FATORES DE RISCO PARA O FEMINICÍDIO: A RELAÇÃO ENTRE A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR E O ASSASSINATO DE MULHERES POR CONDIÇÃO DO GÊNERO

índice

  1. 1. RESUMO
  2. 2. INTRODUÇÃO
  3. 3. CAPÍTULO 1 APORTES SOBRE A VIOLÊNCIA NA PESPECTIVA GLOBAL
    1. 3.1 Criminologia e violência
      1. 3.1.1 Agressividade humana e violência
    2. 3.2 O ciclo da violência doméstica
    3. 3.3 O patriarcado como meio de preservação da desigualdade de gêneros
    4. 3.4 A violência corriqueira e a morte anunciada de mulheres
    5. 3.5 As formas de violência na Lei Maria da Penha
      1. 3.5.1 Violência Física
      2. 3.5.2 Violência Psicológica
      3. 3.5.3 Violência Sexual
      4. 3.5.4 Violência Patrimonial
      5. 3.5.5 Violência Moral
  4. 4. CAPÍTULO 2 CONTRASTE ENTRE HOMICÍDIO SIMPLES E FEMINICÍDIO E MEDIDAS PROTETIVAS
    1. 4.1 A Lei n. 13.104/2015 e a necessidade de distinção do feminicídio e do homicídio
    2. 4.2 Homicídio simples e feminicídio: o bem jurídico tutelado
      1. 4.2.1 Sujeitos do delito
    3. 4.3 Tipicidade objetiva e subjetiva
      1. 4.3.1 Consumação e tentativa
    4. 4.4 Peculiaridades do feminicídio
      1. 4.4.1 Elementos qualificadores
      2. 4.4.2 Majorantes ou causas especiais de aumento
      3. 4.4.3 A classificação do feminicídio como crime hediondo
    5. 4.5 Medidas protetivas de urgência na Lei Maria da Penha: formas de proteção à mulher e coibir o feminicídio
      1. 4.5.1 Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor
      2. 4.5.2 Das medidas protetivas de urgência à ofendida
      3. 4.5.3 A prisão preventiva como medida protetiva de urgência
      4. 4.5.4 As implicações da nova Lei nº 13.827/2019
  5. 5. CAPÍTULO 3 METODOLOGIA
    1. 5.1 Lócus da pesquisa
    2. 5.2 Participantes da pesquisa
    3. 5.3 Produção e análise dos dados
    4. 5.4 Conclusão
  6. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
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1. RESUMO

Tendo em vista a edição da Lei 13.104/2015, que tipificou o feminicídio como uma qualificadora do homicídio, pesquisou-se sobre a relação do feminicídio e a violência doméstica e familiar, foram analisadas as razões do aumento nos casos de assassinatos de mulheres em razão do sexo feminino. Para tanto, discutiu-se a violência doméstica e familiar e suas formas na Lei Maria da Penha e ainda foi apontado o papel do Estado na proteção das mulheres em situação de violência, bem como, a parcela de culpa do patriarcado nos casos de violência doméstica e feminicídio. Procedeu-se, então, uma pesquisa com abordagem qualitativa realizada através de entrevista semiestruturada gravada e transcrita. Diante disso, concluiu-se que o patriarcado e a cultura machista são os pilares de toda discriminação que leva à violência e o feminicídio, a violência doméstica e familiar é perpetuada através de um ciclo que precisa ser rompido logo na primeira fase.

Palavras-chave: Feminicídio; Patriarcado; Violência doméstica; Agressor.

ABSTRACT

In view of the edition of Law 13.104/2015, which typified feminicide as a qualifier of homicide, the relationship between feminicide and domestic and family violence was investigated, and the reasons for the increase in cases of female killings were analyzed. To this end, domestic and family violence and its forms were discussed in the Maria da Penha Law and the role of the State in protecting women in situations of violence was also pointed out, as well as the patriarchy's share of blame in cases of domestic violence and femicide. Then, a qualitative research was conducted through recorded and transcribed semi-structured interviews. Given this, it was concluded that patriarchy and chauvinistic culture are the pillars of all discrimination that leads to violence and femicide, domestic and family violence is perpetuated through a cycle that needs to be broken in the first phase.

Keywords: Femicide; Patriarchy; Domestic violence; Offender.

2. INTRODUÇÃO

A Lei n. 13.104/2015 que alterou o CPB (Código Penal Brasileiro) inserindo o feminicídio como uma qualificadora e que, consequentemente, passou a ser considerado crime hediondo, é resultado de um amplo debate feito pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência Contra a Mulher, com relatório final publicado em junho de 2013, teve como finalidade “investigar a situação da violência contra a mulher no Brasil e apurar denúncias de omissão por parte do poder público com relação à aplicação de instrumentos instituídos em lei para proteger as mulheres em situação de violência.”.

O feminicídio é a última instância de violência contra a mulher e é caracterizado quando é cometido em razão da condição do sexo feminino, ou seja, quando envolver violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação contra a condição de mulher.

Como expõe Mello (2015, p. 50):

Temos assistido nos últimos tempos a notícias nos jornais sobre o assassinato de mulheres pelo marido ou namorado, ex ou atual. Na verdade são crimes de violência contra a mulher que denotam a desigualdade de gênero. São geralmente noticiados como crimes “passionais”, como uma ocorrência policial comum sem revelar o que, na verdade, está por trás dessa realidade, o assassinato misógino de mulheres cometido por homens. Grande parte dessas mulheres foi morta quando resolveu terminar a relação amorosa, demonstrando que a dominação masculina prepondera nestas relações. Além disso, a mesma dominação é revelada nos expedientes policiais, processuais e nos corredores dos fóruns. Muitos crimes contra as mulheres são investigados e julgados sem qualquer perspectiva de gênero. Não se leva em consideração as desigualdades entre homens e mulheres, a subordinação, a submissão da mulher nas relações.

Até que a violência chegue ao ponto de culminar na morte da mulher, na maioria dos casos, é sabido, que esta já tenha enfrentado diversas vezes outro tipo de violência doméstica, em geral, cometida por marido/ex-marido, companheiro/ex-companheiro, namorado/ex-namorado ou até um pretendente que foi dispensado, denominada de violência por parceiro íntimo (VPI), esses homens enxergam a mulher como sua propriedade, sentem-se no direito de determinar a sua vida e sua morte.

De 2009 a 2011, segundo pesquisa realizada pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2013) estima-se que nesse período ocorreram 16,9 mil feminicídios no Brasil, sendo uma taxa de 5,8 a cada 100 mil mulheres. A pesquisa também apresentou as Unidades Federativas com maior ocorrência de feminicídio, o Espírito Santo figura como a taxa de feminicídio mais elevada do país, sendo 11,24 óbitos por 100 mil mulheres, e é seguido pelo Estado da Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81).

O estudo da qualificação do homicídio tendo em vista a condição do sujeito passivo, de maneira específica, a condição do gênero feminino, mostra-se pertinente, pois é evidente que o feminicídio tem causas específicas e elementos próprios para sua configuração. Torna-se importante a problematização da temática devido ao número crescente de feminicídios no país, pois, apesar de haver leis e medidas que visam prevenir a violência doméstica e o assassinato de mulheres, muitas vezes, a lei parece ineficaz e o Estado se mostra despreparado parar oferecendo-lhes o suporte necessário para que assim haja uma efetiva diminuição dos crimes relacionados ao gênero feminino.

Nesse sentido, indaga-se: as políticas públicas voltadas para mulheres em situação de violência têm surtido o efeito esperado? O patriarcado tem influência direta no contexto de violência doméstica, familiar e do feminicídio?

Assim, tomei como objetivo geral problematizar o feminicídio destacando-o como inovação do Código Penal; e como objetivos específicos, discutir a violência doméstica e familiar e suas formas na Lei Maria da Penha; e ainda questionar o papel do Estado na proteção das mulheres em situação de violência e a efetividade das medidas protetivas.

Parte-se da hipótese de que o patriarcado é a origem de grande parte das discriminações e violências de gênero, pois os parâmetros da sociedade patriarcal no que tange ao papel da mulher a coloca numa posição de inferioridade em relação aos homens. A outra hipótese é que na grande maioria dos casos de feminicídio, as vítimas sofrem diversas outras violências anteriores à culminação na morte, essas violências são caracterizadas como domésticas ou familiares; e ainda que o Estado dispõe de pouca efetividade no tocante à proteção da mulher em situação de violência, no sentido de salvaguardar o direito à vida, à integridade física e à dignidade da mulher, isso por causa do sucateamento da máquina pública e do despreparo das autoridades policiais.

Destarte, para viabilizar a aferição das hipóteses, realiza-se uma pesquisa básica estratégica, sob o método hipotético-dedutivo, com abordagem qualitativa e com realizada através de entrevista semiestruturada.

No capítulo I, tratei do âmbito da Criminologia no tocante à violência e agressividade humana e suas teorias, bem como, destrinchei as formas de violência doméstica e familiar que estão previstas na Lei Maria da Penha, evidenciando ainda, o ciclo da violência e a influência do patriarcado como meio de conservação de uma sociedade desigual e como origem das diversas formas de violência contra a mulher.

Tratei ainda, no capítulo II, da importância da inovação legislativa ao trazer para o Código Penal Brasileiro o feminicídio como qualificadora do homicídio e a sua problemática no contexto social brasileiro e a diferença entre as duas figuras penais, como também o consequente enquadramento do feminicídio como um crime hediondo, apresentei ainda, as medidas protetivas tipificadas na Lei n° 11.340/06 como providências imprescindíveis a serem implementadas visando a preservação da vida das mulheres.

3. CAPÍTULO 1 APORTES SOBRE A VIOLÊNCIA NA PESPECTIVA GLOBAL

3.1. Criminologia e violência

Faz-se crucial a utilização da criminologia para o estudo da violência e seus fatores, bem como suas variações, como a violência de gênero, do mesmo modo, é de suma importância a caracterização do criminoso, as razões pessoais e sociais que o fazem cometer o crime, em específico, o crime de feminicídio.

Segundo Gonzaga (2018, p.13) “a Criminologia é uma ciência autônoma que estuda o criminoso, o crime, a vítima, os controles sociais formais e informais que atuam na sociedade, bem como a forma de prevenção da criminalidade”.

O papel da Criminologia é analisar tudo aquilo o que, de forma direta ou indiretamente, contribui para a criminalidade, estuda, portanto, elementos como o comportamento humano, as causas socioeconômicas, bem como as razões institucionais e culturais que são determinantes para entender o fenômeno criminal.

A violência sempre esteve presente em toda a história da humanidade, a reprovação social e a tentativa de repressão de atos lesivos contra a integridade dos indivíduos sempre se mostrou um grande desafio para as autoridades governamentais, e hodiernamente com a sua não diminuição, em especial, nas zonas urbanas, expressa-se a ineficácia das medidas adotadas pelos governos para evitar o aumento da violência.

Pode-se entender que violência é toda ação que tem o objetivo de ferir a integridade física ou abalar psicologicamente alguém, por meio do uso da força propriamente dita ou de ameaças. Constata-se que a violência de cunho psicológico tem consequências tão gravosas quanto a violência física.

Dahlberg e Krug (2008, p. 3) nos ensinam:

Um dos aspectos mais complexos da definição é a questão da intencionalidade. Devem-se observar dois pontos importantes em relação a isto. Primeiro, mesmo que se distinga a violência de atos não intencionais que produzem ferimentos, a intenção de usar força em determinado ato não significa necessariamente que houve intenção de causar dano. Na verdade, pode haver enorme disparidade entre comportamento intencional e consequência intencional. O agressor pode cometer um ato intencional que, sob critério objetivo, pode ser considerado perigoso e, possivelmente, ter resultados adversos para a saúde, mas não percebê-lo assim.

Evidentemente, para que a violência seja caracterizada, é fundamental que se verifique o dolo do agente, da mesma forma que se analisa a intenção do autor em casos de excludentes de ilicitude, onde a livre vontade e consciência do agente é essencial para configurar o dolo, caso contrário, a conduta do agente passa a ser legítima, em outras palavras, não há crime sem que haja a intenção, exceto nos casos onde o autor pode responder na forma culposa.

As causas da violência no Brasil são as mais variadas e complexas, sendo necessário analisar fatores socioeconômicos, culturais, institucionais, bem como a personalidade do agente, para que haja uma descrição mais acertada sobre o fato gerador de determinada violência.

No entanto, a personalidade do agente que comete a violência, para o presente estudo, essa é a causa mais importante, juntamente com o fator cultural, para se entender a violência doméstica, pois, o sujeito que pratica a violência de gênero é, geralmente, um parceiro íntimo ou um conhecido.

3.1.1. Agressividade humana e violência

São basicamente duas correntes que formam as teorias da agressividade humana: a agressividade inata e a agressividade adquirida. A agressividade inata, teve como seu maior defensor Konrad Lorenz, apud Fernandes e Fernandes (1995), que segundo ele, “seria produto de antepassados históricos, está em sua genética, onde desde os primórdios o homem se mostrou um animal violento”, consoante essa teoria o homem é “naturalmente um ser hostil, uma verdadeira fera selvagem e pode ser uma máquina mortífera que ataca não só quem os seus opositores, mas também, seus semelhantes”, em outras palavras, o ser humano seria naturalmente violento, essa violência é derivada de seus instintos incontroláveis e intrínsecos à sua condição humana.

Em oposição à teoria da agressividade inata, Ashley Montagu, citado por Fernandes e Fernandes (1995), entende que “a agressividade humana é adquirida ao longo da sua vida, sendo fruto de fatores neurológicos, sociais e individuais, variando de pessoa para pessoa”. Segundo o antropólogo, “a ideia de que o ser humano é essencialmente é violento não se sustenta, pois, assim como as pessoas podem ser cruéis, também podem demonstrar outro tipo de comportamento como serem amáveis, existindo sociedades onde a violência é pouca ou quase zero”. Entende-se que, a agressividade pode ser consequência de fatores biológicos, mas também de algo externo, como a sociedade.

Na opinião de Fernandes e Fernandes (1995, p. 116):

De qualquer modo, sopesadas as considerações anteriores acerca da violência e agressividade humanas, é interessante que se mantenha uma ideia de internacionalidade sobre o assunto, a partir do fenótipo do indivíduo com o ambiente em que ele vive, do binômio educação-instintividade, passando pelo pensamento e pelos sentimentos, a serem admitidos como fatores desencadeadores do comportamento agressivo, com maior peso para um ou outro lado, de acordo com os casuísmos individuais, nessa mescla de influências responsáveis pela agressão e pela violência.

Dessa forma, deve-se fazer um balanceamento de ambas as teorias para que sejam aplicadas no caso concreto, pois as circunstancias variam de acordo com o crime e com os seus sujeitos. Em outras palavras, é possível unir os fatores da personalidade, aspectos genéticos e instintivos, com os fatores sociais para formar um entendimento acerca do comportamento agressivo e violento.

3.2. O ciclo da violência doméstica

O ciclo da violência pode ser definido como atos progressivos e reiterados do companheiro agressor contra mulher. A vítima demonstra dificuldades em romper com a relação violenta, e em consequência disso, forma-se o ciclo espiral que não tem fim.

No dizer de Fernandes (2015, p. 59)

Nem sempre a violência contra a mulher tem início com a agressão corporal. Ao contrário, na maioria dos casos, o homem inicia a dominação com a violência moral e psicológica até que a situação evolui para a agressão física, no momento em que a mulher já́ está fragilizada e não pode ofertar resistência. Os ataques físicos, graças ao ciclo da violência que se estabelece, tendem a se repetir e a se tornarem cada vez mais gravosos.

Percebe-se que existe um padrão de comportamento semelhante entre homens agressores, essa conduta violenta tem o objetivo de controlar as mulheres, basicamente, essa é a natureza do ciclo da violência, que é composto por três estágios:

  1. Aumento da tensão: nessa fase, o agressor mostra-se extremamente irritado com atitudes da vítima, a humilha com palavras, costuma quebrar objetos para “descontar” a raiva, eleva o tom de voz. Geralmente, a mulher se retrai diante dessa situação conturbada, para evitar confronto direto, muitas vezes por medo do que o agressor possa fazer.

  2. Ato de violência: nesse momento, o agressor ofende a integridade física, psicológica moral, patrimonial ou sexual da mulher. É a consumação do ato de violência. Nessa etapa, a vítima demonstra incapacidade de se opor ao homem, suportando, portanto, a violência.

  3. Lua de mel: nessa fase, o agressor mostra-se arrependido, pede desculpas para a vítima e faz promessas de mudanças. Normalmente, existe um curto período de calma onde a vítima se reconcilia com o agressor, mas é uma paz disfarçada, porque posteriormente haverá o aumento da tensão novamente e o tudo irá se repetir.

É imprescindível que a mulher vítima das agressões busque ajuda para quebrar esse ciclo, infelizmente, a maioria silencia mediante a violência sofrida, por medo, por questões de ordem sentimental, pela incerteza das medidas protetivas em relação à sua eficácia.

3.3. O patriarcado como meio de preservação da desigualdade de gêneros

Historicamente, a mulher sempre se viu em uma posição de inferioridade em relação ao homem, não possuindo os mesmos direitos e seus papéis na sociedade eram definidos com base em uma cultura patriarcal de opressão, qual seja: a mulher como meio de procriação, submissa ao seu marido, cuidadora do lar e dos filhos, propriedade do homem, que por sua vez, era o chefe da família, detentor da autoridade e tinha a função de promover o sustendo dos seus dependentes. Essa estrutura arcaica de modelo familiar foi crucial para determinação da desigualdade de gênero perpetuada por séculos até os dias atuais.

Configura-se, portanto, a função social de homens e mulheres. Os homens como figura principal da história, e as mulheres meras coadjuvantes. Mulheres submissas e homens dominantes, tudo como consequência direta do patriarcado.

A propósito, Narvaz e Koller (2006, p. 50) utilizam-se da seguinte argumentação:

Cabe destacar que o patriarcado não designa o poder do pai, mas o poder dos homens, ou do masculino, enquanto categoria social. O patriarcado é uma forma de organização social na qual as relações são regidas por dois princípios básicos: 1) as mulheres estão hierarquicamente subordinadas aos homens e, 2) os jovens estão hierarquicamente subordinados aos homens mais velhos.

Pode-se afirmar, então, que o patriarcado é o principal responsável por promover a segregação entre os sexos, e um dos principais culpados pela violência contra as mulheres, uma vez que semeia a dominação do homem sobre a mulher e também a opressão. Nesse sentido, as mais variadas formas de discriminação e violência contra as mulheres são manifestação histórica de relações de poder de um gênero sobre o outro, segundo Narvaz e Koller (2006).

Como a cultura é a identidade de uma nação, no que diz respeito às liberdades individuais e aos direitos das mulheres, essas sofrerão mais ou menos opressão a depender do país em que se encontra, mas de toda a forma terão suas vidas violadas. Podemos citar países como o Afeganistão, onde as mulheres são restringidas da vida política e proibidas de exercerem determinadas profissões, bem como o Irã, que após a revolução islâmica em 1979, legitimou em seu ordenamento jurídico o tratamento de desigualdade entre homens e mulheres, conforme preceitos morais do Islã. Entretanto, não precisamos ir tão longe para constatar a opressão sofrida pelas mulheres, no Brasil, apesar de não haver essa desigualdade extrema de gêneros, a violência contra a mulher ainda é gritante, somos o quinto país no mundo mais violento para as mulheres, segundo a ONU (Organização das Nações Unidas) em 2016.

Ao se constatar o fato social que dá fundamentação como fonte material à lei, fato esse em específico, a violência de gênero que acomete a mulher, espera-se que o Estado investido em seu poder soberano de punir, o faça com efetividade, somando-se a isto, almeja-se também a aplicabilidade de medidas preventivas, maior apoio e preparo das autoridades competentes para aparar as mulheres vítimas de violência.

3.4. A violência corriqueira e a morte anunciada de mulheres

Engana-se quem pensa que a morte de uma mulher em uma relação abusiva é algo que acontece de repente. Na maioria dos casos, a mulher tem um histórico de vítima de variadas formas de violência dentro de casa, é a chamada morte anunciada. Vários são os fatores que impedem que a mulher denuncie o seu parceiro assim que tem a sua integridade física ou moral lesada, como a dependência financeira e emocional e o despreparo das autoridades policiais e judiciárias para dar a devida proteção e assistência.

Ao averiguar o perfil abusivos desses relacionamentos, verificamos comumente, a figura do homem ciumento e possessivo que, inicialmente, começa proibindo a mulher de usar determinada roupa ou frequentar determinados lugares, muitas vezes a impede de trabalhar, passa então a afastá-la de seus amigos e familiares. Esse comportamento obsessivo tem uma razão: fazer com que o mundo passe a girar em torno do homem, para que a mulher se sinta dependente e incapaz de deixá-lo, ao passo que possa dominá-la completamente.

Esse tipo de relacionamento tóxico massacram a individualidade e agride intimamente a mulher, não só pela violência física propriamente dita, mas também pelo abalo psicológico, onde o companheiro ataca verbalmente a parceira, a fazendo se sentir inferior, menos que ele. É uma relação extremamente conturbada, onde o sentimento de posse sobre a mulher prevalece e o homem é detentor de todos os atributos dessa “propriedade”.

“O jogo de poder masculino advém dessas crenças de o homem possuir certos direitos e privilégios a mais do que as mulheres. Os ciúmes podem estar relacionados à possessividade: muitos homens tratam as mulheres como objeto de sua propriedade”, aponta Fonseca, Ribeiro e Leal (2012, p. 312).

Por outras palavras, ao ser vista como objeto da relação, a mulher deixa de ter status de ser humano, perdendo completamente a pouca autonomia que tinha sobre seu corpo e suas liberdades individuais. Desse modo, o agressor só necessita de um pretexto para retirar a vida da mulher. Por pretexto, entende-se aqui como uma situação que desagrade o homem a tal ponto que ele decida utilizar a sua violência em maior grau causando o feminicídio, e não como uma forma de justificar tal crime, afinal, não se pode aceitar que uma pessoa tire a vida de outra com o argumento que a ama demais.

3.5. As formas de violência na Lei Maria da Penha

A Lei 11.340/06 foi fruto de uma ampla discussão no âmbito legislativo com a participação da sociedade civil e parlamentares, a mulher cujo o nome foi dado à lei sofreu duas tentativas de feminicídio pelo seu ex-marido, vindo a ficar paraplégica em razão das lesões sofridas. Esse fato ganhou grande repercussão na mídia, o que efervesceu ainda mais o debate sobre a violência doméstica e punições mais severas para os agressores.

Sendo a mulher considerada mais vulnerável, como já foi afirmado anteriormente, pela desigualdade de gênero decorrente diretamente da estrutura patriarcal social, mostrou-se necessário uma atenção maior para o fato de sofrer violência em casa, justificando, dessa forma, a discriminação positiva da referida lei, a qual tem o objetivo de coibir e prevenir a violência na esfera doméstica e familiar, criando mecanismos para sua efetivação.

De acordo com Fonseca, Ribeiro e Leal (2012, p. 308):

A violência física implica ferir e causar danos ao corpo e é caracterizada por tapas, empurrões, chutes, murros, perfurações, queimaduras, tiros, dentre outros; Violência patrimonial refere-se à destruição de bens materiais, objetos, documentos de outrem; Violência sexual, entre outros tipos de manifestação, ocorre quando o agressor obriga a vítima, por meio de conduta que a constranja, a presenciar, manter ou a participar de relação sexual não desejada; Violência moral constitui qualquer conduta que caracterize calúnia, difamação ou injúria e a Violência psicológica ou emocional é a mais silenciosa, deixando marcas profundas, por não ter um caráter momentâneo e ter efeito cumulativo, sendo caracterizada por qualquer conduta que resulte em dano emocional como a diminuição da autoestima, coação, humilhações, imposições, jogos de poder, desvalorização, xingamentos, gritos, desprezo, desrespeito, enfim, todas as ações que caracterizem transgressão dos valores morais.

A lei supramencionada abarca a violência contra a mulher em seu aspecto do convívio pessoal, sendo dividida em três: violência doméstica; familiar e em qualquer relação íntima de afeto, classificando ainda as formas de violência como patrimonial, sexual, física, moral e psicológica. O Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher, tem competência cível e criminal para processar e julgar as ações nessa seara, e nas demais localidades onde não há esse órgão especializado, a competência é das varas criminais da Comarca correspondente.

3.5.1. Violência Física

A violência física contra a mulher pode ser definida como “qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal” (art. 7

º, I, da Lei 11.340/06). Pode-se entender, dessa forma, como toda ação que tem o intuito de gerar lesão em sua integridade física ou saúde, podendo deixar marcas aparentes ou não.

Esse é o tipo de violência mais conhecido, por ser em geral mais aparente e mais divulgado. Por outro lado, normalmente, essa é a penúltima instância de violência contra a mulher, porque ao longo do relacionamento é provável que já tenha sofrido outros tipos de violências, como a violência psicológica. Estando enfraquecida psicologicamente, a situação da mulher se complica, pois, uma pessoa sem suporte, fica mais difícil se libertar das amarras de um relacionamento abusivo, implicando no chamado ciclo da violência.

Em Fernandes (2015, p. 60) vamos encontrar o seguinte esclarecimento:

Normalmente, a violência física manifesta-se por tapas, socos, empurrões e agressões com instrumentos, contundentes ou cortantes, que podem provocar marcas físicas e danos à saúde da vítima. Conforme a gravidade do resultado e as circunstâncias do fato, pode ser tipificada como vias de fato, lesão corporal, tortura ou feminicídio.

Por vias de fato, entende-se que é a ação dolosa perpetrada contra outrem que não deixa vestígios ou danos à saúde. Já a lesão corporal é resultado de ato atentatório à integridade física e saúde, com pena de três meses a um ano, ao fulcro do Código Penal, em seu artigo 129. Pode-se constituir a tortura o constrangimento, utilizando-se da violência física com o intuito de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceiros, ou ainda, submeter a vítima à violência física como forma de castigo pessoal, conforme o art. 1º, I, alínea a e II da Lei n. 9.455/97. Já o feminicídio é a violência física em seu último grau, culminando na morte da vítima por sua condição de mulher.

3.5.2. Violência Psicológica

A violência de cunho psíquico está intimamente ligada à forma de tratamento do agressor com a vítima, frequentemente a mulher é humilhada, chamada por expressões pejorativas que lhe diminuem a autoestima. “A violência psicológica, não obstante ser muito comum, caracteriza-se pelo fato de normalmente não ser reconhecida pelas vítimas como algo injusto ou ilícito.” Bianchini (2018, p. 53). Esse tipo de violência, muitas vezes é relevado, pois acredita-se que o agressor proferiu aquelas palavras de “cabeça quente”, envolvido por forte emoção, além disso, o seu reconhecimento é mais oculto pois essa violência não deixa marcas no corpo da vítima.

Na letra da Lei n 11.340, em seu artigo sétimo, define:

II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; (Redação dada pela Lei nº 13.772, de 2018).

Verifica-se nesse inciso as ações que caracterizam a violência psicológica, apontando atitudes do agressor, como o controle das ações, comportamentos e decisões perante ameaças, constrangimento, manipulação, entre outros. Apesar de ser bastante comum, esse tipo de violação, muitas vezes não é percebida pela própria vítima.

A configuração dessa violência, habitualmente é demonstrada como forma de “proteção”, entretanto, faz parte de um incansável desejo de poder e controle do agressor contra a mulher. Em outras ocasiões, o homem “reverte o jogo” fazendo com que a mulher se sinta culpada pela violência que sofre. Em uma relação saudável não há chantagens emocionais, nem controle ante a vida do outro, nem menosprezo ou humilhação. É preciso prestar atenção aos sinais para que a vítima identifique que está vivendo em um relacionamento abusivo.

3.5.3. Violência Sexual

Apesar de tantos avanços da sociedade, ainda há conceitos retrógrados para determinadas condutas sociais das mulheres como esposas/companheiras, um deles é o “dever” de satisfazer seu marido, independentemente de sua vontade, custe o que custar. Esse tipo de pensamento foi embutido na cabeça das mulheres durante séculos até a atualidade, onde o vínculo conjugal é suficiente para determinar a sua prática sexual compulsória, o que normatizou o comportamento abusador do parceiro que força a mulher a ter relações sexuais ou satisfazer seus fetiches contra a sua vontade.

“Trata-se de uma definição abrangente, que envolve os seguintes aspectos: prática de ato sexual não desejado ou com quem não tem condições de consentir, exploração da sexualidade da mulher e a restrição dos direitos reprodutivos ou da liberdade sexual”, conforme evidencia Fernandes (2015, p. 96).

Assim, independentemente do laço afetivo que a mulher tenha com o agressor, este não tem o aval para abusar sexualmente da companheira. Qualquer relação sexual onde a pessoa não consentiu ou não se encontra no uso de suas faculdades mentais para fazê-lo, é caracterizada como estupro ou estupro de vulnerável.

De acordo com o art. 7º, III, a violência sexual é aquela que constrange a presenciar, manter ou participar de relação sexual indesejada, perante ameaça, intimidação, coação ou uso da força; e ainda que induz a comercializar ou utilizar de algum modo a sua sexualidade; que restringe o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; que impede a utilização de métodos anticoncepcionais ou quer force ao aborto, prostituição por meio de coação, chantagem ou suborno.

3.5.4. Violência Patrimonial

Hodiernamente, em comparação a períodos passados, as mulheres estão muito mais independentes e livres, mas isso só é possível devido à luta movimentos feministas em momentos históricos, como o movimento das sufragistas no final do século XIX e início do século XX, na Inglaterra, onde almejavam o direito do voto para as mulheres, para que dessa forma pudessem exercer direitos sociais e políticos. Em 1932 no Brasil, foi conquistado o direito ao voto feminino, apesar de ser um grande passo, a lei não alcançava todas as mulheres, mas somente aquelas casadas (com autorização do marido), viúvas e solteiras com renda própria.

Todo esse contexto histórico é fundamental para entendermos a evolução social feminina, que antes era submetida à figura masculina do pai ou marido. Com o passar os anos, as mulheres começaram a entender a grande importância da autonomia financeira, para que dessa forma não dependesse de homem nenhum para sua subsistência. Com a quebra de paradigmas sociais, o empoderamento feminino veio para mostrar uma saída as mulheres, relevando que elas podem sim ter o próprio dinheiro e ter uma profissão, não apenas cuidar do lar, se assim desejarem.

Por outro lado, há homens que não se agradam de verem mulheres trabalhando, pagando suas contas, enfim, sendo independentes, porque na visão limitada daqueles, a ordem natural das coisas está sendo mudada. O homem sempre foi visto como provedor do lar, e a mulher sua submissa, com função de cuidar dos filhos e da casa. É devido a essa “honra ferida” de alguns homens que acontece a violência financeira, pois não aceitam o fato de uma mulher se sustentar sozinha ou receber salário superior, nesses casos, o parceiro pode até querer ver sua companheira bem-sucedida, todavia não mais que ele.

Para Felix citada por Bianchini (2018) a importância da proteção patrimonial reside no fato em que a mulher, muitas vezes, “encontra-se na situação de vulnerabilidade por não dispor de autonomia financeira” contribuindo para uma de pendência ao agressor e o tolhimento do poder de decisão da mulher. De acordo com Fernandes (2015) “a violência patrimonial rompe com o conceito tradicional de violência como agressão física, sendo, portanto, conduta violadora dos direitos patrimoniais”, conforme o disposto na lei, a violência patrimonial é caracterizada pela ação de subtrair, reter ou destruir os objetos, seus recursos financeiros, instrumentos de trabalho, valores, bens ou direitos que são essenciais para suprir a necessidade da vítima. (Art. 7°, IV).

3.5.5. Violência Moral

Existe uma linha muito tênue entre a violência psicológica e a moral. No dizer de Fernandes, (2015, p. 110) “a violência moral é uma das formas mais comuns de dominação da mulher. Xingamentos públicos e privados minam a autoestima e expõem a mulher perante amigos e familiares, contribuindo para seu silêncio.”. A Lei Maria da Penha traz em seu bojo a violência moral como aquela que se refere aos crimes contra a honra, ou seja, toda a ação que tem como objetivo caluniar, difamar ou injuriar a mulher.

Por calúnia entende-se a conduta de imputar a alguém um fato típico penal, sabendo que é inverídico. Conforme ensinamento de Capez (2018, p. 318) “O agente atribui a alguém a responsabilidade pela prática de um crime que não ocorreu ou que não foi por ele cometido.”. A difamação é imputação de fato à mulher que atinja de forma negativa a fama, o apreço social, a sua reputação, podendo ser verdadeiro ou não. A calúnia e a difamação constituem elementos da honra objetiva, ou seja, o juízo de valor que a sociedade faz sobre determinada pessoa.

Diferentemente dos tipos penais anteriores, a injúria é parte da honra subjetiva, no dizer de Gonçalves (2018, p. 133) “é a injúria em que o agente elege como meio para ofender a vítima uma agressão que tenha o potencial de causar vergonha, desonra”, quer dizer, é o juízo de valor que uma pessoa faz de si mesma, para a configuração da injúria a conduta deve consistir em ofender a dignidade ou decoro da mulher. É o ato desrespeitoso que atinge o prestígio social da vítima, é o crime de menor gravidade, levando em consideração seu aspecto subjetivo ou interno.

4. CAPÍTULO 2 CONTRASTE ENTRE HOMICÍDIO SIMPLES E FEMINICÍDIO E MEDIDAS PROTETIVAS

4.1. A Lei n. 13.104/2015 e a necessidade de distinção do feminicídio e do homicídio

A história não nos deixa mentir quanto a trajetória de dificuldades e lutas das mulheres desde os primórdios da humanidade. Uma dessas lutas mais recentes, diz respeito ao reconhecimento da violência doméstica e do feminicídio como crimes de ódio contra a mulher e a busca de meios efetivos para evitar tais crimes, com o intuito de preservar a vida das mulheres.

Em Mendes (2017, p. 215) vamos encontrar o seguinte esclarecimento:

Já conhecido em diversos outros países da América, tais como Costa Rica, Guatemala, Argentina, México, Chile e Peru, o feminicídio ou femicídio carrega em si a compreensão de que a morte de mulheres em dadas circunstâncias é um fenômeno que está intrinsecamente relacionado aos papéis socioculturais a elas designados ao longo do tempo, e que pode ocorrer de diversas formas, incluindo assassinatos perpetrados por parceiros íntimos, com ou sem violência sexual, crimes em série, violência sexual seguida de morte, ou mesmo o extermínio.

Especificamente quanto ao feminicídio no Brasil, no que diz respeito à tipificação, foi introduzida pela Lei n. 13.104/2015, como qualificadora do homicídio, sendo assim considerado quando cometido contra a mulher “por razões do sexo feminino”, entende-se, portanto, que há feminicídio quando o crime envolver: I – violência doméstica e familiar; e II – menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Art. 121, § 2o-A, Código Penal). E ainda, a Lei n. 13.142/2015 acrescentou mais uma hipótese de feminicídio, qualificadora de caráter subjetivo, que é o assassinato de policial ou integrante das Forças Armadas no exercício ou em razão de sua função.

A pena é de reclusão de doze a trinta anos, podendo ser aumentada de 1/3 até a metade se o crime for cometido: I – durante a gestação ou até três meses após o parto; I – contra pessoa menor de catorze ou maior de sessenta anos, ou com deficiência; III – na presença de descendente ou ascendente da vítima. (Art. 121, 7º, Código Penal).

A lei foi alvo de críticas quanto ao termo feminicídio, alguns doutrinadores como Bitencourt (2018), sustentam que o vocábulo é “inapropriado, pois o homicídio já define que matar alguém se refere a qualquer pessoa, homem ou mulher, indistintamente”. Por outro lado, existem aqueles que acreditam ser conveniente a terminologia utilizada pela lei.

Nesse sentido, podemos encontrar o posicionamento de Mendes (2017, p. 216):

Como uma forma especial de considerar a eliminação violenta da vida feminina, o feminicídio pressupõe a compreensão de que a morte de uma mulher em dadas circunstâncias está intrinsecamente relacionada aos papéis socioculturais a elas designados ao longo do tempo, razão pela qual o algoz, não raro, é um parceiro ou ex-parceiro (o que podemos conceituar como feminicídio íntimo em contraposição ao feminicídio não íntimo, no qual a relação atual ou anterior entre vítima e agressor não está presente).

É evidente que o legislador quis dar uma ênfase ao fato de que as mulheres morrem por serem mulheres, por isso a nomenclatura da qualificadora, tendo como objetivo, portanto, trazer maior proteção à mulher, em face da inegável violência que sofre por sua condição. A mulher que sofre violência doméstica precisa de uma atenção redobrada, visto que, normalmente essa violência em sua forma mais extrema pode culminar em sua morte. Faz-se mister desmascarar o companheiro que mata a mulher sobre o pretexto de um amor irracional, o homem que mata a mulher por motivos de gênero, reconhece-se em situação de superioridade e sente-se no poder de determinar a sua vida e destruí-la se assim quiser.

4.2. Homicídio simples e feminicídio: o bem jurídico tutelado

O homicídio e o feminicídio constituem crimes contra a vida, e estão disciplinados no art. 121 e no inciso VI deste artigo, no Código Penal, respectivamente. O bem jurídico fundamental que é protegido pela Lei Penal, qual seja a vida humana, está também assegurado na Carta Magna em seu art. 5, que reza “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

Como caracteriza Capez (2018, p. 61):

Genericamente, objeto material de um crime é a pessoa ou coisa sobre as quais recai a conduta. É o objeto da ação. Não se deve confundi-lo com o objeto jurídico, que é o interesse protegido pela lei penal. Assim, o objeto material do homicídio é a pessoa sobre quem recai a ação ou omissão. O objeto jurídico é o direito à vida.

O objeto material consiste no ser humano nascido com vida, independente da sua cor, gênero, religião ou orientação sexual e o objeto jurídico é o direito à vida constitucionalmente assegurado. O Estado toma para si a responsabilidade de proteger o bem jurídico primordial, que é a vida e punir os que configurarem a ação descrita no tipo penal.

O homicídio simples é aquele que não se enquadra como privilegiado nem como qualificado, é a figura básica. Deveras, o homicídio qualificado possui essa condição porque a Lei Penal tratou de dar-lhe maior reprovação social, por razão das circunstâncias que é realizado, entretanto, o elemento objetivo é o mesmo, matar alguém. No feminicídio, a qualificação do crime tem caráter subjetivo, pois leva em consideração a condição da mulher.

4.2.1. Sujeitos do delito

O sujeito ativo no homicídio e no feminicídio pode ser qualquer pessoa, homem ou mulher. Por outro lado, o sujeito passivo no feminicídio apenas pode ser mulher, excluindo-se, portanto, o homem; já no homicídio, o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa.

Na lição de Estefam (2018, p. 116-119):

Qualquer pessoa pode figurar como sujeito ativo do homicídio. Trata-se, portanto, de crime comum [...]. O termo sujeito passivo especial designa situações em que alguma característica da vítima gera reflexos na punição do agente, tendo em vista a incidência de alguma qualificadora ou causa de aumento prevista no tipo penal, isto é, de situações que acarretam um especial agravamento na pena cabível ao autor. Isto ocorre nos seguintes casos: b) quando o crime é cometido contra mulher, em razão da condição do sexo feminino: ocorre o feminicídio, forma qualificada de homicídio prevista no inciso VI do § 2o do art. 121 do CP;

É preciso considerar o sujeito ativo nos casos de feminicídio em razão de sua ligação com a vítima, que em geral é esposa/ex esposa; namorada/ex namorada, ou alguém com quem o agente teve alguma relação íntima de afeto, ou até mesmo uma mulher que não quis se relacionar com o sujeito. Enfim, são variadas as hipóteses onde a mulher pode se enquadrar como vítima de feminicídio, a ser examinada no caso concreto.

Entrando na seara mais abrangente das questões de gênero, fica a dúvida quanto à aplicação da qualificadora às mulheres transexuais. Homens que se submeteram à cirurgia de “mudança de sexo”, que passaram por processo judicial para serem reconhecidos em seus documentos como mulher para todos os efeitos, são abarcados pela Lei Penal no que concerne à violência doméstica e o feminicídio?

Na obra de Bitencourt (2018, p. 98-99), encontraremos o seguinte esclarecimento:

Vários critérios poderão ser utilizados para uma possível definição, com razoável aceitação, de quem pode ser considerada mulher para efeitos da presente qualificadora. Assim, por exemplo, pelo critério de natureza psicológica, isto é, alguém mesmo sendo do sexo masculino acredita pertencer ao sexo feminino, ou, em outros termos, mesmo tendo nascido biologicamente como homem, acredita, psicologicamente, ser do sexo feminino, como, sabidamente, acontece com os denominados transexuais. De um modo geral, não apresentam deficiência ou deformação em seu órgão genital de origem, apenas, psicologicamente, não se aceitam, não se conformando enquanto não conseguem, cirurgicamente, a transformação sexual, isto é, transformando-se em mulher. [...] Por essa razão, consideramos perfeitamente possível admitir o transexual, desde que transformado cirurgicamente em mulher, como vítima da violência sexual de gênero caracterizadora da qualificadora do feminicídio.

Existe divergência doutrinária quanto ao assunto. Há quem adote o critério estritamente biológico para negar o alcance da referida lei aos transexuais femininos, acreditando que estes, mesmo após a nova designação de sexo através de cirurgia, continuam sendo pessoas do sexo masculino. Por outro lado, há a defesa da utilização do critério jurídico, pois, a pessoa transexual obteve reconhecimento do seu sexo por via judicial e consequente alteração em seus documentos para o sexo feminino, podendo então, figurar como sujeito passivo do feminicídio.

Segundo informação do Ministério Público de São Paulo, em 2016, foi registrada, a primeira denúncia oferecida pelo Ministério Público de feminicídio contra uma mulher transexual. A mulher denominada Michele, havia sido morta a facadas por seu companheiro, em fevereiro daquele ano. A denúncia é considerada histórica, pois foi a primeira vez que uma mulher transexual foi considerada vítima de feminicídio em uma ação penal. Reforçando o entendimento de extensão da legislação às vítimas transexuais e travestis, o Conselho Nacional de Procuradores Gerais, aprovou de forma unânime, a recomendação para que todas as promotorias em território nacional passassem a aplicar as diretrizes da Lei Maria da Penha para pessoas transexuais e travestis.

4.3. Tipicidade objetiva e subjetiva

A tipicidade objetiva é compreendida pelo verbo que representa o núcleo do tipo, nesse caso, o verbo é matar. Consiste, portanto, em matar alguém, que não seja o próprio agente, seja qual for o meio empregado, é um delito de forma livre. O agente pode utilizar-se de meios diretos ou indiretos para a execução do crime e obtenção do resultado pretendido. Especialmente no feminicídio, delito deve ser praticado em situação que caracterize a violência doméstica ou familiar ou por motivo de menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Na lição de Prado (2015, p. 633):

São diretos os meios através dos quais se vale o agente para, pessoalmente, atingir a vítima (v.g., disparos, esganadura); e indiretos, os que conduzem à morte de modo mediato (v.g., ataque de animal bravio). Podem também ser materiais (mecânicos, químicos, patológicos) ou morais. É possível, neste último caso, a superveniência da morte através do susto, da emoção violenta, do medo ou de outros meios psíquicos ou morais, em sendo o sujeito passivo, por exemplo, portador de distúrbio cardíaco.

Pode-se entender, portanto, que o meio empregado deve ser idôneo o suficiente para provocar o resultado morte. O agente pode valer-se do meio direto, que é aquele onde se dirige a ação retilínea para a pessoa da vítima, ou indireto, onde se utiliza um meio intermediário para execução da ação. Podendo empregar ainda, meios materiais ou morais.

No dizer de Estefam e Gonçalves (2018, p. 328):

O dolo, ademais, abrange não só o objetivo perseguido pelo sujeito (dolo de primeiro grau), mas também os meios escolhidos para a consecução desse fim e as consequências secundárias inerentemente ligadas aos meios escolhidos (dolo de segundo grau ou dolo de consequências secundárias). Não se pode confundir o dolo direto de segundo grau com o dolo eventual. No dolo de segundo grau, as consequências secundárias são inerentes aos meios escolhidos.

O dolo divide-se em duas espécies:

  1. Dolo direto: o agente almeja o resultado e o vê como consequência de sua ação. A vontade é dirigida à finalidade do elemento principal do tipo, mesmo que por vezes, abarque questões secundárias que também são frutos de sua ação. O dolo direto ainda engloba duas subespécies, o dolo direto imediato, onde o agente tem o resultado como seu objetivo fundamental, buscando-se diretamente a produção do seu efeito, e o dolo direto mediato, onde o agente deseja muito mais produção do resultado do que a consequência a ele unida, mas como considera a consequência indispensável à ação, a aceita como necessária.

  2. Dolo eventual: Conforme o art. 18, I do Código Penal, o autor assume o risco da produção do resultado. Portanto, o agente não deseja de forma direta a consumação do delito, por outro lado, a aceita como possível ou provável. O agente tem a consciência de que seu ato pode se enquadrar como o tipo penal, e mesmo assim, se conforma, assumindo a responsabilidade de produzi-lo.

A modalidade culposa é igualmente admitida e está prevista no Código Penal, “a estrutura do tipo culposo é diferente da do tipo doloso: neste, é punida a conduta dirigida a um fim ilícito, enquanto no injusto culposo pune-se a conduta mal dirigida, normalmente destinada a um fim penalmente irrelevante, quase sempre lícito” Bitencourt, (2018, p. 113), é o homicídio que resulta da inobservância do dever de cuidado objetivo necessário, como decorrência da imprudência, negligência e imperícia.

A tipicidade subjetiva está ligada ao dolo, onde se analisa o animus agendi, que é a consciência e a vontade de praticar o ato objetivo descrito no tipo penal, nesse caso, o agente sabe o que está fazendo e acima de tudo deseja a realização dos elementos objetivos delitivos. Envolve, dessa forma, o elemento cognitivo, referente à consciência da realização do ato, e o volitivo, expressando a vontade do agente em realizá-lo.

4.3.1. Consumação e tentativa

Verifica-se consumado o crime “quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal” e a tentativa ocorre “quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente” (Art. 14, I e II Código Penal).

Resta consumado o homicídio ou o feminicídio quando a ação do agente resulta no resultado pretendido, qual seja, a morte da vítima, nessa etapa já se tem passado pela fase de cogitação, dos atos preparatórios e executórios do crime, a consumação é, portanto, o último ato do agente. A aferição da morte é feita através do corpo de delito, em conformidade com o art. 158 do Código Processual Penal.

Como descrito por Bitencourt (2018, p. 68):

No homicídio tentado, o agente deve agir dolosamente, isto é, deve querer a ação e o resultado final que concretize o crime perfeito e acabado, qual seja, a morte de alguém. É necessário que o agente tenha intenção de produzir um resultado mais grave do que aquele que vem efetivamente a conseguir. Não existe um dolo especial de tentativa, diferentemente do elemento subjetivo informador do crime consumado. O dolo da tentativa é o mesmo do crime consumado. Quem mata age com o mesmo dolo de quem tenta matar.

Dessa forma, a tentativa acontece quando o agente não consegue findar seu objetivo por razões que são alheias à sua vontade. É necessário que o autor queira o resultado morte, por exemplo, Arnaldo quer e tenta tirar a vida de Eduarda com uma arma de fogo, porém não consegue porque não acertou o tiro. Se, por outro lado, Arnaldo atinge Eduarda, mas somente causa lesões corporais, não resultando em morte, igualmente será punido pelo homicídio em sua forma tentada, e não pelo crime de lesão corporal. A tentativa é punida “com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”, segundo o parágrafo único do art. 14 do Código Penal.

4.4. Peculiaridades do feminicídio

A necessidade de criação de uma qualificadora especial para o crime de homicídio, decorre do fator social determinante, que é o assassinato de mulheres pela sua condição de mulher, decorrente da desigualdade entre os gêneros perpetrada por séculos que colocou o homem em um patamar de superioridade à mulher. Essa hegemonia masculina legitimou o controle sobre a vida das mulheres e a designação de papéis sociais onde a figura masculina goza de vantagens e privilégios em detrimento da figura feminina.

No ensinamento de Campos (2015, p. 109):

As circunstâncias previstas na lei para a ocorrência da violência feminicida (doméstica ou familiar) e menosprezo ou discriminação à condição de mulher é uma realidade na vida das mulheres brasileiras. Consequentemente, conceituar o feminicídio como atos ou condutas misóginas que levam à morte, ou a morte por razões de gênero ou ainda como uma forma extrema da violência baseada no gênero busca proteger um bem jurídico considerado penalmente relevante (a vida). Assim, o feminicídio seria uma adequação típica contraposta à figura do homicídio, visando diferenciar e nominar a especificidade das mortes de mulheres.

O femicídio é o termo equivalente ao homicídio, ou seja, na circunstância da morte da mulher não há nenhum elemento que caracterize a violência em razão do gênero feminino, significa o assassinato de mulheres sem nenhuma causa específica. O feminicídio não se trata apenas de crime que homens cometem contra mulheres, é crime de ódio, decorrente de um conjunto de violências que tem como consequência final a morte da vítima, bem como, do menosprezo e da discriminação à condição de mulher.

4.4.1. Elementos qualificadores

Para a configuração do feminicídio, não basta que o sujeito passivo seja mulher, é essencial a manifestação da violência doméstica ou familiar e/ou o menosprezo ou discriminação em razão do sexo feminino. Os conceitos de violência doméstica e familiar é encontrado na Lei n. 11.340/06, em seu art. 5 e incisos.

No dizer de Gonçalves (2018, p. 32):

De acordo com o inciso VI do art. 121, § 2o, do Código Penal, existe feminicídio quando o homicídio é cometido “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”. Cuida-se, evidentemente, de qualificadora de caráter subjetivo, na medida em que não basta que a vítima seja mulher, sendo necessário, de acordo com o texto legal, que o delito seja motivado pela condição de sexo feminino.

A violência doméstica é compreendida como aquela que acontece por meio de qualquer ação ou omissão que tem o intuito de lesionar a integridade física ou psíquica da mulher, bem como causar-lhe dano moral ou patrimonial, no ambiente doméstico, familiar ou em qualquer relação íntima de afeto. O menosprezo, é a misoginia, a aversão às mulheres e tudo o que elas representam, é tratar a mulher com desdém; a discriminação por questões de gênero é denominada de sexismo, preponderantemente se exprime através do machismo, que é suposição de superioridade de homens sobre as mulheres.

4.4.2. Majorantes ou causas especiais de aumento

A lei 13.104/2015 por oportuno, adicionou circunstâncias de aumento da pena em ao art. 121, em seu parágrafo sétimo, onde determina o aumento de pena de um terço até a metade quando o crime for cometido: I — durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; II — contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III — na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Vejamos a seguir, de forma sucinta, essas majorantes.

Como expressa Bitencourt (2018, p. 104):

Logicamente, como se trata de crime doloso, é absolutamente indispensável que o sujeito ativo (agressor) tenha conhecimento da existência dos fatos ou circunstâncias que caracterizem qualquer das majorantes elencadas, sob pena de atribuir-se lhe autêntica responsabilidade penal objetiva, que é absolutamente vedado em matéria penal.

A hipótese estabelecida no primeiro inciso do parágrafo supracitado, prevê a proteção da mulher grávida, bem como a preservação de seu estado pós-parto, em até o terceiro mês, essa atenção do legislador quanto à vida da gestante e consequentemente, a do embrião ou feto sendo irrelevante a constatação da vida uterina, é em razão do seu maior estado de vulnerabilidade. O período de trinta dias é taxativo e improrrogável.

A segunda hipótese de cabimento da causa que majora a pena é o crime ser cometido contra pessoa menor de catorze anos ou maior de sessenta anos, nesse caso, percebe-se uma exclusão das demais pessoas que não se encaixam na faixa etária definida na lei, além da questão da idade, confere-se maior proteção também àquelas pessoas com deficiência.

A última circunstância que é acolhida pela legislação no inciso terceiro, é quando o feminicídio é cometido na presença de familiares da vítima, compreendendo os ascendente e descendentes. A expressão “na presença” deve ser entendida de forma estrita como o local físico onde aconteceu o crime, não podendo ser estendida para meios virtuais de comunicação que permitem que as pessoas se vejam por meio de webcam ou câmera do celular, pois trata-se de norma penal incriminadora, vedando-se, dessa forma, a interpretação extensiva.

4.4.3. A classificação do feminicídio como crime hediondo

A Constituição Federal em seu art. 5, XLIII, atribuiu à Lei Complementar o papel de definir os crimes considerados hediondos pelo ordenamento brasileiro. Nesse sentido, foi editada e promulgada a Lei dos Crimes Hediondos n. 8.072, de 25 de julho de 1990, a qual prevê hipóteses taxativas para a sua configuração, sendo esses crimes “inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;” à luz da Carta Magna.

O crime hediondo só pode ser considerado como tal se estiver na letra da lei. “Assim, por mais grave que seja determinado crime, o juiz não lhe poderá conferir o caráter hediondo, se tal ilícito não constar do rol da Lei n. 8.072/90” Gonçalves (2018, p. 12). O legislador achou por bem, determinar de forma exaustiva crimes que por causa de sua hediondez estabelece uma maior reprovação social. O art. 1 da Lei dos Crimes Hediondos é responsável por descrê-los um a um, em seus oito incisos, e o feminicídio se enquadra no primeiro deles, juntamente com as demais qualificadoras e o homicídio praticado por grupo de extermínio.

4.5. Medidas protetivas de urgência na Lei Maria da Penha: formas de proteção à mulher e coibir o feminicídio

É de suma importância que a mulher em situação de violência doméstica tenha uma atenção especial e todo um aparato estatal para promover sua proteção e em muitos casos, a proteção de seus dependentes, com a finalidade de romper com o ciclo da violência que pode resultar no feminicídio. E com base na necessidade do suporte do Estado para com as vítimas de violência doméstica que foram elaboradas as medidas protetivas urgências.

Nas palavras de Fernandes (2015, p. 143):

E é justamente a vulnerabilidade que coloca a mulher em situação de risco de morte. A maioria das vítimas que solicita proteção não deseja o processo criminal do agressor, mas tão somente se livrar da situação de violência. Trata-se de uma relação de amor e ódio, com refúgios na fase de lua de mel, em que muitos motivos levam à retratação da vítima. Condicionar a proteção à persecução penal pode colocar a vida da vítima em risco.

Pretende-se a efetivação da proteção por medidas que tem caráter satisfativo de urgência, para assegurar a vida de mulher, bem como de seus dependentes, familiares e até possíveis testemunhas.

As medidas protetivas em caráter de urgência são regidas pelos arts. 18 ao 21 da Lei n. 11.340/06, onde atribui ao juiz o papel em um prazo de 48 (quarenta e oito) horas, conhecer, conceber, comunicar ao Ministério Público quanto tais medidas, e ainda decretar a prisão preventiva do agressor, se for o caso. Esse processo protetivo que dispõe o ordenamento jurídico brasileiro é composto por medidas protetivas destinadas ao agressor e à vítima, que estão disciplinadas nos arts. 22 ao 24 da lei em supratranscrita.

O art. 19, em seu parágrafo primeiro, reza “As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.”, caracterizando a natureza cautelar das medidas, visando coibir a violência e proteger direitos fundamentais.

Recentemente, a promulgação da Lei n. 13.827/19, trouxe mudanças na Lei Maria da Penha com a ampliação no seu art. 12-C, incisos e parágrafos. A alteração a intenção da lei é para agilizar as medidas de proteção, onde há a possibilidade de autoridades policiais determinarem a aplicação dessas medidas de urgência às mulheres ofendidas em sua integridade em locais onde não haja juiz que a faça.

4.5.1. Das medidas protetivas de urgência que obrigam o agressor

Ao apurar a situação de violência doméstica ou familiar, cabe ao juiz aplicar as medidas protetivas descritas nos incisos do art. 22, Lei n. 11.340/06, de forma separada ou cumulativamente.

Dessa forma, as medidas destinadas ao ofensor, conforme o artigo supramencionado são:

I - Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

II - Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

III - Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

IV - Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

V - Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

A lei ainda apresenta expressamente a possibilidade de aplicação de outras medidas contidas na legislação presente, a depender das circunstâncias e colocando a segurança da vítima como prioridade, essa providência deve ser comunicada ao Ministério Público. O juiz pode valer-se da força policial para garantir a efetividade das medidas, em concordância com o parágrafo terceiro. Além do mais, aplicam-se o que está disposto nos §§5° e 6° do art. 461 do Código de Processo Civil, objetivando o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz determinará providências para garantir o resultado útil do pedido considerado procedente.

A primeira medida, diz respeito à posse e porte legalmente assegurados e adquiridos por via administrativa, não se trata da posse ou porte ilegais. Por obvio, se trata de uma medida indispensável para promover a segurança da mulher, pois, a arma é um meio muito eficaz para aquele que deseja ceifar a vida de alguém, nesse sentido, o agressor que possui uma arma em casa, apresenta um risco grande à integridade da mulher.

No segundo inciso, apresenta a medida de afastamento do agressor do lar, domicílio ou local em que convive com a vítima, corroborando a imprescindibilidade da retira do homem da casa ou lugar onde tenha contato direto com a vítima, se trata de medida preventiva com a finalidade de não deixar que a violência se perpetue podendo resultar na morte da mulher.

Em Fernandes (2015, p. 154) vamos encontrar o seguinte esclarecimento:

Afastar o agressor do lar é uma decisão que envolve diversos aspectos, como os filhos e direitos patrimoniais sobre o imóvel. Antes de se adotar essa medida, pode haver a designação de audiência de justificação, o que contribui para um conhecimento mais amplo da situação e permite adotar uma decisão dotada de efetividade. Nessa audiência, o juiz tem condições de resolver questões pendentes e verificar a necessidade do afastamento na presença da vítima e do agressor.

Quando se fala no afastamento do agressor da residência ou o impedimento que lá entre, pode-se esperar que a violência não aconteça mais, pois evita a convivência com a vítima, diminuindo, destarte, a humilhação e propiciando um lugar mais tranquilo para se viver.

O inciso terceiro adota as proibições quanto ao comportamento do agressor, elencadas em três alíneas, a primeira delas visa sua impedir a aproximação da ofendida, bem como de seus familiares e testemunhas do processo, o que se busca é a preservação da incolumidade física e psíquica da vítima de violência. Ao incluir os familiares e vítimas, o legislador se preocupou com as pessoas que podem ser um meio de contato do agressor com a mulher, e pretendendo também, assegurar essas pessoas de possíveis ameaças. As formas de monitorar esse distanciamento é a tornozeleira eletrônica ou pela própria vítima.

A proibição de contato descrita na alínea b, faz referência a qualquer tipo de comunicabilidade do agressor com a ofendida, familiares e testemunhas. Diante disso, “Atinge qualquer meio de comunicação, seja pessoal, direto, telefônico, mensagens eletrônicas, mensagens de bate-papo etc.” Bianchini (2018, p. 188). O contato relaciona-se com qualquer tipo de comunicação direta por palavras faladas ou escritas, gestos ou por meio da comunicação indireta via mensagens de texto ou redes sociais.

Soma-se a isto, o que está disposto na alínea c, onde desautoriza o ofensor a frequentar determinados lugares que a vítima ou seus familiares também frequente. “O descumprimento pode ser noticiado por qualquer pessoa e, após registrado em boletim de ocorrência por desobediência, o agressor pode ser advertido ou ter sua prisão decretada.” Fernandes (2015, p. 156). Esta medida tem como objetivo é obstar novos conflitos, agressões ou humilhações públicas, os locais específicos podem abranger escola, faculdade ou trabalho.

O quarto inciso do artigo supra, diz respeito à restrição ou diminuição de visitas aos filhos menores, com o intuito de proteger esses dependentes física e psicologicamente, pois, existe uma preocupação quanto a presença desses menores em uma residência onde há violência contra a figura da mãe, bem como, quando há a suspeita ou a certeza de que os dependentes também estejam sofrendo agressões, é coerente que esse procedimento seja adotado e que haja o afastamento do agressor. Esta medida necessita de um parecer de uma equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar.

O inciso V, versa sobre a possibilidade de ser estabelecer que o agressor tenha a obrigação de prestar alimentos provisórios ou provisionais para a vítima. Sabe-se que em muitos casos onde há a violência doméstica e familiar, a mulher é o sujeito hipossuficiente da relação, sendo custeada pelo seu companheiro. No caso do afastamento do agressor do lar, a mulher precisa de meios para suprir suas necessidades vitais, bem como, a de seus dependentes, tal medida tem caráter temporário e se funda na situação de violência que a mulher se encontra.

4.5.2. Das medidas protetivas de urgência à ofendida

A Lei Maria da Penha elenca um rol de medidas destinadas à vítima em seus arts. 23 e 24, com o propósito de proteger sua integridade física, psicológica e também salvaguardar seu patrimônio, “dentre as medidas protetivas dirigidas à mulher, nenhuma delas possui natureza criminal, podendo ser cumuladas, ou não, com outras, a depender da complexidade e das peculiaridades do caso concreto.” (Bianchini, 2018, p. 195), o juiz pode determinar a adoção dessas medidas, sem comprometer outras que por ventura sejam tomadas.

Conforme do primeiro inciso do art. 23, o juiz poderá “encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento” essa medida tem o intuito de dar o suporte necessário à mulher e aqueles que dela dependam, para assegurar a efetividade da proteção à ofendida. O caráter dessa medida é social, podendo consistir na oferta de abrigo ou a inclusão nos programas sociais que ofereçam estrutura hábil para cuidar da mulher em seu aspecto psicológico, físico e financeiro.

O segundo inciso do artigo supramencionado é conexo com inciso II do art. 22 da mesma lei, aquele estabelece ao juiz pode “determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor”. Após o afastamento do agressor da residência, querendo, a vítima pode retornar ao seu lar. Para que haja resultados reais dessa medida é importante não só o afastamento e a recondução ao domicílio, mas também a proibição de aproximação do ofensor à vítima.

Já o inciso terceiro, trata do afastamento da vítima do lar, sem o respectivo prejuízo aos bens, guarda dos filhos e a obrigação de prestar alimentos. O legislador cuidou da possibilidade da saída da mulher de casa sem que isso configure abandono voluntário do lar, previsto no art. 1.573, IV, do Código Civil, resguardando o direito da ofendida em se distanciar do agressor.

O último inciso do art. 23, prevê a hipótese da separação de corpos. O Código Civil, em seu art. 1562, disciplina que a parte poderá requerer, antes de mover ação de nulidade do casamento, a de anulação ou separação judicial, de divórcio ou dissolução de união estável, a separação de corpos, comprovando devidamente a necessidade.

“A competência do Juizado de Violência Doméstica e Familiar esgota-se com o deferimento da medida, e as ações principais devem ser propostas perante as Varas de Família.” (Fernandes, 2015, p. 162). A mulher ao comprovar a sua condição de vítima de violência doméstica ou familiar, preenche o requisito necessidade descrito na lei, a possibilidade da separação de corpos tem como finalidade viabilizar o divórcio, a separação judicial, etc.

O art. 24 dispõe em seus incisos de um rol exemplificativo de medidas que o juiz poderá determinar com a intenção de tutelar o patrimônio da ofendida. As medidas são: a) à restituição de bens subtraídos de forma indevida pelo agressor; ­­b) a vedação da compra e venda ou locação de bens que são comuns ao casal, salvo se há autorização judicial; c) suspensão quanto as procurações concedidas ao agressor em nome da vítima; d) a devida caução quanto à perdas e danos que forem decorrentes da violência doméstica ou familiar. Na primeira e segunda hipótese, deve o juiz oficiar ao cartório competente.

4.5.3. A prisão preventiva como medida protetiva de urgência

Conforme o art. 20 da Lei Maria da penha, o juiz poderá decretar a prisão preventiva do agressor em qualquer momento do inquérito policial ou da instrução criminal, de ofício ou a requerimento do Ministério Público ou pela autoridade Policial.

Como ilustra Bianchini (2018, p. 203):

A prisão preventiva como medida protetiva de urgência poderá ser decretada sempre que necessária, adequada e proporcional (proporcionalidade em sentido estrito).230 Ela está prevista no art. 20 da Lei Maria da Penha, bem como no Código de Processo Penal (arts. 282, § 4o, 312, parágrafo único, e 313, III) e constitui-se exceção, devendo ser imposta em circunstâncias muito especiais.

Deve-se ter cautela ao decretar a prisão preventiva de alguém, pois trata-se de direito elementar salvaguardado pela Constituição Federal de 1988, o direito à liberdade, por outro lado, deve-se ponderar os interesses e encontrar a medida mais razoável entre os dois, no caso de violência doméstica ou familiar, a proteção da mulher deve prevalecer em detrimento do direito à liberdade do agressor.

4.5.4. As implicações da nova Lei nº 13.827/2019

Novidade quanto a aplicação da Lei Maria da Penha foi implementada pela Lei nº 13.827/2019, publicada no Diário Oficial da União, a modificação legislativa autoriza a aplicação de medida protetiva de urgência pela autoridade judicial ou policial, à mulher em situação de violência doméstica ou familiar e também prescreve que seja feito registro da medida protetiva no banco de dados do Conselho Nacional de Justiça (art. 38-A, parágrafo único).

Introduziu-se o art. 12-C na Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, passando a dispor:

Verificada a existência de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher em situação de violência doméstica e familiar, ou de seus dependentes, o agressor será imediatamente afastado do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida:

I - Pela autoridade judicial;

II - Pelo delegado de polícia, quando o Município não for sede de comarca; ou

III - Pelo policial, quando o Município não for sede de comarca e não houver delegado disponível no momento da denúncia.

Conforme a norma, ao ser verificada a existência de risco atual ou iminente à via ou integridade da mulher que se encontre em situação de violência doméstica ou familiar, bem como de seus dependentes, o agressor será afastado imediatamente da residência ou local que conviva com a vítima, e essa medida poderá ser feita através do juiz, delegado de polícia quando o município não for sede de comarca ou por autoridade policial (civil ou militar) quando o município não for sede de comarca e não houver delegado disponível .

Na lição de Nucci (2019, p. 2):

Teve a referida lei a cautela de prever a comunicação da medida ao juiz, no prazo máximo de 24 horas, decidindo em igual prazo, para manter ou revogar a medida, cientificando o Ministério Público. Nota-se a ideia de preservar a reserva de jurisdição, conferindo à autoridade judicial a última palavra, tal como se faz quando o magistrado avalia o auto de prisão em flagrante (lavrado pelo delegado de polícia). Construiu-se, por meio de lei, uma hipótese administrativa de concessão de medida protetiva – tal como se fez com a lavratura do auto de prisão em flagrante (e quanto ao relaxamento do flagrante pelo delegado). Não se retira do juiz a palavra final. Antecipa-se medida provisória de urgência (como se faz no caso do flagrante: qualquer um pode prender quem esteja cometendo um crime).

A nova lei gerou polêmica quanto a autorização da autoridade policial aplicar a medida protetiva de afastamento do agressor do lar, pois alega-se que a referida lei seria inconstitucional por ferir a reserva de jurisdição. Entretanto, não parece ser diligente alegar a reserva jurisdicional em um país onde não há uma proteção efetiva das mulheres em situação de violência, portanto, a alteração à primeira vista, parece acertada.

5. CAPÍTULO 3 METODOLOGIA

Entende-se por método todo o conjunto de regras e procedimentos que tem como objetivo a resolução de um problema ou a verificação da verdade de uma situação, nesse sentido, Mezzaroba (p. 78, 2017) conceitua o método científico como “o caminho seguido pelo cientista na persecução de seus resultados investigativos almejados”, dessa forma, pode-se concluir que o cientista utiliza o método para alcançar o conhecimento desejado da forma mais adequada.

Os métodos de abordagem mais utilizados se constituem em quatro, quais sejam, o método indutivo, dedutivo, hipotético-dedutivo e o método dialético, esses métodos dão embasamento lógico à investigação científica, sendo assim, é oportuno destacar a caracterização de cada um deles, que será feito a seguir.

  1. Método indutivo – esse método baseia-se em premissas particulares para se chegar a uma conclusão que é universal, a partir da experiência no caso concreto com a observação da realidade e análise da relação entre os fenômenos de forma individual, parte-se então para a generalização, Lakatos e Marconi (p. 40, 2017) ensinam que “o objetivo dos argumentos é levar a conclusões cujo conteúdo é muito mais amplo do que o das premissas nas quais se baseiam”, dessa forma, a finalidade do método indutivo é chegar ao conhecimento de algo que ainda não fora examinado, um conhecimento mais amplo do que aquele que está nas premissas.

  2. Método dedutivo – se contrapondo ao método indutivo, a forma de abordagem dedutiva parte de análise de um argumento geral para argumentos individuais. Está fundado também em premissas, entretanto, se as estas forem verdadeiras, logo, a conclusão deverá ser verdadeira, ainda conforme entendimento de Lakatos e Marconi (p. 53, 2017) “todo argumento dedutivo, reformula ou enuncia de modo explícito a informação já contida nas premissas”, portanto, a resposta para a questão analisada sob a égide desse método estará de forma explicita ou implícita nos argumentos anteriores, o objetivo nesse caso é a explicação do que compõe as premissas.

  3. Método dialético – sustenta-se na ideia de transformação constante das coisas, o objeto de estudo está sempre em processo de mudança, desenvolvimento. A dialética dispõe de leis fundamentais, como apresenta Lakatos e Marconi (2017), a primeira delas se funda na ideia de que todas as coisas estão interligadas e são dependentes uma das outras, essa dependência é denominada de ação recíproca, onde nenhum fenômeno pode ser encarado de forma isolada. A mudança dialética constitui a segunda lei, que é caracterizada pelos diversos processos de mudança e desenvolvimento das coisas, essa transformação ou desenvolvimento se dá por meio das contradições.

Como pontua Mezzaroba (2017, p. 100):

Para que aquilo que se mostre real e verdadeiro possa assumir essa condição plena, é necessário que seja confrontado com suas possibilidades contraditórias, ou seja, os fatores que poderiam determinar que tal coisa (pode ser uma ideia) não fosse real e verdadeira, isto é, sua antítese.

Nesse sentido, é possível a análise de determinada ideia ou objeto, quando essa tese é testada em suas contradições, o resultado do confronto entre a tese e antítese resulta na síntese que é a nova tese, esse é o método dialético hegeliano. A terceira lei apontada por Lakatos e Marconi (2017), trata-se da passagem da quantidade à qualidade ou mudança qualitativa, analisa-se a mudança de forma que a quantitativa é o aumento ou diminuição da quantidade enquanto que a qualitativa é a mudança de um estado para outro, e ainda, a mudança qualitativa sempre irá decorrer de uma quantitativa. A quarta e última lei da dialética, é denominada de interpenetração dos contrários, contradição ou luta dos contrários, entende-se a contradição como o princípio do desenvolvimento das coisas.

  1. Método hipotético-dedutivo – esse método tem como precursor Popper, onde sustenta que tal método deriva de três etapas essenciais, a primeira delas é o problema que é o ponto de partida do pesquisador que irá investiga-lo no decorrer de sua pesquisa; a segunda fase é a conjecturas que se caracterizam por serem respostas provisórias, uma nova teoria, um enunciado prévio ao problema encarado, e por último, submete-se a teoria ao falseamento ou refutabilidade, que tem o objetivo de corroborá-la ou refutá-la, por meio da observação e experiência.

A partir da análise de cada método, faz-se necessário definir o que se entende por metodologia, de acordo com o conhecimento partilhado por Bittar (2016, p. 49 - 50), existem duas metodologias:

A primeira, identificada como lógica formal, constitui a ciência do raciocínio; trata-se de uma parte da lógica que busca o conheci- mento dos modos pelos quais se organiza e se exerce o pensamento em geral, e, em especial, o pensamento jurídico. [...] A segunda, a metodologia da pesquisa jurídica, identificada como praxiologia da pesquisa jurídica, identifica-se com a busca dos meios pelos quais se pode alcançar conhecimentos e resultados científicos validamente; trata-se de uma parte da metodologia científica geral, voltada para o setor das pesquisas jurídicas e de suas peculiaridades. Assim, metodologia tem que ver com a dimensão da busca científica por meio de fontes de estudo para o alcance de resultados científicos; trata-se de um conhecimento sobre os métodos (caminhos) e os meios de praticar ciência.

A metodologia jurídica se dedica a conhecer o raciocínio jurídico e suas particularidades e deriva da metodologia científica, dedicando-se a conhecer a prática da ciência e como alcança-la através dos métodos científicos, já a lógica jurídica é voltada para o pensamento jurídico e suas particularidades, Bittar (2016).

5.1. Lócus da pesquisa

O enfoque utilizado na presente pesquisa foi o qualitativo, esse tipo de abordagem tem como finalidade a exploração, descrição ou entendimento de determinado problema, preocupa-se com a compreensão de determinado fato no contexto em que acontece. Difere-se da abordagem quantitativa que objetiva a explicação e previsão do problema, bem como, a utilização de dados numéricos.

Conforme o entendimento de Lakatos e Marconi (2017, p. 295):

A abordagem qualitativa difere da quantitativa não apenas por não empregar instrumentos estatísticos, difere também pela forma como se realizam a coleta e a análise dos dados. A primeira preocupa-se em analisar e interpretar aspectos mais profundos, descrevendo a complexidade do comportamento humano. Fornece análise mais detalhada sobre investigações, hábitos, atitudes, tendências de comportamento etc. Enquanto na abordagem quantitativa o pesquisador se vale de amostras amplas e de informações numéricas, na qualitativa as amostras são reduzidas, os dados são analisados em seu conteúdo psicossocial e os instrumentos de coleta não são estruturados.

A principal ferramenta de análise dos dados na abordagem qualitativa, é o próprio pesquisador, o conhecimento é obtido por meio da interpretação de números e textos, tem cunho subjetivo, enquanto que na abordagem quantitativa empregam-se ferramentas matemáticas ou técnicas estatísticas para que se possa mensurar numericamente as relações e os dados coletados.

A presente pesquisa foi realizada na 1ª Delegacia de Polícia da Mulher – Recife, que é localizada na Rua do Pombal, s/n, Praça do Campo – Santo Amaro, o horário de atendimento é das 07h às 18h, Telefone: (81) 3184-3359. As Delegacias de Polícia Especializadas no Atendimento À Mulher são unidades que visam atender mulheres que são vítimas de violência doméstica e familiar, conforme versa a Lei Maria da Penha.

5.2. Participantes da pesquisa

A primeira pessoa entrevistada foi Bruna Cavalcanti Falcão, delegada da primeira DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher), com endereço profissional na Rua do Pombal, s/n, Praça do Campo – Santo Amaro, Recife – PE.

A segunda entrevistada foi R. S. L., dona de casa, residente no bairro da Macaxeira.

5.3. Produção e análise dos dados

Quando se iniciou o trabalho de pesquisa, constatou-se que a taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior no mundo, no ano de 2015 a Lei 13.104 tipificou o feminicídio como uma qualificadora do homicídio, aumentando as penas previstas no Código Penal, nesse sentido, havia uma necessidade de aprofundamento maior no tema tendo em vista que, apesar da nova lei incriminadora, os casos de assassinato de mulheres pela condição do sexo feminino, não diminuíram e por isso a importância estudar sobre o feminicídio e sua relação com a violência doméstica.

Em 8 de junho de 2019, me dirigi ao Centro de Ciências Jurídicas (CCJ) localizado no bloco G da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), entrei em contato com Ana Lúcia, Auxiliar Administrativo, solicitei por meio de requerimento a autorização para realizar a pesquisa de campo junto a Primeira Delegacia da Mulher, após recebida a autorização por meio da diretoria do Centro de Ciências Jurídicas em forma de Ofício de número 046/2019, me conduzi até a delegacia supramencionada em 02 de agosto de 2019, onde entrei em contato com o Setor Administrativo para que levassem a conhecimento da delegada o ofício e que fosse autorizada a realização da pesquisa.

Após contato direto com a delegada por meio telefônico, foi marcada a entrevista para o dia 13 de agosto de 2019, ao chegar à delegacia, me dirigi a sala da delegada Bruna Cavalcanti Falcão que me concedeu entrevista gravada, ao final da entrevista, solicitei que a delegada assinasse a carta de aceite que se trata de um documento que o entrevistado assina após a concessão da entrevista, procedi com a entrevista direcionada à vítima de violência doméstica, que por razões pessoais não quis ser identificada, portanto, será nomeada apenas por suas iniciais.

A entrevista é uma técnica de pesquisa utilizada para obter perspectivas e experiências da pessoa que é entrevistada, conforme Lakatos e Marconi (2017, p. 337) “a entrevista é definida como técnica utilizada pelo pesquisador em que ele se põe frente a frente com o investigado e lhe faz algumas perguntas, objetivando recolher os dados de que precisa para a realização de sua pesquisa”, a presente entrevista foi estruturada de forma prévia com perguntas para buscar as informações imprescindíveis para atingir o objetivo final da pesquisa.

As informações apresentadas a seguir são resultado de uma pesquisa de campo, com abordagem qualitativa através de entrevista semiestruturada, que é aquela onde o entrevistador tem uma maior liberdade para realizar os questionamentos e desenvolver o tema da forma que melhor atenda ao seu objetivo, de acordo com Lakatos e Marconi (2017), a entrevista realizada foi gravada e concedida pela delegada de polícia Bruna Falcão e pela vítima de violência doméstica, ambas as entrevistas foram oficialmente consentidas, transcritas e analisadas, os dados foram ordenados a partir de perguntas do roteiro semiestruturado.

ENTREVISTA 1

Data: 13 de agosto de 2019

Duração: 45 minutos

Em entrevista com a delegada Bruna Cavalcanti Falcão, inicialmente problematizei quanto ao impacto do patriarcado de forma cultural e histórica e sua a parcela de culpa nas diversas formas de discriminação e violência contra a mulher.

Resposta: Bom, o patriarcado é o nascedouro das diversas formas de discriminação e violência contra a mulher, a gente tem uma cultura ainda muito machista, uma cultura de enxergar o feminino como menor, de enxergar a mulher como uma subcategoria de ser humano e essa cultura foi expressada inclusive nas leis, nas políticas de Estado durante muito tempo, tem situações aberrantes como por exemplo a mulher, ela só tinha direito a ter CPF (Cadastro de Pessoas Físicas), ela só passou a ter CPF sozinha a partir de 1962, sessenta anos atrás, antes de 62, ela nascia sem CPF e a partir do casamento ela assumia o CPF do marido, a gente tinha também até o começo do século passado causas supralegais da exclusão de ilicitudes das condutas, como por exemplo o feminicídio que a gente encara atualmente, morrer pela condição de ser mulher, a gente tinha uma supralegal de exclusão da ilicitude conhecida como legítima defesa da honra, se o marido chegasse em casa e encontrasse sua mulher traindo de alguma forma com outro homem ou outra mulher, enfim, ele tinha direito a matá-la porque era legítima defesa de sua honra. Existia até muito pouco tempo atrás, existia também o que se considerava direito do marido sobre o corpo da mulher, manter sexo a hora que ele quisesse porque era obrigação conjugal, então se a mulher não quisesse transar e ela estivesse numa relação conjugal ou numa união estável ela tinha a obrigação de fazer sexo porque era direito do homem, era dever conjugal, e isso hoje também não é aceito, o corpo da mulher a ela pertence, não pertence ao seu marido, ao seu companheiro, é uma luta de muitos anos do movimento feminista, da sociedade em geral para desconstrução dessa cultura que tem reflexos diretos na nossa situação de violência, o homem não aceitar o fim do relacionamento, o homem ter uma postura de dominação, uma sensação que ele é proprietário daquela mulher, então todas essas questões têm raiz de fato no patriarcado, na cultura machista que se construiu a partir dela.

A partir dessa constatação, podemos observar o que foi descrito no Capítulo I do presente estudo quando tratei sobre o patriarcado e sua forma de preservar as desigualdades e da violência de gênero, que de acordo com Narvaz e Koller (2006, p. 51) “as diversas formas de discriminação e de violência contra as mulheres são manifestação de relações de poder historicamente desiguais”. A mulher, historicamente, sempre esteve vinculada à figura masculina, ou seja, enquanto solteira, a mulher é vinculada à figura do pai e quando contrai matrimônio, é vinculada à figura do marido, essa forma de estrutura familiar proporciona uma visão de inferioridade da mulher em relação ao homem, o que legitimou, segundo as supramencionadas autoras, o controle dos homens sobre as mulheres, sobre seus corpos, sexualidade e autonomia.

Questionada acerca do ciclo da violência e sua dinâmica, a entrevistada fez o seguinte esclarecimento:

Resposta: Bom, o ciclo da violência, a gente na prática, claro que cada caso é um caso e cada situação de violência que a gente apura numa unidade policial tem suas particularidades, mas a gente encontra um fio condutor que se repete na maioria dos casos que a gente enxerga aqui que a violência doméstica e familiar contra a mulher, ela se manifesta de maneira cíclica, através de ciclos que vão se repetindo, e as três fases do ciclo que a gente enxerga, bem marcadas, são basicamente as seguintes: a gente começa com a tensão constante no relacionamento, começa a crescer uma tensão, não tem outro nome, um receio daquela mulher que vê o homem chegando em casa mais irritado, o tom das conversas começa a ficar mais agressivo, ela fica com medo dele chegar em casa e a comida não estar pronta, porque ele pode agredi-la, e ela vive nesse movimento de expectativa constante de uma possível agressão a acontecer. O segundo momento é o momento da eclosão da violência aguda, que ele é de fato a ameaça, ou a agride fisicamente, ou a agride verbalmente, tem uma explosão e acontece aquele momento de violência aguda. Após esse momento, a terceira fase do ciclo da violência costuma ser a lua-de-mel, ele se arrepende daquele de fúria, ele diz que perdeu a cabeça, não sabe como fez aquilo com a mulher da vida dele, com a mãe dos filhos, às vezes esse momento de lua-de-mel começa aqui na delegacia, ele é trazido pela polícia, chega aqui ele começa a chorar, pede perdão, diz que não sabe como é que fez isso e aí eles passam um período nessa lua-de-mel, na reconciliação, experimentando a delícia de se reconciliar e aí depois esse fulgor dessa reconciliação vai amassando, e aí ela volta para aquele outro estágio da tensão no relacionamento, às vezes até ela cria esse movimento de achar que ele se regenerou, que ele está tão bonzinho na fase da lua-de-mel que se ela fizer uma coisa que venha a irritá-lo, ela vai ser a culpada pelo momento da eclosão da violência aguda. Cada vez que esse ciclo se repete, essa mulher fica mais só, porque da primeira vez que acontece a eclosão da violência, ela pede ajuda da vizinha, pede ajuda da mãe, e aí quando ela se reconcilia, pela fase da lua-de-mel e torna a conviver com esse agressor, talvez uma amiga não queira mais ajuda-la no segundo episódio de violência, aí ela recorre a outra amiga e cada vez que isso vai se repetindo esse ciclo vai se retroalimentando e ela vai ficando cada vez mais só. A gente experiencia também na prática é que a violência contra a mulher, o feminicídio nunca é um ato isolado, normalmente é o cume de uma cadeia de violências que se repetiram dessa maneira cíclica e que esse relacionamento violento nunca foi interrompido e culminou no feminicídio.

O ciclo da violência se trata de uma série de acontecimentos e atos continuados que geram desde a tensão no relacionamento até o efetivo ato de violência, e ainda a reconciliação das partes até que inicie-se de novo a fase da tensão, como ensinado por Bianchini (2018, p. 153) “não obstante as variáveis (circunstâncias da vida do casal), já se constatou que a repetição cíclica das etapas tende a fazer com que a agressão seja cada vez mais grave e habitual”, nesse sentido, com o aumento gradativo das agressões é notório que a possibilidade de culminação em feminicídio, não sendo esse ciclo interrompido, é uma consequência previsível

A próxima indagação foi feita com o intuito de obter respostas aos casos em que as mulheres não conseguem se afastar do agressor e dar um fim ao relacionamento abusivo em que vivem.

Resposta: Vários fatores levam uma mulher a permanecer em situação de violência, a gente vê mulheres com dependência econômica, isso é muito impactante, o agressor é o provedor do lar, às vezes ela tem filhos, ela não tem condições de deixar as crianças com outras pessoas para trabalhar, ela não tem equipamento de creche, isso com facilidade, à disposição. Às vezes ela se afastou do mercado de trabalho para ser mãe, então ela tem dificuldade de retornar, mas não só a dependência econômica, que isso pode ser suprido, de repente, com uma pensão que ele possa pagar para as crianças, mas não é só a dependência econômica, a gente vê muitas mulheres tem dependência psicológica, de fato, daquele agressor, muitas mulheres são submetidas, são criadas imersas numa cultura de que uma mulher sozinha é uma mulher encalhada, abandonada, se ela deixa aquela relação. Durante muito tempo, na edição da lei do divórcio, a mulher desquitada era um xingamento, então existe ainda essa cultura de que um homem solteiro é o que sabe viver. Tem até aquelas brincadeirinhas que a gente vê – que eu acho bem deselegantes e desnecessárias – em casamento, do bonequinho com a corda, o bonequinho do homem sempre com a corda no pescoço, “game over” no sapato, para a mulher é a salvação dos problemas dela, a redenção da mulher é ser uma mulher casada, então, porque existe uma cultura de que a mulher só é bem sucedida se ela estiver em um relacionamento, enquanto que o homem, ele sempre vai ser enforcado, “game over” com o casamento, então vários fatores levam a mulher a permanecer em um relacionamento abusivo. Existe um ditado que dizia “ruim com ele, pior sem ele”, então é um trabalho de décadas de construção de uma cultura de que uma mulher só, independente, pode ser uma mulher feliz. O feminismo preconiza que não é que a mulher dona de casa, casada, seja um modelo satânico a ser destruído, não, a gente quer, na verdade, o movimento feminista, que as mulheres possam escolher o que elas querem ser, então se elas querem ser sozinhas, independentes, trabalhar fora, nunca se casar, ótimo. Se ela não quiser ser mãe, ótimo. Se ela quiser ser mãe e dona de casa, ótimo também. O que a gente espera no movimento feminista é que a mulher tenha liberdade de escolha, que ela tenha um leque de opções que sejam todos igualmente valorizados e que seja feliz com suas escolhas, é basicamente isso.

De acordo com o conhecimento de Marques (2005, p. 225), sobre as mulheres que decidem permanecer em um relacionamento abusivo:

Acreditam que sem o parceiro terão uma vida triste e solitária, que sentirão um vazio e sofrerão muito, não acreditam que conseguirão viver sem ele. De acordo com o relato de algumas entrevistadas o rompimento não seria positivo, pois elas ainda o amam e emocionalmente a separação para elas, se tornará muito dolorosa.

Entretanto, no estudo realizado por Tânia Mendonça Marques para sua dissertação de mestrado (2005) tendo em vista as mulheres que permanecem em relacionamentos abusivos, a maioria delas optaram pela possibilidade de romper com o relacionamento, como pode ser visualizado a seguir:

A crença em uma vida digna (66,2%) apareceu de modo destacado na fala das mulheres que acreditam que terão prazer de viver, poderão ser alguém na vida, que terão paz, que terão sossego para dormir, que serão livres e não prisioneiras, que poderão conversar com as pessoas, terão alegria, serão felizes, terão uma vida normal e tranquilidade para obter algumas realizações. Essas mulheres pretendem voltar a estudar, realizar cursos em diversos níveis, arrumar emprego ou continuar trabalhando, aprender a dirigir automóvel e viver a vida com os filhos. Algumas dessas mulheres se dizem traumatizadas com a violência do parceiro, razão pela qual relatam não pretender mais namorar ou ter outros relacionamentos.

Como pode ser observado são vários os fatores que contribuem para que as mulheres permaneçam em uma relação violenta, as principais razões apontadas pela entrevistada foram a dependência financeira e a psicológica. A dependência econômica é relacionada ao fato do homem, por vezes, ser o único provedor de sustento da família, casos em que a mulher não trabalha fora, apenas vive em função da casa e dos filhos; a dependência psicológica diz respeito ao apego emocional da mulher em relação ao seu agressor, em geral, a mulher ainda acredita em algum tipo de mudança da parte de quem a agride, o agressor cria um ambiente onde a mulher se sente dependente psicologicamente dele.

Acerca do tipo de atendimento que as autoridades policiais e o Estado propiciam para as mulheres em situação de violência, foi perguntado se, de alguma forma, o tipo de acolhimento leva a mulher a desistir de prosseguir com a queixa.

Resposta: Sim, isso é realmente lamentável e é uma coisa que precisa ser combatida, a gente aqui na cidade do Recife (PE), infelizmente, a gente só tem uma Delegacia de Atendimento à Mulher para uma demanda de 3 (três) milhões de habitantes que é a cidade do Recife, enquanto a gente tem municípios menores até como João Pessoa (PB), no vizinho estado da Paraíba, tem duas delegacias de atendimento à mulher e a cidade de João Pessoa é bem menor que a cidade do Recife. A gente passa por esse tipo de dificuldade, sim, de a mulher precisar esperar muito tempo para registrar a ocorrência, as equipes são pequenas, a demanda é muito grande e existem ritos de burocracia, que isso é inevitável, é intrínseco ao Estado, a gente precisa seguir determinados procedimentos, a burocracia é inevitável, então isso realmente é uma postura a se lamentar e é sim um fator de desencorajamento para as mulheres em situação de violência. Eu costumo dizer que uma mulher em situação de violência ela precisa transpor duas montanhas antes de procurar ajuda, a primeira montanha é ela se reconhecer em situação de violência, eu trabalhei durante muitos anos no interior do estado, trabalhei especificamente com violência doméstica e familiar contra a mulher no município de Vitória de Santo Antão (PE), durante seis anos e lá existe uma cultura muito forte que aqui no Recife é mais diminuída, mas no interior ainda é muito forte, no sentido de que só se reconhece em situação de violência quando o agressor “tira sangue dela”, isso é uma expressão bem vitoriense, “não, mas ele nunca me tirou sangue”, então aquela mulher que é cotidianamente acordada com agressão verbal, com xingamento, ameaça, que ela a empurra, que ele subtrai dinheiro dela todos os meses, que enfim, que ela a persegue, todas essas situações de violência, ela não consegue enxergar a si mesma como uma mulher em situação de violência até que ele dê uma surra nela para tirar sangue, então essa primeira montanha que ela transpõe quando ela finalmente se reconhece em situação de violência, ela se informa, e se vê “é, eu ‘tô’ vivendo um relacionamento violento”, é a primeira montanha que ela precisa transpor. A segunda montanha é “certo, eu ‘tô’ vivendo um relacionamento violento eu preciso denunciar meu agressor e pedir ajuda”, porque não é um agressor qualquer, é o marido, é o pai dos filhos, é o irmão, é o pai, então, são pessoas com quem ela tem vínculo de afeto ou vínculo doméstico ou vínculo familiar e que, de certa forma, ela tem um sentimento, uma convivência, ou planos, expectativas, enfim, existe um vínculo além do vínculo violento entre a mulher em situação de violência e seu agressor, que pode ser uma agressora também, mas eu sempre falo agressor porque a maioria dos casos que a gente experimenta de violência doméstica contra a mulher, infelizmente, são praticados por homens. E aí quando ela transpõe essa segunda montanha que ela precisa dar um basta, ela não aguenta mais, ela quer procurar ajuda e sim, com todas as consequências que isso vai advir para o seu agressor, que é uma pessoa com quem ela tem vínculo, se ela transpõe essas duas montanhas e chega numa unidade policial e não é bem atendida e não recebe um atendimento de excelência, dificilmente ela voltará, dificilmente ela dará prosseguimento, às vezes ela irá embora sem nenhuma providência, então sim, é uma providência que o Estado tem que atentar, tem que melhorar, não só o quantitativo de Delegacias da Mulher que ainda é pouco, em Recife, como eu já falei, só tem uma e tem mais 10 (dez) espalhadas no Estado, mas há muitos municípios de Pernambuco que sequer tem Delegacia de Atendimento à Mulher, como também a formação dos próprios policiais que são alocados numa Delegacia de Atendimento à Mulher. Eu acho engraçado porque, às vezes, os nossos policiais tem uma postura machista, eu também tenho postura baseada no machismo porque a gente foi criado nessa cultura, a gente não veio de Marte, lá, criado isolado do machismo e foi colocado numa Delegacia de Atendimento à Mulher, a gente, foi todo mundo criado nessa cultura, nesse contexto e é uma luta diária, a desconstrução das ideias machistas e o acolhimento à mulher em situação de violência com excelência.

O tipo de acolhimento é fundamental para que haja, portanto, o encorajamento da mulher e não o contrário. Conforme descreve Fernandes (2015, p.125) “no momento em que decide falar, quebrar o silêncio, a vítima tem de enfrentar seus próprios sentimentos, pressões familiares, medos e incertezas. E nem sempre é bem acolhida pelos órgãos públicos”, nesse mesmo diapasão, pode-se afirmar que o tratamento que a mulher vítima de violência recebe nos órgãos como a delegacia, torna-se elemento decisivo para que ela se sinta à vontade para denunciar a violência que sofre e dar continuidade aos atos posteriores, como o pedido de uma medida protetiva, por exemplo.

Fernandes (2015, p. 130 – 131) ainda explica que:

Ante a ausência de capacitação interdisciplinar, muitas autoridades públicas desconhecem o complexo fenômeno da violência doméstica e os fatores que levam uma vítima a desistir. Assim, tem-se a falsa noção de que o fato não é tão grave ou de que a vítima não está numa situação de risco. Ações como: não efetivar o registro do boletim de ocorrência, orientar a vítima para que reflita melhor antes de representar e a tentativa de conciliação da vítima com o agressor são posturas contra a lei.

O despreparo das autoridades pode fazer com que a mulher se sinta desencorajada para prosseguir com a representação.

Quando a mulher finalmente decide que é hora de dar um basta na violência que sofre e decide denunciar o agressor, é um ato de coragem. Entretanto, há mulheres que, posteriormente, voltam atrás e retiram a queixa prestada, não querendo dar continuidade ao procedimento, nesse sentido, é importante entender quais as razões que levam a mulher a tomar essa postura.

Resposta: Por todos os motivos que a gente já falou nessa breve conversa, ela tem um vínculo de afeto, ela tem um vínculo de família, um vínculo doméstico, existe uma relação para além da relação violenta, existe uma cultura de imputar a culpa à mulher em situação de violência quando ela busca ajuda porque “ah, você vai colocar seu marido na cadeia”, certo, mas ele está indo para a cadência por quê? Por que ela buscou ajuda ou por que ele praticou um crime? Eu já tive uma experiência negativa em Vitória de Santo Antão (PE) quando era delegada de lá, a gente funcionava num complexo – funciona até hoje na verdade – em que há várias delegacias, e com o pessoal da minha equipe é tranquilo, o pessoal não tinha esse hábito de desencorajar denuncia, desencorajar que a mulher procurasse ajuda, mas isso é muito comum em muitas delegacias, aí aconteceu uma situação de uma moça que ela procurou ajuda, o irmão tinha acabado de ameaçá-la, a gente buscou o irmão, ele estava sendo autuado em flagrante e o policial de outra delegacia perguntou o que ela estava fazendo ali e ela contou e aí esse policial falou “mas rapaz, como é que tu vai fazer um negócio desse com teu irmão?Tu já parasse para pensar no teu irmão, no que ele vai sofrer no presídio?” e aí essa moça chegou desesperada no cartório chorando dizendo “não quero mais, não quero mais, eu não quero que aconteça isso com meu irmão”, então isso existe muito ainda, essa culpabilização da mulher, quando o agressor, na verdade, está naquela situação porque ele procurou, porque ele praticou um crime, uma contravenção, então é uma luta diária para que a gente não desestimule essas mulheres, seja o mal atendimento, seja pelas condições precárias de atendimentos, seja por uma fala machista que um policial ou uma policial direciona a essa mulher é uma luta que a gente precisa travar diariamente.

Assim sendo, a mulher tende a não prosseguir com queixa por questões de várias naturezas, pressão familiar, a culpabilização da vítima, o medo de que se levar isso a diante irá sofrer consequências piores.

Segundo Jong, Sadala e Tanaka (2008, p. 7):

As mulheres que inicialmente reagem, tentam defender-se; e, depois de tomar pé da sua realidade, terminam por ajustar-se à situação, se desejarem mantê-la. Nesta perspectiva, desvelam-se essencialmente 2 situações diversas: 1) a situação na qual a mulher é agredida registra queixa contra a agressão, afasta-se do agressor e, ainda assim, retira a sua queixa; 2) e a outra situação, na qual a mulher é agredida, registra a queixa, continua ao lado do agressor e retira a queixa - compreendendo-se, nesta condição, que, ao continuar junto ao marido, avalia ser inviável manter um litígio legal contra ele, o que impossibilitaria manter a relação familiar.

No ponto de vista das mulheres que decidem continuar com o agressor após ter sido vítima de violência, muitas decidem retirar a queixa por acharem que o convívio não seria pacífico ou se tornaria difícil se elas continuassem com a representação.

Perguntada sobre qual o tipo de violência descrito na Lei Maria da Penha são os mais registrados na delegacia em que atua, a entrevistada identificou três de maior incidência.

Resposta: Os nossos campeões de audiência são: ameaça, é o mais registrado, ameaça por violência doméstica; os crimes contra a honra, principalmente injúria por violência doméstica e lesão corporal por violência doméstica. Quando a gente vê registros de ameaça em maior número que os registros de lesão corporal, pra gente é um enfoque que a gente muitas vezes lê – só um parênteses – dificilmente essas mulheres que registram, seja ameaça, seja lesão, seja injúria, qualquer tipo de crime por violência doméstica e familiar ou contravenção penal, que a gente também registra, qualquer ilícito praticado em contexto de violência doméstica e familiar, dificilmente, eu ousaria dizer que quase a totalidade dessas mulheres não está em seu primeiro episódio de violência, ela já viveu outros episódios de violência de diversas naturezas anteriores e aí finalmente ela transpôs aquelas duas montanhas que conversamos anteriormente e veio buscar ajuda, mas isso quase nunca acontece num primeiro episódio, mas enfim, voltando para as naturezas, a ameaça, a gente enxerga até como vitória, que a gente tenha um número de ameaças maior que o número de lesão registrado porque significa que elas tem vindo romper o ciclo antes de serem efetivamente lesionadas, normalmente a violência doméstica é uma crescente, dificilmente o primeiro ato de violência é físico, dificilmente o primeiro ato de violência é feminicídio, é uma violência letal. Normalmente os atos de violência começam com violência verbal, com desconstrução da autoestima, com agressões morais, e aí eles vão numa crescente, então quando a mulher interrompe esse ciclo quando ele chega ainda no estágio da ameaça, antes dela ser efetivamente lesionada, antes dela efetivamente perder a vida, isso já é uma vitória.

Isso posto, observa-se que sendo o registro de ameaça maior até que o registro de lesões corporais por violência doméstica, significa que existe uma tendência a que as mulheres comecem a denunciar logo quando recebem a intimidação do agressor, antes que haja, de fato, uma lesão física ou a destruição da vida. Conforme dados coletados no Setor Administrativo da 1ª Delegacia de Polícia da Mulher, de janeiro de 2019 até o mês de julho, foram concedidas 1.953 (mil novecentos e cinquenta e três) medidas protetivas.

Adentrando na problemática do feminicídio, perguntei a respeito do que podemos entender sobre o assassinato pela condição de sexo feminino e a qual o motivo de ser considerado um crime de ódio.

Resposta: O feminicídio é uma modalidade de homicídio qualificado que é o crime de ódio letal, homicídio, de ódio à condição do sexo feminino, no projeto de lei original, que é uma alteração do código penal, que inseriu essa modalidade de homicídio qualificado, no projeto original inclusive via que era um homicídio motivado pela condição de gênero, mas aí houve grande resistência da bancada evangélica e essa questão por condições de gênero foi suprimida, até porque, poderia abarcar com mais facilidade as mulheres “trans”, por exemplo, mas isso foi suprimido e foi expresso no Código Penal que é um homicídio contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, essa mulher morreu pela condição de ser mulher, apenas pela condição de ser mulher, o código a princípio ele explicita, explica o que é, na verdade, art. 121, parágrafo segundo, inciso VI, “matar alguém” e aí o parágrafo segundo “o homicídio é cometido:” sexto “contra a mulher por razões da condição de sexo feminino”, e aí ele tem um parágrafo explicativo do que seria essas razões da condição do sexo feminino e no inciso primeiro diz que é violência doméstica “considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve” inciso I “violência doméstica e familiar” ou inciso II “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, esse inciso primeiro, particularmente, os dois são muito importantes, mas o inciso primeiro é, de certa forma, uma resposta social até a desconstrução do crime de ódio contra a mulher que existia muito, por força do patriarcado, no tribunal do júri, antes da inserção da qualificadora, antes da inserção da qualificadora do feminicídio, acontecia muito na prática do homem, chegou em casa e, enfim, discutiu com a mulher por uma razão banal e chegou a matá-la e as pessoas vão responder aos quesitos e o julgador, o juiz ou a juíza que vai sentenciar o réu está atrelado aqueles quesitos que são levados ao júri, então quem responde ao júri e o juiz ou a juíza faz somente a dosimetria com base no que veio do tribunal do júri e isso acontecia em quase a totalidade dos casos, chegava como motivo fútil até a pronúncia, a sentença de pronuncia e quando ia pro júri, o júri derrubada a qualificadora e terminava sempre em homicídio simples. Então esse inciso sexto com essa explicação de violência doméstica e familiar veio amarrar, veio ser uma qualificadora de ordem objetiva pra dizer “matou em contexto de violência doméstica e familiar, não interessa qual foi o motivo, se fútil, se torpe, é um homicídio que merece ser reprovado com maior severidade, é um homicídio qualificado”, e o segundo também é muito importante, é o menosprezo ou discriminação à condição de mulher, é mais uma modalidade de crime de ódio legítima, nesse inciso segundo não precisa haver vínculo de família, não precisa haver vínculo de afeto, a gente teve um exemplo de feminicídio do inciso dois com aquela fisioterapeuta, que ela foi morta no flat em Boa Viagem (PE), aquele foi um feminicídio tipicamente do parágrafo segundo A, inciso II, porque ele era casado, inclusive, vizinho de porta dela, e ele investiu nela em determinado momento e ela não quis, e ele afrontado em sua masculinidade porque uma mulher não quis manter relações sexuais com ele, terminou por matá-la, então é uma modalidade de homicídio qualificado que precisa ser tratado, de fato, com mais severidade porque é um homicídio por crime de ódio apenas pela condição de ser mulher, e a gente tem aqui no estado de Pernambuco uma estatística que é alarmante, a gente tem dos homicídios de mulher apurados no estado, normalmente um terço deles são classificados como feminicídio, o que significa que um terço das mulheres do estado morrem apenas por ser mulher, que a gente não verifica, na prática, com os membros do sexo masculino, os humanos do sexo masculino, não morrem pela condição de ser homem apenas, o ambiente mais perigoso para a mulher é dentro de casa, no ambiente doméstico, enquanto o homem em vários espaços públicos e ali é perigoso para ele, para a mulher também é perigoso, mas o ambiente doméstico que para o homem é o refúgio, é a tranquilidade, para a mulher é um ambiente letal muitas vezes.

Por conseguinte, alcancei o meu objetivo geral em apresentar o feminicídio como uma inovação do Código Penal, expondo sua importância no contexto social brasileiro, como aponta Fernandes (2015, p. 72) “por se tratar de nova lei com conteúdo incriminador, é irretroativa. Os fatos ocorridos em data anterior à vigência são regidos pelo Código Penal”, logo, nos termos da Lei no 13.104/2015, a qualificadora tem incidência apenas nos fatos ocorridos a partir de sua vigência.

Ao analisar a necessidade da criação de uma nova qualificadora para o homicídio, em razão especial do sujeito passivo do crime, questiona-se sobre a real necessidade de distinguir o homicídio do feminicídio.

Resposta: Sim e é basicamente a razão que fundamentou a edição dessa norma penal incriminadora para qualificar o homicídio porque é muito desprezível, é mulher morrer pela condição de ser mulher, é uma modalidade muito mais gravosa de homicídio, precisa ser reprimida com mais severidade porque é um crime de ódio direcionado apenas pela condição de ser mulher e isso precisa ser desestimulado de certa forma, a lei que editou o feminicídio ela veio de uma CPMI (Comissão Parlamentar Mista de Inquérito) do Senado que fez um balanço da Lei Maria da Penha, iriam fazer dez anos da Lei Maria da Penha e eles constataram que houve muitos ganhos com a edição da Lei Maria da Penha, começou a se discutir mais violência doméstica, hoje é muito difícil encontrar uma pessoa que nunca tenham ouvido falar na lei, muitas pessoas não tem intimidade com o Direito e não sabem minucias da lei, do que se trata, mas é difícil uma pessoa hoje que não tenha ouvido falar na Lei Maria da Penha, da luta dessa mulher que foi até organismos internacionais para ver a violência doméstica ser tratada com severidade no país, mas dessa CPMI do Senado se concluiu que a despeito de ter se ganho essa discussão, essa conscientização da população de que violência não é normal, de que isso precisa ser combatido, a violência letal não foi significativamente reduzida nos últimos anos, pelo contrário, a das mulheres brancas foi reduzida, mas o homicídio de mulheres pretas só aumentou, a Lei Maria da Penha não teve nenhum impacto positivo na proteção da vida das mulheres pretas, das negras, na verdade, pretas e pardas, e – na minha opinião, na minha modesta opinião – essa ação isolada não reprime de maneira eficaz o genocídio de mulheres pretas e pardas, mas é uma medida que era mais imediatista e isso leva tempo, o congresso nacional entendeu por apresentar esse projeto de lei para tratar com mais severidade, tratar como crime hediondo, homicídio qualificado. É uma coisa que precisa ser enfrentada com mais severidade porque ela (mulher) morre não nas mesmas condições do homem, ela morre apenas por ser mulher, o homem morre associado a criminalidade, a crime contra o patrimônio, a briga de tráfico, briga de trânsito, até o próprio machismo também, porque os homens também sofrem muito em consequência do machismo, mas a mulher ela, um terço dessas mulheres que perderam a vida aqui no Estado de Pernambuco nos últimos anos, em média, desde a edição da Lei do Feminicídio, a gente tem esse controle mais aproximado, em média um terço dessas mulheres morreram apenas pela condição de ser mulher, então isso precisa ser enfrentado, é uma endemia, que precisa ser enfrentada com severidade.

Conforme entendimento de Nucci (2019, p. 46):

Em verdade, não significa o termo “homicídio” apenas eliminar a vida do homem, mas do ser humano, vivente no Planeta Terra. No entanto, diversas normas foram editadas ao longo do tempo, com o exclusivo objetivo de conferir maior proteção à mulher, em face da nítida opressão enfrentada quando em convívio com alguém do sexo masculino, como regra.

Destarte, o feminicídio é uma forma de tutela mais especial, a vida da mulher e uma forma de oferecer uma maior reprovabilidade, considerando ser um fato mais gravoso o ato de matar uma mulher por sua condição de sexo feminino, nesse sentido, o objetivo de problematizar o feminicídio sendo uma inovação legislativa positiva foi atingido.

Foi colocado em pauta a questão da alteração legislativa trazida pela Lei 13.827/2019, onde autoriza que a autoridade policial aplique a medida protetiva, levando em consideração a realidade das mulheres em situação de violência no Brasil, seria essa mudança um avanço?

Resposta: Olha, na minha opinião ela é muito tímida, essa inovação legislativa, antes dessa lei existia uma outra anterior que previa a concessão de medidas protetivas de urgência pela autoridade policial sem as restrições da atual – deixa eu explicar – na verdade, a atual diz o seguinte: a autoridade policial vai conceder a medida protetiva apenas naqueles locais onde não é sede de comarca, e aí existe uma outra previsão de que autoridade policial é o delegado e depois o policial, se não tiver delegado. Existia uma lei antes que previa a possibilidade da concessão imediata de medidas protetivas de urgência pela autoridade policial em qualquer caso, independentemente de o município ser sede de comarca ou não. Na minha opinião pessoal era um projeto que representava ganho para as mulheres em situação de violência pela celeridade que isso iria lhe dar, porque o processo atual é: a gente distribui as protetivas para o poder judiciário em até 48 horas, segundo a previsão da lei, o judiciário tem até 48 horas para apreciar, deferir ou indeferir e a partir daí, se houver a remessa da gente em 48 horas e a apreciação pelo poder judiciário em 48 horas, ainda vai haver a expedição de uma intimação para a mulher e para o agressor para que os dois sejam intimados, ela do que está protegida e ele do que está proibido de fazer, então esse processo, na melhor das hipóteses leva uma semana para acontecer, se tivesse sido sancionada esse projeto de lei tal como havia sido proposto o primeiro, anterior a esse, a mulher já sairia da delegacia com a ciência daquelas medidas de proteção que lhe foram conferidas pela autoridade policial, e o processo era seguro, a autoridade policial poderia conceder a medida, em 24 horas, tinha que submeter ao judiciário, que se entendesse que aquelas medidas não eram cabíveis ou se precisasse incrementá-las, em 24 horas o judiciário apreciaria essa decisão da autoridade policial, ou no contrário também, se a autoridade policial indeferisse essas medidas, essa decisão também seria submetida em 24 horas a apreciação do poder judiciário para, se fosse o caso, da autoridade judicial entender que aquela mulher precisasse de proteção e discordasse da autoridade policial, revogar essa decisão, enfim, era um processo seguro, atualmente a autoridade policial tem a autonomia de prender em flagrante, quem dirá para conceder medidas protetivas, esse projeto de lei enfrentou resistência do próprio judiciário, naturalmente, porque era disputa de poder, do Ministério Público, da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), até da própria Maria da Penha e entidades feministas, ela não tinha apoio das instituições do nosso Estado, ela tinha muito apelo popular, as mulheres em situação de violência se viam contempladas porque sairiam da delegacia já sabendo da proteção que lhes foi conferida e com menos tempo o agressor seria intimado da proteção que lhe foi conferida pela autoridade policial e ratificada pelo judiciário, mas esse artigo especificamente que conferia essa proteção foi vetado pelo então presidente Michel Temer e aí agora foi apresentado um projeto de lei que restringe essa proteção imediata pela autoridade policial, sendo apenas nas cidades em que não há comarca, na minha opinião pessoal, isso foi uma perda para as mulheres em situação de violência. Ainda existe essa resistência muito grande a polícia, de se dizer “ah, mas as autoridades policiais são machistas”, okay, mas existem juízes que também são, então eu acho que incrementou, dar mais um elo na cadeia de proteção às mulheres em situação de violência jamais seria um prejuízo para elas, e principalmente, sendo essa decisão revogável imediatamente pela autoridade judicial, se fosse o caso, mas essa é minha opinião pessoal, que a proteção ficou tímida poderia ter sido mais ousada, o projeto de lei como era o anterior mas foi esse artigo especificamente vetado, e interessante é que ele foi aprovado por unanimidade nas duas Casas do Congresso Nacional e foi vetado pelo presidente Temer.

Foi questionado a respeito da efetividade das medidas protetivas e o papel do Estado na proteção da mulher que ainda não foi devidamente protegida, ou porque ainda não conseguiu a medida ou por que foi concedida e o agressor ainda não foi notificado, entre outras situações, tomando como exemplo o caso recente de Mayara Estefanny Araújo, de 19 anos, que morreu após ser atingida por substância corrosiva, onde o principal suspeito é seu ex-marido William César, com a ajuda de um amigo.

Resposta: Olha, o caso Mayara foi um ponto fora da curva, foi totalmente atípico, anormal. Ela, de fato, em dezenove dias tinha registrado três boletins de ocorrência, a partir do primeiro a gente instaurou o inquérito policial, a partir do primeiro, a gente instaurou o inquérito policial, o inquérito estava em fase de conclusão, que a gente sabe que o prazo de réu solto é de 30 dias para conclusão do inquérito, tinha 36 dias, se eu não me engano, o inquérito policial, mas estava de fato, já tinha interrogado o investigado e estava em fase de relatório de conclusão do inquérito policial, ele só foi intimado da medida protetiva que ela tinha solicitado depois dos três boletins de ocorrência, então o primeiro episódio de descumprimento de medida protetiva de William, que foi o agressor de Mayara, foi precisamente o do ácido, não tinha havido em nenhum nesses três boletins de ocorrência, ela não tinha ainda a proteção do Estado, ela já tinha formulado o pedido, o pedido já tinha sido encaminhado, já tinha sido apreciado pela autoridade judicial, ela já tinha sido intimada da proteção que lhe fora imposta pelo Estado, mas a medida protetiva ainda não estava valendo porque ele não sabia das proibições que lhes foram impostas, e aí ele foi intimado do teor da protetiva no começo de junho, dia 5 ou 6 de junho, salvo engano, o último boletim de ocorrência que ela tinha registrado foi no dia primeiro de junho, então depois dele ter sido intimado em 5 de junho, o primeiro episódio de agressão já foi o ácido, o feminicídio que ele praticou contra ela, foi incialmente, tentado, ele foi indiciado como tentado, mas depois ela lastimavelmente veio a óbito, então, o caso Mayara foi, de fato, muito singular nesse ponto, não singular no sentido de “ah, ela registrou vários boletins de ocorrência”, “ah, ele demorou a ser intimado”, infelizmente a gente vê muitas vezes na prática, mulheres que procuram a polícia várias vezes e o agressor não se conforma com o fim do relacionamento, mas o que a gente experiencia na prática é que, normalmente, o agressor quando ele é intimado da medida protetiva de urgência ele tende a parar de agredi-la, ele tende a parar de procurá-la, uma vez que ela recebe essa proteção do Estado e ele é intimado, a regra, claro que há exceções à regra, a ciência humana não é ciência exata, e a gente tem episódio de descumprimento, tanto é que se não fosse assim não tinha sido evitado recentemente, inclusive o crime de descumprimento de medida protetiva, se não fosse assim a gente não precisaria nem de ter Código Penal. O que a gente experiencia na prática é, de fato, que medidas protetivas salvam vidas, que aquelas mulheres que rompem o ciclo da violência e que são protegidas por medidas protetivas de urgência e por outros tantos programas que a gente tem na rede de enfrentamento da violência contra a mulher, em regra, os agressores de fato se afastam e a violência cessa, então o caso Mayara foi um caso muito sui generis, muito particular, fora da curva, e ele a despeito de ser importante, claro, que isso seja veiculado para as mulheres em situação de violência se encorajarem e procurarem ajuda para reconhecerem os relacionamentos violentos, isso precisa também ser mostrado de uma maneira a explicar que, de fato, foi fora da regra e não desestimular as mulheres a procurarem a polícia, a gente tem também dados estatísticos de que no ano de 2017, a gente teve mais de 33 mil boletins de ocorrência registrados no Estado inteiro de Recife à Afrânio, em todas as Delegacias do Estado, não só nas Delegacias de Atendimento à Mulher, A gente teve também no ano de 2017, 320 – salvo engano – homicídios de mulher, desses, 85 – mais ou menos nessa média – foram feminicídios, dessas 85 mulheres que morreram pela condição de ser mulher, só tinham duas sob proteção do Estado, duas tinham procurado a polícia, duas tinham denunciado seus agressores e tinham medida de proteção e terminaram sendo mortas, 83 morreram caladas, então o que a gente experiencia na prática é: o agressor diz “se você procurar a polícia eu te mato”, mas o que se verifica na prática é precisamente o contrário, aquela mulher que procura ajuda, que rompe o silêncio, que tá sob medida de proteção, ela muito dificilmente é morta, com Mayara, infelizmente, aconteceu, mas é fora da regra e a gente precisa estimular a denúncia, precisa estimular que as mulheres procurem a polícia porque a medida protetiva salva vidas. A gente tem, na prática como eu disse, eu tive essa experiência particular quando a gente inaugurou a Delegacia de Atendimento À Mulher em Vitória de Santo Antão (PE), porque a gente inaugurou a delegacia em março de 2013, e até então a violência doméstica e familiar contra a mulher era investigada pela delegacia Municipal, quando a DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) foi instalada em Vitória de Santo Antão, a gente assumiu os inquéritos, as ocorrências, as investigações ligadas à violência doméstica e familiar contra a mulher, em alguns inquéritos, pelo volume de coisas que tem uma delegacia normal, uma delegacia municipal, alguns a gente tinha somente a portaria de instauração, a medida protetiva, teve declarações e mais nada, e a gente procurava essas mulheres em situação de violência de novo para saber como é que estava a vida dela, para colher informações com ela sobre possíveis testemunhas do fato, saber, inclusive, se o agressor continuava procurando, e olha que quase a totalidade das mulheres que a gente encontrava e trazia para a delegacia diziam que o agressor tinha parado, realmente, de importunar, a efetividade da medida de proteção, as medidas protetivas, é muito alta na prática, mas claro que há sempre mais espaço para melhorar. Aqui na cidade do Recife, a gente tem uma rede de proteção muito forte e bem articulada, mas a gente não tem essa realidade em todos os municípios do Estado, principalmente no interior, então a gente precisa, sim, fortalecer Centro de Referência de Atendimento à Mulher, precisa de casas abrigo, mais casas abrigo espalhadas no Estado, para mulheres em situação de risco eminente de morte, todo o programa, todo o novo equipamento de proteção à mulher que vier será bem-vindo porque, de fato, a violência contra a mulher tem índices alarmantes, não só em Recife, mas no Estado inteiro e no país.

Questionada sobre a influência da mídia na retratação dos casos de feminicídio e violência doméstica nos casos como o de Mayara, onde verifica-se um maior sensacionalismo nos casos onde o Estado foi falho.

Resposta: Infelizmente é o que dá ibope, é um caso Mayara que dá ibope, de uma mulher que procurou polícia e que a polícia não resolveu, são casos que dão mídia, são casos que chocam, que na verdade, precisam chocar, de fato, porque é uma mulher que procurou se libertar do ciclo da violência e que infelizmente a proteção estatal não alcançou aquela vida de maneira que ela permanecesse viva, então isso precisa, na verdade, ser noticiado para que as mulheres entendam que o seu relacionamento violento pode culminar no feminicídio, só que o que peca, na minha opinião, da cobertura jornalística nesse tipo de caso é que aquela mulher que é protegida, essa mulher não é objeto de uma matéria, de “ah não, eu vivi um relacionamento abusivo e eu me libertei, eu recebi medida protetiva, eu fui para uma casa abrigo, eu me refiz e eu me libertei do agressor”, esse tipo de matéria dificilmente dá ibope, né? Então a mídia costuma explorar de uma maneira, sob um aspecto até negativo nesse ponto, porque desencoraja as mulheres em situação de violência a procurarem ajuda, nesse caso Mayara, particularmente, eu procurei bater muito nessa tecla toda a vez que a mídia explorava de dizer que Mayara não é regra, Mayara não pode ser motivo para mulheres me situação de violência não procurarem ajuda, não se libertarem da violência que sofrem.

Ante o exposto, pode se concluir que, na maioria das vezes, as medidas protetivas cumprem o seu papel, considerando o que é ensinado por Bianchini (p. 184 -185):

As medidas protetivas permitiram não só alargar o espectro de proteção da mulher, aumentando o sistema de prevenção e combate à violência, como também fornecer ao magistrado uma margem de atuação para que possa decidir por uma ou outra medida protetiva, de acordo com a necessidade exigida pela situação.

Com a nova possibilidade de a autoridade de policial aplicar a medida protetiva, com ressalvas, essa alteração é positiva tendo em vista a necessidade de um atendimento mais rápido a mulheres vítimas de violência em locais onde esperar pelo procedimento comum levaria mais tempo colocando a vítima em maior risco. Existe ainda, a hipótese de adequação da medida protetiva diante do caso concreto, onde o magistrado irá avaliar qual é a melhor solução para aquela situação em particular, o segundo objetivo específico foi, portanto, alcançado.

Nesse diapasão, tem-se refutada, em partes, a hipótese de que o Estado não oferece proteção efetiva às mulheres, tendo em vista que, conforme exposto, na grande maioria das vezes que a medida protetiva é concedida, o agressor para de importunar a vítima, consequentemente, o risco de vida que a mulher corre diminui.

O último questionamento foi referente aos projetos de orientação e assistência voltados para as mulheres em situação de violência e também para o agressor, bem como, qual seria a solução mais efetiva para a diminuição dos casos de violência doméstica e familiar e consequentemente, dos casos de feminicídio.

Resposta: Existem vários, a gente tem uma rede de enfrentamento da violência no município do Recife muito forte, a gente tem o Centro Clarice Lispector que atende as mulheres em situação de violência, que oferece atendimento psicossocial, a gente tem no Estado, vários programas de prevenção, Maria da Penha vai à escola, violência contra a mulher é jogo sujo, que elas atuam nos colégios com as crianças para a construção da contracultura do machismo, nos estádios de futebol que a gente sabe que é um ambiente predominantemente masculino e machista, para essa desconstrução também da cultura machista nos estádios, existem projetos de ONGs (Organização não Governamentais), projetos sociais em andamento que são fantásticos e precisam ser aplaudidos, tem um projeto até da segunda vara de Violência contra a Mulher que eles tem um projeto voltado a mulher em situação de violência e ao homem agressor também, que são feitas palestras para que eles se conscientizem de que é um homem agressor e que não repita isso nos próximos relacionamentos, até porque se a gente não trabalha o agressor também ele deixa de agredir aquela mulher que se empoderou e se libertou, mas poderá agredir outras futuras com quem ele se relacionar. Até aqui na primeira DEAM (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) a gente tem um projeto que estamos tentando construir, inclusive tem uma parceria que está sendo construída com a Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) que é o projeto atitude feminina, ele é encampado por todos e todas nós aqui da primeira DEAM, mas particularmente a mentora, que o projeto nasceu do coração de Tereza Nogueira que é a delegada que também atua aqui e ela já tem parcerias costuradas com o Sesc (Serviço Social do Comércio) e com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o objetivo é empoderar mulheres em situação de violência, capacitá-las para um ofício, para empreendedorismo, também com parceria com voluntários de psicologia e de assistência social, para fazer um trabalho também de acompanhamento psicológico dessa mulher para a reconstrução de laços afetivos, e é voltado para mulheres em situação de violência da cidade do Recife que tem esse perfil de relacionamentos muitos violentos e vários registros aqui na primeira DEAM, esse projeto tá sendo gestado faz alguns meses, a gente tenta parceirizar com a Secretaria de defesa social, com esses outros institutos, e aí a Universidade Católica de Pernambuco também tem sido parte nesse diálogo, Teresa está construindo uma parceria também com a Universidade Católica, então estamos tentando tirar esse projeto do papel, mas vai ser mais uma possibilidade, mais uma janela para as mulheres em situação de violência se verem libertas. Eu enxergo a diminuição dos casos de feminicídio e da violência doméstica no geral como um processo de médio a longo prazo, por meio, de fato, luta constante de construção de uma contracultura ao machismo, dessa derrota do patriarcado, a curto prazo o que a gente consegue fazer é pouco a gente não vai deixar de lutar a curto prazo, não vai abandonar a luta diária contra a violência doméstica e o feminicídio, mas eu não enxergo isso como um remédio tão efetivo quanto a educação para a desconstrução do machismo que é um processo de médio e longo prazo que a gente enxerga o que era a violência doméstica e a cultura machista de 50 anos atrás, a gente vê que houve uma redução significativa de determinados tabus, de determinados pensamentos machistas, mas isso é uma luta de médio e longo prazo, é uma luta que precisa continuar sendo construída e é só a educação, de fato, que na minha opinião, tem poder para erradicar a cultura machista, a curto prazo é o que a gente vem fazendo, é continuar investigando os agressores, é pulverizar o número de equipamentos de atendimento à mulher em situação de violência, pulverizar Delegacias de Atendimento à Mulher, capacitar policiais, porque a luta é diária e constante, pequenos gestos também podem salvar vidas, mas para a erradicação da violência, na minha opinião pessoal, é um processo lento de médio e longo prazo.

É imprescindível que haja projetos de apoio e orientação para mulheres em situação de violência, pois, é nesse momento em que elas mais precisam de acolhimento e atenção, bem como, é preciso que haja conscientização do agressor, como forma de reeducação, para que não volte a praticar a violência contra a mulher novamente. Conforme informações colhidas no site Compromisso e Atitude (2019) a Rede de Atendimento à mulher em situação de violência “reúne ações e serviços das áreas da assistência social, justiça, segurança pública e saúde, integrando a Rede de Enfrentamento, ao contemplar o eixo de assistência previsto na Política Nacional de Enfrentamento à Violência Contra as Mulheres”, além de atendimento psicossocial, a rede também conta com unidades que oferecem abrigo às mulheres que estão em risco de morte, também existe a prestação de assistência jurídica gratuita por meio dos Órgãos da Defensoria Pública, entre outros serviços.

ENTREVISTA 2

Data: 13 de agosto de 2019

Duração: 13 minutos

Ao início da entrevista com a vítima R. S. de L., foi questionada acerca da sua relação com o agressor.

Resposta: A família dele é de desembargadores, a esposa dele é defensora pública, os filhos dele são advogados, então tudo de bom, toda a segurança existe na família dele, o nível é muito elevado, mas ele faz questão de deixar bem claro que eu não passo de uma empregada para ele, e que tomo conta dos filhos dele – filhos que a vítima tem com o agressor fora do casamento, menores de idade – mas ele não quer arcar com as despesas dos meus filhos, meus filhos passam necessidade, eu vivo até hoje um relacionamento de casada com ele, ele tomou minha aliança, porque eu ameacei ele, eu escutei tanta ameaça que agora sou eu quem ameaço, ou você para ou eu vou tomar minhas providências, eu não tenho mais ninguém por mim, mas eu tenho a justiça por mim, então de tanto assistir depoimentos de pessoas que morreram, de mulheres que estão com sequelas físicas, outras com sequelas psicológicas, então eu resolvi agi de maneira jurídica, então para, vamos dar um basta nisso.

Perguntou-se também sobre a violência que sofre ou sofreu durante o relacionamento.

Resposta: Se você parar um pouco e observar os meus lábios, dentro da minha boca, está quebrado os meus dentes, foi em um dos momentos ele quebrou os meus dentes. Eu tenho quatro canais, e ele quebrou esse canal, um pino que tem dentro que sustenta a dentição e eu perdi meu dente por causa dele. E hoje o que me deu mais força para isso (denunciar), eu não deveria estar aqui não, mas o que me deu mais força é que ele passou do limite, antigamente ele só me atingia, mas, a partir do momento que ele começou a atingir os meus filhos, mexeu com meus filhos, mexeu comigo. Ele como advogado, ele sabe que não deveria ter feito isso, então para que não houvesse uma discussão, eu não vou mais discutir nada com ele, simplesmente eu vou aceitar calada, e tomo uma atitude, a partir do momento que ele fizesse algo negativo tanto para mim quanto para os meus filhos, eu agiria dessa forma, dando queixa, abrindo um BO (boletim de ocorrência) contra ele, até ele ter noção do que ele está fazendo.

Perguntada sobre a possível separação, a vítima respondeu da seguinte forma:

Resposta: Ele não vai, ele é obcecado por mim, a esposa dele é bem mais velha que eu, então ele é obcecado por mim, eu não posso conversar o com ninguém, eu não posso ir no supermercado, eu nunca fui a feira com ele porque ele tem ciúmes que alguém fique me olhando, pelo pouco que eu entendo, ele tem alguma síndrome da psicose sobre homens mais novos do que ele, ele tem um complexo, como ele é mais velho, ele tem esse complexo com homens mais novos de 20 anos, 25 anos, e isso não me interessa, mas ele coloca na cabeça dele, ele cria a própria imaginação. Ele tem que chegar num momento e parar, ele deveria parar e pensar “poxa, eu não deveria estar agindo assim com uma pessoa que é tão boa comigo”, mas não, ele prefere continuar, e qual foi o meu erro? Achar que um dia ele ia se separar da esposa para ficar comigo, e qual foi o meu erro? Achar que ele ia mudar, mas não mudou, entendeu? Então isso machuca, então o que está me dando força é essa dor que eu estou sentindo agora, toda a semente que ele plantou negativa em mim. Eu já botei na minha cabeça que ele não vai ser o príncipe encantado, porque não 17 a 20 anos, tem quase 20 anos, então ele não vai mudar, sempre foi assim, desde de quando éramos solteiros, então o relacionamento já cresceu, já começou errado, tanto é que está refletindo não só em mim como agora nos meus filhos.

Sobre a denúncia do agressor, a pergunta foi direcionada no sentido de saber se a vítima já havia denunciado anteriormente.

Resposta: Pela primeira vez, mês passado, e sem fugir dessa linha de raciocínio, ele já me agrediu, tem um vizinho que é bem mais novo que ele e ele tem essa psicose de achar que eu tenho um caso com o vizinho, mas o vizinho sai de 5h30 da manhã com a esposa, vão trabalhar, levam o bebezinho para a creche, são pessoas selecionadas, de ambientes selecionados, independente de ambiente, sabe? Você não deve se comportar assim com ninguém, então ele cisma, abre a porta quando tá lá em casa e vem ver meus filhos, ele abre a porta do apartamento fica vigiando o vizinho chegar, aí fica soltando piada do sofá para o vizinho, aí eu tenho medo para que ele aja de uma forma agressiva, como ele não tem coragem de ir lá e bater boca com o vizinho, como eu já mandei “quer tomar satisfação? Então vá no vizinho”, mas não, ele não vai no vizinho, ele prefere me agredir na frente dos meus filhos. E palavrões? Ah, de todo o tipo já chamou comigo, quando eu disse a ele que já estava enjoada dos palavrões dele, ele passou três semanas sem chamar palavrões comigo, só calado, aí eu disse “você só tem esses palavrões? Não existe outros no seu dicionário não? Eu estou cansada, já são 17 anos escutando esses palavrões”, quando ele resolveu falar comigo ele veio com outro palavrão: cama de ferro, maçaneta, e aí vai, coisas que são horríveis de se ouvir.

Questionada sobre não ter prestado queixa dos episódios de violência que sofreu antes de efetivamente denunciar o seu agressor, a entrevistada fez a seguinte afirmação:

Resposta: Vergonha, minha família não sabe disso, ninguém da minha família sabe disso, minha família é muito bem estruturada e eu tenho vergonha de contar as minhas irmãs, para eu estar aqui eu rezei muito. O medo existe desde 17 anos atrás, de muito tempo atrás, e dando chance para que ele mudasse, achando que aquilo era ciúmes, amor, mas não era, então conversando com pessoas que já passaram por esse mesmo problema, pediu para que eu distanciasse sem briga.

Como ensinado por Fernandes (2015, p. 127)

A vergonha pode influenciar no silêncio da vítima em razão do receio de expor sua intimidade e aspectos da vida privada perante autoridades públicas, bem como eventual exposição no local de trabalho, perante a família e os amigos. Ser apontada ou reconhecida como vítima de violência transparece para a mulher como sinônimo de desvalia.

Por fim, interroguei sobre a proteção do Estado, se a entrevistada se considera protegida diante de toda essa situação.

Resposta: Não, ele nem recebeu a intimação, está agindo normalmente, então eu estou fingindo, estou só acumulando queixas, porque quando eu der entrada na Defensoria Pública, eu peguei já a papelada, quando eu pegar a carga de BO (boletim de ocorrência) que eu tenho sobre ele, eu vou anexar aos autos para que guarda fique comigo. Meus filhos tem direito a pensão e minha intenção é uma medida protetiva para que ele mantenha distância de mim e só veja meus filhos quando a justiça determinar.

Em razão da última resposta, do ponto de vista da vítima, resta demonstrado o descrédito do Estado em realizar, de forma mais efetiva e célere, a proteção contra os riscos iminentes. De acordo com Fernandes (2017, p. 124), o silêncio da vítima compreende várias situações “a vítima não registra boletins de ocorrência contra o agressor; a vítima registra boletim de ocorrência contra o agressor, mas renuncia ao direito de representar; após noticiar a violência, a vítima se retrata e inocenta o agressor”, uma dessas situações, cita a autora, é a revitimização pelas autoridades, que consiste em posturas inadequadas e o atendimento deficiente das autoridades públicas em relação às mulheres em situação de violência, essa revitimização favorece o retorno e a permanência no silêncio.

5.4. Conclusão

O desenvolvimento do presente estudo possibilitou um aprofundamento no tocante à violência doméstica e familiar e o feminicídio sob a óptica da cultura patriarcal e a desigualdade entre os gêneros como formas de perpetuação das violações aos direitos das mulheres. Além do mais, fora realizada uma pesquisa de campo para obtenção de dados mais realísticos e consistentes sobre o dia a dia de quem vivencia, na prática e de forma direta, a violência e o assassinato por razões de gênero.

Ao se analisar o feminicídio como consequência de uma cultura enraizada a séculos em nossa sociedade, verifica-se que a tentativa de amenizar seus efeitos, sem antes, combater as causas, é insuficiente. Em conformidade com aquilo que foi apresentado nos relatos pessoais coletados nas entrevistas, ficou claro que uma lei não é suficiente para – sozinha – mudar a realidade cruel de muitas mulheres que são vítimas dos mais variados tipos de violências, fazendo-se mister a reeducação de toda a sociedade, no sentido de obter-se uma quebra nos paradigmas estabelecidos com base em costumes e valores medievais que desencadeiam todo um sistema de desigualdades e violência entre os gêneros.

Verificou-se ainda que, em geral, mulheres têm dificuldade de romper com o ciclo da violência, por diversos fatores, como a dependência financeira e emocional, e o não rompimento desse ciclo significa a continuação de todas as suas fases: a tensão, a explosão e a reconciliação, nesse diapasão, as mulheres em situação de violência tendem a permanecer nesse cenário até que, definitivamente, consigam abrir seus olhos e se enxergarem em um contexto de violência e criarem coragem para denunciar e reestabelecer sua vida longe do agressor, ou, na pior das hipóteses, a continuação com o agressor implicará no feminicídio.

Com o exame do papel fundamental do Estado em oferecer proteção às mulheres que estão em situação de risco, observou-se que existem melhorias a serem feitas no tocante ao atendimento, à preparação dos servidores, policiais, delegados, e na palpabilidade dos efeitos práticos da proteção legal da mulher que sofre violência, apurou-se ainda que as medidas protetivas são capazes de oferecerem socorro à mulher que busca ajuda, entretanto, ainda é possível notar que muitas mulheres não buscam esse amparo.

A entrevista despadronizada com perguntas livres conseguiu mostrar a situação das mulheres vítimas de violência. Demonstrou para tanto, a realidade de muitas brasileiras que enfrentam um relacionamento conturbado com seu parceiro ou parente, e ainda, ficou esclarecido os casos em que há a violência, mas o não há o vínculo de afeto ou de proximidade anterior, como é o caso do feminicídio em razão do menosprezo ou discriminação contra a condição da mulher. A sondagem feita através dos relatos, permitiu uma potencialização dos resultados e o alcance dos objetivos propostos.

Ante à relevância do assunto, faz-se necessário o desenvolvimento de políticas sociais com o objetivo de estabelecer, a longo prazo, uma sociedade mais justa e igual para todos, tendo como foco o enfrentamento do patriarcado e do machismo, como forma de sanar todo o tipo de discriminação que levam à violência de gênero, em curto prazo, existe a indispensabilidade das medidas protetivas e a maior reprovabilidade do feminicídio, nesse sentido, o objetivo geral foi alcançado quando foi feita a abordagem da importância de uma nova figura delitiva que demonstre a gravidade e importância de se punir com maior severidade um crime praticado contra a mulher apenas por ser mulher, a utilização de meios que impeçam a continuação do ciclo violento e a condenação e repreensão dos agressores é essencial para que a justiça seja feita e a vida das mulheres sejam preservadas.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o aprofundamento do estudo no que tange a violência contra a mulher em seus vários níveis, constatou-se que a gênese de toda a discriminação e agressão contra a mulher por condição de gênero é o patriarcado e sua conjuntura na sociedade, por séculos e séculos as mulheres foram dominadas, oprimidas, julgadas como seres inferiores aos homens pelo simples fato de serem mulheres, a dominação e definição de papéis na sociedade legitimou a violação aos direitos femininos. O papel feminino é definido preponderantemente como ser do lar e se dedicar aos filhos, já o masculino, é o provedor da casa e precisa oferecer proteção aos seus dependentes, em razão disso, tem domínio sobre a mulher e a prole, como bem exposto por Narvaz e Koller (2006), o patriarcado manifesta a dominação, não do pai sobre seus filhos, mas do homem enquanto categoria social.

Dessa maneira, entende-se que a violência de gênero é caracteriza pela relação de poder e opressão vinculada ao machismo e às desigualdades entre os sexos, como bem explicado por Falcke et al. (2009, p. 85), as diversas formas de discriminação e de violência contra as mulheres são entendidas, na perspectiva de gênero, como manifestação de relações de poder historicamente desiguais”, com isso, a autonomia da mulher é tolhida, seu poder de decisão é cerceado e seus direitos restringidos.

A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha foi resultado de grande clamor popular e debates fervorosos em busca de justiça tanto para a mulher que deu origem ao nome da lei como para todas as outras mulheres em situação de violência, como forma mais efetiva e rápida para punir agressores e amparar as vítimas. A lei abarca cinco hipóteses que constituem violência doméstica ou familiar, qual sejam, violência física, moral, sexual, psicológica e patrimonial, além de disciplinar as medidas protetivas e o procedimento para sua adoção.

A lei que instituiu o feminicídio no Código Penal, como Lei Maria da Penha, surgiu de um amplo debate feito com membros do legislativo e da sociedade, a nova qualificadora do homicídio tem com peculiaridade o assassinato cometido contra a mulher por razões do sexo feminino, o parágrafo segundo A, do art. 121, CP, explica quando há razões de condição do sexo feminino, ou seja, quando o crime envolver: violência doméstica ou familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher, tendo em vista o conhecimento compartilhado por Nucci (2019, p. 52), “os motivos podem variar dos mais pífios aos mais relevantes na ótica do agressor, porém, para constituir-se violência doméstica ou familiar, segundo a própria Lei Maria da Penha, o motivo do ataque é irrelevante”, o menosprezo ou discriminação à condição de mulher se constitui quando existe uma falsa ideia de superioridade proveniente do agressor, é quando há a humilhação, o desprezo, a prepotência de se achar mais forte que a mulher.

É certo que, na grande maioria dos casos, o feminicídio é uma morte anunciada, sabe-se que o homicídio de uma mulher em razão de sua condição feminina é a última instância da expressão da violência, pois, antes do agressor ceifar a vida da mulher, ele a agride de diversas outras formas, progressiva e reiteradamente, essas agressões cometidas no contexto conjugal têm um padrão e ocorrem de maneira cíclica, por isso a denominação do ciclo da violência. A mulher sente dificuldade em romper com esse ciclo, permanecendo em situação de violência até a culminação na violência extrema: a perda da vida.

Para a diminuição dos casos de violência doméstica e familiar, e consequentemente, os casos de feminicídio, as mulheres contam com um aparato estatal definido em lei, como a concessão de medidas protetivas, as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher, as casas abrigo, centros de apoio e orientação, entre outros. Entretanto, faz-se necessário um melhor preparo das autoridades no atendimento à mulher, a construção de projetos educacionais que visem a promoção do respeito à dignidade da pessoa humana, o investimento em medidas eficazes ao combate da violência de gênero e do feminicídio.

Diante de uma abordagem tão complexa como o feminicídio e seus fatores, o intuito do presente trabalho é o aprofundamento nesse tema tão atual e, infelizmente, tão recorrente, é notório que o assunto não se esgota nessa pesquisa. A luta das mulheres é diária e constante, e apenas com a mudança de pensamentos e costumes medievais será possível constatar uma transformação real na sociedade no tocante à proteção da vida das mulheres.

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ANEXOS

ANEXO A – Documento expedido pela Universidade Católica de Pernambuco;

ANEXO B – Carta de aceite da Delegada de Polícia;

ANEXO C – Carta de aceite da vítima de violência doméstica

ANEXO D – Perguntas feitas à Delegada da Primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher;

ANEXO E – Perguntas feitas à vítima de violência doméstica;

ANEXO A – Documento expedido pela Universidade Católica de Pernambuco

ANEXO B – Carta de aceite da Delegada de Polícia

ANEXO C – Carta de aceite da vítima de violência doméstica

ANEXO D – Perguntas feitas à Delegada da Primeira Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher

Culturalmente e historicamente, qual a parcela de culpa do patriarcado nas diversas formas de discriminação e violência doméstica?

Quais os fatores sociais, neurológicos e/ou individuais que levam um homem a agredir uma mulher e até matá-la?

O que se entende por ciclo da violência e suas fases, como é a dinâmica desse ciclo?

Por que, na grande maioria das vezes, a mulher não consegue colocar um fim no relacionamento abusivo? Por que essas mulheres não denunciam e não procuram ajuda?

O tipo de acolhimento que a mulher vítima de violência recebe na delegacia, por vezes, faz com que a mulher desista de denunciar?

Por que algumas mulheres que tiveram coragem de denunciar o agressor, posteriormente voltam atrás?

Qual os tipos de violência descritos na Lei Maria da Penha são os mais registrados?

O que se entende por feminicídio e por que é considerado um crime de ódio conta a mulher?

Existe a necessidade de distinguir o feminicídio do homicídio e por quê?

A inovação legislativa (Lei nº 13.827/2019), onde autoriza que a autoridade policial aplique a medida protetiva é positiva, tendo em vista a realidade das mulheres que sofrem agressões no Brasil?

Tomando como exemplo o caso Mayara Araújo, que registrou em 19 dias, três boletins contra seu agressor, mesmo conseguindo, tardiamente, a proteção judicial, isso não impediu que o ex-companheiro jogasse ácido em seu corpo. Nesse caso, qual foi o papel do Estado e por quê a medida protetiva não foi eficaz?

As medidas protetivas de um modo geral conseguem atingir o seu objetivo, o que falta para que haja um aprimoramento dessas medidas?

Atualmente existe algum projeto de orientação ou assistência voltado para mulheres que são agredidas e também para os agressores?

À curto, médio e longo prazo, qual seria a solução mais efetiva para a diminuição da violência doméstica e também dos casos de feminicídio?

ANEXO E – Perguntas feitas à vítima de violência doméstica

Qual o seu nome, idade e profissão?

Tem filhos com ele? Quantos? Qual a idade dos filhos?

Qual a idade do agressor e profissão?

Vocês ainda estão juntos, se sim, há quantos anos? Você tentou se separar? Ele aceitou o fim do relacionamento?

Por qual motivo você o denunciou?

Já prestou alguma queixa anteriormente, se não, por que não denunciou antes, por medo?

Ele se mostrou agressivo desde o começo do relacionamento? Era agressivo de que jeito?

Você tem conhecimento de como foi a criação dele, do exemplo familiar que o agressor teve na infância? Exemplo: se ele presenciava a mãe dele sofrendo violência doméstica.

Você percebia que havia uma proteção ao seu agressor por parte da família dele ou até mesmo da sua família? Exemplo: dizer que ele te bateu porque estava com a cabeça quente; alguém pediu para não realizar a denúncia porque ele é um homem de bem; que você deveria aguentar porque é só uma fase ruim e você precisa manter seu casamento.

Ele já te ameaçou de morte?

Você tem apoio da sua família? Seus parentes te ajudaram nessa situação difícil?

Você se sente protegida com o aparato policial e com as medidas protetivas que você pode solicitar? O que pode ser melhorado?


Publicado por: MARIA EDUARDA DA SILVA SOUZA

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