DEPOIMENTO SEM DANO : UMA ANÁLISE PSICOLÓGICA E CRIMINAL

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1. RESUMO

Este trabalho monográfico aborda, o denominado Depoimento sem Dano, procedimento pelo qual visa a obtenção de testemunhos de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual. Trata-se de um método que busca trazer maior conforto e estruturas adequadas para o acolhimento de provas, e real exposição dos fatos ocorridos, sem que haja uma nova revitimização desses sujeitos. Considerando, ainda, um meio de afastar a “síndrome do segredo”, que impede na maioria dos casos, que a criança acometida de medo, vergonha e traumas deixe de revelar o ocorrido, criando um ambiente específico para que possam relatar todo o ocorrido. Assim, para que não haja novos constrangimentos, e com o fim de preservar a integridade física e psicológica desses indivíduos, o depoimento especial encontra respaldo em Lei e doutrinas atuais. Para isso, este trabalho objetiva uma pesquisa nas principais características deste método, bem como os obstáculos que são enfrentados neste tipo de inquirição, trazendo o posicionamento de alguns doutrinadores, juízes, promotores, psicólogos e estudiosos do caso.

Palavras-chaves: Abuso sexual infantil. Revitimização. Depoimento sem dano.

ABSTRACT

This monograph essay approaches the named “Depoimento sem Dano”, a procedure that aim to get children and teenagers sexual abused victims’ witnesses. It is about a method that pursuit to bring more confidence and adequate structure to embrace evidences and a real exposition of the occurred fact without a new revictimization of the suffered ones. Still, considering a way to push the “Síndrome do segredo” that blocks the children to relate what really has happened to them. In most of the cases, they cannot speak because they are afraid, ashamed and traumatized. Therefore, to prevent future embarrassments and to preserve the children’s physical and psychological integrity, the special deposition is an option and finds support in the actual law and principles. This report looks forward to bring the principal characters of this method and the obstacles, which are part of this kind of questioning as well. In addition, it is mentioned some doctrinators, judges, prosecutors, psychologists and academics opinion about the discussed topic.

Key-words: Child sexual abuse. Revictimization. Testimony without harm.

2. INTRODUÇÃO

Com frequente aparição nas mídias e pesquisas sociais, verificamos com insurgência a violência contra crianças e adolescentes em todas as partes do país, esta que se dá geralmente na forma de maus tratos, podendo ser classificados em negligência, abuso físico, abuso sexual e abuso psicológico.

Dentre os piores fatores que compõem o universo destes crimes, destacam-se a prática no âmbito intrafamiliar, e ainda, aliado à condição de fragilidade e dependência intrínsecas à infância, fazem com que a manutenção desta prática delitiva ocorra longe do conhecimento das esferas jurídicas com poder para cessá-la e puni-la.

Diante das variáveis formas de violência às quais as crianças e adolescentes estão expostos, o abuso sexual tem sido ainda o mais discutido, verificado sua grande incidência e gravidade que possam causar às vítimas (cerca de 170 jovens por dia no Brasil - 80% deles com menos de 12 anos de idade).1

Associado à isto, surge a necessidade de medidas à serem tomadas pelo Estado, em busca de formas para punir e, mais ainda, garantir a segurança física e psíquica de crianças e adolescentes que venham a sofrer algum tipo de abuso ou violência sexual.

Além disso, é de se notar a dificuldade enfrentada pelo sistema Judiciário, diante da inadequação de métodos inquisitórios específicos para crianças, com consequente prejuízo processual naquilo que se refere ao conjunto probatório.

A Constituição Federal de 1988, em conjunto com o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90), assegura à todos direitos e garantias no âmbito criminal. No entanto, a omissão é evidente, tendo em vista que não é um método muito utilizado, verificando ainda, que a Lei 13.431/17 surgida recentemente, renova o sentido dos dispositivos constitucionais já existentes e precisa de muito cuidado para ser utilizada de forma eficaz.

Assim, novos posicionamentos trazem à tona o método de redução dos danos durante a produção de provas em processos judiciais, sobretudo nos crimes contra a liberdade sexual.

É neste contexto, que surgiu o Depoimento sem Dano, iniciativa do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul, representado pelo Magistrado Dr. Antônio Daltoé Cezar, da 2ª Vara da Infância e Juventude de Porto Alegre, como meio alternativo de adquirir a oitiva da vítima, respeitando, assim, os princípios da ampla defesa e contraditório, e mais que isso, a dignidade da pessoa humana, assegurando o justo julgamento e preservação psicológica da criança.

A importância deste método se dá nos benefícios processuais e psicológicos advindos de sua aplicação, de modo a extrair a verdade real dos fatos.

Método este que altera o local de acolhimento do depoimento, construindo um novo ambiente direcionado às crianças, acompanhado de um profissional capacitado. Forma-se, assim, um cenário de segurança e conforto, levando à uma sensível redução na possibilidade de danos ao depoente, contribuindo para a coleta de informações sem que ocorra um dano secundário.

Estes apontamentos, e demais carcterísticas deste método serão abordados adiante.

3. O CRIME DE ABUSO SEXUAL INFANTIL

3.1. A Violência, Síndrome do Segredo e Questões Psicológicas

A violência sexual ou exploração sexual, conceituada genericamente, significa “o ato sexual, relação hetero ou homosexual entre adulto e criança ou adolescente, objetivando utilizá-la para obter uma estimulação sexual.” 2

É também definida como:

[…] envolvimento de crianças e adolescentes, dependentes e imaturos quanto ao seu desenvolvimento, em atividades sexuais que não têm condições de compreender plenamente e para as quais soam incapazes de dar o consentimento informado ou que violam as regras sociais e os papéis familiares. Incluem a pedofilia, os abusos sexuais violentos e o incesto, sendo que os estudos sobre a freqüência sexual violenta são mais raros do que os que envolvem violência física. O abuso pode ser dividido em familiar e não familiar. Aproximadamente 80% são praticados por membros da família ou por pessoa conhecida confiável, sendo que cinco tipos de relação incestuosa são conhecidas: pai-filha, irmão-irmã, mãe-filho, pai-filho e mãe-filha. 3

Na dinâmica do abuso sexual infantil, Azambuja (2004) pontua que é comum que ocorra a retratação, negação ou dissociação, o que contribui para a perpetuação da violência por longo tempo e impede a sua revelação, fortalecendo a Síndrome do Segredo Familiar. Esta por sua vez, está diretamente ligada com a psicopatologia do agressor (pedofilia) que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em uma teia de segredo, mantido com base em ameaças e barganhas à criança ou adolescente abusado (Habigzang et al., 2005).

Na revisão de Baía et al. (2013), a negação acontece quando a criança ou adolescente relata não ter sido abusado sexualmente, mesmo com a existência de evidências físicas e testemunhais que comprovem o fato. Já a retratação, refere a situações onde a criança ou adolescente declara ter sofrido o abuso sexual, mas posteriormente em nova declaração nega ter sofrido a violência.

Furniss (2002) afirma que o segredo, compartilhado entre vítima e abusador, envolve mecanismos de interação peculiares expressos pelo contexto em que ocorrem os abusos, pela transformação da pessoa de confiança em abusador e por rituais de entrada e saída, que conduzem a anulação do abuso na própria interação abusiva.

Está diretamente ligada ao repúdio social intenso que o agressor pode gerar devido ao fato de sua psicopatologia ser a pedofilia.

O que leva a criança ou o adolescente, vítima do abuso, a calar-se pode ser a culpa por ter participado da interação sexual, o medo das conseqüências e da desintegração familiar. É primordial ressaltar que a criança pode sentir forte apego pelo abusador, com quem mantém vínculo parental importante, e muitas vezes único.

Como observa-se:

Outros depoimentos de vítimas mostram dificuldade ainda maior do que o constrangimento e o medo de denunciar nesse tipo de interrogatório. Em São Paulo, uma menina de 11 anos tentou dizer à mãe que havia sido vítima do tio, mas apenas sua professora conseguiu entendê-la. A menina era deficiente auditiva e tinha dificuldade na fala.4

Em seu livro Psicologias, Ana Bock5, doutora em Psicologia Social, afirma que a família, como lugar de proteção e cuidados, é, em muitos casos, um mito. Muitas crianças e adolescentes sofrem ali suas primeiras experiências de violência: a negligência, os maus-tratos, a violência psicológica, a agressão física, o abuso sexual.
Ainda, o abusador muitas vezes culpa a criança pela responsabilidade do ocorrido ou ainda pelas conseqüências caso ela venha a revelar o abuso, dessa forma, a responsabilidade que sente pela prática abusiva, soma-se ao sentimento de culpa, constituindo elementos que mantém a “Síndrome do Segredo”.

O objetivo principal, portanto, é desfazer este impedimento, criar um meio de relatar os fatos ocorridos,sem prejudicar o sentimento da vítima e fazê-la se sentir culpada. Para isso, encaixa-se o depoimento sem dano, meio de preservar a estrutura psíquica da criança, com o escopo de contribuir com toda formação processual.

O impacto negativo do abuso sexual para o desenvolvimento cognitivo, social e afetivo é demonstrado por vários estudos. Verifica-se,portanto, certas restrições ao crescimento saudável da criança, o que acaba por afetar, na maioria das vezes, sua estrutura mental.

Como observa-se:

“O processo de desenvolvimento da personalidade ocorre quando, a fixação previa do desenvolvimento infantil do individuo, soma-se ao trauma do abuso. Nessas situações podem ocorrer doenças psiquiátricas como: transtorno do stress pós-traumático, transtorno boderlaine e antissocial de personalidade, depressão, usam de drogas, delinquência, prostituição e distúrbios ligados à sexualidade do individuo”.6

Pode ser observada mudança súbita de comportamento, apresentando distúrbios alimentares e afetivos, conduta hipersexualizada ou delinqüente, fugas do lar, diminuição no rendimento escolar, masturbação exacerbada, inibição acentuada, uso de drogas.

Também podem apresentar medo, quadros de depressão, transtornos de ansiedade, alimentares, dissociativos, hiperatividade e déficit de atenção e transtorno de personalidade borderline, fobias e ideação paranóide, perda de interesse generalizada, isolamento social, déficit de aprendizagem e de linguagem, baixa auto-estima, fugas, idéias suicidas, homicidas e automutilação.

A psicopatologia decorrente do abuso sexual mais citada é o transtorno do estresse pós-traumático. Neste caso, ocorre um distúrbio de ansiedade caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e emocionais. Quando a vítima se recorda do fato, revive o episódio como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma sensação de dor e sofrimento vivido na primeira vez. Essa recordação, conhecida como revivescência, desencadeia alterações neurofisiológicas e mentais.

Ainda,“dados apontam que cerca de 20% a 30% das crianças maltratadas tornar-se-ão os adultos violentos, confirmando que o abuso sexual é um fenômeno transgeracional.7, considerando que o fenômeno transgeracional é aquele que “ perpassa todas as classes sociais, sem distinção de raça, cor, etnia ou condição social.” 8

Como visto, o crime sexual contra crianças e adolescentes, na maioria das vezes cria uma situação de trauma e pertubação, o que faz com que esses indivíduos deixem de relatar a veracidade da situação para seus familiares ou alguem que poderia eventualmente ajudá-los.

Assim, verifica-se a ausência de meios que tragam maior facilidade de narração do ocorrido e, ao mesmo tempo, contribua para o desenvolvimento do processo judicial, sem afetar a veracidade dos fatos.

Neste meio, surge a ideia do Depoimento Especial, como uma forma de amenizar o descômodo que ocorrerá nas narrativas e reconstrução da situação vivida sem constranger outra vez a vítima.

Surge, portanto, um mecanismo seguro para que as crianças possam efetivamente relatar os acontecimentos, sem se preocupar com alguma situação que possa constrangê-la, ou que faça com que encubra alguma informação importante.

Também, para que sintam-se confortáveis e mais confiantes em contar o ocorrido para um profissional especializado, do que, ser interrogado diante de seu suposto agressor, por um juiz, que muitas vezes não possui os cuidados com o vocabulário a ser utilizado.

Como expemplifica a juíza Cristiana de Faria Cordeiro (7ª Vara Criminal de Nova Iguaçu e Mesquita):

[...] A falta de sensibilidade que ocorre, por vezes, durante a oitiva de uma criança ou adolescente vítima de abuso. É muito sofrimento para as crianças. Fazem perguntas terríveis: ‘Porque você não gritou? Porque você estava ali? Porque você não correu? Porque não falou antes?’”

Com o método do depoimento, a exposição dos acontecimentos e a memória do abuso se tornam menos prejudiciais, ao serem relatadas de forma a não afetar, novamente, a estrutura psicológica das crianças.

Dessarte, o depoimento sem dano, apresenta-se na oitiva das crianças e adolescentes que foram atingidos, como uma maneira de deixar essa situação menos dolorosa.Todo o contexto e demais definições sobre este tema serão verificadas adiante.

4. DEPOIMENTO SEM DANO

4.1. Definição e Objetivos Do Método

Primeiramente, o que é o depoimento sem dano? Quais são os objetivos propostos neste método?

Estes serão os principais pontos abordados neste capítulo.

Para isso, deve-se observar que todo o contexto tratado no primeiro capítulo foi importante para definir a essência deste método - depoimento especial- tendo em vista o cuidado que deve ser tomado para discutir com crianças e adolescentes sobre seus traumas mais intensos e para que possam contribuir de maneira eficaz em seus depoimentos, sem serem novamente atingidos.

Podemos definir depoimento sem dano, como uma tentativa de tornar as oitivas dos menores vítimas de abuso sexual menos dolorosa. Assim, as audiências comuns seriam substituídas por conversas com profissionais especializados em tratamentos que envolvam o psicológico da criança.

“Por favor, me deixa. Não me pergunta mais nada sobre isso. Eu queria esquecer” - depoimento de uma garota de 8 anos registrado em um dos processos da Delegacia de Proteção da Criança e do Adolescente de Goiânia.9

Como explica as autores da Obra Depoimento sem Medo10:

“O desconforto e o estresse psicológico que crianças e adolescentes vítimas de violência sexual sofrem durante a oitiva no sistema processual vigente, em grande medida decorrentes de um emanharado de sentimentos e complexos, reiteradas vezes contraditórios, de medo, vergonha, raiva, dor e ressentimento, têm sua origem, em grande medida, em uma cultura adultocêntrica e formalista das práticas judiciais tradicionais. Esse desconforto, por sua vez, está na base da dificuldade que crianças e adolescentes experimentam ao prestar e sustentar seus depoimentos durante as várias fases da investigação. A dificuldade de obtenção de provas consistentes é parcialmente responsável pelos baixos índices de responsabilização de pessoas que cometem violência sexual contra crianças e adolescentes. Dessa maneira, o desconforto, o estresse psicológico e o medo que crianças e adolescentes sentem ao depor em processos judiciais, conectam-se com a impunidade.”

Neste sentido, a juíza Cristiana de Faria Cordeiro expõe: “[…] É uma revitimização da criança. Ela foi vítima uma vez e, quando chega ao Poder Judiciário, ao invés de se sentir acolhida, ela se sente acuada e pressionada”,

4.2. O histórico do Projeto no Brasil

Com o intuito de contribuir para a redução do dano causado às crianças vítimas de abuso sexual, evitando que estas sejam submetidas a um novo trauma, bem como viabilizar a conduta dos agressores e encorajar as denúncias deste tipo de crime, surgiu o chamado depoimento sem dano ou depoimento especial.11

Neste contexto, com a possibilidade de crianças e adolescentes serem inquiridos de forma adequada e condizente, sem serem submetidas a um processo de revitimização, nasceu em 2003, no 2º Juizado da Infância e Juventude de Porto Alegre/RS, a técnica do depoimento sem dano, (chamado de DSD).

O método surgiu por iniciativa do Desembargador, José Antônio Daltoé Cezar, na época, juiz de Direito. José relatou que enquanto juiz criminal se deparou com certas dificuldades por ocasião das “inquirições em juízo” de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual, na qual muitas das “informações prestadas na fase policial não se confirmavam em juízo”, sendo que tal fato criava “situações de constrangimento e desconforto para todos”, mas especialmente a criança e aos adolescentes, sendo que ao final as “ações terminavam, na sua maior parte, sendo julgadas improcedentes, com base na insuficiência de provas”. (Cezar, 2007, p. 60)

Cézar, então, buscou conhecimentos referentes à matéria na psicologia e psicanálise. E, a partir de então, formou um grupo de interessados no assunto, reunindo-se duas vezes por mês, para discutir a problemática sobre a inquirição de crianças e adolescentes em juízo.

Para levar a diante o tema, verifica a possibilidade de intervenção de outros profissionais na inquirição, como observou no filme norte- americano “ Atos Inqualificados” 12, porém não harmonizava este caso com a observância dos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

Situação esta que pareceu se solucionar coma leitura da obra de Veleda Dobke (2001)13, onde verificou- se a possibilidade de inquirição de crianças e adolescentes através da Câmara de Gesel14, de modo que os operadores do direito pudessem fiscalizar e participar do depoimento, possibilitando a resguarda dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

A autora explica que a inquirição na Câmara Gesell prescinde "da aquiescência da defesa técnica, pois as partes podem fazer perguntas à vítima, através do "expert", e o acusado, sem contato com a criança, estará junto ao seu defensor para as informações que quiser lhe transmitir".(DOBKE, 2001, p.93).

Surgiu, assim, um método piloto, consistindo em uma pequena sala para a inquirição de crianças e adolescentes, estando interligada à sala de audiências da 2ª Vara da Infância e Juventude.

A primeira audiência, realizou-se no dia 06 de maio de 2003, que gerou um custo inicial de aproximadamente quatro mil reais, e contando com este investimento, a Comarca de Porto Alegre no Rio Grande do Sul, recebeu um ambiente adequado para a realização deste tipo de audiência, equipado com câmera de segurança, computador, microfones, placa de captura de imagem e som, bem como suas respectivas instalações.

No ano de 2004, o método assumiu caráter institucional, obtendo o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul novos e modernos equipamentos para sala, possibilitando audiências mais eficientes.

De abril de 2003 até dezembro de 2005, quando o método completou trinta e dois meses de funcionamento, foram realizadas na 2ª Vara da Infância e da Juventude de Porto Alegre, através do Instrumento referido, 398 inquirições. (CEZAR, 2007, p.63)

Desta forma, apenas a Comarca de Porto Alegre no Rio Grande do Sul era detentora do ambiente propicio para a realização de tal audiência, até o crescimento deste modelo de depoimento se difundir nos outros estados.

Ressalta-se que o ambiente tornou-se totalmente adaptado para receber crianças e adolescentes, fazendo com que a tal técnica fosse implementada em outras comarcas, expandindo-se em outros tribunais e criando assim, um novo meio de escuta de crianças e adolescentes vítimas e testemunhas de abuso sexual. Necessário, agora, uma discussão sobre a efetivação deste sistema no território nacional, que será mencionado em tópico mais adiante.

Conforme ressalta Lelio Bentes – Conselheiro do Fórum Nacional da Infância e da Juventude (Foninj), o CNJ tem dedicado especial atenção ao tratamento das garantias constitucionais de crianças e adolescentes:

Na função de órgão central e de governança, tem a atribuição de definir políticas públicas de aprimoramento, implementação e sistematização dos incrementos em prol de um sistema jurídico prioritário, ágil e eficiente de proteção à infância e à juventude.

Atualmente, o país apresenta 124 salas de audiência sem dano. O total indica aumento de 285% desde 2011, quando balanço da ONG Childhood Brasil, listou 40 unidades em 16 estados.”15

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul (TJRS), o pioneiro na instalação das salas de depoimento especial em 2003, já contabiliza 25 salas instaladas na capital gaúcha e instalará mais 18 novos ambientes em comarcas do interior. A estimativa do TJRS é, ainda, equipar 25% das 164 comarcas de todo o estado com ambientes específicos para oitiva de crianças e adolescentes.

Com o tempo, desenvolveu-se maiores estudos e projetos de aplicação deste método até inserir-se em Lei.

Mais recentemente, surge a LEI nº 13.431, de 4 de abril de 2017, estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, trazendo importantes inovações, que será abordado mais adiante.

4.3. O Método de Depoimento em outros Países

Antes de chegar ao Brasil, este método já esteve presente em países como Espanha, Argentina, Chile e Estados Unidos, onde a entrevista é feita por organizações não governamentais.

Constata-se que 28 países adotam um método diversificado para a inquirição de crianças/adolescentes. Como verificado na tabela abaixo:

Tabela 1- Países mapeados por continente que realizam métodos alternativos de inquirição de crianças e adolescentes.16

América do Sul

Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru

28%

Europa

Espanha, Escócia, França, Inglaterra, Lituânia, Noruega e Suécia

28%

Ásia

Índia, Israel, Jordânia e Malásia

16%

América Central e Caribe

Costa Rica e Cuba

8%

América do Norte

Canadá e Estados Unidos

8%

Oceania

Austrália e Nova Zelândia

8%

África

África do Sul

4%


Como visto, o depoimento especial surgiu no Brasil em 2003, porém esta técnica já vem sendo aplicada há muito tempo em outros países, tais como: Argentina, França e países sul africanos.

As mais antigas datam da década de 1980, entre as quais estão aquelas registradas em Israel, Canadá e Estados Unidos. É importante observar que os países pioneiros iniciaram a busca de métodos alternativos de não-revitimização de crianças e adolescentes vítimas de violência (abuso e exploração sexual) antes mesmo da aprovação da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, um marco legal impulsionador de ações de defesa dos direitos da criança no mundo.

A prática do depoimento especial apresentou crescimento em ritmo lento até o ano de 2000 e uma aceleração de lá para cá. O número de experiências praticamente quadruplicou na primeira década do século XXI.

Na Argentina, o depoimento especial tem sido utilizado desde o ano de 2004, por ocasião da promulgação das alterações do Código Processo Penal Argentino, para que tal prática fosse possível, até mesmo manifestou-se um desacordo por parte dos psicólogos argentinos em relação à alteração da lei, especialmente por considerarem que o uso da Câmara de Gesell no contexto jurídico distorce o trabalho dessa categoria profissional.

A Câmara Gesell é um dispositivo criado pelo psicológo norte-americano Arnold Gesell (1880-1961) para o estudo das etapas do desenvolvimento infantil. Constituída por duas salas divididas por um espelho unidirecional, que permite visualizar a partir de um lado o que acontece no outro, mas não vice-versa, a Câmara Gesell passou a gozar de reconhecimento constitucional no que concerne à tomada de depoimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência sexual. No ambiente assim preparado, crianças e adolescentes são ouvidos pelas autoridades judiciais, empregando escuta especializada, realizada unicamente por um psicólogo. 17

Na tabela a seguir, observa-se alguns países que fazem uso deste dispositivo:

Tabela 2- Países que fazem uso da Câmara Gesell.18

América do Sul Argentina, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru

 

67%

 

América do Norte, Estados Unidos

 

11%

 

 

Europa, Espanha

 

11%

 

Oceania, Austrália

 

11%


O modelo argentino se diverge, por exemplo, do francês, na qual o depoimento sem dano não possui natureza obrigatória, mas sim preferencial, sendo que, a não opção pela gravação do depoimento deve se dar de forma fundamentada. Assim que se tem conhecimento de que uma criança foi vítima ou testemunha de um crime, esta é ouvida pela polícia de menores – brigade des mineurs, que é uma polícia especializada responsável por investigar todos os crimes que digam respeito à proteção à infância e adolescência. (FÁVERO, 2008).

Na África do Sul, como apontam Jonker e Swanzen (2006), um sistema de obtenção do testemunho infanto-juvenil é adotado desde 1993. Os autores descrevem a existência de procedimentos e condições semelhantes às que foram implantadas no Rio Grande do Sul, explicando que:

Um circuito fechado de televisão, um microfone e o intermediador formam a base do sistema. Há um receptor de televisão na sala principal do tribunal, e uma sala com uma câmera, que fica adjacente a esta sala principal do tribunal, acomoda a criança-testemunha e o intermediador. Este fica com fones de ouvido. Somente o intermediador ouve as perguntas, mas as pessoas presentes na sala do tribunal ouvem as respostas e qualquer coisa que se passe na sala da testemunha (Jonker & Swanzen, 2006: s/p).

Além disso, o profissional (psicólogo ou assistente social) encarregado de transmitir as perguntas poderia adequar as questões para que estas estivessem de acordo com o entendimento de uma criança, tomando cuidado para que não fosse alterado o sentido das perguntas, sendo o profissional, um intérprete do juiz.

Conclui-se que o processo penal está se modificando em várias partes do mundo, principalmente em função da interdisciplinaridade, com o que passa a ser uma obrigação, e não mera faculdade, que os operadores do Direito adaptem as técnicas jurídicas cristalizadas às efetivas necessidades sociais.

5. Sala De Oitiva

Conforme já mencionado, a oitiva da criança no método do depoimento especial é realizada em “espaço especialmente preparado para este fim, retirando os menores do ambiente hostil das tradicionais salas de audiências e evitar o enfrentamento com o acusado”.19

Em suma, essas salas são ambientadas de forma a conferir tranquilidade e segurança à criança dispondo, em sua maioria, de brinquedos, lápis de cor, jogos e demais recursos que contribuam para tal objetivo. Além disso, o local deve dispor de sistema de áudio e vídeo instalados, por meio do qual o magistrado, promotor e defensor podem interagir durante o depoimento, intermediado por profissional habilitado, seguindo metodologia elaborada para essa espécie de depoimento.20

Se por ventura a vítima não estiver em condições para prestar depoimento, é expedida uma solicitação de laudo técnico, uma avaliação psicológica (BRITO; PEREIRA, 2012).

É consenso entre os especialistas sobre essa importância de criar uma sala adequada para a oitiva da criança, conforme reflexão a seguir:

Embora pareça, numa análise superficial, simples e sem relevância, o ambiente no qual se insere a criança ou adolescente a ser ouvida num processo judicial influi em muito no seu estado emocional e psicológico, acarretando consequências tanto negativas quando positivas à própria eficácia do depoimento. Destarte, cediço que o ambiente relacionado ao Poder Judiciário – tribunais e fóruns em geral, e suas salas de audiência, vinculam-se a características de sobriedade, seriedade e formalidade. Se, para os leigos, o significado de “estar perante o juiz” remete à ansiedade, nervosismo e stress, quanto mais para crianças e adolescentes. De suma importância, assim, a adequação do espaço físico para receber o depoente, a fim de propiciar ambiente que transmita, na medida do possível, segurança e conforto para enfrentar a entrevista.21

Figura 01 - Sala de oitiva

Na foto, sala especial utilizada no Fórum da Barra Funda.22

Ainda, acerca o tema, Cezar (2007) relata que o espaço deverá ser preparado para acolher a vítima, deixando-a confortável. O que possibilita uma maior interação da criança com o entrevistador, além de fornecer mais tranquilidade para tratar o assunto, de forma a contribuir com o processo.

5.1. Forma de realização do depoimento (acolhimento, depoimento, sala de oitiva, tipos de perguntas, recriação do contexto, narrativa livre, fechamento)

A Lei 13.431 prevê em seu art. 12:

Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento:

I - os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais;

II - é assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos;

III - no curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo;

IV - findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco;

V - o profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente;

VI - o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.

§ 1o À vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender.

§ 2o O juiz tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha.

§ 3o O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado.

§ 4o Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da vítima ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis, inclusive a restrição do disposto nos incisos III e VI deste artigo.

Luciane Pötter (2016)23, explica que a dinâmica do Depoimento Especial é realizada em três etapas: acolhimento inicial, entrevista forense propriamente dita e acolhimento final. E comenta:

"Nessa forma de depoimento a criança fica em um ambiente especial (sala simples e sem brinquedos que possam tirar a atenção da criança), apenas com a psicóloga (que deve possuir qualificação para o ato), que faz o acolhimento inicial, promovendo a proteção psicológica e depois no próximo momento (audiência) repassa as perguntas dos operadores jurídicos que ficam em outro ambiente, na sala de audiências, com acesso à imagem e ao som da sala especial, através da TV, em tempo real. O depoimento é gravado. A técnica utilizada é chamada de Entrevista Cognitiva. Portanto, esse método evita o contato da vítima com o acusado, e reduz a vitimização secundária. Quando a criança/adolescente se sente protegida e confortável para relatar, a ansiedade diminui e a narração dos fatos flui melhor".

Desta forma, as fases podem ser observadas como estruturado abaixo:

A- Acolhimento

A primeira etapa do Depoimento sem Dano é o acolhimento, com duração média de 15 à 30 minutos e envolve tanto a criança quanto o seu responsável legal.

Maria Palma Wolff defende que o acolhimento consiste no pedido de que a criança ou o adolescente compareçam 30 minutos antes do início da audiência, para que se evite o encontro com o réu e que sejam esclarecidos os procedimentos da entrevista e dos equipamentos eletrônicos. Esse é o momento no qual a vítima pode optar pela permanência do réu na sala de audiências.24

Afirma, ainda, José Antônio Daltoè Cezar que o encontro da vítima com o agressor é dispensável, caso contrário, é bem provável que crianças e os adolescentes “fiquem psicologicamente traumatizados, e os depoimentos assim realizados, colhidos à égide de tais emoções, tonam-se dúbios e inconsistentes para comprovarem a efetiva prática do delito”.25

Portanto, essa etapa objetiva evitar o encontro da vítima com o suposto acusado, e, ainda, preparar a criança através do diálogo com o entrevistador (assistente social ou psicólogo), afim de entender o perfil da vítima e inibir constrangimentos que possam ser causados.

O profissional, então, irá prepara-lo para os acontecimentos em audiência, bem como o vocabulário e termos a serem utilizados nesta. Neste sentido, Sebastião Oscar Feltrin26 defende que “bloqueio da comunicação”, prejudica a realização da justiça na medida em que aquele que inquire não compreende o vocabulário utilizado pelo inquirido.

Ainda, Jorge Trindade entende que:

No primordial interesse da criança e para a sua própria proteção, que deve ser integral, e sendo o depoimento uma prova de particular relevo, é indispensável, antes de tudo, sob pena de inquinamento da prova em si mesmo e a consequente inutilização das declarações, a avaliação da capacidade da criança, não apenas no aspecto cognitivo (memória, linguagem, inteligência, etc.), mas também no nível afetivo (a dinâmica interna da criança frente a uma eventual confirmação dos fatos). Tais condições são importantes na coleta do depoimento infantil e na sua avaliação, bem como na compreensão dos limites que ela pode apresentar.27

Dessa maneira, alguns meios são mais apropriados para se realizar uma audiência com crianças, tendo em vista a vulnerabilidade e a dificuldade de conversação diante da situação em que é exposta.

Verifica-se então, que alguns termos específicos devem ser evitados durante a audiência, bem como certos comportamentos, vistos como inadequados, que podem confundir ou até mesmo influenciar a resposta do inquirido. Como nota-se na tabela a seguir:

Figura 02 – Comportamentos inadequados em audiência de criança ou adolescente:

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

Depoimento ou Inquirição

Esta é a etapa em que ocorre a audiência propriamente dita, na qual o profissional escolhido (psicólogos ou assistentes sociais) realiza a inquirição. Corrobora a assertiva Veleda Dobke ao elucidar que:

Os operadores do direito, na hipótese de não se encontrarem capacitados para a inquirição da criança abusada, de não terem conhecimentos sobre a dinâmica do abuso sexual ou de não entenderem a linguagem das pequenas vítimas, podem nomear um intérprete, com formação em psicologia evolutiva e capacitação na problemática do abuso sexual, para, através dele, ouvir a criança numa tentativa de melhor atingir os objetivos da ouvida – não infligir dano secundário e obter relato que possa ser validado como prova para a condenação, se for o caso. 28

O sistema de gravação é ligado e o responsável legal pela criança é retirado da sala, permanecendo apenas esta e o entrevistador. Entretanto, há de se apontar que, apesar do Código de Processo Penal afirmar que tais declarações devem ser tomadas a termo nos autos, “com o advento da tecnologia e no caso do delito em questão o ideal é que os depoimentos sejam obtidos por meio da estenotipia ou de gravação digital”.29

Isso porque estes meios “representam um registro rigoroso dos referidos relatos” e, além disso, possibilitam que as gravações sejam revisitadas ao longo do processo, evitando submissão da vítima a novos e desnecessários depoimentos.

Dessa forma, evidencia-se que a participação do Juiz e dos demais operadores do Direito, localizados na sala de audiência, é realizada por meio eletrônico, e a vítima localiza-se em uma sala separada.

Assim, as perguntas são formuladas pelo Juízo e pelas partes na audiência de instrução e julgamento e, em seguida, repassadas, por meio do sistema audiovisual, de forma adequada às vítimas, pelo profissional capacitado. O entrevistador fará a as perguntas à linguagem infanto-juvenil, com cuidado de realizar o depoimento sobre a visão que a criança ou adolescentes tem sobre o acontecimento objeto de investigação, afastando a possibilidade de indução.

A íntegra do depoimento é gravada na memória de um computador, além de ser desgravada e juntada aos autos, é copiado para CD-ROM e juntado na contracapa do processo. A técnica permite que as partes e Magistrado possam rever o depoimento a qualquer tempo, bem como os julgadores de segunda instância, em caso de recurso da sentença.30

Método Inquisitório

Esta Fase, consiste na transferência do controle à vítima que tem como princípio o “reconhecimento de que a vítima ou testemunha e somente ela tem a informação acerca dos fatos delituosos ocorridos. Logo, é ela quem está no controle daquilo que será conversado, e não o entrevistador”.31

E, após essa transferência do controle e ainda oriunda da segunda fase do método de entrevista cognitiva, procede-se à chamada recriação do contexto, caracterizada pelo objetivo de “auxiliar o entrevistado a lembrar do maior número de detalhes sobre os fatos”.32

Assim, busca-se retornar à cena em que os fatos se passaram, fazendo com que a criança consiga recordar o espaço físico, a situação em que se encontrava, e as emoções enfrentadas naquele momento.

É nesta etapa também, que ocorre a denominada narrativa livre, na qual o entrevistado faz seu relato sobre os fatos, utilizando suas próprias palavras, não havendo nenhum questionamento que o interrompa.

Caso haja algum ponto que chame a atenção do técnico ou dos agentes judiciais este deve ser registrado pessoalmente para que, em fase posterior, seja questionado”.33

Concluindo a inquirição para a fase final, que será verificada no tópico a seguir.

Acolhimento Final

O acolhimento final realizado pelo técnico remete-o a compreensão dos últimos aspectos citados: cognitivo, emocional, social e físico. Quanto aos tipos de perguntas realizadas durante a inquirição, estas podem ser de quatro tipos, devendo ser intercaladas quando do depoimento infantil.34

Tabela 3 – Perguntas utilizadas no DSD.35

Perguntas
Abertas

Permite que o relato da vítima seja apresentado segundo sua visão dos fatos.

Perguntas fechadas

São admitidas durante a instrução mas devem ser evitadas, pois sugerem a prática de uma ação proibida e condenada.

 

Perguntas de escolha

Tem a mesma natureza das perguntas fechando, dando possibilidade de que a ação proibidade tenha ocorrido

Perguntas hipotéticas

Tais perguntam, abrem espaço para outras colocações do técnico.

Essa etapa dura em média trinta minutos. Cezar (2007) comenta que nesta fase, o técnico permanece com a criança ou adolescente com o sistema de gravação desligado, colherá a assinatura do infante, bem como, do seu representante legal e caso seja necessário, seá feito o encaminhamento para atendimento junto à rede de proteção.

Neste ponto, assevera o mentor da utilização da técnica do depoimento sem Dano no Brasil, Dr. José Antônio Daltoé Cezar (2007, p. 76):

Diferentemente do que ocorre quando uma audiência é realizada pelo sistema estritamente previsto nas normas processuais, em que a vítima de abuso sexual ou outro tipo de violência , após o encerramento da inquirição, é dispensada e não mantém mais qualquer contato com o sistema de justiça, propõe o método Depoimento Sem Dano que o objeto da escuta da criança/adolescente não se encerre imediatamente, como forma de novamente valorizá-la como sujeito de direitos e de afastar a idéia [sic] de que aquele momento foi apenas um meio – a criança/adolescente o objeto – para que o Estado conseguisse atingir o desiderato de um processo judicial.

6. ASPECTOS JURÍDICOS

6.1. A Concretização do Projeto na nova Lei e algumas considerações

Como já visto anteriormente, o projeto proposto por Daltoé e aplicado por diversos operadores do judiciário ganha forças com o surgimento da Lei nº 13.430 de 2017 .

Em seu artigo 4º § 1o , já normatiza:

“ Para os efeitos desta Lei, a criança e o adolescente serão ouvidos sobre a situação de violência por meio de escuta especializada e depoimento especial.”

E, ainda, resguarda no artigo 5º, inciso XI, que é direito e garantia fundamental da criança e do adolescente ser assistido por profissional capacitado e conhecer os profissionais que participam dos procedimentos de escuta especializada e depoimento especial;”

Publicada em 05 de Março de 2017, com vacatio legis de um ano, essa lei torna obrigatória a aplicação do depoimento especial em todo o país. A medida reconhece projeto que começou na Justiça do Rio Grande do Sul e consiste em uma das principais ferramentas de trabalho para operadores do direito que atuam em casos de violência contra crianças e adolescentes.36

De autoria da deputada Maria do Rosário, o projeto de lei foi construído com a colaboração de uma série de especialistas no assunto, entre eles, o desembargador José Antônio Daltoé Cezar, criador do depoimento sem dano, também chamado de depoimento especial.

Explica Daltoé:

“Vamos ter uma base legal para realizar esse trabalho, que já está sendo adotado em várias partes do país. Houve algumas dificuldades porque não existia uma orientação de como se fazer. Sabia-se que era bom, mas se discutia na jurisprudência, na doutrina. Agora, com a base legal, tudo fica mais fácil e teremos condições de implantar esse projeto em todo o Brasil”

E, no mesmo sentido assevera Marleci Venério Hoffmeister-Assistente social da Coordenadoria Estadual da Infância e Juventude do TJRS. :37

“É necessário ter um olhar mais direcionado para esse ser que é um sujeito de direitos e que muitas vezes, em diferentes segmentos, não é visto como tal. A gente que trabalha com a escuta de crianças e adolescentes sabe que isso é um ganho imensurável, porque ainda que essa escuta traga um sentimento de dor, de medo, busca amenizar o sofrimento dentro desse momento de escuta que elas estão realizando no Judiciário. Isso, por si só já mostra a importância da lei”.

Em 2004, o Corregedor-Geral da Justiça na época, Desembargador Aristides Pedroso de Albuquerque Neto, assistiu a audiência com essa sistemática, aprovou o projeto de Daltoé (iniciado em 2003) e encaminhou a compra de equipamentos para os 10 Juizados Regionais da Infância e Juventude.

A Lei, em Título específico38 (artigos 8º e seguintes), apresenta o procedimento realizado no depoimento especial, que resguarda a vítima de forma a não possuir nenum contato, ainda que visual, com o acusado.E, dispõe ainda, quanto ao local de realização da escuta, apropriado e acolhedor

Regra geral, o depoimento especial deve ser realizado uma única vez como disposto no artigo 11, através de produção antecipada de prova judicial (artigo 156, I do CPP), garantida a ampla defesa do investigado. Se inviável sua realização, deve-se proceder ao depoimento especial em sede policial, e repeti-lo posteriormente em juízo.

Entretanto, a prova deverá necessariamente ser colhida antecipadamente em duas situações como disposto nos artigos 11, parágrafo 1º e 3°, parágrafo único:

a) criança menor de sete anos[5];

b) criança, adolescente, ou jovem até 21 anos em situação de violência sexual.

Quanto aos aspectos formais, o Art. 12 é bem esclarecedor:

Art. 12. O depoimento especial será colhido conforme o seguinte procedimento:

I - os profissionais especializados esclarecerão a criança ou o adolescente sobre a tomada do depoimento especial, informando-lhe os seus direitos e os procedimentos a serem adotados e planejando sua participação, sendo vedada a leitura da denúncia ou de outras peças processuais;

II - é assegurada à criança ou ao adolescente a livre narrativa sobre a situação de violência, podendo o profissional especializado intervir quando necessário, utilizando técnicas que permitam a elucidação dos fatos;

III - no curso do processo judicial, o depoimento especial será transmitido em tempo real para a sala de audiência, preservado o sigilo;

IV - findo o procedimento previsto no inciso II deste artigo, o juiz, após consultar o Ministério Público, o defensor e os assistentes técnicos, avaliará a pertinência de perguntas complementares, organizadas em bloco;

V - o profissional especializado poderá adaptar as perguntas à linguagem de melhor compreensão da criança ou do adolescente;

VI - o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.

§ 1o À vítima ou testemunha de violência é garantido o direito de prestar depoimento diretamente ao juiz, se assim o entender.

§ 2o O juiz tomará todas as medidas apropriadas para a preservação da intimidade e da privacidade da vítima ou testemunha.

§ 3o O profissional especializado comunicará ao juiz se verificar que a presença, na sala de audiência, do autor da violência pode prejudicar o depoimento especial ou colocar o depoente em situação de risco, caso em que, fazendo constar em termo, será autorizado o afastamento do imputado.

§ 4o Nas hipóteses em que houver risco à vida ou à integridade física da vítima ou testemunha, o juiz tomará as medidas de proteção cabíveis, inclusive a restrição do disposto nos incisos III e VI deste artigo.

§ 5o As condições de preservação e de segurança da mídia relativa ao depoimento da criança ou do adolescente serão objeto de regulamentação, de forma a garantir o direito à intimidade e à privacidade da vítima ou testemunha.

§ 6o O depoimento especial tramitará em segredo de justiça.

Como medida de proteção à intimidade e à segurança, o depoimento especial pode se dar por meio da inquirição sem rosto ou envelopada. Consiste no registro fracionado da oitiva em dois documentos, a inquirição propriamente dita a ser juntada nos autos, e a qualificação completa que será mantida apartada e acessível apenas aos envolvidos. Tal proceder não exige necessariamente a inclusão em programa formal de proteção39, e não viola os princípios do contraditório e da ampla defesa pois não impede o acesso da defesa40

Por fim, cabe destacar o novo crime tipificado pelo artigo 24 da Lei 13.431/17, assim redigido:

Art. 24. Violar sigilo processual, permitindo que depoimento de criança ou adolescente seja assistido por pessoa estranha ao processo, sem autorização judicial e sem o consentimento do depoente ou de seu representante legal.

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

Trata-se de crime formal, o delito se consuma com a simples revelação da oitiva, bastando que seja assistida por uma única pessoa estranha. Sendo possível a tentativa.

Como o verbo nuclear consiste em permitir que seja assistido o depoimento, a revelação verbal do seu conteúdo não acarreta esse crime. O legislador falhou em criminalizar apenas a violação do sigilo processual, não englobando o sigilo investigativo e, por isso, a divulgação de depoimento especial feito na delegacia de polícia durante o inquérito policial não permite a aplicação desse tipo penal. Todavia, tanto a revelação verbal do depoimento quanto a quebra do sigilo no inquérito policial são capazes de caracterizar o delito de violação de sigilo funcional previsto no artigo 325 do Código Penal.41

A ação penal é pública incondicionada, e a atribuição para investigar é da Polícia Civil, e, em regra,de competência da Justiça Estadual para julgar, salvo se o depoimento indevidamente divulgado for colhido pela Polícia Federal ou Justiça Federal.

6.2. Eficácia e veracidade do discurso do Depoimento Especial

Tendo em vista questões psicológicas já comentadas, verifica-se que o testemunho infantil, mesmo que cercado de cuidados para a tomada oficial, pode ser contaminado e até mesmo, manipulado.

Neta ótica, surge um questionamento quanto apoiar uma condenação baseada tão somente no depoimento especial . Não significa depreciar o depoimento da vítima, mas de não se dar total credibilidade aos fatos relatados, sem que, por exemplo, sejam realizados exames complementares, como laudos de corpo de delito.

Assim, caso o depoimento da criança seja a única prova disponível, não podendo ser respaldada por qualquer outro elemento, este deve ser tomado e valorado com muita cautela.

Alguns advogados creditam que a realização da escuta das crianças vítimas de abuso sexual intrafamiliar nos moldes do DSD (depoimento sem dano) resultarão em um maior número de responsabilizações aos perpetradores do abuso, posto que o depoimento da vítima é o elemento probante de maior relevo em crimes de natureza sexual.

Oportuno lembrar que, nesse caso, “examinar a confiabilidade dessas declarações é mais complexo quando se trata de crianças, porque inúmeros fatores podem contribuir para a inexatidão de seu relato”42, acrescido pelo desrespeito ao tempo daquilo que ainda não pode ser dito, ou seja, que não está disponível no nível simbólico da fala.

Do ponto de vista da psicologia, Bárbara Souza Conte, deve-se notar que:

A demanda de validade na fala da criança, quando exposta a um depoimento, evidencia um paradoxo, pois precisa revelar e esconder. Revelar o solicitado quanto ao inquérito (a verdade objetiva) e esconder o acontecido (a vivência subjetiva de dor, vergonha e passivização). O discurso aparece como um sintoma, pois revela e esconde. Nem tudo está disponível no nível simbólico da palavra.43

Para cumprir a Constituição Federal de 1988 e assegurar a proteção integral às crianças e adolescentes, bem como cumprir a finalidade dúplice do processo penal, cabe redobrar preocupação em relação às falsas memórias. É de todo oportuno gizar as palavras de Alfred Binet, citado por Osnilda Pisa, que apresenta como razões da fragilidade da memória infantil os aspectos:

“cognitivo ou auto-sugestão [sic], porque a criança desenvolve uma resposta segundo sua expectativa do que deveria acontecer; e outro social, que é o desejo de se ajustar às expectativas ou pressões de um entrevistador”.

Fica evidente, portanto, que o Depoimento Especial se organiza em um cenário de incertezas como forma de validar o depoimento dos infanto-juvenis, que, pode ainda ser considerado como uma prova frágil.

Deve-se ter cuidados quanto ao peso da palavra da vítima, onde há a veracidade dos relatos e ausência de motivos para incriminar o acusado, ou seja, há a diferença entre a verdade da criança, versão relatada e a verdade do fato, e não quer dizer que consta presente a calúnia de crianças contra terceiro. Pode acontecer de o abuso ser real, porém, ter sido cometido por outra pessoa distinta aquela que está sendo acusada. Nessa situação a criança não tem motivos pra incriminar, mas pode ter motivos para proteger outro ou foi induzida.

Dessa forma, é fundamental garantir, durante a oitiva infanto-juvenil, a real participação da defesa do acusado, atuando de maneira a formular quesitos e acompanhando o depoimento, inclusive para contestar as perguntas feitas pelos psicólogos e assistentes sociais, pois “não se admite que uma parte fique sem ciência dos atos da parte contrária e sem oportunidade de contrariá-la” (FERNANDES, 2005, p.65).

6.3. Objeções ao método – no direito e na psicologia

Primeiramente, importante destacar a relevância do depoimento especial e como sua aplicação pode ser benéfica, para a criança, bem como para o Judiciário.

Figura 03 – Principais vantagens do Depoimento Especial

Fonte: Conselho Nacional de Justiça

As provas se tornam melhores, mais contundentes, visto que a vítima encontram-se em uma situação bem mais tranquilizadora, do que se estivesse em sala de audiência comum, sem a pressão de estar frente a frente com seu agressor.

Verifica-se também que estará mais acomodada em relatar o ocorrido e consequentemente terá sua situação psicológica resguardada de maiores traumas.

Visa-se assegurar de forma eficaz, e, agora, através da Lei 13.431/2017, maior proteção ao direito desses indivíduos, levando em conta os princípios da dignidade da pessoa humana, da ampla defesa e do contraditório.

Por outro lado, ressaltam-se objeções e críticas quanto as aplicações deste método, levantadas por correntes contrárias à este tipo de inquirição.

Em 2009, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) lançou uma resolução mostrando-se contrário à metodologia do então chamado Depoimento Sem Dano. A Resolução 554/2009 não reconhece a metodologia como atribuição ou competência do assistente social e responsabiliza, disciplinar e eticamente, àqueles profissionais que vincularem o título de assistente social a essa prática. 44

Neste mesmo direcionamento, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lançou em 2010 a Resolução 010, regulamentando a escuta de crianças e adolescentes envolvidos em situações de violência (CFP, 2010). O Conselho enfatiza que o psicólogo não deve se subordinar a outras categorias profissionais e que deve ter autonomia em seu trabalho. Por fim, o documento proíbe ao psicólogo o papel de inquiridor de crianças e adolescentes em situações de violência.

No tocante à corrente que entende que a atuação do psicólogo como interlocutor no depoimento sem dano constitui-se em desvio de função, ressalta-se argumentação interpretativa da posição do Conselho Federal de Psicologia:

Cabe destacar inicialmente que a moção encaminhada pelo Conselho Federal de Psicologia ao Senado Federal em 2007, citada por Daltoé Cezar (2008), funda-se na compreensão de que tal tarefa “não diz respeito à prática psicológica”. Há entendimento do órgão de representação dos psicólogos de que esta técnica distancia-se do trabalho a ser realizado por um profissional de psicologia, acarretando confusão de papéis ou indiferenciação de atribuições, quando se solicita ao psicólogo que realize audiências e colha testemunhos. Sem desconsiderar a difícil situação da criança que passa por reiterados exames em processos dessa ordem, nota-se que, na proposta em análise, na inquirição a ser feita por psicólogo não há objetivo de avaliação psicológica, bem como de atendimento ou encaminhamento para outros profissionais, estando presente,apenas, o intuito de obtenção de provas jurídicas contra o acusado”45

Diante disso, defende Iolete Ribeiro da Silva:46

Se antes do depoimento sem dano a revitimização acontecia, com o depoimento sem dano, no modelo proposto no PL, ela continua a acontecer. Isso se deve ao fato de que no depoimento sem dano, a preocupação central do judiciário é a produção de prova e a responsabilização. A adoção dessa perspectiva tem implicações importantes para as crianças, os adolescentes e suas famílias. Defendemos que todas as ações devem ser efetuadas com foco no cuidado e proteção da criança e do adolescente. As necessidades desenvolvimentais da criança e do adolescente devem estar em primeiro plano. Se queremos protegê-la é importante respeitar o seu tempo. Não é a criança/adolescente que deve se ajustar ao modo de funcionamento de nossas instituições mas, as nossas instituições que devem respeitar as necessidades desta/e.

E, ainda, explica Silva:

Psicólogos não devem atuar como inquiridores. Além disso, se houver necessidade do depoimento, juízes, advogados, todos os profissionais que atuam no judiciários devem ter compromissos éticos com as pessoas que atendem portanto devem estar preparados para falar com criança/adolescente. Os defensores do depoimento sem dano dizem que os profissionais do direito não sabem lidar com a criança e o adolescente, que muitas vezes os advogados não os respeitam. 47

Em outro ponto, pode-se observar que Psicologia cognitiva e Psicologia forense, tratam-se de áreas orientadas à busca da verdade dos fatos e se aproximam da verdade buscada pelo sistema de justiça. Dessa forma, os psicólogos que se identificam com essas áreas podem atuar eticamente nessa questão sem interferir em valores pessoais ou identificações teóricas divergentes.

Com isso, fica evidente as divergência existentes quando o assunto é utilizar-se do depoimento infantil como meio de prova e mais do que isso, basear-se nestes depoimentos para responsabilizar o agressor.

Por um lado, há aqueles que defendem que através deste método, as vítimas serão protegidas de intermináveis e repetitivos depoimentos perante diversas instituições públicas e privadas, e também, tratadas com o devido respeito à sua peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, onde poderão manifestar de forma mais livre sua vontade.

Ainda, defendem que, com a implantação deste sistema, haverá uma redução no tempo de tramitação dos inquéritos policiais e das ações cíveis e penais relativas à violação dos direitos infantojuvenis.

Como explica (FURNISS, 1993):

Trata-se de uma possibilidade real de atenuar o sofrimento dos milhões de crianças e adolescentes que, depois de serem agredidos, violados em suas residências, muitas vezes por pais, padrastos, tios etc., ainda submetem-se a constrangedores procedimentos processuais que, inadvertidamente, terminam por reproduzir violações de direitos, algumas vezes, mais grave do que os ilícitos penais, conforme aponta a farta literatura psicológica sobre as síndromes da adição e do segredo.

Enquanto que, por outro lado, argumenta-se que o depoimento especial não possui total eficácia,questionando-se a veracidade dos fatos ralatados, bem como a escassez de recursos financeiros para organização das salas especiais.

Baseam-se, sobretudo,em explicações quanto ao falseamento da verdade, seja por inépcia das partes e do juiz de direito ou pela má-fé ou desídia dos envolvidos e/ou inadvertida indução da própria equipe técnica.

Sendo evidente, portanto, as dificuldades enfrentadas para a inclusão e aperfeiçoamento do sistema por todo o país, tendo em vista as discordâncias entre advogados, juizes e psicólogos quanto a implementação íntegra e perdurável deste método.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme verificado ao longo desta monografia, a questão da violência contra criança e adolescente, além de tratar-se de uma situação de desconforto social e uma imperfeição nos moldes jurídicos, representa também, lesionar direitos humanos, tendo em vista falhas no processo de atendimento à estes indivíduos mais fragilizados.

A situação perpetua-se a cada instante, e os números na mídia nos alertam que o sistema deve se adequar ao cenário. Desta forma, o impasse maior é amparar essas vítimas, encontrando os melhores meios de levar a questão delitiva às autoridades.

Assim, o ideal é buscar sempre que possível, outras formas de proteção jurídica, atenuando os índices de violência contra crianças e adolescentes no país, e , ainda, contribuindo para que sejam atendidos de acordo com a Lei e os costumes sociais.

Muitas vezes, o problema é bem maior, pois se concentra em romper as dificuldades que esses indivíduos possuem em expor os fatos sofridos, o que na maioria dos casos dificulta o andamento do processo judicial e consequentemente, impossibilita a produção de provas.

O trauma psicológico é significativo, e a complicação de abordar o assunto o reprime ainda mais (como verificado no presente trabalho, quando abordado a “síndrome do segredo”), o que cria obstáculos nessa reparação.

Assim, como forma de contribuir para que essas crianças sejam ouvidas e assistidas da melhor maneira, soma-se uma iniciativa denominada Depoimento sem Dano, procedimento de oitiva menos doloso, e meio alternativo à inquirição judicial, tratado no decorrer deste trabalho.

Surge então, como um processo de resguardar os direitos já garantidos na Constituição Federal, no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8.069/90) e ,agora, positivado em Lei (13.431/2017), para que seja assegurado com eficácia quando posto esses indíviduos diante de violências contra dignidade sexual.

E, o que mostra-se imprenscindível é que a preparação e mediação seja feita por profissionais especializados (psicólogos ou assistentes sociais) e que estes, se posicionem de forma neutra, sob risco de conduzir alguma fala da criança, visto que possa ter sua memória debilitada quanto aos fatos ocorridos. Realizado em ambiente mais receptivo e apropriado para criança, facilita o esclarecimento de certas informações encobertas.

Portanto, o Depoimento sem dano protege esses indivíduos de maiores constrangimentos, reduzindo os danos na produção de provas, e, resguardando o julgamento justo do réu.

É relevante considerar que este método, apesar de seu caráter inovador, vem sofrendo várias críticas, principalmente de psicólogos que rejeitam a atuação como inquiridores.

Ante todo o exposto, verifica-se que a regulamentação e consequente disseminação deste instituto encontra algumas dificuldades para se acondicionar no Judiciário, mesmo observado os benefícios contraidos com sua imposição, já que luta-se a cada dia por meios justos e eficazes de garantir os direitos de crianças e adolescentes, respeitando-se, sobretudo sua integridade física e psicológica.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1 LEMOS, Cleide de Oliveira . Audiência Pública realizada no Senado Federal. 23.07.2008.)

2 GABEL, Marceline. Crianças vítimas de abuso sexual. São Paulo: Summus Editorial, 1997, p. 20.

3 GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo, op. cit., p. 31.

4 Disponível em : http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/05/pais-tem-poucas-salas-especiais-para-ouvir-criancas-vitimas-de-estupro.html. Acesso em : 03/11/2017

5 BOCK,1999,p.254.

6 SCHERER,2009, p.40

7 Disponível em: http://saletecortez.com.br/artigos/artigosnosite/abusosexualconhecerparacombater.html. Acesso em: 30/10/2017

8 LUKAS, Ian.Conscientização contra violência sexual infantil- Violência sexual é da nossa conta.2009

9 Benedito Rodrigues Dos Santos Itamar Batista Gonçalves – Depoimento Sem Medo: Culturas e Práticas Não-Revitimizantes, 1ª edição, 2008, p. 13

10 Benedito Rodrigues Dos Santos Itamar Batista Gonçalves – Depoimento Sem Medo: Culturas e Práticas Não-Revitimizantes, 1ª edição, 2008, p. 13)

11 Nomenclatura dada por recomendação do CNJ, desde 2010.

12 U.S.A., Unspeakable Acts, 1989. - O filme apresenta a possibilidade de intervenção de outros profissionais na inquirição de crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual; contudo, sem a participação da defesa.

13 Promotora de Justiça do Rio Grande do Sul e representante de Fernando Lejdermani, Presidente da Sociedade de Psiquiatria daquele Estado.

14 A Câmara de Gesel é um dispositivo criado pelo psicólogo norte-americano Arnold Geser (1880 – 1961) para o estudo das etapas do desenvolvimento infantil.Constituída por duas salas divididas com um espelho unidirecional, que permite visualizar a partir de um lado o que acontece no outro, mas não vice-versa.

15 Disponível em http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/82952-salas-especiais-para-ouvir-criancas-e-adolescentes-chegam-a-23-tribunais. Acesso em: 31/10/2017

16 Benedito Rodrigues Dos Santos Itamar Batista Gonçalves – Depoimento Sem Medo: Culturas e Práticas Não-Revitimizantes, 1ª edição, 2008,p34

17 Benedito Rodrigues Dos Santos Itamar Batista Gonçalves – Depoimento Sem Medo: Culturas e Práticas Não-Revitimizantes, 1ª edição, 2008,p.15.

18 Idem,p.37.

19 BALBINOTTI, Cláudia. A violência sexual infantil intrafamiliar: a revitimização da criança e do adolescente vítimas de abuso. Rev. Direito & Justiça v.35, n.1, jan/jun 2009, p.16.

20 Ibidem, p.11

21 ROQUE, Emy Karla Yamamoto. Orientador: Prof. Dr. José Ricardo Cunha. A Justiça frente ao abuso sexual Infantil - Análise Crítica ao Depoimento Sem Dano e Métodos Alternativos Correlatos, com Reflexões.

22 Disponível em: http://g1.globo.com/brasil/noticia/2012/05/pais-tem-poucas-salas-especiais-para-ouvir-criancas-vitimas-de-estupro.html. Acesso em: 20/10/2017

23 Membro da Comissão da Infância e Juventude do IBDFAM/RS.

24 WOLFF, Maria Palma. Inquirição de crianças vítimas de violência e abuso sexual: uma análise da participação do serviço social. In: BITENCOURT, Luciane Potter (Org.). Depoimento Sem Dano: uma política de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 115-13.

25 CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 68.

26 FELTRIN, Sebastião Oscar apud BARROS, Marcos Antonio. A busca da verdade no processo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 125.

27 TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica para operadores do direito. 3º ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 174-175.

28 DOBKE, Veleda apud CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p.69.

29 CEZAR, José Antônio Daltoé. Depoimento sem dano: uma alternativa para inquirir crianças e adolescentes nos processos judiciais. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2007, p.71.

30 Idem, p.62.

31 TABAJASKI, Betina.PAIVA, Cláudia Victolla. VISNIEVSKI, Vanea Maria. Um novo olhar sobre o testemunho infantil. In: POTTER, Luciane; BITENCOURT, Cezar Roberto. Depoimento sem dano: uma política criminal de redução de danos. Rio de Janeiro: Lumen Juris., 2010,p.67)

32 Ibidem, p.67

33 Ibidem,p.68

34 Furniss apud Cezar, 2007, p.74

35 Heitmann, 2011, p.30

36 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/84640-lei-torna-depoimento-especial-obrigatorio-em-todo-o-pais. Acesso em:21/10/2017

37 Disponível em: http://www.cnj.jus.br/noticias/judiciario/84640-lei-torna-depoimento-especial-obrigatorio-em-todo-o-pais. Acesso em:23/10/2017

38 Lei 3.431/2017, Título III

39 COSTA, Adriano Sousa; SILVA, Laudelina Inácio da. Prática policial sistematizada. Rio de Janeiro: Impetus, 2016, p. 20.

40 STF, HC 112.811, rel. min. Cármen Lúcia, DJ 25/6/2013; STJ, HC 187.670, min. Laurita Vaz, DJ 13/5/2013.

41 Disponível em: https://www.conjur.com.br/2017-abr-06/lei-garante-protecao-menor-vitima-ou-testemunha-violencia. Acesso em: 23/10/2017

42 PISA, Osnilda. Abuso sexual infantil e a palavra da vítima: pesquisa científica e a intervenção legal.Revista dos Tribunais, ano 96, v. 857, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 466, março de 2007.

43 Conte, Bárbara Souza. Depoimento sem dano: a escuta da psicanálise ou a escuta do direito? Psico, Porto Alegre, n. 2, v. 39, p. 220, 2008

44 Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-389X2014000100003. Acesso em 23/10/2017

45 BRITO, Leila Maria Torraca de. Diga-me agora...O Depoimento Sem Dano em Análise. Psic. Clin., Rio de Janeiro, vol. 20, n. 2, 2008, p.118.

46 Conselheira do Conselho Federal de Psicologia, membro da Secretaria de Articulação do Fórum Nacional DCA e professora da Universidade Federal do Amazonas

47 Disponível em: http://fundacaotelefonica.org.br/promenino/trabalhoinfantil/noticia/para-psicologa-modelo-do-depoimento-sem-dano-ainda-nao-e-o-ideal/. Acesso em: 31/10/2017 


Publicado por: BRUNA SANCHES ALVES DE MELLO

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