DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO E DO MILITAR
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. DESENVOLVIMENTO
- 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 5. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O foco deste trabalho é o direito de greve do funcionário público e do militar, tendo como exemplo a greve dos bombeiros no Estado do Rio de Janeiro. Partindo de uma breve análise dos acontecimentos que culminaram na prisão de 439 militares, este estudo teve por objetivo abordar a questão do direito de greve e sua relação com a normatividade das regras e princípios constitucionais.
2. INTRODUÇÃO
No ano de 2011, a greve dos Bombeiros Militares do Estado Rio de Janeiro, reivindicando melhores condições de trabalho e de salário, ultrapassou o âmbito das negociações entre a corporação e o governo do estado e envolveu o poder legislativo, o poder judiciário e a sociedade de modo geral. O impacto da invasão ao Quartel General e a prisão de 439 bombeiros1, divulgados amplamente pelos meios de comunicação, suscitou o surgimento de vários questionamentos sobre os limites da ação estatal, direito de greve, direitos humanos, direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e solidariedade social.
Os noticiários mostraram, de um lado, a proibição da greve, a questão da indisciplina e dos “abusos” cometidos pelo militares permeando os discursos e as justificativas favoráveis às ações do governo e, de outro, o argumento dos manifestantes de que a greve foi a única alternativa que restou das inúmeras tentativas frustradas de negociação.
Diante deste quadro, a sociedade brasileira, caracteristicamente passiva e apática aos interesses da coletividade, deu clara demonstração de apoio aos grevistas, sinalizando que, de alguma forma, havia se criado um vínculo de identidade. Através de passeatas, de fixação de faixas e cartazes em residências, de fitas vermelhas e adesivos presos nos veículos, de vídeos institucionais e particulares em apoio à causa dos bombeiros, enfim, por todo canto, o que se viu foi a formação de uma “onda vermelha” clamando por justiça
A repercussão para além das fronteiras do território acabaram por deixar o Brasil numa situação delicada. Não bastasse ser citado como um país que não cumpre as leis internacionais sobre Direitos Humanos, a imprensa estrangeira ainda referiu-se ao governo estadual como despótico e ditatorial por prender trabalhadores que lutam por seus direitos.
Esta greve, em particular, revelou especificidades que a diferenciaram de outras ocorridas no país, tanto pelo grau de mobilização, quanto pela questão do conflito de direitos fundamentais e uso de ações extremadas.
Este trabalho propõe uma reflexão sobre o direito de greve no serviço público e militar brasileiro, utilizando como metodologia o levantamento bibliográfico e notícias veiculadas nos meios eletrônicos.
Inicialmente será feita uma incursão sobre a evolução do direito de greve no Brasil e, tomando como referência o caso dos bombeiros militares do estado do Rio de Janeiro, será realizada uma abordagem constitucional sobre o tema.
3. DESENVOLVIMENTO
3.1. O DIREITO DE GREVE NO BRASIL
O termo greve é um vocábulo surgido na França, no fim do século XVIII, utilizado por desempregados e operários que se reuniam para tratar de assuntos relacionados aos baixos salários recebidos e jornadas de trabalho excessivas2. Porém, o marco inicial da história da greve, tal qual conhecemos hoje, é atribuído aos movimentos sindicais ingleses originados da Revolução Industrial.
No Brasil, a greve foi inicialmente tratada pelo Código Penal de 1890, que a considerava um delito. As Constituições de 1891 e de 1934 omitiram-se a respeito do tema. Em 1937 tornou-se matéria constitucional, sendo descrevida como nociva ao trabalho e ao capital. Em 1938, pelo Decreto-lei n° 431, foi tipificada como crime3. Com a instituição da Justiça do Trabalho4 as punições para os casos de greve iam da suspensão e despedida por justa causa à pena de detenção. Em 1940, de acordo com os artigos 200 e 201 do Código Penal toda e qualquer paralisação que perturbasse a ordem pública ou que viesse contrariar os interesses públicos seria considerada crime.
A partir do Decreto-lei n° 9.070, de 15-3-1946, a greve passou a ser tolerada nas atividades acessórias, permanecendo vedada nas fundamentais. Neste mesmo ano, a nova Constituição reconheceu a greve como direito dos trabalhadores. Contudo, conforme disposto no Artigo 158, seu exercício estaria condicionado à regulação de lei posterior.
A regulação supracitada ocorreu somente em 1º de junho de 1964, quando entrou em vigor a Lei nº 4330 ou “Lei de Greve”. Sobre esta lei, observou Francisco Osani de Lavor: "... regulamentou, por muito tempo, o exercício do direito de greve, impondo tantas limitações e criando tantas dificuldades, a ponto de ter sido denominada por muitos juslaboristas como a Lei do delito da greve e não a Lei do direito da greve.”5
Em 1967, a Constituição assegurou a greve aos trabalhadores do setor privado, porém manteve a proibição nos serviços públicos e atividades essenciais.
A Constituição de 1988, também conhecida como Constituição Cidadã, trouxe como novidade a elevação do direito de greve ao patamar de direito constitucional fundamental. Conforme disposto no Art. 9° “É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender”. Entretanto, no mesmo artigo, o legislador deixou uma lacuna que dá margem a entendimentos contraditórios sobre o tema, como no § 1º onde se lê que “A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” e, no § 2º , que “Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei”.
Diante dessas disposições as opiniões dividiram-se. A maioria dos doutrinadores seguiu o posicionamento do STF - Supremo Tribunal Federal no sentido de tratar-se de norma de eficácia limitada, o que condicionaria o exercício do direito de greve à edição de lei regulamentadora. Foi o que se verificou no julgamento do Mandado de Injunção nº 20:
O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em consequência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição – para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional.[...] (STF- Pleno – Mandado de Injunção n.º 20 – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 22 nov. 1996, p. 45.690).
Outros doutrinadores entenderam que é justamente a falta de regulamentação que garante o direito de greve no serviço público. Conforme argumento de Celso Antônio Bandeira de Melo (2006, p. 262) “mesmo à falta da lei, não se lhes pode subtrair um direito constitucionalmente previsto, sob pena de se admitir que o Legislativo ordinário tem o poder de, com sua inércia até o presente, paralisar a aplicação da Lei Maior, sendo, pois, mais forte do que ela”.
O fato é que a despeito de haver ou não o direito de greve elas não deixam de ocorrer e, no caso específico dos servidores públicos, acabam por deixar parcela considerável da população a mercê de uma prestação de serviço deficitária.
Com a finalidade de diminuir os impactos causados pela falta de regulamentação da Lei de Greve, no julgamento do Mandado de Injunção nº 7126, o relator, ministro Eros Grau, defendeu a utilização da lei que rege o direito de greve dos trabalhadores do setor privado.
Valendo-se da afirmação do Ministro Celso de Mello, no mesmo documento, o relator expôs que “... a inexistência da lei complementar reclamada pela Constituição reflete, de forma veemente e concreta, a inobservância, pelo Poder Legislativo, dentro do contexto temporal referido, do seu dever de editar o ato legislativo em questão, com evidente desapreço pelo comando constitucional, frustrando, dessa maneira, a necessidade de regulamentar o texto da Lei Maior, o que demonstra a legitimidade do reconhecimento, por esta Suprema Corte, da omissão congressual apontada”.
Este posicionamento foi compartilhado por outros ministros presentes, possibilitando a votação favorável da maioria dos membros. Com isso, o novo entendimento da Suprema Corte foi no sentido de que os servidores públicos deveriam exercer o direito de greve utilizando os dispositivos da Lei n.º 7.783/897 com algumas limitações e alterações.
Embora grande parte da doutrina e da jurisprudência tenha se mostrado favorável à ampliação do alcance da lei, na resolução de casos concretos ela apresentou alguns obstáculos como a proibição de greve dos servidores públicos em decorrência da falta de regulamentação e a definição do que seriam os serviços essenciais.
Na visão de muitos doutrinadores, pela própria natureza que os constituem, todos os serviços públicos deveriam ser considerados essenciais. Entretanto, de acordo com o Art. 10, Parágrafo único “São necessidades inadiáveis da comunidade aquelas que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.” Neste mesmo artigo são elencados alguns exemplos de serviços ou atividades essenciais tais como transporte coletivo, controle de tráfego, telecomunicações, assistências médica e hospitalar, entre outros.
Também o Código de Defesa do Consumidor8, em seu artigo 22, caput, faz referência aos serviços essenciais. Quando trata do princípio da continuidade expõe que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionarias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”
A posição do STF sobre a existência ou não de serviço essencial foi definida no julgamento do Mandado de Injunção - MI 670/ES. Nele ficou decidido que “no setor público, não se deve falar em ‘atividades essenciais’ ou ‘necessidades inadiáveis’, mas que as atividades estatais não podem ser interrompidas totalmente, sem qualquer condição, tendo em vista o princípio da continuidade dos serviços públicos”. 9
Na verdade, o que se percebe é que embora resguardado pela Constituição Federal, o direito de greve dos servidores públicos ainda encontra grandes obstáculos a superar. No caso dos militares a situação é ainda mais complicada haja vista que o próprio texto constitucional é claro na negação deste direito, como se lê no artigo 142, §3º, inciso IV, “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”.
O fundamento para tais proibições advém do fato de que os militares são tipificados pela Constituição como uma categoria diferente à dos servidores públicos, haja vista desempenharem papel fundamental na manutenção da ordem pública e na defesa dos interesses do Estado, como se pode depreender através do comentário de Alexandre de Moraes: “em face das funções a eles cometidas pela Constituição Federal, relacionadas à tutela da liberdade, da integridade física e da propriedade dos cidadãos”.10
Cabe ressaltar que além da disposição constitucional no âmbito das instituições militares, fundadas na hierarquia e na disciplina, a greve é concebida como algo fora de cogitação, podendo a desobediência e a insubordinação à ordem de superior hierárquico ser enquadradas no crime de motim11, admitindo-se para tal a pena de reclusão.
Tomando como exemplo os bombeiros fluminenses, antes de cogitarem a greve propriamente dita, guarda-vidas e alguns representantes do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro12 realizaram um protesto com o objetivo de serem recebidos pelo governo estadual para discutir questões trabalhistas.13 Não obtendo o resultado esperado, o movimento prosseguiu, culminando na decretação da prisão preventiva de seus líderes, sob a acusação de incitamento à prática de crimes militares, tais como o descumprimento de missão, a deserção e desobediência.
A prisão acabou sendo revogada pela Justiça Militar estadual, sob a alegação de que a só ocorreu para garantir a ordem pública, ameaçada pelos descumprimentos de missão, como dos guarda-vidas nas praias e de atos de sublevação. Embora o parecer tenha considerado as reivindicações como legítimas, foi ressaltado que a luta por tais direitos "não pode sobrepor-se à vida do cidadão, que passou a não poder contar com serviços essenciais à defesa civil, tanto nas cidades quantos nas praias, bem como passou a sofrer com transtornos em seu cotidiano, destacando-se o fechamento de vias essenciais à capital fluminense.” Tais argumentos mostraram a colocação da ordem pública e a prestação de serviços acima do direito fundamental de liberdade, o que somado à falta de diálogo, acabou fortalecendo o movimento e a decisão pela paralisação das atividades, em junho de 2011.
Se a greve fosse realizada por militares das forças armadas, por exemplo, que tratam da defesa do Estado propriamente dito, talvez a paralisação não mexesse tanto com a opinião pública haja vista que não afetaria o quotidiano da sociedade. De modo contrário, no caso dos bombeiros os cidadãos não apenas necessitam do profissional em diversas situações (busca e salvamento em enchentes, deslizamentos de terra, desabamentos, socorro florestal e meio-ambiente, salvamento marítimo, ações comunitárias, controle e fiscalização de eventos de diversões públicas, socorro de emergência ao cidadão, etc.), como também existe uma população carente para a qual os serviços prestados no atendimento médico pré-hospitalar em vias e logradouros públicos, assim como na transferência de pacientes entre unidades de saúde pública, representam muitas das vezes a única chance de sobrevivência. Talvez esses tenham sido os principais fatores que levaram a população a prestar maior atenção e apoiar os militares após a invasão do Quartel General do Corpo de Bombeiros14
Outro aspecto relevante deste caso foi a transmissão das imagens pelos meios de comunicação, pois além de informar ao público sobre os acontecimentos explicitou a normatividade posta em prática através da ação policial. Ou seja, a Polícia Militar agiu em conformidade com a ordem do governo estadual para conter um ato ilegal, no caso, a greve dos militares, por todos os motivos expostos anteriormente.
O pronunciamento do governador do estado, referindo-se aos manifestantes como vândalos e qualificando a invasão como um ato abominável e intolerável, demonstrou que ainda existe um modo de pensar e agir que distanciam, em maior ou menor grau, os servidores públicos e os militares da fruição ampla de todos os direitos fundamentais. Assim, de uma hora prá outra, uma questão inicialmente restrita ao Corpo de Bombeiros e ao executivo estadual envolveu outros setores da sociedade, trazendo à discussão a normatividade das regras e princípios constitucionais, os limites de ação dos poderes do Estado e o papel da sociedade na construção de um país verdadeiramente Democrático e de Direito.
3.2. ABORDAGEM CONSTITUCIONAL
Um dos grandes desafios do judiciário na atualidade tem sido a realização da justiça em sistemas normativos fundados por elementos de lógicas de interpretação contraditórias como as regras e os princípios. Não obstante a importância das normas positivadas para a segurança do arcabouço jurídico, a valorização crescente da retórica e do argumento pelos tribunais tem sido uma importante ferramenta de reaproximação entre direito e ética e de reformulação de concepções e procedimentos capazes de tornar exequíveis novos direitos individuais e coletivos.
A greve e a prisão dos 439 bombeiros militares do Rio de Janeiro são fatos que permitem discutir e refletir acerca da nova epistemologia constitucional, através da qual os intérpretes do Direito buscam solucionar os casos difíceis do mundo contemporâneo. Considerando que a greve é um direito fundamental da pessoa humana, que pressupõe a melhoria das condições sociais do homem trabalhador e a valorização de sua dignidade, a sua proibição a qualquer categoria profissional dever-lhes-ia garantir, em contrapartida, condições para a ela não precisar recorrer.
No Brasil, a inércia diante da regulamentação do direito de greve do servidor público, a vedação para os militares e o descaso diante das necessidades básicas do trabalhador revela que ainda hoje há profundas dicotomias em relação ao reconhecimento dos direitos fundamentais para todos os cidadãos. Contudo, partindo da premissa de que os direitos percorrem caminhos de avanços e retrocessos, conhecer um pouco de sua evolução pode contribuir para uma melhor compreensão do mundo em que se vive.
Os direitos fundamentais15 desenvolveram-se associados ao reconhecimento e à proteção da dignidade da pessoa humana, à necessidade de limitação de poder do Estado ou à prestação de serviços e garantias através dele. A fim de explicar sua evolução ao longo da história, os doutrinadores costumam utilizar o termo gerações.
Os direitos de primeira geração referem-se aos direitos civis e políticos do homem face ao poder do Estado absolutista. Refletindo o pensamento liberal do fim do século XVII, limitaram o poder estatal, impondo-lhe a obrigação de prestações negativas, de não fazer nada além do que for requisitado pelo próprio indivíduo.
É o homem e não mais o Estado o verdadeiro titular e destinatário de todas as manifestações de poder, de onde tudo principia e para onde se dirige.
Após a Segunda Guerra Mundial, em decorrência das atrocidades cometidas pelos regimes totalitários16 e pelo perigo de um mundo marcado pela bipolaridade entre Estados Unidos e União Soviética, onde os dois países lutavam pela hegemonia do planeta, surgiu uma nova geração de direitos.
Os direitos fundamentais da segunda geração referem-se aos direitos sociais, culturais, econômicos e aos direitos coletivos. A essencialidade destes direitos reside na função prestacional do Estado perante o indivíduo principalmente na assistência social, na educação, na saúde, na cultura e no trabalho. Um importante desdobramento desta nova fase é que nela surgem os direitos dos trabalhadores, as liberdades de sindicalização e o direito de greve.
A partir deste momento, o homem desperta para o fato de que tão importante quanto a preservação da liberdade, amplamente defendida pelo individualismo do pensamento liberal, também se faz necessário proteger as instituições, a participação social e o valor da pessoa humana.
No final do século XX, em meio ao processo de descolonização do segundo pós-guerra e de grandes avanços tecnológicos, surge a 3ª geração de direitos fundamentais. De natureza humanista e universal, são direitos que não se destinam unicamente à proteção do indivíduo, mas da coletividade. Configuram-se como direitos de solidariedade ou fraternidade, e tratam de questões voltadas ao desenvolvimento, à paz, à proteção do meio ambiente, à propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e à comunicação.
Em síntese, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
EMENTA Enquanto os direitos de 1ª geração (direitos civis e políticos)- que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de 3ª geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados, enquanto valores fundamentais indisponíveis, pela nota de uma essencial inexauribilidade” (STF, Pleno, MS 22164/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ1, de 17.11.1995, p.39206).
Ainda em construção, a quarta geração dos direitos fundamentais refere-se a questões relacionadas com as alterações do comportamento humano, com as clonagens, alimentos transgênicos, informática, direito à informação, à democracia, ao pluralismo etc. Nas palavras de José Afonso da Silva,
o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem em enunciados explícitos nas declarações de direitos, é coisa recente, e está longe de se esgotarem suas possibilidades, já que a cada passo na etapa da evolução da Humanidade importa na conquista de novos direitos. Mais que conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira em proprietários e não proprietários.17
Nos dias atuais, os direitos fundamentais estão cada vez mais presentes nos tratados internacionais e, com isso, vão sendo internalizados gradativamente no ordenamento jurídico dos Estados. Indubitavelmente, isto significa um comprometimento maior dos Estados com a comunidade internacional no sentido de dignificar as condições de vida do homem, através do respeito aos seus direitos, independentemente de nacionalidade, gênero, raça, religião, idade, cor, posição social ou econômica.
No Brasil, os direitos fundamentais aparecem dispostos ao longo do texto constitucional, de forma explícita, ou implicitamente, representando o compromisso ideológico e doutrinário dos constituintes com o Estado Democrático de Direito, como se pode ler no preâmbulo:
para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça, como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias...
O constituinte de 1988 consagrou a dignidade da pessoa humana como valor primordial de unidade e coesão do texto constitucional, com a perspectiva de servir de diretriz para a interpretação de todas as normas que o constituem. Nesse estudo foram elencados inúmeros direitos e garantias individuais, sendo a alguns outorgados o patamar de cláusulas pétreas, conforme o art. 60, § 4º, inciso IV, priorizando assim, os direitos humanos.
Como se pode depreender pelo artigo 1º, que trata do princípio da cidadania e da dignidade da pessoa humana, não há Estado Democrático de Direito sem direitos fundamentais, nem direitos fundamentais sem democracia, devendo estes direitos ser garantidos pelos princípios da liberdade e da igualdade imprescindíveis para a efetividade da dignidade da pessoa humana.
No artigo 3º a Constituição se refere aos objetivos do Estado brasileiro, que se constituem na estruturação de “Uma sociedade livre, justa e solidária; na garantia do desenvolvimento nacional; na erradicação da pobreza e na redução das desigualdades sociais e regionais; e na promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
A Carta Magna se reveste de inovações ao inserir no seu Título II os Direitos Sociais que, sob a égide das constituições anteriores se encontravam espalhados ao longo de seus textos, demonstrando com isso, a intenção do legislador constituinte sobre a vinculação dos mesmos com os direitos individuais.
No art. 5º, parágrafo 1º, a Constituição inova ao dispor de aplicabilidade imediata as regras definidoras dos direitos e garantias fundamentais, o que significa uma execução instantânea derivada da própria constituição, com a presunção de norma pronta, acabada, perfeita e auto-suficiente. No mesmo artigo, quando o parágrafo 2º diz que “Os direitos e garantias expressos nesta constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais de que a República Federativa do Brasil seja parte.” torna possível a existência de outros direitos e garantias fundamentais inseridos ao longo do texto constitucional, assim como permite que direitos e garantias decorrentes de tratados internacionais recebam o mesmo tratamento dos direitos fundamentais e terem aplicabilidade imediata no direito interno.
O artigo 9º da Constituição dispõe que “é assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Contudo, como exposto anteriormente, no mesmo texto constitucional o artigo 142, §3º, inciso IV, determina que “ao militar são proibidas a sindicalização e a greve”, mostrando que há sim um tratamento diferenciado entre os cidadãos muito embora respaldado pelo fato de submeterem-se os militares às regras de um Regimento Interno Próprio.
No caso específico dos bombeiros do Rio de Janeiro, à discussão sobre o direito de greve somaram-se violações a outros direitos, fazendo com que logo depois das prisões o fossem movidas ações por diversos setores da sociedade. Num primeiro momento, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro negou um pedido de Habeas Corpus para os bombeiros, com base no artigo 149 do Código Penal Militar, pelo qual a desobediência e a insubordinação à ordem de superior hierárquico por grupo de militares pode ser considerada motim, admitindo-se a pena de reclusão. Logo em seguida concedeu Habeas Corpus impetrado por alguns deputados federais18 , sob a alegação de que o pedido de prisão, feito pela Defensoria Pública do estado, fora indeferido pela Auditoria da Polícia Militar. Tal pedido chamou a atenção para a falta de documentação no local em que os manifestantes estavam presos e a inadequação das instalações prisionais, restritas à quadra de esportes ou em espaços muito reduzidos.
Após a libertação, os bombeiros continuariam respondendo à ação penal militar19 pelos crimes de motim, dano em material ou aparelhamento de guerra, dano em aparelhos e instalações de aviação e navais, e em estabelecimentos militares e a processo administrativo20.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho revelou que embora ainda não haja regulamentação ao direito de greve dos servidores públicos e nem mesmo seja conferido aos militares a greve ocorre, tendo como justificativa ser um instrumento de reação a atos que impliquem direta ou indiretamente em desrespeito à dignidade da pessoa humana.
Por tratar-se de direito fundamental, a distinção entre o direito de greve do trabalhador da iniciativa privada e a do servidor público e do militar, embora todos os argumentos relacionados à essencialidade dos serviços públicos e a especificidade das instituições militares, dá margem a diferentes entendimentos e posicionamentos sobre o alcance e aplicabilidade deste direito.
Embora a Constituição de 1988 tenha proclamado, de forma abrangente, os direitos e garantias fundamentais do homem, diante da inércia legislativa, o Poder Judiciário acaba sendo chamado a solucionar os conflitos individuais e coletivos, tomando as rédeas da situação e regulamentando, supletivamente, os dispositivos constitucionais.
Em linhas gerais, a greve dos bombeiros militares do Estado do Rio de Janeiro representa as dicotomias e paradoxos de um país que se diz Democrático e de Direito, mas que trata seus cidadãos de forma desigual, sem a devida preocupação com os objetivos da Constituição da República. A participação da sociedade em prol da causa dos bombeiros é uma demonstração de que ainda há um quê de solidariedade e de reflexão acerca do bem comum e de que a tomada de consciência de que o movimento social e a participação política do indivíduo são imprescindíveis na construção de um Estado justo.
5. REFERÊNCIAS
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1A prisão ocorreu no dia 04 de junho de 2011, na cidade do Rio de Janeiro.
2 Geralmente, as reuniões dos trabalhadores ocorriam na Place de Grève, em Paris, local onde se acumulavam gravetos trazidos pelas enchentes do rio Sena. Daí o termo grève, originário de graveto.
3 Era considerado crime o incitamento dos funcionários à paralisação coletiva dos serviços, o induzimento à cessação ou suspensão do trabalho e a paralisação coletiva por parte dos funcionários públicos.
4 Decreto-lei n° 1.237, de 02 de maio de 1939.
5 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos. Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 54, 1 fev. 2002. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2612>. Acesso em: 24 set. 2011.
6 Impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder Judiciário do Pará, com o objetivo de dar efetividade à norma inscrita no artigo 37, inciso VII, da Constituição do Brasil.
7 Lei n.º 7.783, de 28 de junho de 1989,
8BRASIL. Lei nº 8.078, de 11/09/90, dispõe sobre a proteção do consumidor.
9BRASIL. Ministro Castro Meira. Julgamento da greve da Justiça Eleitoral, conforme publicação no site: http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=98028. Acesso em 19 set. 2011.
10 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e Legislação Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006.
11 Código Penal Militar – Parte Especial, Livro I, Título II - Dos Crimes Contra a Autoridade ou Disciplina Militar
12 Criado pelo Decreto Imperial 1775, de 02 de julho de 1856, o Corpo Provisório de Bombeiros da Corte, ou como conhecemos hoje, Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro, é um dos primeiros serviços públicos criados no país. Como a Polícia Militar, é definido no § 6º Art. 144 da Constituição Federal como força auxiliar e reserva do Exército, estando sujeito a códigos de conduta militares. De acordo com o § 5º, do mesmo artigo, “aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.
13 Manifestação ocorrida na orla de Copacabana, em 18 de abril de 2011. Além de reivindicar o aumento do piso salarial de R$ 950 para R$ 2.000 mil, os manifestantes reclamavam da precariedade das condições de trabalho como falta de nadadeiras, boia para salvamento, máscaras de ventilação para uso em afogamentos e binóculos; viaturas, jet-skis e quadricíclos insuficientes; postos de salvamento inadequados; escala de trabalho prejudicial à saúde; alojamentos inadequados ou inexistentes; quanto ao não fornecimento de filtro solar ou a distribuição do produto com validade vencida, foi levantada a questão das confirmações de casos de câncer de pele em membros da corporação.
14 No dia 04 de junho de 2011, manhã seguinte à invasão dos bombeiros, usando bombas de efeito moral e bombas de gás lacrimogêneo, a tropa de Choque da Polícia Militar e policiais do Batalhão de Operações Especiais – BOPE - invadiram o quartel e prenderam 439 grevistas que ainda permaneciam local. Segundo noticiários, houve caso de intoxicação em crianças e adultos feridos.
15 Os direitos fundamentais resultam de um movimento de constitucionalização que começou nos primórdios do século XVIII. Foram incorporados ao patrimônio comum da humanidade e são reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948.
16 Fascismo italiano, Nazismo alemão e Stalinismo soviético.
17 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 19 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
18 Alessandro Molon (PT-RJ), Protógenes Queiroz (PCdoB-SP) e Aloizio dos Santos Junior (PV-RJ)
19Em 28/06/2011, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou o Projeto de Lei 664/11 concedendo anistia administrativa aos bombeiros.
20Em agosto/2011, senadores aprovaram o projeto de lei do senado (PLS 325/11) concedendo a anistia criminal. Em 20/09/11 a Câmara dos Deputados também aprovam e enviam para sanção presidencial.
Publicado por: ANA CLAUDIA DA SILVA PITANÇA
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