EMPODERAMENTO DAS MULHERES ENCARCERADAS NO COMPLEXO PENITENCIÁRIO DE PONTE NOVA/MG
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. CAPITULO 1: MULHERES EM CONFLITO COM A LEI
- 3.1 O conceito de gênero e o surgimento da prisão:
- 3.2 A mulher no sistema carcerário brasileiro:
- 3.3 As mulheres no sistema carcerário: compreendendo indicadores
- 4. CAPITULO 2: O GÊNERO NO COTIDIANO DA PRISÃO
- 4.1 A inserção da mulher no cárcere
- 4.2 O resgate familiar e as visitas assistidas:
- 4.3 Saúde da mulher encarcerada
- 4.4 Escola e trabalho: empoderamento educacional e profissional
- 5. CAPITULO 3: DESENVOLVENDO AS ATIVIDADES PROPOSTAS E A ACOLHIDA DOS POSSÍVEIS RESULTADOS
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O presente trabalho de intervenção foi implementado no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG, localizado na Zona da Mata mineira. O prédio foi inaugurado em 2009 com o objetivo de proporcionar 704 novas vagas para o sistema carcerário mineiro, das quais 44 são destinadas a mulheres em conflito com a Lei; Para o desenvolvimento das atividades propostas foi necessária a elaboração e realização de atendimentos individuais das detentas e atividades grupais, que objetivaram o equacionamento da condição de gênero das presas, para direcioná-las às atividades que possibilitassem a promoção da equidade no trato educacional, profissional e familiar; O trabalho de intervenção ainda se dedicou à promoção de ações diretas tais como acolhimentos por meio das profissionais de atendimento psicossocial; elaboração do Programa Individual de Ressocialização com identificação do perfil educacional e profissional; encaminhamento para a escola/ensino e também para outras atividades desenvolvidas no interior do presídio, que contam com parcerias de trabalho. Todas essas ações são desenvolvidas com o intuito de possibilitar as mulheres privadas de liberdade o mínimo de dignidade durante o cumprimento de sua reprimenda. Além disso, buscou-se a reafirmação da identidade feminina individual e no convívio em grupo, a fim de que haja o empoderamento dessas mulheres e elas sejam capazes de cumprir a pena, mas também de se conscientizarem sobre os seus direitos e deveres enquanto cidadãs. A metodologia utilizada durante e após a realização das atividades desenvolvidas foram efetuadas entrevistas e ainda aplicado questionário objetivando a avaliação do resultado das mesmas bem como visando à complementação do perfil das reclusas. Por meio destas ferramentas foi possível identificar que o nível de alfabetização destas reclusas é muito baixo, falta de qualificação profissional e a quase que unânime a dependência financeira dos parceiros e/ou outros familiares ao tempo da prisão e ainda o envolvimento no crime para a manutenção ou sustento do vício em drogas ilícitas.
PALAVRAS-CHAVE: Gênero; Encarceramento de Mulheres; Ressocialização; Empoderamento.
ABSTRACT
This intervention study was implemented in the Prison Bridge Complex Nova / MG, located in Minas Gerais Forest Zone. The building was inaugurated in 2009 with the goal of providing 704 new jobs for the mining prison system, of which 44 are aimed at women in conflict with the law; For the development of the proposed activities it was necessary to elaborate and carry out individual consultations of inmates and group activities, which aimed equating of prey gender condition, to direct them to the activities that would enable the promotion of equity in educational tract, professional and family; The policy paper also devoted himself to the promotion of direct actions such as welcome through psychosocial care professionals; preparation of Individual Program of resocialization with identification of the educational and professional profile; referral to the school / education and also for other activities inside the prison who rely on working partnerships. All these actions are developed in order to enable women deprived of their liberty a minimum of dignity during the fulfillment of his reprimand. In addition, it sought to reaffirm the individual female identity and group interaction, so that there is the empowerment of these women and they are able to serve the sentence, but also to become aware of their rights and duties as citizens. The methodology used during and after the completion of the activities were carried out interviews and even applied questionnaire aimed at evaluating the results of such and aimed at complementing the profile of the inmates. Such tools could be identified that the level of literacy of these prisoners is too low, lack of professional qualifications and almost unanimous financial dependence on partners and / or other family members at the time of arrest and even involvement in crime for maintenance or keep addiction to illegal drugs.
KEYWORDS: Gender; Incarceration of Women; Rehabilitation; Empowerment.
2. INTRODUÇÃO
A discriminação e a segregação de gênero tratam-se de uma construção social milenar. A discriminação do feminino ao longo dos séculos tem se perpetuado em todos os setores de classificação do ser com variáveis presentes tais como as restrições religiosas, nas lideranças familiares, no nível econômico, educacional, trabalho, sexual, ideologias e práticas políticas, dentre outras inúmeras que poderíamos destacar.
Para compreendermos um pouco a temática e chegar à problemática atual que o presente trabalho pretende atacar, passamos a situar-nos desde os primórdios, conforme registros a seguir.
Evidências históricas dão conta de que a criminalidade feminina inaugura-se com a prostituição, considerada por muitos como uma das profissões mais antigas do mundo e, ainda, marginalizada; nas acusações e condenações pela prática de bruxarias, o que na verdade fosse à quebra de dogmas e pré-determinações não aceitas á época e que as levava a sentenças de morte, na maioria das vezes. Veremos que ainda é necessário superar o que segundo Olga Espinoza (2004, p.19), seja um “estigma de serem mulheres pobres que as acompanha permanentemente no exercício de atividades laborativas”, e de quaisquer outras atividades visando o empoderamento feminino.
Já o sistema prisional, de acordo com Paulo Roberto,
“surgiu entre o término do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, com o objetivo de servir como castigo e punição. Houve, assim, a criação de uma legislação para definir o poder de punição como uma função geral da sociedade, exercida de forma igual sobre todos os seus membros.” (Bastos, 2009).
No entanto, no presente, individualizamos a segregação corporal, resultado muitas vezes de todas as demais segregações e privações impostas às mulheres nos demais setores sociais, desencadeando com uma das piores a estas já impostas: o conflito com a lei e a pena privativa de liberdade. No Estado de Minas Gerais, segundo dados do Sistema de Informações Penitenciárias (Infopen), divulgados pelo Ministério da Justiça, em 2013 elas já somavam mais de três mil mulheres em cumprimento de pena.
O ambiente prisional, onde as mulheres estão privadas de sua liberdade e de outros direitos a elas inerentes, é o espaço que escolhemos como ponto de intervenção. Mas, para isso, precisamos analisar e compreender as relações estabelecidas pelas condenadas que se encontram em cumprimento de pena privativa no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG.
Enfatizando a perspectiva de gênero para buscarmos informações do contexto socioeconômico, profissional e educacional das detentas, a fim de compreender a realidade de cada uma e contribuir para que a reinserção delas na sociedade ocorra em condições melhores, tanto no aspecto social como no econômico.
Para além da identificação dos perfis das encarceradas e da realidade individual e familiar, o caráter de nossa proposta nos exige um conhecimento do sistema prisional do Estado de Minas Gerais, que tem como objetivo o cumprimento da Lei de Execuções Penais e das garantias constitucionais na execução penal. Nessa perspectiva, o governo estadual vem trabalhando com importantes projetos em suas unidades prisionais, a fim de reforçar o reconhecimento das presidiárias para alguns elementos fundamentais no processo de ressocialização, como, por exemplo, o trabalho e a educação.
Dentro de tal esforço, os gestores públicos estaduais criaram os programas de “Humanização do Sistema Prisional, Custódia e Ressocialização dos presos” e “Trabalhando a Cidadania”. A partir dessas medidas, destacaremos os trabalhos desenvolvidos com as mulheres apenadas, especialmente os realizados com as custodiadas do Complexo Penitenciário de Ponte Nova.
Nestes moldes, visando efetivar tais objetivos no plano real, as ações da Subsecretaria de Administração Prisional do Estado de Minas Gerais têm sido planejadas e executadas para melhor atender os presos em geral, especialmente as reclusas da seguinte forma e setores:
Comissão Técnica de Classificação (CTC)
Elabora o Programa Individualizado de Ressocialização (PIR), que determina a aptidão do preso para o trabalho e o estudo, de acordo com o seu perfil, traçando as ações necessárias para a sua reintegração à sociedade. O documento é posto em prática e reavaliado anualmente. Cada unidade prisional possui a sua própria CTC. As suas equipes são formadas por psicólogos, assistentes técnico-jurídicos, diretores, assistentes sociais, psiquiatras, enfermeiros, dentistas, pedagogos e gerentes de produção.
Núcleo de Saúde e Psicossocial
Coordena esse tipo de atendimento nas unidades e implementa políticas de saúde no sistema prisional, evitando a ocorrência de epidemias e surtos viróticos que possam causar danos aos detentos, seus familiares e servidores públicos. Regularmente, são oferecidas palestras sobre diversas doenças, as sexualmente transmissíveis, dermatite, diabetes e hipertensão, entre outras. Exames para detectar as diversas enfermidades também são realizados periodicamente.
Núcleo de Ensino e Profissionalização
Implementa e coordena escolas, cursos e oficinas, buscando a capacitação e a profissionalização dos detentos. A assistência educacional é concretizada por meio de convênios e contratos com instituições públicas e privadas. As aulas, em sua maioria, acontecem dentro das unidades prisionais.
O Ensino Fundamental é obrigatório e integrado à rede escolar oficial. O Ensino Médio também é ofertado em diversas unidades. As capacitações são dadas como iniciação ou aperfeiçoamento técnico, considerando as aptidões dos presos e a demanda das oficinas de trabalho instaladas nos próprios estabelecimentos prisionais.
Trabalho e Produção
Atualmente, o sistema prisional fomenta mais de cem tipos de atividades, como artesanato, construção civil, marcenaria, horticultura, corte e costura, panificação e fabricação de pré-moldados, entre outros. O trabalho é realizado por meio de parcerias com instituições públicas e privadas, que recebem diversos incentivos para a utilização da mão-de-obra dos detentos. Como consequência, ocorre à profissionalização e a ressocialização do preso. Para a sociedade é devolvido um cidadão recuperado, sem intenções de cometer novos delitos.
Atendimento Jurídico
Trabalha para que todos os presos tenham a resposta penal de acordo com o que determina a legislação, primando pelo respeito aos princípios fundamentais da Constituição Federal. A sua equipe é responsável por coordenar e monitorar as atividades de acompanhamento jurídico dos detentos sob custódia da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi), estabelecer diretrizes para a solicitação dos benefícios da execução penal, oferecer suporte aos analistas técnico-jurídicos das unidades prisionais e propor adequações e melhorias nos sistemas informatizados no que se refere ao atendimento.
(MINAS GERAIS. Subsecretaria de Administração Prisional. Trabalhando a Cidadania.)
A partir destas atividades, propomos a intervenção e o desenvolvimento de outras correlacionadas, visando trabalhar o empoderamento destas mulheres por meio de ações já realizadas naquele ambiente prisional.
Potencialmente, as medidas implementadas na Unidade Prisional em questão tem obtido alguns resultados positivos, como a participação das mulheres em oficinas de profissionalização, visando à conquista de empregos em setores produtivos alocados na própria penitenciária, e o encaminhamento das mesmas aos projetos educacionais. Esse envolvimento das encarceradas facilita e propicia que elas alcancem o liame subjetivo do empoderamento de gênero.
Sabemos que ao longo da história da humanidade a mulher foi reconhecida como um ser de menos privilégios ou direitos, principalmente, em comparação ao homem. No ambiente prisional estas várias questões de gênero se agravam devido à masculinização desse espaço, e, por isso, o presente trabalho pode ter papel fundamental, assim como outras políticas públicas, para o empoderamento feminino voltadas ao público geral.
Portanto, a peculiaridade do cárcere faz com que os programas governamentais que buscam o empoderamento, seja financeiro, educacional, profissional, não atinjam as mulheres que estão reclusas. Sendo assim, tornam-se necessárias várias ações específicas para o gênero feminino. Quando nos referimos a aquelas que se encontram recolhidas ao sistema prisional, a situação pode piorar ainda mais a sua forma segregadora. Ainda que a prisão seja dotada de uma simbologia própria, muitas vezes ladeada de seus muros e barreiras com o externo, os problemas, as políticas e o histórico de inferiorização feminina se interconectam. E é neste momento que o Estado, em cumprimento da legislação de execução penal tem a oportunidade de se envolver diretamente nas questões de gênero e empoderamento deste, no caso em tela o feminino, aplicando políticas públicas específicas em busca do empoderamento da mulher, especialmente aquela privada de liberdade.
Para tanto, é preciso propiciar planos e programas que possam fazer com que as atividades de trabalho, por exemplo, determinado pela Lei de Execuções Penais, atinja não só o objetivo geral da remissão. É necessário que esta oportunidade agregue também a qualificação profissional destas mulheres e as deixem prontas para o mercado de trabalho em condição de competitividade real. Se atingir tal meta, estas mulheres poderão retornar para a sociedade com um risco de vulnerabilidade financeira menos destacado em sem perfil pessoal, ou seja, poderá quem sabe, mudar seu papel social e financeiro, mudando completamente sua realidade de gênero. A mesma expectativa guarda a busca pela elevação do nível educacional, relação afeto/familiar e de saúde.
Neste sentido, o presente trabalho possui como objeto de estudo as mulheres recolhidas no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/ MG e as políticas públicas de empoderamento feminino que podem ser alcançadas durante processo de ressocialização aplicado naquela unidade prisional sendo indispensável o presente trabalho de intervenção para atingirmos tal objetivo qual seja a melhor qualidade profissional, educacional, familiar e social daquelas reclusas quando egressas da Unidade Prisional.
3. CAPITULO 1: MULHERES EM CONFLITO COM A LEI
3.1. O conceito de gênero e o surgimento da prisão:
Que a opressão e a repressão de gênero, especificamente das mulheres, são seculares, a literatura é farta em nos apresentar tais fatos e evidências concretas. Estudos realizados até o momento também nos permite concluir que a origem da luta para superar e suprimir tais situações de privações e preconceitos é histórica e longínqua.
Segundo Jânio Abreu e Thamyres Andrade (2010), gênero são uma “construção social do sexo anatômico ou o que se diz a partir das diferenças percebidas entre os sexos.” E enquanto construção social, a utilização do termo gênero pelas feministas em um contexto mais importante na história recente conforme a definição alcançada por Joan Scott (1989, p.2), que nos sugere que este é “uma maneira de referir-se à organização social da relação entre os sexos.”
Ainda de acordo com Scott (1989), o tema gênero tem sido construído dentro de abordagens que vão desde a descoberta da amplitude dos papéis sexuais quanto a pesquisas que induzem a capacidade das mulheres transformarem os paradigmas ou acrescentar novos temas, bem como, proporcionar críticas aos trabalhos científicos até então desenvolvidos sobre o feminino.
Outra forma de se abordar o conceito de gênero é considerar as diferenças biológicas entre homens e mulheres. Dessa maneira, essa categoria de análise também pode se referir “à construção social do sexo anatômico” (HEILBORN, ARAÚJO e BARRETO, 2010, p. 13). Esta delimitação se faz necessária, pois trataremos da mulher presa e as questões de empoderamento feminino no ambiente prisional apenas levando em consideração sua condição sexual anatômica, biológica.
A divisão da sociedade entre homens e mulheres e a definição de padrões comportamentais de sexo-gênero encontrada em ampla produção científica ao longo do tempo até a atualidade demonstraram (e demonstram) que foi construído um hiato nesta relação tanto nas questões de trabalho, educação, bem como nas relações interpessoais por vezes conflituosas e até de violência. Segundo Cristina Gomes dos Santos (2013, p. 106), a “ideologia de dominação parte da opressão do homem sobre a mulher e na civilização ocidental enraíza-se com a Revolução Francesa em que a mente humana foi remodelada pela cultura dominada pelo homem (...)”. Dessa forma, depreende-se a sociedade ocidental como eminentemente patriarcal dividida em homens provedores e mulheres cuidadoras, onde “supõe-se que o masculino seja dotado de maior agressividade e o feminino de maior suavidade e delicadeza” (HEILBORN, ARAUJO e BARRETO, 2010, p.18). Nesse pensamento, a expectativa óbvia é de que os conflitos e problemas de caráter penal e/ou de aspecto quanto à criminalidade seriam predominantemente ligados ao gênero masculino, ou seja, aos homens que precisariam defender seu território, sua prole e sua mulher. Evidências históricas apontam para a possibilidade de a criminalidade feminina ter se inaugurado a partir da prostituição e das acusações e condenações pela prática de bruxarias. Tais atividades representavam, na verdade, a quebra de dogmas e pré-determinações não aceitas á época e que as levava a sentenças de morte, na maioria das vezes, até o século XVIII, quando as penas existentes no Direito eram cruéis e não havia a ainda previsão de privação da liberdade. A partir do século XVIII o desenvolvimento da ideia de privação de liberdade como forma de punição, propiciou as primeiras noções da prisão moderna, que para Miyamoto (2015) “surgiram em um contexto onde se procurava transformar os indivíduos considerados criminosos, e tal transformação se daria por meio da realização de trabalhos não onerosos.”. Michel Foucault (2007, p. 131), com base em estudos filosóficos e históricos, levanta a hipótese de que “a prisão esteve, desde sua origem, ligada a um projeto de transformação dos indivíduos”.
Nas lutas sociais, as mudanças podem ocorrer simultaneamente em diversos âmbitos e estes eventos penais vieram atrelados a Revolução Francesa, marco da luta pela igualdade de gênero na sociedade. Estourada nos meados do século XVIII, a referente revolução assumiu esta bandeira conforme discorre Heilborn, Araujo e Barreto (2010, p.45) por volta do século XIX, trazendo a mulher para uma atuação mais importante na sociedade como possuidora de direitos e não apenas como uma coisa. Ao mesmo tempo, como sujeito de direitos, a mulher neste momento passou também a atrair a atenção da legislação penal que se voltou a penalizar também ações praticadas por elas tais como aborto, infanticídio e crimes passionais.
Como sabemos, a sociedade tem regras que visam manter a ordem e a harmonia. Para tanto, ao longo dos séculos, conforme se desenvolve, vai criando um complexo conjunto de normas e sanções que devem ser aplicadas. Aqueles indivíduos que se desviam dessas normas podem ser culminados com várias restrições inclusive com a privação de sua liberdade. Desta forma, com as mulheres se tornando cada vez mais ativas na sociedade, a elas também recaíram os conflitos e a aplicação das consequências jurídicas de privação da liberdade no âmbito penal.
3.2. A mulher no sistema carcerário brasileiro:
Com a mudança de paradigmas sociais em relação às mulheres e interessando estas à lei penal, cabe situarmos na linha histórica pátria. Segundo a Professora Ana Carolina M. Gonsales Jardim (2002, p. 1):
A relação entre mulheres e prisão no Brasil origina-se pelo cometimento de crimes no período colonial, vinculados ao rompimento com a moral religiosa vigente, cujo foco centrava-se no comportamento dos indivíduos. A resolução dos conflitos sociais pautada por uma dimensão valorativa reiterou no decorrer da história, um tratamento infantilizador e disciplinar às mulheres, criando-se estereótipos em torno dos crimes cometidos, cujas condutas passaram a ser explicadas pela diferenciação de delitos associados ao feminino. (JARDIM, 2002, P.1).
No princípio da colonização portuguesa no Brasil, o direito penal aqui aplicado era o mesmo aplicado no território colonizador. Ou seja, aqui também eram utilizadas as normas da sociedade medieval européia, na qual a solução para os conflitos eram estritamente ligados aos preceitos religiosos e, portanto os crimes quase sempre se “confundiam com os pecados e ofensas morais, punindo-se severamente os hereges, apóstatas, feiticeiros e benzedores (...)” (JARDIM, 2002, p.6), devendo observar-se que as penas eram geralmente severas e cruéis.
Neste período, de acordo com Barbara Soares e Ingrid Ilgenfritz (2002 apud JARDIM, 2002), as primeiras mulheres a serem condenadas no país o foram por serem amantes dos clérigos ou outros religiosos, as alcoviteiras ou aquelas que fingiram estar prenhas ou que ainda deram por seus o parto de outras. Nesse período, segundo observa ainda Jardim (2002, p. 6), a mulher e o feminino eram vinculados “a uma dimensão maléfica do social”.
Já após a Independência do Brasil, ocorrida no ano de 1822, o país caminha para a organização interna de sua Monarquia e uma das necessidades legislativas foi à instituição de seu próprio código criminal. Este foi sancionado em 1830 como o Código Criminal do Império, inaugurando com ele também a instituição da pena de prisão simples ou restritiva de liberdade, prevista em seu artigo 47: “... Art. 47. A pena de prisão simples obrigará aos réos a estarem reclusos nas prisões públicas pelo tempo marcado nas sentenças.”.
Além da pena de prisão, o referido código traz ainda a tipificação de crimes próprios às mulheres cujas penas previstas eram as privativas de liberdade. Por exemplo, temos o crime de Infanticídio:
SECÇÃO II Infanticídio
Art.197. Matar algum recemnascido.
Penas - de prisão por três a doze annos, e de multa correspondente á metade do tempo.
Art.198. Se a propria mãi matar o filho recem-nascido para occultar a sua deshonra.
Penas - de prisão com trabalho por um a três annos.
(BRASIL, 1831). (sem grifos no original)
O artigo 199 do referido código reservava uma especificação para a prática do aborto. E, além destes, a mulher também era marcada com o ferro do machismo social ao cometer adultério. A situação complicava-se ainda mais se fosse casada:
SECÇÃO III Adulterio
Art. 250. A mulher casada, que commetter adulterio, será punida com a pena de prisão com trabalho por um a tres annos.
(BRASIL. 1831). (sem grifos no original).
Este mesmo diploma legal trazia ainda termos porquanto segregadores na classificação das mulheres tais como “mulher honesta”, “redução da pena do estupro se a mulher é prostituta” dentre outras.
Por conseguinte, a penalização das ações, a execução destas com a inserção das mulheres nos cárceres nas mesmas condições em que os homens sem preocupação estatal com as suas peculiaridades e necessidades próprias do gênero, foram inevitáveis permanecendo esta condição até o advento da Lei de Execuções Penais de 1984.
No entanto, de acordo com Luana Siquara Fernandes e Yumi Maria Helena Miyamoto (2013, p. 101-103), “o sistema penal foi feito por homens e para homens” e “por conta deste contexto de total dominação masculina (...) a posição desigual assumida pela mulher neste sistema (...)” tem permanecido até a atualidade.
A partir desse Decreto, o sistema carcerário deveria garantir um tratamento diferenciado para a mulher presa: com estabelecimento próprio à sua condição enquanto pessoa (art. 82, § 1º); tratamento médico específico para sua saúde, principalmente aquelas em estado de gravidez, garantindo o pré-natal, o pós-parto (art. 14, § 3º), além de se preocupar com as peculiaridades da maternidade durante o cumprimento de pena com previsão de berçário, espaço de amamentação e convivência com seus filhos lactantes; cuidados por agentes do mesmo sexo.
Apesar da significativa melhoria na legislação e de execução penal, o aumento da criminalidade e o sucateamento do sistema carcerário ainda não conferem na realidade o que está previsto por Lei. Quase a totalidade dos presídios no país ainda é mista. Faltam unidades para presas gestantes e os atendimentos, assim como, para a população em geral, que enfrenta condições precárias no quesito saúde e educação do sistema prisional.
3.3. As mulheres no sistema carcerário: compreendendo indicadores
Segundo levantamento apresentado no dia 23/06/2015 pelo Ministro da Justiça José Eduardo Cardozo, o Brasil é o 4º país no mundo em população carcerária. Possui atualmente cerca de 607.731 mil pessoas encarceradas. Em relação à taxa geral de encarceramento, segundo o próprio ministro, perde apenas para a Indonésia e passa a ocupar neste item a segunda posição mundial.
Os dados apresentados são bem recentes, portanto, refletem diretamente a realidade atual. Segundo o relatório apresentado, o país possui um déficit de 231.062 mil vagas, ou seja, tem uma superlotação prisional que supera os 160% de sua capacidade real existente que é de apenas 376.679 mil vagas. Dos estabelecimentos prisionais existentes, 238 ou 17%, são mistos, destinados a homens e mulheres e apenas 103 ou 7% exclusivamente femininos.
Como demonstram os dados do referido relatório, uma das principais causas de transtornos existentes no sistema é a superlotação. Dela se originam a maioria das demais deficiências. No entanto, para suprir estas deficiências e mudar a realidade da execução da pena privativa para as mulheres são necessárias políticas públicas voltadas para diversas áreas do contexto prisional. A legislação processual e de execução bem como a Constituição Federal lhes assegura diversos direitos de gênero que, no entanto, ainda não foram alcançados. Para tanto, precisamos de políticas públicas gerais e focais para dimensionar mais vagas e ainda diminuir o encarceramento destas mulheres.
Em Minas Gerais, de acordo com dados do governo referentes a janeiro de 2015, das 184 unidades prisionais, 89 unidades são mistas e apenas 13 são destinadas exclusivamente a mulheres que somam um total de três mil presas recolhidas em todo Estado naquele período. Este número corresponde um total de 5 % da população carcerária mineira. Conforme reconhece os órgãos de administração estadual, faltam investimentos e políticas públicas para as questões de gênero nesse sistema prisional.
Outra informação importante a ser considerada são os motivos que levam estas mulheres ao cárcere. 63% das mulheres presas em todo país até o ano de 2014 estão recolhidas pelo crime de tráfico de drogas. 16% respondem por algum crime contra o patrimônio e 7% por crimes contra a vida.
As proporções estatísticas encontradas para as penitenciárias do Estado de Minas se confirmam no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG. Essa cidade se localiza na Zona da Mata a 170 km da capital mineira.
Atualmente, no Complexo Penitenciário de Ponte Nova estão recolhidas 74 mulheres sendo que destas apenas 18 estão presas provisoriamente. A unidade possui apenas 44 vagas femininas sendo 24 para condenadas ao regime fechado, 10 para o regime semiaberto e 10 para o regime aberto. Não há vagas para provisórias, no entanto, pela não existência de outras instituições com capacidade para recebê-las, atualmente existe 18 presas em caráter provisório aguardando julgamento.
Nessa instituição, uma em cada três mulheres está presa por tráfico de drogas ou associação a essa prática. Os índices de pequenos furtos e os homicídios com motivação passional também estão na lista dos mais praticados por aquelas reclusas.
Em levantamento realizado durante as entrevistas da presente intervenção, foi observado que mais de 70% das entrevistadas negam a participação nos crimes, especificamente nos relacionados ao tráfico de entorpecentes ou associação a esse. Importante destacar que essas mulheres atribuem a participação nessa prática delituosa a algum indivíduo masculino com o qual possui vínculos afetivos fortes, como esposo, companheiro, pai ou irmão.
Os relatos são bem semelhantes: os policiais adentram as residências em busca dos responsáveis pela atividade ilícita e ao invés do homem, encontram apenas as mulheres e a droga. Dessa forma, elas se deparam com a situação de encarceramento e rompimento dos vínculos familiares. São privadas de liberdade em ambiente de superlotação com outras, que de fato, cometeram crimes.
Outra situação que aflige o sistema carcerário é a situação educacional e profissional das mulheres nele ingressas. A educação é um dever do estado e deve ser prática presente também no sistema carcerário. Neste setor pelo menos, os dados apresentados pelo Ministro da Justiça demonstram que 48% das unidades penais no Brasil já contam pelo menos com uma escola em funcionamento. Em Minas Gerias, dos 189 estabelecimentos penais, pelo menos 101 possuem salas de aula em atividade. No Complexo Penitenciário de Ponte Nova também funciona uma escola onde atualmente cerca de 10 detentas estão estudando. A informalidade ou a falta de profissão no ato do encarceramento é comum entre as presidiárias alocadas no Complexo Penitenciário de Ponte Nova, seja pela baixa escolaridade ou por se encontrar de situação de vulnerabilidade social e econômica, em alguns casos, até mesmo a pobreza extrema. Todas estas situações podem e devem ser amenizadas e enfrentadas com políticas públicas eficientes no sentido do atendimento as condições de gênero especialmente na expectativa de empoderamento dessa população visando essencialmente mudar o seu quadro inicial por meio de atendimentos e intervenções específicas, assistindo-as desde a reestruturação familiar, saúde, educacional, profissional e até mesmo pessoal. Inserirem-nas em uma situação de cumprimento de pena mais humanizado para possibilitar o real alcance das finalidades do cumprimento da pena segundo a legislação penal pátria quais sejam concretizar a sentença e ressocializar o individuo.
4. CAPITULO 2: O GÊNERO NO COTIDIANO DA PRISÃO
4.1. A inserção da mulher no cárcere
Apesar de se tratar de tema ainda pouco estudado, profissionais ligados aos diversos órgãos do sistema prisional encontram-se preocupados e tem buscado demonstrar que as mulheres são tratadas do modo significativamente diferente dos homens com relação à garantia dos seus direitos quando se encontram encarceradas. Segundo Elaine Pimentel (2013), o sistema carcerário brasileiro não está preparado para lidar com as mulheres presas.
E essa preocupação se acentua em todos os aspectos do encarceramento e dos motivos pelos quais estas mulheres se encontram aprisionadas. De acordo com Luis Chies (2004, apud Spinoza, 2004), a prisão é uma instituição de sequestros: sequestra-se não só a liberdade ambulatória dos homens e mulheres que a ela são submetidos como também a voz, a identidade, a dignidade, a condição de sujeitos e cidadãos. É ainda, uma instituição de (in) visibilidades. Entretanto, é este estigma que o sistema prisional brasileiro, o mineiro e em especial o Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG deve abolir.
Os colaboradores do Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG, atentos à função ressocializadora da pena, se empenham em realizar o levantamento do perfil das reclusas admitidas na unidade prisional a fim de encaminhá-las às atividades, trabalho ou estudo, promover reativação dos laços familiares por meio da rede psicossocial, de ensino ou do mercado de trabalho, atendendo de fato as expectativas dessas mulheres, tendo-as como sujeitos principais de todo o trabalho.
Visando claramente a questão do Gênero, estas atividades direcionadas as reclusas buscam alcançar o empoderamento da mulher presa, tendo como expectativa principal o combate à reincidência criminal e a reinserção das mesmas na sociedade. Para isso, busca-se oferecer reestruturação social e pessoal das aprisionadas através dessas três dimensões citadas anteriormente (formação educacional e profissional, acompanhadas do restabelecimento de laços afetivos importantes) às medidas de ressocialização devem evitar que o âmbito sórdido e cruel do sistema prisional “sequestre” a percepção de si enquanto sujeitos de direito e a identidade de gênero. Para atingir tais objetivos, primeiro é necessário conhecer o perfil pessoal e criminal de cada uma das internas. Este processo se dá com o atendimento inicial de classificação ou triagem, que é realizado assim que a detenta chega à Unidade Prisional.
O primeiro passo é o encaminhamento da presa ao Núcleo de Segurança Interna onde são efetuadas as perguntas inerentes ao fato criminoso que lhe é imputado, as circunstâncias em que este ocorreu e as condições pessoais em que se encontra (se está lesionada, emocionalmente abalada ou necessitando de quaisquer cuidados emergenciais). Durante este procedimento, busca-se identificar os contatos familiares, levantar os primeiros dados de sua situação escolar bem como profissional até o momento da prisão.
Em seguida temos o segundo passo, que se trata de compreender o estado emocional das mulheres que estão chegando à instituição. Através de conversas com Psicólogas e Assistentes Sociais. Nestes setores, além do apoio para buscar o equilíbrio pós-cárcere, estas profissionais buscam ainda trabalhar os vínculos rompidos pelo processo da restrição da liberdade.
Esse trabalho é desenvolvido, pois com a detenção de um membro familiar ocorrem mudanças na configuração desse núcleo, diminuindo a possibilidade de convivência entre os mesmos. Além disso, as mudanças também ocasionam, conforme Mioto (1997), uma fragilidade dos vínculos e maior vulnerabilidade da família no contexto social, como crises em situações de mortes, desemprego, doenças e outros:
É preciso não esquecer que as mulheres encarceradas costumam ser também ‘mães-de-família’: acumulam uma dupla responsabilidade, cuidado que se “perde” com a detenção, pois com a prisão fica impossibilitada de contribuir com o sustento material de seus dependentes. Essa etapa da vida geralmente vem acompanhada de uma dupla carga de culpa por suas insuficiências tanto no cuidado das crianças quanto na sua manutenção econômica. É verdade que essas insuficiências existem também em outras famílias, e igualmente é verdade que ambas têm suas raízes nas condições geradas pela sociedade. Porém, esses fatores sociais são ocultados pela ideologia que coloca a culpa na vítima, e o problema se torna mais agudo quando as duas vítimas são encarnadas por uma só pessoa (BRUSCHINI, 1997, p.40).
A busca pela manutenção deste vínculo ocorre ainda, pois a participação da família estruturada é muito importante no processo de recuperação da detenta, pois tem sido observado que a encarcerada que tem o apoio familiar na sua recuperação apresenta maior chance de recuperação e empoderamento pessoal.
Neste processo de acolhida, a detenta é encaminhada ainda ao setor de médico/enfermagem da unidade que possui a preocupação principal de analisar sua condição física e psíquica, especialmente as específicas quanto à saúde da mulher. Isso se faz necessário, pois a população carcerária feminina especialmente aquela recolhida no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG tem origem geralmente em áreas de risco, apresentam consumo de drogas ilícitas e até mesmo envolvimento com a prostituição.
Ou seja, podem apresentar quadros que requerem cuidados específicos da saúde da feminina e necessitam atendimento dentro de uma política de equação e empoderamento de gênero e que ainda não tem sido apresentada desta forma pelo Estado. Nesta expectativa, buscamos intervir junto aos profissionais daquela Unidade Prisional para o desenvolvimento de programas e procedimentos próprios que agregam ao serviço padrão e que possam proporcionar um resultado diferenciado durante todo o processo de recuperação e de execução da pena para estas reclusas.
Outro setor importante onde as reclusas são atendidas e devidamente qualificadas é no setor de Pedagogia. Ali, podemos efetuar a correta identificação do seu perfil escolar por meio de dados, tais como atual escolaridade, último estabelecimento em que estudou, seu perfil profissional, se existe e/ou quais têm interesse em adquirir bem como aprestar a disponibilidade e interesse em participação em atividades de qualificação profissional e escolar.
4.2. O resgate familiar e as visitas assistidas:
Para Carvalho e Almeida (2003), a família é o elemento-chave não apenas para a “sobrevivência” dos indivíduos, mas também para a proteção e a socialização de seus componentes, transmissão do capital cultural, do capital econômico e da propriedade do grupo, bem como das relações de gênero e de solidariedade entre gerações.
A própria Lei 7.2010/84 que disciplina a de Execução Penal nacional traz em seu artigo primeiro a necessidade de integração social da condenada e o melhor instrumento para a efetivação e harmônica integração social dessa na sociedade é o convívio familiar.
Quando as Assistentes Sociais da U.P identificam o rompimento ou fragilidade dos vínculos familiares e o abandono das encarceradas pela família, é efetuada uma atuação profissional voltada ao restabelecimento destes laços, seja por meio da visita social regular ou nos casos mais complexos, por meio das visitas assistidas. Esta última é a que mais interessa ao presente estudo, pois visa atender presas em condições de abandono ou completa impossibilidade de recebimento de visitas sociais regulares, por falta de condição econômica ou pessoal dos parentes mais próximos e cônjuges, que, em alguns casos, também se encontram em situação de conflito com a lei.
Essas visitas são articuladas e solicitadas pelas Assistentes Sociais junto a Diretoria de Ressocialização e quando aprovadas, são realizadas e acompanhadas pelas mesmas. Neste processo, muitas mulheres, presas e sem nenhuma expectativa de vida, reencontram os filhos, os pais ou outro familiar que possa reacender nelas uma chama de esperança para continuar a vida, aprender coisas novas, sair da prisão com um aproveitamento e plano sólido de crescimento após cumprimento de sua pena. Isto para que o apoio familiar não se torne mitigado, sem nenhum retorno por parte das mesmas.
Com esta conquista e após as visitas, geralmente, as mulheres presas sentem-se motivadas a participar com maior frequência de atividades de sociabilidade, melhoram o equilíbrio pessoal e orientação psicológica, melhoram até mesmo o comportamento carcerário e em consequência conquistam avanços no processo ressocializador de sua reclusão.
4.3. Saúde da mulher encarcerada
De acordo com o programa de atendimento de saúde da Secretaria de Estado e de Defesa Social do Estado de Minas Gerais, este se dará nas seguintes condições:
A assistência à saúde da população privada de liberdade refere-se ao conjunto de ações de promoção, proteção, assistência e recuperação da saúde e compreende atendimento médico, farmacêutico e odontológico. A equipe da Diretoria de Saúde e Atendimento Psicossocial da Subsecretaria de Administração Prisional (Suapi) é composta por profissionais de diversas áreas, que atuam em todas as unidades prisionais do Estado.
As ações desenvolvidas dentro das unidades são voltadas para prevenção e tratamento de saúde, priorizando ações voltadas à saúde bucal, saúde da mulher, doenças sexualmente transmissíveis, AIDS e hepatites virais, saúde mental, controle da tuberculose, hipertensão e diabetes, hanseníase, assistência farmacêutica básica, imunizações e coletas de exames laboratoriais.
O acesso aos demais níveis de atenção acontece nas unidades de saúde próximas, que tenham condição de atender a população presa.
(MINAS GERAIS. Subsecretaria de Administração Prisional. Saúde e Psicossocial.)
Conforme se depreende do texto supracitado, os programas são de preocupação geral, com pouco destaque para a especificidade de gênero. Saúde da mulher é até citado sem, no entanto, na prática, fugir do já praticado pelos programas nacionais de saúde da mulher. Não se percebe ainda uma política que leve em consideração as condições de aglomeração, da insalubridade das prisões ou mesmo da higiene e os materiais fornecidos para tal hábito se preocupando especificamente com a condição feminina.
No entanto, no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG, tem sido proporcionado intervenções no sentido de proporcionar benefícios que vão além das políticas fornecidas à saúde da mulher restrita ao contexto prisional.
Exemplo desta intervenção são as palestras organizadas e proferidas especificamente para as detentas sobre diversos temas em relação aos cuidados de higiene pessoal, medicação sem prescrição, uso de drogas, transmissão de doenças sexuais, etc.
Outro exemplo são ações que visam auxiliar o empoderamento dessas mulheres proporcionando parcerias para realização de cirurgia de esterilização como auxílio no controle familiar de algumas que possuem, ainda jovens, um número superior a três filhos. Após algumas detentas demonstrarem o interesse pelo procedimento cirúrgico, uma das Enfermeiras da Unidade buscou apoio de um médico cirurgião em um dos hospitais da cidade e estes doaram até o presente momento duas cirurgias de esterilização. Estes procedimentos não fazem parte da rotina da unidade Prisional, mas são obtidos em benefício da melhor qualidade da saúde e de vida para aquelas mulheres.
4.4. Escola e trabalho: empoderamento educacional e profissional
Outro importante setor onde a intervenção proposta pelo presente trabalho tem apresentado resultado importante durante os atendimentos e atividades realizados é o da Pedagogia.
Realizada a identificação e triagem das presas conforme seu perfil escolar e profissional, elas são aprovadas pela comissão Técnica de Classificação e encaminhadas para cursos profissionalizantes aplicados por tutores advindos de parcerias públicas e/ou privadas onde desenvolvem seus talentos ou ainda aprimoram atividades já conhecidas.
No Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG funciona uma extensão da Escola Estadual Senador Antônio Martins, com capacidade para atender até 90 alunos. A formação disponível nesta escola abrange desde a educação básica até o ensino médio. Além da educação regular, outros cursos são ministrados pelos instrutores do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural-Senar por meio de parceria realizada entre o Complexo Penitenciário e o Sindicato Rural de Ponte Nova/MG,
Na seara educacional, algumas relatam que aprenderam as primeiras letras somente na escola da prisão com a oportunidade apresentada pelo Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG e que o sentimento é de extrema importância após tal aprendizado. Que este muito tem contribuído para sua alta estima e até mesmo na vida pessoal, pois assim pode reatar seus laços familiares por meio de correspondências. Como analfabeta isso não era possível.
Pelo processo educacional, outras detentas, ao participarem de cursos profissionalizantes de corte e costura, por exemplo, conseguiram oportunidade de trabalhar empregadas em fábricas que funcionam dentro da unidade Prisional, agregando a sua vida uma renda financeira que para muitas foi à primeira.
Além das atividades estudantis, o trabalho também tem demonstrado um bom auxiliar no processo de ressocialização e empoderamento de gênero para as detentas. Na unidade, as detentas realizam desde tarefas internas tais como distribuição da alimentação, limpeza de áreas coletivas, lavanderia como também trabalham remuneradas em fábricas de cortinas, capas de chuva, luvas esportivas dentre outras. Além da remissão de pena, importante no processo de ressocialização e retorno antecipado para a sociedade, recebem também uma remuneração que pode chegar até três quartos do salário mínimo vigente.
A renda adquirida através dos serviços prestados dentro do presídio pode ser entregue a família ou utilizada pelas detentas quando precisarem. Muitas a utilizam para custear o transporte do familiar que não tem condições de arcar com o deslocamento para a visitação; com a aquisição de pertences e alimentos que podem ser recebidos para complementar a alimentação fornecida; para custear defensor particular, uma vez que, a demanda da Defensoria Pública local é muito alta para a única defensora criminal da Comarca, e ainda para custear até mesmo seu retorno a família quando finalizar a privação da liberdade.
A soma de todos esses fatores - orientações recebidas durante os cursos, capacitação educacional, experiência profissional adquirida, conquista financeira - contribuem, sem dúvida, para o empoderamento de gênero, o que ocasiona resultados eficientes durante o processo de ressocialização das detentas recolhidas e participantes dos programas afins no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG.
Os programas que o Estado de Minas Gerais vem implantando para alcançar a recuperação e a ressocialização dos reclusos em seu sistema carcerário ainda estão crescendo e necessita de investimentos e estruturação. Quanto às questões de gênero, os mesmos carecem de políticas específicas. As metas lançadas não fazem qualquer distinção entre homens e mulheres. A maior preocupação é que haja determinado número de presos estudando ou trabalhando, independente do sexo.
Nesta ausência é que efetuamos no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG a presente intervenção como tentativa de melhor as políticas estaduais atuais, objetivando programar a compreensão da necessidade da busca pelo empoderamento destas mulheres como parte do processo de ressocialização.
Nesta esteira, os possíveis resultados serão trazidos no terceiro capítulo do presente trabalho.
5. CAPITULO 3: DESENVOLVENDO AS ATIVIDADES PROPOSTAS E A ACOLHIDA DOS POSSÍVEIS RESULTADOS
As atividades de intervenção desse trabalho foram desenvolvidas no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG. Quanto à metodologia em seus fins, se trata de uma atuação em algumas situações e em algumas ações consideradas relevantes no funcionamento da unidade prisional e para o dia a dia do objeto do presente trabalho.
Através de uma pesquisa de campo ou observação das atividades de intervenção dentro do grupo analisado, foi possível percebermos as implicações das ações no cotidiano do presídio.
Além das atividades de intervenção nas atividades cotidianas, também realizamos a aplicação de um questionário aberto a vinte mulheres encarceradas. A aplicação do mesmo foi importante, pois possibilitou colher diretamente com as apenas informações complementares acerca de questões mais pessoais tais como violência ou abusos sofridos na vida pregressa ao cárcere e ainda ouvir diretamente destas a opinião sobre os resultados dos atendimentos e demais atividades realizadas durante o presente trabalho.
Possibilitou ainda trazer aio trabalho informações mais precisas sobre dados de natureza econômica, familiar, profissional e acadêmica da população estudada e ainda trouxe resultados bastantes críticos em relação subjetividades existente nas relações geralmente existentes entre a população carcerária em apreço e os profissionais diretamente ligados a sua guarda ou atendimentos técnicos, ou seja, possibilitou a visibilidade da mulher presa em uma perspectiva menos introspectiva dentro do cárcere.
O projeto-intervenção, tal qual foi proposto, ocorreu em consonância aos parâmetros de segurança do Procedimento Operacional Padrão (POP) da Subsecretaria de Administração Prisional do Estado de Minas Gerais, ou seja, todos os procedimentos de entrevista, palestras, encontros, ações, aplicação do questionário ocorreram respeitando as normas de segurança de atividades internas da unidade prisional bem como os registros escritos e fotográficos que compõe o trabalho respeitam a privacidade dos funcionários e funcionárias, das reeducandas, dos parceiros e da estrutura física da unidade prisional. Em todos os procedimentos houve a preocupação com a ética e segurança necessárias e adequadas ao ambiente prisional.
A intervenção se deu de forma interdisciplinar, envolvendo diretamente os profissionais de vigilância, coordenação de trabalhos, corpo técnico de saúde, psicologia e assistentes sociais bem como pedagoga, professores e representantes de alguns parceiros do sistema prisional.
Durante a realização deste projeto, foram realizados atendimentos de acolhida realizados pelo discente desta especialização na condição de Coordenador do Núcleo de Segurança Interna, setor onde são realizados os primeiros atendimentos de identificação e triagem dos reeducandos, e, especialmente para este trabalho, entrevistas iniciais com as mulheres, tendo por finalidade, identificar e traçar seus perfis sociais, econômicos e condições de gênero, encaminhando-as aos atendimentos especializados conforme suas demandas de saúde, educação, profissão, psicológicas e sociais.
Foram realizadas ainda entrevistas interdisciplinares caracterizando-se por ser a integração de dois ou mais componentes curriculares, tratando-se de torná-las comunicativas entre si, conciliando os conceitos pertencentes às diversas áreas do conhecimento para promover avanços na compreensão ou resolução de problemas cujas soluções estejam além do conhecimento de uma única área profissional, todas direcionadas para alcançar o objetivo principal qual seja o empoderamento das questões referente a gênero.
Foi realizada uma entrevista informal com as reclusas buscando identificar aquelas que estivessem sem nenhum contato familiar, seja pela falta de visitas ou por contato escrito e/ou telefônico. Duas das 56 presidiárias pediram auxílio, pois não tinham informações de seus filhos por um tempo superior a seis meses. Diante da solicitação, buscou-se atendimento com uma das Assistentes Sociais para cada uma das referidas detentas.
Foi necessário buscar contato com profissionais da Assistência Social e CRAS do município de Ipatinga/MG, onde reside à família de “Amanda”¹, nome fictício. Para obter informações de onde e com quem estavam os filhos dela. Conseguimos localizar a irmã de “Amanda” e proporcionamos um contato telefônico entre mãe e filhos.
Para “Maria”2, a segunda apenada em mesma situação de ausência ou distância familiar, o procedimento de contato foi mais fácil uma vez que havia na unidade o número e endereço de sua família, que foi por ela mesma previamente informados. No entanto, o filho de qual ela buscava informações havia cometido atos infracionais análogos a homicídio e tráfico de drogas e, por isso, se encontrava cumprindo medida socioeducativa no Centro Socioeducativo São Francisco de Assis, em Governador Valadares/MG. Acionada a Direção da Unidade, esta permitiu uma ligação ao referido Centro e mãe e filhos puderam, sob supervisão da Assistente Social e Agente Penitenciarias, falar-se pelo telefone, “amenizando assim o sofrimento da mãe pela falta de notícias do filho”, conforme relatou a reeducanda.
Outro procedimento realizado foi à realização, em parceria com a Prefeitura Municipal de Ponte Nova/MG, de um mutirão com a equipe de saúde para a realização de testes rápido para HIV e Sífilis, atendendo a todas as detentas.
Outra atividade desenvolvida foi em conjunto a Comissão Técnica de Avaliação - CTC, oportunidade em que foi possível identificar, atender e avaliar oito presas que foram condenadas em definitivo, mas ainda não haviam passado por avaliação que permitisse o encaminhamento para a escola, trabalho ou qualquer outra atividade fora das celas de reclusão. Entre essas mulheres: três foram direcionadas para a escola; uma para um curso de pintura e bordados ministrados por instrutora do Pronatec/Senar; uma para vaga de emprego na empresa Plastinova (parceira da Subsecretaria de Administração Prisional), que mantém um galpão de trabalho no Complexo de Ponte Nova/MG; três não foram aprovadas uma vez que possuem um comportamento carcerário inadequado para a segurança e quadros de estabilidades emocionais prejudicados ou inconstantes.
Durante e após a realização destas atividades, foi aplicado um questionário de participação voluntária, ação na qual pudemos contar com 20 participantes para respondê-lo. Através desse método, buscou-se identificar a idade, o tempo da reclusão e sua motivação. Também tivemos a pretensão de que a partir disso essas mulheres reconhecessem a participação em crimes, bem como, a reincidência criminosa e a origem desta. Dados como a escolaridade, profissão, renda familiar, origem, se urbana ou rural, número de filhos bem como o consumo de drogas também fizeram parte das indagações daquele questionário. Outros pontos abordados foram o conhecimento da origem familiar, violência infantil e/ou doméstica e a opinião das mesmas acerca das políticas de ressocialização existentes e sua contribuição para o crescimento pessoal, familiar e de gênero bem como as críticas quanto a estas.
O Questionário foi aplicado pelo discente e por uma das Assistentes Sociais do Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG. Tanto nessas atividades como em todas as outras realizadas, observamos uma grande dificuldade de aceitação da presente proposta, tanto por parte dos profissionais da Segurança como pelo grupo objeto de estudo (em alguns momentos).
Acredita-se que a profissão exercida pelo discente, ou seja, o cargo de Agente de Segurança Penitenciário guarda ligação com a cobrança das normas padrões apenas, destoando-se da preocupação com as questões de gênero, especialmente quando se trata das questões referentes às mulheres, talvez pela própria estrutura masculinizada na qual esteja inseridas ou mesmo pela cultura social machista que se reflete naturalmente naquele ambiente prisional.
Em relação ao objeto de estudo, o recebimento de tal proposta advinda do profissional masculino a princípio também causou desconfiança da maioria, demonstrando que a política atualmente aplicada precisa urgente de adaptação e consideração com as questões de gênero em sua construção e desenvolvimento para que estas atividades se tornem mais presentes e menos estranhas quando apresentadas e realizadas junto à população carcerária feminina, seja no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG ou em qualquer outra unidade prisional do Estado.
Outra dificuldade enfrentada é a burocracia para se obter uma autorização de aplicação da referida proposta junta a unidade prisional e ao objeto de estudo bem como para a utilização dos dados disponíveis ou alcançados. Mesmo dispondo de alguns dados obtidos no convívio e na relação de trabalho já desenvolvida junto à população participante do presente trabalho, não foi obtida a autorização para a utilização dos mesmos por se tratar de informações internas e que guardam a característica de sigilos institucionais.
6. CONCLUSÃO
Inicialmente, o projeto de intervenção abrangia uma população carcerária feminina reclusa no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG composta por 74 mulheres que ali estavam em cumprimento de pena ou aguardando o julgamento de seu processo. Eram 21 mulheres em regime de prisão provisória, aguardando julgamento, 05 em regime aberto, 11 em regime semi-aberto e 37 cumprindo pena em regime fechado.
Ao final do presente, algumas alcançaram os benefícios da execução de pena como, por exemplo, a prisão domiciliar onde a detenta progride para regime menos gravoso de pena (regime aberto) e, não possuindo residência na Comarca, recebe alvará para cumprir sua pena junto a sua família, na comarca de origem de seu crime. Com isso, no encerramento do presente estudo, a população carcerária feminina naquela unidade prisional era de 54 reclusas.
Destas, conforme questionário aplicado durante e após as atividades realizadas, 18 se declararam casadas, 33 solteiras, 01 viúva e 02 divorciadas. Elas compreendem a faixa etária entre 18 e 45 anos sendo que 11 possuem entre 18 e 24 anos, 15 possuem entre 25 e 29 anos, 13 possuem entre 30 e 34 anos e 15 possuem entre 35 e 45 anos.
Além destes dados, procuramos conhecer ainda a identificação étnica racial momento em que elas se declararam como que 20 de cor preta, 21 de cor parda e 13 de cor branca. Nenhuma se declarou de origem amarela, indígena ou outra.
Quanto ao perfil educacional destas mulheres, foram identificadas que 05 são analfabetas, 17 possuem o ensino fundamental incompleto 32 possuem o ensino médio incompleto sendo que 02 estão regulamente matriculadas na escola da Unidade Prisional para a alfabetização, 06 cursando o ensino fundamental e 03 terminando o ensino médio.
Conforme já apresentado anteriormente no 1º capítulo, no CPPN uma em cada três mulheres está presa por tráfico de drogas ou associação a essa prática. Os índices de pequenos furtos e os homicídios com motivação passional também estão na lista dos mais praticados por aquelas reclusas.
Durante os atendimentos que foram sendo realizados individualmente acompanhando tanto as Assistentes Sociais, respeitando as normas de sigilo da categoria quanto com as Psicólogas ou ainda durante as atividades escolares e oficinas de pintura e bordados ministradas pelos professores do Pronatec, foi possível identificar que quase todas as mulheres não possuíam ao tempo da prisão uma profissão ou ainda eram capazes de promoverem o próprio sustento. Inúmeras afirmam categoricamente que nem mesmo sabiam que seus companheiros os filhos praticavam algum crime relatando ainda que, justamente por não terem o conhecimento de detalhes de tais práticas, acabaram reclusas uma vez que as autoridades policiais entendem que é uma forma de proteção destas as atividades ilícitas dos mesmos.
Ao serem questionadas se acreditam na ressocialização ou que as atividades a que estão inseridas podem contribuir com um crescimento pessoal, todas as 24 participantes voluntárias foram unânimes em responderem que sim. Uma delas relata sua situação pessoal:
Quando eu cheguei aqui, eu não era ninguém. Não acreditava mais em mim por causa do Crack. Havia perdido o marido e 06 filhos. Hoje sou operadora de máquina graças ao curso que fiz aqui dentro. E ainda, aprendi também a ser empreendedora com o curso de empreendedorismo que fiz pelo Senai. Com o emprego aqui na fábrica da Plastinova eu já comprei um terreno para construir minha casa lá em Matipó, minha cidade.
Outra ainda completa enquanto borda um pano de prato: -
Quando o senhor falaria que me iria ver aqui bordando? Conhece meu histórico criminoso. O senhor sabe que não pude ficar com meu filho, pois eu não tinha condições de cuidar dele. Agora eu estou pronta para cuidar do meu filho depois de aprender tanta coisa aqui na cadeia. Posso sustentá-lo dignamente, senhor.
Outro relato importante pode ser observado em uma das entrevistadas é que mesmo afirmando que quando foi presa, reconhece sua participação no crime que lhe foi imputado, o que a difere de quase todas as demais, afirma que só se envolveu por ter sido criada em ambiente criminoso e que este até então era normal para a mesma. Hoje, após quase 05 anos presa e com a profissionalização que adquiriu nas parcerias de trabalho da unidade, já tem vaga de emprego garantida logo que cumprir o lapso temporal para a progressão de regime. Mesmo condenada e reconhecendo a traficância antes da prisão, não pretende voltar para esta vida, pois atualmente valoriza o dinheiro conquistado com o trabalho digno.
A pergunta que inaugurou o presente trabalho é que se seria possível alcançar o empoderamento das mulheres reclusas no Complexo Penitenciário de Ponte Nova/MG simultaneamente a cumprimento da função ressocializadora da pena. Tínhamos como expectativa principal perceber nestas atividades o combate à reincidência criminal e a reinserção das mesmas na sociedade com experiências acadêmicas, de mercado e laços familiares melhores dos que possuíam antes da reclusão, interferindo diretamente nos “sequestros” ocasionados por esta, segundo os estudiosos supra mencionados, na vida destas cidadãs.
Mesmo com o tempo muito curto e enfrentando principalmente as burocracias legais para se realizar um projeto ousado para os moldes atuais no sistema carcerário mineiro, ainda engessado como o todo sistema carcerário brasileiro ainda o é, concluo por positivo o resultado alcançado uma vez que foi possível detectar nos relatado por aquelas mulheres mudanças claras e fáticas em seus educacionais, profissionais, familiares e principalmente, na perspectiva em relação a si mesmas enquanto mulheres que podem, que são capazes de tomarem suas próprias decisões, alcançarem um destino diferente, uma condição pessoal e familiar diferente e melhor do que possuíam antes de serem presas e condenadas muitas vezes por crimes que sequer cometeram.
Ou seja, é possível alcançar o empoderamento das mulheres presas não só no Complexo Penitenciário de Ponte Nova, mas também em quaisquer unidades prisionais do Estado de Minas ou do nosso país durante o processo de ressocialização ou mesmo com políticas públicas voltadas exclusivamente para esta finalidade uma vez que as questões do hiato de gênero estão presentes e, na verdade, se agravam nestes ambientes prisionais, merecendo cada vez mais uma atenção estatal especial para esta população em específico: As mulheres presas.
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Publicado por: MARCELO PAIVA SOARES
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