Da Complementariedade entre Princípios da Prevenção e da Precaução

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

Com o passar dos anos a constante evolução tecnológica e a busca desenfreada pelo desenvolvimento econômico afetaram sensivelmente o ambiente em que vivemos. Por óbvio, benefícios advieram de todas as ações humanas, entretanto, ainda que tragam benefícios, tais atos vêm comprometendo drasticamente o equilíbrio do meio ambiente, culminando em uma crise ambiental sem precedentes. Nesse sentido, a preocupação em preservar o meio ambiente foi traduzida no texto da Constituição da República de 1988 que garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cabendo ao poder público e a coletividade defendê-lo e preservá-lo para geração atual, bem como para as gerações futuras. Sem dúvida, o direito ambiental tem por objetivo assegurar um desenvolvimento durável, o que somente será possível diante do controle e conformação do futuro segundo padrões de sustentabilidade socioambiental. Para tanto, a Constituição estabeleceu dispositivos jurídicos protetivos e coercitivos para a responsabilização dos infratores nas esferas civil, penal e administrativa. Como medida de política preventiva, a Lei n. 6.938/1981, recepcionada pela nova ordem constitucional, já previa a exigibilidade do Estudo do Impacto Ambiental, a ser elaborado antes da efetivação de projetos capazes de causar danos ao meio ambiente. Este trabalho aborda a tutela jurídica do meio ambiente, destacando-se a importância do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) como instrumento indispensável para a prevenção de danos ao meio ambiente, bem como, a aplicabilidade dos princípios da Precaução e da Prevenção, como necessários para a efetivação do direito ao desenvolvimento sustentável. Por oportuno, observa-se que estes princípios são complementares, aplicando-se primeiro a precaução e, depois, a prevenção, sendo ambos indispensáveis para a manutenção do meio ambiente salutar e equilibrado. Busca-se, finalmente, discutir acerca da perfeita adequação destes princípios aos requisitos do EIA.

PALAVRAS-CHAVE: Meio Ambiente. Estudo de Impacto Ambiental. Princípios da Precaução e da Prevenção. Preservação Ambiental.

INTRODUÇÃO

O laço essencial que nos une é que todos
habitamos este pequeno planeta.
Todos respiramos o mesmo ar.
Todos nos preocupamos com o futuro
dos nossos filhos. E todos somos mortais.
John Kennedy

O tema meio ambiente há muito tempo é objeto de estudo não só dos estudantes e profissionais do direito, mas também de estudantes e especialistas de todos os campos do conhecimento, como a Engenharia, a Biologia e as Ciências Sociais. A abrangência e a importância do assunto estão diretamente relacionadas com a vida das pessoas, o lugar onde vivem e trabalham, enfim em todos os lugares numa sociedade em constante desenvolvimento e transformação.

Na sociedade contemporânea não se questiona a relevância do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Protegido por inúmeras convenções e tratados internacionais, pode-se dizer que o surgimento do direito ambiental liga-se à ideia de defesa e preservação da vida, valor que permeia todas as suas normas, nacionais e internacionais, a partir da Convenção de Estocolmo de 1972, cujos dispositivos constituem o primeiro grande brado de alerta contra a poluição e a destruição do ambiente. No Brasil, a Constituição da República de 1988, através das disposições contidas no Capítulo VI do Título VIII, estabeleceu princípios que, envoltos pela cláusula da supremacia constitucional, têm maiores garantias para realizar o papel que detêm de lindes da aplicação do direito ambiental.

Na atual sociedade em que se vive, são cada vez mais constantes e complexos os conflitos, sejam eles pessoais ou coletivos, relacionados, dentre outros, ao aspecto político, econômico, social e ambiental, somados às constantes transformações porque passa a sociedade e ao desenvolvimento tecnológico crescente. Não é difícil relacionar uma variedade de problemas do meio ambiente com a vida cotidiana. Desde o grave problema da realocação de uma população inteira de uma determinada área devido à construção de uma hidroelétrica até às normas legais que proíbem a poluição.

Problemas, provocados principalmente pelo acelerado desenvolvimento econômico da humanidade, como o crescente aumento da população e os avanços tecnológicos e científicos eclodiram exigindo uma solução não só do Poder Público, mas de todos nós.

Cuidar do meio ambiente significa também cuidar da gente, isto é, de todos os seres vivos que habitam o planeta, até mesmo o homem. A teia da vida não tem começo definido nem um fim anunciado. A conciliação entre a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento econômico deve ser pensada e construída pela Sociedade. São, na verdade, duas questões fundamentais que não devem ser separadas, mas sim, analisadas conjuntamente, buscando-se compatibilizá-las, resultando na melhor solução para todos.

Acompanhando a tendência mundial, a Constituição de 1988 incluiu em seu texto dispositivo paradigmático que garante a todos o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem comum de uso do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e a coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações” (CRFB, art. 225).

A proteção ambiental tornou-se cada vez mais necessária devido às crescentes agressões à Natureza, como, por exemplo, a devastação de florestas na Amazônia e a poluição de rios. Mas, como se sabe, os problemas ambientais não são recentes e a sociedade vem, a cada dia e cada vez mais tomando consciência de que a preservação e a defesa do meio ambiente são necessárias para a melhoria da vida humana como um todo.

Pretende-se, neste trabalho, tratar de um importante tema relativo ao meio ambiente, pela importância e atualidade. Busca-se responder a questão da complementariedade dos princípios da Precaução e da Prevenção, ambos fundamentais para caminhar na busca do desenvolvimento sustentável.

No primeiro capítulo, são feitas algumas reflexões acerca do meio ambiente e que servem de orientação ao trabalho, introduzindo os conceitos de meio ambiente e de direito ambiental. De início, adverte-se que, no sistema do direito, a linguagem ecológica acarretou o surgimento de um subsistema jurídico, nomeado como direito ambiental. Este subsistema situa num contexto bem abrangente e que necessariamente envolve outros fatores – o político, o social e o econômico – que não podem ser desconsiderados na análise ambiental. Se considerada de forma isolada, a análise da questão ambiental ficaria incompleta.

Após a constitucionalização da matéria ambiental no art. 225 da Constituição da República, internaliza-se um novo objetivo às funções estatais: a proteção do meio ambiente. Assim, no segundo capítulo faz-se um breve levantamento dos dispositivos constitucionais em matéria ambiental, ressaltando, desde já, a importância dada pelo legislador constituinte à tutela do meio ambiente, até porque o definiu como bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida de todos. Além disso, procura-se demonstrar a importância dos princípios que fundam e constroem o Direito Ambiental.

A seguir, o terceiro capítulo trata da Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) e dos princípios de caráter preventivo, lato sensu. A prevenção e a precaução são princípios fundamentais do direito ambiental, visto que é sempre mais eficiente e barato prevenir danos ambientais que restaurar o meio degradado. A AIA é uma criação bem sucedida do ordenamento jurídico estadunidense que se multiplicou por todo o mundo, inclusive no Brasil, com o nome de Estudo de Impacto ambiental (EIA). A nossa atual Constituição incorporou o EIA, já previsto na Lei da Política Nacional de Meio Ambiente (Lei n. 6.928/1981), que passou a denominar-se Estudo Prévio de Ambiental (EPIA). O EPIA não impõe nenhuma proteção ambiental específica, pois consiste em uma exigência procedimental para a avaliação de atividades potencialmente poluidoras. É um poderoso instrumento que aprimora o procedimento decisório do Estado, tendo por base a aplicação dos princípios da precaução e da prevenção.

No capítulo seguinte – capítulo central do trabalho –, que se intitula “Da Complementariedade entre os Princípios da Precaução e da Prevenção”, desenvolve-se o tema proposto, trazendo os argumentos que justificam o problema: os princípios da precaução e da prevenção são complementares e ambos servem de instrumentos para a efetivação do desenvolvimento sustentável, princípio norteador de todo direito ambiental. Observa-se, de pronto, que o desenvolvimento sustentável não é um estado permanente de harmonia, mas um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, a orientação dos investimentos, os rumos do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão de acordo com as necessidades atuais e futuras da humanidade. Justifica-se a mudança paradigmática do desenvolvimento, pois a espécie humana corre um sério risco de desestabilização porque sua saúde e suas atividades dependem do bom funcionamento dos ecossistemas – que estão colapsando – e de recursos naturais abundantes, que passam a escassear devido a nossos modos de produção e consumo.

As diretrizes e metas de um almejado desenvolvimento sustentável impõem ao Estado e à população mundial a tarefa de conservação do meio ambiente, observados os princípios científicos e as leis naturais que regem os mecanismos ecossistêmicos. Daí ser mandatória a compatibilização das estratégias de desenvolvimento com a proteção do meio ambiente, com a adoção incondicional de medidas de caráter preventivo, incluindo-se aí os princípios da precaução e da prevenção. Diz o direito internacional que, em casos de incerteza científica ou de risco de dano irreversível ao meio ambiente deve-se aplicar o Princípio da Precaução. Para dimensionar o nível de risco de dano e, assim aumentar o grau de certeza científica sobre a viabilidade técnica da implantação de determinado processo ou atividade, exige-se a elaboração de estudos de impacto ambiental. Passada esta fase e tomada a decisão favorável pela implantação, recorre-se então ao Princípio da Prevenção que exige em sua formulação que medidas preventivas devem ser tomadas para evitar a ocorrência de algum risco de dano indesejado. É a respeito desta complementariedade que se trata o trabalho.

Finalmente, nas considerações finais pode-se concluir que o princípio da precaução tem despertado atenção de ambientalistas e juristas e, por certo, dividido opiniões. Seu caráter semanticamente aberto tem possibilitado diversas interpretações por diferentes autores. Com Marcelo Abelha Rodrigues concluímos que a precaução antecede a prevenção, pois a sua preocupação não é apenas evitar o dano ambiental, mas evitar os riscos ambientais – riscos sequer conhecidos, pois se o forem, cabe preveni-los. Demonstra-se, como pretendido, que estes princípios são complementares e que, com a observação de ambos busca-se um objetivo maior – o desenvolvimento sustentável.

2. AFINANDO CONCEITOS

Meio ambiente é tudo que rodeia o homem, quer como indivíduo, quer como grupo, tanto o natural como o construído, englobando o ecológico, o urbano, o rural, o social e, mesmo, o psicológico.

(Definição de Meio Ambiente, segundo a Unesco)

2.1. Reflexões Iniciais sobre o Tema

Na história da humanidade, a “descoberta” da importância do meio ambiente é um fenômeno relativamente recente. No entanto, o tema meio ambiente vem se tornando, ano a ano, a grande preocupação de toda sociedade humana. Não se trata de exagero ou exaltação acerca do tema. Apesar de historicamente, em tempos imemoriais, o homem ter-se preocupado com o meio ambiente, pode-se dizer que o grande marco desta “descoberta” se deu em 1972, em Estocolmo, na Suécia, quando foi realizada a I Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU). 1

Passados vinte anos, no Rio de Janeiro, realizou-se a II Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92), quando os países participantes demonstraram suas preocupações com o planeta e com a qualidade de vida da população. A Agenda 21, 2 documento elaborado com as conclusões da Conferência, logo no Capítulo 1, Preâmbulo, item 1.3 afirma que:

A Agenda 21 está voltada para os problemas prementes de hoje e tem o objetivo, ainda, de preparar o mundo para os desafios do próximo século. Reflete um consenso mundial e um compromisso político no nível mais alto no que diz respeito a desenvolvimento e cooperação ambiental. O êxito de sua execução é responsabilidade, antes de mais nada, dos Governos. Para concretizá-la, são cruciais as estratégias, os planos, as políticas e os processos nacionais. A cooperação internacional deverá apoiar e complementar tais esforços nacionais. Nesse contexto, o sistema das Nações Unidas tem um papel fundamental a desempenhar. (BRASIL-MMA, s/d)

Restou assim evidenciado que todos os Estados devem colaborar para a defesa e preservação do meio ambiente, assumindo a responsabilidade frente aos grandes problemas ambientais que assolam o planeta como, por exemplo: a redução na camada de ozônio, o aumento da concentração de gás carbônico na atmosfera, a devastação das florestas e a poluição dos cursos de água, bem considerado antes não inesgotável, como se pensava antigamente.

Além disso, destacou-se que não se pode pensar em preservação ambiental, sem uma política que garanta o desenvolvimento dos países pobres ou em desenvolvimento. Ou seja, não se pode negar o desenvolvimento a esses países sob o argumento de aniquilamento das reservas naturais do planeta (florestas, recursos minerais, água e energia, dentre outros). Assim, a II Conferência Mundial sobre o Meio Ambiente (em 1992) foi um grande acontecimento que levantou muitas questões importantes, como a necessidade da erradicação da pobreza e o desenvolvimento dos países pobres como um dos pontos fundamentais. Aliás, não se pode exigir desses países uma defesa ambiental adequada, se a própria população passa por inúmeras dificuldades como fome e a falta de investimentos em saúde, educação e saneamento básico, sem falar em um quase inexistente auxílio social dos Estados.

Paralelamente à II Conferência, ocorreu o Encontro Internacional das Organizações Não Governamentais, que também merece destaque pelos avanços nas discussões a respeito da proteção ambiental e melhoria da qualidade de vida das pessoas e do planeta. Destaca-se que no nível da sociedade civil, as metas não ficaram somente na retórica, como ocorreu em algumas questões levantadas pelos Estados.

2.2. Conceitos de Meio Ambiente

O homem transforma a natureza desde sua aparição sobre a Terra, dela retira recursos para sua sobrevivência, rejeitando os materiais usados. O conceito de natureza e, posteriormente, o conceito de meio ambiente, foram elaborados a partir do papel central desempenhado pelo ser humano no mundo. Assim, a preocupação da humanidade com o meio ambiente é oportuna e deve ser tema de discussões em todos os segmentos da sociedade. Ensina Antunes (2009) que o homem formulou o conceito de natureza buscando soluções para a sua vida social.

Modernamente o termo ‘natureza’ perdeu espaço para a expressão o ‘meio ambiente’. O termo ambiente tem origem latina e indica esfera, círculo, aquilo que rodeia, podendo ser entendido como o âmbito que nos cerca ou em que vivemos.

Já, a expressão meio ambiente apresenta uma redundância, pois ambiente, de certo modo, contém o sentido da palavra meio, como adverte Fiorillo (2013, p. 60):

Primeiramente, verificando a própria terminologia, extraímos que meio ambiente relaciona-se a tudo aquilo que nos circunda. Costuma-se criticar tal termo, porque pleonástico, redundante, em razão de ambiente já trazer em seu conteúdo a ideia de “âmbito que circunda”, sendo desnecessária a complementação pela palavra meio.

José Afonso da Silva (2007, 19-20), citando Ramón Martín Mateo, e Paulo Affonso Leme Machado (2007), entre outros, destacam o problema da expressão meio ambiente, que apesar de respeitá-la, afirmam preferir simplesmente a expressão ambiente.

Neste mesmo viés, ensina o saudoso diplomata e professor Guido Soares (2003, p. 3):

Em português, o conceito é expresso por duas palavras: meio ambiente. Em outras línguas, existe uma palavra única para o conceito: environnement (francês), environment (inglês), entorno (espanhol). Em francês existe a palavra milieu (meio), que não se confunde com environnement (meio ambiente), a qual, transposta para o inglês, com uma pronúncia característica do francês falado por anglófono, significa, nesta língua, the social environment that you live or work in. (Cf. HORNBY, A. S. Oxford Advanced Learner’s Dictionary. 6. ed. Oxford: Oxford University Press, 2000. Verbete: “milieu”.

Justifica-se a dupla expressão e isto ocorre usualmente em nossa língua, sendo utilizado, como um reforço do significado da expressão, seja pela ênfase da palavra composta, ou pela satisfação que transmite precisando especificamente o termo. O próprio legislador brasileiro demonstra isso, ao preferir a expressão meio ambiente na Constituição Federal de 1988, como podemos notar no Capítulo VI do Título VIII que trata da Ordem Social.

Ensina José Afonso da Silva (2007, p. 20) que meio ambiente “é a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”.

O conceito legal de meio ambiente foi inserido pela Lei da Política Nacional do Meio Ambiente como sendo o “conjunto de condições, leis e influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (Lei n. 6.938/1981, art. 3o, I). Como se observa, o conceito é amplo e atinge tudo que permite a vida, que a abriga e rege. Abarca, por conseguinte, vida humana, animal e vegetal.

Outro conceito ligado à expressão meio ambiente é o de ecologia que tem origem na palavra grega oikos: casa e logos: ciência, que foi utilizada pela primeira vez em 1866, pelo biólogo alemão Ernest Haeckel (1834-1919), em sua obra Morfologia Geral dos Organismos, significando o estudo do inter-retro-relacionamento de todos os sistemas vivos e não vivos entre si e com seu ambiente. Haeckel definiu a Ecologia como:

O estudo da economia, da organização doméstica dos organismos animais. a influência do ambiente sobre os animais. Inclui as relações dos animais com o ambiente orgânico e inorgânico, especialmente todas as relações benéficas e inimigas que Darwin mencionava como representando as condições de luta pela existência. (SÉGUIN, 2006, p. 3)

O sentido da palavra ecologia evoluiu e atualmente não é usada apenas para designar uma disciplina científica, cultivada em meios acadêmicos. Seu uso atual serve para também para identificar um amplo e variado movimento social, que em certos lugares e ocasiões chega a adquirir contornos de um movimento de massas e uma clara expressividade política. “A relação da Ecologia com o Direito Ambiental dá-se quando conhecimento do ambiente natural e das relações de seus componentes entre si subsidia a construção da tutela jurídica desses bens.” (GRANZIERA, 2009, p. 13).

Ressalta-se, no entanto, que a expressão ecologia ficou superada pela expressão meio ambiente que atualmente é mais utilizada pelos técnicos, pela legislação e pela sociedade.

2.3. Do Direito Ambiental

O direito é tributário da Política e é uma verbalização dos elementos constitutivos de uma sociedade e de suas expectativas. O desenvolvimento tecnológico e o aumento da população mundial, ocorrida em escala acelerada redundaram em inúmeros problemas ambientais e assim, o Estado moderno criou o Direito Ambiental para impedir a destruição da natureza, controlando a poluição, preservando os recursos naturais, restaurando o ambiente destruído. Classifica-se o Direito Ambiental como um ramo do Direito que cuida de normas, cujo objetivo é a manutenção do equilíbrio da vida no Planeta, disciplinando as relações entre o homem e o ambiente que o cerca.

A criação de uma nova forma de bem, na Constituição da República Federativa do Brasil, (“bem de uso comum do povo essencial à sadia qualidade de vida”) revoluciona o conceito de bem até hoje delineada pela doutrina civilista brasileira. A complexidade e evolução da sociedade moderna fizeram com que uma nova geração de direitos se delineasse, quebrando a divisão clássica do direito de tradição civilística entre público e privado. Incluem-se dentro desta terceira geração, direitos como o do consumidor e o ambiental. Caracterizam-se pela coletividade da titularidade e complexidade do bem protegido e das intervenções estatais. Por isso, o Direito Ambiental não pode ser visualizado da mesma forma que as matérias tradicionais do Direito, como o Direito Civil, porque a proteção ambiental envolve interesses plurissubjetivos que superam as noções, algumas vezes, restritivas dos interesses individuais ou coletivos.

Segundo Yoshida (2006, p. 3):

Os direitos e interesses difusos caracterizam-se pela indivisibilidade de seu objeto (elemento objetivo) e pela indeterminabilidade de seus titulares (elemento subjetivo), que estão ligados entre si por circunstâncias de fato (elemento comum). (negritos no original).

Portanto, são interesses que dizem respeito a todos e que ultrapassam a esfera individual. O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), no art. 81, fornece a definição legal de interesses ou direitos difusos, como sendo “os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”. 3

Comentando o disposto no art. 81 da Lei n. 8.078/1990, Kazuo Watanabe esclarece:

Os termos ‘interesses’ e ‘direitos’ foram utilizados como sinônimos; certo é que, a partir do momento em que passam a ser amparados pelo direito, os ‘interesses’ assumem o mesmo status de ‘direitos’, desaparecendo qualquer razão prática, e mesmo teórica, para a busca de uma diferenciação ontológica entre eles. (apud PIVA, 2000, p. 19)

Afirma Mukai (2012) que devem-se à doutrina italiana a construção e a teorização mais profunda e rica da noção de interesse difuso, particularmente a Giannini. Neste sentido, ensina que:

...o interesse difuso é um interesse público, que possui uma alma pública e um corpo privado, que transcende o direito subjetivo privado e se estende pelo público. É um interesse coletivo-público, um interesse pluri-individual de relevância pública, cuja forma mais natural de agregação é a forma associativa. Um interesse comunitário de natureza cultural, não corporativo. (Giannini apud Mukai, 2012, p. 6).

Segundo Fiorillo, foi a Constituição da República de 1988 que consagrou a metaindividualidade do bem ambiental:

Além de autorizar a tutela de direitos individuais, o que tradicionalmente já era feito, passou a admitir a tutela de direitos coletivos, porque compreendeu a existência de uma terceira espécie de bem: o bem ambiental. Tal fato pode ser verificado em razão do disposto no art. 225 da Constituição Federal, que consagrou a existência de um bem que não é público nem, tampouco, particular, mas sim de uso comum do povo. (itálico do original). (FIORILLO, 2013, p. 39-40)

De natureza difusa, o Direito Ambiental é o ramo do Direito que edita normas objetivando a manutenção de um perfeito equilíbrio da vida no Planeta e disciplinando as relações entre o homem e o ambiente que o cerca. Engloba um conjunto de regras ou medidas administrativas e judiciais destinadas à proteção do meio ambiente, contemplando, principalmente a reparação econômica e financeira dos danos causados ao meio ambiente e aos ecossistemas, de uma maneira geral.

Para Elida Séguin (2006, p. 19):

Direito Ambiental é um conjunto de regras, princípios e políticas públicas que busca a harmonização do homem com o Meio Ambiente. Envolve aspectos naturais, culturais, artificiais e do trabalho. Apesar de ser indivisível, estes aspectos dão origem a uma tipologia ambiental.

Portanto, deve-se entender por Direito Ambiental não como um conjunto de leis, mas como um sistema de normas, princípios, instituições, práticas operativas e ideologias jurídicas que regulam as relações entre os sistemas sociais e seus meios naturais.

Com relação à autonomia do Direito Ambiental, alguns autores entendem tratar-se de um ramo autônomo, como é o caso de Carlos Gomes de Carvalho. Entretanto outros autores, como, por exemplo, Toshio Mukai, afirmam o contrário. Para este, o Direito Ambiental não pode ser considerado autônomo devido à sua natureza interdisciplinar, sobre a influência de outros ramos do Direito como: o Direito Penal, o Direito Internacional Público e o Direito Privado (no tocante à responsabilidade civil, principalmente).

Sobre a autonomia do Direito Ambiental, ensina Antunes (2009) que pouco interessa se ele seja reconhecido ou não como um ramo autônomo do Direito. Para ele:

É desnecessário reconhecer o DA como um ramo “autônomo” do Direito para que possa compreender a sua relevância, no atual contexto da proteção do direito. Esta questão não se coloca em relação a ele. Em primeiro lugar, o conceito de autonomia dos ramos do Direito é bastante discutido e discutível. O DA é um direito de coordenação e, nesta condição, é um Direito que se impõe aos demais setores do universo jurídico o respeito às normas que o formam, pois o seu fundamento de validade é emanado diretamente da Norma Constitucional. (ANTUNES, 2009, p. 20-21).

Como ciência complexa, o Direito Ambiental se estrutura sobre bases múltiplas. Por exemplo, o Direito Ambiental está ligado diretamente ao Direito Administrativo, com relação à atuação do Estado, através do controle e fiscalização por parte dos órgãos públicos na defesa ambiental, exercendo, o poder de polícia, através da edição de normas preventivas e reguladoras de comportamento.

2.4. Da Preservação e a da Defesa do Meio Ambiente

O Direito Ambiental, antes de tudo, deve constituir-se em um direito mais preventivo do que repressivo. Não raras vezes, a destruição de um bem ambiental se torna irrecuperável, ou atinge elevado grau de degradação que a recuperação se torna inviável, como, por exemplo, no caso da ocupação total de um manguezal por um loteamento clandestino.

Foi mundo bem o legislador constitucional pátrio, já que a preservação e a defesa são uma imposição constitucional que compete a toda coletividade e ao Poder Público.

Ao se falar em preservação, a expressão transmite a ideia de prevenção, manutenção, precaução, conservação, cuidado, que se deve ter com relação aos bens ambientais, mas isso não significa que eles não possam, ou não devam, ser explorados de modo consciente e adequado, como forma de obtenção de renda para a população e para o país.

De outro lado, a expressão defesa dá a ideia de reação, combate, atenção, e pode ser entendida como a obrigação de que todos (a humanidade) e o Poder Público têm de reagir frente aos desequilíbrios que ocorram ou possam vir a ocorrer na natureza, objetivando sempre o bem comum. Isso não significa que a expressão defesa, não possa ser entendida como uma forma de prevenção. Antes de tudo, no entanto, esta expressão pressupõe que uma ação positiva que causou dano ao ambiente ocorreu, ou está na iminência de se concretizar.

Ambas as expressões – preservação e defesa –, entretanto, transmitem a ideia de proteção. E uma proteção adequada pressupõe uma efetiva atuação concomitante de preservar e defender o meio ambiente. Portanto, essas expressões não devem ser interpretadas como contraditórias ou ambíguas.

Outra expressão muito utilizada é a de meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este ecologicamente equilibrado sintetiza de certa forma a preocupação que se deve ter na utilização dos recursos naturais. Aquilo que venha a causar destruição, devastação com prejuízo econômico e social, deve ser descartado. Ecologicamente equilibrado não significa estagnação, mas sim a plena utilização desses recursos de forma adequada e racional, que propicie a satisfação e o desenvolvimento econômico, em consonância com o que prevê nosso ordenamento jurídico.

3. MEIO AMBIENTE: ASPECTOS CONSTITUCIONAIS

O desequilíbrio ambiental torna-se mais grave.

Se antes nós dependíamos da natureza para dar base à lei, agora estamos assistindo a uma trágica inversão em que o homem usa a lei para salvar a natureza agonizante.

(Miguel Reale: Memórias – 1987)

3.1. Da Importância da Questão Ambiental e da Tutela Constitucional Ambiental

Neste momento, o que se pretende é demonstrar a importância da tutela constitucional do meio ambiente e os aspectos fundamentais do Direito Ambiental.

No Brasil, o Direito Ambiental desenvolveu-se após a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizado em Estocolmo, em 1972. Observa-se que a Política Nacional de Meio Ambiente, instituída pela Lei n. 6.938/1981, é um dos principais diplomas para a compreensão da sistemática ambiental, considerada a “mãe” do direito ambiental brasileiro, tendo precedido em sete anos a atual Constituição.

A vigente Constituição da República, reafirmando e ampliando normas da Política Nacional do Meio Ambiente, introduz, de forma inovadora, relevantes e oportunas regras conciliatórias do desenvolvimento socioeconômico com a defesa e a preservação do patrimônio ambiental. Trata de vários aspectos referentes à proteção do meio ambiente, como nunca se fizera em outras constituições, dedicando um Capítulo específico a respeito. Assim, o Direito Ambiental brasileiro encontra o seu núcleo normativo no art. 225. Este artigo, ao mesmo tempo em que garante a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida, impõe o dever ao Poder Público e à coletividade de defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações.

Isto, sem dúvida, reflete a importância da questão ambiental em nossas vidas. O homem, desde o seu surgimento até os dias de hoje, sempre necessitou e continuará necessitando da natureza, como forma de obter os recursos indispensáveis à sua sobrevivência, como os alimentos, a água e os remédios.

Por isso, ao se referir à importância do meio ambiente, deve-se ter uma visão ampla do assunto, não se restringindo somente ao seu aspecto jurídico, mas observando-se também, o aspecto social, econômico, político e cultural.

O meio ambiente é um tema muito amplo, de natureza transversal, podendo ser relacionado com os mais diversos ramos do conhecimento, tais como a Economia, a Administração, as Ciências da Terra, as Ciências Sociais e a Engenharia.

Referindo-se a esta transversalidade, Diaz (1995), apud Carvalho (2005) afirma que os problemas ambientais têm as suas raízes do desajustamento entre as três esferas em que participa o ser humano:

Cada um dos três sistemas possui suas próprias leis de funcionamento e suas próprias ciências. A ecoesfera é estudada pela ecologia, climatologia, pedologia, hidrologia, oceanografia e outras ciências, ao passo que a tecnoesfera o é pela arquitetura, engenharia, metalurgia etc., e a socioesfera, pela sociologia, economia, ciência política, antropologia, direito etc. (grifei) (CARVALHO, 2005, p. 413).

A humanidade vive um período de grande transformação como nunca visto antes. Há cerca de duzentos anos não existiam automóveis, aviões e robôs, e ninguém imaginava, que em tão pouco tempo, o homem pisaria na lua e se atreveria a pensar em “fabricar gente”.

Observa-se que todo este desenvolvimento da humanidade não foi capaz, ainda, de resolver os problemas básicos que muitos povos enfrentam, como a fome, a doença, o analfabetismo, a falta de moradia, vivendo, a grande maioria em situação de miséria. Ressaltam-se os graves problemas ambientais pelo qual o nosso planeta está passando, como é o caso do efeito estufa causado pela poluição do ar. Em nosso país, os problemas não são diferentes, já que vários são os agentes que desequilibram a natureza.

De certo, os problemas ambientais são de ordem planetária. Os países pobres ou em desenvolvimento são os que detêm a maioria das reservas naturais existentes no planeta, utilizando-se dessas riquezas, como forma de obter recursos econômicos, seja para fomentar seu crescimento, investir no bem estar da população ou reduzir suas dívidas com relação aos outros países. Não é à toa que até alguns anos atrás, os países pobres eram considerados os maiores responsáveis pela destruição do meio ambiente, poluindo o ar e os rios, devastando suas florestas, enfim, acabando com os recursos naturais.

O desequilíbrio ecológico provocado por estes países contribuem para a miséria e a pobreza que resulta na distribuição de renda injusta. Sem opções de incrementarem outro tipo de desenvolvimento que não seja pela exploração dos recursos naturais que levam à degradação ambiental, não possuem dinheiro e nem detêm tecnologia suficiente para investir na preservação, controle e fiscalização da natureza de forma adequada.

Mas os países pobres ou em desenvolvimento, não são os maiores e únicos responsáveis pela destruição da natureza. Basta analisar quem são os maiores consumidores desses recursos. Os países ricos ou do primeiro mundo são os que mais importam do terceiro mundo matérias primas extraídas da natureza a preço vil (como madeira e recursos minerais), transformando-os numa infinidade de produtos que, por sua vez, suprem as necessidades da sua população e de outros países. Como maiores consumidores devem também, juntamente com os países produtores desses recursos, ser considerados responsáveis pela manutenção do equilíbrio ambiental.

Constatando a preocupação com relação ao meio ambiente, não somente em nosso país, mas em todo o mundo, fez muito bem o nosso legislador em tutelar em nível constitucional esta matéria. Destacam-se em nossa Constituição os seguintes dispositivos que se referem ao meio ambiente: art. 5º, LXXIII, art. 20, II a XI, art. 23, VI e VII, art. 24, VI, VII e VIII, art. 170, VI, art. 174, § 3º, art. 200, VIII, art. 216, V e art. 225. 4

Deve-se também ressaltar que art. 5º, § 2º da CRFB prescreve: “os direitos e garantias previstos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.”. Neste sentido, o direito ambiental pátrio vem sendo construído a partir de (e se funda em) importantes documentos nascidos de tratados internacionais patrocinados pela Organização das Nações Unidas (ONU), notadamente a Declaração de Estocolmo (1972), a Carta Mundial da Terra (1982) e a Declaração do Rio (1992).

Como as normas constitucionais autoaplicáveis não necessitam de regulamentação, como é o caso, por exemplo, das normas que definem os direitos e garantias fundamentais (art. 5º, § 1º), têm executoriedade automática e eficácia plena. Assim, a partir do momento em que o Brasil ratifica um tratado internacional, no que se refere a direitos e garantias fundamentais, estes devem ser aplicados.

3.2. O Meio Ambiente e os Bens da União

Segundo Amaral (2006, p. 309), o conceito de bem é histórico e relativo. Histórico, porque a ideia de utilidade tem variado de acordo com as diversas épocas da cultura humana, e relativo porque tal variação se verifica em face das necessidades diversas por que o homem tem passado. Nesse diapasão, os bens devem ser estudados e consequentemente classificados de acordo com a sua essencialidade a uma vida humana digna.

A criação de uma nova forma de bem, no art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, revoluciona o conceito de bem: os bens ambientais, que são bens de uso comum do povo. Assim considerados, os bens ambientais têm uma característica muito importante, porque pertencem a todos, cabendo ao Poder Público e a coletividade protegê-los e defendê-los, sendo confiada à Administração Pública sua guarda e gestão. São bens jurídicos autônomos, difusos, indisponíveis e insuscetíveis de apropriação.

A Constituição, no seu art. 20, enumera uma série de bens que pertencem à União, como por exemplo, o mar territorial, os terrenos de marinha e seus acrescidos, os recursos minerais, inclusive os do subsolo, dentre outros. Estes bens, de alguma forma, têm uma forte relação com o meio ambiente. Todos esses bens são tutelados pela União, mas não são os únicos. Existem muitos outros que são igualmente tutelados pela União, mas não previstos na Constituição 5 e sim no ordenamento infraconstitucional, mesmo porque não era objetivo do legislador tutelar todos os bens em nível constitucional.

Observa-se que o meio ambiente que mereceu tutela constitucional não é qualquer um e sim o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Pinto Ferreira (1995, p. 332) conceitua equilíbrio ecológico como o “equilíbrio do fluxo energético de um ecossistema” e, ecossistema como “o conjunto de elementos harmonicamente articulados mediante o relacionamento mútuo entre determinado ambiente e a flora, a fauna e os micro-organismos neles existentes, incluindo fatores de equilíbrio biológico, meteorológico, atmosférico e geológico.”.

Os bens ambientais têm significativa importância econômica, podendo servir, se bem utilizados, para atender as necessidades essenciais à vida dos indivíduos em sociedade, por muitos anos. São exemplos desses bens a água, a fauna, a flora e as florestas.

3.3. O Artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil

O direito do homem de viver em ambiente hígido, como está definido na Constituição da República, encontra fundamento nos “direitos de solidariedade”, estando incluído dentre os direitos humanos de terceira geração, assim como o direito à biodiversidade e ao desenvolvimento, expressão de novos valores éticos.

Os direitos humanos são qualificados como fundamentais, pois expressam valores básicos e necessários ao pleno desenvolvimento das capacidades do homem. Ensina Bobbio (2004, p. 6) que os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados antes, e que a formulação de normas sobre o meio ambiente “resultaram de uma resposta às necessidades experimentadas pela sociedade, que decidiu ser o momento de mudanças no enfoque das relações ‘homem-natureza’”.

A Constituição da República de 1988 inovou ao tutelar constitucionalmente a questão ambiental, podendo-se “dizer que ela é uma Constituição eminentemente ambientalista” e que “assumiu o tratamento da matéria em termos amplos e modernos” (SILVA, 2007, p. 46). Estabelece que o meio ambiente é um direito de todos e, portanto deve ser visto como um importante marco na construção de uma sociedade democrática e participativa (ANTUNES, 2009). Com isso, o meio ambiente deve ser compreendido de uma maneira global, interagindo vários fatores como, por exemplo, o desenvolvimento econômico e o bem estar da população (saúde, educação, habitação, dentre outros).

O Direito ao meio ambiente saudável, que decorre da interpretação da Constituição, constitui-se, também, numa condição inerente à dignidade da pessoa humana (CRFB, art. 1º, III); e deve ser pensado como instrumento de apoio para erradicar a pobreza e as desigualdades sociais e regionais do nosso país, não podendo dessa forma ser desconsiderada (CRFB, art. 3º, III). Por exemplo, o Poder Público poderia incentivar projetos que propiciassem renda econômica às pequenas comunidades do interior do País, conciliando-se a preservação da natureza com o incentivo a sua cultura, propiciando-lhes oportunidades e alternativas que não façam com que estas pessoas procurem os grandes centros urbanos, aumentando, ainda mais, os problemas sociais já existentes.

Segundo José Afonso de Silva (2007, p. 52), este artigo (CRFB, art. 225) pode ser dividido em três conjuntos de normas: o primeiro é o chamado “norma-princípio” ou “norma-matriz”, que se acha inscrita no caput do artigo que substancialmente revela o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado; o segundo refere-se aos “instrumentos de garantia da efetividade do direito anunciado no caput do artigo”, inscrito no parágrafo 1º e incisos. Com isso, possibilita que o Poder Público efetive sua atuação na proteção ambiental, através dos “princípios e instrumentos fundamentais da sua atuação para garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado”; por fim, o terceiro conjunto caracteriza-se pelas “determinações particulares” com relação a “objetos e setores” referidos nos parágrafos 2º ao 6º, seja pela relevância dos elementos que requerem “imediata proteção e direta regulamentação constitucional” pela sua importância e valor ambiental, tanto para utilização econômica, como para o equilíbrio ecológico.

Para Paulo Affonso Leme Machado (2007), os objetivos das normas constitucionais são basicamente três: “o primeiro insiste na sanidade do ambiente, fazendo com que esse direito fique fronteiriço ao direito à saúde”; o segundo “preconiza um meio ambiente ecologicamente equilibrado”, não se pretendendo ou se exigindo, dessa forma, o “imobilismo nas relações do homem com o meio ambiente”; e o terceiro, “coloca o homem no centro das preocupações do desenvolvimento sustentado”.

3.4. Dos Princípios de Direito Ambiental

A crescente preocupação social com as questões ambientais influenciou a comunidade internacional e as legislações constitucionais e infraconstitucionais de diversos países a enveredar para a elaboração de normas de proteção do meio ambiente. Para orientar esta atividade normativa, diversos princípios surgiram tanto em âmbito internacional, como no plano nacional e serviram também para auxiliar na interpretação de conceitos legislativos e sanarem lacunas desta recém-nascida disciplina jurídica.

Por ser uma disciplina ainda em evolução, com extrema dependência de outras áreas do conhecimento científico (interdisciplinaridade) e modelada de forma singular pelas circunstâncias do caso concreto, a aplicação dos princípios do direito ambiental na solução de controvérsias e na elaboração de políticas públicas assume especial relevância.

No entanto, vale salientar que não se tem ainda uma sistematização da doutrina sobre os princípios do Direito Ambiental.

De início, é necessário frisar que há princípios explícitos e implícitos na legislação nacional, bem como princípios oriundos de tratados internacionais. Explícitos são aqueles que estão claramente escritos nos textos legais e, notadamente na Constituição; implícitos são princípios que derivam do sistema constitucional, ainda que não estejam expressos.

A par desta falta de sistematização, ao se estudar meio ambiente torna-se necessário analisar alguns princípios ou pontos fundamentais que constituem o Direito Ambiental, pois: “os princípios são as ideias centrais de um sistema, ao qual dão sentido lógico, harmonioso, racional, permitindo a compreensão de seu modo de organizar-se” (SUNDFELD, 2008, p. 143)

Os princípios constituem as raízes, a base, o alicerce sobre os quais se assenta toda a estrutura das normas protetivas do meio ambiente. São regras básicas, princípios, conceitos, noções e institutos de ordem geral, cuja compreensão é fundamental para o correto entendimento e adequada interpretação e aplicação de todo o corpo legislativo que forma o Direito do Meio Ambiente. O princípio, pois, confere fundamento às regras estabelecidas (BONAVIDES, 2002, p. 230).

O Direito ao meio ambiente apresenta dois pontos importantes que merecem destaque. O primeiro é o de considerar o meio ambiente como forma de preservação da vida e dignidade das pessoas, pois o art. 225 da Constituição da República diz ser um bem essencial à qualidade de vida de todos, constituindo-se num ponto central dos direitos fundamentais. O segundo, que está diretamente ligado ao primeiro, deve se pautar pelo respeito aos atributos essenciais da pessoa humana.

Com relação à definição legal do meio ambiente já referida (Lei n. 6.938/1981), acrescentam-se apenas duas questões: o primeiro é que o meio ambiente não se constitui somente na proteção de bens corpóreos, como a água, o solo, a flora e a fauna, por exemplo, como também, na proteção das relações e interações que condicionam a vida, ou seja, refere-se ao incorpóreo e ou imaterial.

Neste sentido, esclarece muito bem Álvaro Luiz Valery Mirra (1994, p. 13):

Quando se fala na proteção da fauna, da flora,

do ar, da água e do solo, não se busca propriamente a proteção desses elementos em si, mas deles como elementos indispensáveis à proteção do meio ambiente como bem imaterial, objeto último e principal visado pelo legislador.

O segundo ponto que se acrescenta, refere-se à amplitude da definição legal de meio ambiente, contido na Lei n. 6.938/1981, que abrange, em sentido amplo, o meio ambiente natural ou físico (por exemplo, a água, solo, ar, flora e fauna); o meio ambiente cultural (por exemplo, o patrimônio histórico, artístico, arqueológico e paisagístico); e o meio ambiente artificial (como os espaços urbanos fechados ou edificações, áreas verdes, praças e espaços urbanos livres ou equipamentos públicos). (SILVA, 1994, p. 21).

O meio ambiente, a partir da Constituição de 1988, passou a ser considerado bem de uso comum do povo e como tal afeto a toda coletividade. O Estado apenas atua como administrador, controlador e fiscalizador do meio ambiente, devendo possibilitar, portando a participação de toda a sociedade na gerência desses bens.

Além disso, para acrescentar, destacam-se os princípios e os objetos da Política Nacional do Meio Ambiente, pois é ela que orienta a atuação tanto do Poder Público como dos particulares quando se refere ao meio ambiente, devendo ser efetivada por intermédio de um programa abrangente, elaborado e implementado pelo governo com a participação da sociedade, com observância das diretrizes internacionais, como, por exemplo, a Agenda 21.

A Política Nacional do Meio Ambiente, portanto deve ser entendida como critério para a compreensão e aplicação de todas as normas ambientais do nosso sistema jurídico.

Os princípios de Direito Ambiental podem ser extraídos da Constituição da República, das Constituições Estaduais, da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei n. 6.938/1981) e das Declarações de princípios internacionais adotadas por organismos internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), bem como, podem estar previstos em tratados e convenções internacionais.

3.4.1. Princípio do Direito ao Desenvolvimento

A ideia de desenvolvimento, em termos economicistas, é insustentável. Infelizmente, a percepção pelo homem da finitude dos recursos naturais se deu tardiamente. Neste sentido, ensina Lutzenberger (2000) que “o simples dogma básico do pensamento predominante, que diz que uma economia tem que crescer sempre, já é um absurdo. Nada pode crescer sempre, muito menos num espaço limitado”. De fato, não há como aumentar o território, as florestas, as reservas minerais, os rios, lagos e oceanos. Até mesmo a atmosfera é limitada. Daí se conclui que “o pensamento econômico, que predomina hoje, é suicida. Não podemos continuar olhando o planeta como um almoxarifado gratuito, de fundos infinitos”.

A expressão ‘desenvolvimento’ permeia a legislação ambiental desde a Declaração de Estocolmo, de 1972, quando, efetivamente o mundo passou a se preocupar com a escassez de recursos. No entanto, pode-se afirmar que:

Só há desenvolvimento quando os benefícios do crescimento servem à ampliação das capacidades humanas, entendidas como o conjunto das coisas que as pessoas podem ser, ou fazer, na vida. E são quatro as mais elementares: ter uma vida longa e saudável, ser instruído, ter acesso aos recursos necessários para um nível de vida digno e ser capaz de participar da vida da comunidade. Na ausência dessas quatro, estarão indisponíveis todas as outras possíveis escolhas. (VEIGA, 2006, p. 23)

Segundo Elida Ségun (2006, p. 130), “desenvolvimento é um processo integrado em que as estruturas sociais, jurídicas e tecnológicas do Estado passam por transformações, visando à melhoria da qualidade de vida do homem”. A ideia de desenvolvimento é inata ao ser humano. Determina a ONU 6 que:

1. O direito do desenvolvimento é um inalienável direito humano, em virtude do qual toda pessoa humana e todos os povos têm reconhecido seu direito de participar do desenvolvimento econômico, social, cultural e político, a ele contribuir e dele desfrutar; e no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais possam ser plenamente realizados. 2. O direito humano ao desenvolvimento também implica a plena realização do direito dos povos à autodeterminação, que inclui o exercício de seu direito inalienável de soberania plena sobre todas as suas riquezas e recursos naturais.

Assim na verdade, o direito ao desenvolvimento apresenta dois componentes elementares. O primeiro consiste em uma reafirmação da soberania permanente dos Estados sobre os seus recursos naturais e o segundo afirma que todo homem tem o direito de contribuir para e participar do desenvolvimento cultural, social, econômico e político.

Posteriormente, formulou-se o Princípio do Desenvolvimento Sustentável que “vem da fusão de dois grandes princípios jurídicos: o do direito ao desenvolvimento e o da preservação do meio ambiente” (VARELLA, 2004, p. 5). A formulação do Princípio do Desenvolvimento Sustentável está presente na Declaração do Rio, em 1992:

Princípio 1: Os seres humanos estão no centro das preocupações com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza.

Princípio 3: O direito ao desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas equitativamente as necessidades de desenvolvimento e ambientais de gerações presentes e futuras. (SOARES, 2003, p. 192).

Desenvolvimento sustentável 7 é o modelo que prevê a integração entre economia, sociedade e meio ambiente. Em outras palavras, é a noção de que o crescimento econômico deve levar em consideração a inclusão social e a proteção ambiental.

A Defesa do Meio Ambiente, como Princípio da Ordem Econômica, se espelha na expressão desenvolvimento sustentável, ou seja, deve-se conciliar o crescimento econômico e a exploração dos recursos naturais, aliada a proteção ambiental, conforme previsto no art. 170, IV da CRFB e no princípio 4 da Declaração do Rio:

Princípio 4: Para alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do processo desenvolvimento, e não pode ser considerada isoladamente deste. (SOARES, 2003, p. 192).

Desenvolvimento Sustentável é um conceito amplo traduzido num modelo de desenvolvimento econômico ao mesmo tempo em que busca a preservação dos ecossistemas. O campo do desenvolvimento sustentável pode ser conceitualmente entendido como um tripé: a sustentabilidade ambiental, a sustentabilidade econômica e a sustentabilidade sociopolítica.

3.4.2. Princípio da Avaliação Prévia dos Impactos Ambientais

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental é um importante instrumento que serve para avaliar, prever e evitar maiores danos à natureza, quando da realização de obras que modifiquem o meio ambiente. Sem dúvida nenhuma é um princípio que, antes de tudo, está ligado à ideia de prevenção, tendo por objetivo mensurar a viabilidade da realização ou não da obra, além de outros fatores, como, por exemplo, o impacto de tal evento na sociedade (art. 225, § 1º e Declaração do Rio, Princípio 17):

Princípio 17: A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para as atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão de autoridade nacional competente. (SOARES, 2003, p. 195).

No Brasil, o procedimento de elaboração e aprovação do Estudo de Impacto Ambiental de uma obra ou atividade modificadora do meio ambiente é considerado como o meio fundamental pelo qual se efetiva o princípio da precaução.

3.4.3. Princípio da Prevenção de Danos e Degradações Ambientais

Esse é um dos princípios mais importantes do Direito Ambiental, porque atualmente a degradação ambiental, atingiu pontos alarmantes e é motivo de preocupação da humanidade, até porque, os danos ambientais são de difícil ou impossível reparação. Quase sempre, levam anos até sua recuperação total.

Outro fator a destacar é a preocupação com as futuras gerações, impondo-se assim que todos assumam a responsabilidade de preservar e defender o meio ambiente.

De modo mais radical, o princípio da precaução impõe que, quando da falta de certeza científica, com relação aos efeitos nocivos de uma determinada atividade sobre o meio ambiente, não se deve permitir a implantação do empreendimento até que seja realizado estudo que determine com segurança sua viabilidade ou não. Atualmente, a teoria da prevenção geral se desdobra nos princípios da Prevenção e da Precaução, objeto central deste trabalho.

3.4.4. Princípio da Tripla Responsabilização

Este princípio prevê a independência das sanções civil, penal e administrativa, podendo, um poluidor, por exemplo, ser responsabilizado nessas três esferas.

Muitas vezes, as ações preventivas não são capazes de deter a degradação da natureza, causando sérios desequilíbrios, devido à tolerância da Administração Pública encarregada de controlar e fiscalizar e à falha da legislação ou às atitudes negligentes e imprudentes das pessoas que assim agem, face à certeza de impunidade ou pela falta de informação e conscientização.

Neste contexto, ensina Álvaro Luiz Valery Mirra (1994, p. 18):

Sem negligenciar a extraordinária relevância da prevenção das degradações, é preciso admitir que um sistema completo de prevenção e conservação do meio ambiente supõe necessariamente a responsabilização dos causadores de danos ambientais e da maneira mais ampla possível, envolvendo as esferas civil, penal e administrativa.

Este princípio está consubstanciado no ordenamento jurídico no art. 225, § 3º da Constituição da República, Lei n. 6.938/1981, art. 14, § 1º e no Princípio 13 da Declaração do Rio:

Princípio 13: Os Estados devem desenvolver legislação nacional relativa a responsabilidade e indenização das vítimas de poluição e outros danos ambientais. Os Estados devem ainda cooperar de forma expedita e determinada para o desenvolvimento de normas de direito ambiental internacional relativas a responsabilidade e indenização por efeitos adversos de danos ambientais causados, em áreas fora de sua jurisdição, por atividades dentro de sua jurisdição ou sob seu controle. (SOARES, 2003, p. 194).

Categoricamente preconiza o § 3º do art. 225 da CRFB que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. Com esta previsão constitucional, ocorrendo dano ou agressão ao meio ambiente, o responsável direito ou indireto será obrigado a reparar o prejuízo causado (esfera civil), além das sanções penais e administrativas aplicáveis ao caso.

3.4.5. Princípio da Utilização Racional dos Recursos Ambientais

Uma característica comum dos recursos naturais é a escassez. Se os recursos naturais fossem infindáveis, não haveria necessidade de intervenção governamental para regulá-los. Pode-se afirmar que muitos bens ambientais estão no ponto máximo de utilização, como, por exemplo, os recursos hídricos, pela utilização desenfreada e de certa forma, dispendiosa, por parte da população. Outros como os recursos minerais (como ouro, prata, manganês), o uso excessivo (desgastante e insustentável) do solo que produz os alimentos para a população e a devastação das florestas.

Infelizmente, chegou-se à conclusão tardia de que os bens ambientais não são inesgotáveis ou infinitos como se pensava antigamente. Tudo tem um limite, inclusive a natureza. Muito recentemente o homem despertou para este grave problema descobrindo que a exploração do meio ambiente, tanto dos bens renováveis (as florestas e as águas), como (e principalmente) dos não renováveis (combustíveis fósseis), possuem um limite.

Por isso que a racionalização do uso dos recursos ambientais faz-se necessária, para assegurar não somente para a presente geração, mas para as futuras gerações a disponibilidade desses bens. Isso vem ao encontro do que estabelece o art. 2º, II, da Lei n. 6.938/1981 e do princípio 8 da Declaração do Rio-92:

Princípio 8: Para atingir o desenvolvimento sustentável e a mais alta qualidade de vida para todos, os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo e promover políticas demográficas adequadas. (SOARES, 2003, p. 193).

A exploração predatória da natureza deve ser atacada tanto no seu aspecto quantitativo, que se refere a uma mudança de comportamento no consumo dos recursos naturais, quanto ao aspecto qualitativo, que se refere a sua adequada utilização, sem levar ao seu definitivo esgotamento.

3.4.6. Princípio da Proteção dos Ecossistemas

Este princípio está descrito no art. art. 2º, IV, VIII e IX da Lei n. 6.938/1981 e está relacionado mais ao caráter preventivo do que repressivo do meio ambiente.

Nas palavras de Pinto Ferreira (1995, p. 272), ecossistema pode ser entendido como a

...totalidade de partes harmonicamente articuladas em um todo mediante relações mútuas entre determinado meio ambiente como a flora, a fauna, assim como os micro-organismos que nele habitam, e ademais os fatores de equilíbrio geológico, atmosférico, meteorológico e biológico.

É esta interação que possibilita ao homem conhecer o funcionamento dos ecossistemas como forma de saber quais os limites toleráveis ao intervir no meio ambiente na utilização dos recursos naturais. Assim, de modo consciente, pode aproveitar muito melhor estes recursos trazendo retornos econômicos e sociais à sociedade aliados a preservação e recuperação dos meios degradados.

3.4.7. Princípio do Respeito à Identidade, Cultura e Interesses das Comunidades Tradicionais

Pode-se afirmar que a cultura de um povo é mais do que uma tradição é sua própria identidade, aquilo que a distingue dos demais grupos. Por isso o respeito e a preservação das culturas principalmente dos povos tradicionais é importante, por exemplo: dos índios da Amazônia, dos esquimós e dos povos do deserto, pois elas também são formas de expressão cultural como as demais, e não raras vezes, são as que revelam a maior harmonia com o seu meio. Não se pode admitir que em nome do crescimento econômico e do desenvolvimento, culturas como estas sejam aniquiladas.

De outro lado é preciso entender que a integração é muito importante, principalmente nos dias atuais, mas não pode ser implementada de forma que marginalizar ou impor restrições à cultura dos povos, já que a cultura constitui-se também num dos seus patrimônios.

É importante estabelecer uma política justa e humana em relação a estes povos já que:

...o reconhecimento e a proteção de seus direitos tradicionais à terra e a outros recursos nos quais se apoia seu modo de vida – direitos que eles podem definir em termos que não se enquadram nos sistemas legais regulares. As próprias instituições desses grupos para regulamentar direitos e obrigações são fundamentais para a manutenção da harmonia com a natureza e da consciência ambiental característica do modo de vida tradicional. (Nosso Futuro Comum, citado por MIRRA, 1994, p. 21).

Pode-se fundamentar este princípio no art. 216 da Constituição da República e no princípio 22 da Declaração do Rio 92.

Princípio 22: As populações indígenas e suas comunidades, bem como outras comunidades locais, têm papel fundamental na gestão do meio ambiente e no desenvolvimento, em virtude de seus conhecimentos e práticas tradicionais. Os Estados devem reconhecer e apoiar de forma apropriada a identidade, cultura e interesses dessas populações e comunidades, bem como habilitá-las a participar efetivamente da promoção do desenvolvimento sustentável. (SOARES, 2003, p. 195).

4. AVALIAÇÃO DE IMPACTO AMBIENTAL E PRINCÍPIOS PREVENTIVOS

Homem diz palavra complicada

Marketing, ecologia, hipertensão

Tecnologia virou destruição

Vai o meio ambiente na jornada

A natureza fica arrasada

Poluição geral é grandeza

Nas águas, plantas, ar, impureza

Mercúrio, pesticidas, cianeto

Tira a carne fica o esqueleto

Tudo isso é poder da natureza

(Do poema “Tudo isso é poder da natureza”,

de Teófilo de Azevedo).

4.1. Dos Princípios de Carácter Preventivo

Amplo debate doutrinário acerca da existência, em apartado, dos princípios da Prevenção e Precaução é verificado na ciência jurídico-ambiental brasileira.

Parte da doutrina entende que a distinção entre precaução e prevenção passa pela distinção entre risco (que corresponde à precaução) e perigo (que corresponde à prevenção). Segundo Vasco Silva (2002), o risco pode ser definido como “possibilidade de ocorrer uma situação de perigo”. Este, por sua vez, consiste na “possibilidade de ocorrer um dano”.

A despeito da pretensa existência do Princípio da Precaução 8, de cunho prospectivo, doutrina Vasco Pereira da Silva (2002, p. 67), corretamente:

O conteúdo do princípio da prevenção [...] tanto se destina, em sentido restrito a evitar perigos imediatos [iminentes] e concretos, de acordo com uma lógica imediatista e actualista, como procura, em sentido amplo, afastar eventuais riscos futuros, mesmo que não ainda inteiramente determináveis, de acordo com uma lógica mediatista e prospectiva, de antecipação de acontecimentos futuros. [...] Em minha opinião, preferível à separação entre prevenção e precaução como princípios distintos e autônomos é a construção de uma noção ampla de prevenção, adequada a resolver os problemas com que se defronta o jurista do ambiente (grifo nosso).

Ensina Machado (2007, p. 74) que:

Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção. (grifos nossos).

Paulo de Bessa Antunes (2009, p. 45) considera o princípio da prevenção aplicável a impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis; ou seja, que já se tenha uma história de informações sobre eles. Neste mesmo sentido as lições de Édis Milaré e José Adércio Leite Sampaio.

Segundo Leite e Ayala (2002), o princípio da prevenção se dá em relação ao perigo concreto, enquanto que, em se tratando do princípio da precaução, a prevenção é dirigida ao perigo abstrato.

Deve-se ainda atentar-se para a distinção existente entre risco, de natureza futura, sobre o qual se assenta o pretenso princípio da precaução; e perigo, de cunho imediatista, associado à lógica da prevenção, diferença esta reputada artificial e improcedente, assim como entendimento do professor Vasco Pereira da Silva.

Eckard Rehbinder, citado por Paulo Affonso Leme Machado, acentua que:

A Política Ambiental não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro. (grifo nosso) (MACHADO, 2007. p. 64).

Assevera José Adércio Leite Sampaio (2003, p. 72) que, em consonância com os ensinamentos de Carl F. Cranor, “a complexidade dos ecossistemas sempre introduz algum grau de incerteza, inclusive sobre danos supostamente conhecidos e previsíveis”, de tal modo a arrefecer a rígida distinção entre os princípios abordados.

Conhecendo-se os riscos (risco conhecido) que certa atividade pode gerar para o meio ambiente há a possibilidade de invocar-se o princípio da prevenção para adoção de medidas preventivas ou para sua não instalação, conforme decisão fundamentada. Por outro lado, não havendo certeza sobre os riscos (risco potencial), devem ser realizados estudos para tentar dimensioná-los, podendo ser inviabilizada a atividade nos casos de estudos inconclusivos invocando-se o princípio da precaução.

Uma análise terminológica atesta a irrefutável abrangência dos denominados atos preventivos. Prevenção, do latim praevenire (prae = antes, venire = vir), significa ato de antecipar-se; precaução, por sua vez, é dotada de maior especificidade, pois equivale à assunção antecipada (prae) de um cuidado (cavere).

Por derradeiro, há autores, como Milaré, que consideram o princípio da prevenção mais abrangente, incluindo neste o princípio da precaução. A teoria jurídica prevalente reconhece a existência autônoma de ambos. Certo é que ambos, em sentido lato, incluem atos preventivos. Justifica-se, portanto que se faça um estudo investigativo das peculiares características da precaução, na qualidade de princípio autônomo do Direito Ambiental.

4.1.1. Do Princípio da Prevenção

Pressupondo-se a existência de uma sociedade sujeita a riscos, perigos ou ameaças, incumbe ao Estado, na figura do agente público, munido da necessária cautela, a realização de um prognóstico das possíveis e prováveis consequências ambientais decorrentes de suas decisões e de fatos jurídicos externos, adotando, assim, as imperiosas medidas que os previnam ou minimizem.

O Estudo de Impacto Ambiental, por exemplo, necessário à licença de atividades públicas e privadas potencialmente lesivas ao meio ambiente, é um inegável procedimento administrativo de cunho preventivo. Através dele, os agentes públicos, ao diagnosticarem o perigo de dano, vetam ou condicionam a aprovação de obras ou projetos econômicos, visando à proteção dos recursos naturais. Conferir, nesses aspectos, o artigo 225, § 1°, IV da Constituição da República Federativa do Brasil (1988).

Destaca-se que a lei brasileira se baseou na legislação norte-americana, notadamente na National Environmental Protection Act – NEPA, de 1969, que disciplinou, nos Estados Unidos, a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A legislação norte-americana demonstrou-se inovadora e vanguardista, neste sentido.

Destaca-se, neste sentido, o Princípio n. 17 da Declaração do Rio de Janeiro, votado no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (1992), determina:

Princípio n. 17: A avaliação de impacto ambiental, como instrumento nacional, deve ser empreendida para atividades planejadas que possam vir a ter impacto negativo considerável sobre o meio ambiente, e que dependam de uma decisão da autoridade nacional competente. (Soares, 2003, 195)

A título de exemplo, a obtenção da licença ambiental para o exercício da atividade de abastecimento requer dos postos de combustíveis a observância de inúmeras diretrizes e normas de conduta. Assim, é necessária a entrega de documento comprovativo de destinação segura dos resíduos gerados, de tal forma a evitar a contaminação do solo e dos recursos hídricos. Em tal seara, no decorrer da atividade licenciada, o indicativo de vazamentos ou rupturas dos tanques armazenadores de combustíveis sujeita o empreendedor à apresentação periódica de estudos de monitoramento do solo.

O princípio aqui abordado propicia a inversão do ônus da prova e impõe ao potencial autor ou responsável a demonstração da inexistência de nexo causal entre a sua atividade e ulteriores danos constatáveis. Assim sendo, “para não adotar medida preventiva ou corretiva é necessário demonstrar que certa atividade não danifica seriamente o ambiente e que essa atividade não causa dano irreversível” (MACHADO, 2007, p. 79).

Tal princípio não somente vincula os Poderes de Estado, como também direciona através de parâmetros a atuação e o comportamento das pessoas físicas e jurídicas. O princípio da prevenção é fundamental na atuação ambiental devido ao alto potencial de irreparabilidade dos danos ambientais.

4.1.2. Do Princípio da Precaução

Segundo o Ministério de Meio Ambiente (BRASIL-MMA. s/d), o princípio da precaução foi formulado pelos gregos e significa ter cuidado e estar ciente. Precaução relaciona-se com a associação respeitosa e funcional do homem com a natureza. Trata das ações antecipatórias para proteger a saúde das pessoas e dos ecossistemas. Precaução é um dos princípios que guia as atividades humanas e incorpora parte de outros conceitos como justiça, equidade, respeito, senso comum e prevenção.

Bottini (2007, p. 62) utiliza os termos princípio da prudência ou princípio da cautela como equivalentes ao princípio da precaução.

O termo “precaução” deriva do latim tardio precautio-onis, que significa cautela antecipada. O princípio da precaução, princípio da prudência ou princípio da cautela, pode ser conceituado como a diretriz para a adoção de medidas de regulamentação de atividades, em casos de ausência de dados ou informações sobre o potencial danoso de sua implementação. É o princípio que lida com situações em que a ciência não pode providenciar uma ampla análise das consequências, deixando um grau de incerteza no que se refere aos efeitos de determinadas atividades.

Ensina Derani (2001, p. 169) que este princípio indica uma atuação “racional” para com os bens ambientais, com a mais cuidadosa apreensão possível dos recursos naturais, numa espécie de cuidado com o futuro. E, conclui:

Na verdade, “precaução contra o risco” objetiva prevenir já uma suspeição de perigo ou garantir uma suficiente margem de segurança da linha de perigo. Busca o afastamento, no tempo e espaço, do perigo, na busca também da proteção contra o próprio risco e na análise do potencial danoso oriundo do conjunto de atividades. Sua atuação se faz sentir, mais apropriadamente, na formação de políticas públicas ambientais, onde a exigência de utilização da melhor tecnologia disponível é necessariamente um corolário.

Eckard Rehbinder (apud Derani, 2001, p. 171) afirma que “precaução é cuidado” (in dubio pro securitate). Assevera que:

O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também de sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir desta premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade.

Apesar das várias formulações existentes sobre o princípio da precaução, é possível destacar três elementos que compõem o seu conteúdo: o reconhecimento de que determinado produto, técnica ou empreendimento envolve algum risco potencial; o reconhecimento de que existem incertezas científicas sobre os impactos imediatos ou futuros relacionados à implantação de determinado empreendimento ou uso de determinado produto ou técnica; e, a necessidade de agir adotando-se medidas de precaução.

Outros componentes do conteúdo conceitual do referido princípio são apontados pela doutrina: a avaliação da real necessidade da atividade, a inversão do ônus da prova e a participação democrática nos processos decisórios.

A avaliação da necessidade da atividade, que resulta da introdução do princípio da precaução nas políticas públicas, consiste em verificar se aquilo que se pretende empreender é realmente indispensável.

Para Gerd Winter (apud DERANI, 2001, p. 171), “à pergunta “causaria A um dano?”, seria contraposta a indagação “precisamos de A?”.

Segundo Winter, necessidade diz respeito àquilo que o ser humano precisa para a melhoria de sua qualidade de vida. Os desejos e a criatividade humanos são infinitos, o ambiente e os recursos de que se vale o homem para realização destes desejos são finitos. Portanto, o processo de apropriação de recursos naturais pelos seres humanos deve estar vinculado a valores de respeito e solidariedade social e atenção à manutenção dos processos ecológicos. Ao objetivo de toda atividade deve-se contrapor o grau de risco ao ambiente e à saúde.

Neste sentido ressalta Derani (2001, p. 172): “o critério geral para a realização de determinada atividade seria a sua necessidade sob o ponto de vista de melhora e não prejudicialidade da qualidade de vida”. Sendo assim, seria razoável a formulação de políticas com fundamento neste princípio.

Com relação à inversão do ônus da prova, quando aplicada, a relação de causalidade é presumida, uma vez que há imensas dificuldades para provar o dano ambiental. Observa-se que o nexo de causalidade é, nesta seara, relativamente presumido, admitindo-se, pois, prova em contrário.

Sendo assim, impõe-se ao empreendedor o encargo de provar que sua atividade a ser implantada não é efetiva ou potencialmente degradadora da qualidade ambiental. No caso de dúvida quanto à viabilidade ambiental de um empreendimento, deverá ser invocado o princípio da precaução com o objetivo de proteger o meio ambiente.

O princípio da precaução, segundo significativa parcela da doutrina brasileira, está alicerçado na tripla fonte de incertezas: a ignorância científica acerca da existência e natureza do dano ambiental; o desconhecimento da extensão dos seus perniciosos efeitos ecológicos e a ausência de irrefutáveis provas indicativas do nexo causal existente com o fato sujeito a avaliação e controle.

A seriedade ou a irreversibilidade dos danos, embora previamente indeterminados, justifica a adoção de imediatas medidas que os previnam ou minimizem, pois diante do risco, in dubio pro natura. Nesses aspectos, na atual dinâmica social, “o passado perde sua função determinante para o presente. É o futuro que vem substituí-lo e é, então, alguma coisa de inexistente, de construído, que se torna a ‘causa’ da experiência e da ação no presente” (MACHADO, 2007, p. 64).

A Declaração do Rio de Janeiro, votada no âmbito da Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, reunida no Rio de Janeiro, em 1992, disciplina:

Princípio 15: De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental. (Soares, 2003, p. 194)

O princípio da precaução é orientado por duas fases: o cálculo de riscos e a adoção de medidas protetoras dos recursos naturais. A avaliação dos riscos, futuros e indeterminados, e o consequente veto ou condicionamento da atividade sujeita a controle são, portanto, indubitavelmente, caracterizados por elevado grau de incerteza.

De forma a reduzir e limitar a arbitrariedade do agente público, propiciando maior transparência da atividade administrativa, há consentimento generalizado assente em determinados parâmetros decisórios, de cunho vinculativo, no âmbito da precaução, complementares aos princípios da Administração Pública. 9

Requer-se, assim, inicialmente, a análise de eficácia das medidas adotadas em função dos custos, conforme os ditames do princípio do desenvolvimento sustentável. Ademais, caberá impugnação de injustificada e desproporcional decisão administrativa, haja vista a existência de notório excesso de poder. Logo, “as medidas não podem ser desproporcionais em nível desejado de proteção e não devem postular risco zero” (SAMPAIO, 2003, p. 66).

O agente público, por fim, deve estar atento à eventual superveniência de conhecimentos científicos acerca do incógnito risco de dano, de tal maneira a prolatar, portanto, em razão da certeza, atos administrativos de maior eficácia, tornando-se a precaução sujeita à temporariedade.

Segundo José Adércio Leite Sampaio (2003, p. 64-65), em conformidade com os ensinamentos de Jordan e O’Riordan:

A razoabilidade, nesses termos, impõe-se como um critério valorativo e de juízo de adequação acautelatórios entre as informações disponíveis sobre a atividade e o dano, tanto no que diz respeito à sua ocorrência, quanto no pertinente ao grau de certeza de seus reflexos sobre o ambiente e a saúde humana, e a necessidade de assunção social do risco. É aqui que se instala a maior dificuldade do princípio, pois a percepção do risco é variável de cultura para cultura e até dentro do mesmo cenário cultural.

Tal diretiva da atividade pública é expressamente consagrada nas constituições brasileira e portuguesa, a saber:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado [...].

[...]

§ 1°. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

I – [...] prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;

II – [...] fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

[...]

§ 6°. As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas. (grifos ausentes) (Constituição da República Federativa do Brasil).

Art. 66, n. 2: Para assegurar o direito ao ambiente, [...] incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos:

a) prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão;

b) ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-econômico e a valorização da paisagem;

c) [...] classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; (grifos ausentes) (Constituição da República Portuguesa).

Observa Bottini (2007) que o princípio da precaução surge como diretriz para a gestão de riscos. As medidas de precaução são concebidas por intermédio de uma perspectiva vertical (ou hierárquica), ou seja, parte de documentos fundantes de direito ambiental internacional, (“... deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com as suas capacidades...” – Princípio 15 da Rio-92”), passando pelos dispositivos constitucionais (“controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente” – CRFB), para desaguar em ações efetivas, por exemplo, na elaboração e distribuição de determinado produto. Neste caso, sai de uma diretriz geral para direcionar-se para um determinado item, independentemente de seu processo de fabricação ou de criação, como ocorre com a interdição da comercialização de medicamentos ainda não testados.

4.2. O Estudo Prévio de Impacto Ambiental como Efetivação dos Princípios da Precaução e da Prevenção

A Lei n. 6.938/1981, art. 9º, III, já previa, desde a sua primeira edição, a avaliação de impactos ambientais como um dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente. Com a Constituição de 1988, um avanço muito importante foi dado, pois, ficou assegurado em nível constitucional, o estudo prévio de impacto ambiental, no caso de instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (CRFB, art. 225, § 1º, IV). Qualquer obra ou atividade, pública ou privada, que possa apresentar algum risco ao meio ambiente fica sujeita à elaboração do EIA, já que a Constituição não limitou os casos em que se deve realizar este estudo.

A implantação de qualquer atividade ou obra efetiva ou potencialmente degradadora deve submeter-se a uma análise e controle prévios. Tal análise se faz necessária para se anteverem os riscos e eventuais impactos ambientais a serem prevenidos, corrigidos, mitigados e/ ou compensados quando da sua instalação, da sua operação e, em casos específicos, do encerramento das atividades. (MILARÉ, 2007, p. 354).

Impacto ambiental pode ser entendido como qualquer degradação ou alteração do meio ambiente. A definição legal pode ser encontrada no art. 1º da Resolução 01/1986 do CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiente) que assim estabelece que:

...considera-se impacto ambiental qualquer alteração das propriedades físicas, químicas ou biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas, que, direta ou indiretamente, afetam: I – a saúde, a segurança e o bem estar da população; II – atividades sociais e econômicas; III – biota; IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; V – a qualidade dos recursos ambientais. (BRASIL-CONAMA, 2012, p. 922).

Resumidamente, considera-se impacto ambiental o conjunto das repercussões e das consequências que uma nova atividade ou uma nova obra, quer pública ou privada, possa ocasionar ao meio ambiente físico com todos os seus componentes (segurança do território) e às condições de vida da população interessada (qualidade de vida).

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental é um estudo das prováveis modificações nas diferentes características socioeconômicas e biológicas do meio ambiente que podem resultar de um projeto proposto.

O Estudo Prévio de Impacto Ambiental tem como objetivo descrever os impactos ambientais previsíveis, em decorrência de obras ou atividades; identificar a extensão destes impactos, com sugestões específicas relacionadas a alternativas que sejam apropriadas para dirimir impactos negativos sobre o meio, confrontando-as com a hipótese de não execução do projeto, avaliando-se, também, o grau de reversibilidade ou irreversibilidade dos impactos. Enfim, o EPIA deve avaliar a viabilidade ambiental de uma atividade, impedindo que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado seja lesionado. Deve ser realizado por uma equipe técnica multidisciplinar, e deverá preceder a execução de qualquer projeto, seja ele público ou privado, potencialmente causador de significativa degradação ambiental.

Compreende dois elementos fundamentais: o estudo deve ser prévio e realizado nos casos de obras ou atividades que tenham a potencialidade de causar (precaução) significativo impacto ambiental.

Com relação ao primeiro elemento, a Constituição de 1988 estabelece que o estudo de impacto ambiental deve ser elaborado antes da instalação de uma obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Como se refere expressamente a estudo prévio de impacto ambiental, este dado temporal tem especial importância, pois demonstra a preocupação com os aspectos da prevenção que devem nortear as questões ambientais, uma vez que a apropriação de recursos naturais sem cuidado com a proteção do meio ambiente pode inviabilizar a vida na Terra.

No tocante ao segundo elemento, nos casos em que houver potencialidade de causar significativo impacto ambiental, diante da incerteza do dano, do risco potencial de dano e, portanto, considerando-se o princípio da precaução, deverá ser realizado o Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Este estudo, para possibilitar uma melhor percepção dos efeitos perigosos, deverá ser acompanhado de uma análise de risco que verifique a probabilidade de ocorrência e a dimensão das consequências destes efeitos. Isto requer uma avaliação científica criteriosa, conduzindo a uma conclusão que exprima a possibilidade de ocorrência e a gravidade do impacto de um potencial perigo para o ambiente ou a saúde de uma determinada população, incluindo a extensão dos possíveis danos, a sua persistência, a reversibilidade e os efeitos retardados.

Contudo, há situações em que os dados científicos são insuficientes para poder aplicar concretamente estes elementos de prudência em que as relações de causa-efeito são pressentidas, mas não demonstradas.

Nestas situações, verifica-se a importância da participação da sociedade que deverá ser informada e esclarecida para que haja uma decisão democrática, construída a partir de um processo de discussões e negociações. Abre-se assim a possibilidade de ser invocado o princípio da precaução quando a avaliação científica não permita determinar com suficiente certeza o risco em questão. Esta situação evidencia a importância das audiências públicas no procedimento de licenciamento ambiental do qual o Estudo Prévio de Impacto Ambiental faz parte, como antecedente lógico.

A audiência pública deverá ser realizada, conforme dispõe o art. 2º da Resolução do CONAMA 09/1987 (BRASIL-CONAMA, 2012, p. 929) nos seguintes casos: quando o órgão competente julgar necessário; quando houver solicitação de uma entidade civil, do Ministério Público ou de 50 (cinquenta) ou mais cidadãos. Nessa ocasião, os interessados terão acesso a informação sobre o projeto e seus possíveis impactos, podendo discutir os termos do Relatório de Impacto Ambiental elaborado e dar sugestões a respeito. Vale lembrar que a não observância da solicitação para realização de audiência pública implicará a invalidação da licença ambiental concedida. (art. 2º, § 2º, in fine da Resolução CONAMA 09/1987).

A partir da divulgação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental é que deve ocorrer a audiência pública. Nesta se estabelece um canal de participação com o público interessado, cujas reivindicações se farão ouvidas ou não, de acordo com sua capacidade de mobilização, reivindicação e influência sobre o órgão ambiental na emissão da licença ambiental. Há necessidade de que sejam prestadas informações sobre o empreendimento e suas consequências para que se conheçam os riscos potenciais gerados pelo empreendimento ao meio ambiente, possibilitando a discussão sobre quais destes riscos são aceitáveis.

O objetivo da audiência pública é proporcionar uma decisão prudente por parte do órgão público, levando-se em consideração as observações feitas por ele próprio, pelo empreendedor e pela sociedade civil.

Para que isto ocorra, são necessários três requisitos básicos: a) a audiência deve ser realmente interativa, isto é, não basta a exposição do projeto pelo empreendedor ou pelo órgão ambiental, é necessário que haja um debate sobre seus aspectos positivos e negativos, possibilitando ao público refletir e se posicionar sobre o projeto; b) é necessário que o público presente tenha oportunidade de se informar adequadamente sobre o projeto e sobre suas consequências para preparar sua participação adequada antes da ocorrência da audiência; c) é necessário que as discussões tidas na audiência vinculem a decisão que venha a ser tomada, pois nada adianta apresentar críticas e sugestões se a autoridade não está obrigada a analisá-las e utilizá-las na motivação de seu ato, ficando a participação desprovida de eficácia jurídica.

Ressalte-se, contudo, que a referida vinculação não significa que a autoridade tenha que acatar as críticas e sugestões feitas pela sociedade civil, mas deve levá-las em consideração, justificando porque as acatou ou recusou. Neste sentido, a Resolução CONAMA 09/1987 (BRASIL-CONAMA, 2012, p. 929) estipula que “a ata da(s) audiência(s) pública(s) e seus anexos, servirão de base, juntamente com o RIMA, para a análise e parecer final do licenciador quanto à aprovação do projeto” (art. 5º). Significa que estes documentos devem subsidiar a fundamentação da decisão, pois o ato administrativo autorizador poderá ser invalidado pela instância administrativa superior ou por via judicial, quando o mesmo deixar de conter os motivos favoráveis ou desfavoráveis contidos na ata e seus anexos. (MACHADO, 2007).

É possível dizer que a maneira mais eficaz de defender e preservar o meio ambiente se encontra na informação e na participação de cada indivíduo. Assim, a efetiva participação pública nos processos de tomada de decisão legitima e fortalece a aplicação do princípio da precaução. Se uma parcela da sociedade pode ser prejudicada em sua qualidade de vida se um risco potencial se transformar em dano, cabe somente a ela decidir sobre o nível de risco potencial é aceitável.

5. DA COMPLEMENTARIEDADE ENTRE OS PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO E DA PRECAUÇÃO

Vi, depois, um novo Céu e uma nova Terra,
Porque o primeiro Céu e a primeira
Terra haviam desaparecido...
(Ap. 21,1)

Das considerações anteriores pode-se concluir, parcialmente, que a construção do desenvolvimento ocorre com as relações entre os homens, e deles com a natureza, que se desenrolam no tempo e no espaço. As relações no processo de desenvolvimento possuem um fim último: a construção da felicidade dos sujeitos e da comunidade.

O princípio da prevenção é aquele norteador dos mecanismos de gestão do meio ambiente, dado sua característica marcadamente territorial (espaço). Como leciona o mestre Paulo Nogueira Neto, homem é território. Assim, o princípio da prevenção é o princípio fundamental para o estabelecimento de uma correta política de preservação do meio ambiente, pois a ocorrência do dano em matéria ambiental pode significar a perda irreparável de todo um ecossistema. Confirma-se, assim, a máxima popular de que “é melhor prevenir que remediar”.

No entanto, os interesses humanos em apropriar-se dos bens materiais não têm limite fixo, seja em relação à intensidade da utilização destes recursos, seja quanto ao tempo de exploração destes bens. Daí a constante inquietude quanto às consequências de um desenvolvimento econômico sem uma dimensão temporal adequada.

Neste sentido, as palavras de Alexandre Kiss:

A preservação do meio ambiente está obrigatoriamente focada no futuro. Uma decisão consciente para evitar o esgotamento dos recursos naturais globais, em vez de nos beneficiarmos o máximo das possibilidades que nos são dadas hoje, envolve necessariamente pensar no futuro. (2004, p. 2)

Sem dúvida, a ideia de desenvolvimento sustentável envolve uma dimensão temporal e um esforço para prever as consequências para o futuro das decisões que tomamos no futuro. Ensina Kiss (2004, p. 3) que, para haver justiça, a riqueza que herdamos das gerações precedentes não deve ser dissipada para a nossa exclusiva conveniência e prazer, mas passada adiante para aqueles que nos sucederão tenham oportunidade de satisfazer, igualmente, as suas necessidades. 10

Numa perspectiva temporal, verifica-se uma relação orgânica entre o desenvolvimento e o princípio da precaução.

Ensina Bottini (2007, p. 62-3) que:

O termo “precaução” deriva do latim tardio precautio-onis, que significa cautela antecipada. O princípio da precaução, princípio da prudência ou princípio da cautela, pode ser conceituado como a diretriz para a adoção de medidas de regulamentação de atividades, em casos de ausência de dados ou informações sobre o potencial danoso de sua implementação. É o princípio que lida com situações em que a ciência não pode providenciar uma ampla análise das consequências, deixando um grau de incerteza no que se refere aos efeitos de determinadas atividades.

O princípio da precaução vem merecendo atenção especial do direito internacional contemporâneo, na medida em que reforça a necessidade de tomada de decisões antevendo-se prováveis danos ambientais.

A aplicação do princípio da precaução deve envolver uma parte técnico-científica em que os riscos potenciais gerados por uma determinada atividade são identificados e analisados e também uma parte política. Esta permite à sociedade a participação da gestão de riscos, desestimulando a irresponsabilidade social na medida em que impede a difusão da ideia equivocada de que é possível chegar um dia em que o crescimento econômico não terá nenhum impacto ambiental.

Precaução significa cuidar, tomar providências para evitar o indesejado. De acordo com a orientação contida neste princípio deve ser evitada toda conduta, empreendimento, obra ou atividade que possa vir a causar danos ambientais não comprovados ou não mensuráveis. Observa José Rubens Morato que:

Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao meio ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta. (LEITE, 2000, p. 48).

A tomada de decisão no estudo de impacto ambiental, quando norteadas pelo princípio da precaução, não devem, em princípio, ser orientadas por uma prudência excessiva que impeça o agir ou o fazer. Ao contrário, pressupõe-se que tenham sido identificados, antecipadamente, efeitos potencialmente perigosos decorrentes da atividade e que a avaliação científica tenha sido suficientemente capaz de dirimir a dúvida gerada pela impossibilidade da determinação do risco, com a segurança desejada para a emissão de juízo de razoável certeza.

O princípio da precaução, como já dito, não significa a prostração diante do medo, não elimina a audácia saudável, mas se materializa na busca da segurança do meio ambiente e da continuidade da vida (MACHADO, 2007).

Portanto, o princípio da precaução é um instrumento essencial a ser observado nos processos decisórios relacionados a empreendimentos sujeitos a Estudo Prévio de Impacto Ambiental e sua aplicação envolve a possibilidade de participação pública democrática nesses processos, uma vez que trazendo consigo a ideia de cautela, cuidado antecipado, visa a salvaguardar os interesses das presentes e futuras gerações.

Ensina Leite (2007, p. 171) que “não resta dúvida de que os princípios da atuação preventiva e da precaução são, de fato, irmãos da mesma família, e pode-se dizer que ambos são os dois lados de uma mesma moeda”. A diferença entre os dois princípios está na avaliação do risco ao meio ambiente.

Avalia Kiss (2004) que a precaução surge quando o risco é alto e o princípio deve ser acionado nos casos em que a atividade pode resultar em degradação irreversível, ou nas hipóteses em que os benefícios derivados da atividade são desproporcionais ao impacto negativo ao meio ambiente. Neste sentido, vale a máxima: deve-se sempre optar pelo custo mínimo para a sociedade, que se desdobra: na dúvida não faça e, em se fazendo, deve-se buscar o estado da arte da tecnologia na implantação da atividade.

A prevenção, por outro lado, é fundamentada no princípio de que a degradação ambiental deve ser evitada, preventivamente, através de medidas de combate à poluição, em vez de esperar que esta ocorra para tentar combater os seus efeitos. Aqui vale a máxima: uma vez implantada a atividade, “mais vale prevenir que remediar”. Ou seja, deve-se implementar todas as medidas técnicas possíveis para melhor prevenir a degradação do que remediá-la a posteriori. O objetivo fundamental perseguido pelo princípio da prevenção é a proibição da repetição de atividades ou de processos sabidamente perigosos.

Estabelece-se assim uma relação de proximidade e de complementariedade entre os dois princípios. Refletir antes de agir é um preceito que deveria guiar as ações do homem em todas as ações. É fato que os construtores, empreendedores, engenheiros, industriais sempre precedem seus projetos com estudos aprofundados a fim de avaliar a solidez, a utilidade e a nocividade de suas construções... Com o estudo de impacto, a pesquisa prévia muda de natureza e de foco, sendo necessário estudar a inserção do projeto no meio ambiente, avaliando seus efeitos diretos e indiretos, imediatos e posteriores, individuais e coletivos (PRIEUR apud GUERRA & LIMMER, 2001, P. 573).

Em um primeiro momento, deve-se verificar se as agressões ao ambiente, uma vez consumadas, são de reparação difícil, incerta e custosa aplica-se o Princípio da Precaução. Com base neste princípio, sempre que houver perigo da ocorrência de dano grave ou irreversível, a ausência de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para adiamento da adoção de medidas eficazes a fim de impedir a degradação ambiental.

Destaca-se que cabe ao empreendedor provar, através de estudos técnicos e observações científicas a dimensão do risco da implantação do empreendimento ou atividade. Neste sentido, destaca Wolfrum (2004, p. 19):

O princípio da precaução deve ser aplicado, de forma que aquele que visa a empreender uma determinada atividade tem que provar seu impacto, ao contrário da visão, segundo a qual aquele que almeja restringir ou proibir aquela atividade tem que prover que ela resultará em dano ambiental.

Dada à acelerada evolução da tecnologia, se uma atividade foi proibida ou restrita com base no princípio da precaução, a incerteza sob a qual esta decisão foi tomada deve ser reanalisada em intervalos regulares.

Em segundo momento, o princípio da prevenção “deve ser invocado em todas as atividades ou empreendimentos cujos efeitos no ambiente sejam conhecidos e previsíveis”. (RIOS & DERANI, 2005, p. 95).

Em breves palavras, os autores resumem:

O princípio da precaução não se confunde com o da prevenção ao dano ambiental, embora tenham a mesma origem, uma vez que ambos são instrumentos poderosos para evitar e prevenir a ocorrência de danos ao meio ambiente, e a diferença entre eles está na incerteza científica ou no grau de avalição dos riscos de certas atividades ou substâncias. (RIOS & DERANI, 2005, p. 95)

Pode-se afirmar que a prevenção deve guiar as ações administrativas nos exames de autorizações e licenças de atividades que possam afetar o meio ambiente, bem como para exigências de implementação de medidas mitigadoras de impacto ambiental. Já a precaução, como medida de cautela antecipada e se acha relacionada com os danos ambientais irreversíveis e a incertezas científicas, obrigando a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Finalmente, pode-se deduzir, da análise do art. 225 da Constituição brasileira, a interligação entre os princípios da precaução, da prevenção, da defesa do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável e que todos traduzem referências ao Estado Democrático, que tem como pressuposto a prevalência dos direitos fundamentais.

A construção de um Estado Democrático do Ambiente como Estado de Direito demanda, portanto, a garantia do direito fundamental ao debate sobre as políticas ambientais e sobre a existência de instrumentos para a prevenção de danos ao meio ambiente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O mundo atual sofre sérios problemas ambientais que exigem uma resposta do Direito. Estes problemas podem ser percebidos por inúmeros fatos que representam ameaças globais à própria vida do homem na Terra.

É de se destacar que a preocupação com as questões ambientais, principalmente no tocante à finitude dos recursos naturais provocou o nascimento de um novo ramo do Direito – o Direito Ambiental – que se desenvolveu a partir da I Conferência sobre o Meio Ambiente, realizada na Suécia em 1972. No Brasil, com a Constituição de 1988, o meio ambiente passou a ser formalmente considerado um bem jurídico. Trazendo grandes inovações, a atual CRFB, de forma diferenciada, 11procurou dar efetiva tutela ao meio ambiente, incluindo em seu bojo vários princípios norteadores dos meios e instrumentos que visam tutelar o meio ambiente. Ao estabelecer normas direcionadas à problemática ambiental, declarando o meio ambiente como bem essencial à qualidade de vida das pessoas e estabelecendo as diretrizes da preservação e proteção dos recursos naturais, norteia o caminho da implementação de políticas públicas ambientais.

A proteção do meio ambiente é fundamental, tornando-se dessa forma, o Direito Ambiental, um importante instrumento à disposição da sociedade, pois está relacionado diretamente à qualidade de vida das pessoas e à preservação dos recursos disponíveis na natureza, bem como, ao desenvolvimento econômico e social.

Os problemas ambientais podem ser relacionados a outras diversas questões, como a democracia, a produção industrial, a superpopulação, a energia e aos recursos hídricos, sendo inegável a sua importância. Isso só vem a reforçar, a necessidade da participação ativa da sociedade, como forma de defender e preservar o patrimônio ambiental que lhe pertence, como muito bem estabeleceu o artigo 225, da Constituição brasileira.

Este trabalho teve como objetivo correlacionar os princípios da precaução e da prevenção, para chegar à conclusão de que ambos se complementam e têm como principal fim o desenvolvimento sustentável.

De construção relativamente recente (e, por vezes de difícil compreensão), a primeira e maior preocupação para entender o significado do princípio da precaução é ter-se em mente que um componente que está profundamente relacionado com o meio ambiente é a incerteza científica. A maioria dos processos ambientais e os elementos da natureza são complexos, desconhecidos em sua inteireza pela comunidade científica. Tal incerteza levanta várias dificuldades quanto ao gerenciamento ambiental e mensuração dos potenciais impactos que possam decorrer de um dado projeto ou atividade.

Terminado este trabalho, apesar de todo esforço empreendido em sua elaboração, não há como deixar de registrar uma preocupada decepção. Objeto de bibliografia relativamente vasta e das muitas construções jurídicas desenvolvidas pelos teóricos do Direito sobre o assunto, ainda persiste certa dificuldade sobre o entendimento do princípio da precaução e, principalmente, sobre a sua aplicação prática.

Na tentativa de resumir e simplificar, deduz-se, das lições do professor Chris Wold (2003), que o sentido do princípio da precaução pode ser alcançado quando se responde a um conjunto de questões fundamentais que circunscrevem a sua própria aplicação.

A primeira questão consiste em saber quando este princípio deve ser aplicado. A maior dificuldade, e que deixa a questão em aberto, é se saber qual o grau de incerteza científica que, presente, torna necessária a adoção de medidas de precaução.

A segunda questão a ser formulada para uma adequada compreensão do princípio da precaução consiste em saber qual a gravidade do dano ao meio ambiente ou a intensidade do impacto negativo na saúde humana que justifica a sua aplicação.

A questão seguinte versa sobre quais ações devem ser adotadas quando se decide por sua aplicação. Neste ponto, a Declaração do Rio responde que as ações exigíveis consistem em medidas economicamente viáveis para se prevenir ou mitigar os possíveis impactos negativos.

Por fim (mas, provavelmente não a última), outra questão a ser enfrentada consiste em se estabelecer a quem cabe o ônus de demonstrar se existe ou não certeza científica suficiente sobre o curso de ação a ser adotado, se os impactos negativos a ele associados são considerados significativos e se as medidas de prevenção propostas são ou não economicamente viáveis. A esta questão a lei brasileira já obteve uma resposta, cabendo ao empreendedor o ‘ônus da prova’.

Todavia, não se deve esquecer que o princípio da precaução é de formulação recente e muitos de seus aspectos ainda estão a merecer consideração mais aprofundada. Muitos autores que estudaram o tema deixam a questão aberta, já que não há unanimidade nem mesmo sobre os mais elementares conceitos e aspectos que embasam este princípio.

Que precaução e prevenção se acham intimamente relacionadas não resta dúvida. Para Milaré, a prevenção, por seu caráter genérico, engloba a precaução. 12 Discorda-se, pois, apesar de ambos conterem o caráter preventivo, um não contém o outro.

Para autores como Antunes, há diferenças marcantes entre ambos: a prevenção se aplica a impactos ambientais já conhecidos e a precaução diz respeito a reflexos ao ambiente, ainda não conhecidos cientificamente.

Para Marcelo Abelha Rodrigues, a precaução antecede a prevenção, pois a sua preocupação não é apenas evitar o dano ambiental, mas evitar os riscos ambientais – riscos sequer conhecidos, pois se o forem, cabe preveni-los. É desta tese que comungamos e sobre ela construímos o nosso trabalho. Parece lógico que o Brasil tenha adotado esta linha. Ao se exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental, em primeiro lugar quer-se conhecer qual é o risco da implantação da atividade (precaução), para depois, em se conhecendo o risco, impor as ações administravas nos exames de autorizações e licenças de atividades que possam afetar o meio ambiente (prevenção).

Finalmente, é de se concluir que a temática ambiental traz questões perturbadoras a responder e ao mesmo tempo intrigantes. Os problemas são desafiadores. O dilema essencial do ‘processo de desenvolvimento’ versus o ‘uso dos recursos naturais’ é exacerbado por uma escala de efeitos desconhecidos e pelo uso contínuo de recursos, cujos efeitos têm-se mostrado letais. O desafio da humanidade é continuar sua marcha rumo ao desenvolvimento, porém com cuidado e responsabilidade.

Absorvendo os ensinamentos de Dante Alighieri (Paraíso, VIII, 142-144), cabe a todos nós continuarmos a estudar a natureza para melhor entendê-la e assim garantirmos um futuro viável para a humanidade.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AMARAL, Francisco. Direito civil: Introdução. 6. ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12. ed., ampl. e reform. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Tradução Nelson Coutinho. 9. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Crimes de Perigo Abstrato e Princípio da Precaução na Sociedade de Risco. São Paulo: RT, 2007.

BRASIL-CONAMA. Resoluções do Conama: Resoluções vigentes publicadas entre setembro de 1984 e janeiro de 2012. / Ministério do Meio Ambiente. Brasília: MMA, 2012.

BRASIL-MMA. Agenda 21 Global. (s/d) Disponível em: http://www.mma.gov.br/responsabilidade-socioambiental/agenda-21/agenda-21-global. Acesso em 05 fev. 2014.

BRASIL-MMA. Princípio da Precaução. Disponível em: http://www.mma.gov.br/biodiversidade/biosseguranca/organismos-geneticamente-modificados/item/7512. Acesso em 27 fev. 2014.

CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio Ambiente & Direitos Humanos. Curitiba: Juruá, 2005.

DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.

FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição Brasileira. v. 7. São Paulo: Saraiva, 1995.

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 14. ed., rev., ampl. e atual. em face da Rio+20 e do Novo “Código” Florestal. São Paulo: Saraiva, 2013.

GRAZIERA, Maria Luiza Machado. Direito Ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

GUERRA, Isabella Franco; LIMMER, Flávia C. Princípios Constitucionais Informadores do Direito Ambiental. In: PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly (Org.). Os Princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001.

HERMANS, Maria Artemísia Arraes (Coord.). Direito Ambiental: o desafio brasileiro e a nova dimensão global. Brasília: Brasília Jurídica: OAB, Conselho Federal, 2002.

KISS, Alexandre. Direitos e interesses das gerações futuras e o princípio da precaução. In: VARELLA, Marcelo Dias e PLATIAU, Ana Flávia Barros (org.). Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes e LEITE, José Rubens Morato (org.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

__________; AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

__________. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000.

LUTZENBERGER, José. Nós estamos consumindo o planeta. Valor, E-10, 09 ago. 2000. (Entrevista a Sergio Bueno).

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: Doutrina, Prática, Jurisprudência, Glossário 5. ed. São Paulo: RT, 2007.

MIRRA, Álvaro Antônio Valery. Fundamentos do Direito Ambiental no Brasil. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 706, p. 8-29. ago. 1994.

MUKAI, Toshio. Direito Ambiental Sistematizado. 8. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2012.

PIVA, Rui Carvalho. Bem Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2000.

RIOS. Aurélio Virgílio Veiga; Cristiane, DERANI. Princípios Gerais do Direito Internacional Ambiental. In: RIOS, Aurélio Virgílio Veiga; IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney. O Direito e o Desenvolvimento Sustentável: Curso de direito ambiental. São Paulo: Peirópolis; Brasília: IEB, 2005.

RODRIGUES, Marcelo Abelha. Direito Ambiental Esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2013.

SAMPAIO, José Adércio Leite. Constituição e meio ambiente na perspectiva do direito constitucional comparado. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio (org.). Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

SÉGUIN, Elida. O Direito Ambiental: Nossa Casa Planetária. 3. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 6. ed., atual. São Paulo: Malheiros, 2007.

SILVA, Vasco Pereira da. Verde: Cor de Direito: Lições de Direito do Ambiente. Coimbra: Almedina, 2002.

SOARES, Guido Fernando Silva. A Proteção Internacional o Meio Ambiente. Barueri, SP: Manole, 2003.

SUNDFELD, Carlos Ary. Fundamentos de direito público. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

VARELLA, Marcelo Dias. Direito Internacional Econômico Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

VEIGA, José Eli da. Meio Ambiente & Desenvolvimento. São Paulo: Senac-SP, 2006.

WOLD, Chris. Introdução ao Estudo dos Princípios de Direito Internacional do Meio Ambiente. In: SAMPAIO, José Adércio Leite; WOLD, Chris; NARDY, Afrânio (org.). Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

WOLFRUM, Rüdiger. O Princípio da Precaução. In: VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia (org.). Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Moromizado. Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo. Juarez de Oliveira, 2006.

1 Importante recordar a posição firme do Brasil nesta Conferência, repudiando as pretensões das nações mais desenvolvidas que pregavam a teoria do crescimento zero, implicando taxas de desenvolvimento menos agressivas para a natureza, tal como formulado pelo ensaio Limites ao Crescimento, elaborado pelo Clube de Roma. A teoria do crescimento zero foi amplamente combatida em Estocolmo pelos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, que eram considerados os maiores degradadores da Natureza. O Brasil defendeu radicalmente a tese contrária aos países desenvolvidos que propunham impedir os países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento de explorarem seus recursos naturais, sob a alegação de que estes também tinham o direito de obterem, com a exploração destes recursos, o desenvolvimento econômico que os países desenvolvidos já tinham atingido. O Brasil, assumindo o discurso da Primeira Ministra da Índia – Indira Gandhi – pregava a ideia de que seu país tinha ainda muito a se desenvolver e que a sua maior “poluição” era a fome.

2 A Agenda 21, popularizada como “estratégia da Cúpula da Terra para salvar o planeta”, é a proposta sobre desenvolvimento sustentável por excelência. Pode ser definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, que concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica (HERMANS, 2002).

3 No mesmo artigo, o autor descreve a diferença entre os direitos difusos e os direitos coletivos e individuais homogêneos. Coletivos são “os transindividuais de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica de fato”. Individuais homogêneos “são aqueles entendidos como decorrentes de origem comum”.

4 Apesar de existirem outros mais, aqui se faz apenas algumas referências aos dispositivos constitucionais em matéria ambiental.

5 Observação a ser feita é quanto às praias, aos terrenos marginais e à água.

6 Declaração sobre Desenvolvimento, citado por Rodrigues (2013, p. 279).

7  Não se pretende conceituar especificamente e nem mais detalhadamente o que seja desenvolvimento sustentável, uma vez que, por envolver fatores sociais, políticos, econômicos e culturais, apresenta certo caráter subjetivo: o que um país entende por desenvolvimento sustentável pode ser diferente do que outro país entende, por isso, sua conceituação torna-se muito complexa.

8  O Tratado constitutivo da União Europeia, por exemplo, prescreve que “a política da Comunidade no domínio do ambiente [...] basear-se-á nos princípios da precaução e da ação preventiva” (art. 174, n. 2, Tratado de Roma, 1957). Os países de língua inglesa utilizam, mormente, a distinção entre os supracitados princípios, caminhando, no mesmo sentido, boa parte da jurisprudência internacional. (SILVA, 2002).

9 Princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 37, caput, Constituição da República Federativa do Brasil, 1988).

10 É este o sentido da expressão equidade geracional inserido no conceito de desenvolvimento sustentável, que recomenda cautela de todos para que as gerações futuras tenham oportunidade de usufruir de um meio ambiente hígido e equilibrado.

11  Registre-se que, anteriormente, já havia regulamentação a respeito, mas não previstas na ordem constitucional, como, por exemplo, a Lei n. 6.938/1981, que se refere à Política Nacional do Meio Ambiente.

12 Observa-se que o autor, até 2004 não fazia qualquer diferença entre os dois princípios e somente a partir desta data reconhece as diferenças em suas formulações e finalidades.


Publicado por: Isa Guerra Athayde Emery

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.