastando o juiz da desejável posição de seguro distanciamento das partes e de seus interesses contrapostos, posição essa apta a permitir a melhor ponderação e conclusão.60

O Juiz das Garantias foi articulado como alternativa viável ao sustento da imparcialidade e à defesa dos seus efeitos, necessário, portanto, o ensaio sobre esta matéria de pertinência processual e constitucional, conforme se fará, por conseguinte.

7. JUIZ DAS GARANTIAS

7.1. O Projeto de Lei n. 8045/10

Em vigor desde 1942, o atual Código de Processo Penal não se mostra compatível com o Estado Democrático de Direito, pós Constituição Federal de 1988. Por isso, sofreu alterações ao longo do tempo; dentre as mais significativas, destacam-se: a “minirreforma” de 2008 e as modificações relativas à prisão, fiança, liberdade provisória e demais cautelares, de 2011.

Apesar disso, o diploma gerado nos moldes autoritários de 1941, não se sustenta frente à civilização do processo penal, que a Constituição Cidadã cuidou de condecorar. O Projeto de Lei n. 8045/10 propõe um novo Código de Processo Penal, que objetiva a erudição e a humanização do processo, que deve estar pautado nos direitos e garantias fundamentais, bem como na proporcionalidade e razoabilidade das medidas punitivas.

Geraldo Prado pontua:

A simetria entre processo inquisitório e regimes autoritários não é gratuita e não se fixa exclusivamente nos regimes políticos, inscrevendo-se na cultura dos povos. Não por acaso o Brasil resiste como um dos poucos Estados da América do Sul a ter ultrapassado a fase de transição democrática sem ter editado um novo Código de Processo Penal em seguida à sua Constituição. 61

Dentre outras ponderações, o Projeto prevê um desencarceramento através de medidas alternativas à prisão, uma vez constatado que o cárcere maciço não desagregou as práticas delituosas, e, ademais, puniu-se através do que a criminologia explica como “direito penal do autor”, mediante características pessoais do acusado, não as típicas do fato criminoso. Preconiza a delimitação de tempo para a prisão provisória, frente sua excessiva expressão penitenciária, e a reivindicação pela efetiva liberdade dos condenados que já cumpriram suas penas e, apesar disso, continuam presos.

Busca-se, também, evitar a pré-condenação que o acompanhamento das prisões cautelares por intermédio dos meios de comunicação de massa causam aos investigados e aos acusados. Planeia, outrossim, a implementação expressa da Justiça Restaurativa, como alternativa à pacificação social e a obstrução do aumento da população carcerária, quando os delitos, pela natureza e elementares, não demandarem a privação de liberdade do autor.

Quanto ao Novo Código de Processo Penal, eleva Pacelli:

Nosso Código é de 1941, o que, por si só, já explica o elevado grau da superação de seu conteúdo originário. A aludida legislação codificada refletia uma mentalidade tipicamente policialesca, própria da época, em absoluto descompasso com a Constituição da República, que já respirava ares de maior participação popular. Certamente por isso, a preocupação com a afirmação de direitos e garantias individuais mereceu capítulo específico na nova ordem constitucional.62

Na lógica consubstanciada pelo projeto originário, havia uma demanda pela reprodução do princípio da presunção de inocência, previsto constitucionalmente, mas que detém deliberações das Cortes Superiores controvertidas e refutadas.

Porém, em 05 de junho de 2018, João Campos, Relator do Novo Código de Processo Penal (PL. n. 8045/10), apresentou parecer final que corrobora o julgamento do Supremo Tribunal Federal nas Ações Declaratórias de Constitucionalidade, 43 e 44, que admitem a execução provisória da pena, quando exauridos todos os recursos admissíveis em segunda instância.

Dessarte, o PL. n. 9.914/2018, que visa à obrigatoriedade dessa execução, foi apensado ao PL. n. 8045/10; portanto, o cumprimento provisório da pena por condenados em segunda instância contará com respaldo legal expresso, caso seja aprovado.

Apesar desse contexto, a metamorfose se mostra como um significativo progresso no que se refere ao sistema processual acusatório. Agora, na linha do Projeto de Lei n. 8045, o julgador do processo não mais participará da produção da prova; instituir-se-á o “Juiz das Garantias”, que se incumbirá da proteção do devido processo legal. Suas atribuições serão exprimidas a seguir.

7.2. Atributos e funções

Nessa égide, surge a figura do Juiz das Garantias. Este atuará somente na esfera da investigação, fase inquisitiva, pré-processual. Cuidará das medidas que possam afetar direitos e garantias do investigado. Caso haja denúncia, a competência do Juiz das Garantias se restará exaurida com o início da ação; esta será presidida por outro magistrado, o Juiz da Fase Processual.

Em caso de diligências que contenham cláusula de reserva de jurisdição, como mandado de busca e apreensão, quebra de sigilo bancário, interceptação telefônica, entre outras, estas serão encaminhadas ao Juiz das Garantias, ou Juiz da Investigação, que, após a determinação da produção probante, não a apreciará na instrução, visto que a contaminação de sua imparcialidade, em caso contrário, seria patente.

Nesse ângulo, importa mencionar:

Ao juiz de garantias, nesse quadrante, competiria o resguardo da legalidade da investigação criminal e da irrestrita observância dos direitos fundamentais do suspeito, dependendo da sua autorização a concretização de medidas cautelares reais e pessoais e a busca de provas que impliquem ou possam implicar supressão de direitos fundamentais. E uma vez finda a investigação preliminar, cessará também a competência do magistrado de garantias, competindo a instrução criminal da acusação formulada pelo Ministério Público ou pelo querelante a outro órgão jurisdicional que não tenha tido contato com a investigação. 63

O mesmo ocorrerá se houver a requisição de prisão temporária, preventiva, ou demais medidas cautelares no curso do inquérito policial. O Juiz das Garantias tem suas atribuições dispostas em capítulo específico do Projeto de Novo Código de Processo Penal:

Art. 14. O juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais cuja franquia tenha sido reservada à autorização prévia do Poder Judiciário, competindo-lhe especialmente:

I – receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do art. 5º da Constituição da República Federativa do Brasil;

II – receber o auto da prisão em flagrante, para efeito do disposto no art. 555;

III – zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido a sua presença;

IV – ser informado sobre a abertura de qualquer investigação criminal;

V – decidir sobre o pedido de prisão provisória ou outra medida cautelar;

VI – prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las;

VII – decidir sobre o pedido de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa;

VIII – prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pelo delegado de polícia e observado o disposto no parágrafo único deste artigo;

IX – determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X – requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI – decidir sobre os pedidos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) quebra dos sigilos fiscal, bancário e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado.

XII – julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII – determinar a realização de exame médico de sanidade mental, nos termos do art. 452, § 1º;

XIV – arquivar o inquérito policial;

XV – assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito de que tratam os arts. 11 e 37;

XVI – deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII – outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.

Parágrafo único. Estando o investigado preso, o juiz das garantias poderá, mediante representação do delegado de polícia e ouvido o Ministério Público, prorrogar, uma única vez, a duração do inquérito por até 15 (quinze) dias, após o que, se ainda assim a investigação não for concluída, a prisão será imediatamente relaxada.

Art. 15. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo e cessa com a propositura da ação penal.

§ 1º Proposta a ação penal, as questões pendentes serão decididas pelo juiz do processo.

§ 2º As decisões proferidas pelo juiz das garantias não vinculam o juiz do processo, que, após o oferecimento da denúncia, poderá reexaminar a necessidade das medidas cautelares em curso.

§ 3º Os autos que compõem as matérias submetidas à apreciação do juiz das garantias serão apensados aos autos do processo.

Art. 16. O juiz que, na fase de investigação, praticar qualquer ato incluído nas competências do art. 14 ficará impedido de funcionar no processo, observado o disposto no art. 748.

Art. 17. O juiz das garantias será designado conforme as normas de organização judiciária da União, dos Estados e do Distrito Federal. 64

André Machado Maya traz considerações acerca dos dispositivos supramencionados. No que se refere ao artigo 15, caput, assevera dois pontos para análise. O primeiro é a exceção da competência do juiz das garantias, quando das infrações penais de menor potencial ofensivo; isso se justifica na medida em que, para esses delitos, há apenas a lavratura de termo circunstanciado de ocorrência, sem que se inicie, em regra, investigação criminal. Portanto, não se observa logicidade para a atuação do Juiz das Garantias. 65

O segundo ponto para ponderação, agora em cunho crítico, concerne à última parte do artigo 15, caput, do PL. 8045/10. Quando o aludido dispositivo dispõe que a competência do Juiz das Garantias se dará até a propositura da ação penal, e não até o recebimento da denúncia, se destoa do próprio objetivo do novato instituto. Sob essa ótica, leciona:

O recebimento da denúncia ou queixa, embora reconhecido pela jurisprudência dominante como um ato decisório que dispensa motivação, exige do magistrado, sim, um exame dos pressupostos processuais, das condições da ação e da justa causa, pois, consoante dispõe o artigo 395 do atual Código de Processo Penal, a sua ausência impõe a rejeição da inicial acusatória. [...] Essa análise, assim como ocorre nas decisões relativas às medidas cautelares acima examinadas, gera uma aproximação do magistrado com os elementos indiciários da investigação, em especial porque o juiz não terá outra alternativa que não a de buscar nos autos do inquérito policial – que, conforme o artigo 15, § 3º, do projeto, permanecerão apensados ao processo – o material de convencimento do fumus comissi delicti. 66

Logo, o autor considera mais adequada a competência do Juiz das Garantias para os atos de recebimento ou rejeição da denúncia ou queixa, como disciplina o Código de Processo Penal português. O Juiz da Investigação já estaria em contato com os elementos colhidos nessa fase, que configurariam os pressupostos processuais e a justa causa, sem que houvesse a necessidade de se imiscuir o Juiz do Processo com quaisquer desses caracteres.

Se estes já foram colocados sob a atribuição do Juiz das Garantias para não comprometer a imparcialidade do Juiz do Processo, não faria sentido conceder ao último a aptidão para decidir sobre o marco inicial da ação. Nessa esteira, o projeto prevê que a decisão do recebimento ou da rejeição só será tomada após a apresentação da resposta à acusação, o que significa que o julgador deverá analisar as teses acusatória e defensiva, para que se verifique, ou não, o caso de absolvição sumária ou extinção da punibilidade. 67

Ainda, o autor critica o §1º do artigo 15 do aludido Projeto, no que tange à possibilidade de o Juiz do Processo deter a prerrogativa de decidir sobre questões pendentes, pontificando que “atribuir ao juiz do processo a competência para decidir sobre eventuais diligências não decididas pelo juiz de garantias é retirar qualquer eficácia do instituto proposto.” 68

No tocante ao artigo 16 do PL. 8045/10, há a exclusão de competência do Juiz das Garantias, que figurou na fase investigativa, para que não atue em eventual ação daquele caso penal. Com a finalidade de propiciar a transição de um Código Processual Penal para outro, e oportunizar a acolhida do juiz das garantias, o artigo 748, I, do Projeto Originário: PLS n. 156/2009, dispõe não ser aplicável tal impedimento nas Comarcas que funcionarem com apenas um magistrado, até que a lei orgânica do judiciário não disponha sobre a adequação desta medida.

Porém, o artigo 701 do PLS. n. 156/2009 estipulava o prazo de três anos para a entrada em vigor desse impedimento, contados a partir da vigência do Novo Código de Processo Penal, como regra, e após seis anos nas comarcas que atuarem com apenas um juiz. Todavia, essa redação foi afastada na composição final do projeto, restando apenas a regra transitória do artigo 748, I, que não possui prazo definido para o funcionamento do Juiz das Garantias, podendo subsistir sem aplicação prática enquanto não houver regulação pelos Códigos de Organização Judiciária dos Estados. 69

Por fim, Maya traz à tona a problemática a respeito da prevenção de competência nas instâncias recursais, uma vez que o juiz das garantias não alcançaria o imbróglio do “conhecimento e julgamento de medidas recursais e de habeas corpus impetrados contra atos praticados pelo juiz durante a investigação ou a instrução criminal.”70

Nesse sentido, o autor propõe a criação de um juizado de garantias, seguindo o sustentáculo do juiz das garantias no âmbito dos tribunais de segunda instância, “competente exclusivamente para o reexame de todos e quaisquer atos decisórios proferidos pelo juiz de garantias durante a investigação preliminar e, também, dos atos decisórios proferidos pelo juiz singular durante a instrução criminal” 71, para a efetiva garantia da imparcialidade jurisdicional em todos os graus de jurisdição.

7.3. Imprescindibilidade

Ainda sob o enfoque da obra de Maya, pode-se notar a primordialidade do Juiz das Garantias para a promoção de um processo penal que cumpra sua função jurisdicional constitucionalmente determinada:

[...] ao exigir do magistrado uma efetiva aproximação para com o material informativo colhido no inquérito policial, lhe retira a imparcialidade exigida para a posterior condução do processo e emissão de uma decisão de mérito. Não há como, de fato, verificar a existência de provas do crime, de indícios veementes da procedência ilícita de bens, e fundadas razões que indiquem a necessidade da interceptação telefônica, ou mesmo sua imprescindibilidade, ou, ainda, se convencer da certeza da infração, sem se contaminar subjetivamente com os argumentos formulados pela autoridade policial ou pelo Ministério Público e com os próprios elementos indiciários que dão suporte às medidas cautelares postuladas. A exigência de que o juiz analise detidamente tais elementos para verificar a legitimidade da medida proposta, e, principalmente, de que fundamente sua decisão indicando os motivos do seu convencimento, é por si só incompatível com a ideia de distanciamento e, portanto, com a manutenção da imparcialidade. 72

Nessa acepção, o autor julga inconstitucionais os artigos 75 e 83 do Código de Processo Penal, que tratam da regra de competência por prevenção, por considerá-los afrontosos aos rudimentos constitucionais da imparcialidade e do sistema acusatório, bem como ao artigo 8.1 do Pacto de San José da Costa Rica.

Para Maya, a prevenção da competência deveria ser feita “às avessas”, ou seja, o julgador que tivesse antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que na fase investigativa, teria sua competência excluída para figurar no caso penal; não deveria atuar estando contaminado, como se essa fosse a idealização de processo civilizado, instituído pós 1988. 73

Daí se extrai a essencialidade do Juiz das Garantias, para que seja feita, deveras, uma espécie de prevenção como regra de exclusão de competência. O Tribunal Europeu de Direitos Humanos, o Tribunal Constitucional da Espanha e a Corte Constitucional da Itália convergem seus entendimentos no sentido de que um mesmo juiz não pode atuar em fases sucessivas no âmbito de um mesmo processo penal. 74

O Instituto fora adotado por países como Portugal, Itália, México, Chile, Colômbia, Paraguai e algumas províncias da Argentina, como Buenos Aires, “como um instrumento de aproximação das legislações processuais penais às exigências democráticas das mais variadas Constituições Federais.” 75

Aury Lopes Jr. aborda a substancialidade da chamada estética de imparcialidade ou (terzietà), caracterizada como nuance da imparcialidade objetiva, já referida. Preconizada pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, nada mais é que o alheamento expectável do magistrado, o direito que detém o réu de conjecturar que seu julgador estará disposto a lhe ouvir com o espírito aberto. Quando esse juiz é o mesmo que atuou na fase de investigação, não há a estética de imparcialidade, pois se presume a contaminação:

No mesmo sentido, decidiu diversas vezes o Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), especialmente nos casos Piersack, de 01.10.82, e De Cubber, de 26.10.84. Para o TEDH, a atuação do juiz instrutor no Tribunal sentenciador supõe uma violação do direito do juiz imparcial consagrado no art. 6.1 do Convênio para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais, de 1950. Segundo o TEDH, a contaminação resultante da parcialidade pode ser fruto da falta de imparcialidade subjetiva ou objetiva). [...] Em ambos os casos, a parcialidade é a desconfiança e a incerteza da comunidade nas suas instituições. Não basta estar subjetivamente protegido, é importante que o magistrado se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial. É preciso que esteja colocado no processo – simbolicamente e aos olhos do jurisdicionado – como um terceiro afastado, estranho aos interesses (punitivo e defensivo) em jogo.

O Tribunal Constitucional espanhol reconheceu, na decisão STC 162/99, de 27 de setembro, que em uma sociedade democrática os Tribunais devem inspirar confiança em seus cidadãos. Esse foi o argumento utilizado nas decisões do TEDH: casos Piersack contra Bélgica, de 1º de outubro de 1982, De Cubber contra Bélgica, de 26 de outubro de 1984, e Perote Pellón contra Espanha, de 25 de julho de 2002. Um segundo critério das decisões do Tribunal Constitucional espanhol encontra respaldo na aparência de imparcialidade. Essa preocupação com as aparências surge no caso Del Court contra Bélgica, de 17 de janeiro de 1970, no qual o TEDH, apesar de não reconhecer violação ao art. 6.1 do CEDH, leva pela primeira vez em conta a aparência nas atividades de um Tribunal. Mais recentemente o TEDH decidiu, no caso Salov contra Ucrânia, de 6 de setembro de 2005, que as aparências são importantes e que se deve do ponto de vista objetivo levar em consideração a possível existência de fatos que possam comprometer a imparcialidade do juiz. 76

A delimitação das fases pré-processual e processual, bem como das funções de acusação, defesa e julgamento, são fundamentais para o fiel exercício de uma jurisdição imparcial.

7.4. Críticas

As críticas formuladas ao instituto do Juiz das Garantias preponderam no plano prático, não doutrinário. Tratam, basicamente, da falta de magistrados e recursos para a sua efetivação. Para Daniel Kessler de Oliveira, essas críticas são reducionistas e superficiais:

A negativa do problema e as críticas feitas às propostas de reforma mostram o porquê de tantos problemas em nosso processo penal. A velha crença na bondade do juiz, na possibilidade sobre-humana deste em não se deixar influenciar por elementos colhidos sem observância às garantias constitucionais. As críticas feitas a proposta do Juiz de Garantias não se propuseram à um debate profundo, se reduziram à uma abordagem supérflua e reducionista que, sequer, buscava entender as razões e o significado da figura. Ora, já não é hora de fingir que o problema não existe e de continuar culpando a carência de recursos para que se possa seguir fazendo o que bem se entender em matéria de justiça criminal. Presos não progridem de regime, por falta de vagas em albergues, réus são acusados sem defesa, por falta de defensoria, apenados morrem em verdadeiras masmorras, porque não se tem estrutura prisional adequada, prazos processuais são descumpridos, por falta de condições para um julgamento no prazo razoável, e por aí vai.

Por isto, devemos lutar pela efetivação dessas reformas, recebê-las de braços abertos ao invés de atacá-las covardemente e com armas em formas de argumentos reducionistas e insuficientes. 77

Aury Lopes Jr., na mesma linha de Kessler de Oliveira, proclama como frágeis os argumentos de inviabilidade do Juiz das Garantias. O fato de existirem inúmeras comarcas de Vara Única pelo interior do país, ou faltarem recursos humanos e financeiros para a implementação da reforma, não se sustentam em uma lógica dinâmica de processo e de organização judiciária, quando verdadeiramente almejada. Com isso, traz à tona algumas “soluções” aos problemas traçados:

Quanto ao problema das comarcas “com um único juiz”, a regra de transição do art. 748 do Projeto é uma boa solução, mas precisa ser condicionada no tempo (na redação originária havia a previsão de três anos, duplicável em caso de necessidade) para ter efetividade. Os argumentos de insuficiência estrutural também são frágeis, pois existem formas de contornar-se o problema. Há diversas sugestões para a implantação do novo instituto sem maiores investimentos, como a regionalização do juiz das garantias (de modo que um único juiz das garantias atenda a um grupo de comarcas próximas); a implantação do inquérito online ou pelo sistema de processo eletrônico; a distribuição cruzada quando houver um juiz criminal e um cível; sua concretização progressiva, no sentido capital-interior (iniciando nas entrâncias finais até se chegar as iniciais, que contam com um só juiz), de forma semelhante ao que foi feito no Chile, quando implementado o novo CPP chileno (lá na direção inversa, interior-capital). Enfim, soluções existem, basta um mínimo de vontade para levá-las adiante.

O que não se pode mais é tolerar como “normal” o “anormal” funcionamento do sistema de administração de justiça 78

Portanto, reputa-se ser perfeitamente aplicável a figura do Juiz das Garantias, caso o PL. n. 8045/2010 seja aprovado. As hipóteses de regionalização dos Juízes de Garantias, bem como a adoção do inquérito online, da mesma forma que a distribuição cruzada, quando na mesma comarca houver um juiz cível e um criminal, são alternativas palpáveis. As reformas estruturais são necessárias e emergenciais, devendo ser examinadas alternativas transitórias e permanentes para que direitos e garantias fundamentais não restem prejudicados por razões prosaicas.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do presente trabalho, conclui-se que o atual modelo de processo penal guarda vestígios do sistema inquisitório, uma vez que o Código de Processo Penal brasileiro traz consigo inúmeros dispositivos que contêm medidas impraticáveis no contexto de um sistema processual acusatório e com a figura do juiz imparcial.

Para que o modelo de processo penal idealizado pela Carta Magna seja executado e defendido com zelo, é preciso que a natureza de certos atos do poder judiciário seja examinada, de forma a se verificar a coerência destes com os preceitos basilares da Constituição, e, caso a contradigam, sejam buscados mecanismos de resguardo para que estes se convertam em harmonia com o ordenamento jurídico pautado pelas garantias individuais.

Assim, como forma de defesa da opção constitucional pelo sistema acusatório, o Juiz das Garantias fora idealizado como um possível redutor de danos, em casos de mácula da imparcialidade pelo ativismo judicial, permitido por variados artigos de viés autoritário do código vigente; logo, encontrou-se proposto como forma de se evitar a contaminação e a vinculação psicológica do magistrado com os elementos colhidos e apreciados na fase de investigação policial.

Este julgador pregresso será distinto daquele que decidirá o mérito na fase processual, podendo assim, em tese, obstar-se que a sentença se resulte entranhada por convencimento eivado de parcialidade do juiz.

Faz-se obrigatória a concessão de independência ao julgador do processo, para que se proteja a imparcialidade subjetiva e objetiva na ação penal.

Dessa forma, estudiosos e críticos do processo penal reputam ser de extrema relevância a valoração das garantias processuais em respeito ao devido processo legal e ao sistema acusatório, bem como a separação de funções na relação processual entre Juiz, Ministério Público e Defesa do acusado.

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1 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 145, 146.

2 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 154.

3 FEITOSA, Denilson. Direito Processual Penal Teoria, Crítica e Práxis. 5 ed. Niterói: Impetus, 2008, p. 56,57.

4 MAGNO, Levy Emanuel. Processo Penal. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 5, 6.

5 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 160, 161.

6 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 110.

7 Ibid., p. 111.

8 ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. Direito Processual Penal. 2ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 7.

9 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 53.

10PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 132.

11 Ibid., p. 275.

12 SILVEIRA, Marco Aurélio Nunes da. A Cultura Inquisitória Vigente e a Origem Autoritária do Código de Processo Penal Brasileiro. v.18, n.67. Rio de Janeiro: R.EMERG, p.270. Disponível em: <http://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista67/revista67_264.pdf>. Acesso em: 09 nov.2018.

13 COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. Sistema acusatório Cada parte no lugar constitucionalmente demarcado. v. 46, n. 183. Brasília: Revista de informação legislativa, jul./set. 2009, p. 108,109. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/handle/id/194935>. Acesso em: 09 nov.2018.

14BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.565.

15 Ibid., p. 568.

16 Ibid., p. 574.

17 Ibid., p. 576.

18 Ibid., p. 582.

19 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.586.

20 Ibid., p. 588.

21BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988, artigo 5º, inciso LIII.

22 NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 93.

23ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. Direito Processual Penal. 2ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 4.

24 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 10.ed. Salvador: JusPodivum, 2015, p. 118.

25 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 75, 76.

26 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 88.

27 Ibid., p. 165.

28 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 53, 61.

29 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 91.

30 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 95.

31 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.577.

32 Ibid., p.577.

33 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.577.

34 Ibid., p.565.

35 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p. 563.

36 Ibid., p. 563.

37 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 93.

38 LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal Introdução Crítica. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.94.

39Assembleia Geral da ONU. (1948). Declaração Universal dos Direitos Humanos (217 [III] A), art. X. Paris.

40Assembleia Geral da ONU. (1966). Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (2.200 [XXI] A), art. 14 § 1º. Nova York.

41Organização dos Estados Americanos. (1969). Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 8º.1. San Jose de Costa Rica.

42 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 95.

43 Ibid., p.97.

44 JARDIM, Afrânio Silva. Sistema processual acusatório, imparcialidade dos juízes e estado de direito. Jornal GGN. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/noticia/sistema-processual-acusatorio-imparcialidade-dos-juizes-e-estado-de-direito-reflexoes-por-afranio-silva-jardim> Acesso em: 05 out.2018.

45 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 344.

46 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.576.

47 RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 23.ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 7.

48 ARAÚJO, Fábio Roque; TÁVORA, Nestor. Direito Processual Penal. 2ed. Niterói: Impetus, 2013, p. 3, 4.

49 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 273.

50 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 162.

51 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.568.

52 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 167.

53 BRASIL. Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. VADE MECUM compacto de Direito: edição federal, São Paulo: Rideel, 11.ed., 2016, p.582.

54 Ibid., p.582.

55 Ibid., p.579.

56 Organização dos Estados Americanos. (1969). Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º.5. San Jose de Costa Rica.

57 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 4 ed. Salvador: JusPodvim, 2016, p. 1186.

58 LOPES JR., Aury. Introdução crítica ao Processo Penal (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p. 89, 90.

59 Ibid., p. 182.

60 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 192.

61 PRADO, Geraldo. Sistema Acusatório A Conformidade Constitucional das Leis Processuais Penais. 3.ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 198.

62 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 162

63 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 198.

64 BRASIL. Projeto de Lei N. 8045, de 2010 (do Congresso Nacional) PLS N. 156/09. Dispõe sobre a reforma do Código de Processo Penal e determina outras providências. Diário do Congresso Nacional, Brasília, 7 dez. 2010. p. 4,5,6.

65 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 204.

66 Ibid., p.204, 205.

67 Ibid., p. 205.

68 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 206.

69 Ibid., p. 206, 207.

70 Ibid., p.207.

71 Ibid., p. 208.

72 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.196.

73 Ibid., p. 197.

74 Ibid., p. 197.

75 MAYA, André Machado. Imparcialidade e Processo Penal Da prevenção da competência ao Juiz das Garantias. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p.199.

76 LOPES Jr., Aury. Breves considerações sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais algumas preocupações). Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 18, n. 213, edição especial CPP, p. 5,6, ago. 2010.

77 OLIVEIRA, Daniel Kessler de. A atuação do julgador no Processo Constitucional: O juiz das garantias como um redutor de danos da fase de investigação preliminar. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016, p. 163,164.

78 LOPES Jr., Aury. Breves considerações sobre a polimorfologia do sistema cautelar no PLS 156/2009 (e mais algumas preocupações). Boletim IBCCRIM, São Paulo, v. 18, n. 213, edição especial CPP, p. 7,8, ago. 2010.


Publicado por: Laura Coimbra Vidal

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