Drogas, por que legalizar? A interferência do Direito Penal na questão das drogas

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1. RESUMO

Examinou-se neste trabalho a repressão às drogas e a sua relação com a criação do tráfico e do traficante, e seu aumento de penas baseada, em muita das vezes, em teorias como a teoria do direito penal do inimigo.

Assim, procurou este trabalho relacionar a política proibitiva de drogas, com a criação do traficante e suas mazelas consequentes, adotando, para tanto, teorias penais, e levantamentos de questões controvertidas de dispositivos da própria lei de drogas (lei 11.343/06).

No primeiro capítulo, foi feita uma breve introdução ao tema, dando um foco maior à problemática da proibição das drogas como elemento criador do tráfico e do traficante.

Já, no segundo capítulo, procurou-se abordar teorias penais, como a do direito penal do inimigo, para demonstrar que a problemática das drogas por vezes é tratada com base nesse pressuposto. Abordamos ainda o minimalismo penal, entendido neste trabalho com o objetivo de contração penal e o abolicionismo, este apenas enquanto crítica ao direito penal.

No terceiro capítulo, o enfoque foi no sentido de fazer um desenvolvimento histórico da proibição das drogas, as motivações para considerar ilícito o uso de determinadas substâncias, e a forte influência e interferência dos EUA neste processo, culminando com a reprimenda tanto do uso quanto da venda, e as motivações ideológicas dos EUA para aumentar estratosfericamente a repressão às drogas. Trouxemos ainda à discussão, questões controvertidas nos tribunais e doutrina a respeito do delito de posse de drogas para consumo pessoal (art.28 da lei 11.343/06), e a respeito do delito de tráfico de drogas (art.33 da lei 11.343/06).

Para fechar o capítulo, foi feita uma breve análise da discussão das drogas em alguns países pelo mundo, lembrando que os dados obtidos datam de 2013, com variações pequenas para mais ou para menos. A relevância dessa observação é apenas para lembrar que, de 2013 para cá, os EUA vêm mudando sua política proibicionista, de modo que muito já pode ter evoluído de lá para cá no objetivo de implementação de modelos alternativos pelo mundo afora.

No quarto capítulo, o objetivo foi relacionar as teorias levantadas no segundo capítulo (teorias penais), com as questões debatidas no terceiro capítulo (problemática das drogas).

Fundamentou-se a ideia da legalização com base em pressupostos minimalistas, de uma atuação do direito penal apenas quando tal intervenção for extremamente necessária, de modo a sedimentar a ideia de que a intervenção do direito penal na questão das drogas, infelizmente, é uma intervenção prejudicial, pois, criou o tráfico e o traficante, com suas mazelas consequentes, que mais prejudicam a sociedade e a saúde pública como um todo (e não apenas a saúde pública), do que a própria droga em si.

Desenvolveu-se a ideia de que o problema das drogas, em relação ao traficante, é tratado muitas das vezes à luz da teoria do direito penal do inimigo, fruto esta talvez da antiga política de “guerra às drogas”, iniciada nos anos 70 e que aos poucos vai-se esvaindo, tendo em vista que às drogas, ao contrário do que se pensava no ocidente, não tinha e nunca teve relação direta na disputa da guerra fria entre EUA e URSS. Ainda abordou-se ainda, a criação do traficante com a proibição.

No quinto capítulo, não tinha como deixar de analisar a discussão atual no STF acerca da descriminalização das drogas, com exposição dos votos dos ministros: Ministro Luís Roberto Barroso, Ministro Gilmar Mendes e Ministro Edson Facchin.

Por fim, concluiu-se que o Brasil necessita urgentemente, devido ao enorme problema que o tráfico de drogas produz em nossa sociedade, de uma nova política de drogas, e que a legalização é uma saída possível para esta problemática, devido ao fato de que, justamente, é a proibição, e não as drogas em si, que cria o traficante e todo crime correlato, prejudicando exponencialmente a saúde pública, que a norma alega proteger.

Dessa forma, a interferência do direito penal na questão das drogas, seria corrigida por uma política de legalização, enfraquecendo o poder e, muito possivelmente, aniquilando a existência do traficante, que não sobreviveria frente à legalização. O objetivo desse trabalho, portanto, é demonstrar que a proibição foi quem criou, e é quem mantém a existência do traficante, com toda criminalidade correlata.

Palavras – Chave: Abolicionismo Penal, Minimalismo Penal, Direito Penal do Inimigo, Legalização das drogas, Tráfico de Drogas, História das drogas.

ABSTRACT

It examined in this work drug enforcement and its relationship with the establishment of trafficking and drug dealer, and its increase in penalties based on a lot of the time, in theory as the theory of criminal law of the enemy.

So, this study sought to relate the prohibitive drug policy, with the creation of the dealer and its attendant ills, adopting, therefore, criminal theories, and surveys of controversial issues of the law itself drug devices (Law 11.343 / 06).

In the first chapter, a brief introduction to the subject was made, giving a greater focus on the issue of drug prohibition as creative element of trafficking and the trafficker.

In the second chapter, we tried to address criminal theories, such as the criminal law of the enemy, to show that the problem of drugs is sometimes treated on that basis. We still approach the criminal minimalism, understood in this work in order to criminal contraction and abolitionism, is only as critical to criminal law.

In the third chapter, the focus was in the sense of making a historical development of drug prohibition, the motivations to consider illicit the use of some substances, and the strong influence and US interference in this process, culminating in the reprimand much use as the sale, and ideological motivations of the US to increase stratospherically drug enforcement. also brought the discussion, controversial issues in the courts and doctrines regarding drug possession offense for personal consumption (art.28 of Law 11.343 / 06), and about the drug trafficking offense (art.33 of the law 11.343 / 06).

To close the chapter, it was made a brief analysis of the discussion about drugs in some countries around the world, noting that the data date back to 2013 with slight variations more or less. The relevance of this observation is just to remember that from 2013 until now, the US has changed its prohibitionist policy so that the data collected show shy evolution, so that currently much may already have evolved since then.

In the fourth chapter, the objective was to relate the theories raised in the second chapter (criminal theories), with the issues discussed in the third chapter (the drug problem).

Was based on the idea of ​​legalization based on minimal assumptions of an act of criminal law only when such intervention is badly needed in order to settle the idea that the intervention of the criminal law on the issue of drugs, unfortunately, is a harmful intervention therefore created trafficking and drug dealer, with its attendant ills that most harm to society and public health as a whole (not just public health), than the actual drug itself.

Developed the idea that the drug problem in relation to the dealer, is treated many times the light of the theory of feindstrafrecht, fruit this perhaps the old policy of "war on drugs", which began in the 70s and that is slowly-fading, given that drug, contrary to what was thought in the west, was not and never had a direct relationship in the race of the cold war between the US and USSR. Also addressed to further the creation of the dealer with the ban.

In the fifth chapter, could not fail to analyze the current discussion in the brazilian Supreme Court about the decriminalization of drugs, exposing the votes of ministers gave its opinion: Minister Luis Roberto Barroso, Minister Gilmar Mendes and Minister Edson Facchin.

Finally, it was concluded that Brazil needs urgently due to the huge problem that the drug trade produces in our society, a new drug policy, and that legalization is a way out of this problem, due to the fact that precisely is the prohibition, not the drugs themselves, which creates the dealer and all correlative crime exponentially damaging public health, the standard claims to protect.

So, the interference of criminal law in the matter of drugs, would be corrected by a legalization policy, weakening the power and, quite possibly, annihilating the existence of the dealer, would not survive against the legalization. The aim of this study, therefore, is to demonstrate that the ban was who created, and who is maintaining the existence of the dealer, with all related crime.

Key - words: Penal Abolitionism, Minimalism Criminal, Criminal Law of the Enemy, Legalization of drugs, Drug Trafficking, history of drugs.

2. INTRODUÇÃO

2.1. DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Esse capítulo aborda os elementos que se mostram essenciais à elaboração da pesquisa monográfica, desde a delimitação do tema até os conceitos operacionais, requisitando para isso dedicação e profundidade no estudo, como condição fundamental para a dinâmica da pesquisa monográfica.

2.1.1. DELIMITAÇÃO DO TEMA

O presente trabalho busca analisar a nefasta interferência que o direito penal produziu e continua produzindo ao tentar resolver a problemática das drogas à luz desse ramo do direito. Sabemos que o direito penal é ramo do direito meio mais poderoso e violento que o Estado dispõe, penalizando indivíduos apenas quando estes atentam contra os bens jurídicos mais importantes.

Assim, devem ser procurados os outros ramos do direito para solucionar os conflitos sociais, antes de procurar a tutela penal. Esta somente deve ser posta em prática quando o bem jurídico violado é demasiado importante, de modo que qualquer outro ramo do direito não consiga protegê-lo de forma adequada.

Assim, no que tange à questão das drogas, o Brasil, a reboque de uma política fracassada de âmbito mundial, vem há muito tempo tratando esse problema à luz do direito penal, e suas consequências são vistas a todo o momento, com uma criminalidade conexa e poderosa.

Trata este trabalho, portanto, da legalização das drogas como meio possível de combate ao narcotráfico, pondo fim a tal “guerra às drogas”, entendendo ser o tráfico subproduto da política proibicionista. O foco deste trabalho está no combate ao narcotráfico através de uma política de legalização, com foco na teoria do direito penal mínimo (entendida no âmbito da contração penal) como marco teórico.

2.1.2. FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Para corroborar a natureza do tema proposto e motivar a investigação, lançam-se primeiramente algumas indagações, como: O traficante é um produto (fruto) da política proibicionista? Que consequência o problema do tráfico traz para toda sociedade? Quais consequências que da legalização das drogas irão surtir no poder dos traficantes? De que modo o direito penal mínimo pode servir como marco teórico à proposta de legalização?

2.1.3. JUSTIFICATIVA

O presente trabalho busca abordar um tema atualmente muito discutido, que vai desde conversas informais, a debates presidenciais, que é a mudança de paradigma no combate às drogas. Apesar de ainda ser um tabu, o tema conquista espaços cada vez maiores, tendo em vista o aumento da criminalidade relacionada ao tema, incluindo a presença de menores. A repercussão aumentou ainda mais com o RE 635.659 no STF, que, atualmente, está discutindo acerca da descriminalização contidano art.28 da Lei 11.343 (Lei de Drogas).

A criminalidade aumenta, e a presença de menores em crimes direto ou correlatos ao tráfico de drogas aumenta concomitantemente, demonstrando um fracasso da política criminal utilizada. Porém, até neste início de século, por mais que o fracasso da política proibicionista fosse uma realidade não apenas no Brasil, difícil era mudar de paradigma, frente à imposição estadunidense que forçava todos demais países a seguir uma política de combate às drogas, segundo o modelo bélico repressivo por este imposto, por motivações ideológicas, que será abordada ao longo deste trabalho.

Porém, nesta segunda década deste novo século, a mudança de paradigma que vem sofrendo dentro dos Estados Unidos, uma mudança vinda de “baixo para cima”, pois alguns Estados Americanos estão adotando postura descriminalizante e até mesmo legalizante em relação às drogas, seja para fins medicinais ou recreativos, está deixando o restante do mundo vivenciar neste exato momento, uma oportunidade única de rediscutir o tema das drogas sem interferência da política estadunidense, visto que até mesmo este está possibilitando aos seus estados membros discutirem o tema livremente.

Frente a isso, este trabalho buscou discutir o tema das drogas à luz da teoria do minimalismo penal, esta entendida aqui, no âmbito da contração penal (deflação legislativa penal), e não um direito penal simbólico, tendo o direito penal cuidando apenas dos bem jurídicos considerados mais importantes, e rediscutindo a política de drogas sob uma perspectiva de legalização, para assim vermos um direito penal mais atuante (mínima impunidade), e cuidando estritamente dos crimes de grande monta, que provocam grave lesão a bens jurídicos de relevância penal.

Buscou-se ainda, comentar brevemente a teoria do direito penal do inimigo, pois esta pode ser utilizada pelos defensores da continuidade da proibição e o aumento do modelo repressivo, tendo o traficante como inimigo eleito, de modo que procurou-se demonstrar que tal teoria não se coaduna com um Estado Democrático de Direito, em especial com os princípios constitucionais da nossa Carta Magna de 1988.

Dessa forma, o objeto de estudo em análise mostra-se em consoante conexão com problemas da atualidade, da problemática penal, da problemática policial e, dessa forma, provocando argumentos prós e contras à legalização.

Argumentos favoráveis à legalização têm em vista que o combate bélico às drogas não surtiu efeito. Pelo contrário, apenas fez criar um “Estado paralelo” ao poder central, através do mando do traficante que coordena todo esse processo, que culmina na delinquência e corrupção de menores, no crime de lavagem de capitais, pois inúmeros são os empresários envolvidos no sistema e que lavam dinheiro oriundo do tráfico em seus negócios lícitos, e também contribui maciçamente para a corrupção política que muito assola nosso país na atualidade, pois dinheiro oriundo do tráfico é dinheiro que “entra limpo” na campanha de candidatos, tendo em vista que não está sujeito a prestação de contas.

Acredita-se que a proibição, em maior ou menor grau, não inibe o consumo, tendo como único resultado o inflacionamento das drogas, o que é diferente de redução de consumo. Essa visão está próxima do ideal minimalista de direito penal (esta entendida no âmbito da contração penal neste trabalho), de modo que o direito penal somente atua para proteção de bens jurídicos de grande relevância, fazendo, portanto, perceber que, no delito de drogas, essa proteção não ocorre, o que acaba por não justificar a proibição dentro desta teoria, já que o bem jurídico teoricamente tutelado (saúde pública) não o é na prática com a proibição.

Ainda, tendo o direito penal como um de seus princípios a subsidiariedade (“ultima ratio”), só deve intervir quando outros ramos do direito não puderem fazê-lo de modo adequado, e quando essa interferência for legítima e eficaz.

Este trabalho tem como objetivo demonstrar, justamente, o quão ineficaz é a interferência do direito penal na questão das drogas, demonstrando as consequências que o direito penal trouxe, e a problemática vivida atualmente no Brasil por conta desse fato ser considerado delito. Este trabalho dedicou-se, ainda, a pesquisas bibliográficas e pesquisas na internet, buscando sempre fundamentar uma teoria ou outra e enriquecendo os temas abordados.

2.1.4. OBJETIVOS

Objetivo Geral

Analisar a interferência do Direito Penal na questão das drogas, com a criação do traficante e toda carga de criminalidade direta e correlata oriunda da política proibicionista de drogas, discutindo a possibilidade de sua legalização como meio possível de combate ao narcotráfico.

Objetivos Específicos

a) Discorrer sobre as teorias penais como modelo de fundamentação para legalizar as drogas ou justificar a proibição.

b) Discorrer sobre o minimalismo penal, este entendido neste trabalho sob o âmbito da contração penal (deflação legislativa), como modelo de fundamentação da não atuação do direito penal na problemática das drogas.

c) Analisar o histórico do combate às drogas e como este problema vem sendo encarado desde o início do século passado até o momento atual em escala mundial.

d) Analisar os artigos 28 e 33 da Lei de Drogas (11.343/2006) e os embates doutrinários e jurisprudenciais a respeito.

d) Discorrer sobre a possibilidade da legalização das drogas como meio eficaz de combate ao narcotráfico.

3. TEORIAS DO DIREITO PENAL

Buscou-se, neste capítulo, relacionar as teorias penais atualmente debatidas, sem adentrar com muita profundidade no tema, pois o objetivo é, no quarto capítulo, correlacionar as teorias penais às diferentes visões acerca da problemática das drogas sob o viés penal.

3.1. BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE O DIREITO PENAL DO INIMIGO:

Segundo Moura e Vargas (2009, p.2), o Direito Penal do Inimigo é uma hipótese lançada por Gunther Jakobs, doutrinador alemão, que sustenta tal teoria desde 1985, com base nas políticas públicas que combatem a criminalidade internacional, bem como a nacional. Esta proposição da mesma forma passa a ser conhecida como direito penal de terceira velocidade.

Na visão do doutrinador, existem dois tipos de criminosos, sendo que o primeiro é o criminoso cidadão, que pratica um delito por um fator qualquer, e o segundo é o criminoso inimigo, aquele que atenta diretamente contra o Estado, separando-se de maneira inalterável do direito e, assim, não seria justificável oferecer as garantias processuais e constitucionais.

Assim, o inimigo é considerado uma coisa, não sendo mais considerado um cidadão e nem um sujeito processual, pois quem não oferece segurança à sociedade não deve ser tratado como pessoa. Esta teoria fundamenta atualmente a forma como os EUA lidam com terroristas e justifica a base de Guantánamo, em Cuba, só para citar um exemplo.

Moura e Vargas (2009, p.5) afirmam que:

para Jakobs, tudo se reduz na consideração de pessoa ou não pessoa, de forma que para ele o inimigo não é uma pessoa, visto que o indivíduo não se manteve num Estado Democrático de Direito, não podendo participar dos benefícios dado ao conceito de pessoa. [...] Jakobs propõe um direito diferenciado a pessoas de alta periculosidade, visto que, para estas, o direito penal do cidadão não se faz eficaz, assim, desta forma, os inimigos seriam os sujeitos criminosos, que cometem delitos de ampla crueldade, como crimes econômicos, crimes organizados, infrações penais perigosas, crimes sexuais, bem como terroristas.

Como se observa, a teoria do direito penal do inimigo propugna pela relativização dos direitos fundamentais naqueles considerados inimigos do Estado. Propõe, portanto, um direito penal de terceira velocidade, com relativização das garantias fundamentais e aplicação de pena privativa de liberdade.

Jackobs remonta ao pensamento clássico, contratualista do século XVIII, que fundamenta a existência do Estado no pacto social, como algo criado de comum acordo entre os co-cidadãos antes mesmo da existência da sociedade civil, doutrina de grande relevância para a época (século XVIII), embora muitos historiadores afirmem ser o contratualismo uma situação hipotética, e jamais um fato histórico. É importante essa teoria, pois vem a fundamentar a legitimação do poder pelo povo, pois, se os co-cidadãos decidem criar o Estado, logo estes são os titulares do poder, e não um rei cuja legitimidade se baseava em fundamentação religiosa, por vontade divina.

Assim, essa teoria clássica baseia-se também na autodeterminação do indivíduo para praticar ou não um delito, sendo este uma escolha de livre vontade. Porém, mesmo entre os contratualistas, diz Rousseau (2007 p. 26-27):

a guerra não é pois uma relação de homens, porém de Estado com Estado; só acidentalmente nela são inimigos os particulares, não como homens ou mesmo cidadãos, mas como soldados; não como membros da pátria, mas como defensores dela. Todo Estado, enfim, só pode ter por inimigo outros Estados, e não homens, visto que entre coisas de diversa natureza não há verdadeira relação. (Grifo nosso).

Continua ainda Rousseau (2007, p.27), “o estranho que furta, mata ou prende os vassalos sem declarar guerra ao príncipe, ou rei, ou particular, ou povo, não é um inimigo, mas um ladrão”.

Dessa forma, podemos deduzir que, para Rousseau, ao contrário de Jackobs, não pode haver um inimigo do Estado enquanto criminoso apenas o for, não importando qual crime o tenha praticado, mas apenas o será quando este for agente nacional ou de outro Estado, com a finalidade de destruir a soberania deste, diversamente de Jackobs, para quem o agente é considerado inimigo por ameaçar o sistema. O direito penal do inimigo muda o caráter do direito penal do fato para o direito penal do autor, privilegiando o autor que comete o delito em detrimento do crime em si.

É importante observar que alguns entendem que Rousseau afirma que, qualquer pessoa que atente contra o “pacto social”, merece ser excluído do convívio dele, de modo que seu trabalho desperta conclusões distintas. Segundo Moura e Vargas (2009, p.5), a teoria do direito penal do inimigo entende que o inimigo deve ser punido baseado na sua periculosidade e não na sua culpabilidade.

Para Moura e Vargas (2009, p.4), temos como principais características do direito penal do inimigo:

a antecipação de punibilidade com a tipificação de atos preparatórios, criação de tipos de mera conduta e perigo abstrato; desproporcionalidade das penas; restrição de garantias penais e processuais e determinadas relegações penitenciárias ou de execução penal, como o regime disciplinar diferenciado recentemente adotado no Brasil.

Portanto, no direito penal do inimigo, percebe-se que o direito penal seria um instrumento público a serviço do Estado para fins de mitigação de direitos fundamentais aos “inimigos”, e não uma medida de “ultima ratio”, de intervenção mínima, que deveria atuar somente quando comprovada a necessidade pela inércia dos demais “ramos” do direito, cuja função é limitar o poder incriminador do Estado, e o objetivo primordial deveria ser a proteção dos direitos humanos, fixando como crime apenas aquelas condutas que ofendessem objetivamente determinado bem jurídico.

Assim, o direito penal do inimigo se configuraria, portanto, como sendo um modelo de direito penal parcial, através do qual se pune de forma antecipada e mais rigorosamente aqueles considerados “inimigos”, restringindo-se a liberdade, tanto a de agir quanto a de pensar.

Diferentemente pensa Greco (2013, p.2), afirmando que “a finalidade do direito penal é proteger os bens jurídicos mais importantes e necessários para a própria sobrevivência em sociedade”. Ainda nas palavras de Greco (2013, p.47):

o princípio da intervenção mínima, ou ultima ratio, é o responsável não só pela indicação dos bens de maior relevo que merecem a especial atenção do Direito Penal, mas se presta também, a fazer que ocorra a chamada descriminalização. Se é com base neste principio que os bens jurídicos são selecionados para permanecer sob tutela do direito penal, porque considerados como os de maior importância, também será com fundamento nele que o legislador atento às mutações na sociedade, que com sua evolução deixa de dar importância a bens que, no passado, eram da maior relevância, fará retirar do nosso ordenamento jurídico-penal certos tipos incriminadores.

Logo, para Greco, o direito penal deve, portanto, interferir o menos possível na vida em sociedade, devendo ser solicitado somente quando os demais ramos do direito se mostrarem insuficientes para a proteção de determinado bem jurídico.

Vemos ainda que, para o direito penal do inimigo, o indivíduo é tratado como meio para um fim, e não um fim em si mesmo, pois, ao preterir o direito penal do fato e enaltecer um direito penal do autor, o individuo (autor) é tido como um instrumento a ser penalizado, pois não é o fato criminoso em si que justifica a pena, mas a periculosidade do agente.

Dessa forma, o grande bem tutelado na visão de Jackobs é a norma, e somente de modo indireto bens jurídicos. O problema é que poderia existir a instrumentalização do indivíduo, pois, se a norma é o grande bem tutelado, aqueles que agirem em desacordo com ela deveriam ser excluído do pacto social.

Poderia essa premissa atacar o princípio da dignidade humana, pois, com base nele, aduzindo o grande filósofo Immanuel Kant, justamente se impede através da dignidade humana que o homem seja utilizado como meio para um fim, mas que seja um fim em si mesmo.

Tal teoria formulada por Kant serviu de fundamentação à teoria retributiva da pena (pena justiça). Nas palavras de Kant (apud QUEIRÓZ, 2005, p.20), “o homem é o fim de todas as coisas”, sendo essa a premissa para a dignidade humana em Kant. Logo, a aplicação do direito penal do inimigo no Brasil encontra barreiras, por atacar diretamente princípios constitucionais. Para citar um exemplo na própria CF:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

III – ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (BRASIL, 1988).

Pode-se observar o princípio da humanidade (Dignidade Humana) em diversos momentos, sobretudo no artigo 5º, inciso III, da Constituição Federal.

Todavia, explicam Moura e Vargas (2009, p.7), que o direito penal do inimigo justifica a não aplicação desta e de muitas outras garantias constitucionais, como, por exemplo, não ter o agente o direito de entrevista com o advogado, pois, aos adeptos deste direito, cabe ao Estado não adotar suas garantias.

Revela ainda o direito penal do inimigo que, contra o agressor, não se justifica um procedimento penal (legal), mas sim, um procedimento de guerra. Deste modo, a Constituição pátria é nitidamente contrária a qualquer tratamento diverso do respeito devido à pessoa humana. Toda pessoa privada da liberdade deve ser tratada com devido respeito à dignidade inerente ao ser humano.

Faz-se de suma importância destacar outro princípio constitucional, consagrado no artigo 5º, inciso LIV, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; (BRASIL, 1988).

Assim, não é possível falar em um direito para o “inimigo” e outra espécie de direito para o “cidadão”. Ainda, no tocante ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, evidente a conjuntura do valor da dignidade da pessoa humana como princípio superior, fundamento de um Estado democrático de direito.

Discorrendo acerca da impossibilidade de direito diferenciado para “inimigo” e “cidadão”, aduz Marmelstein (2014, p.189) que:

há uma grande parcela da sociedade que não vê os direitos fundamentais com bons olhos. Imagina-se que eles protegem apenas criminosos. Costuma-se dizer que cidadãos “de bem” não precisariam de direitos fundamentais. Ou então que apenas os “humanos direitos” mereceriam ser titulares de “direitos humanos”. Essa visão é extremamente equivocada. Primeiro, porque reduz os direitos fundamentais às garantias do processo penal [...] segundo, porque acredita que seja possível dividir a sociedade em mocinhos e bandidos, quando muitas das vezes são os tais “humanos direitos” que oprimem, discriminam e, como consequência, geram num efeito bumerangue, a violência que tanto o assusta. (Grifo nosso).

Para Silva (2013, p.107) “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida”. Já Piovesan (2013, p.88) afirma que:

dentre os fundamentos que alicerçam o Estado Democrático de Direito brasileiro, destacam-se a cidadania e a dignidade da pessoa humana (art. 1º,III). Vê-se aqui o encontro do princípio do Estado Democrático de direito com os direitos fundamentais, fazendo-se claro que os direitos fundamentais são um elemento básico para a realização do princípio democrático, tendo em vista que exercem uma função democratizadora.

Segundo Pilati (2011, p. 35-37):

os fundamentos jusfilosóficos da teoria, segundo escreve Jakobs, estariam em autores contratualistas como Rousseau, Fichte, Hobbes e Kant. Para estes, o delinquente que infringe o contrato social não pode usufruir dos benefícios do Estado. Rousseau e Fichte, porém, entendem que qualquer indivíduo que infringe a lei deixa de fazer parte do Estado, enquanto para Hobbes e Kant apenas os autores de crimes graves devem ser excluídos. Jakobs observa que seu pensamento assemelha-se mais com o entendimento destes dois últimos filósofos: “Hobbes e Kant conhecem um direito penal do cidadão – contra pessoas que não delinquem de modo persistente por princípio – e um direito penal do inimigo contra quem se desvia por princípio”. [...] A proposta político-criminal de Jakobs carrega a concepção simbólica da pena. Sua obra “Direito penal do inimigo: noções e críticas” discorre sobre dois aspectos da pena: como coação e como segurança. A pena como coação seria portadora de um significado simbólico, ou seja, de que o fato criminoso é irrelevante e que a norma segue sem modificações. O crime seria visto como o ato de uma pessoa racional, que desautoriza a norma. A pena/coação afirmaria que a lei continua vigente, mantendo-se a configuração da sociedade.

Zaffaroni (apud PILATI 2011, p. 40) acrescenta que:

o conceito de inimigo é incompatível com o Estado de Direito. O hostis, pelo contrário, reclama um Estado Absoluto. As consequências da admissão do inimigo são aquelas registradas por Carl Schmitt, ou seja, a suspensão da Constituição nas emergências, instalando-se uma ditadura jurídica.

Importante ainda observar ainda que, para Pilati (2011, p.41), por outro lado, não se pode falar que o poder punitivo em exercício na América Latina reproduz o direito penal do inimigo. Isto porque a proposta de Jakobs é muito mais limitada do que já acontece nessa região. Na verdade, o âmbito de aplicação da teoria do autor alemão são os países centrais.

Portanto, a adoção ao direito penal do inimigo poderia estar em contradição à Constituição brasileira, pois afronta os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, tratando criminosos como inimigos do Estado e produzindo, assim, um direito baseado, não na punição por fatos delituosos, mas num sistema penal voltado ao autor, aferindo-se principalmente sua periculosidade.

3.2. O ABOLICIONISMO PENAL ENQUANTO CRÍTICA PENAL

O discurso penal agrada a sociedade. Vemos, no atual momento, legisladores com discursos ferozes pró-aumento da repressão penal, repercutindo em votos a seu favor, e apresentadores televisivos disputando pontos de audiência com o discurso do direito penal mais rigoroso para “vagabundo”, e que se valem disso para chamar atenção e conquistar aderência do público.

Todos atuando num discurso do direito penal máximo, pois a sociedade não pode ser refém do “vagabundo”. E, nas palavras de Greco (2011, p.5), “a disputa por pontos de audiência transformou nossa imprensa num show de horrores que, por mais que possamos repugná-lo, gostamos de assisti-lo diariamente”.

Em sentido oposto caminha o discurso do abolicionismo penal, que, apesar de não obter simpatia do público, merece ser estudado e compreendido, dada sua importância e seus argumentos, que enriquecem a compreensão da finalidade do direito penal e sua devida aplicação prática, ainda que ao final se possa discordar dela, porém teoria extremamente válida como crítica ao direito penal.

Podemos perceber claramente que o direito penal é de todos os ramos do direito, o mais forte, mais rigoroso, mais cruel, pois ataca diretamente a liberdade do indivíduo. Porém, Greco (2011, p.6) afirma que somente caem nas garras do direito penal, aqueles indivíduos menos favorecidos, demonstrando a seletividade do direito penal. Em suas palavras:

certo é que o direito penal tem seu público-alvo. Nem todas as pessoas farão parte de sua “clientela”. Aqueles que militam nessa seara podem testemunhar, com segurança, que o direito penal tem cor, cheiro, aparência, classe social, enfim, o direito penal, também como regra, foi feito para um grupo determinado de pessoas, pré-escolhidas para fazer parte do show.

A verdade é que, no Brasil, prefere-se o Estado Penal ao Estado Social, de modo que não se percebe que investimentos na área social são verdadeiros inibidores de criminalidade, investimentos no ensino fundamental, médio e superior, lazer, cultura, saúde, habitação são relegados a segundo plano, priorizando-se o setor repressivo.

Dornelles (apud GRECO 2011, p.13): afirma que “O mito do Estado Mínimo é sublinhado, debilitando o Estado Social e glorificando o Estado Penal. É a constituição de um novo sentido comum penal que aponta para a criminalização da miséria”.

Vemos, assim, que o estado mínimo neoliberal possui inúmeros defeitos, como qualquer sistema possui, porém, adota-se nestes Estados com maior medida um direito penal mais rígido, e, por muitas vezes, direito penal do inimigo, pois, o rigoroso punitivismo nestes Estados procura esconder as mazelas e defeitos que são oriundos do próprio sistema em si.

A criminalidade acaba sendo o meio pelo qual se manifestam os defeitos sistêmicos que, por muitas vezes, o direito penal procura esconder. Interessante salientar que até mesmo a União Soviética, para esconder seus problemas, também se utilizava largamente do direito penal, permitindo inclusive analogia in malam partem.

Desse modo, perfaz-se necessário um Estado Social, que garanta condições mínimas de dignidade a todos, com recursos na educação, lazer, moradia, cultura, dentre outros, de modo que isto reverta-se em condições mínimas para o indivíduo inserir-se na vida social e excluí-lo da criminalidade.

Temos aí o problema da efetivação de direitos fundamentais positivos, como os que constam no artigo 6º de nossa Carta Magna. É mais fácil o estado cumprir e efetivar direitos fundamentais negativos (um não fazer – como exemplo o art. 5º CF), do que efetivar direitos fundamentais positivos (Art. 6º CF), pois exige um “agir, um fazer”, que requer recursos por parte do estado para tal efetivação.

Desse modo, a teoria abolicionista traz à tona a discussão acerca da eficácia do direito penal como solucionador dos conflitos sociais e como ressocializador do indivíduo delinquente. O direito penal, portanto, muito possivelmente possui caráter seletivo (tem clientela definida), isso ficando evidenciado quando vê-se punidos fatos de bagatela, por um lado, e a impunidade dos crimes do colarinho branco por outro. Um bom exemplo é o art.16 do Código Penal:

Art. 16 – Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços. (BRASIL, 1940)

Vemos, portanto que, caso seja reparado o dano ou restituída à coisa, o agente criminoso tem sua pena reduzida. Agora nos casos de crimes tributários a recíproca não é verdadeira. A lei 9.249 de 26 de dezembro de 1995 trouxe a lume a possibilidade de extinção da punibilidade do agente, nos crimes tributários, caso o pagamento do tributo ou contribuição social fosse feito antes do recebimento da denúncia. Dispõe seu artigo 34 que:

Art. 34: Extingue-se a punibilidade dos crimes definidos na lei 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e na lei 4.729, de 14 de junho de 1965, quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios, antes do recebimento da denúncia. (BRASIL, 1995)

A Lei 12.382/11 estendeu este benefício à hipótese desta dívida ser paga de forma parcelada, suspendendo o “jus puniendi”. Diz a referida lei (BRASIL, 2011):

Art. 6º: O art. 83 da Lei no 9.430, de 27 de dezembro de 1996, passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 1o a 5o, renumerando-se o atual parágrafo único para § 6o:

§ 2o É suspensa a pretensão punitiva do Estado referente aos crimes previstos no caput, durante o período em que a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no parcelamento, desde que o pedido de parcelamento tenha sido formalizado antes do recebimento da denúncia criminal.

§ 3o A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.

§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento. (Grifo nosso).

Dessa forma, vemos como o sistema penal escolhe sua clientela, pois, ao furtar um relógio, por exemplo, e devolvê-lo, o agente tem sua pena diminuída, mas se sonegar milhões e indiretamente matar milhares de pessoas que necessitavam de tais recursos para o bom funcionamento do aparelho estatal a políticas sociais como saúde, por exemplo, o agente tem o benefício da extinção da sua punibilidade, de modo que o direito penal trata desigualmente classes sociais distintas.

Isso tudo demonstra, à luz da teoria abolicionista, a injustiça do sistema penal, e como o direito penal também não é capaz de cumprir as funções atribuídas às penas (reprovação e prevenção), sem falar da cifra negra, que nada mais é do que as infrações penais que não foram objeto de persecução pelo Estado ou que nem mesmo chegaram ao conhecimento de seus órgãos oficiais.

Assim, nem todo delito é denunciado, nem todos os delitos denunciados chegam ao registro pelos órgãos públicos, nem todos os delitos denunciados e registrados são objetos de investigação, e por fim, nem todos os delitos denunciados, registrados e investigados, acabam sendo condenados, de modo então que a teoria abolicionista acredita que há uma verdadeira deslegitimação da atuação do direito penal.

Assim, para a teoria abolicionista, o direito penal encontra-se deslegitimado, pois não satisfaz as necessidades para os quais existe. A crítica abolicionista traz, ainda, o problema das prisões e o funcionamento das penitenciárias. Importante salientar o caráter moral religioso que em nada contribui para a ressocialização do indivíduo delinquente, vez que o próprio nome, “penitenciária”, advém do conceito de penitência, como se o preso, ao passar seus dias enclausurado, fosse redimir-se com Deus de seus pecados e, desse modo, não voltaria mais a delinquir.

Esse pensamento de purgação do pecado do crime através do enclausuramento foi uma grande evolução frente aos métodos do passado, que purgava a pena do indivíduo com o corpo e, desse modo, passou a pagar sua pena com a liberdade. Porém, nos dias atuais, é difícil justificar ou encontrar alguém que justifique a pena como forma de expiação de pecado.

Marmelstein (p. 274) afirma que, no Brasil, as cláusulas pétreas (art. 60 §4º, CF) não podem ser suprimidas, pois, conforme o artigo mencionado, não pode ser objeto de deliberação as propostas de emenda constitucional tendentes a abolir “os direitos e garantias individuais”.

Assim, como não existe pena perpétua, todos presidiários um dia estarão livres novamente. E aí se tem que pensar que tipo de indivíduo está retornando ao convívio social, pois, se este indivíduo não foi ressocializado, a tendência é que volte pior do que quando entrou, pois a prisão não ressocializa, mas dessocializa, e é uma verdadeira escola do crime, tornando a reincidência uma realidade quase certa, e fazendo novos indivíduos tornarem-se vítimas do delinquente não reinserido do modo adequado.

Greco (2011, p.10), afirma que:

quando o Estado consegue fazer valer seu Jus Puniendi, com a aplicação da pena previamente cominada pela lei penal, essa pena não cumpre as funções que lhe são conferidas, isto é, as funções de reprovar e prevenir o delito. Além do mais, aquelas condutas que foram selecionadas pelo Estado, de acordo com um critério político [...] poderiam muito bem, acaso geradoras de conflitos, merecer atenção somente dos demais ramos do ordenamento jurídico, principalmente do direito civil e do direito administrativo, preservando-se desta forma, a dignidade da pessoa humana, que não se encontraria na estigmatizante condição de condenada pela Justiça Criminal.

Nas lições de Queiróz (2005, p.89-90):

O sistema penal é incapaz de prevenir, por meio da cominação e execução de penas, quer em caráter geral, quer em caráter especial, a prática de novos delitos [...] Salienta-se assim, que a despeito da incriminação, o aborto, o homicídio, o uso e tráfico de entorpecentes, etc, se repetem sistematicamente como se tal proibição simplesmente não existisse, não se abstendo os potenciais infratores da prática de tais crimes pelo só fato de existir uma norma penal incriminadora. A só reincidência desmentiria a função preventiva ou dissuasiva da norma penal. A prevenção geral, portanto, não se confirma, sendo desacreditada a todo momento, servindo à só legitimação do discurso e da atuação do sistema.

Queiróz (2005, p.89-100) elenca algumas características que servem de críticas ao sistema penal. De modo sucinto:

a) O sistema penal não é capaz de prevenir, quer em caráter geral ou especial, a prática de novos delitos;

b) O sistema penal é arbitrariamente seletivo, escolhe sua clientela e é produtor e reprodutor de desigualdades;

c) O sistema penal opera à margem da legalidade, viola Direitos Humanos pelo próprio sistema, pois o direito penal criminaliza uma série de condutas e os órgãos incumbidos de sua repressão possuem uma capacidade muito inferior à demanda, ou seja, o sistema penal é programado para não funcionar.

Zaffaroni (apud QUEIRÓZ 2005, p.94) afirma que:

a disparidade entre o exercício do poder programado e a capacidade operativa das agências é abismal, e por outra parte, se se desse a inconcebível circunstância de que seu poder se incrementasse até chegar a corresponder a todo exercício programado legislativamente, produzir-se-ia o indesejável efeito de penalizar várias vezes a toda população.

d) O sistema penal apenas intervém em situações excepcionais, as cifras ocultas (cifra negra) consomem a maioria dos delitos praticados, pois é irrisória a quantidade de crimes que o sistema penal consegue apurar e punir, sendo que a grande maioria dos delitos sequer chega ao conhecimento dos órgãos responsáveis, e quando chegam poucos são de fato punidos.

e) Reificação (coisificação) do conflito, pois há uma neutralização da vítima no sistema penal. A Vítima no processo penal é duplamente perdedora: em primeiro lugar, frente ao infrator, em segundo frente ao Estado, pois está excluído de qualquer participação em seu próprio conflito.

f) O crime carece de consistência material. Ressalta-se que, sob a etiqueta de “delito”, agrupa-se toda uma série de comportamentos que nada têm em comum (exceto o fato de estarem criminalizados). A criminalidade, sob essa perspectiva, não existe por natureza, senão que é mais exatamente uma realidade socialmente construída.

g) O sistema penal intervém sobre pessoas, e não sobre situações. Todo sistema penal gira em torno da ideia de culpabilidade individual, desprezando por completo o ambiente ou sistema social em que se insere. Culpam-se os indivíduos, ignoram-se os sistemas, as estruturas sociais.

h) O sistema penal intervém de maneira reativa e não preventiva. O Direito Penal sempre intervém quando as consequências das infrações já se produziram, mas não efetivamente para evitá-las. Tem efeito, portanto, simbólico, pois as consequências da violência não podem ser eliminadas efetivamente, mas apenas simbolicamente, pela aplicação de sanção penal.

i) O sistema penal só atua tardiamente. O resultado da intervenção do sistema de justiça criminal (a sentença e a execução) não é imediatamente posterior à prática do crime. Muitos delitos duram quase década para serem julgados.

j) O sistema tem uma concepção falsa de sociedade. O sistema penal supõe, e supõe falsamente, um modelo consensual de sociedade, onde todos reprovam de forma unânime os comportamentos definidos como delituosos. Têm-se, portanto, uma concepção dicotômica de sociedade: tudo é acordo ou desacordo, bom ou mau. Logo, representa uma negação do pluralismo necessário nas sociedades, cujos interesses não raro se conflitam.

k) A lei penal não é inerente às sociedades. Antes do estabelecimento da lei penal, havia outras formas de resolver os conflitos, como a lei civil.

l) O sistema penal intervém sobre os efeitos e não sobre as causas da violência.

A teoria abolicionista, apesar de fazer uma crítica ao direito penal, e desvendar suas fragilidades, não explica ou não soluciona o problema de como reprovar e prevenir o crime de modo eficaz.

É neste contexto que surge então o minimalismo penal. Existem vários tipos de minimalismo, porém o enfoque deste trabalho é o minimalismo enquanto contração do âmbito de atuação do direito penal, protegendo bens jurídicos de maior relevância.

2.3 BREVE CONSIDERAÇÃO SOBRE MINIMALISMO PENAL

Os adeptos dessa concepção creem que o direito penal serve somente para proteger os bens jurídicos mais importantes (homicídio, estupro, latrocínio, por exemplo), necessários e vitais ao convívio em sociedade, aqueles bens que, pela sua importância, não conseguem ser protegidos por outros ramos do direito.

Situa-se essa teoria num meio termo entre abolicionismo e teorias como movimento “lei e ordem”. Assim sendo, o Direito Penal deve atuar somente sobre bens jurídicos que, de nenhum modo, outros ramos do Direito (Direito Civil, Direito Administrativo, por exemplo) consigam proteger de modo eficaz.

Existem vários tipos de minimalismos, sendo o deste trabalho aquele que propõe a contração da atuação penal apenas para proteger bens jurídicos mais relevantes. Porém, existem outros, por exemplo, o defendido por Zaffaroni (apud QUEIROZ 2005, p.101) em que afirma que “o direito penal mínimo é uma proposta que deve ser apoiada por todos que deslegitimam o sistema penal, porém não como meta insuperável, mas como passo ou trânsito ao abolicionismo”.

Dessa forma, ao contrário do que hoje vemos ocorrer no Congresso, deveríamos ter uma deflação do direito penal, e não uma Inflação, como ocorre. Todos os dias novas leis penais são criadas, penas são majoradas e, de acordo com o direito penal mínimo, deveria haver justamente o oposto, pois, não é a ameaça de pena que inibe a criminalidade, mas a certeza de punição.

Conforme Beccaria (apud GRECO 2011, p.16) “A certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança da impunidade”.

Percebemos claramente as varas criminais abarrotadas de processos que levam quase décadas para serem julgados, e a deflação legislativa penal contribuiria a um processo mais célere, respeitando o devido processo legal e todas as garantias constitucionais, e ao mesmo tempo contribuiria para um desafogamento do sistema penitenciário, que hoje em quase todos locais está com a lotação máxima extrapolada.

Crimes contra a honra e contravenções penais, só para citar como exemplos, deveriam de imediato ser abolidos do âmbito penal, pois, de acordo com o princípio da subsidiariedade (subespécie de intervenção mínima), outros ramos do direito podem muito bem proteger este bem jurídico, como o direito civil.

Aliás, em casos de crimes contra a honra pode haver a retratação do agente em âmbito processual, acarretando extinção da punibilidade (art.107,VI CP), o que torna a ação penal apenas um desgaste processual inócuo, podendo desde logo resolver tal litígio em âmbito civil.

Art. 107 - Extingue-se a punibilidade:

I - pela morte do agente;

II - pela anistia, graça ou indulto;

III - pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV - pela prescrição, decadência ou perempção;

V - pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada;

VI - pela retratação do agente, nos casos em que a lei a admite;

IX - pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei.

(BRASIL, 1940, grifo nosso).

Importante salientar que isso não impede, dentro da perspectiva minimalista, que se amplie em alguns casos a intervenção penal, desde que absolutamente necessária à proteção de interesses sociais fundamentais.

E vários são os dispositivos que merecem análise para serem descriminalizados, e tais conflitos passarem a serem resolvidos em outros ramos do direito, de modo que o direito penal protegeria assim bens jurídicos de maior relevo, não resolvidos por outros ramos do nosso direito.

O raciocínio do direito penal mínimo implica a adoção de vários princípios que o legislador deve ater-se no momento da criação e revogação de leis penais e aos aplicadores da lei penal, para que se produza uma correta interpretação.

Importante sempre lembrar que, no conflito entre princípios e regras, ambos espécie de normas, há a prevalência dos princípios, de modo que demonstra-se sua importância jurídica.

Essa é uma inovação do direito constitucional moderno, que supera o positivismo jurídico e, após a Segunda Guerra Mundial, vemos então um novo movimento constitucionalista: o pós-positivismo, onde princípios ascendem à condição de norma, que se torna gênero que tem como espécies os princípios e as regras (lei em sentido estrito). No conflito aparente de normas, haverá prevalência do princípio sobre a regra.

Segundo Marmelstein (2014, p.11):

essa nova concepção, ao contrário do que possa parecer, não abre mão do direito positivo. A norma continua sendo o principal objeto de estudo do jurista. No entanto, a norma, para o operador do direito, deixa de ser “neutra”, passando a conter forte ideologia, de modo que princípios como a dignidade humana, da igualdade, solidariedade, autonomia da vontade, liberdade de expressão, livre desenvolvimento da personalidade, legalidade, democracia, seriam tão vinculantes quanto qualquer outra norma jurídica. A observância desses princípios não seria meramente facultativa, mas tão obrigatória quanto a observância das regras/leis. E o mais importante: as regras/leis somente seriam válidas se estivessem de acordo com as diretrizes traçadas nos princípios, reforçando uma ideia atualmente aceita de que os princípios possuem uma função de fundamentação e de legitimação do ordenamento jurídico. (Grifo nosso).

Sobre a prevalência dos princípios, ainda, aduz Gomes (2015, p.8):

Qual o valor jurídico dos princípios? Os princípios não são apenas um conjunto de valores ou de prescrições éticas ou programáticas. São normas jurídicas de caráter cogente. De outro lado, a eficácia prática dos princípios irradia-se não só ao momento legislativo de elaboração da norma penal (quando o legislador cria a lei penal), senão também ao aplicativo e interpretativo (nem o intérprete nem o juiz podem ignorá-los), bem como no momento executivo (no momento da elaboração de políticas preventivas assim como quando se vai concretizar o comando sancionador contido na sentença condenatória, ou seja, no momento da execução da pena). (Grifo nosso).

Dentre os princípios constitucionais penais indispensáveis a este raciocínio, destacam-se: a dignidade da pessoa humana, intervenção mínima, lesividade, adequação social, insignificância, individualização da pena, proporcionalidade, responsabilidade pessoal, limitação das penas, culpabilidade e legalidade. Fazendo uma breve abordagem sobre tais princípios, segundo Greco (2011, p.30-35):

a) Dignidade da Pessoa Humana: Este princípio fundamenta os direitos e garantias fundamentais insculpidas em nossa constituição. Serve de base a todo ordenamento jurídico e deve ocupar o centro das atenções do Estado, pois não há Estado Democrático de Direito sem haver, ainda que implicitamente, o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana. Está positivado no art.1º,III, da CF.

b) Intervenção Mínima: Este princípio é considerado o coração do direito penal mínimo, e sua missão é orientar o legislador quando da criação ou revogação dos tipos penais. Segundo Greco, todo raciocínio correspondente ao princípio da intervenção mínima girará em torno da proteção dos bens jurídicos mais importantes existentes na sociedade, bem como a natureza subsidiária do Direito Penal”.

c) Adequação Social: orienta o legislador tanto na criação quanto na revogação de tipos penais. Condutas que no passado eram consideradas socialmente inadequadas, se hoje já forem aceitas pela sociedade, farão com que o legislador afaste a criminalização.

d) Lesividade: este princípio é o terceiro passo para a criação de tipos penais. Por mais importante que seja o bem, que a conduta seja inadequada socialmente, somente poderá haver criminalização de comportamentos se a conduta do agente ultrapassar sua esfera individual, atingindo bens de terceiros.

e) Insignificância: a aplicação deste princípio conduz à atipicidade material do fato praticado. Se chegarmos à conclusão, mediante análise dos princípios anteriores, de que o patrimônio, por exemplo, é um bem importante a ponto de ser protegido pelo Direito Penal, devemos perguntar no caso concreto se o bem subtraído goza desse status.

f) Individualização da pena: previsto no art. 5º, XLVI da CF/88:

art. 5º, XLVI: a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:

a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens;

c) multa;

d) prestação social alternativa;

c) multa;

e) suspensão ou interdição de direitos;

(BRASIL, 1988, grifo nosso).

Através desse princípio, cada bem jurídico tutelado possui uma importância singular, que merece proteção na medida de sua importância, individualizando, portanto, a pena, que pode ocorrer tanto na fase de cominação, quanto de aplicação e até mesmo na execução.

g) Proporcionalidade: a pena deverá ser proporcional ao mal praticado. Está intimamente ligada à individualização da pena. Já dizia Beccaria (1996, p.39), “para que cada pena não seja uma violência de um ou de muitos contra um cidadão privado, deve ser essencialmente pública, rápida, necessária, mínima possível nas circunstâncias dadas, proporcional aos delitos e ditadas pela lei”.

h) Responsabilidade Pessoal: também conhecido como princípio da pessoalidade ou intranscendência da pena, conforme art. 5º, XLV da CF/88: “Nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”. (BRASIL, 1988).

i) Limitação das Penas: encontra fundamentação também na Constituição em seu art. 5º, XLVII: não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis. (BRASIL,1988). Tais proibições encontram fluidez também no princípio da dignidade da pessoa humana.

j) Culpabilidade: a ação do agente tem que ser passível de censura, agindo com dolo ou culpa.

k) Legalidade: fundamentação constitucional no art 5º, XXXIX e art. 1º do Código Penal: não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Este princípio também deve ser observado tanto na aferição formal (subsunção), quanto material, ou seja, deve o intérprete avaliar a legalidade formal e também a legalidade material, observando se o conteúdo da lei penal não contraria dispositivos principiológicos da Constituição. (BRASIL, 1988).

Portanto, num Estado verdadeiramente Democrático de Direito, não se admite que, em nome de uma “suposta Justiça”, se violem direitos fundamentais e princípios. É equivocado pensar, como alguns pensam, que defender um direito penal constitucional, respeitando direitos e garantias fundamentais, é pactuar com a impunidade.

Marmelstein (2014, p.189), a respeito afirma que:

os direitos fundamentais não compactuam com a impunidade. Na verdade, esses direitos são instrumentos de proteção da dignidade humana e à limitação do poder. Logo, não podem servir justamente para acobertar as práticas criminosas que violem essa dignidade.

Vemos, assim, que a própria teoria dos direitos fundamentais não compactua com impunidade, de modo que é equivocado pensar dessa maneira. O que não se pode é jogar séculos de luta por concretização de direitos no “lixo”, em nome de uma suposta Justiça, que na verdade está escondida sob o desejo de “Vingança”.

O direito não pode jamais ser sinônimo de vingança num Estado verdadeiramente democrático. Estado não se vinga, apenas pune por fatos praticados e previstos como crimes, pois, conforme Queiróz (2005, p.111) “tão grave e importante quanto o controle da violência, é a violência do controle”.

Como afirma Queiróz (2005, p.112-113):

naturalmente, porém, que direito penal mínimo, que é o mesmo que se dizer direito penal da Constituição ou conforme a Constituição, não é em si uma solução, mas parte da solução, pois o decisivo para o controle racional da criminalidade, a par da eficientização ou democratização do controle social não-penal é privilegiar intervenções estruturais (etiológica) e não simplesmente individualizadas e localizadas (sintomatológicas), sobretudo com vistas a melhorar as condições de vida das populações marginalizadas, por meio de políticas sociais de integração social do homem. Um direito penal mínimo não é só, portanto, um programa de um direito penal mais justo e eficaz; é também, sobretudo, parte de um grande programa de justiça social e pacificação dos conflitos. Assim postas às coisas, terá o direito penal um papel bastante modesto e subsidiário de uma política social de largo alcance, mas nem por isso menos importante. Uma boa política social ainda é a melhor política criminal (Mezger). Porque, no fundo, e como se vem demonstrar, segurança e proteção têm pouco a ver com a proteção penal ou com o aumento de sua carga repressiva, isto é, o controle da criminalidade tem, em verdade, pouco a ver com o controle penal (polícia, juízes etc.).

Dentro da visão do direito penal mínimo, o direito penal tem como finalidade a proteção de bens jurídicos. Conforme Greco (2013, p.2):

a finalidade do direito penal é proteger os bens mais importantes e necessários para a própria sobrevivência da sociedade, ou, nas palavras de Luiz Regis Prado, “o pensamento jurídico moderno reconhece que o escopo imediato e primordial do direito penal radica na proteção de bens jurídicos essenciais ao indivíduo e a sociedade”. Nilo Batista aduz que “a missão do direito penal é a proteção de bens jurídicos, através da cominação, aplicação e execução da pena”. A pena, portanto, é simplesmente instrumento de coerção de que se vale o direito penal para a proteção dos bens, valores e interesses mais significativos da sociedade.

Dessa forma, podemos considerar como possível, o entendimento de que o direito penal mínimo encontra consoante reflexo na Constituição. Seus princípios podem ser considerados princípios constitucionais penais, pois, conforme Gomes (2015, p.11):

Nossa Constituição legitima qual movimento de política criminal? O punitivista, o minimalista ou o abolicionista? Os princípios penais extraídos direta ou indiretamente de nossa Constituição Federal indicam a opção político-criminal (preponderante) pelo minimalismo penal (que vê o direito penal como conjunto de normas que limitam a liberdade assim como, ao mesmo tempo, o poder punitivo do Estado). Com isso fica refutado o abolicionismo penal (seja o moderado, seja o radical – Hulsman, Christie etc.; o abolicionismo radical afasta qualquer aplicação do direito penal, levando os conflitos para outras esferas de resolução, como a civil, administrativa etc.; o abolicionismo moderado propõe a abolição da pena de prisão, que seria mais nefasta que útil para o controle da delinquência). Mas entre a teoria e a prática há uma grande distância. Na prática se nota nitidamente uma tendência maximalista (uso máximo ou desproporcional do direito penal). Os princípios assim como os postulados político-criminais estão contemplados no texto constitucional e nos tratados de direitos humanos de forma expressa (princípio da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade etc.) ou implícita (exclusiva proteção de bens jurídicos, ofensividade do fato etc.) (Grifo nosso).

Desse modo, poderemos adiante vislumbrar que uma política criminal de drogas que esteja de fato comprometida com a saúde pública, e, ainda, comprometida com o fim do narcotráfico e da “guerra às drogas”, encontrará fundamento de validade na teoria do direito penal mínimo, que, segundo alguns autores supramencionados, encontra consoante reflexo em nossa constituição. Abaixo, um breve histórico da proibição das drogas.

4. DROGAS: HISTÓRIA E QUESTÕES JURÍDICAS

Pretendeu-se neste capítulo compreender o histórico do combate às drogas e suas motivações, bem como a forma pelo qual a proibição criou o traficante e as mazelas sociais decorrentes do tráfico, além de analisar os artigos 28 e 33 da lei 11343/06 (Lei de Drogas), analisando aspectos doutrinários e jurisprudenciais acerca destes referidos artigos.

Por fim, buscou-se fazer uma análise da perspectiva das drogas pelo mundo, lembrando que os dados datam, em sua maioria, de 2013, ou seja, praticamente no início da mudança de paradigma dentro dos EUA, de modo que, na atualidade (2016), em muito já pode ter avançado acerca do tema tal discussão nos países mencionados.

4.1. HISTÓRICO DO COMBATE ÀS DROGAS.

Percebemos claramente que as drogas vêm sendo tratadas à luz do direito penal, sob a influência dos EUA, desde início do século passado. De acordo com Pedrinha (2013) afirma-se que, em sintonia com o modelo internacional de combate às drogas, capitaneado pelos Estados Unidos, o Brasil desenvolve ações de combate e punição para reprimir o tráfico.

Essa tendência, porém, vem desde os tempos de colônia. As Ordenações Filipinas, de 1603, já previam penas de confisco de bens e degredo para a África para os que portassem, usassem ou vendessem substâncias tóxicas. O país continuou nessa linha com a adesão à Conferência Internacional do Ópio, de 1912.

A visão de que as drogas seriam tanto um problema de saúde quanto de segurança pública, desenvolvida pelos tratados internacionais sob a influência americana da primeira metade do século passado, foi paulatinamente introduzida na legislação nacional. Até que, em 1940, o Código Penal confirmou a opção do Brasil de não criminalizar o consumo.

Pedrinha (2013) informa ainda que se estabeleceu uma “concepção sanitária do controle das drogas”, pela qual a dependência é considerada doença e, ao contrário dos traficantes, os usuários não eram criminalizados, mas estavam submetidos a rigoroso tratamento, com internação obrigatória.

Porém, o regime militar de 1964 e a Lei de Segurança Nacional deslocaram o foco do modelo sanitário para o modelo bélico de política criminal, que equiparava os traficantes aos inimigos internos do regime (note que se dá no mesmo momento em que Nixon – Presidente dos EUA, declara a sua “guerra às drogas”).

Não por acaso, a juventude associou o consumo de drogas à luta pela liberdade. Nesse contexto, da Europa às Américas, a partir da década de 60, a droga passou a ter uma conotação libertária, associada às manifestações políticas democráticas, aos movimentos contestatórios, à contracultura, especialmente as drogas psicodélicas, como maconha e LSD.

Em 1973, o Brasil aderiu ao Acordo Sul-Americano sobre Estupefacientes e Psicotrópicos e, com base nele, baixou a Lei 6.368/1976, que separou as figuras penais do traficante e do usuário. Além disso, a lei fixou a necessidade do laudo toxicológico para comprovar o uso.

Finalmente, a Constituição de 1988 determinou que o tráfico de drogas é crime inafiançável e insuscetível de graça e anistia. Em seguida, a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90) proibiu o indulto e a liberdade provisória e dobrou os prazos processuais, com o objetivo de aumentar a duração da prisão provisória. A Lei de Drogas (Lei 11.343/06) eliminou a pena de prisão para o usuário e o dependente, ou seja, para aquele que tem droga ou a planta para consumo pessoal.

Já a criação da Força Nacional de Segurança e as operações nas favelas do Rio de Janeiro, iniciadas em 2007 e apoiadas pelas Forças Armadas, seguidas da implantação das unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), reforçaram a repressão e levaram a presença do Estado a regiões antes entregues ao tráfico, não apenas atendendo às críticas internacionais, como também como preparação para a Copa do Mundo de 2014 e para as Olimpíadas de 2016.

As discussões em torno das leis que tratam do tráfico e dependência de drogas continuam a ser feitas no Congresso, envolvendo ainda aspectos como o aumento de impostos e o controle do álcool e do cigarro.

Em reportagem na revista de História, Pelli (2011) afirma que um paralelo possível e sempre citado com a história das drogas é a trajetória dos medicamentos. As drogas legais que alteram a consciência, é interessante ressaltar, estão sempre entre as mais vendidas, mesmo com todas as exigências para a sua compra. O ansiolítico Rivotril ficou em segundo lugar na lista de 2010 no Brasil, por exemplo.

Carneiro (2011) cita o que para ele são as razões para o sucesso dessas vendagens:

O atual sistema de patentes, que prioriza as grandes companhias farmacêuticas, em detrimento do pequeno produtor que nunca fez segredo de suas descobertas; o monopólio médico da prescrição, que deixa na mão de uma classe específica o poder de receitar este ou aquele remédio; e o mercado publicitário voltado tanto para quem toma como para quem ministra esses medicamentos, criando ou, pelo menos, reforçando novas demandas e necessidades. Sua outra contrapartida indispensável (para o crescimento dessas vendas de remédios legais) é a proibição concomitante do uso de diversas plantas psicoativas de uso tradicional – como a canábis, a papoula e a coca. As funções psicoterapêuticas que estas têm em medicinas tradicionais passaram a ser substituídas por pílulas farmacêuticas, afirmando que o maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica.

Cesar (apud PELLI, 2011), acredita que as pessoas sempre vão fazer uso de substâncias psicoativas, independentemente de serem liberadas ou não. Por isso, ele sugere que, em vez de proibir, devemos tentar “reduzir riscos”. Vejamos, a título de exemplo, o álcool, que é uma droga e seu uso abusivo faz mal, mas, hoje, há uma regulação e são raros os comerciantes que vendem bebidas para crianças e adolescentes, principalmente para serem consumidos em seus estabelecimentos.

No entanto, qualquer criança ou adolescente pode comprar droga com um traficante, pois sua venda não é regulada, argumentando, porém, que a descriminalização do uso pode acarretar o acesso de um número maior de pessoas a determinadas drogas, e sugerindo que haja uma política integrada para diminuir a demanda.

Carneiro (2011) é ainda mais revolucionário: além da legalização de todas as drogas, ele sugere o controle estatal da produção e do comércio. O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado narcotráfico, encerraria a guerra contra as drogas, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. Reduzir-se-iam os danos sociais dos usos problemáticos de drogas.

Vemos que, desde a época das grandes navegações, os europeus passam a ter contato com vários tipos de drogas, que são utilizadas não somente como terapêuticas, mas também como recreativas. Porém, com o advento da revolução industrial e as revoluções burguesas, as drogas passaram a ter conotação mercadológica. Silva (2011) assim aduz:

Os europeus entraram em contato com um grande número de substâncias psicoativas desde as Grandes Navegações (século XVI), e as introduziram, progressivamente, em suas sociedades com finalidades médicas ou recreativas. No século XIX, Europa e Estados Unidos passaram a conviver com grande variedade de novas drogas, com as quais tinham pouca ou nenhuma identificação cultural. Paulatinamente, da expansão européia à revolução industrial, as substâncias psicoativas deixaram de ser ministradas segundo preceitos culturais, ritualísticos e litúrgicos, para se converterem em mercadorias, bens de consumo. O marco definitivo desse processo foram as Guerras do Ópio (1839 e 1865), pelas quais os ingleses, que declararam guerra à China em favor do "livre comércio", garantiram o monopólio internacional, consolidaram o domínio no Extremo Oriente e implementaram a prática comercial de substâncias psicoativas em larga escala.

Continua mesmo autor dizendo:

Os Estados Unidos foi o principal expoente na cruzada moral contra o consumo de drogas. Passaram a tentar, em nível internacional, controlar o comércio de ópio para fins não medicinais. Haveria, por parte dos americanos, dois motivos, que se sobreporiam aos aspectos sanitários: adaptar os imigrantes do século XIX ao estereótipo moral da elite anglo-saxônica protestante, penalizando os desviantes; e conquistar espaço de manobra e poder econômico nos mercados do oriente, então dominado pelos ingleses. A pressão americana faz com que em 1909, representantes de países com colônias no Oriente e na Pérsia se reunissem em Shangai na Conferência Internacional do Ópio. Posteriormente, realizou-se em 1911 a Primeira Conferência Internacional do Ópio, em Haia. Dessa conferência resultou a "Convenção do Ópio", em 1912, pela qual os países signatários criaram o compromisso de tomar medidas de controle da comercialização da morfina, heroína e cocaína nos seus próprios sistemas legais. Vale ressaltar que outras substâncias, como a cocaína, foram adicionadas devido a uma pressão inglesa, para que o ônus econômico da proibição recaísse também sobre outros países (França, Holanda, Alemanha), que estavam tendo lucros com o comércio da cocaína através da emergente indústria farmacêutica.

Durante todo século XX vamos ver, portanto, por influência americana, um recrudescimento cada vez maior no combate às drogas. No mesmo entendimento de Pedrinha, Silva (2011) também afirma que:

[...] com o golpe militar de 1964, criaram-se as condições para a implantação daquilo que Nilo Batista batizou de modelo bélico, com o ingresso definitivo do Brasil no cenário internacional de combate às drogas. Sobrando o modelo sanitário para quem se encaixasse no estereótipo da dependência, isto é, os jovens de classe média e alta. É necessária uma breve análise do contexto histórico que favoreceu a mudança do modelo sanitário para o modelo bélico. Estava-se na época da "guerra fria", com uma aliança de setores militares e industriais para a qual a iminência da guerra era condição de desenvolvimento. Havia gastos bilionários com armamentos por parte dos dois blocos antagônicos (Estados Unidos e União Soviética), sendo fundamental para ambos a militarização das relações internacionais e também em nível interno. Com o suporte ideológico da doutrina de segurança nacional, criou-se a figura do inimigo interno que transbordou os limites da Guerra Fria, perdurando até hoje, antes os criminosos políticos, depois os comuns. Por outro lado, a década de 60 era a década dos movimentos de contracultura, como os "hippies", dos movimentos de protesto político, como as guerrilhas na América Latina. Especialmente, era o momento do estouro da droga, aumentando o consumo da maconha também entre jovens de classe média e alta, e estourava também a indústria farmacêutica, que criou drogas sintéticas, como o LSD. Como o consumo já não era apenas dos guetos, passou a se mostrar um problema moral, uma "luta entre o bem e o mal". O mal, representado pelo pequeno distribuidor, vindo dos guetos, que incitaria o consumo, qualificado como delinquente. O bem, pelo consumidor, "filho de boa família", corrompido pelos traficantes, qualificado como doente/dependente, merecendo tratamento por médicos, psicólogo e assistente social. O consumo de substâncias psicoativas passa a ser tratado como questão de segurança nacional, uma vez que já não se podia aceitar que tantos jovens americanos fossem desprovidos de virtudes. Assim, surgem os discursos, absorvidos no âmbito jurídico, sustentando que a generalização do contato de jovens com drogas devia ser compreendida, no quadro da guerra fria, como uma estratégia do bloco comunista, para solapar as bases morais da civilização cristã ocidental, e que o enfrentamento da questão devia valer-se de métodos e dispositivos militares.

Como se vê, usuário de drogas é visto como alguém sem “virtudes”, ao contrário do usuário de drogas “lícitas”, como o álcool por exemplo. No mais, chega-se ao absurdo de comparar o uso das drogas como estratégia comunista para desestabilizar “os bons costumes da civilização cristã”. Essa visão dualista entre bem e mal é típico do momento vivido no período da Guerra Fria, em que os ânimos estavam aflorados e, em muitas das vezes, fugia da racionalidade essa disputa ideológica.

A visão dualista é equivocada, pois prega valores de uma sociedade como superior aos valores de outra. É um desrespeito silencioso aos valores alheios, e na questão das drogas não é diferente, pois, drogas como o álcool, que representa índice altíssimo de morte, continuam lícitas por mero valor moral, enquanto várias drogas ilícitas como maconha, por exemplo, permanece na ilicitude por não pertencer aos valores dessa sociedade dos “bons costumes”.

No mais, percebe-se então que a raiz do tratamento do tráfico com um viés em direito penal do inimigo tem raízes históricas na Guerra Fria. Vislumbra-se ainda, que os jovens de classe media alta que são usuários, seriam, na verdade, “vítimas” desses “monstros” que vendem tais produtos com a finalidade de desestabilizar os valores daquela.

Entra em curso, assim, dentro dessa visão dualista, um conceito de países-vítimas e países-agressores dentro da perspectiva das drogas. Desta forma, países como Colômbia, Bolívia e China são vistos como países produtores (países-agressores), enquanto EUA e países da Europa Ocidental seriam países-vítimas. Surge então a globalização do combate às drogas capitaneado pelos EUA. Silva (2011) complementa dizendo:

Reunia-se o elemento religioso-moral com o elemento bélico com cada vez mais verbas para o capitalismo industrial de guerra, que resulta numa "guerra santa" contra as drogas, que tem a vantagem de não ter restrições nem padrões regulativos, com os fins justificando os meios.

Além das questões históricas, percebemos também a questão econômica. As indústrias farmacêuticas lucram somas vultosas, movimentam uma economia bilionária que, dentro da perspectiva de mercado, produz as drogas que podem ser vendidas, desde que se beneficiem desse mercado que vai do médico (que prescreve) ao produtor.

Essa realidade é diferente quanto às drogas ilícitas, como derivados da cannábis, papoula e coca, pois estas não estão controladas pelas indústrias farmacêuticas, o que as torna uma “ameaça” ao monopólio desse grande mercado, afrontando interesses.

Carneiro (2011) afirma:

Num tempo de aumento de tensões e de sofrimentos psíquicos diversos e complexos, estão disponíveis centenas de moléculas puras, para os mais diversos efeitos. A indústria farmacêutica busca ampliar seu monopólio, substituindo usos de plantas tradicionais por fármacos patenteados, e colonizando cada vez mais a vida cotidiana, oferecendo novos “remédios” para as mais diferentes esferas comportamentais. O maior número de usuários e dependentes de drogas na sociedade contemporânea são os consumidores de produtos da indústria farmacêutica. As drogas de farmácia também têm usos variados, que podem ser benéficos ou nocivos, equilibrados ou abusivos. Uma parte dos consumidores faz uso abusivo. Cerca de um terço das intoxicações que ocorrem no país, por exemplo, são devidas a drogas da indústria farmacêutica, numa proporção muito maior do que as que ocorrem por causa do uso abusivo de substâncias ilícitas.

A dependência de drogas lícitas torna-se cada dia maior. Só nos anos de 2008 e 2009, segundo Carneiro (2011), o segundo medicamento mais vendido no Brasil foi o Rivotril. A dependência de remédios, uma forma de consumo compulsivo, às vezes chamada popularmente de hipocondria, é uma característica marcante da relação das pessoas com as drogas. Por serem, por vezes, receitadas por um médico, são chamadas de “remédios”, mas o seu resultado é exatamente o mesmo de qualquer outro consumo compulsivo, podendo levar a efeitos danosos para o organismo e à dependência e tolerância.

No aspecto político, com o fim das ditaduras latino-americanas apoiadas pelos EUA e o fim da Guerra Fria, era necessário um novo motivo para justificar a intervenção norte-americana no plano internacional, um novo inimigo deveria ser eleito.

O vácuo deixado pela queda progressiva da ameaça comunista seria ocupado pelo narcotráfico, um novo perigo identificado pelo governo norte-americano. Assim seria possível ocupar a Amazônia, e ter fuzileiros e conselheiros na Colômbia, por exemplo. O discurso da segurança nacional é deslocado para esse novo inimigo.

Numa perspectiva psicológica, as drogas, em muitas das vezes, são utilizadas como forma de fuga da realidade, consequência talvez das dificuldades de viver no mundo moderno frente à pressão social (família, trabalho etc.). Dessa forma, as drogas em sentido amplo (lícitas e ilícitas), são utilizadas por algumas pessoas para fugirem, mesmo que por instantes, das pressões sociais existentes.

Portanto, as drogas não seriam necessariamente o problema, mas sim, o sintoma do problema, de modo que a dependência, em muita das vezes, é obtida pelo enorme grau de problema social que um determinado indivíduo possui e, encontra nas drogas, uma rota de fuga aos seus problemas, como se esta tivesse o condão de excluir os problemas pelos quais este indivíduo está passando.

Em 2006 temos então a edição da lei 11.343/06, que dá um novo enfoque à questão das drogas, aplicando modelo de “despenalização” (segundo STF) do usuário e penas mais altas ao traficante. Na verdade, trata-se de uma nova roupagem a um velho modelo. Adiante alguns aspectos da referida lei.

4.2. QUESTÕES CONTROVERSAS DO ARTIGO 28 DA LEI DE DROGAS (LEI 11.343/06).

O usuário de Drogas, após décadas de intensos debates e estudos, propugna-se que deve ser tratado e não mais punido pela rigidez do direito penal, pois a criminalização do usuário afronta princípios penais, como a alteridade e lesividade, e princípios constitucionais, como autonomia da vontade (princípio implícito), pois, atinge apenas sua esfera individual. Porém, a lei 11.343/06, em seu artigo 28, define crime o ato de:

Art.28: Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:

I – advertência sobre os efeitos das drogas;

II – prestação de serviço à comunidade;

III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo. (BRASIL, 2006)

Muito se discutiu acerca da natureza jurídica deste artigo, se houve uma descriminalização, despenalização, “abolitio criminis” ou uma infração “sui generis”. Porém, o STF se manifestou em 2007, afirmando que a conduta descrita no art. 28 trata-se de despenalização, mantendo-se então a conduta como criminosa. Foi através do Recurso Extraordinário 430105RJ (julgado em 2007), que pronunciou-se o Supremo nesse sentido.

Discute-se atualmente no STF acerca da descriminalização deste artigo, mas deixaremos para explorar melhor no ítem 5.1. Gomes (2007, p.147) faz uma crítica veemente ao posicionamento que propugna pela despenalização, pois, segundo este:

Se as penas cominadas para posse de droga para consumo pessoal são exclusivamente alternativas, não há que se falar em crime ou contravenção (por força do art. 1º da lei de introdução ao Código Penal). O art. 28, consequentemente, contempla uma infração sui generis (uma terceira categoria que não se confunde nem com crime nem com a contravenção penal).

Continua Gomes (2007, p.147), dizendo que “o fato deixou de ser criminoso (em sentido estrito), houve uma descriminalização formal, porém, sem a concomitante legalização [...] mas a posse da droga não foi legalizada”. Reforça sua teoria dizendo que é infração “sui generis”, não só porque as penas cominadas não conduzem à prisão, senão também porque normalmente a transação penal impede outra por prazo de cinco anos. Em relação ao usuário, isso não acontece.

Assim, a lei 9.099/95, que traz algumas espécies de penas alternativas, não é aplicada ao usuário, pois, este pode ter várias transações penais dentro do prazo de cinco anos, de modo que caracterizaria um caso “sui generis”.

Importante fazer algumas observações acerca do posicionamento do STF. Crime ou contravenção são espécies do gênero infração penal, que são sancionadas com uma pena ou uma medida de segurança, estas, espécies de sansão penal.

Se houve uma despenalização no crime descrito no artigo 28 da Lei de Drogas, logo não há possibilidade de aplicação de qualquer pena, então, poderemos questionar se deveria haver uma medida de segurança a ser aplicada para continuar sendo descrita a conduta como criminosa. Não é o que acontece, pois, advertência, prestação de serviço à comunidade ou medida educativa não são espécies de medida de segurança, que segundo o Código Penal são:

Art. 96. As medidas de segurança são:

I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II - sujeição a tratamento ambulatorial.

Parágrafo único - Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta. (BRASIL, 1940)

Por óbvio, ainda assim seria impossível aplicação de medida de segurança, tendo em vista ser imputável o agente que pratica tal conduta, sendo somente por exceção a inimputabilidade em casos extremos de dependência.

Importante salientar que existem posicionamentos que afirmam ser a despenalização uma suavização da resposta penal, com penas alternativas, segundo o art.5º, XLVI, alínea “d” da CF/88, e que é o posicionamento do STF no julgado de 2007:

Art. 5º, XLVI: A lei regulará a individualização da pena e adotará, dentre outras, as seguintes:

  1. privação ou restrição da liberdade;

  2. perda de bens;

  3. multa;

  4. prestação social alternativa;

  5. suspensão ou interdição de direitos;

(BRASIL, 1988, grifo nosso)

Ora, o próprio inciso 5º XLVI indica outras formas de “pena”. Logo, equivoca-se o STF afirmando que houve despenalização. Poderia então alegar, no máximo, uma descarceirização.

Por isso, é difícil de entender a posição do STF de manter a conduta como criminosa e despenalização do artigo, pois, tal dispositivo, trata-se de pena restritiva de direitos, e prestação social alternativa é uma espécie de pena restritiva de direitos, por força do art. 43 do Código Penal, que estabelece a prestação de serviços à comunidade como uma espécie de pena restritiva de direitos. Logo, não houve então uma despenalização, isso porque a prestação social alternativa é uma espécie de pena, conforme art.32 c/c com o art.46 CP:

Art. 32 - As penas são:

I - privativas de liberdade;

II - restritivas de direitos;

III - de multa. (BRASIL, 1940, grifo nosso)

Art. 46. A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas é aplicável às condenações superiores a seis meses de privação da liberdade.

§ 1o A prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas consiste na atribuição de tarefas gratuitas ao condenado.

§ 2o A prestação de serviço à comunidade dar-se-á em entidades assistenciais, hospitais, escolas, orfanatos e outros estabelecimentos congêneres, em programas comunitários ou estatais.

§ 3o As tarefas a que se refere o § 1o serão atribuídas conforme as aptidões do condenado, devendo ser cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação, fixadas de modo a não prejudicar a jornada normal de trabalho.

§ 4o Se a pena substituída for superior a um ano, é facultado ao condenado cumprir a pena substitutiva em menor tempo (art. 55), nunca inferior à metade da pena privativa de liberdade fixada. (BRASIL, 1940, grifo nosso)

Assim, a prestação social alternativa está incluída no Título V do Código Penal (Das Penas), não deixando, portanto, de se configurar uma espécie de pena, de modo que não pode ser considerado despenalizado aquilo que é considerado pena pelo Código Penal. Importante observar também que o art. 46 CP requisita condenação superior a seis meses para esta modalidade de pena, algo impossível, pois o art. 28 não prevê penal alguma.

Observa-se também que não se pode considerar crime aquilo que é despenalizado, pois não existe crime sem pena, que, além de ser um vácuo inócuo sem qualquer sentido, que torna a intervenção penal arbitrária e viola o princípio da intervenção mínima. Este é o caminho mais importante a ser observado, pois, de acordo com a teoria constitucional do pós-positivismo, os princípios são inclusos dentro da norma, portando, com força vinculante, conforme já abordado.

Assim, em conflitos entre regras e princípios haverá prevalência do princípio sobre a regra, de modo que sua observância é vinculada. Isso gera, portanto, a inconstitucionalidade do artigo, em vista de afrontar não apenas um princípio (intervenção mínima), mas vários princípios constitucionais penais (lesividade, alteridade etc...).

Outra observação refere-se ao fato de a lei não explicar o que é droga, deixando para a ANVISA tal papel. Portanto, trata-se de uma norma penal em branco, preenchida por um ato administrativo, portanto infralegal, e por ser infralegal é uma norma penal em branco heterogênea. É a portaria de número 344/98 da S.N.V.S (Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária) que define drogas.

Quanto ao crime tipificado no artigo 28 da nova lei, ampliou-se o rol em relação à lei 6.368/76, incluindo quem adquire, guarda, tem em depósito, transporta ou leva consigo droga para consumo pessoal, tendo por base a ideia de que a referida conduta traz consigo um inerente risco social, colocando em perigo a saúde pública no sentido de que o usuário ou dependente, mesmo que a transporte ou realize qualquer das condutas com o objetivo do consumo próprio, está sempre psicologicamente predisposto a disseminar o vício a outrem.

No entanto, entende a lei que a lesão social deste usuário é menor e menos marcante do que aquele que pratica o crime de tráfico, por exemplo, o que explica o porquê da “pena” mais leve.

Poderíamos questionar que, se, ao trazer consigo “drogas”, o usuário está predisposto a disseminar o vício a outrem, logo, o mesmo pensamento deve ser atribuído ao tabaco e ao álcool, pois a lógica é a mesma, tornando incoerente a intervenção penal num caso, mas não noutro.

Mas pode ser ainda pior, pois aquele que entrega, ainda que gratuitamente, drogas a outrem, pratica o delito de tráfico (artigo 33 da referida lei), tornando inválida a fundamentação da posse de drogas para consumo pessoal, baseada na ideia de que o consumidor está “predisposto a disseminar seu vício a outrem”, e que as drogas poderiam cair em mãos alheias, pois, se assim fosse, não seria então drogas para consumo pessoal, mas sim para consumo alheio.

Santos e Figueiredo (2012) afirmam que é crime de mera conduta, os verbos núcleo do tipo, trazer consigo, transportar [...], portanto, não necessita de prova do perigo concreto, lembrando que crimes de mera conduta têm acentuada crítica de parte da doutrina pátria, pois não há fato praticado para merecer intervenção penal, pois não houve lesão ou ameaça ao bem jurídico, violando o princípio da ofensividade da conduta.

Com pensamento divergente, Souza e Bersan (2013) protestam pela constitucionalidade do artigo 28 da lei de drogas afirmando que:

A manutenção do denominado porte de entorpecente para uso próprio, atualmente aplicado à conduta de adquirir, guardar, ter em depósito, transportar ou trazer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar encontra justificativa por não ser considerado um atentado contra a saúde individual daquele que pratica tal conduta, mas sim por considerar-se um atentado contra a saúde pública. Em que pese o fato do usuário da droga prejudicar sua própria saúde, não podemos nos olvidar de que a coletividade, como um todo, também é colocada em risco. O vício das drogas tem o potencial de desestabilizar o sistema vigente. Nessa linha de raciocínio, necessário se faz consignar elucidativa lição do eminente Vicente Greco Filho (2011): “[...] a punição do simples porte se insere, como parte no todo, no quadro geral e no ciclo operativo completo, da luta, com meios legais, em todas as frentes, contra o alto poder destrutivo do uso de estupefacientes e contra a difusão de seu contágio que alcançam o nível de manifestações criminosas tais que suscitam, em medida cada vez mais preocupante, a perturbação da ordem”. E continua o renomado autor (2011): “A razão jurídica da punição daquele que adquire, guarda ou traz consigo para uso próprio é o perigo social que sua conduta representa”. Mesmo o viciado, quando traz consigo a droga, antes de consumi-la, coloca a saúde pública em perigo, porque é fato decisivo na difusão dos tóxicos. Já vimos ao abordar a psicodinâmica do vício que o toxicômano normalmente acaba traficando, a fim de obter dinheiro para aquisição da droga, além de psicologicamente estar predisposto a levar outros ao vício, para que compartilhem ou de seu paraíso artificial ou de seu inferno.

Assim, na visão dos autores, é plenamente constitucional o artigo 28 da lei 11.343/2006 e complementam afirmando que:

Como pode ser facilmente vislumbrado, o porte de substância entorpecente está relacionado aos riscos provenientes da droga frente à sociedade e à saúde pública. Assim, o argumento dos que entendem que o referido porte para consumo pessoal constitui uma autolesão, alegando em consequência a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/06, em que pese a sua força, data máxima vênia, não merece prosperar.

Forte argumento em defesa de constitucionalidade de tal artigo, diz respeito ao fato de que não existe ataque ao princípio da alteridade ou da lesividade, afirmando que a conduta de consumir a droga não é incriminada, logo não haveria autolesão. Gomes (2007, p.110) por sua vez afirma que:

é preciso distinguir, prontamente, o usuário do dependente de drogas. Nem sempre o usuário torna-se dependente. Aliás, em regra o usuário de droga não se converte num dependente. Ser usuário de droga (como álcool) não significa ser toxicodependente (ou alcoólatra).

Logo, ao contrário de Vicente Greco Filho, Luiz Flávio Gomes não concorda que toxicômano é necessariamente um viciado que irá traficar para manter seu vício, além de estar predisposto a levar outros ao seu “inferno astral”.

Na verdade, é distorcida a visão que inclui todos os usuários de drogas como viciados e com tal predisposição. Aliás, apenas algo em torno de 10% dos usuários são dependentes, de modo que a esmagadora maioria (aproximadamente 90%) que usa substâncias psicoativas, utilizam por recreação sem ser toxicodependente.

É o que afirma Carl Hart (2014), neurocientista, professor adjunto nos departamentos de psicologia e psiquiatria da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. Para os defensores da constitucionalidade do artigo 28, o bem jurídico tutelado é a saúde pública e não se criminaliza a autolesão.

O problema está no fato de que ninguém pode consumir drogas sem trazer consigo, salvo raríssimas exceções. Além disso, as drogas lícitas também poderiam atentar contra o suposto bem jurídico “saúde pública”, e não existe um critério que defina porque um é considerado lícito e outro ilícito.

Acreditar que usuário necessariamente levará consigo outras pessoas a consumirem drogas, o coloca em patamar semelhante ao traficante, pois aquele, consumindo ou não a droga, acreditar que levaria outras pessoas a consumirem, consubstanciaria na figura típica do art.33 da referida lei de drogas(tráfico), tornando incoerente a justificativa de criminalização do artigo 28.

Logo, mais uma vez, mostra-se incoerente tal artigo com impossibilidade de distinguir usuário de traficante, já que, mesmo gratuitamente, quem entrega droga a outrem pratica o crime de tráfico. É o que diz o artigo 33 da lei de drogas:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Portanto, podemos perceber, claramente, que, por detrás do pretendido bem jurídico saúde pública, o que de fato subsiste no delito de drogas é uma tutela da moral, o que não é permitido em matéria penal por violação ao princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos.

A saúde pública é utilizada como subterfúgio, como fachada, para burlar a tutela da moral, que é proibida, de modo que a confusão do que pode ser ou não considerado lícito ou ilícito em matéria de drogas, do que é considerado tráfico ou uso é muito confuso, justamente porque não se tem delineado claramente o bem jurídico tutelado pela norma, justamente pelo fato de que o que verdadeiramente há é uma tutela da moral. Por isso, a confusão.

Aliás, se realmente houvesse preocupação com a saúde pública, não haveria de manter a proibição, tendo em vista os malefícios que a proibição traz à saúde pública como um todo. É também, algo inconsistente diferenciar usuário e traficante, tendo em conta que, se todo usuário leva alguém a consumir drogas consigo, pratica este, portanto, o delito de tráfico, o que torna absolutamente incoerente a posição defendida pela constitucionalidade do artigo com tal premissa.

Apesar de haver alguns critérios para definir se o agente é usuário ou traficante, existe uma incerteza, uma verdadeira confusão, pois vai depender do grau de análise e subjetividade de cada juiz no caso concreto, o que dá margem para haver classificações diferentes em situações muito semelhantes. Gomes (2007, p.161) explica a diferenciação:

Há dois sistemas legais para decidir se o agente é usuário ou traficante: a) sistema de quantificação legal – fixa-se nesse caso o quantum diário para consumo pessoal; b) sistema de reconhecimento judicial ou policial – cabe ao juiz ou a autoridade policial analisar cada caso concreto e decidir sobre o correto enquadramento típico. A última palavra é a judicial, de qualquer modo, é certo que a autoridade policial (quando o fato chega ao seu conhecimento) deverá fazer a distinção entre o usuário e o traficante.

Vemos que esse subjetivismo leva muitas vezes alguns a serem considerados traficantes e, em casos extremamente análogos, haver classificação como usuários, tornando confusa a tipificação, pois existe falta de critérios precisos. Isso decorre, em última análise, muito possivelmente, do fato de tutelar-se materialmente a moral no delito de drogas, porém formalmente escondida sob a rubrica da saúde pública.

Os defensores da inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343 afirmam que, acima de tudo, a intimidade do ser humano deve ser preservada e, portanto, nenhuma norma penal será legítima no momento em que interferir nas opções pessoais ou impuser padrões de comportamento aos sujeitos.

O mesmo se deve ao fato que o direito penal deve proteger bens jurídicos, e padrões morais não fazem parte de tal perspectiva. Pode-se alegar que nenhum direito fundamental é absoluto, e de fato não o é. Portanto, na conduta de posse de drogas para consumo pessoal não existe um perigo direto, concreto e imediato a terceiros, de forma a ferir princípios penais e constitucionais tal proibição, pois, a liberdade, desde que seu exercício não extrapole sua esfera de atuação, é um direito absoluto, até encontrar limites no direito de outros.

Santos e Figueiredo (2012):

Considera-se que a incriminação do uso de drogas fere o princípio da lesividade e tudo que há de acordo com política criminal na matéria. Bizzoto et al.(apud ARAUJO, 2012) defende que a inconstitucionalidade se dá porque o individuo é senhor de seu próprio destino, saúde e corpo, sendo por isso, a única pessoa competente para decidir o que ele acha melhor ou pior para si mesmo. Portanto, qualquer conduta que ameace violar a liberdade e o interesse do agente fere o princípio da lesividade. A infração penal só tem lugar quando se afeta bem jurídico de terceiro. É por conta desse principio que temos o exemplo da não criminalização das condutas da tentativa de suicídio, de dano a coisa própria e autolesão. A noção de descriminalizar a conduta do usuário de drogas, já tem aderência nas cortes supremas da Argentina e da Colômbia, porque paira o entendimento geral de que o sujeito só está fazendo mal a si próprio.

É inconstitucional, também, porque o simples porte de uma droga não pode ser considerado capaz de vulnerar a saúde pública, se revestindo, portanto, da mínima ofensividade ao bem jurídico tal conduta. Aliás, outro embate jurisprudencial e doutrinário, diz respeito à possibilidade de decretar a insignificância (bagatela) no crime do artigo 28 da lei de drogas.

A questão polêmica é quando a prática de uma das condutas previstas do crime for cometida com o porte de pequena quantidade de droga. Alguns entendem ser fato atípico, pois não configura nenhum perigo social, pela lógica de que a ínfima quantidade possibilitaria apenas ao agente consumir, inexistindo o risco social de algum terceiro vir a ter acesso à droga. Sem o perigo social, inexiste crime.

Abaixo, algumas demonstrações de decisões judiciais que demonstram as disparidades de entendimento que provocam a discussão acerca da possibilidade ou não de aplicação do princípio da insignificância ou da (in)constitucionalidade do artigo:

TJRS: RECURSO CRIME Nº Nº 71003642618

Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais.

Relator: Edson Jorge Cechet

Julgado em 07/05/2012.

POSSE DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. ART. 28, "CAPUT", DA LEI 11.343/06. INEXISTÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE QUANTO AO DELITO. ABOLITIO CRIMINIS INOCORRENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AFASTADO. TIPO PENAL COMPOSTO. 1. Não há inconstitucionalidade a ser reconhecida quanto ao delito de posse de substância entorpecente. a disposição prevista no art. 28 da lei n. 11.343/06 busca coibir a difusão da droga, resguardando a saúde pública, sem afronta a qualquer das franquias constitucionais. 2. a lei n. 11.343/2006 não descriminalizou a conduta de porte de substância entorpecente para uso próprio, vindo apenas a cominar novas modalidades de sanção para o tipo penal previsto em seu artigo 28, inexistindo impedimento legal a que penas restritivas de direito sejam a única sanção cominada ao tipo penal. Conduta, por sinal, lesiva, por extrapolar a esfera da discricionariedade do indivíduo em causar dano próprio para atingir o coletivo. 3. princípio da insignificância afastado. A insignificância não está na quantidade da substância apreendida, mas na qualidade desta e na circunstância de perigo decorrente do fato. 4. a confissão espontânea sempre é causa atenuante da pena, a ser considerada na segunda fase de sua aplicação, autorizada, segundo entendimento da turma recursal, sua compensação com a agravante da reincidência. 5. impossibilidade de substituição da pena de prestação de serviços à comunidade por advertência como a mais branda das medidas previstas na legislação de regência, essa pena, que visa a incentivar o despertamento de uma consciência que desestimule a continuidade do uso de drogas, deve ser reservada àquele que não apresente envolvimento anterior nessa área, e não ao reincidente específico, como no caso. RECURSO PROVIDO EM PARTE. (Recurso Crime Nº 71003642618, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Edson Jorge Cechet, Julgado em 07/05/2012).

Outro julgado que defende a constitucionalidade do dispositivo:

TJMG: APELAÇÃO Nº nº 1.0223.05.167245-7/001

Rel. Des. Vieira de Brito.

Julgado em 09/10/2007.

APELAÇÃO - CRIME DE USO - ABSOLVIÇÃO - NÃO-CABIMENTO - PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - INAPLICABILIDADE - APLICAÇÃO DA NOVEL LEI MAIS BENÉFICA - ADMISSIBILIDADE - ISENÇÃO DAS CUSTAS - POSSIBILIDADE. Não há que se falar em absolvição na hipótese se o conjunto probatório é firme e consistente em apontar a participação dos apelantes no crime narrado na denúncia, emergindo clara a responsabilidade penal de todos à vista da prova trazida aos autos. A pequena quantidade de droga não implica a aplicação do princípio da bagatela, mormente em razão de se tratar de delito que coloca em risco potencial a saúde pública e a sociedade. Condenado por crime de uso de tóxicos, nos termos do art.16 da Lei 6.368/76, deve-se aplicar a regra dos §§ 3º e 5º, do art. 28 da nova Lei Antitóxicos, por consistir lei penal mais benéfica. Em razão da Lei 14.939/03, no Estado de Minas Gerais, os assistidos pela Defensoria Pública fazem jus à isenção das custas processuais, nos termos do art. 10, inciso II, da aludida lei.” (TJMG – Ap. 1.0223.05.167245-7/001(1) – Rel. Des. Vieira de Brito – j. 09-10-07).

Por outro lado, alegando a inconstitucionalidade do artigo, afirmam as seguintes decisões:

jUIZADO ESPECIAL DE CAMPINAS-SP

Processo nº 2564/2013.

José Henrique Rodrigues Torres JUIZ DE DIREITO.

Sentença proferida 15/04/2014.

PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL – ATIPICIDADE – INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.28 DA LEI 11343/2006 – JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL DA COMARCA DE CAMPINAS

O porte de drogas para consumo pessoal não é crime.  Trata-se de conduta atípica. É que o artigo 28 da Lei n. 11.343/2006 é inconstitucional. A criminalização primária do porte de entorpecentes para uso pessoal é inconstitucional, porque (1) não descreve conduta hábil para produzir lesão que invada os limites da alteridade, o que implica afronta ao princípio constitucional da lesividade, (2) viola os princípios constitucionais da igualdade, inviolabilidade da intimidade e vida privada, pro homine e respeito à diferença, corolários do princípio da dignidade humana, albergados pela Constituição Federal e por tratados e convenções internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil, e (3) contraria os princípios constitucionais da subsidiariedade, idoneidade e racionalidade, que, no âmbito da criminalização primária das condutas, devem ser observados em um Estado de Direito Democrático.

Ainda:

JUÍZO DA COMARCA DE CONCEIÇÃO DO COITÉ - BAHIA

Bel. Gerivaldo Alves Neiva Juiz de Direito.

Sentença proferida em 17/05/2012.

POSSE DE DROGAS PARA USO PESSOAL - ATIPICIDADE - INCONSTITUCIONALIDADE DO ART.28 DA LEI 11343/06 – COMARCA DE CONCEIÇÃO DO COITÉ-BA.

Tráfico de maconha. Desclassificação para uso próprio pelo Ministério Público após a instrução. Inexistência de crime. Comprar e portar maconha para uso próprio não configura crime. Inexistência de tipicidade e inconstitucionalidade do artigo 28, da Lei n° 11.343/06. Matéria em Repercussão Geral do STF. Só pode ser punido pelo tráfico quem o pratica. A Constituição Federal não pode ser ferida pela “guerra às drogas”. Absolvição do acusado. [...] A vontade e supremacia da Constituição devem permanecer como o norte e o esteio do ordenamento jurídico. Neste dilema – combate ao tráfico e respeito à Constituição – é papel de todos que lidam com o Direito buscarem soluções diferentes da simples condenação e encarceramento de milhares de jovens que muitas vezes vendem pequenas quantidades para manter a própria dependência ou que se tornam traficantes de verdade por falta de alternativas e oportunidades sociais. [...].

Interessante ainda, observar as recentes decisões de nossos juízes catarinenses, em especial, Juiz Maurício Fabiano Mortari (Autos n° 0004223-97.2015.8.24.0075) da comarca de Tubarão/SC, e do Juiz Alexandre Morais da Rosa (Autos n. 0000010-03.2015.8.24.0090), da 4ªVara Criminal de Florianópolis/SC.

Ambos protestam pela inconstitucionalidade do art.28 da lei de drogas. Mortari (fls.35-48 dos autos), afirma que:

o primeiro aspecto que deve ser abordado diz respeito à ausência de lesividade a direito de terceiros, não sendo possível para justificar a criminalização da conduta de portar entorpecentes adotar o discurso cômodo e simplista da lesão à "saúde pública" ou mesmo que se trata de um delito de perigo abstrato [...]. Isso porque a saúde pública não deve ser protegida pelo direito penal, pois antes de mais nada, deve ser promovida e estendida a todos os cidadãos por políticas públicas adequadas, inclusive no que se refere aos usuários de drogas que queiram ser tratados, sendo inviável pensar que toda a coletividade é atingida diante de uma pretensa potencialidade ofensiva da conduta de portar drogas para uso pessoal. [...] Na exata lição de Claus Roxin, a descriminalização é possível em dois sentidos: primeiramente pode ocorrer uma eliminação definitiva de dispositivos penais que não sejam necessários para a manutenção da paz social. Comportamentos que somente infrinjam a moral, a religial ou a political correctedness, ou que levem a não mais que a uma autopericlitação, não devem ser punidos num Estado social de direito. Pois o impedimento de tais condutas não pertence às tarefas do direito penal, ao qual somente incumbe impedir danos a terceiros e garantir condições de coexistência social. [...] Portanto, não se verificando na hipótese vertente a existência de uma conduta típica, evidente a impossibilidade de recebimento da denúncia por falta de justa causa. [...] Ante o exposto, REJEITO A DENÚNCIA oferecida contra Oswaldo Ângelo de Quadra Neto, com base no art. 395, III, do Código de Processo Penal, declarando a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei n. 11.343/06. (Grifo nosso).

Rosa (2015), por sua vez afirma que:

não obstante a existência de manifestações no sentido oposto, entendo que a conduta abstratamente prevista no art. 28 da Lei de Drogas não consubstancia crime. Primeiro, porque, como expressa e taxativamente define a Lei de Introdução ao Código Penal, em seu art. 1º, “considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa”. Adotando-se, portanto, a conceituação formal de crime, verifica-se desde logo que a conduta do art. 28 do Código Penal não pode ser tida como tal, porquanto as sanções nele previstas não correspondem ao que dispõe a lei. Mas, para além disso, sob uma pespectiva material, a conduta criminosa pode ser caracterizada como aquela que ofende os bens jurídicos mais caros e indispensáveis à manutenção do convívio social. Na conduta prevista no art. 28 da Lei de Drogas, não se pode observar qualquer tipo de ofensividade social, sendo o único dano dela decorrente provocado ao próprio usuário – fato que não é objeto do Direito Penal. Destarte, diante dos princípios da lesividade e fragmentariedade, há que se reconhecer a conduta em questão como um indiferente penal. [...] Por todo exposto REJEITO a denúncia de fls. 33-36, com fundamento no art. 395, inc. III, declarando a nulidade parcial sem redução do texto do art. 28 da Lei n. 11.343/06, do Código de Processo Penal. (Grifo nosso).

Para o STF, são quatro os critérios a serem analisados para poder decretar o princípio da insignificância. São eles: a ofensividade mínima da conduta, a presença de nenhuma periculosidade na ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, e a inexpressividade da lesão jurídica.

Podemos observar de plano que a conduta descrita no artigo 28 da lei de drogas de fato é uma conduta minimamente ofensiva, pois ofende (lesa) apenas o próprio usuário; não há periculosidade na ação, pois não há violência empregada; há um reduzido grau de reprovabilidade, e verifica-se isso mais claramente com a manifestação de constitucionalidade, e um direito a manifestação pela marcha da maconha, declarado constitucional pelo STF (ADPF 187) em várias manifestações pelo Brasil afora, além do debate presidencial pela descriminalização das drogas, pauta no último pleito eleitoral de 2014.

Por fim, inexpressividade da lesão jurídica, pois a lesão produzida é referente ao próprio usuário, e afronta princípios como a lesividade criminalizar conduta que não ultrapassa a esfera do indivíduo. Além do mais, o bem jurídico saúde pública não é colocado em risco de modo a necessitar a proteção penal para resolução do conflito, afrontando a subsidiariedade.

Deste modo, verifica-se que o artigo 28 da Lei de Drogas preenche todos os requisitos para configuração do Princípio da Insignificância, e seu acolhimento leva a atipicidade material do fato, deixando de subsistir crime.

Gomes (2007, p.156) afirma que é aplicável sim o princípio da insignificância ao delito do artigo 28. Segundo ele:

Quando se trata de posse ínfima de droga, o correto não é fazer incidir qualquer uma dessas sanções alternativas, sim, o princípio da insignificância, que é causa de exclusão da tipicidade material do fato. Há duas modalidades de infração bagatelar própria: a primeira reside da insignificância da conduta e a segunda na do resultado. A posse de droga para consumo pessoal configura uma das modalidades de delito de posse (...) não existe nesse caso, conduta penalmente ou punitivamente relevante.

Após explanação referente ao usuário de drogas, passaremos então a analisar o tráfico e as disposições controvertidas relativas ao crime descrito no artigo 33 da lei 11.343/06.

4.3. QUESTÕES CONTROVERSAS DO TRÁFICO DE ENTORPECENTES.

O tráfico de drogas é considerado crime equiparado a hediondo e a Constituição Federal vedou aos crimes hediondos e equiparados, a anistia, graça e a fiança. Diz a CF em seu artigo 5º XLIII:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem. (BRASIL, 1988)

A lei 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos) definiu, em seu artigo 2º, a insuscetibilidade de anistia, graça, indulto e fiança aos crimes hediondos e equiparados. A questão polêmica trata-se da vedação do indulto, já que a Constituição não o proibiu. Logo, a lei teria ido além das disposições constitucionais, indo, portanto, além do mandado expresso de criminalização constitucional, tratando-se assim, de uma inconstitucionalidade tal proibição.

O STF entendeu ser constitucional a vedação do indulto, pois o termo graça, a CF o fez em sentido amplo, logo, indulto seria uma espécie de graça. Assim, temos graça em sentido amplo, que se subdivide em graça em sentido estrito, que tem alcance individual, e indulto, que tem alcance coletivo. É o que diz o informativo 486 do STF.

Outro ponto discutido, diz respeito à fiança. A proibição da fiança não implica necessariamente em proibição de liberdade provisória, pois, cautelares diversas da prisão (artigo 319 CPP) podem ser aplicados, apenas excluindo o inciso VIII (fiança).

Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:

I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para in formar e justificar atividades;

II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;

III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;

IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;

V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;

VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;

VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;

VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;

IX - monitoração eletrônica. (BRASIL, 1941)

Porém, o artigo 44 da lei 11.343 veda a fiança e qualquer forma de liberdade provisória.

Art. 44: Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos. (BRASIL, 2006, grifo nosso)

Maciel (2011) afirma que o STF declarou ser inconstitucional tal dispositivo, por violar a individualização da pena. Foi o HC 104339, onde o relator do caso, ministro Gilmar Mendes, afirmou em seu voto que a regra prevista na lei é incompatível com o princípio constitucional da presunção de inocência e do devido processo legal, dentre outros princípios.

O ministro afirmou ainda que, ao afastar a concessão de liberdade provisória de forma genérica, a norma retira do juiz competente a oportunidade de, no caso concreto, analisar os pressupostos da necessidade do cárcere cautelar em inequívoca antecipação de pena, indo de encontro a diversos dispositivos constitucionais.

De acordo com o ministro Dias Toffoli, a impossibilidade de pagar fiança em determinado caso não impede a concessão de liberdade provisória, pois são coisas diferentes. Segundo ele, a Constituição não vedou a liberdade provisória e sim a fiança.

Quanto à possibilidade de pena restritiva de direitos, o artigo 44 da referida lei é enfático ao afirmar a não possibilidade de aplicação de PRD. Maciel (2011), afirma que tal dispositivo também foi declarado inconstitucional pelo STF, por meio do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 663261) e do HC 97256.

No julgamento do referido HC, em setembro de 2010, por seis votos a quatro, os ministros decidiram que são inconstitucionais dispositivos da Lei 11.343/2006 que proíbem expressamente a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos (também conhecida como pena alternativa) para condenados por tráfico de drogas.

O Plenário concluiu pela inconstitucionalidade da expressão “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do artigo 33, parágrafo 4º, bem como da expressão “vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos”, constante do artigo 44, ambos da Lei 11.343/2006. Entenderam, pois, que tal proibição afronta o princípio da individualização da pena.

O mais estranho é que, se por um lado já foi declarada inconstitucional a conversão de pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, por outro lado, a vedação do sursis até presente momento continua a pleno vigor. Isso talvez se deve ao fato de o pleno ainda não ter analisado tal argumento, mas é de esperar que venha a ser declarado também inconstitucional, pois, não há como admitir que um traficante condenado a uma pena de até quatro anos possa ser beneficiado por pena restritiva de direitos, e um traficante condenado a uma pena de até dois anos não possa ser beneficiado pelo sursis, por exemplo.

Tal fato tornar-se-ia ainda mais desproporcional, pois, aos crimes hediondos, já houve declaração de inconstitucionalidade da proibição do sursis, de modo que espera-se que o pleno do STF, ao analisar tal questão, seguirá no mesmo sentido, declarando inconstitucional a proibição do sursis também ao tráfico de entorpecentes.

Segundo Vaz (2013), o STF analisou da seguinte forma, em sua evolução jurisprudencial, sobre a (im)possibilidade da substituição e do sursis:

1ª posição (composição do STF de 1990): Nenhuma das duas possibilidades seria cabível. Não caberia nem restritiva de direitos nem sursis, justamente porque o art. 2º, § 1º da Lei 8072/90 impunha o cumprimento da pena privativa de liberdade, impossibilitando, assim, a sua substituição por restritivas ou a suspensão condicional da sua execução. Tratava-se de uma proibição implícita, caso, por exemplo, de tentativa de estupro poderíamos verificar uma pena de até 2 (dois) anos.

2ª posição (entendimento atual do STF): Entende-se que hoje cabe, para os crimes hediondos e assemelhados, a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos e sursis. Isso, porque o Supremo entendeu que, ao se falar em regime, está se falando justamente do cumprimento da pena privativa de liberdade, e, o sursis e as penas restritivas de direito, são questões anteriores, prejudiciais a pena privativa de liberdade. Dessa forma, por se tratar de questões antecedentes (o sursis e a substituição por penas restritivas de direito), não se fala em pena privativa de liberdade e, portanto, em regime.

Por fim, o crime de associação criminosa do Código Penal (art.288 CP) exige três ou mais pessoas, para o fim de cometer crimes, com pena de reclusão de um a três anos. Observa-se, desde logo, que, ao mencionar apenas crimes, esta não abrange contravenção penal.

Já nos crimes de organização criminosa (lei 12850/13), exige-se associação de quatro ou mais pessoas, estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, com fim de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante prática de infrações penais com penas superiores de 4 anos, ou que seja de caráter transnacional, com pena de três a oito anos de reclusão. É o que diz logo em seu artigo 1º e 2º.

Vemos que o crime de organização criminosa exige quatro ou mais pessoas com funções claras a cada participante, com fim de obter vantagens e com penas acima de quatro anos. Além disso, abrange tanto crime quanto contravenção penal, pois estas são espécies de infrações penais.

Agora, para o crime de associação criminosa no delito de tráfico de drogas, é diferente tal disposição. Diz o artigo 35 da lei 11343/06:

art 35: Associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º e 34 desta lei. Pena: reclusão de três a dez anos, e pagamento de 700 a 1200 dias multa. (BRASIL, 2006)

Vemos que as penas são maiores ao delito de associação criminosa em tráfico de drogas, além de exigir apenas duas ou mais pessoas. Também merece destaque o fato de a lei mencionar reiteração ou não. Como se vê, houve um recrudescimento em relação à organização criminosa em tráfico de entorpecentes.

Filho (2009, p.178), diz que não há definição na forma ou modo de ser da quadrilha ou bando, mas a ideia é a que se trata da reunião de pessoas que se ajustam para a prática de crimes, em futuro concurso ou não.

Por fim, em relação à questão da proporcionalidade, podemos perceber que existe um ataque direto a tal princípio, pois, no art.33, ao dizer “fornecer ainda que gratuitamente ou entregar a consumo” mostra-se desproporcional a pena em relação a quem vende, exporta, importa etc. Há um tratamento igual para o traficante contumaz, que faz disso sua profissão, e ao que comete um tráfico casual, ocasionando um tratamento igual a uma situação totalmente desigual.

Temos, como exemplo, o caso de uma mãe que vai a boca de fumo comprar droga para um filho viciado a fim de controlar o consumo deste. Se pega pela polícia, responderá esta mãe como traficante, ainda que contrariando o senso comum do que seria tráfico, com todos os rigores da lei penal, inclusive em relação a crimes hediondos por este ser equiparado.

Carvalho (2010, p.208) discorrendo sobre o tema aduz:

o princípio da proporcionalidade se desenvolve a partir da ideia do devido processo legal, estabelecendo controle dos atos abusivos do Poder Legislativo e do Poder Executivo. Segundo Paulo Bonavides há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre os meios e fim é particularmente evidente, manifesta.

É, portanto, para Carvalho (2010), a proporcionalidade a intersecção entre dois princípios clássicos: o da proporcionalidade e o da ofensividade, de modo que a ofensa ao bem jurídico deve guardar a devida proporcionalidade com a pena cominada.

Continua Carvalho (2010, p.210) dizendo:

a título de exemplificação [...] alguns interrogantes seriam pertinentes, como, p. ex., se as condutas fornecer ainda que gratuitamente ou entregar a consumo possuem o mesmo grau de lesividade daquelas relativas à exportação, importação ou venda de entorpecentes? Se não seria excessiva punição (quantidade e qualidade de pena) isonômica destas condutas? Se não seria razoável estabelecer tratamento penal, processual e punitivo diferenciado? A inevitável resposta positiva evidencia a ruptura com o princípio constitucional, estabelecendo a necessidade de elaboração de ferramentas doutrinárias e jurisprudenciais corretivas.

Dessa forma, vemos o tratamento desproporcional, e a fúria legislativa em torno da questão das drogas que tem, principalmente, nas questões morais, sua maior fonte de fundamentação.

4.4. ESTUDOS ACERCA DA PROBLEMÁTICA DAS DROGAS NO MUNDO.

No mundo afora, e, principalmente no Brasil, vemos uma verdadeira guerra no combate às drogas, que infelizmente tem dizimado milhares de pessoas, policiais, traficantes, inocentes, além de vermos a prática do tráfico de drogas suceder a prática de vários outros crimes decorrentes dela. Discorrendo sobre o Narcotráfico, Rodrigues (2003, p.11-12) argumenta:

a inquietação causada por essa prática proibida é intensa porque ela é apresentada como um inimigo sem rosto, uma força potente e difusa difícil de ser localizada e que se oculta como um animal ardiloso. O narcotráfico, tornado uma ameaça misteriosa, é amedrontador. Porém, o incômodo alimentado pela existência da economia ilegal das drogas se apoia não apenas na dificuldade de identificá-la ou no medo gerado por sua violência; ela transtorna porque negocia mercadorias consideradas insuportáveis por boa parte das pessoas. Os produtos comercializados por esses homens de negócios são substâncias amplamente desejadas e que hoje são ilegais. Tal ilegalidade significa que o circuito de produção e venda de inúmeros compostos químicos é proibido de existir segundo as leis específicas. Essas leis, no entanto, não bastam para erradicar a procura por tais substâncias, fato que impulsiona um rentável negócio clandestino que se dedica a fazer chegar ao consumidor sua droga preferida. A proibição das drogas e o mercado subterrâneo por ela inaugurado produzem uma situação de guerra constante dentro dos países que banem o uso de psicoativos e também no plano internacional. (Grifo nosso).

Assim, a violência que decorre da guerra ao tráfico, está muito mais relacionada ao fato de ser ilegal o comércio de tais entorpecentes, que propriamente pela droga em si. É o que afirma Zaffaroni (2013), informando que só no México mais de 50 mil pessoas morreram na última década não em decorrência do mal das drogas, mas da proibição.

Infelizmente, é utopia acreditar que eliminando traficantes estaremos livres do consumo das drogas. É a velha lei do mercado: onde há demanda sempre haverá oferta. E, pior, quanto mais se endurece as leis penais em relação ao comércio de entorpecentes, mais lucrativo e atentador se torna tal atividade.

Silva (2015) informa que, segundo dados divulgados pelo Relatório Mundial sobre Drogas da ONU , que em 2014, cerca de 5% da população mundial entre 15 e 64 anos usa drogas ilícitas, o que corresponde a uma média de 243 milhões de pessoas. É um número e tanto, mas não é o único dado superlativo nessa história.

Estima-se hoje que, 40% dos nove milhões de presos em todo o mundo, estejam na cadeia em razão das drogas, e isso tudo tem um custo altíssimo. Segundo Silva (2015), para a London School of Economics, essa guerra já custou ao mundo mais de 1 trilhão de dólares e criou um imenso mercado negro, avaliado em aproximadamente US$300 bilhões, um mercado negro cada vez mais fortalecido por organizações criminosas que, ao contrário do que pode parecer, não estão nem um pouco interessados nessa história de descriminalização.

Ainda Silva (2015), informa que quando Richard Nixon, então presidente dos EUA declarou “guerra às drogas” na década de 70, o então maior ideólogo liberal americano Milton Friedman, apoiador de Nixon, levantou-se contra tal política, e tomou a história como exemplo.

Lembrou Friedman que, na década de 1920, por força do puritanismo americano que há muito vinha fazendo lobby pela criminalização de qualquer entorpecente e até mesmo o álcool, foi decretado à lei seca, tornando ilegal o comércio de álcool.

Com isso, a máfia do álcool surgiu, e um grande nome desse período foi Al Capone, além de outros traficantes de álcool que serviram até mesmo de fonte de inspiração para filmes, como “O poderoso Chefão”. Ou seja, a criminalização só trouxe prejuízos e nada de solucionar o problema, tanto, que pouco mais de uma década depois o governo americano se viu obrigado a legalizar novamente o álcool.

A criminalização do álcool nada mais serviu que para constituir traficantes poderosos, que controlavam este comércio ilegal e acabavam por criar inúmeros crimes conexos pela atividade ilícita, além de cada vez mais tornarem as substâncias vendidas mais fortes, pois, na ilegalidade, não havia qualquer controle da produção e venda, algo muito semelhante ao que vivemos com a criminalização das drogas ilícitas atualmente no Brasil.

A respeito da lei seca, vemos no Wikipédia (2015) que esta entrou em vigor em 1920, com o objetivo de salvar o país de problemas relacionados à pobreza e violência. A Constituição americana estabeleceu na 18ª emenda, a proibição, a fabricação, o comércio, o transporte, a exportação e a importação de bebidas alcoólicas. Essa lei vigorou por 13 anos.

O efeito causado pela lei foi totalmente contrário do que era esperado, ao invés de acabar com o consumo de álcool, com os problemas sociais, entre outros, a lei gerou a desmoralização das autoridades, o aumento da corrupção, explosões da criminalidade em diversos estados e o enriquecimento das máfias que dominavam o contrabando de bebidas alcoólicas. O ponto de encontro das pessoas que queriam beber eram bares clandestinos, localizados no subterrâneo com o objetivo de não chamar atenção.

Argumentando que a legalização das bebidas geraria mais empregos, elevaria a economia e aumentaria a arrecadação de impostos, os opositores do então presidente norte-americano Franklin Roosevelt, o convenceram a pedir ao Congresso que legalizasse a cerveja. Com isso, em 1933 é revogada a emenda constitucional da lei seca.

Já Araújo (2007, p.64) afirma que:

colocar as drogas na ilegalidade foi a solução sistematicamente adotada no século 20, em todas partes do globo. Infelizmente, a lei não controlou o consumo – e há quem defenda que ela aumentou. De quebra, nos jogou numa guerra contra traficantes, que por sua vez estão em guerra contra todos nós. O dano que o vício dos outros causa em nós nasce quase completamente do fato de as drogas serem ilegais, escreveu em 1972 o americano Milton Friedman.

O uso de substâncias tóxicas é tão antigo quanto à humanidade, e sempre fez parte do cotidiano das sociedades. Bucher (apud SOUZA e BERSAN 2013), psicanalista, doutor em Psicologia pela Universidade Católica de Lovaina, Bélgica, enfatiza que:

em todas as sociedades sempre existiram drogas, utilizadas com fins religiosos ou culturais, curativos, relaxantes ou simplesmente prazerosos. Graças às suas propriedades farmacológicas, certas substâncias naturais propiciam modificações das sensações do humor e das percepções. Na verdade, o homem desde sempre tenta modificar suas percepções e sensações, bem como a relação consigo mesmo e com seus meios naturais e sociais. Recorrer a drogas psicoativas representa uma das inúmeras maneiras de atingir este objetivo, presente na história de todos os povos, no mundo inteiro. Antigamente, tais usos eram determinados pelos costumes e hábitos sociais, e ajudaram a integrar pessoas na comunidade, através de cerimônias coletivas, rituais e festas. Nessas circunstâncias consumir drogas não representava perigo para a comunidade, pois estava sob o seu controle. Posteriormente, as drogas passaram a ter outra conotação, devido ao desregulamento destes costumes, em consequências das grandes mudanças sociais e econômicas.

E foi justamente por motivação religiosa que o modelo proibicionista foi imposto nos EUA, porém, sua eficácia foi considerada fracassada, conforme observa Araújo (2007, p.64):

a primeira política moderna para colocar entorpecentes na ilegalidade nasceu nos EUA, em 1914, com o Ato de Narcóticos. Era uma reação aos crescentes problemas de dependência e overdose de ópio e cocaína, uma novidade num país tão religioso. Em 1918, o governo criou uma comissão para avaliar os efeitos da legislação. O grupo concluiu que: 1) um mercado negro havia surgido para atender à procura pelas drogas; 2) esse mercado estava organizado nacionalmente para importar e distribuir o contrabando; e 3) o uso do ópio aumentara significativamente. Diante das evidências, de que a proibição beirava o fracasso, o governo americano não teve dúvidas: aumentou mais ainda as restrições, passando de 5 para 10 anos a pena máxima por crimes relacionados às drogas – na década de 1950 esse limite chegaria a pena de morte.

Dessa forma, o modelo proibicionista serviu apenas para através da repressão aumentar o preço, que valoriza o tráfico, que por sua vez estimula o consumo, que aumenta a repressão, num círculo vicioso negativo de consequências catastróficas para todos. Em 1961 houve um pacto global contra as drogas assinado pela ONU, sob influência Americana.

Resultado foi que no início daquela década, todos os países comprometeram-se a combater às drogas, e terminando com soldados americanos fumando maconha na Guerra contra o Vietnã, e hippies se entupindo de LSD mundo afora. É neste contexto, segundo Souza e Bersan (2013), que Richard Nixon declara guerra às drogas, com sua política de tolerância zero. Resultado desse aumento de repressão foi fazer a cocaína, que andava sumida, retomar sua carreira de sucesso nos EUA e espalhando-se pelo mundo afora.

O mais estranho, é que com toda essa proibição e endurecimento às drogas, de acordo com Araújo (2007, p.65), a população carcerária pulou de 50 mil para 500 mil em 30 anos, enquanto que os EUA, maior proibicionista, chegou ao 1º lugar no rancking de consumidores. Ou seja, todo esse endurecimento repressivo apenas serviu para atrair mais consumidores, resultado completamente antagônico ao almejado.

Porém, paradoxalmente, a Suécia, na década de 70, respondeu o alto consumo de drogas com repressão e leis penais. E o resultado foi satisfatório. Percebemos então, que nos EUA proibir só aumentou o consumo, e na Suécia o resultado foi o almejado: diminuí-lo. Umas das possíveis respostas para tal sucesso, pode ser a justa distribuição da renda, que, quando mal distribuída, anda de mãos dadas com o tráfico, aliado a falta de sentimento de injustiça social, com taxa de desemprego baixíssima e uma escolaridade com altíssimo grau que pode, com sucesso, campanhas de prevenção ao uso surtir o efeito desejado.

Já nos EUA, o objetivo inicial de fins do século XIX, era atingir justamente as drogas oriundas de estrangeiros que disputavam espaço no país e “ameaçavam” os costumes puritanos americanos. Para Rodrigues (2003, p.31), “os chineses trouxeram o hábito de fumar ópio, [...] os mexicanos eram associados à maconha, e por isso vistos como indolentes, preguiçosos e agressivos, e os negros [...] atribuía-se a cocaína, e por fim, o álcool, era atribuído aos irlandeses”.

Logo, a proibição visava de alguma forma, dar meios para o Estado intervir no estilo de vida dessas minorias, que eram mal vistas pelos americanos de origem protestante, anglo-saxônica, que os viam como entidades exógenas e de hábitos perigosos, que traziam “venenos” e disputavam empregos com estes que já estavam ali a gerações. Era o direito penal tutelando escancaradamente a moral.

Logo, havia uma clientela definida para ser estigmatizada e, através do tráfico ou consumo de tais substâncias, possibilitar uma intervenção estatal para puni-los por seus hábitos. Importante lembrar, que neste período, o preconceito americano a outras culturas chegou a níveis estratosféricos, que propiciou o surgimento de grupos que pregavam o preconceito e o ódio de forma aberta como era a Ku Klux Klan, grupo extremamente xenofóbico e racista, além de outros.

Portanto, a proibição às drogas, tem como fundamento também o preconceito a culturas diversas das tradicionais americana. Na mesma década de 70, assim como a Suécia, na Holanda também houve um aumento do consumo de drogas, porém por lá, a resposta ao problema foi completamente diversa, tendo em vista algumas peculiaridades.

Na Holanda, a maioria dos jovens consumidores de heroína ia até o traficante em busca de maconha e acabavam levando heroína. Portanto, pensou-se em quebrar este elo maconha-heroína, liberando a primeira considerada menos nociva em detrimento da segunda, considerada um risco social. Desta forma, surgiram os chamados Koffeshops, estabelecimentos onde o usuário podia escolher variedades da erva no cardápio.

O resultado foi a diminuição do consumo de heroína, alvo desejado pelo governo, o que faz refletir que a maconha serve de porta de entrada para outras drogas, mas não por questões intrínsecas a ela, mas por conta da proibição, que leva o traficante a oferecer e estimular o consumo de outras drogas mais pesadas.

Carneiro (2011) afirma que:

uma política realmente democrática em relação às drogas psicoativas seria aquela que legalizasse todas, submetendo-as a um mesmo regime, não importa se remédios sintéticos ou derivados de plantas tradicionais. Ao mesmo tempo, tal política deveria ampliar a severidade dos controles, distintos para cada substância. Toda publicidade em veículos de mídia destinados ao público em geral deveria ser proibida. A fiscalização e punição para consumos irresponsáveis – ao volante, por exemplo – de álcool ou outras drogas, deveria ser rígida. Outra medida necessária seria a estatização da grande produção e do grande comércio. Ela evitaria que corporações gananciosas dominassem o mercado e garantiria que todos os lucros desse comércio fossem direcionados para fins sociais – inclusive para programas de desabituação para os consumidores problemáticos que necessitassem. Além de uma política em favor dos genéricos e da quebra das patentes farmacêuticas, o Estado deveria garantir a fabricação de todos os fármacos indispensáveis, oferecendo-os ao menor preço possível e aplicando os lucros obtidos no interesse social. Um amplo programa de pesquisa, com financiamento e destinação pública, poderia assim estimular também o desenvolvimento de novos fármacos. Legalização e controle público afastariam crime organizado e criariam fundo público para financiar Saúde – inclusive atendimento aos dependentes. A legalização da maconha, da cocaína e de todas as drogas, sob controle estatal do grande atacado e produção afastaria o atrativo para o crime organizado, permitiria maior monitoramento dos usos problemáticos e encaminhamento dos necessitados a tratamentos. Financiados pela própria renda gerada na venda legal, seriam oferecidos no serviço público de saúde. Por que não criar-se um Fundo Social – resultado não apenas de impostos, mas do controle econômico estatal da grande produção e circulação de drogas, remédios, bebidas e cigarros? O conjunto do faturamento obtido poderia servir para custear o orçamento de Saúde Pública. O conjunto das drogas legalizadas acabaria com os efeitos nefastos do chamado “narcotráfico”, encerraria a “guerra contra as drogas”, libertaria os prisioneiros dessa guerra: em torno de metade da população carcerária tanto nos EUA como no Brasil. Seria interrompido o crescimento vertiginoso do encarceramento por drogas, principal fonte de lucros para o sistema penal privado norte-americano e mecanismo de repressão social e racial contra os pobres e os afrodescendentes no Brasil. Reduziriam-se os danos sociais dos usos problemáticos de drogas. Seriam potencializados os usos positivos, tanto terapêuticos como recreacionais.

Afirma ainda Carneiro (2014) que:

a indústria farmacêutica movimenta 700 bilhões de dólares por ano, a indústria das drogas ilícitas movimenta 400 bilhões. Isso se deve ao preço da proibição o alto custo das drogas ilícitas. Foi o que ocorreu na lei seca dos EUA com a proibição do álcool de 1919 a 1933. A máfia do álcool fez descriminalizar e legalizar novamente a venda de álcool nos EUA. O próprio EUA legalizou o uso das drogas completamente em dois Estados e em 21 legalizou apenas para uso medicinal. Em colorado – EUA vigora o modelo privado de legalização das drogas, onde o comerciante precisa ter 3 milhões de dólares de capital inicial para iniciar os negócios. No Brasil, a maior empresa é a AMBEV e 3 dos maiores bilionários do Brasil 3 são os donos da AMBEV o que mostra que a produção de drogas é um comercio altamente rentável. No Uruguai vigora um modelo diferente dos EUA. Lá o Estado será o principal fornecedor e distribuidor da maconha para garantir os lucros para o Estado. No Colorado os primeiros 40 milhões em arrecadação de impostos são destinados a construções de escolas.

A indústria farmacêutica, já em meados da década de 50, reforçou a pressão proibicionista, com fortalecimento do enfrentamento aos países considerados fontes de matéria prima de drogas como Irã e Turquia. Afirma Rodrigues (2003, p.37) que:

a disputa, em linhas gerais, estava em torno da seguinte questão: Os Estados industrializados (EUA e países da Europa ocidental) exigiam maior rigidez no controle de opiáceos, maconha e cocaína e pouca regulação para os psicoativos sintéticos (barbitúricos e anfetaminas) produzidos em suas indústrias farmacêuticas, ao passo que os países menos desenvolvidos, produtores principalmente de ópio bruto e folhas de coca, defendiam sua posição e, em caso de proibição total de psicoativos, a inclusão também das drogas sintéticas na lei internacional.

Portanto, percebemos que a saúde pública sempre serviu como pretexto para a criminalização de determinadas substâncias, e mais, que substâncias oriundas de países menos desenvolvidos sempre foram o alvo das políticas proibicionista, tendo em vista, ou o menosprezo por sua cultura em detrimento da cultura dos países hegemônicos, ou, ainda, o interesse comercial e industrial dos países hegemônicos, além de intervenções policiais nos locais onde se encontram grupos vulneráveis.

Exigir criminalização das drogas que exigem pouca industrialização e pouca regulamentação, além das drogas sintéticas, teve como objetivo, auferir lucro apenas aos países industrializados, ou seja, a saúde pública infelizmente nunca foi o grande objetivo das criminalizações de drogas, seja qual for.

Hoje, percebemos que mantém-se a criminalização, com uma forte carga de endurecimento penal ao traficante, e, quanto ao usuário, houve um abrandamento com o objetivo de encarceramento da pobreza, sempre vista quando em larga escala como algo a ser controlado, se não por via política, por via penal, pois representa risco social. A verdade é que pobres, em sua extensa maioria, são enquadrados como traficantes, pois, pessoas oriundas de famílias mais abastadas conseguem facilmente enquadrar-se como usuário. A prova disto é o que diz o art. 28 §2º da lei 11.343/06:

art.28 §2º: Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente. (BRASIL, 2006, grifo nosso).

Percebemos que, muitas vezes, juízes julgam com base em local, o fato de estar próximo a “boca de fumo”, ou ainda, sob argumento de estar condicionada para venda o fato de a droga estar embrulhada, como se o comprador não adquirisse a droga também embrulhada. Porém, o mais interessante é no que diz respeito à conduta, antecedentes e circunstâncias sociais e pessoais.

Nas duas primeiras hipóteses, sob tais argumentos, pode-se classificar os indivíduos, tanto como traficantes quanto usuário, pois, estar próximo à boca de fumo, representaria ou pode representar tráfico ao menos favorecido que, estando neste local, só poderia ser para fins de venda, e usuário para os mais favorecidos, que somente frequentam tais locais para comprar, pois não pertence ao seu convívio natural viver naquelas localidades, e o fato de estar embrulhado seria fins de venda ao pobre, enquanto a droga estando embrulhada no poder do rico seria prova que ele comprou.

Agora, a terceira hipótese é ainda mais alarmante a disparidade, pois, circunstâncias sociais, representam em verdade, que para o rico a quantidade muitas das vezes significa “estoque”, pois tem dinheiro para comprar o suficiente para não necessitar ir à boca a todo o momento. Já para o pobre, por ser despossuído, determinada quantidade ainda que amplamente menor, representaria, ou pode representar, entretanto, tráfico.

Logo, percebemos claramente que mais de 50% do encarceramento no Brasil está em crimes relacionados às drogas. É justamente a quantidade de demanda judicial a crimes relacionados às drogas, que faz “entupir” os gabinetes judiciais de processos.

Com isso, percebe-se que a legalização poderia representar a retirada das prisões de mais da metade dos encarcerados, e mais, desafogaria o judiciário para resolver de fato as demandas necessárias e úteis dentro da razoabilidade de prazos, além do que, a criminalização, apenas serve para sobrecarregar o sistema estatal de atuação, deixando, portanto, margem enorme de pessoas que cometem inúmeros delitos na impunidade, o que gera cifra negra e estimula a prática delituosa.

Ainda, a incapacidade do sistema estatal se mostra com a quantidade de mandados de prisão em aberto que no Brasil, que, segundo Struck (2013), chegou à cifra de 200.00 (duzentos mil) no ano de 2013 e, segundo portal G1-SC (2015), o número de mandados de prisão em aberto somente no litoral catarinense é de 11.783 (onze mil setecentos e oitenta e três) no ano de 2015, demonstrando, portanto, a enorme cifra negra criada justamente tendo a imensa maioria dos crimes relacionados à droga.

Percebemos que, a única explicação para o aumento cada vez maior do número de usuários de drogas, apesar do proibicionismo, se justifica pela falta de adequação social. Princípio este que pugna pela adequação do fato delituoso como aceite pela sociedade. Assim, é fácil e tranquilo perceber que quando ocorre um homicídio, o próprio agente delituoso bem como a sociedade sabe que o fato merece punição. Quando ocorre um roubo, tanto o agente quanto a sociedade sabem que o fato merece reprimenda, e na maioria dos delitos são assim. Obviamente o delinquente tentará ficar impune, porém, em seu íntimo, ele sabe que praticou um ilícito.

O fato é que, no delito de drogas, as coisas não funcionam bem assim. O usuário não consegue visualizar que mal ele faz a outrem no momento que ele decide, recreativamente, fazer uso de determinada substância entorpecente. Para piorar, esse sentimento enrijece quando o mesmo percebe que outras substâncias entorpecentes, que fazem tão mal quanto, ou ainda, fazem mal maior, são permitidas por critérios nada esclarecidos. Isso alimenta o sentimento que ele não faz mal a ninguém, além de si próprio ao decidir fazer uso de algum tipo de droga, o que fomenta o mercado consumidor a se manter em alta, mesmo após mais de cem anos de proibicionismo pelo mundo afora.

Neste sentido, demonstrando o fracasso da política proibicionista em relação aos delitos de drogas, Varella (2011) afirma:

é ilusão imaginarmos que a polícia vencerá a guerra contra o tráfico. Basta olharmos para os americanos que investem US$ 10 bilhões anuais para manter o mais organizado aparato policial de repressão que se tem notícia: são os maiores consumidores de drogas ilícitas do mundo. Na década de 1960, cerca de 100 mil americanos fumavam maconha regularmente; em dezembro de 2003, havia 14 milhões de usuários habituais e 70 milhões de usuários ocasionais. As razões para o fracasso da estratégia repressiva são múltiplas e fáceis de entender. Vejamos algumas delas: [...] Para o sucesso comercial de determinado produto, o custo do transporte é crucial. Plantar tomates no norte de Mato Grosso para vendê-los nas feiras livres de São Paulo levaria o produtor à falência. Quando a mercadoria é uma droga ilícita, no entanto, o custo do transporte fica desprezível. Senão vejamos: um quilo de cocaína na Colômbia ou na Bolívia custa US$ 2.000. Em São Paulo ou Rio de Janeiro, depois de “batizada” para aumentar o rendimento, essa quantidade de droga poderá render US$ 20 mil. Se um vendedor encomendar 500 quilos e o traficante pedir a absurda quantia de US$ 500 mil para trazê-la dos países vizinhos, que diferença fará? Apesar de o aumento de mil dólares por quilo representar 50% do preço do produto, a margem de lucro continuará estratosférica. Lucros dessa magnitude, numa atividade não sujeita à taxação pela Receita Federal, recolhimento de obrigações trabalhistas e demais impostos que sufocam a produção em nosso país, têm um poder de corrupção irresistível. Não sejamos ingênuos: bocas-de-fumo são pontos de comércio estabelecidos em endereços acessíveis aos usuários. Se eles, e até os cidadãos que não consomem drogas, sabem onde podem ser encontradas, só a polícia treinada para combatê-las é que não tem ideia dos locais em que se situam? Quando os jornais noticiam que apenas na favela da Rocinha o tráfico movimenta 10 milhões de reais por semana, como as autoridades não conseguem identificar os mecanismos financeiros empregados na lavagem de quantias tão astronômicas? Por que razão os traficantes mais poderosos escapam das cadeias pela porta da frente graças a habeas corpus impetrados por advogados de saber jurídico precário? Quantos representantes do povo são eleitos às custas do dinheiro do tráfico? Por razões como essas alguns especialistas sugerem que a única forma eficaz de combater o tráfico seria acabar com a ilegalidade da comercialização. Sem entrar no mérito da discussão técnica, tal sugestão é de pouco valor, porque não existe a menor possibilidade de ser colocada em prática. Primeiro, porque a sociedade não está disposta a assistir ao aumento expressivo do número de consumidores, que certamente ocorreria numa primeira fase. A experiência com a legalização de drogas como o álcool e a nicotina mostra que o número de usuários dependentes passa a ser contado aos milhões. Segundo, porque o Ocidente jamais permitiria. Enquanto os norte-americanos não abandonarem a política de guerra militar contra as drogas como estratégia-mãe para combatê-las, as experiências de trazer o consumo para a legalidade ficarão restritas ao comércio de maconha em países desenvolvidos como a Holanda. O que fazer, então? A lei da oferta e da procura garante sobrevivência perene ao tráfico. [...] Independentemente da necessidade de encontrarmos alternativas mais sensatas para combater o tráfico do que o simples uso da força bruta necessitamos urgentemente multiplicar pelo país o número de centros para tratamento de dependência química e de programas educativos agressivos que ensinem já na escola primária, em casa e através dos meios de comunicação de massa que as drogas psicoativas modificam a arquitetura do cérebro, provocando uma doença neurológica crônica, destruidora, que acaba com os prazeres da vida. (Grifo nosso).

Interessante observar que, o artigo produzido pelo ilustríssimo Doutor Dráuzio Varella é de 2011, anterior à abertura americana de discussão às drogas que datam de 2013 para cá, e, ao contrário do previsto, a legalização inclusive para fins recreativos não acarretou em aumento considerável do consumo.

Defendendo a continuação da política proibicionista, Miranda (2012) afirma que:

não acredito que a descriminalização das drogas contribuirá para a redução do tráfico e da violência. [...] se a droga for liberada haverá o aumento do consumo, do tráfico (a disputas pelos pontos de venda), e também da criminalidade. A descriminalização vai gerar um problema de segurança pública: o aumento da criminalidade e a explosão do sistema público de saúde gerado, causado pelo crescimento da demanda por tratamento. Estamos abordando apenas a ponta do problema. É necessário conscientizar a traumatizar nossas crianças, a partir dos 6/7 anos. Mostrar o perigo das drogas, e ao mesmo tempo alertar pais e educadores para a importância de dialogar melhor com nossas crianças e adolescente sobre o problema. A chave do problema [...] é a diminuição do mercado consumidor, que não será resolvida com a liberação, mas sim com a atuação integrada de todos. Se não agirmos assim, não daremos conta do combate que já estamos enfrentando. As pessoas que defendem a liberação precisam ouvir um pouco mais a realidade dos profissionais da segurança, de saúde e dos familiares e vítimas desse mal.

O que vemos hoje é justamente um movimento contrário por parte dos traficantes em relação à descriminalização ou legalização, pois seu poder está justamente atrelado à proibição. O traficante só existe porque a venda de determinadas drogas é proibida, se fosse permitida e regulamentada, o traficante sequer existiria.

Do mesmo modo como abordado em capítulo anterior, Al Capone somente se tornou um dos maiores traficantes de álcool nos EUA com forte influência, riqueza e poder, justamente porque a venda de álcool era proibida na década de 20. Bastou os EUA voltar atrás, e legalizar novamente a venda de álcool, que tanto Al Capone, quanto todos os outros poderosos traficantes de álcool, sumirem e perderem seu poder e influência.

Outros argumentos favoráveis à manutenção da criminalização vêm da análise crítica de Lima (2014):

os defensores do proibicionismo creem que a criminalização é capaz de aconselhar o individuo a não fazer uso de drogas. Acredita-se que a criminalização, portanto, seja capaz de dificultar a disseminação do vício, promover a reabilitação do dependente e a ressocialização dos envolvidos na trama. Dessa forma, atuaria na contramotivação do uso, através da coação psicológica, na recuperação de dependentes e no combate à proliferação da violência, evitando o cometimento de crimes em razão do uso de drogas. O sistema repressivo atua de forma direta, ao condicionar os consumidores através de sanções, e indireta, ao tentar definir a disponibilidade das drogas, justificando a ação no fato do consumo causar ofensa ao bem jurídico saúde, pois essa conduta propaga a droga e causa danos à coletividade e à saúde de toda a população. Além de tudo, sustenta-se que o consumo de drogas aumenta a violência urbana, pois o usuário este diretamente compreendido com a violência domestica e em crimes patrimoniais, como furtos e roubos, os até mesmo crimes contra a vida para subsidiar do vicio, sendo responsável direto pelo fortalecimento e crescimento do trafico de drogas, afinal se não tivesse tantos usuários o tráfico não seria tão intenso e dominador. Portanto, embora o usuário não pratique a conduta mais grave, é o consumo que sustenta a pratica de crimes mais severos, como a produção e o tráfico de drogas, sendo fundamental sua criminalização para manter o ciclo de atuação estatal fechado, pois este é, ainda, o único dispositivo efetivo que o Estado possui para prevenir a pratica de determinadas condutas nocivas à saúde pública. Logo, a manutenção da criminalização das drogas ilícitas é imune porque o uso além de gerar a dispersão do vício, fomentado, pois, o risco à sociedade, harmoniza a manutenção do narcotráfico e do crime organizado, além de ser fomentador da prática de crimes patrimoniais e domésticos para subsistência do vício, o que acaba por gerar mais violência e criminalidade na sociedade. No entanto, quando o problema do vício é analisado sob o viés da família, da escola, da saúde e da segurança pública, e não apenas sobre a visão do indivíduo, verifica-se verdadeira sensação de pânico e angústia que vivenciam as pessoas, especialmente familiares, que precisam enfrentar sujeitos drogados, que comprometem toda a sua formação e relações familiares, desassossegar a todos que o cercam. Tudo isso que é impossível aceitar alegação que essa conduta não viole ou coloque em risco bens jurídicos de terceiros, pois os efeitos do uso são sentidos por todas as pessoas que coabitar com o consumidor. À vista disso, a dependência química acaba por afetar e ceifar toda a vida do dependente que inicia com o consumo eventual até chegar à dependência e perda total de controle sobre o vicio, acabando por perder o emprego, deixar os estudos e, posteriormente, passa a cometer, primeiramente, pequenos furtos dentro da própria casa. Nos vizinhos, e, quando já não encontra meios para o sustento desses vicio nesses locais, parte para invasão de domicílios, roubos e latrocínios, tudo com o fim de satisfazer o vicio e, consequentemente, alimentando o trafico.

Infelizmente, o viés proliferado, é que todo usuário é dependente. Importante, porém, observar que apenas 1/9 dos usuário são viciados, ou seja, a imensa maioria dos usuário de drogas o fazem de modo recreativo e sem nenhum tipo de vício ou dependência, logo, não praticam crimes para sustentar o uso. Ademais, o número de viciados em álcool supera em muito, guardadas as proporções, aos viciados nas drogas ilícitas. Maria Lúcia Karam (apud LIMA, 2014) afirma que:

os maiores danos relacionados às drogas ilícitas advém do próprio proibicionismo, e não da sua circulação, e atingem os direitos fundamentais dos cidadãos, o que abala a própria preservação do modelo de Estado Democrático de Direito. Diante disso, defende que está na hora de legalizar a produção, a distribuição e o consumo de todas as substâncias psicoativas, regulando essas atividades, através de regras efetivamente preocupadas com a saúde pública e o bem-estar da população, bem como respeitando a dignidade de cada cidadão.

Ainda em Lima (2014) podemos verificar que:

rebatendo argumento lançado por aqueles que defendem sistemas repressivos, embora se aponte a estreita ligação entre o consumo de drogas e a delinquência, não há nenhum estudo que demonstre relação de causalidade entre eles, uma vez que é extremamente difícil verificar se o uso de drogas levou a prática do ilícito ou se o individuo já havia cometido crime antes e posteriormente passou a fazer uso de drogas. Ademais, essa relação torna-se ainda mais difícil de ser estabelecida diante do fato de que usualmente chegam ao Poder Judiciário apenas os crimes cometidos por sujeitos marginalizados, excluídos socialmente, e, portanto, mais afetos ao problema das drogas, bem como que as pessoas consomem drogas por motivos íntimos e particulares. Não bastasse isso, a clandestinidade da produção, distribuição e consumo das drogas consideradas ilícitas impedem o controle de qualidade dos entorpecentes consumidos, o que aumenta os riscos de adulteração, impurezas e desconhecimentos dos potenciais das substâncias usadas, bem como por estar na esfera da ilegalidade, impõe aos usuários a noção de que devem consumir o mais rápido possível e da forma mais fácil encontrada, o que auxilia na proliferação de doenças transmissíveis.

Não se pode mais acreditar que, com a criminalização da conduta, os sujeitos deixarão de consumir drogas. O consumo existe, sempre existiu e continuará existindo. O que o Estado precisa fazer é encontrar meios de amenizar os resultados oriundos do consumo desenfreado (política de redução de danos).

Vemos, portanto, que existe uma forte possibilidade do poder do tráfico ser diminuído drasticamente com a legalização das drogas, dos crimes conexos ao tráfico também reduzir drasticamente, bem como os impactos sobre a segurança pública e o sistema carcerário.

Continua a ser um problema a ser resolvido não pelo direito penal, e nem mesmo pelo próprio direito em si, a questão das drogas, pois, ao passo que o consumo não vem aumentando nos países que legalizaram a venda, o mesmo também não diminuiu, o que demonstra que está na família, na educação e em campanhas educativas e com forte intervenção do Estado a possível solução para uma política concreta de redução de usuários de drogas.

4.4.1. AS DROGAS NA SUÍÇA:

A experiência com as drogas na Suíça, segundo informações do Senado (2013), se destaca, sobretudo, no tratamento de usuários de heroína, maior problema do país na área das drogas nos anos 1980. A opção foi implementar uma política baseada em saúde pública, com prevenção e terapia, em vez de criminalizar o usuário.

Em 1994, foi adotada na Suíça também a prevenção de danos: um programa de tratamento por administração de heroína e a criação de salas para injeção supervisionada. Cerca de 3 mil usuários problemáticos dessa droga (entre 10% e 15% dos dependentes e entre 30% e 60% dos consumidores) passaram a recebê-la gratuitamente. O governo da Suíça teve que negociar essa possibilidade, baseando-se na avaliação de que, quem abusava da heroína, ao recebê-la legalmente, deixaria os crimes e o tráfico de drogas.

O número anual de novos usuários caiu de 850 em 1990 para 150 em 2005. E cerca de um terço dessas pessoas deixaram a droga espontaneamente sem nem mesmo um tratamento associado. A política fez com que o mercado ilegal de heroína se inviabilizasse e levou a uma queda de 90% nos crimes contra a propriedade cometidos por participantes do programa do governo. Em 2008, um plebiscito rejeitou o fim do programa com mais de dois terços dos votos. Também foi rejeitada a legalização da maconha na Suíça.

4.4.2. AS DROGAS NA HOLANDA:

Informações também do Senado (2012), demonstram que a concepção do modelo da Holanda, leva em consideração que o problema das drogas não tem uma só solução. Então, é melhor controlá-lo e reduzir danos em vez de continuar uma política de repressão com resultados questionáveis. A legislação sobre drogas da Holanda é de 1976, e tem como base a diferenciação entre drogas de risco aceitável (maconha e haxixe), daquelas de risco inaceitável para a saúde e para a segurança pública (cocaína, heroína, anfetaminas e LSD). O álcool, considerado uma droga de risco alto, é legal e controlado pelo governo.

Apesar de ato tecnicamente ilegal, por conta dos tratados internacionais assinados pelo país, quem é pego com até cinco gramas de cannabis sativa, na Holanda, não é punido. Bares e cafés (coffeeshops) que vendem até cinco gramas de maconha ou haxixe podem ser encontrados em toda parte e, no interior desses locais, o consumo é tolerado. Mas não se pode fumar maconha em locais públicos, por exemplo, e o tráfico na rua é proibido e punido. O governo da Holanda afirma que não quer que a polícia perca tempo com os pequenos infratores.

Por outro lado, a posse, o comércio, o transporte e a produção de todas as outras drogas são expressamente proibidas e reprimidas com eficiência; há previsão de penas que podem chegar a 12 anos de prisão e de multas de até 45 mil euros. A Holanda trata a questão das drogas como de saúde pública, em que tratamento e recuperação são oferecidos para todos que buscam ajuda. As junkiebonds (associações de usuários de droga injetáveis), buscam melhorar as condições de vida dos usuários, evitando o contágio por hepatite B e HIV/Aids, distribuindo agulhas e seringas descartáveis.

A média de consumo de drogas na Holanda é inferior à do restante do continente, e o percentual de pessoas que usam drogas injetáveis é o menor entre os 15 países da União Europeia. O número de usuários de heroína diminuiu significativamente (de 28 a 30 mil em 2001 para 18 mil em 2008), e a média de idade dos usuários vem aumentando.

4.4.3. AS DROGAS NA SUÉCIA:

Ao contrário da tendência europeia de descriminalização, na Suécia o consumo de drogas é considerado crime, com punição de até três anos de prisão, desde 1993, é o que afirma no site do Senado (2013). Mais de 90% dos suecos rejeitam a tese da descriminalização ou da legalização das drogas. Essa política é associada a fortes ações de prevenção e a tratamento efetivo. Prioridade nacional na Suécia, ela envolve governo, ONGs, voluntários, empresas, escolas, igrejas e famílias.

Nos últimos 30 anos, o número de dependentes de drogas na Suécia caiu de 12% para 2%. A taxa de usuários de cocaína é um quinto da taxa dos países vizinhos, como Inglaterra e Espanha. E, segundo as informações trazidas ao Senado pela embaixadora da Suécia, Annika Markovic, até o momento o país está livre do crack.

Há grande investimento na repressão às drogas: 60% dos recursos da polícia de fronteira, por exemplo, são usados com esse fim. “Rejeitamos todo e qualquer tipo de droga não medicamentosa e não aceitamos a integração das drogas em nossa sociedade”, afirmou a embaixadora.

Dessa forma, não há distinção entre drogas leves ou pesadas na Suécia. As pessoas suspeitas passam por testes para detecção do uso de drogas. No caso de condenação à prisão, se o usuário representar um risco a si próprio ou à comunidade, o tratamento pode ser compulsório, por no máximo seis meses. Depois disso, ele escolhe se continua se tratando ou se vai para a prisão.

O tratamento visa preparar o dependente a retornar ao convívio social, incluindo trabalho comunitário e terapêutico, revelando que o serviço social da Suécia mantém contato com cerca de 80% dos usuários de drogas injetáveis.

4.4.4. AS DROGAS EM PORTUGAL:

Em julho de 2001, Portugal se tornou o primeiro país da Europa a descriminalizar o uso de drogas, segundo informações do Senado (2012). Elas continuam proibidas, mas seu consumo não é mais crime. Por lei, o usuário agora é considerado doente crônico que precisa de tratamento, mas há sanções penais para traficantes e produtores de drogas.

O usuário pego em Portugal com quantidade de drogas equivalente a, no máximo, dez dias de consumo (o que é detalhado na legislação), é encaminhado a uma comissão, composta por um assistente social, um psiquiatra e um advogado, que avalia se o caso se configura como tráfico, dependência ou simples consumo pessoal. O usuário, então, pode ser multado, condenado a prestar serviço comunitário ou encaminhado para tratamento.

O Ministério da Saúde de Portugal coordena as ações de prevenção e tratamento às drogas, que são articuladas com diversas áreas do governo. Houve grande expansão da rede de tratamento e a meta é ter leitos de internação disponíveis para todos os dependentes que necessitarem. Outro foco da legislação de Portugal é a redução de danos, que permite, por exemplo, o fornecimento de seringas descartáveis a usuários de drogas injetáveis, com redução de 71% no diagnóstico de HIV entre usuários de drogas.

Pesquisa de 2010 revelou pequeno aumento no uso de drogas em Portugal, na mesma proporção de países que não descriminalizaram. Também não se pode afirmar que haja relação entre essa política e redução da violência na sociedade. Mas houve redução do peso das drogas na repressão policial e no sistema judiciário.

Mesmo com a descriminalização, marcha em Lisboa pediu a legalização da maconha para fins terapêuticos e recreativos em maio deste ano. Do universo de pacientes em tratamento da dependência de drogas, 70% são usuários de cannabis (maconha) e o restante de heroína, cocaína, ecstasy e outros. Roberto Kinoshita, coordenador da área de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, lembra que, nos primeiros anos da política em Portugal, houve muito medo sobre os resultados, mas nenhuma das previsões catastróficas acabou se mostrando real.

4.4.5. AS DROGAS NOS EUA:

Como visto, os EUA foram os maiores responsáveis, e impuseram, através de tratados internacionais, a sua supremacia em relação à política de combate às drogas, determinando pela criminalização e repressão extrema, motivada por convicções religiosas, culturais e políticas desde início do século XX.

Porém, na contramão de sua própria história, os EUA vêm, aos poucos, nos últimos anos, revendo sua política de combate às drogas, dando abertura a descriminalização. Um bom exemplo é o Estado do Colorado, que de acordo com reportagem do site UOL (2014) afirma que:

A comercialização legalizada de maconha medicinal no Colorado (EUA) fechou o mês de janeiro (janeiro de 2014) de o primeiro desde a legalização com faturamento de US$ 14 milhões, sendo US$ 2 milhões o total em impostos arrecadados, de acordo com dados apresentados nesta segunda-feira pelo Departamento de Receita norte-americano. O Estado aprovou a venda de maconha medicinal em 2013, mas os negócios só foram iniciados neste ano, com cerca de 160 lojas autorizadas. A taxação é de 12,9% sobre as vendas e de 15% em impostos especiais de consumo. Os moradores do Colorado aprovaram a cobrança no ano passado, com a exigência de que os primeiros US$ 40 milhões arrecadados em impostos especiais de consumo sejam usados na construção de escolas. O governo já encaminhou ao Legislativo uma proposta detalhada de como gastar US$ 134 milhões arrecadados com a venda de maconha, incluindo campanhas antidrogas para crianças e mais publicidade para desencorajar motoristas a dirigirem se ainda estiverem sob o efeito da droga. A Declaração de Direitos dos Contribuintes do Colorado estabelece que qualquer aumento de impostos seja aprovado pelos eleitores e limita o uso do dinheiro arrecadado se o valor for maior do que aquele previsto inicialmente e divulgado à população. Em 2013, a arrecadação com a comercialização de maconha foi estimada em US$ 70 milhões por ano, e ainda não está claro o que os legisladores estarão autorizados a fazer com o que entrar a mais no caixa. O orçamento 2014-2015 do Colorado está agora em discussão e não inclui nenhuma antecipação dos impostos advindos da venda de maconha.

Ainda em relação à descriminalização das drogas nos EUA, Uchoa (2014) afirma que o Estado de Washington já começa a liberar venda de maconha para fins recreativos, de modo que demonstra a mudança total de atitude em relação ao passado e que talvez seja a nova tônica deste século XXI:

O fato de o país estar vivenciando uma grande mudança interna nas suas políticas para as drogas já está claramente afetando a maneira como os EUA lidam com outros países, disse à BBC Brasil John Walsh, diretor do programa de drogas da organização Escritório de Washington para a América Latina (Wola, na sigla em inglês). Por muito tempo outros países corretamente entenderam que seriam criticados pelos EUA se tomassem medidas para liberalizar as suas leis. Mas no caso do Uruguai, os EUA se deram conta de que não estão na posição de criticar abertamente o governo uruguaio, e de fato não criticaram. O sucesso inicial da venda de cannabis para fins recreativos no Estado do Colorado reforçou a posição dos que defendem um mercado regulamentado para esta substância. O governo estadual prevê que a taxação de 12,9% sobre maconha legal engordará os cofres públicos em US$ 100 milhões neste ano fiscal. Dinheiro suficiente para enriquecer o Estado e implantar programas de saúde para mitigar os efeitos de abusos, argumenta o governo. Estimativas contidas no orçamento do Executivo estadual indicam que a indústria local alcance US$ 1 bilhão por ano, com as vendas para fins recreativos respondendo por mais de 60% disto. No Estado de Washington, as vendas de maconha com fins recreativos começarão em junho (de 2014). Os defensores da legalização acreditam poder conseguir algum tipo de liberalização também no Alasca, Arizona e Oregon, e talvez uma espécie de referendo nos próximos anos na Califórnia.

Importante frisar que a questão não é pacífica por lá. Muitos são contra as medidas e Uchoa (2014) informa que Thomas Harrigan, vice-diretor do departamento antidrogas americano, DEA, pediu durante uma audiência na Câmara que os parlamentares não abandonem a “ciência” em favor da opinião pública.

Ele disse que os experimentos de legalização da maconha são "irresponsáveis". Porém, o governo do presidente Barack Obama já anunciou que o Executivo federal não vai tentar impedir as experiências estaduais no campo da legalização. Esta posição coloca a Casa Branca em um dilema.

Para ele, considerando a mudança evidente de atitude do público interno, estamos nos distanciando de uma lógica proibicionista, opina o especialista. Mas vai demorar para que a lei nacional reflita a mudança que está acontecendo. Os EUA devem permanecer nesta posição desconfortável por algum tempo, segundo Uchoa (2014).

Ainda, segundo Marasciulo (2015), o uso de maconha por jovens reduziu com a legalização da maconha por lá. Nardini (2015) por sua vez, informa que em um ano, estado dos EUA levanta R$ 219 milhões em impostos de maconha legalizada.

Logo, o maior defensor do combate às drogas e que por mais de um século estimulou repressão total, apoiando militarmente outros países no combate e gastando fortunas, os EUA está mudando sua política de drogas, mas “de baixo para cima”, diferentemente da política proibicionista que veio “ de cima para baixo”, onde, são os Estados americanos e o povo que vem aos poucos mudando este paradigma, e o governo federal no momento mantém um silêncio para decidir os rumos a serem tomados dependendo da aprovação popular.

Assim, outros países também estão mudando sua política contra as drogas, visto o recuo proibicionista dos EUA geram uma abertura para cada país discutir livremente e sem interferência externa, ao contrário do que antes ocorria.

4.4.6. AS DROGAS NA JAMAICA:

Segundo portal UOL (2015), o governador-geral da Jamaica, Patrick Allen, autorizou à emenda de lei que descriminaliza o consumo de maconha com fins medicinais e religiosos, já validando a legislação, confirmou nesta quarta-feira à Agência Efe um porta-voz do Ministério da Justiça da ilha.

Embora o parlamento da Jamaica tenha aprovado no final de fevereiro a emenda à Lei de Drogas Perigosas de 1948, era necessário que Allen desse sua aprovação à medida para que esta entrasse em vigor, informou o porta-voz por telefone.

As mudanças legislativas estipulam que deixa de ser crime consumir maconha em pequenas quantidades e levar um máximo de 56 gramas de "ganja", termo usado pelos rastafaris para se referir à maconha. Apesar de seu consumo ser totalmente legal para que tiver a licença, que será concedida aos jamaicanos que demonstrarem interesses religiosos, o que reivindicam os rastafaris, ou medicinais, o Ministério da Justiça ainda não tem data para o estabelecimento oficial da Autoridade de Permissões de Cannabis, que emitiria as licenças.

A lei estipula que qualquer pessoa maior de 18 anos que se considere rastafari, assim como as organizações desse culto, deverá solicitar uma licença para cultivar "ganja" para fins religiosos. O governo da Jamaica reconheceu em 2003 o culto rastafari como religião, após uma sessão do Tribunal Constitucional na qual se advertiu que isso não representava a legalização da "ganja", cujo consumo é defendido por esse credo.

4.4.7. AS DROGAS NO URUGUAI:

Gomes (2014) afirma que após regulação da maconha, mortes ligadas ao tráfico da erva chegou a zero. Durante debates na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado a respeito de regulamentação da maconha para uso recreativo, medicinal e industrial, o secretário nacional de drogas do Uruguai, Julio Heriberto Calzada, afirmou que seu país – o único no mundo a legalizar o cultivo, a comercialização e distribuição da maconha – conseguiu reduzir a zero o número de mortes ligadas ao uso e ao comércio da droga. A legalização foi decretada pelo presidente José Mujica há menos de um mês (dados de junho de 2014).

Ainda que, reconhecendo que a legalização da maconha possa elevar o número de usuários, Calzada alega que “vale a pena correr o risco do aumento, desde que reduza o aumento de mortes pelo tráfico de drogas”, como relatou o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), coordenador da discussão sobre o tema na CDH.

O senador ainda diz que, antes de apresentar seu relatório aos integrantes da comissão, ele pretende realizar audiências com especialistas de diversos setores. Para o senador, a responsabilidade de o relatório estar em suas mãos é um “abacaxi”: “Gastei muitos anos de vida para ser o senador da educação. Não quero o carimbo de ‘senador que liberou a maconha”. Se tiver de colaborar para isso, salienta, será por “uma obrigação histórica”, da qual não possa correr, como explicou em entrevista concedida à Agência Senado, conforme Gomes (2014).

Mesmo assim, o senador ressaltou que uma das maneiras de se livrar do tráfico de drogas é a regulamentação: “Vamos continuar vivendo com tráfico de drogas? Não. Como vamos nos livrar do tráfico? Uma das propostas que têm hoje é a regulamentação”. Além disso, o representante uruguaio também disse acreditar que a “combinação com outras ferramentas de política pública, em aspectos culturais e sociais, poderá modificar padrões de consumo e levar ao êxito na redução de usuários”.

Em maiores detalhes a BBC Brasil (2013) fez uma reportagem detalhando como funcionará a política de drogas no Uruguai.

Quem vai supervisionar a 'indústria' da maconha?

Pela lei, o Estado assume o controle e a regulação das atividades de importação, produção, aquisição, a qualquer título, armazenamento, comercialização e distribuição de maconha ou de seus derivados. Uma agência estatal, o Instituto de Regulação e Controle de Cannabis (IRCCA), ligado ao Ministério da Saúde Pública, será responsável, por sua vez, por emitir licenças e controlar a produção, distribuição e compra e venda da droga. Em suma, todas as fases do processo terão, de alguma forma ou de outra, a presença do Estado.

Quem pode comprar e plantar maconha?

Todos os uruguaios ou residentes no país, maiores de 18 anos, que tenham se registrado como consumidores para o uso recreativo ou medicinal da maconha poderão comprar a erva em farmácias autorizadas. Além disso, os usuários poderão ter acesso à droga de outras duas maneiras: Autocultivo pessoal (até seis pés de maconha e até 480 gramas por colheita por ano). Clubes de culturas (com um mínimo de 15 membros e um máximo de 45 e um número proporcional de pés de maconha com um máximo de 99).

A lei limita a quantidade máxima que um usuário pode portar: 40 gramas. A legislação também determina o máximo que uma pessoa pode gastar por mês com o consumo do produto. A erva também poderá ser cultivada para o uso científico e medicinal, que poderá ser obtida por meio de receita médica.

Como as licenças são concedidas ?

De acordo com dados do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, 20% dos uruguaios com idade entre 15 e 65 anos usaram maconha em algum momento de sua vida e 8,3 % o fizeram no último ano. O plantio de 10 a 20 hectares (em torno de 15 vezes a dimensão de um campo de futebol) de cannabis em estufa seria suficiente para atender a demanda nacional, de acordo com estimativas oficiais preliminares.

De acordo com uma pesquisa realizada por uma consultoria privada, 63% dos uruguaios são contra a lei de regulação da maconha, uma proporção semelhante à registrada há um ano, quando o presidente do Uruguai, José Mujica, apresentou a proposta.

Segundo afirmou à BBC o diretor do Conselho Nacional de Drogas do Uruguai, Julio Calzada, o governo prevê outorgar inicialmente poucas licenças a produtores de maconha (em torno de 20) de forma a garantir a segurança e os níveis de colheita necessária para atender a demanda. As primeiras licenças devem começar a ser concedidas em meados do próximo ano.

Qualquer plantação não autorizada deve ser destruída com a intervenção de um juiz e o IRCCA será responsável pela implementação das sanções caso haja violações das normas de licenciamento.

Como a legalização afetará outros países?

A maconha será produzida em solo uruguaio, mas as sementes poderão ser provenientes de outros países. Além disso, o Uruguai poderá se voltar para o mercado global para vender suas sementes e poderá exportar os seus produtos para outros países onde o uso medicinal ou recreativo da droga é permitido.

Segundo Calzada, "há um movimento interessante de produtores, agricultores, tanto a nível nacional como internacional, que excede em muito as licenças que o Estado irá proporcionar”. "Há empresas interessadas e também alguns casos governos, que estão interessados em licenças para o uso medicinal", diz ele. Alguns países, entretanto, como o México e o Brasil, demonstraram preocupação com a aprovação da lei.

"Em nenhum momento tentamos convencer nenhum país do que estamos fazendo aqui", diz Calzada, "mas queremos dar a garantia a outros países de que a maconha produzida legalmente aqui não vai acabar no mercado negro. Este é o nosso compromisso".

O consumo deve aumentar?

Mujica defendeu publicamente a aprovação de controversa proposta. Segundo o governo, a medida não ampliará o mercado de maconha: a lei simplesmente regulariza o uso para não incentivar o consumo. No entanto, os opositores da lei temem quem, com a legalização, mais jovens queiram consumir a droga.

O governo já anunciou que vai desenvolver planos para prevenir o consumo e proibiu a publicidade e venda do produto para menores de 18 anos. A lei também determina a criação de uma Unidade de Monitoramento e Avaliação da aplicação e cumprimento da nova legislação.

Segundo o governo, as receitas obtidas com a legalização da maconha serão destinadas ao financiamento de programas de prevenção, reabilitação e outros fins sociais.

A indústria de cannabis pode crescer?

Enquanto o governo diz que a prioridade é roubar o negócio do tráfico de drogas e promover a prevenção, algumas pessoas disseram que a lei poderia até trazer benefícios econômicos para o país. De acordo com o grupo que reúne as organizações a favor do projeto, o Regulación Responsable, oportunidades de negócios para os produtores nacionais, farmácias e outros atores envolvidos na cadeia de produção são abertas.

Nos últimos anos, o mundo iniciou um processo de pesquisa e geração de conhecimento sobre a maconha , especialmente na área médica e farmacêutica, disse à BBC Martin Collazos, do Regulación Responsable. "Há cannabis com fins psicoativos, mas também industriais: produção de tecido a base de cânhamo, papel, biocombustíveis e infinitas possibilidades de incorporar a produção de mais-valia da cannabis", diz ele .

Atualmente, estima-se que o mercado de maconha ilegal no Uruguai movimente cerca de US$ 30 milhões (R$ 70 milhões) por ano.

5. TEORIAS DO DIREITO PENAL E A PROBLEMÁTICA DAS DROGAS

Neste capítulo, procurou-se abordar as teorias descritas no segundo capítulo, mais precisamente o direito penal do inimigo e o minimalismo penal, e correlacioná-las à problemática das drogas, fundamentando a não intervenção penal na questão das drogas.

5.1. O DIREITO PENAL DO INIMIGO E O TRATAMENTO DO TRAFICANTE COMO INIMIGO.

Segundo Bem e Botelho (2014), “para Jakobs o direito penal tem como função reafirmar os valores de determinada ordem jurídica.Em razão disso, recebeu muitas críticas e sendo considerado, inclusive, nazista”. No entanto, o teórico afirmou não estar apontando como o direito penal deve ser, mas, apenas apontando como o direito penal foi e é, ou seja, o direito penal foi e é um instrumento reafirmador da ordem jurídica vigente e, por consequência, um modelo penal adotado em cada período histórico. É ainda, um instrumento de quem está no poder, pois contém normas coercitivas impostas a todos.

Jakobs fez parte de uma concepção funcionalista conhecida como radical, onde o agente é punido porque agiu de modo contrário à norma e culpavelmente. Assim, tentou explicar por sua teoria que o direito penal possui como função precípua a reafirmação da norma, buscando, desse modo, fortalecer as expectativas de quem a obedece.

A grande controvérsia em relação à teoria de Jackobs, diz respeito ao fato de acabar legitimando a lei independentemente de seu conteúdo, de modo que, se o direito penal protege a norma, e não bens jurídicos de forma direta, acabaria dando margem a intervenção penal onde esta não é devida, “a bel prazer do legislador”, como no caso da questão das drogas.

O problema talvez não esteja no fato de afirmar que o direito penal protege a norma, mas, talvez, ao não questionamento do conteúdo da norma, o que poderia vir a acarretar grave problema ao sistema democrático, em especial, a afronta à dignidade humana e aos direitos fundamentais.

Afirmam ainda Bem e Botelho (2014) que, dentro da perspectiva midiática, encontra-se consoante apelo a um direito penal do inimigo no tráfico de drogas. Destaca-se, neste contexto, o alto poder de formação de opiniões exercido pela mídia.

Esse poder exercido pela mídia não é diferente na esfera do direito penal. A superexposição de eventos propagadores do medo, como ondas de terror ligadas ao crescente aumento da criminalidade, faz com que a população, alvo deste discurso midiático, clame cada vez mais por leis e medidas mais severas de contenção deste aumento. Por vezes, a propagação do medo pode vir a ter como objetivo principal, a aceitação da intervenção exagerada do Estado na mitigação das liberdades públicas, corroborando um direito penal máximo.

Não é falso afirmar, portanto, que o legislador é formado pela opinião pública, que é formada pelo discurso midiático. Logo, para o legislador, mais importante é satisfazer a vontade popular, seja ela qual for, do que seguir princípios ou diretrizes do direito, pois estas não possuem “título de eleitor”, ao contrário daquelas.

A Revolução Francesa trouxe ao mundo uma nova ordem mundial, calcada nos valores da liberdade e limitação do poder. Porém, o momento vivido naquele século XVIII era exacerbação do poder executivo, com as chamadas “monarquias absolutistas”. Logo, a ideia era de limitação do poder executivo a ser feita pelo povo, consubstanciado no poder legislativo. Assim, o poder legislativo era visto como a verdadeira vontade do povo, de modo que nada mais cabia ao poder judiciário e ao juiz, que expressar em suas decisões, “a vontade do legislador”. O juiz era mero, “boca da lei”.

Diante das barbáries feitas em nome da lei, como todos os atos do nazismo, por exemplo, é que surgiu o movimento pós-positivista, que se inicia após a segunda guerra mundial, e que traz mudanças nessa perspectiva. Princípios passam a ser observados de modo vinculado, além da análise material da Constituição. É aí que entra o “poder corretivo do judiciário”, analisando o conteúdo da lei e verificando sua compatibilidade com o sistema jurídico constitucional e principiológico. Aqui vale a observação precisa de Marmelstein (2014, p.10):

Foi diante desse “desencantamento” em torno do positivismo ideológico que os juristas desenvolveram uma nova corrente jusfilosófica chamada pós-positivismo, que poderia muito bem ser chamado de positivismo ético [...] percebeu-se que, se não houver na atividade jurídica um forte conteúdo humanitário, o direito pode servir para justificar a barbárie praticada em nome da lei. A mesma tinta utilizada para escrever uma Declaração de Direitos pode ser utilizada para escrever as leis do Nazismo. [...] logo, o legislador, mesmo representando uma suposta vontade da maioria, pode ser tão opressor quanto o maior dos tiranos. (Grifo nosso).

Nesse diapasão, encontramos a abordagem das drogas e sua relação com o tráfico, sendo, a todo o momento, bombardeada pela mídia como um mal social que deve ser resolvido à luz do direito penal, de modo que, sendo o problema das drogas um problema penal, legitima assim a intervenção policial nesta esfera. Tudo isso leva a um discurso no sentido de tratar o traficante como um inimigo, devendo ser “extirpado” do convívio social alguém com tão alta periculosidade. Bem e Botelho (2014) afirmam:

Ora, se o tráfico é um dos delitos mais desencadeadores de outros delitos, [...], por exemplo, na cobrança de dívidas do tráfico irá cometer práticas como o homicídio, tortura, ocultação de cadáver dentre outros, podemos então concluir que o tráfico ilícito de entorpecentes é um dos grandes responsáveis pelo aumento da criminalidade, e que a lei que o disciplina, com suas peculiaridades de maior rigidez, se legitima também pelo clamor social, influenciado pela mídia.

Vemos, então, que, muito possivelmente, a mídia e seu discurso influenciador é fonte de legitimação do direito penal do inimigo, pois, influenciando a opinião pública, o legislador posiciona-se de acordo com esta teoria, para melhor satisfazer a vontade popular de ver este crime sendo reprimido com maior rigorismo penal.

Dentro de uma concepção de direito penal do inimigo, o traficante por fazer do crime algo permanente, está constantemente afrontando a norma, violando os preceitos normativos, e assim, colocando em risco a ordem jurídica vigente. Desse modo, não merece, segundo a teoria do direito penal do inimigo, o mesmo ser tratado como cidadão, mas como inimigo, flexibilizando os direitos e garantias fundamentais, aplicando assim, um direito penal de terceira velocidade a este.

Como vimos, o regime militar trouxe a ideia do inimigo a ser combatido, que, à época, seria o comunismo, em pleno contexto de Guerra Fria. Também vimos que, com a derrocada do bloco comunista, o novo inimigo “eleito” foi o traficante. Dissertando sobre a doutrina de segurança nacional, desenvolvida nos períodos da ditadura, afirma Comblin (apud PILATI 2011, p.89) que:

o alcance da segurança nacional implicaria a eliminação da diferença entre meios não violentos e meios violentos. Ou seja, para obter a segurança, o Estado empregaria sua força não importando os meios que se use. No plano da política externa, isso apaga a fronteira entre a guerra e a diplomacia e, no plano da política interna, a segurança nacional “destrói as barreiras das garantias constitucionais: a segurança não conhece barreiras, ela é constitucional ou anticonstitucional; se a Constituição atrapalha, muda-se a Constituição.”

Afirma ainda Pilati (2011, p. 90) que:

embora a Doutrina da Segurança Nacional tenha servido como suporte ideológico para as ditaduras militares na América Latina, momento histórico já ultrapassado, tal tese deixou algumas marcas importantes. Conforme descreve Zaffaroni, “a sua realidade autoritária não desapareceu, e apenas adotou uma nova roupagem: a ideologia da segurança urbana.” Isto é, como consequência, os mesmos métodos autoritários usados para o extermínio do inimigo político foram incorporados, no campo da segurança pública, no combate ao crime comum.

Karam (apud PILATI, 2011, p.90) diz ainda que:

o caráter militarizado da política brasileira se explicita em ilegítimas ações desenvolvidas pelo Exército, como as operações que vêm se repetindo na cidade do Rio de Janeiro, em claro desvio das funções que a Constituição Federal atribui às Forças Armadas. Resultando na ocupação de favelas como se fossem territórios inimigos, essas ilegítimas ações militares sequer disfarçam a identificação dos excluídos e marginalizados como perigosos, tradicionalmente feita de forma mais sutil através do normal funcionamento do sistema penal.

Percebe-se, portanto, que o pensamento bélico-militar teve influência direta na formação do estereótipo do traficante-inimigo. O combate, o plano de guerra, outrora destinado aos inimigos políticos, foi incorporado pela política criminal de drogas. Infelizmente, ainda apontando Pilati (2011, p. 93), a legislação brasileira adequou-se às Convenções da ONU de caráter proibicionista e passou a estampar os discursos político-jurídico (que aponta o traficante como o inimigo interno) e médico-jurídico (que relaciona a droga à dependência, e difunde a “ideologia da diferenciação”: o consumidor é qualificado como doente, e o traficante como delinquente).

Uma forte noção de que, neste aspecto, nosso legislador aplicou esta teoria, está no fato do próprio diploma legal de drogas tratar o usuário como vítima (doente), e o traficante como inimigo, de modo que, diferentemente até mesmo dos demais diplomas legais, neste em específico, bastam dois agentes praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previsto no art. 33 e 34 (regra do artigo 35 da lei), para configurar associação, ao contrário do Código Penal que, para configurar associação, requer três ou mais pessoas com fim de cometer crimes (art.288 CP), ou organização criminosa (lei 12.850/13), onde requer quatro ou mais pessoas estruturalmente ordenadas e caracterizadas pela divisão de tarefas praticando infrações penais.

Percebe-se assim, o tratamento diferenciado ao traficante, como se este fosse um “monstro que destrói os lares colocando drogas na boca de inocentes que acabam se viciando e passando a praticar crimes por conta do vício involuntariamente obtido”, como afirma Fahur (2015), Sargento da Polícia Militar do Paraná, que demonstra uma visão sintomatológica do problema e não etiológica (estudo das causas).

Logo, tratar como inimigo o traficante, suprimindo garantias fundamentais, em primeiro lugar afronta a Constituição, e, em segundo lugar, aumentar o rigorismo penal no tráfico, só tem como efeito o aumento do preço do produto (inflacionamento), de modo que, como o risco do negócio é maior, o tráfico se torna mais perigoso, feito, portanto, por pessoas perigosas, que aceitam correr o risco de sofrer tais sanções, porque os lucros em muito superam o normal de qualquer atividade regulamentada. Melliá (apud DAVID 2008) afirma que:

entretanto, o status de cidadão, nas sociedades submetidas ao regime de Direito, é algo inerente a todos os seres humanos em virtude de sua condição humana. Dessa forma, cabe ao Estado, mediante norma constitucional, definir, apenas, quais os respectivos direitos e deveres dessa condição. Assim, não é possível conceber qualquer apostasia a essa condição, pois as pessoas não podem se autoexcluir da sociedade, mesmo não agindo de acordo com a expectativa normativa pretendida, uma vez que os cidadãos não têm capacidade jurídica para exercer esta função. Ao excluir o cidadão da sociedade mediante a incidência do rigor penal imposto a este indivíduo pela teoria do inimigo, principalmente quando a punição está voltada contra a ideologia de uma pessoa ou grupo, impossibilita “ao infrator a capacidade de questionar, precisamente, esses elementos essenciais ameaçados”, impossibilitando a dialeticidade inerente ao Direito em si, o que, em tese, favorece o comportamento daqueles que optam pelo desvio de conduta, uma vez que estes indivíduos perdem sua liberdade por serem identificados por suas ideias e não por seus atos.

E quanto mais o rigor aumenta, mais o preço aumenta, tornando a atividade ilícita algo tentador diante das exorbitantes possibilidades de lucros. Basta ver que trata-se de uma indústria que movimentou no ano de 2011 algo em torno de 400 bilhões de dólares, segundo dados trazidos por Carneiro (2011).

Isso ocorre porque o que movimenta o tráfico é o usuário, e não o contrário. Enquanto usuários existirem, traficantes sempre existirão. Basta lembrar que, na década de 1960, os EUA chegaram ao limite, impondo pena de morte nos crimes de drogas e, ainda assim, os EUA se tornaram o maior consumidor de drogas no mundo, de modo que rigorismo penal em nada demoveu a prática do consumo de drogas naquele país.

O direito penal do inimigo não trabalha com a ideia de proteção de bens jurídicos. O raciocínio não é difícil de entender. Quando o direito penal entra em ação, bens jurídicos já foram lesados. O que temos é uma lesão jurídica, uma lesão à norma. Segundo David (2008):

Com isso, afirma Jakobs, um ato penalmente relevante, não se pode definir como lesão ao bem, mas somente como lesão de juridicidade. A lesão da norma é o elemento decisivo do ato penalmente relevante, como nos ensina a punibilidade da tentativa, e não a lesão de um bem. Portanto, a concepção do direito penal como proteção do bem jurídico é relativa, uma vez que a relevância penal ocorrerá, unicamente, quando da ameaça de outrem – esse entendido por Jakobs, como o bem jurídico próprio de direito penal. Assim, sendo a norma o instrumento que regula as condutas relevantes ao direito penal, qualquer ato ilícito é, primeiramente, um ataque ao ordenamento jurídico vigente, devendo o Estado, através da aplicação de medidas coercitivas, restaurar a ordem, ou seja, a vigência da norma concebida como o bem jurídico maior a ser tutelado.

Dessa forma, podemos fazer o raciocínio de que, quando o direito penal entra em ação, o delito já foi consumado, ou seja, não há proteção alguma a um bem jurídico neste sentido, o que resta é a violação da norma, a lesão jurídica praticada.

É impossível admitir o princípio da insignificância segundo os preceitos do direito penal do inimigo, não somente na questão das drogas, mas a qualquer delito em si, pois, se a lesão produzida é contra a norma, não se pode raciocinar insignificância da norma, de tal forma que a aplicação desta teoria, em sua integralidade, retiraria da jurisprudência e da doutrina a possibilidade de decretação do princípio bagatelar.

Dissertando acerca de como alguém poderia tornar-se inimigo, afirma David (2008):

Dito isso, surge a questão: como as pessoas se transformam em inimigos? Sabe-se que a norma gera uma expectativa que deve ser mantida. O Direito Penal do inimigo, com o intuito de cumprir este objetivo, e para evitar o perigo de danos futuros à vigência da norma, busca nas atitudes individuais de cada cidadão “uma garantia cognitiva suficiente de um comportamento pessoal, [...] isso como consequência da ideia de que toda normatividade necessita de uma cimentação cognitiva para poder ser real”. Então, para a concretização da expectativa do Direito, é necessário que as pessoas ofereçam uma confirmação cognitiva mínima de suas ações, que deve estar refletida, também, na personalidade do indivíduo, ou seja, é preciso ter certeza de qual é a avaliação do coletivo prezada pelo indivíduo, sua capacidade de satisfação ou insatisfação e, ainda, sua noção de lícito ou ilícito, pois só assim é possível deduzir qual será a sua reação frente a determinadas situações, podendo-se concluir se esse irá corresponder à expectativa nele depositada, confirmando a vigência da norma. Portanto, após esta breve consideração, podemos definir o inimigo como: Um indivíduo que, não apenas de maneira incidental, em seu comportamento [...] ou em sua ocupação profissional [...] ou, principalmente, por meio de vinculação a uma organização criminal [...], vale dizer, em qualquer caso de forma presumivelmente permanente, abandonou o direito e, por conseguinte, não garante o mínimo de segurança cognitiva do comportamento pessoal e o manifesta por meio de sua conduta.

Ainda que raciocinando dentro dessa teoria, poderíamos então acreditar que, no delito de drogas, a “capacidade de confirmação cognitiva” não existe, tendo em vista que o número de usuários em nada diminuiu ao longo de todo proibicionismo, justamente por falta de confirmação cognitiva, o que estimula a prática do delito, pois, como já dito, é simples encontrar confirmação cognitiva num delito como homicídio, por exemplo, em que o criminoso tem capacidade afirmativa de cognição de que tal ato constitui um ilícito, mas essa capacidade cognitiva não se realiza no que tange às drogas.

Porém, delitos de drogas, nos quais o usuário não vislumbra prejudicar terceiros com seu hábito, não se consegue obter com simples aceitação tal proibição e, tendo em vista que outras drogas tão ou mais prejudiciais à saúde são consideradas lícitas, piora ainda mais esta situação, pois não existe coerência entre o proibido e o permitido, prejudicando a aceitação da cognição positiva da norma.

Desse modo, é difícil aos usuários terem capacidade cognitiva positiva frente à proibição, e isso reflete também no traficante, que vislumbra, neste nicho de mercado, ganhos inimagináveis, que torna o risco do negócio atraente, mesmo com toda reprimenda penal. Os meios de combate ao inimigo adotado com fundamentação na teoria do direito penal do inimigo é, segundo ainda David (2008):

O Direito Penal do inimigo visa manter a vigência da norma e a expectativa que ela proporciona a seus cidadãos. Para isso, utiliza-se de medidas típicas deste modelo, tais como a ampla progressão dos limites da punibilidade; falta de redução da pena proporcional a essa progressão; passagem da legislação de Direito Penal à legislação de combate à criminalidade; supressão de garantias processuais. De outro vértice, o rigor do punitivismo de determinadas regulações penais, principalmente em matéria relacionada a tráfico e consumo de droga, pode não estar relacionado, simplesmente, com as consequências sociais negativas do consumo de entorpecentes, mas, também, com a ineficácia de políticas públicas adequadas de combate às drogas, ou seja, o efeito simbólico do rigor da legislação penal como forma de superar a ineficiência do Estado no cumprimento de suas obrigações. Neste sentido, a expansão do Direito Penal na qual se enquadram as noções de inimigo de Jakobs, principalmente em sociedades emergentes, em que as políticas públicas na área da segurança são ineficientes, o endurecimento das normas penais pode ser utilizado como a saída mais simples no combate a este problema, gerando um efeito simbólico e ineficaz de que o Estado está atuando no combate das necessidades sociais.

O aumento da repressão penal, tendo como viés o direito penal do inimigo funda-se, portanto, na premissa de que, sendo o traficante indivíduo não-alinhado com as normas estabelecidas e descumpridor da norma de maneira reiterada, habitual, a melhor opção então é tratar este como um inimigo do Estado e da sociedade, neutralizando e retirando este do meio social, pois não corresponde com capacidade cognitiva afirmativa perante as normas vigentes.

Interessante observar a teoria retributiva de Hegel. Segundo Queiróz (2005, p. 23), para Hegel, o delito é uma violência contra o direito, a pena uma violência que anula a primeira violência. É assim, a negação da negação (processo dialético), sendo a pena, portanto, a restauração positiva da validade do direito. É, portanto a pena, em Hegel, uma necessidade lógica, racional. Jackobs busca em Hegel a fonte de fundamentação de sua teoria.

A teoria do direito penal do inimigo responde a uma expectativa social muito atual com resposta aparente, simbólica. Responde a uma expectativa social, pois, com o aumento da criminalidade, ou com o processo atual de globalização, pelo qual a mídia está a todo o momento divulgando crimes que ocorrem em qualquer lugar do mundo, e isso traz uma sensação de forte insegurança, vários Estados vêm adotando no direito penal a resposta como forma de “acalmar” as expectativas das pessoas, criando novos crimes ou aumentando drasticamente as penas, parecendo estar “solucionando o problema”, por isso chamado de simbólico.

5.1.1. A CRIAÇÃO DO TRAFICANTE COM A PROIBIÇÃO:

No Brasil, uma forte crise política assola este exato momento, e a resposta à crise não é mudanças estruturais, mas sim, transformar, por exemplo, corrupção em crime hediondo. No que tange às drogas, o que se busca também é uma resposta penal, como se esta tivesse o condão de resolver todos os problemas sociais. Assim, têm-se o direito penal como “prima-ratio” e não como “ultima-ratio”, afrontando o princípio da subsidiariedade.

Na entrada desse século XXI, vimos a teoria de Jackobs do direito penal do inimigo ganhar forte impulso, logo após os atentados terroristas de 11 de setembro nos EUA. Assim, não é novidade o tratamento dispensado aos considerados “terroristas” que, com base nesta teoria, têm direitos e garantias violados na base de Guantánamo em Cuba, com algumas prisões sem processo sequer, base esta pertencente aos EUA.

No Brasil, frente ao problema do tráfico nas favelas, em especial no Rio de Janeiro, vimos a criação de um Estado paralelo, sob o comando dos traficantes. Tivemos uma resposta penal ao conflito, em que até hoje bons resultados nunca foram obtidos. Assim, criado o poder paralelo, que é um mal produzido pelo Estado omisso em suas políticas públicas, e, com o tratamento sob o viés do direito penal ao combate às drogas, e não por outros meios, foi que nasceu o traficante.

Desse modo, o delito de drogas, ao ser tratado pelo direito penal, nada mais faz do que legitimar a atuação policial nestes lugares de maior vulnerabilidade, utilizando o escudo da saúde pública (como bem jurídico tutelado), para uma atuação abrupta e violenta do Estado, objetivando controle social e outros fins diversos do dito bem jurídico tutelado.

O traficante nasce por ser a droga um ilícito. Assim a compra não pode ser feita por vias legais, o que origina o “nascimento” do traficante e do tráfico. Com o surgimento do traficante, o enriquecimento é cada vez maior, tendo em vista o imenso mercado consumidor, e este poder leva à corrupção de agentes públicos, influência política (incluindo financiamento de candidatos), dentre tantos outros que propiciam a corrupção, que hoje é um dos maiores males vividos pelo Brasil. Nadelmann (2013), presidente da Drug Policy Alliance é quem faz com bastante preciosidade, essa correlação entre tráfico e corrupção, dentro de uma análise global.

Assim, nasce o traficante por ser a droga um ilícito penal, e este domina as favelas, pois há um vácuo de poder nestas, pois o Estado sempre foi omisso em políticas públicas nestes locais. Não é de hoje essa omissão estatal nestes lugares de maior vulnerabilidade, de modo que desde a abolição da escravatura, negros e pobres se amontoaram nas favelas e o Estado não ofereceu condições mínimas de existência nestes lugares.

Hart (2014) estabelece uma crítica precisa, afirmando que, ao dizer que as drogas destroem as comunidades, favelas em especial, traz a falsa noção que faz parecer que antes das drogas as favelas prosperavam, sendo as drogas o mal destes lugares.

É isso que possivelmente justifique a atuação penal no delito de drogas: Usar como escudo a saúde pública como bem jurídico, para legitimar a atuação penal nesta seara, e assim, poder intervir através de força policial nos locais vulneráveis, de forma a legitimar uma atuação policial contra aqueles que são vistos como indesejáveis, ou agir desconforme à moral dominante, como forma de controle social pela via penal.

Infelizmente, a sociedade acredita que sujeitos vindos das favelas e bairros vulneráveis não irão obter outra sorte, que não reproduzir as condições de vida em que já se encontram. Assim, analisar o traficante como um “inimigo” deixa-se passar em branco que, a própria existência do traficante é culpa do Estado, fruto direto da proibição. E, ainda, que com oportunidades, esses indivíduos podem ter sucesso e serem importantes para a sociedade como um todo.

Com a proibição, o traficante domina a favela, cria um poder paralelo, influencia diretamente em inúmeros crimes, e a reposta oferecida até o presente momento sempre foi o maior recrudescimento penal. A lei de drogas (lei 11.343/06) no tratamento dispensado ao traficante houve um recrudescimento maior que na lei anterior (lei 6.368/76):

Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar;

Pena - Reclusão, de 3 (três) a 15 (quinze) anos, e pagamento de 50 (cinqüenta) a 360 (trezentos e sessenta) dias-multa. (BRASIL, 1976)

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. (BRASIL, 2006)

Vemos assim que houve maior endurecimento penal, e percebemos que o traficante tem um tratamento penal sob viés do direito penal do inimigo. E sob este viés de tratamento, o resultado é insatisfatório, pois, não houve diminuição do cometimento desses delitos e os números só aumentam a cada dia.

Dessa forma, percebemos que o traficante é fruto da política proibicionista, de modo que o Estado trata como inimigo aquilo que ele próprio criou, ao tratar a questão das drogas sob o viés penal.

5.2. ARGUMENTOS FAVORÁVEIS À LEGALIZAÇÃO E SUA RELAÇÃO COM MINIMALISMO PENAL.

Sob a ótica do direito penal mínimo, que propõe o direito penal como subsidiário, como “ultima ratio” para solução dos conflitos, percebemos que a política de drogas poderia se adequar bem a este princípio, ao defender sua legalização como possível meio de solução à questão.

Isso ocorre porque, como afirma Mezger (apud QUEIRÓZ, p.113), “uma boa política social é a melhor política criminal”, de modo que o problema das drogas não se resolve à luz do direito penal, mas à luz de políticas sociais e de conscientização de massa.

O tráfico não se resolve com maior reprimenda, tendo em vista que esta aplicação mostrou-se fracassada, mas sob a ótica destas políticas sociais estarem integradas, sob o controle do Estado, regulamentando o uso e a venda dessas substâncias, para assim pode fazer controle e combate eficaz (conscientização eficaz) ao uso das drogas, e, sendo legal, suprimindo o tráfico.

Soares (2012) vai além, afirmando que combater com tutela penal o comércio de drogas não é difícil; é impossível, afirma o antropólogo:

Os últimos 30 anos da história ocidental comprovam que é impossível combater o tráfico de drogas, [...] não se trata de uma opinião, mas de constatação empírica, [...] foram gastos bilhões de dólares na guerra contra as drogas e o tráfico vai muito bem, obrigado. O lucro permanece, a demanda se mantém mesmo nos países que possuem as melhores polícias e os mais sofisticados mecanismos de controle, como os Estados Unidos. Alguns fatores viabilizam a expansão do tráfico de drogas, como a criminalização e a proibição, sem a qual não poderia realizar-se esse comércio em condições tão lucrativas e tão predatórias para o consumidor. [...] Todo negócio, legal ou ilegal, é motivado pela busca do lucro e é viabilizado pela existência de oferta e demanda. No caso do tráfico, o fator que fomenta é a proibição. Sobre a razão da dificuldade (ou impossibilidade, fora dos totalitarismos) de reprimir, posso responder com outra indagação: por que os EUA venceram a guerra-fria? Entre os motivos, destaca-se a inviabilidade de anular o mercado quando há demanda e oferta. Pode-se disciplinar o mercado, regulamentá-lo, domesticá-lo e circunscrevê-lo, submetendo-o a regras, etc. Porém, suprimi-lo é um objetivo insustentável. Na economia das drogas ilícitas, aplica-se o mesmo princípio. Eis a evidência: o acesso às drogas ilegais é uma realidade em toda sociedade não totalitária industrializada. Ora, se esse é o fato e se é impossível revogá-lo, a interrogação racional deixa de ser “deve-se ou não permitir o acesso” para formular-se nos seguintes termos: “Em que contexto institucional-legal seria menos mal que tal acesso ocorresse? O contexto em que drogas fossem questão relativa à polícia e prisão, isto é, à Justiça criminal? Ou o contexto em que drogas fossem matéria de educação e saúde, cultura e autogestão social? A primeira via tem sido experimentada pelo Brasil com resultados trágicos: o consumo de drogas não declina, o tráfico prospera, alimentando o negócio de armas, a corrupção policial e gerando mortes e violência, enquanto as prisões acumulam jovens pobres, com baixa escolaridade, em sua maioria sem vínculo com armas ou organizações criminosas e sem praticar violência. Essa via tem se mostrado inequívoco desastre. Resta-nos superar preconceitos e ignorância, e adotar vias alternativas. O pior flagelo, entre as drogas, são o álcool e a nicotina. Mesmo assim, ninguém está propondo, felizmente, sua proibição. (Grifo Nosso)

Assim, num Estado Democrático de Direito, a liberdade é a regra e a não-liberdade deve sempre ser a exceção. No que tange às drogas, utilizar o direito penal com finalidade pedagógica se mostra completamente dissonante aos princípios democráticos, somente sendo possível num estado autoritário e antidemocrático. Segundo Queiróz (2005, p. 119-120):

Parece evidente, também, em face do princípio da inviolabilidade da liberdade (CF art. 5º), que a liberdade é, neste regime, a regra, a não-liberdade, a exceção. Disso resulta que toda restrição jurídico-penal a ela, há de pressupor a absoluta necessidade e adequação desse modo cirúrgico de intervenção estatal, vale dizer, violações autorizadas da liberdade pelo direito penal somente podem ser toleradas quando necessário à afirmação da liberdade mesma, razão pela qual, crime só pode consistir em lesão a liberdade de alguém, isto é, lesão a um bem jurídico definido, não se tolerando intervenções pedagógicas ou moralizadoras para coibir comportamentos que não lesam a ninguém (v.g. “trazer consigo substancia entorpecente para consumo”), ou possam ser objeto de suficiente repressão fora do direito penal (civil, administrativo, etc.), como, por exemplo, as contravenções penais. Porque a liberdade, no sistema democrático, é, a um tempo, o limite e o fim do direito penal. [...] também por isso, impõe-se a não-intervenção naqueles domínios em que o direito penal se revele claramente ineficaz, ou, pior ainda, contraproducente, como é o caso, por exemplo, do lenocínio, aborto, jogo do bicho, tráfico ilícito de entorpecentes etc.., em que muitos são os males que derivam da clandestinidade decretada pelo direito penal.

Assim, para prevenção de delitos, muitas vezes o direito penal se torna um instrumento contraproducente, produzindo um resultado totalmente diverso do esperado, e, no que tange à problemática das drogas, é justamente isso que percebemos: o resultado completamente diverso do esperado por conta da proibição. Assim, continua Queiróz (2005, p.120-121) afirmando que:

prevenir comportamentos delituosos nem sempre significa, portanto, apelar para o direito penal, uma vez que, não raro, suas intervenções se revela criminógenas, contraproducente aos fins visados. Prevenir significa, em tais casos, contrariamente, renunciar a intervenção jurídico-penal, pois que se carece de adequação lógica entre meio e fim. Exemplo desse efeito contraproducente ou criminógeno da pena é a política de controle do tráfico ilícito de entorpecentes e da contravenção penal, porque a violência inerente a tais atividades é, em verdade, fruto da intervenção penal mesma. A abolição do direito penal em tais atividades e noutras tantas é uma exigência da racionalidade, que deve sempre presidir os atos do Estado. É uma exigência da necessidade da prevenção mesma. (Grifo Nosso)

Percebemos, portanto, que a intervenção jurídico-penal em relação à política de drogas se mostra totalmente ineficiente, e poderíamos então concluir que está em pleno acordo com o direito penal mínimo, que é ineficaz continuarmos utilizando o direito penal para resolver a questão.

A proibição pelas vias penais cria o traficante, que produz um “mal social” gigantesco, fruto da proibição. Vemos que este traficante cria um poder paralelo ao Estado, arrebatando principalmente menores ao cometimento de delitos, influenciando políticos ou controlando-os, envolvendo empresários neste ramo. Uma gama de criminalidade é praticada em decorrência do trafico, que só existe porque a questão das drogas é tratada pela via penal. Como afirma o ilustre professor Gomes (2007, p.112):

De um lado, não há como abandonar totalmente a repressão. Mas a cada dia se nota que isso só parece ter sentido quando o tráfico é dirigido a menores ou incapazes. Todo tipo de repressão ao tráfico entre adultos tende a ser um insucesso. Deve ser controlado e desestimulado, não há dúvida, mas não se pode confiar na repressão. De outro lado, o que vale em matéria de drogas é a conscientização da população em relação aos efeitos nefastos. Quem alimenta o tráfico é o usuário, logo, pouco adianta prender um ou outro (que será sempre substituído em sua área com prontidão), se a demanda continua alta. A velha lei do mercado diz: onde há procura há oferta! Temos que procurar diminuir o número de usuários (mas jamais jogando qualquer carga punitiva sobre eles, que são vítimas, não criminosos). [...] não há outro rumo mais lúcido que descriminalizar as drogas, retirando do direito penal algumas condutas, reservando para o mínimo necessário.

Mostra-se o professor favorável à descriminalização. Importante observar que esta argumentação do professor Luís Flávio Gomes é de 2007, portanto, menos de um ano da edição da lei de drogas (11.343/06), sendo que, naquele momento, esperava-se que essa nova forma de tratar a questão das drogas obtivesse o resultado esperado, que infelizmente não veio.

Por toda argumentação levantada, percebemos que somente uma política de legalização das drogas poderia de fato tratar a questão de forma eficaz, acabando com o problema do narcotráfico e de toda criminalidade correlata e, ainda, ter o Estado a possibilidade de uma política de conscientização ao uso de modo eficiente. A seguir, abordaremos a questão das drogas no Brasil.

6. DISCUSSÃO DAS DROGAS NO BRASIL

Procuramos nesse capítulo, trazer a discussão atual do STF acerca da descriminalização do artigo 28 da lei 11.343/06, reproduzindo os votos dos ministros que já deram seu parecer sobre o assunto e, ainda, discutir sobre possíveis modelos de legalização das drogas no Brasil.

6.1. DISCUSSÃO NO STF ACERCA DA DESCRIMINALIZAÇÃO

Como demonstração da atualidade da questão das drogas, vemos a discussão acerca da descriminalização do art.28 da lei 11.343/06 no STF. Abaixo, segue a reprodução de partes dos julgados dos Ministros do Supremo Tribunal Federal que, até o presente momento, já manifestaram seus votos, quais sejam: Ministro Luís Roberto Barroso, Ministro Gilmar Mendes e Ministro Edson Fachin.

6.1.1. VOTO DO MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO

No julgamento do RE 635659, Barroso (2015) afirma que o papel do Estado e da sociedade deve ser o de: a) desincentivar o consumo; b) tratar os dependentes; e c) combater o tráfico. Enfatizou em sua decisão que:

a guerra às drogas fracassou. [...] E o custo político, social e econômico dessa opção tem sido altíssimo. Insistir no que não funciona, depois de tantas décadas, é uma forma de fugir da realidade. É preciso ceder aos fatos. [...] É preciso olhar o problema das drogas sob uma perspectiva brasileira. Olhar o problema das drogas sob a ótica do primeiro mundo é viver a vida dos outros. Lá, o grande problema é o usuário. Entre nós, este não é o único problema e nem sequer é o mais grave. Entre nós, o maior problema é o poder do tráfico, um poder que advém da ilegalidade da droga. E este poder se exerce oprimindo as comunidades mais pobres, ditando a lei e cooptando a juventude. (Grifo Nosso)

Para Barroso (2015), o tráfico desempenha uma concorrência desleal com qualquer atividade lícita, pelas somas que manipula e os pagamentos que oferece. Esta a primeira prioridade: neutralizar, a médio prazo, o poder do tráfico. Para isso, só há uma solução: acabar com a ilegalidade das drogas e regular a produção e a distribuição.

A segunda prioridade deve ser impedir que as cadeias fiquem entupidas de jovens pobres e primários, pequenos traficantes, que entram com baixa periculosidade e na prisão começam a cursar a escola do crime, unindo-se a quadrilhas e facções. Há um genocídio brasileiro de jovens pobres e negros, imersos na violência desse sistema. Por fim, vem o consumidor. O consumidor não deve ser tratado como um criminoso, mas como alguém que se sujeita deliberadamente a um comportamento de risco. Risco da sua escolha e do qual se torna a principal vítima. Mas o risco por si só não é fundamento para a criminalização, ou teríamos que banir diversas atividades, do alpinismo ao mergulho submarino.

Barroso afirma ainda que dados trazidos pelo IBCCRIM, em 1984, 35% dos adultos consumiam cigarros. Em 2013, esse número caíra para 15%. Informação e advertência produzem, a médio prazo, resultados melhores do que a criminalização. Aproximadamente, 63% das mulheres que se encontram encarceradas o foram por delitos relacionados às drogas. Vale dizer: atualmente, 1 em cada 2 mulheres e 1 em cada 4 homens presos no país estão atrás das grades por tráfico de drogas e o índice de reincidência é acima de 70%. Diz ainda que:

Por fim, há um outro problema: como não há critério objetivo para distinguir consumo de tráfico, no mundo real, a consequência prática mais comum, como noticiam [...], é que “ricos com pequenas quantidades são usuários, pobres são traficantes”. Terceira razão: a criminalização afeta a proteção da saúde pública. O sistema atual de Guerra às Drogas faz com que as preocupações com a saúde pública – que são o principal objetivo do controle de drogas – assuma uma posição secundária em relação às políticas de segurança pública e à aplicação da lei penal. A política de repressão penal exige recursos cada vez mais abundantes, drenando investimentos em políticas de prevenção, educação e tratamento de saúde. E o pior: a criminalização de condutas relacionadas ao consumo promove a exclusão e a marginalização dos usuários, dificultando o acesso a tratamentos. Como assinalou o antropólogo Rubem César Fernandes, diretor do Viva Rio: “O fato de o consumo de drogas ser criminalizado aproxima a população jovem do mundo do crime”. Portanto, ao contrário do que muitos creem, a criminalização não protege, mas antes compromete a saúde pública. [...] CONCLUSÃO: 1. Quase todo o mundo democrático e desenvolvido está abrandando a sua política em relação às drogas. Nos Estados Unidos, que lideraram a Guerra às Drogas, 27 dos 50 Estados já descriminalizaram o porte da maconha para uso recreativo ou medicinal, sendo que quatro deles (Oregon, Washington, Alaska e Colorado) legalizaram a comercialização.

Em Portugal, há mais de uma década, descriminalizou-se o porte de drogas para consumo pessoal. No caso da maconha, presume-se não se tratar de tráfico o porte de até 25 gramas. Após este período, constatou-se que (I) o consumo em geral não disparou (houve até diminuição entre os jovens); (II) houve um aumento de toxicodependentes em tratamento; e (III) houve redução da infecção de usuários de drogas pelo vírus HIV. Continua o Ministro dizendo:

É preciso não confundir moral com direito. Há coisas que a sociedade pode achar ruins, mas que nem por isso são ilícitas. Se um indivíduo, na solidão das suas noites, bebe até cair desmaiado na cama, isso não parece bom, mas não é ilícito. Se ele fumar meia carteira de cigarros entre o jantar e a hora de ir dormir, tampouco parece bom, mas não é ilícito. Pois digo eu: o mesmo vale se, em lugar de beber ou consumir cigarros, ele fumar um baseado. É ruim, mas não é papel do Estado se imiscuir nessa área. [...] O Estado pode, porém, limitar a liberdade individual para proteger direitos de terceiros ou determinados valores sociais. Pois bem: o indivíduo que fuma um cigarro de maconha na sua casa ou em outro ambiente privado não viola direitos de terceiros. Tampouco fere qualquer valor social. Nem mesmo a saúde pública, salvo em um sentido muito vago e remoto. Se este fosse um fundamento para proibição, o consumo de álcool deveria ser banido. E, por boas razões, não se cogita disso [...] punir com o direito penal é uma forma de autoritarismo e paternalismo que impede o indivíduo de fazer suas escolhas.

Vemos, portanto, como a decisão do ilustre Ministro corrobora, em vários aspectos, as questões neste trabalho levantadas. Ainda em seu voto, trouxe ainda questões como afetação ao princípio da lesividade, indicando que o principal bem jurídico lesado pelo consumo de maconha é a própria saúde individual do usuário, e não um bem jurídico alheio.

Abordou ainda a proporcionalidade, que inclui também, a verificação da adequação, necessidade e proveito da medida restritiva. A criminalização, no entanto, não parece adequada ao fim visado, que seria a proteção da saúde pública. Termina sua decisão afirmando que:

pelos mesmos fundamentos, declaro a inconstitucionalidade, por arrastamento, do § 1o do artigo 28 da Lei no 11.343/2006, o qual prevê que se submete às mesmas penas do caput, “quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”.

Por fim, justifica que afirmar que a descriminalização trará impacto para a saúde pública não é verdade, pois, a experiência empírica diz o oposto: com a descriminalização, usuários e dependentes passam a poder se tratar.

É incabível alegar que a descriminalização aumentaria os riscos do trânsito com pessoas dirigindo intoxicadas. Este argumento foi enfatizado pelo eminente Deputado Federal do Rio Grande do Sul Osmar Terra. Cabe lembrar aqui que dirigir sob a influência de substância psicoativa é crime autônomo (Código de Trânsito, art. 302, § 2º). Não é preciso criminalizar o consumo de maconha para este fim.

Alguns afirmam que há grande inconsistência em descriminalizar o consumo e manter a criminalização da produção e da distribuição. A inconsistência de fato existe. Mas eventual legalização depende de atuação do Congresso. E não há soluções fáceis. Porém, prestar atenção no que se passa no Uruguai e nos estados americanos que legalizaram pode ser uma boa forma de ver como os resultados que a legalização produzirá.

Ementa do voto do Ilustre Ministro:

Ementa: DIREITO PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ART. 28 DA LEI Nº 11.343/2006. INCONSTITUCIONALIDADE DA CRIMINALIZAÇÃO DO PORTE DE DROGAS PARA CONSUMO PESSOAL. VIOLAÇÃO AOS DIREITOS À INTIMIDADE, À VIDA PRIVADA E À AUTONOMIA, E AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE.

1. A descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal é medida constitucionalmente legítima, devido a razões jurídicas e pragmáticas.

2. Entre as razões pragmáticas, incluem-se (i) o fracasso da atual política de drogas, (ii) o alto custo do encarceramento em massa para a sociedade, e (iii) os prejuízos à saúde pública.

3. As razões jurídicas que justificam e legitimam a descriminalização são (i) o direito à privacidade, (ii) a autonomia individual, e (iii) a desproporcionalidade da punição de conduta que não afeta a esfera jurídica de terceiros, nem é meio idôneo para promover a saúde pública.

4. Independentemente de qualquer juízo que se faça acerca da constitucionalidade da criminalização, impõe-se a determinação de um parâmetro objetivo capaz de distinguir consumo pessoal e tráfico de drogas. A ausência de critério dessa natureza produz um efeito discriminatório, na medida em que, na prática, ricos são tratados como usuários e pobres como traficantes.

5. À luz dos estudos e critérios existentes e praticados no mundo, recomenda-se a adoção do critério seguido por Portugal, que, como regra geral, não considera tráfico a posse de até 25 gramas de Cannabis. No tocante ao cultivo de pequenas quantidades para consumo próprio, o limite proposto é de 6 plantas fêmeas.

6. Os critérios indicados acima são meramente referenciais, de modo que o juiz não está impedido de considerar, no caso concreto, que quantidades superiores de droga sejam destinadas para uso próprio, nem que quantidades inferiores sejam valoradas como tráfico, estabelecendo-se nesta última hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores. Em qualquer caso, tais referenciais deverão prevalecer até que o Congresso Nacional venha a prover a respeito.

7. Provimento do recurso extraordinário e absolvição do recorrente, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal. Afirmação, em repercussão geral, da seguinte tese: “É inconstitucional a tipificação das condutas previstas no artigo 28 da Lei no 11.343/2006, que criminalizam o porte de drogas para consumo pessoal. Para os fins da Lei nº 11.343/2006, será presumido usuário o indivíduo que estiver em posse de até 25 gramas de maconha ou de seis plantas fêmeas. O juiz poderá considerar, à luz do caso concreto, (i) a atipicidade de condutas que envolvam quantidades mais elevadas, pela destinação a uso próprio, e (ii) a caracterização das condutas previstas no art. 33 (tráfico) da mesma Lei mesmo na posse de quantidades menores de 25 gramas, estabelecendo-se nesta hipótese um ônus argumentativo mais pesado para a acusação e órgãos julgadores.” (Grifo Nosso)

6.1.2. VOTO DO MINISTRO GILMAR MENDES

Por sua vez, Mendes (2015), Ministro relator no julgamento do RE 635659 afirma que no caso agora em análise, o art. 28 é impugnado sob o enfoque de sua incompatibilidade com as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada.

O tema em debate traz a lume contraposições acerca da proteção a direitos fundamentais. De um lado, o direito coletivo à saúde e à segurança; de outra parte, o direito à intimidade e à vida privada. Afirma o Ministro que:

nesse contexto, a tipificação penal de determinadas condutas pode conter-se no âmbito daquilo que se costuma denominar de discrição legislativa. Cabe ressaltar, todavia, que, nesse espaço de atuação, a liberdade do legislador estará sempre limitada pelo princípio da proporcionalidade, configurando a sua não observância inadmissível excesso de poder legislativo. A doutrina identifica como típicas manifestações de excesso no exercício do poder legiferante a contraditoriedade, a incongruência, a irrazoabilidade ou, em outras palavras, a inadequação entre meios e fins. [...] De um lado, a exigências de que as medidas interventivas se mostrem adequadas ao cumprimento dos objetivos pretendidos. De outra parte, o pressuposto de que nenhum meio menos gravoso revelar-se-ia igualmente eficaz para a consecução dos objetivos almejados. Em outros termos, o meio não será necessário se o objetivo pretendido puder ser alcançado com a adoção de medida que se revele, a um só tempo, adequada e menos onerosa. (Grifo Nosso)

Em relação aos crimes de perigo abstrato, afirma Mendes (2015) que, apesar da existência de ampla controvérsia doutrinária, os crimes de perigo abstrato podem ser identificados como aqueles em que não se exige nem a efetiva lesão ao bem jurídico protegido pela norma, nem a configuração do perigo em concreto a esse bem jurídico. Porém deve haver um cuidado específico na criação de crimes de perigo abstrato, pois, para o ilustre Ministro, é grande o risco de ofensa a lesividade e ofensividade:

O legislador formula, dessa forma, uma presunção absoluta a respeito da periculosidade de determinada conduta em relação ao bem jurídico que pretende proteger. O perigo, nesse sentido, não é concreto, mas apenas abstrato. Não é necessário, portanto, que, no caso concreto, a lesão ou o perigo de lesão venham a se efetivar. O delito estará consumado com a mera conduta descrita na lei penal. Por outro lado, não é difícil entender as características e os contornos da delicada relação entre os delitos de perigo abstrato e os princípios da lesividade ou ofensividade, os quais, por sua vez, estão intrinsecamente relacionados com o princípio da proporcionalidade. A atividade legislativa de produção de tipos de perigo abstrato deve, por isso, ser objeto de rígida fiscalização a respeito de sua constitucionalidade. [...] Todavia, deflui da própria política de drogas adotada que a criminalização do porte para uso pessoal não condiz com a realização dos fins almejados no que diz respeito a usuários e dependentes, voltados à atenção à saúde e à reinserção social, circunstância a denotar clara incongruência em todo o sistema. Na prática, porém, apesar do abrandamento das consequências penais da posse de drogas para consumo pessoal, a mera previsão da conduta como infração de natureza penal tem resultado em crescente estigmatização, neutralizando, com isso, os objetivos expressamente definidos no sistema nacional de políticas sobre drogas em relação a usuários e dependentes, em sintonia com políticas de redução de danos e de prevenção de riscos já bastante difundidas no plano internacional. Em contraste com esse entendimento, levanta-se a tese de que a incriminação do porte de droga para uso pessoal se justificaria em função da expansibilidade do perigo abstrato à saúde. Nesse contexto, a proteção da saúde coletiva dependeria da ausência de mercado para a traficância. Em outras palavras, não haveria tráfico se não houvesse consumo. Além disso, haveria uma relação necessária entre tráfico, consumo e outros delitos, como crimes contra o patrimônio e violência contra a pessoa. Temos em jogo, portanto, de um lado, o direito coletivo à saúde e à segurança públicas e, de outro lado, o direito à intimidade e à vida privada, que se qualificam, no caso da posse de drogas para consumo pessoal, em direito à autodeterminação. (Grifo Nosso)

No que diz respeito que a posse de drogas para consumo próprio afeta a saúde e segurança pública, continua o Ministro:

Na valoração da importância de determinado interesse coletivo como justificativa de tutela penal há de se exigir a demonstração do dano potencial associado à conduta objeto de incriminação. Em outras palavras, há que se verificar em que medida os riscos a que sujeitos os interesses coletivos podem justificar a conversão destes em objeto de proteção pelo direito penal. [...] E exemplifica justamente com o direito à saúde pública. Não cabe negar, que a saúde pública é um interesse coletivo que afeta cada indivíduo, mas há que se exigir um determinado grau de lesividade individual para que se possa justificar a intervenção do direito penal. Até agora não se tem afirmado, por exemplo, que o álcool e o tabaco afetam suficientemente a saúde pública a ponto de legitimar a criminalização de sua venda e consumo. [...] Não basta, assim, que a saúde seja, em abstrato, um bem social fundamental para que mereça proteção penal. [...] Incluem-se, assim, no bem jurídico “saúde”, por exemplo, desde as mais relevantes até as mais insignificantes manifestações quantitativas. A simples alusão a gêneros tão amplos, pouco serve, dessa forma, à delimitação daquilo passível de proteção por medidas de natureza penal. (Grifo Nosso)

Aludindo Hassemer, aduz, ainda, Mendes (2015) em sua decisão, dizendo que quem toma o direito penal não como ultima ratio, mas como prima ratio ou, até mesmo, como sola ratio, da política interna, torna as coisas muito mais fáceis e desiste, antecipadamente, das busca por medidas de ajuda de natureza mais próxima dos problemas.

Afigura-se claro, até aqui, que tanto o conceito de saúde pública, como, pelas mesmas razões a noção de segurança pública, apresentam-se despidos de suficiente valoração dos riscos a que sujeitos em decorrência de condutas circunscritas a posse de drogas para uso exclusivamente pessoal. A criminalização da posse de drogas “para consumo pessoal” afeta o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, em suas diversas manifestações.

É sabido que as drogas causam prejuízos físicos e sociais ao seu consumidor. Ainda assim, dar tratamento criminal ao uso de drogas é medida que ofende, de forma desproporcional, o direito à vida privada e à autodeterminação. O uso privado de drogas é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário. Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita. Esses efeitos estão muito afastados da conduta em si do usuário. A ligação é excessivamente remota para atribuir a ela efeitos criminais. Logo, esse resultado está fora do âmbito de imputação penal. A relevância criminal da posse para consumo pessoal dependeria, assim, da validade da incriminação da autolesão. E a autolesão é criminalmente irrelevante.

Segundo Marcelo Campos e Rodolfo Valente (Boletim, IBCRIM, outubro/2012, p. 3, apud MENDES, 2015), verbis:

[...] de fato, há outros meios alternativos à criminalização, adequados aos fins propostos. A própria lei 11.343/60 traz profícuas diretrizes que, antagonicamente, são tolhidas pela política repressiva [...].Entretanto, apesar de ser regulamentada pela Portaria 1.028/2005 do Ministério da Saúde, a política de redução de danos segue desprestigiada e sem efetividade diante do óbice representado pela primazia da tutela penal.

Interessante observar no que diz respeito ao tráfico de drogas o posicionamento do Ministro, pois, remanesce, contudo, a possibilidade de prisão pela posse, na forma do art. 50, caput, do mesmo diploma legal, quando o policial entender que a conduta se qualifica como tráfico, nos termos do art. 33 da referida Lei.

Diante dessa possibilidade, ou seja, quando o policial entender que não se trata de posse para uso pessoal, passível de simples notificação, nos termos do art. 48, §2º, e realizar a prisão em fragrante, temos que a imediata apresentação do preso ao juiz conferiria maior segurança na distinção entre traficante e usuário, até que se concebam, em normas especificas o que se seria recomendável, critérios revestidos de maior objetividade. Afirma ainda:

A norma do art. 28 da Lei 11.343/06 é construída como uma regra especial em relação ao art. 33. Contém os mesmos elementos do tráfico e acrescenta mais um – a finalidade de consumo pessoal. Disso resulta a impressão – falsa – de que a demonstração da finalidade é ônus da defesa. À acusação não seria necessário demonstrar qualquer finalidade para enquadramento no tráfico pela singela razão de que o tipo penal não enuncia finalidade. A presunção de não culpabilidade – art. 5º, LVII, da CF – não tolera que a finalidade diversa do consumo pessoal seja legalmente presumida. A finalidade é um elemento-chave para a definição do tráfico.

A cadeia de produção e consumo de drogas é orientada em direção ao usuário. Ou seja, uma pessoa que é flagrada na posse de drogas pode, muito bem, ter o propósito de consumir. Levando esses fatores em consideração, tenho que a avaliação da qualidade da prisão em flagrante pelo tráfico de drogas e da necessidade de sua conversão em prisão preventiva deve ser objeto de especial análise pelo Poder Judiciário. A apresentação do preso ao juiz, em curto prazo, para que o magistrado possa avaliar as condições em que foi realizada a prisão e se é de fato imprescindível a sua conversão em prisão preventiva é providência imprescindível. (Grifo Nosso)

Por fim, seu voto encontra-se assim reproduzido (dispositivo):

Pelo exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para:

1 – Declarar a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, restam mantidas, no que couber, até o advento de legislação específica, as medidas ali previstas, com natureza administrativa;

2 – Conferir, por dependência lógica, interpretação conforme à Constituição ao art. 48, §§1º e 2º, da Lei 11.343/2006, no sentido de que, tratando-se de conduta prevista no art. 28 da referida Lei, o autor do fato será apenas notificado a comparecer em juízo;

3 – Conferir, por dependência lógica, interpretação conforme à Constituição ao art. 50, caput, da Lei 11.343/06, no sentido de que, na prisão em flagrante por tráfico de droga, o preso deve, como condição de validade da conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva, ser imediatamente apresentado ao juiz;

4 – Absolver o acusado, por atipicidade da conduta; e

5 – Determinar ao Conselho Nacional de Justiça as seguintes providências:

a) Diligenciar, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, por meio de articulação com Tribunais de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Ministério da Justiça e Ministério da Saúde, sem prejuízo de outros órgãos, os encaminhamentos necessários à aplicação, no que couber, das medidas previstas no art. 28 da Lei 11.343/2006, em procedimento cível, com ênfase em atuação de caráter multidisciplinar;

b) Articulação, no prazo de seis meses, a contar desta decisão, entre os serviços e organizações que atuam em atividades de prevenção do uso indevido de drogas e da rede de atenção a usuários e dependentes, por meio de projetos pedagógicos e campanhas institucionais, entre outras medidas, com estratégias preventivas e de recuperação adequadas às especificidades socioculturais dos diversos grupos de usuários e das diferentes drogas utilizadas.

c) Regulamentar, no prazo de seis meses, a audiência de apresentação do preso ao juiz determinada nesta decisão, com o respectivo monitoramento;

d) Apresentar a esta Corte, a cada seis meses, relatório das providências determinadas nesta decisão e resultados obtidos, até ulterior deliberação.

É como voto. (Grifo Nosso)

6.1.3. VOTO DO MINISTRO EDSON FACCHIN

Facchin (2015) afirma que é um paradoxo desassossegador perfilhar descriminalização do uso de drogas cuja produção e comercialização tipificam, ao mesmo tempo, o crime de tráfico. Isso porque se a retirada do estigma criminal permite que se dê a devida atenção ao bem jurídico tutelado e ao tratamento do usuário, sempre conviver-se-á com o indelével gravame de vê-lo enredado no tecido criminoso de distribuição da droga.

Para o Ministro, a manutenção da proibição do tráfico simultaneamente à descriminalização, não obstante a ausência de dados indisputáveis sobre isso, apenas abona estímulo à traficância, seja pela lucratividade, seja por uma possível ampliação do mercado de consumo.

Diz ainda que é preciso deixar nítido que o consumo de drogas pode acarretar sérios transtornos e danos físicos e psíquicos, eventualmente até mesmo a morte de quem as consome. Além disso, também se associam muitas vezes ao consumo de drogas outros danos potenciais como o cometimento de delitos para a manutenção do eventual vício.

Invocam-se, em geral, três argumentos independentes para punir o consumo pessoal de drogas: um argumento perfeccionista, um argumento paternalista e, por fim, um argumento de defesa da sociedade. Segundo o Ministro:

A criminalização do porte de drogas para uso pessoal, em primeiro lugar, detém-se em um argumento perfeccionista quando justifica o tratamento penal do consumo baseado na reprovabilidade moral dessa conduta. Vale dizer, o uso de drogas é considerado um comportamento moralmente reprovável e, por isso, deve ser combatido por meio de uma resposta penal do Estado. Tal perfeccionismo busca impor um padrão de conduta individual aos cidadãos, estabelecendo, assim, de forma apriorística um modelo de moral privada, individual, que se julga digno e adequado. (Grifo Nosso)

Justifica Facchin que, este primeiro argumento é inconstitucional por violar a autonomia privada. Neste trabalho, abordamos a inconstitucionalidade deste argumento, não por violar autonomia privada, conforme o Ministro, mas por ferir o princípio da exclusiva proteção de bens jurídicos, que impede tutela da moral em sede de direito penal. Importante salientar que não se discorda da violação à autonomia privada, mas que, a alegação de ferir princípios, já basta por si para declaração de inconstitucionalidade. O segundo argumento assim aduz:

A criminalização do porte de drogas para uso pessoal, em segundo lugar, se atém em um argumento paternalista quando justifica o tratamento penal do consumo baseado na reprovação, no desincentivo e na prevenção geral que as respostas penais deveriam gerar. Essa tessitura não busca impor um modelo de vida (supostamente) decente como faz o perfeccionismo, mas sim proteger as pessoas contra os danos que o consumo de drogas pode causar a elas. No caso do consumo de drogas, proteger o cidadão dos males causados pelo consumo de drogas necessita exigir uma resposta informativa, com campanhas educativas e de prevenção, criação e execução de políticas públicas de atenção e cuidado com a saúde daqueles que fazem uso abusivo de drogas, estabelecer medidas que desalentem o consumo de drogas, mas, segundo o autor, nunca a reprovação penal pela conduta autodestrutiva do cidadão. À ilicitude se dirigem sanções, não necessariamente penais. (Grifo Nosso)

Percebemos assim que para fins de educação, campanhas educativas, políticas públicas, além da própria família e sociedade podem fazer este papel no lugar do direito penal, logo, não serve o direito penal para fins de paternalismo (proteger as pessoas contra elas mesmo).

Como último argumento sustenta-se que:

Por fim, a criminalização do porte de drogas para uso topa em um argumento de defesa da sociedade quando justifica o tratamento penal do consumo baseado na proteção dos demais cidadãos (incluída aí a família como instituição) que podem sofrer os efeitos ou consequências dos atos de quem usa drogas. No entanto, objeta Santiago Nino, para prevenir e reprovar as eventuais condutas excessivas dos usuários de drogas, o Direito Penal já oferece uma série de outras sanções. O usuário de drogas que furta ou rouba para sustentar seu vício deve ser punido pelas ações delituosas de furto ou roubo, mas não pelo uso em si da droga, argumenta Santiago Nino. Vale dizer, o que pode causar mal aos demais cidadãos são as condutas eventualmente derivadas do uso de drogas, contudo não o uso de drogas por si só. Essas condutas derivadas que possam causar dano já são todas elas objeto de previsão e tratamento pelo Direito Penal. Dessa forma, a diferença entre ações privadas e ações que possam ofender a moral pública por afronta aos bens de terceiros seria insustentável, pois toda e qualquer ação, seja ela privada ou pública, teria o potencial de se desdobrar em outra ação reprovável. (Grifo Nosso)

Diante disso, emerge a crítica de Nino (apud FACCHIN, 2015), pois, criminalizar o porte de droga para consumo próprio representa a imposição de um padrão moral individual que significa uma proteção excessiva que, ao fim e ao cabo, não protege e nem previne que o sujeito se drogue (correspondendo a um paternalismo indevido e ineficaz) e, por fim, significa uma falsa proteção da sociedade, dado que já há respostas penais previstas para as even tuais condutas ofensivas que o consumidor de drogas possa realizar.

Como premissa para o exercício de tal controle de constitucionalidade, a tomada em conta do fundamento da dignidade da pessoa humana em sua matriz kantiana e republicana, impede, assim, que a tutela penal atue tendo por escopo a introjeção de valores morais individuais de conduta determinadas ou a imposição de comportamentos para além daqueles considerados concretamente lesivos a terceiros.

Com efeito, a posse para uso pessoal, embora tipifique a ação, incide sobre conduta que, não raro, é condição essencial da pessoa, e a vetor constitucional que não autoriza a penalização da personalidade. No que tange às limitações dos direitos fundamentais, é preciso que eventual restrição encontre fundamentação constitucional.

Nessa diretriz, alberga-se o princípio da tipicidade, a exigir reserva de lei para normas penais. Considerando que a tipicidade decorre da teoria sobre os direitos fundamentais, ao legislador não compete apenas observar a reserva de lei para tipificar determinada conduta, como também deve demonstrar que pela incriminação outro direito fundamental será protegido.

A sanção penal é, assim, tão-só uma das formas de se proteger os bens jurídicos. Consubstanciando a mais grave restrição na autonomia dos cidadãos, cumpre, portanto, avaliar se ela é adequadamente posta. E é aqui que tem assento a proporcionalidade. Especificamente em relação à coerção penal, poder-se-ia apontar, na linha do que indica Claus Roxin, serem ilegítimas as incriminações de: motivações ideológicas; autolesão; tabus; fins extrapenais; e abstrações incapazes de constituir bens jurídicos.

Essas considerações parecem indicar que, em vista da ofensa a um bem individual, não se pode dar ensejo à criminalização. Esse norte tem sentido especialmente para o adicto, usuário dependente de droga; impende ajudar o usuário que queira se livrar do poder criminoso da dependência.

Delineou, ainda, o ilustre Ministro sobre a constitucionalidade, ao seu modo de ver, quanto aos crimes de perigo abstrato e sobre a questão que usuário é dependente, de modo que merece tratamento e não intervenção penal:

Relevante, por conseguinte, é a resposta de informação, educação, atenção e cuidado da saúde dos usuários de drogas. Vê-se indispensável, assim, a atuação do Poder Público, da sociedade, das famílias em sua dimensão expandida, das entidades religiosas e de benemerência, no incremento das redes de atenção e cuidado à saúde das pessoas que abusam de substâncias e que causam dependência, e especialmente no campo da prevenção e proteção de crianças e adolescentes. Ressalte-se que se deve colocar no leiaute dos debates sobre as causas da drogadição o circuito que vai da produção ao consumo de drogas no Brasil. E isso especialmente para a hipótese dos autos. Tal vazio respectivo merece ser preenchido por ato legislativo, no catálogo de sua competência. A regulamentação de toda a sequência que liga a produção ao consumo da droga em questão não cabe, nem aqui ou agora, ao Poder Judiciário, mas sim ao poder constitucional e democraticamente responsável para levar a diante tal mister sob pena de vácuo inconstitucional e mora legislativa.

Não deve o STF em sede deste recurso, segundo o Ministro, preencher o vazio normativo que daí pode decorrer. Há, nesse sentido, tanto os limites da controvérsia constitucional posta , e a necessidade de adstrição a estes, quanto os confins democráticos que se põem ao Judiciário. No entanto, cabe reconhecer, sem prejuízo da nulidade constitucional adiante chancelada, que o usuário, apesar da autodeterminação que pode lhe assistir, fomenta, ainda que reflexamente, o tráfico. Este, pois, é o destinatário das causas cujos efeitos estão em pauta.

Dessa forma, sendo injurídico o uso e porte para consumo da droga objeto do presente recurso (maconha), o enfrentamento do tráfico mira, por conseguinte, ato porvindouro, ou seja, a devida regulamentação legislativa. O desafio ao legislador e à sociedade é definir se a autorização lícita, considerando para tanto a droga vertida no caso concreto, regulamentada e restrita, pode contribuir para principiar a solver o germe de tais questões; meias soluções são apenas remédios efêmeros para problemas graves.

Há, ainda, outro horizonte relevante: estabelecer parâmetros objetivos de natureza e de quantidade que possibilitem a diferenciação entre o uso e o tráfico. A distinção entre usuário e traficante atravessa a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e parece exigir, inevitavelmente, que se adotem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizem o uso de droga.

Restou assim sua decisão:

Diante do exposto, voto pelo provimento parcial do recurso nos seguintes termos, para:

(I) Declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343, sem redução de texto, específica para situação que, tal como se deu no caso concreto, apresente conduta que descrita no tipo legal tiver exclusivamente como objeto material a droga aqui em pauta;

(II) Manter, nos termos da atual legislação e regulamento, a proibição inclusive do uso e do porte para consumo pessoal de todas as demais drogas ilícitas;

(III) Manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) e concomitantemente declarar neste ato a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do presente recurso (maconha) até que sobrevenha a devida regulamentação legislativa, permanecendo nesse ínterim hígidas as tipificações constantes do título IV, especialmente criminais do art. 33, e dispositivos conexos da Lei 11.343;

(IV) Declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo, nominados neste voto (SENAD e CNPCP), aos quais incumbem a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exerçam suas competências e até que sobrevenha a legislação específica, emitam, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, a contar da data deste julgamento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados iuris tantum no caso concreto;

(V) Absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do Código de Processo Penal.

(VI) E por derradeiro, em face do interesse público relevante, por entender necessária, inclusive no âmbito do STF, a manutenção e ampliação do debate com pessoas e entidades portadoras de experiência e autoridade nesta matéria, propor ao Plenário, nos termos do inciso V do artigo 7º do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, para o fim de, à luz do inciso III do artigo 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação deste Tribunal neste caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização.

É como voto.

Vemos, portanto, que as decisões dos Ministros que já deram seu voto, em maior ou menor medida, vêm ao encontro do dito neste trabalho, corroborando a tese que a proibição restou fracassada. Alguns com posicionamentos mais cautelosos, pois sempre foi um tabu a questão das drogas, outros mais despojados, o fato é que novos modelos precisam ser implantados no lugar da proibição.

Assim, abaixo, uma breve análise de possíveis modelos de legalização que a sociedade brasileira deve discutir como modelos alternativos à proibição, pois, não basta descriminalizar, este é apenas um passo, pois, somente a legalização poderá ter o condão de destruir o poder do narcotráfico.

6.2. POSSÍVEIS MODELOS DE LEGALIZAÇÃO

Importante observar que, discutir com profundidade acerca de modos de legalização, não constitui a essência deste trabalho. Acreditamos que devem ser abertos fóruns de discussão multitemático, com profissionais de diversas áreas, para deliberar propostas mais apropriadas para a realidade do Brasil.

Procuramos apenas demonstrar que deve ser retirada a tutela penal das drogas no Brasil, pois esta fomenta o tráfico e todo crime correlato. Porém, para não deixar vago o assunto, procuramos trazer pequenas hipóteses de modelos para discutir acerca da legalização, a fim de que estudos posteriores a aprofundem sobre o tema que, por ora, não é o foco deste trabalho.

Conforme Pilati (2011, p.132), além das várias espécies de descriminalização, existem ainda as modalidades de legalização. Enquanto a descriminalização significa retirar a incriminação de certas condutas da lei ou fazer com que uma conduta perca seu caráter criminal, a legalização significa a inclusão de algo nas leis.

Ou seja, uma conduta pode ser descriminalizada, mas não existir qualquer lei tornando a conduta legal e dispondo sobre a matéria. Como escreve Bulcão (apud PILATI 2011, P.132), ao tratar especificamente da descriminalização das drogas:

A descriminalização consiste em retirar do ordenamento jurídico a figura do usuário e do traficante. Ou seja, os tipos penais que abordam a questão seriam excluídos e, portanto, usuários e traficantes não sofreriam mais com as consequências do sistema penal. (...) Já a legalização traria consequências adicionais. Além da não criminalização de usuários e traficantes, a produção e comercialização dessas substâncias passaria a ter respaldo jurídico.

Alvarenga e Gomes (2013) afirmam que:

legalizar significa liberar o acesso. É notável que a legalização das drogas, com a cobrança de impostos por parte do Estado, iria trazer um maior controle estatal sobre esta, garantindo a qualidade do material que fosse posto à venda. Ademais, seria mais fácil a identificação de usuários, já que eles não se sentiriam marginalizados. [...] Ademais, teriam que ser elaboradas leis que controlassem os locais de consumo, da mesma forma que existem leis proibindo o fumo de tabaco em determinados ambientes. Outro ponto a se tocar seria a redução ou proibição de propagandas em meios de comunicação que influencie as pessoas ao consumo, a exemplo da bebida alcoólica. [...] As leis deveriam ser feitas de forma a eliminar as barreiras entre o Estado e o consumidor de entorpecentes, demonstrando não haver uma “guerra”, já que essa se demonstrou fracassada, mas sim uma busca pela redução do uso de drogas a fim de se buscar o bem estar social, pensando, inclusive, no usuário isoladamente.

Percebemos que a legalização, todavia, inclui duas hipóteses diferentes: a legalização estatizante, a legalização controlada, a legalização liberal e a legalização total. Rodrigues (2003, p. 114), afirma que:

a legalização estatizante é a hipótese em que o Estado tomaria para si a responsabilidade de produzir e vender (ou controlar a produção, distribuição e a venda) de drogas psicoativas. [...] esta espécie estabelece um monopólio estatal de drogas e contém certos critérios de diferenciação (periculosidade da droga, idade do consumidor, etc). O tráfico de drogas desaparecia e o Estado passaria a controlar a produção e venda de psicoativos, possibilitando o controle de sua qualidade e a realização de campanhas para o controle de drogas. (Grifo Nosso)

Rodrigues não concorda com este tipo de legalização, afirmando que os indivíduos estariam sob a vigilância do Estado, tendo este um controle mais “refinado”. Já a legalização controlada, conforme Rodrigues (apud PILATI 2011, p.133):

A legalização controlada é definida como “um sistema que visa à substituição da atual proibição das drogas pela regulamentação da sua produção, do comércio e do uso, com o objetivo de evitar abusos prejudiciais à sociedade.” A legalização controlada não abandona por completo o uso do direito penal. Porém, esta via seria menos utilizada, reservada para apenas para alguns casos e não teria o mesmo papel central que atualmente. A via repressiva seria substituída pelo uso de outros ramos do direito, como o administrativo, tributário, comercial, usados para controlar a produção e distribuição. Dentre tais restrições, estão as relacionadas ao monopólio da produção; a necessidade de autorização estatal para produção e distribuição, importação e exportação; a taxação dos produtos, política de controle de preços (de forma a eliminar traficantes do mercado); proibição de venda a menores; restrições à publicidade; proibição de uso de marcas; necessidade de informar o consumidor. (Grifo Nosso)

Há divergências sobre quais drogas seriam proibidas. Caballero (apud PILATI 2011, p.134), por exemplo, propõe a legalização de todas as substâncias atualmente proibidas como a heroína, cocaína, maconha, entre outros, tanto para o uso recreativo, quanto para tratamento médico. Ademais, o modelo de legalização de Caballero parte do princípio do uso discreto de drogas. O uso em público seria sancionado, não com medida penal, mas com multa ou sanção administrativa. No lugar de uma política de guerra, o Estado promoveria a luta civil contra o abuso de drogas, com foco na prevenção, informação, redução de danos e auxílio para desintoxicação.

Por fim, Rodrigues (2003, p. 115-116) afirma que:

na legalização liberal, a produção, a venda e a circulação de substâncias psicoativas seriam reguladas pelas regras de mercado. A droga seria tratada como uma mercadoria com suas especifidades. Cada indivíduo seria livre para consumi-la e, apenas quando o uso de drogas atingisse a esfera de outra pessoa, é que a lei seria acionada para reparar os danos. Por fim, a legalização total ou liberação significa, a “abolição de leis restritivas que permitem o uso de drogas psicoativas apenas em determinadas circunstâncias ou que o bane definitivamente”. (Grifo Nosso)

Ainda, acrescenta-se que, legalizando as drogas, a tutela administrativa do uso das drogas pode ser vista de dois modos: a legalização do uso apenas em determinados locais, onde o direito diz em que locais pode ser usado drogas, de modo que, onde não está permitido, está proibido, sujeitando os autores a determinadas infrações. Aqui, uma corrente pode ser aberta, como a criação de colônias de uso, onde o sujeito somente poderia usar drogas dentro de tais colônias, restando proibido o uso fora desta.

De outro modo, a tutela pode ser mais abrangente, apenas proibindo o uso em determinados locais, de modo que, onde não está proibido, está permitido, também sujeitando os autores a determinadas infrações em caso de uso em locais proibidos.

Interessante ainda estabelecer que a produção e distribuição de drogas desautorizadas pelo poder público, bem como importação e exportação, podem muito bem ser tratados com rigorismo penal, sendo a tutela administrativa relativa ao uso inadequado e a tutela penal na venda, distribuição, produção, importação, exportação etc., desautorizada.

Fazendo uma correlação importantíssima, pois, é neste ponto em específico que muitos defensores da continuidade da proibição descarregam suas críticas, dizendo que o tráfico não deixaria de existir caso houvesse legalização, apenas teria o Estado como concorrente. Podemos correlacionar com as drogas lícitas, em que de fato, existe um mercado contrabandista paralelo, mas que, com a máxima vênia, nem de longe dá para comparar o poder do narcotráfico com o poder do contrabando de cigarro e álcool.

Quem dera se, no Brasil, o mercado das drogas ilícitas tivessem qualquer semelhança com o poder do contrabando, que nem de longe cria um Estado paralelo, uma rede de criminalidade correlata, uma “guerra” que todos os dias deixam mortos e feridos de todos os lados (policiais, traficantes, usuários, inocentes etc.).

A crítica é importante, pois autoridades públicas ainda acreditam, infelizmente, que dificultar o acesso às drogas, reduziria o consumo. Ledo engano. O aumento do imposto do cigarro que tinha essa finalidade nada mais fez que aumentar as vendas do contrabando, que andava esquecida.

Precisamos perceber que o usuário, seja de qualquer tipo de droga, não deixará de consumir porque o Estado decidiu dificultar o acesso. O resultado de tal política é o usuário procurando “meios alternativos” de conseguir a droga desejada. Portanto, políticas de prevenção ao uso e campanhas educativas não podem ter como objetivo dificultar o acesso, apenas informar e ajudar por meios diversos a buscar outros caminhos. Dificultar o acesso não reduz e muito menos evita o consumo.

Percebemos então que propostas de legalização vêm surgindo pelo mundo todo, que está caminhando nesse sentido e, como bem disse o Ministro Gilmar Mendes em sua decisão, o Brasil precisa ficar de olho nesse desenvolvimento de novas políticas de drogas legalizantes pelo mundo afora, pois, aqui, necessitamos urgentemente de uma nova política, porém, de acordo com a realidade brasileira.

Assim, percebemos claramente que a exclusão da tutela penal na questão das drogas, não exclui a tutela civil e/ou administrativa, restando ainda, em casos remotíssimos, possibilidade de tutela penal para vendas desautorizadas pelo poder público, ou desconforme com a lei. O resultado mais importante é o fim da “guerra às drogas”, que faz mortos e feridos a cada instante, e nesse exato momento, mais pessoas estão morrendo, por conta dessa guerra.

Refazemos aqui as palavras de Zaffaroni (2013), que questiona, quantos anos o México precisaria para ter 40 a 60 mil mortos pelo uso de cocaína? Talvez mais de um século. Mas esse foi o resultado em quatro ou cinco anos pelo resultado da proibição e guerra às drogas.

Vemos, assim, que a proteção ao bem jurídico saúde pública é retórica, pois numa “guerra”, onde temos mortos e feridos todos os dias, é contraditório afirmar que se está protegendo saúde pública dessa forma, colocando milhares de pessoas nos hospitais todos os dias por conta de tal “guerra”.

Dessa forma, percebemos que a legalização é uma proposta real e possível, que vários países estão no atual momento discutindo modelos alternativos, e que já passou da hora de o Brasil discutir a questão à luz de novos modelos, tendo em vista que aqui, ao contrário dos países centrais, o tráfico produz um mal sem precedentes em nossa sociedade. Somente com uma política de legalização às drogas poderemos, então, ver uma possibilidade real de por fim a guerra às drogas, ao narcotráfico e todas as mazelas consequentes da proibição.

7. CONCLUSÃO

Podemos concluir, ante exposto, que a questão das drogas, e o tráfico em especial, foi, numa escala mundial, e no Brasil principalmente, tratada sob a luz do direito penal do inimigo. Discorremos acerca da teoria do direito penal do inimigo, a fim de demonstrar sua incompatibilidade com o sistema democrático e constitucional.

Esse tratamento deve-se, em larga medida, à “guerra às drogas” lançada por Nixon (Presidente dos EUA) na década de 70. Por óbvio, num tratamento de guerra nada mais se pode esperar do que mortes, corrupção, armas, inocentes feridos, enfim, todas as mazelas de uma guerra. É justamente, pois, o que acontece no Brasil. Policiais, traficantes, crianças e inocentes mortos todos os dias por causa dessa guerra sem fim contra as drogas.

Percebendo a falência dessa medida, que não diminuiu em nada o consumo, pelo contrário, o fez explodir, procuramos demonstrar nesse trabalho o fracasso da política proibicionista, as mazelas que produziu em nosso país a “guerra às drogas” e que, ao contrário do propósito, a proibição não protege a saúde pública, mas, ao contrário, a compromete e ataca ainda mais gravemente.

Somente uma política de legalização poderia por fim a essa guerra. Porém, o consumo desenfreado de drogas precisa ser acompanhado de perto pelo poder público. Logo, não pretendemos retirar as drogas do direito, mas sim, do direito penal. Conforme decisão do Ministro Gilmar Mendes no RE 635659, medidas administrativas podem corresponder muito bem à proteção necessária contra o uso inadequado, bem como políticas públicas de prevenção e esclarecimento podem obter mais resultados do que a proibição penal.

Políticas de legalização devem ser objeto de debate da sociedade brasileira e fruto de deliberação legislativa, de modo que a importância da decretação de inconstitucionalidade do artigo 28 da lei 11.343/06 pelo STF pode contribuir para acelerar este processo.

Por outro lado, pretendemos também demonstrar que a visão “infantil” da questão das drogas deve ser modificada. Devemos parar de olhar para o usuário como dependente, pois a dependência é verdade apenas para menos de 10% dos usuários, e que, em relação ao álcool, quase chega ao dobro o número de dependentes e não falamos por ai que todos que usam álcool são dependentes.

Devemos distinguir usuário de dependente e, este último, deve ser tratado, e os demais, desde que seu uso não seja abusivo, encontra-se dentro de sua esfera de liberdade. Por óbvio, restrições administrativas ao uso, como proibições de uso de drogas em determinados lugares podem muito bem ser objeto de deliberação pelo direito.

Medidas administrativas e campanhas de prevenção podem fazer melhor o papel e proteger melhor o bem jurídico do que a proibição penal. Para isso, trouxemos o exemplo do tabaco, que na década de 70 do século passado tinha quase metade da população brasileira de usuários e, sem ter necessidade do direito penal, hoje conseguimos reduzir a porcentagens mínimas, e com ampla reprovação do público mais jovem da atualidade, demonstrando que a intervenção mínima do direito penal pode ser mais eficaz do que tratarmos tudo à luz do direito penal.

Infelizmente, quase metade de nossa população carcerária no Brasil é de delitos de drogas (40%), e que, de acordo com o CNJ, dados de 2015, a nova população carcerária brasileira é de 711.463 presos. Se levarmos em conta que existem mais de 200.000 mandados de prisão em aberto (com sentença penal condenatória transitada em julgado), conforme dados que trouxemos, podemos perceber claramente que a questão das drogas tratada à luz do direito penal, mais do que não proteger o bem jurídico ao qual diz tutelar, de quebra contribui maciçamente para a impunidade, pois, nestes duzentos mil mandados encontram-se estupradores, assassinos, sequestradores etc., soltos, impunes.

Dessa forma, corrobora este trabalho a ideia de minimalismo penal, pois, sendo o direito penal restringido em seu âmbito de atuação para menos delitos, apenas os mais graves, o sistema penal (sistema policial, judicial e prisional) consegue apurar os delitos de forma eficaz, julgar os delitos com maior rapidez, sem necessidade de destruir garantias fundamentais, e veremos o sistema prisional abarcar todos que possuem condenação. Assim, a cifra negra da impunidade se verá diminuída, o que por si só já faria todo sentido a política de legalização.

Portanto, um Estado que trata a questão das drogas fora da ótica penal, é um Estado que caminha de acordo com os princípios de um estado democrático de direito, e de um direito penal mínimo, contraindo seu âmbito de atuação para menos delitos, apenas os mais graves e necessários. Assim, pugnar pela legalização, é caminhar à luz dos princípios democráticos e de um direito penal conforme a Constituição.

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Publicado por: Rodrigo Darela de Souza

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