Crítica ao poder punitivo e a seletividade na criminalização
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. O DIREITO PENAL E O PODER PUNITIVO
- 3.1 As razões ideológicas para a existência do Poder Punitivo Estatal
- 3.2 Os Objetivos Declarados da Legislação Penal
- 3.3 Críticas aos Objetivos Declarados
- 4. DA CRIMINALIZAÇÃO
- 5. CONCLUSÃO
- 6. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
Esta monografia tem o objetivo de expor que o discurso acerca dos fatores determinantes da condenação criminal é ineficaz e não condiz com a realidade brasileira, tendo em vista o expressivo aumento da população carcerária e o alto índice de reincidentes, formados principalmente de invisíveis sociais, vitimados pelo poder de coerção do Estado, pelas políticas desiguais do país e pelos fatores estigmatizantes que selecionam quem deve ser criminalizado. Objetiva criticar o processo de ressocialização utilizando dados e fatos sociais e jurídicos, bem como o referencial teórico para ratificar os argumentos trazidos, culminando posteriormente, com um parecer final. O assunto em questão é de extrema relevância e deve ter uma atenção especial tanto dos tribunais quanto das autoridades administrativas e legislativas, a fim de promover factualmente a igualdade e melhores condições sociais à população. Esta monografia será dividida em quatro capítulos que serão subdivididos. A primeira parte do conteúdo expõe o Direito Penal e Poder Punitivo. A segunda fala sobre o poder punitivo, a sua divisão e dá ênfase na seletividade. Este tema realiza uma crítica contra a seletividade punitivista e da ineficácia da lei penal no sistema capitalista brasileiro. Por fim, haverá exposição de dados alarmantes da reincidência criminal. O método utilizado para estudo consiste em espécie de fichamento, tendo enfoque nas pesquisas doutrinárias e dados atuais.
PALAVRAS-CHAVE: Seletividade. Criminalização. Estigma.
ABSTRACT
This monograph aims to expose the discourse on the determinants of criminal conviction is ineffective and does not match with the Brazilian reality, given the significant increase in the prison population and the high rate of repeat, formed mainly of social invisible victims the coercive power of the state, the country and unequal policies by stigmatizing factors that select who should be criminalized. Objectively criticize the process of resocialization using data and social and legal facts, as well as the theoretical framework to ratify brought arguments, culminating later with a final opinion. The subject matter is extremely important and should be a special attention of both courts and administrative and legislative authorities in order to promote equality and factually better social conditions for the population. This monograph is divided into four chapters that are subdivided. The first part of the contents exposes the Criminal Law and Punitive Power. The second talks about the punitive power, their division and gives emphasis on selectivity. This theme carries a critique of punitivista selectivity and the ineffectiveness of the criminal law in the Brazilian capitalist system. Finally, there will be exposure of alarming data recidivism. The method used to study consists of species BOOK REPORT, with a focus on doctrinal research and current data.
KEYWORDS : Selectivity. Criminalization. Stigma.
2. INTRODUÇÃO
2.1. O Problema e sua Importância
É comumente abordada pelos doutrinadores do Direito Penal a ineficácia da aplicação das penas, bem como os motivos de sua existência. Porém, no cotidiano de um profissional liberal, de um operador do Direito ou da grande maioria dos advogados, também se percebe facilmente que a preocupação maior não se encontra nos fatores estigmatizantes, nem nos fatores psicológicos, nem nos fatores morais, mas se trata daquelas paixões, as que diria Hobbes, a individualidade. Neste sentido, é o interesse individual que move a indústria das penas e dos crimes.
Existe uma corrente dependente, que busca tentar resolver, mediante punição, a consequência do problema e nunca evitá-lo em sua origem. Ou seja, só deseja inserir o indivíduo em um ciclo vicioso e perigoso da punição, sem admitir que seja necessário mudar o sistema atual. O Estado impõe a ideologia de que é necessário mais rigor punitivo e não consegue conceber que este sistema falido necessita muito mais de políticas sociais de inclusão.
Assim, não é novidade quando constatamos que a política criminal brasileira é ineficaz. Afinal, segundo pesquisa realizada pelo Conselho Nacional de Justiça em 2011, estima-se que cerca 70% dos ex-presidiários voltam ao crime e que a população carcerária no mesmo ano foi contabilizada em cerca de 550 mil pessoas. Assim, estes dados só confirmam que a pena no Brasil não tem caráter preventivo algum, nem geral, nem específico.
Se concluímos que o caráter preventivo da pena é ineficaz, assim também é o retributivo. Este inclusive, veio da escola clássica, que é bem definido por BETTIOL: A pena é, portanto, um sofrimento impingido ao delinquente por causa do delito praticado. A ideia de retribuição encontra-se de tal modo intrinsecamente ligada ao conceito de pena, que fora dessa justificação a pena não existe.
O Brasil adota a teoria mista para definir e justificar a aplicação da pena. Ou seja, ambas as teorias citadas são apresentadas pela nossa doutrina, mas pensar que o problema da criminalidade termina numa mera definição de pena é um grande engano.
Os problemas são de forma tão amontoados que é difícil enumerar. Vai desde a base educacional (moral e cultural) de cada pessoa, passa pela influência burguesa da mídia, pela influência que o meio exerce, pela ausência dos serviços básicos do Estado, passa pela falta de oportunidades de crescimento lícito, pelas agências do poder punitivo, pelo cumprimento de uma pena que de fato é degradante e escola para delinquência, até chegar aos estigmas sociais após o cumprimento de uma pena privativa de liberdade.
Os indivíduos desfavorecidos financeiramente, mal inseridos na sociedade, negros, homossexuais, residentes em regiões periféricas, dentre outros, são potenciais vítimas da rotulação realizada pelas classes elitizadas, bem como objeto do controle estatal por, em tese, possuírem o chamado prognóstico de periculosidade.
Este papel de invisível social a que estão condicionados os acompanha por toda vida, não conseguindo dele se dissuadir. Talvez seja a tal carga a que LOMBROSO estava se referindo. Diante disso, o próprio indivíduo já estigmatizado se assume como “problema”. Ou seja, coloquialmente falando, “o neguinho favelado” está fadado a ter um papel de coadjuvante ou vilão social, dificilmente alcançando ser uma exceção como “Joaquim Barbosa”. Os fenômenos representados acima exemplificam o que ZAFFARONI nomeia de criminalização primária e criminalização secundária.
Após este invisível social cometer um delito, ele se inicia no sistema penal, e até o trânsito em julgado de sua sentença, concorre com outros milhares de semelhantes em busca de garantias como a do contraditório e ampla defesa, personificados na figura dos defensores, que geralmente cumprem função pública e de baixa qualidade. Não é uma crítica aos Defensores Públicos ou Advogados Dativos, mas ao sistema que mostra suas mazelas vitimando primeiro o indivíduo, para que posteriormente, ele seja criminalizado de fato.
Quando ocorre a condenação criminal a estigmatização é maior, pois as portas da sociedade, que já eram entreabertas, se fecham para um condenado. O indivíduo que deveria ser reinserido de maneira eficiente não consegue dar um passo sem cair novamente no crime.
Finalizando, evidenciamos que não é com punição que a violência e a criminalidade serão resolvidas. Muito ao contrário. Não há como resolver problemas sociais com criação de leis penais, pois isso somente serve para segregar ainda mais as classes sociais e punir aqueles que precisam ser cuidados pelo Estado. Os problemas sociais somente serão resolvidos mediante políticas-públicas sociais e programas que emerjam as classes inferiores e as eduquem de maneira equânime às superiores.
2.2. Objetivos Gerais
Demonstrar que o discurso acerca dos fatores determinantes da persecução penal é ineficaz, tendo em vista o expressivo aumento da população carcerária brasileira, bem como o alto índice de reincidentes, formados, principalmente, de invisíveis sociais, que são vítimas da opressão do Estado.
Expor que existem meios mais eficazes para realizar o controle da violência e da criminalidade, tendo em vista que o modelo atual não demonstra resultado positivo nos números que servem como indicativo para demonstrar a efetividade do sistema penal.
2.3. Objetivos Específicos
Interligar as condições individuais da pessoa humana, com os fatores criminalizantes. Utilizar dados coletados, referencial teórico, doutrinário, jurisprudencial e fatos históricos que confirmem os argumentos suscitados. Realizar um discurso crítico acerca do sistema penal, exarando um parecer.
3. O DIREITO PENAL E O PODER PUNITIVO
O Direito Penal, em poucas palavras, resume-se no poder que tem o Estado de estabelecer normas, mediante o Poder Legislativo, a fim de reprimir o cometimento de crimes com o uso de penas. Ou seja, ele é limitador do poder punitivo. Vejamos, segundo ZAFFARONI:
[...]podemos dizer provisoriamente que o direito penal (legislação penal) é o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinam o alcance de sua tutela, cuja violação se chama "delito", e aspira a que tenha como consequência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. No segundo sentido, direito penal (saber do direito penal) é sistema de compreensão (ou de interpretação) da legislação penal.1
Conforme exposto, o conceito de Direito Penal se desdobra em duas entidades, a primeira comporta o conjunto das leis penais. A segunda consiste no saber do direito penal, o qual deve ser realizado pelos sistemas de interpretação deste direito. Vejamos:
Com a expressão "direito penal" se designam — conjunta ou separadamente — duas entidades diferentes: 1) o conjunto de leis penais, isto é, a legislação penal; e 2) o sistema de interpretação desta legislação, isto é, o saber do direito penal. Tendo em conta esta duplicidade, e sem pretensões de dar uma definição — e sim uma simples noção prévia[...]2
Ainda sobre o tema, observamos que há duas denominações mais frequentemente usadas: Direito Penal e Direito Criminal. Embora a primeira seja muito mais utilizada, existem pequenas divergências de entendimentos sobre esta utilização. Assim diz ZAFFARONI:
As duas denominações mais frequentes de nossa ciência são "direito penal" e "direito criminal". Atualmente predomina a primeira (direito penal, droit penal, penal law, Strafrecht, diritto penale). Direito criminal, droit criminel, Kriminalrecht, criminal law, diritto criminale caíram em desuso, com exceção dos anglo-saxões, que seguem preferindo criminal law. O primeiro código do Brasil, de 1830, chamou-se "Código Criminal".
Alguns autores contemporâneos afirmam que é preferível voltar a chamá-la "direito criminal", porque o direito penal não se esgota com a pena como a única forma de coerção penal, mas abrange também as "medidas de segurança", que logo veremos o que são. Ainda que isto fosse correto, não seria menos certo que a principal forma de coerção penal continua sendo a pena que, para nós, em sentido estrito, também é a única de suas manifestações, podendo-se admitir outras só em sentido muito amplo e quase formal.3
Segundo ZAFFARONI, como toda ciência é um conjunto de conhecimentos parciais, não tendo como ela abranger todos os entes, faz-se necessária a delimitação de um horizonte de projeção. Assim também é o Direito Penal.
É hoje quase unânime a delimitação do horizonte de projeção do direito penal centrado na explicação de complexos normativos que habilitam uma forma de coação estatal, que é poder punitivo, caracterizada por sanções diferentes daquelas empregadas pelos demais ramos do saber jurídico: as penas [...] Cabe assinalar que as chamadas medidas, a despeito de todos os esforços desenvolvidos para diferenciá-las, não passam de uma classe particular de penas, com menores garantias e limites que as outras, ou, pelo menos, uma clara expressão do poder punitivo[...]4
Ele expõe que o Direito Penal é um saber, que como tal, precisa estabelecer limites para sua existência e ação. Entretanto, toda delimitação do saber corresponde a uma intencionalidade, pois esta busca um objetivo.
Todas as sociedades contemporâneas que institucionalizam ou formalizam o poder (estado) selecionam um reduzido número de pessoas que submetem à sua coação com o fim de impor-lhe uma pena.5
Ou seja, o Estado utiliza o poder punitivo, limitado pelo Direito Penal, através de suas agências e poder financeiro, para promover um controle social que, em tese, seria garantidor de uma sociedade justa e repressiva.
De acordo com essa estrutura, se "controla" socialmente a conduta dos homens, controle que não só se exerce sobre os grupos mais distantes do centro do poder, como também sobre os grupos mais próximos a ele, aos quais se impõe controlar sua própria conduta para não debilitar-se (mesmo na sociedade de castas, os membros das mais privilegiadas não podem casar-se com aqueles pertencentes a castas inferiores). 6
Enquanto isso, temos que poder punitivo é um ônus da soberania estatal que permite ao Estado aplicar sanção penal aos indivíduos que cometeram atos considerados ilícitos definidos em lei, sem prejuízo das garantias fundamentais do contraditório e da ampla defesa.
Contudo, quando o Estado toma para si a responsabilidade de atuar na resolução de litígios, como se fosse parte, ele usa de todo seu poder econômico, bem como de suas agências, para perseguir a punição ao acusado de causar os tais litígios, alegando estar em defesa da sociedade.
O cerne do poder punitivo consiste em monopolizar os litígios, com raras exceções. Neste sentido, o Estado toma para si o conflito e age como parte demandante (como se fosse vítima), em defesa da sociedade, com pretensão punitiva em face do autor do fato considerado delituoso, nas relações jurídicas tuteladas pelo Direito Penal. As exceções são as chamadas ações condicionadas à representação.
[...]O poder punitivo não resolve os conflitos porque deixa uma parte (a vítima) fora de seu modelo. No máximo pode aspirar a suspendê-los, deixando que o tempo os dissolva, o que está muito longe de ser uma solução: a suspensão fixa o conflito (petrifica-o) e a dinâmica social, que segue seu curso, causa-lhe erosão até dissolvê-lo.7
Entretanto, são estas mesmas agências, controladas pelo Estado, que são responsáveis diretas pelo exercício do poder de punir e pela coerção, independente de qual designação cada uma dessas agências tenha, formando assim um sistema penal.
Chamamos “sistema penal” ao controle social punitivo institucionalizado, que na prática abarca a partir de quando se detecta ou supõe detectar-se uma suspeita de delito até que se impõe e executa uma pena, pressupondo uma atividade normativa que cria a lei que institucionaliza o procedimento, a atuação dos funcionários e define até que se impõe e executa uma pena, pressupondo, a atuação dos funcionários e define os casos e condições para esta atuação. Esta é a ideia geral de "sistema penal" em um sentido limitado, englobando a atividade do legislador, do público, da polícia, dos juízes, promotores e funcionários e da execução penal.8
Assim, o sistema penal apregoa a ideia de que existe um inimigo social a ser combatido, por este motivo o estado utiliza seu aparato para selecionar os nichos sociais que serão atingidos pelo sistema penal.
ZAFFARONI chama a atenção para o avanço do poder punitivo que não reduz a criminalidade e que atende a lógica do “neo-liberalismo” econômico. Entende que a punição pura e simples não evita a violência e nem a corrupção alavancada pelo capitalismo. A polícia é a força armada dominada pelo poder do Estado. Ou seja, ela quem cumpre as ordens do Poder Executivo para reprimir a parte da sociedade, que em tese são os inimigos a serem combatidos.
3.1. As razões ideológicas para a existência do Poder Punitivo Estatal
Movidos por ideias tradicionais de controle de Estado, como as de Maquiavel, bem como os ideais iluministas, temos a soberania como o poder político, de que dispõe o Estado, de exercer o comando e o controle, sem submissão aos interesses de outro Estado, ou dos seus próprios nacionais, que interfiram na ordem social.
Segundo esta soberania, é imperioso, teoricamente, que haja a institucionalização e legalização do poder de punir estatal, com o fito de criminalizar condutas, excluir a vítima das fases processuais, e supostamente, figurar em defesa da sociedade como parte.
Ocorre, porém, que este poder se encontra totalmente submisso e dominado pelo interesse do Poder Executivo, que seleciona os punidos, que determina a incidência da punição, que controla as agências e acentua as desigualdades sociais.
O estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõe-se ao estado de polícia, onde todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam.9
E para que algo tão avassalador sobreviva na atual conjuntura global, há a necessidade de promover um discurso que afirme ser em defesa da sociedade o motivo de existir um poder estatal de punição. Os dominadores do discurso inserem a ideia de que punir é o caminho para obter uma sociedade pacificada e longe de toda violência e criminalidade.
O punitivismo estatal se mantém erguido no dia-a-dia e na crença popular de que sua existência está atrelada à defesa social, que segundo BARATTA é o elo entre a Escola Clássica e a Escola Positivista, objetos de estudo do Direito Penal mundial.
Seja qual for a tese aceita, um fato é certo: tanto na Escola clássica quanto as escolas positivistas realizavam um modelo de ciência penal integrada, ou seja, um modelo no qual ciência jurídica e concepção geral do homem e da sociedade estão estreitamente ligadas. Ainda que suas respectivas concepções de homem e da sociedade sejam profundamente diferentes, em ambos os casos nos encontramos, salvo exceções, em presença da afirmação de uma ideologia da defesa social, como nó teórico e político fundamental do sistema científico.10
BARATTA explica, que o conteúdo desta tese de defesa social, filtrado pelos debates das escolas, bem como pelo controle da filosofia dominante na ciência jurídica e na sociedade, em tese, justificam a atuação do poder punitivo, utilizando dos seguintes princípios:
a) Princípio da Legitimidade: O Estado, como expressão da sociedade, está legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, polícia, magistratura, instituições penitenciárias). Estas interpretam a legítima reação da sociedade, ou da grande maioria dela, dirigida à reprovação e condenação do comportamento desviante individual e à reafirmação dos valores e das normas sociais.11
Ocorre que, a problemática da intervenção estatal consiste no fato, de que para esta ser considerada legítima no Estado Democrático de Direito, é necessário coexistir o respeito e submissão do Estado aos princípios e garantias fundamentais e individuais a que me referi acima, bem como a isonomia e justiça pactuada no mesmo artigo mencionado.
Em razão disso, a crítica é realizada devido ser comumente observado, que os direitos elencados na Constituição Federal estão cada vez mais sendo relativizados pelo uso discriminado do poder punitivo. Vejamos mais um trecho da obra de ZAFFARONI:
A civilização industrial implica uma inquestionável cultura bélica e violenta. É inevitável que, apesar de não ser formulada hoje em termos doutrinário nem teóricos, a comunicação de massas e grande parte dos operadores das agências do sistema penal tratem de projetar o exercício do poder punitivo como uma guerra à criminalidade e aos criminosos. A imprensa costuma mostrar os inimigos (execuções sem processos) e também soldados caídos (policiais vitimados. [..] Entretanto, isso costuma ser exibido como signo de eficácia preventiva. Por outro lado, as agências policiais descuidam da integridade de seus operadores mas, em aso de vitimização, providenciam um estrito ritual funerário de tipo militar12
Como forma de exemplificar, quando um agente deste Estado, que se diz pacificador, invade uma zona urbana periférica e extermina pessoas consideradas por ele como marginais, não há presunção de inocência, não existe devido processo legal, não existe contraditório e ampla defesa. O que de fato existe é uma condenação à morte.
Em face de condutas parecidas, é que hoje fazemos intensas críticas em desfavor do poder punitivo, atingindo justamente o princípio da legitimidade. Isto porque as próprias agências excedem o seu limite legal, “vitimizando” e “policizando”13 os selecionados, como diz ZAFFARONI.
Outro princípio atribuído à existência do poder punitivo é o do bem e do mal, que, segundo BARATTA, o poder punitivo é o Estado que intervém quando um indivíduo comete crime (mal), em defesa da sociedade civil cumpridora de normas (bem).
b) Princípio do bem e do mal. O delito é um dano para a sociedade. O delinquente é um elemento negativo e disfuncional do sistema social. O desvio criminal é, pois, o mal; a sociedade constituída, o bem.14
Ou seja, está baseado na concepção de uma sociedade boa, que se encontra desiquilibrada pelos crimes cometidos por parte de seus membros, considerados pelo Estado como o mal, ou o inimigo a ser combatido pelo poder punitivo.
Porém, é mediante o argumento de oposição ao inimigo social ou aos desvios sociais, é que o poder punitivo sai em busca de culpáveis. Caracteriza, falsamente, que a parcela boa da sociedade não comete crimes, enquanto a parcela mal é incidente em cometê-los. Assim como diz ERVIN GOFFMAN:
As prostitutas, os viciados em drogas, os delinquentes, os criminosos, os músicos de jazz, os boêmios, os ciganos, os parasitas, os vagabundos, os gigolôs, os artistas de show, os jogadores, os malandros das praias, os homossexuais, e o mendigo impenitente da cidade seriam incluídos. São essas as pessoas consideradas engajadas numa espécie de negação coletiva da ordem social. Elas são percebidas como incapazes de usar as oportunidades disponíveis para o progresso nos vários caminhos aprovados pela sociedade; mostram um desrespeito evidente por seus superiores; falta-lhes moralidade; elas representam defeitos nos esquemas motivacionais da sociedade.15
Importante salientar, que, invariavelmente, todos os membros de uma sociedade, vez ou outra na vida, já cometeram algum crime ou contravenção penal, que justificaria serem submetidos ao sistema penal.
Logo nos vem questionamentos do tipo: Então, o que me difere daquele marginal preso e noticiado pela mídia? E se todos, invariavelmente, cometemos crimes, por que não estamos retidos também? Por que apenas uma dízima parcela da população está encarcerada?
A resposta é simples, o Estado, mediante seus poderes, identifica e manipula quem deve estar preso ou não. E as agências têm papeis de exercer as determinações emanadas por estes poderes. Vejamos mais um pouco do que afere GOFFMAN:
O conceito de identidade social nos permitiu considerar a estigmatização. O de identidade pessoal nos permitiu considerar o papel do controle de informação na manipulação do estigma. A idéia de identidade do eu nos permite considerar o que o indivíduo pode experimentar a respeito do estigma e sua manipulação, e nos leva a dar atenção especial a informação que ele recebe quanto a essas questões.16
Diante deste fato, o princípio do “bem e do mal” também não condiz com a realidade, sendo apenas um instrumento de manipulação da massa populacional, em busca de justificar os excessos do Estado.
Ainda segundo BARATTA, outro princípio a saber é o da culpabilidade, que implica dizer que, fato punível é aquele que causa a reprovabilidade social, independente de normas positivadas.
c) Princípio da Culpabilidade. O delito é expressão de uma atitude interior reprovável, porque contrária aos valores e às normas, presentes na sociedade mesmo antes de serem sancionadas pelo legislador.17
Entretanto, estamos diante de um princípio fortemente subjetivo, pois uma conduta pode ser considerada reprovável por um indivíduo e não ser considerada pelos demais. Logo, se determinada conduta for reprovável por um legislador, ele apenas representará e positivará a sua vontade em detrimento da dos demais.
Portanto, é inconcebível que este princípio também possa refletir a realidade, sendo assim insuficiente para determinar a atuação do poder punitivo, justificando somente que a punição deve ser dada ao indivíduo de conduta reprovável. Vejamos o que diz BECKER, referente ao capítulo “Regras de quem?”:
Embora se possa afirmar que muitas regras, ou a maioria delas, conta com a concordância geral de todos os membros de uma sociedade, a pesquisa empírica sobre uma determinada regra geral revela variação nas atitudes das pessoas. Regras formais, impostas por algum grupo especialmente constituído, pode diferir daquelas de fato consideradas apropriadas pela maioria das pessoas.18
Seguidamente, temos o princípio da finalidade, que está fortemente ligado à função social da pena, caracterizado por tentar explicar a finalidade da punição como forma de legitimá-la, expondo que a pena tem caráter preventivo de crimes, e o mais interessante, de reinserção do apenado junto ao convívio social.
d) Princípio da finalidade ou da prevenção. A pena não tem, ou não tem somente, a função de retribuir, mas a de prevenir o crime. Como sanção abstratamente prevista pela lei, tem a função de criar uma justa e adequada contramotivação ao comportamento criminoso. Como sanção concreta, exerce a função de Ressocializar o delinquente.19
Contudo, tal princípio é contestado pelas estatísticas, pois o Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo. Em números, isso significa 715.655 presos, de acordo com levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ)20, publicado no dia 04 de junho deste ano. Ademais, a reincidência penal chega a 70% (setenta por cento), segundo o Instituto Avante Brasil (IAB)21. Vejamos o que afirma GOFFMAN sobre a carreira moral do indivíduo:
Nos muitos casos em que a estigmatização do indivíduo está associada com sua admissão a uma instituição de custódia, como uma prisão, um sanatório ou um orfanato, a maior parte do que ele aprende sobre o seu estigma ser-lhe-á transmitida durante o prolongado contato íntimo com aqueles que irão transformar-se em seus companheiros de infortúnio.
Como já se sugeriu, quando o indivíduo compreende pela primeira vez quem são aqueles que de agora em diante ele deve aceitar como seus iguais. Ele sentirá, pelo menos, certa ambivalência22
Tendo em vista tais números e fatos, é impossível que as penas estejam cumprindo sua finalidade, sua função social. Ou pior, isso demonstra que o excesso de punição só acentua mais as desigualdades, não previne crimes, não restitui bens jurídicos violados, e mais, não reinsere nenhum indivíduo ao convívio social.
Prosseguindo, BARATTA apresenta o princípio da igualdade, que em tela se justifica sob o argumento de que a lei é neutra e imparcial. Isso significa que, em tese, ela atinge a todos e é aplicada também a todos. Tal entendimento leva a crer que o delito é uma transgressão da norma penal, causada por uma parte da população que foge à regra de pessoas não transgressoras.
e) Princípio da igualdade. A criminalidade é violação da lei penal e, como tal, é o comportamento de uma minoria desviante. A lei penal é igual para todos. A reação penal se aplica de modo igual aos autores de delitos.23
Porém, como acima referenciado, tal princípio justificador não se mantém diante dos fatos sociais. Vimos que todos, de certo modo, já cometeram ou ainda vão cometer algum tipo delito, não importando se de grande ou pequeno vulto.
Portanto, não tem como dizer que há isonomia ou princípio da igualdade a todos que cometeram ou cometem crimes. Um cidadão, geralmente cumpridor de suas obrigações legais pode ser selecionado pelo sistema e responder pelo cometimento de um delito. Doutra banda, pode um executivo viver de seus delitos e nunca ser punido por causa de sua posição social.
A questão é que, em certas circunstâncias, a identidade social daqueles com quem o indivíduo está acompanhado pode ser usada como fonte de informação sobre a sua própria identidade social, supondo-se que ele é o que os outros são. O caso extremo, talvez, seja a situação em círculos de criminosos: uma pessoa com ordem de prisão pode contaminar legalmente qualquer um que seja visto em sua companhia, expondo-o à prisão como suspeito. (Diz-se, então, de uma pessoa que está com ordem de prisão que "ela está com varíola" e que sua doença criminosa "pega").24
Finalizando, o doutrinador italiano apresenta o princípio do interesse social, cujo discurso busca legitimar a atuação do Estado por tratar as condutas do direito natural, que extrapolam o convívio harmônico da sociedade, em penalmente tipificadas. Segundo o discurso, tais condutas são prejudiciais ao convívio e também às condições fundamentais de existência.
f) Princípio do interesse social e do delito natural. O núcleo central dos delitos definidos nos códigos penais das nações civilizadas representa ofensa de interesses fundamentais, de condições essenciais à existência de toda sociedade. Os interesses protegidos pelo direito penal são interesses comuns a todos os cidadãos. Apenas uma pequena parte dos delitos representa violação de determinados arranjos políticos e econômicos, e é punida em função da consolidação destes (delitos artificiais).25
Sendo assim, segundo o autor, os que extrapolam os limites do bom convívio devem ser punidos porque é de interesse público. Assim o direito penal tem a obrigação de proteger todos os indivíduos de maneira igual, das condutas que ferem o convívio.
Entretanto, a política de punir não está sendo aplicada da maneira com que se apregoa o discurso. Podemos afirmar, com enorme convicção, que não adianta punir o crime enquanto não educar os membros da sociedade, para que possam entender o que é moralmente certo e errado dentro de uma relação de coexistência social. Vejamos o que afere CESARE BECCARIA:
É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los. O meio mais seguro, mas ao mesmo tempo mais difícil de tornar os homens menos inclinados a praticar o mal, é aperfeiçoar a educação.26
Porém, o próprio Estado não tem interesse em educar a massa, pois prefere continuar a promover o status de garantidor. Assim, é mais fácil os governantes se manterem no poder. Quanto menor é a instrução do cidadão, mais fácil é realizar sua manipulação.
Utilizam-se também da mídia para exibir cenas de guerras em locais considerados marginalizados, para mostrar à população que estão agindo contra a violência que o próprio Estado promove, ou deixa de combatê-lo na raiz. Como diria CONFÚCIO:
Qualquer um pode julgar um crime tão bem quanto eu, mas o que eu quero é corrigir os motivos que levaram esse crime a ser cometido.
Diante disso, vemos que o Estado não está cumprindo com seu papel, mas está punindo como se a culpa de suas mazelas fosse da classe menos favorecida. Mas, se por outro lado, todos soubessem seus direitos e deveres, mesmo que de uma forma introdutória e sem aprofundamentos, teríamos uma sociedade mais crítica e menos suscetível aos excessos do Estado.
Ainda sobre este princípio, e contextualizando com o que fora exposto, é importante fazer referência a um dos elementos da culpabilidade do direito penal, o potencial conhecimento da ilicitude. Sobre tal instituto é preciso saber que, um indivíduo não pode ser punido caso não tenha, no momento do fato, o entendimento de que sua conduta é um delito. Vejamos:
Art. 3º Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.27
De uma maneira extensiva, o poder punitivo não parte da ideia de presunção da inocência, ou seja, ele parte da premissa de que um adulto tem, potencialmente, capacidade de saber se sua conduta é ou não um crime que merece punição.
Entretanto, em nosso ordenamento jurídico, muitas condutas do direito natural são consagradas como crimes, que somente os acadêmicos de direito, os legisladores, os docentes e os demais operadores do direito são potencialmente capazes de entender como ilícitas.
Ironias à parte, a título de compreensão, existem vários crimes que não geram os efeitos referidos no princípio do interesse social, porque eles não corroboram com este interesse.
Segundo o autor, o conceito de defesa social corresponde a uma ideologia caracterizada por uma concepção abstrata e aistórica de sociedade, entendida como uma concepção abstrata de valores e interesses.
As teorias conflituais da criminalidade negam o princípio do interesse social e do delito natural, afirmando que: a) os interesses que estão na base da formação e da aplicação do direito penal são os interesses daqueles grupos que têm poder de influir sobre os processos de criminalização – os interesses protegidos através do direito penal não são, pois, interesses comuns a todos os cidadãos; b) a criminalidade, no seu conjunto, é uma realidade social criada através do processo de criminalização. Portanto, a criminalidade e todo o direito penal têm, sempre, natureza política. A referência à proteção de determinados arranjos políticos e econômicos, ao conflito entre grupos sociais, não é exclusiva de um pequeno número de delitos “artificiais”. 28
Portanto, a criminologia crítica e crítica ao direito penal que se refere a obra de BARATTA, traz em seu bojo o conflito de ideias e a contraposição aos discursos apresentados pelo Estado, para continuar se mantendo na repressão.
Corroborando com o que se afirma na citação, nota-se que a negação aos princípios ali mencionados cria uma insegurança relativa à qual interesse social será atendido: se de fato será o interesse do ponto de vista benéfico a todos os componentes de uma sociedade ou se será dos empresários morais e dos que dominam o poder e o discurso.
Bem como afere BARATTA, a criminalidade é fruto dos processos de criminalização e, assim como o direito penal, são determinados basicamente pelo interesse político e individual. A seguir, ZAFFARONI constata dois modelos de sociedades, baseadas na complexidade do fenômeno do controle social:
O controle social se vale, pois, desde meios mais ou menos "difusos" e encobertos até meios específicos e explícitos, como é o sistema penal (polícia, juízes, agentes penitenciários etc). A enorme extensão e complexidade do fenômeno do controle social demonstra que uma sociedade é mais ou menos autoritária ou mais ou menos democrática, segundo se oriente em um ou outro sentido a totalidade do fenômeno e não unicamente a parte do controle social institucionalizado ou explícito.29
Neste sentido, a crítica se estabelece no fato de que nosso país está orientado pelo autoritarismo, o que em consequência, causa a supressão da democracia. O modelo ideal de política democrática deveria ser pautado na educação moral e cultural de seu povo e não na imposição de normas penais que emergem mais as desigualdades.
3.2. Os Objetivos Declarados da Legislação Penal
A legislação, conjunto de normas aplicadas pelo Direito Penal, inserida na sociedade, tem como objetivos declarados para sustentar sua existência, o discurso de proteção aos bens jurídicos, que são fundamentais para o harmônico convívio social, bem como a vida humana individual e coletiva.
Em outras palavras, segundo o que expõe a doutrina, os objetivos declarados são os de segurança jurídica e defesa social.30 Em tese, elas têm o condão de prevenção: geral e específica; bem como de retribuição: reeducação e ressocialização. Vejamos que ensina ZAFFARONI:
Para os partidários da meta de segurança jurídica, a pena deve aspirar a ter efeito principalmente sobre a comunidade jurídica, como prevenção geral, isto é, para que os que não tenham delinquido não o façam. Em outras palavras: para os partidários da segurança jurídica, a pena deve dirigir-se aos que não delinquiram.
Para os partidários da meta de defesa-social, a pena deve aspirar a surtir efeito sobre o delinquente para que não volte a delinquir, ou seja, como prevenção especial. Para estes, a pena deve dirigir-se aos que delinquiram.
Conforme as opiniões mais generalizadas atualmente, a pena, entendida como prevenção geral, deve ser retribuição, enquanto, entendida como prevenção especial, deve ser reeducação e ressocialização. A retribuição deve devolver ao delinquente o mal que este causou socialmente, enquanto a reeducação e a ressocialização devem prepará-lo para que não volte a reincidir no delito.31
Dentre os bens jurídicos declarados e supostamente protegidos, temos o direito a vida, a integridade e saúde corporais, a honra, a liberdade individual, o patrimônio, a sexualidade, a família, a incolumidade, a paz, a fé e administração públicas.
Todos estes, segundo a doutrina, foram escolhidos mediante lógica e sistemática Constitucional, que serve de parâmetro para inserção do Estado Democrático de Direito e suas características.
Todavia, deve-se realizar uma análise crítica acerca dos objetivos aqui declarados, uma vez que estes objetivos não atendem aos direitos ali esculpidos e previstos pela nossa Constituição Federal e demais fontes do direito. Pois, ao contrário, este manifesto objetivo mascara a realidade de que não há paz social baseada em leis penais mais rigorosas.
3.3. Críticas aos Objetivos Declarados
Por isso, o poder punitivo não realiza o papel de mantenedor da ordem e moralidade pública, bem como à função social que o legitima a atuar, não é garantidor dos ideais de estado de direito que deveria intervir de maneira justa e igual, dentro dos ditames legais. Vejamos a definição de estado de direito por ZAFFARONI:
O estado de direito é concebido como o que submete todos os habitantes à lei e opõe-se ao estado de polícia, onde todos os habitantes estão subordinados ao poder daqueles que mandam. O princípio do estado de direito é atacado, por um lado, como ideologia que mascara a realidade de um aparato de poder a serviço da classe hegemônica e defendido, por outro lado, como uma realidade bucólica com alguns defeitos conjunturais.32
Assim, compreendemos que o poder punitivo, que deveria sair em defesa da sociedade, não esta função e excede as disposições legais, principalmente as constitucionais, elencadas no artigo 5º de nossa Constituição Federal de 1988, que preconiza:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]33
O princípio da isonomia é diariamente violado quando os agentes, utilizando as leis, distinguem os indivíduos e realiza aplicação da punibilidade de maneira arbitrária, conforme o sujeito passivo.
Portanto, aprofundando nos objetivos acima expostos, observamos que eles não cumprem as funções definidas em seu discurso. Ou seja, não promovem nenhuma segurança aos bens jurídicos, nem promovem a defesa social.
No que tange à segurança jurídica, segundo ZAFFARONI, esta é de imperiosa finalidade do Direito Penal, tendo em vista que se não existisse seguridade, este próprio ramo do direito não haveria razão de existir. Vejamos:
No nosso entender, o direito penal não pode ter outra meta que não a de prover a segurança jurídica, posto que este deve ser o objetivo de todo o direito. Não obstante, se não precisamos o que entendemos por segurança jurídica, teremos dito muito pouco, porque a segurança jurídica não pode consistir na mera satisfação de exigências formais.34
Entretanto, ele realiza a crítica sob a atual prática do sistema penal, em que, para garantir a harmônica coexistência social e evitar a guerra de todos contra todos, como dizia HOBBES, o estado acaba excedendo no seu poder coercitivo. Este excesso causa ainda mais alarde social do que o próprio delito cometido pelo autor do fato.
A coerção penal deve reforçar a segurança jurídica, mas, quando ultrapassa o limite de tolerância na ingerência aos bens jurídicos do infrator, causa mais alarme social do que o próprio delito. Não se trata de que a pena "retribua" nenhum mal com outro mal, e sim de que garanta os bens jurídicos sem lesionar o sentimento de segurança jurídica da comunidade.35
Enfim, o que se encontra intrínseca nas condutas praticadas pelas agências é a seleção criminalizante e vitimizante, sendo esta que segrega quem deve ou não sofrer a coerção estatal.
Assim como a seleção criminalizante resulta da dinâmica de poder das agências, também a vitimização é um processo seletivo que corresponde à mesma fonte e reconhece uma etapa primária. Na sociedade há sempre pessoas que exercem poder mais ou menos arbitrário sobre as outras, seja de forma brutal ou violenta, seja de forma sutil e encoberta.36
No mesmo sentido, finalizando a crítica tangente ao discurso de segurança jurídica, ZAFFARONI reitera:
Tudo o que dissemos pode ser objetado com a observação de que, na realidade, a lei penal tutela mais os bens jurídicos de uns do que de outros; que os delitos causam "alarme" a certos grupos e não a outros ou, ao menos, não a todos em igual medida, e que o "sentimento de segurança jurídica da comunidade" seria, em definitivo, um mito, dada a pluralidade de grupos sociais com diversidade e antagonismo de interesses, poder e objetivos.37
Em relação ao discurso de defesa social realizado pelo estado, buscando garantir a coerção estatal, ZAFFARONI destaca que a palavra sociedade é entendida como algo supremo em relação a um indivíduo, sendo que uma transgressão normativa por parte deste seria nocivo à coesistência social, o que motivaria uma reação estatal.
Entretanto, o direito penal, mediante suas agências, deixa de lado a vítima e se coloca em posição de garantidor da aplicação da lei penal, buscando satisfazer os interesses da sociedade em detrimento do homem individual. Tal ocorrência é contrária ao que temos por estado democrático de Direito. Vejamos:
Estas concepções não têm cabimento em nosso sistema positivo, posto que nem a Constituição nem a ideologia dos Direitos Humanos toleram o submetimento do homem a um ente superior, mas só a limitação do homem por razões de coexistência, o que, por certo, não é o mesmo.38
Ademais, segundo ele, a expressão “defesa” não tutela sobre fatos já ocorridos ou passados, mas deve abranger os que porventura poderão ocorrer. Isto é o que diferencia a segurança jurídica da defesa social.
Portanto, ZAFFARONI leciona que a defesa social tem caráter preventivo e não repressivo. Ou seja, quando nos referimos à defesa social, não se justifica usar seu discurso caso o poder punitivo incida sobre fatos que sequer foram planejados, o qual só deve operar quando o bem jurídico tutelado foi afetado. Vejamos:
Resumindo, a defesa social bem entendida não pode ser algo distinto da segurança jurídica, salvo que se entenda a primeira em sentido organicista ou antropomórfico e a segunda como um conceito puramente formal, ambas as pretensões que desembocam em uma legislação que aniquila os direitos humanos, por desconhecimento de todos os limites à sua ingerência.39
O discurso dos que dominam o poder enfatiza a tese da defesa social para justificar a atuação do poder punitivo, o que mascara a realidade. Tal discurso cumpre bem o papel que lhe foi dado, de persuadir a população a aceitar a intervenção estatal e permitir tacitamente o exercício da seletividade, da repressão e da estigmatização.
Para finalizar, é preciso entender que algo evidentemente discriminatório, como o poder punitivo, só consegue coexistir atualmente com a anuência da sociedade, a mesma que sofre calada suas interferências.
4. DA CRIMINALIZAÇÃO
Fazendo uma introdução ao tema da criminalização, temos por necessário situar seu conceito. Para o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, criminalização40 é o ato ou efeito de criminalizar, de tratar como crime ou criminoso. Por sua vez, criminalizar é o mesmo que considerar crime.
Explicando melhor, criminalizar é quando o legislador considera como crime uma ação humana antes considerada natural. Esta naturalidade varia conforme diversos fatores, objetivos e subjetivos, extrínsecos e intrínsecos do ser humano.
Diante disso, passamos a observar que os motivos que levam uma conduta anteriormente natural ser considerada crime é o interesse individual daqueles que detêm o poder. Vejamos o que diz BECKER sobre de quem são as regras:
Embora se possa afirmar que muitas regras ou a maioria delas conta com a concordância geral de todos os membros de uma sociedade, a pesquisa empírica sobre uma determinada regra em geral revela variação nas atitudes das pessoas. Regras formais, impostas por um grupo de pessoas especialmente constituído, podem diferir daquelas de fato consideradas apropriadas pela maioria das pessoas.41
Neste ínterim, o legislador busca tipificar a conduta e as agências punir a parcela populacional que incide no crime, conforme é conveniente para seu interesse particular, dividindo e segregando aqueles que não se assemelham com o seu perfil.
Vimos então, que criminalizar consiste na seleção penalizante a que uma parcela da população é submetida ao poder do estado. Assim afirma ZAFFARONI:
Todas as sociedades contemporâneas que institucionalizaram ou formalizaram o poder (estado) selecionam um reduzido número de pessoas que submetem à sua coação com o fim de impor-lhes uma pena. Esta seleção penalizante se chama criminalização e não se leva a cabo por acaso, mas como resultado da gestão de um conjunto de agências que formam o chamado sistema penal.42
Embora ZAFFARONI tenha firmado cientificamente o conceito de criminalização, também é importante contextualizar o que BECKER conceitua como outsiders, termo em que ele busca designar as pessoas que são consideradas desviantes por outras, situando-se por isso fora do círculo dos membros considerados “normais”. Vejamos:
Regras sociais são criações de grupos sociais específicos. As sociedades modernas não constituem organizações simples em que todos concordam quanto ao que são as regras e como elas devem ser aplicadas em situações específicas. São, ao contrário, altamente diferenciadas ao longo de linhas de classe social, linhas étnicas, linhas ocupacionais e linhas culturais.43
Diante disso, encontra-se sedimentada a ideia, de que um grupo social impõe sobre outros as regras de conduta que julgam ser moralmente corretas. Estes grupos submetidos, por sua vez, agem de forma naturalística, transgredindo as regras a que foram submetidos, sendo então rotuladas desviantes.
Porém, nas palavras de BECKER, ele evidencia para uma lacuna corriqueira, a de pessoas que são rotuladas desviantes sem sequer ter cometido qualquer condutam ilícita. Vejamos:
Como o desvio é, entre outras coisas, uma consequência das reações de outros ao ato de uma pessoa, os estudiosos do desvio não podem supor que estão lidando com uma categoria homogênea quando estudam pessoas rotuladas de desviantes. Isto é, não podem supor que essas pessoas cometeram realmente um ato desviante ou infringiram alguma regra, porque o processo de rotulação pode não ser infalível; algumas pessoas podem ser rotuladas de desviantes sem ter de fato infringido uma regra.44
Em outras palavras, quando se institucionaliza o fenômeno ocorrido nas palavras de BECKER, ele se encaixa perfeitamente ao conceito de criminalização. Assim, observamos que os desviantes são aqueles que se enquadram na parcela da população selecionada a se submeter à coação estatal.
4.1. Da Seletividade do Poder Punitivo
Conforme acima exposto, o termo poder punitivo já foi conceituado, no entanto, é importante conhecer como ele exerce seu controle social repressivo baseado no discurso de defesa da sociedade.
A palavra seletividade em nosso dicionário refere-se aquilo que advém da seleção, é o ato ou efeito de selecionar, de fazer escolha criteriosa e fundamentada45. Todavia, os critérios e fundamentos utilizados pelo sistema penal, para punir os considerados desviantes, apenas convergem com os interesses de parte da sociedade, em detrimento de outra, que incide nas condutas que passaram a ser criminalizadas.
O poder punitivo se funda na ideia, de que existe um inimigo social a ser combatido, a partir desta premissa, o estado, mediante suas agências, discrimina e seleciona determinado grupo da sociedade, conforme seu próprio interesse. Vejamos as palavras de BECKER:
Quando as regras são alteradas, ele pune o que antes era comportamento aceitável, assim como deixa de punir o comportamento que foi legitimado por uma mudança nas regras.46
Tal atitude praticamente retroage às ideias de LOMBROSO, que se baseia em características pessoais e outras características sociais e culturais para identificar biologicamente os autores de crimes, criando prognósticos de periculosidade, como se tal incidência fosse capaz de se aferir em seres tão complexos como os humanos. Assim, corrobora ZAFFARONI:
Por tratar-se de pessoas desvaloradas, é possível associar-lhes todas as cargas negativas existentes na sociedade sob forma de preconceitos, o que resulta em fixar uma imagem pública do delinquente com componentes de classe social, étnicos, etários, de gênero e estéticos.47
Embora seja de conhecimento acadêmico, que a teoria de LOMBROSO influenciou muito o direito penal, atualmente ela é considerada arcaica e alvo de críticas por se basear no biologismo criminológico para estudar as causas do delito.
Entretanto, quando nos referimos à seletividade, observamos ser comum as agências se utilizarem de estereótipos físicos e sociais, a fim de tentar delimitar um prognóstico de periculosidade, com o fito de emanar um parecer preconceituoso sobre o indivíduo pelo qual o poder do estado vai atuar. Esta é a forma de justificar sua existência, operando sobre um suposto inimigo social a ser combatido. Vejamos:
O estereótipo acaba sendo o principal critério seletivo da criminalização secundária; daí a existência de certas uniformidades da população penitenciária associadas a desvalores estéticos (pessoas feias), que o biologismo criminológico considerou causas do delito quando, na realidade, eram causas da criminalização, embora possam vir a tornarem-se causas do delito quando a pessoa acaba assumindo o papel vinculado ao estereótipo (é o chamado efeito reprodutor da criminalização ou desvio secundário).48
Ainda segundo ZAFFARONI, é esta maneira de seleção, a que utiliza como critério o estereótipo, a responsável por fazer as agências do sistema penal operarem. Entretanto, ele finaliza sua ironiza aferindo que estas agências acabam não operando da mesma maneira quando se trata de autores de crimes sem as mesmas características estereotipadas.
Explica, ainda, que tudo isso condiciona a impotência das pessoas menos favorecidas perante os delitos de poder econômico (crimes do colarinho branco), bem como ficam impotentes diante do uso de meios letais massivos contra a população (terrorismo) e torna desconcertado nos casos excepcionais em que há seleção de alguém que não se encaixam nesse quadro (benefícios)49.
Os chamados crimes do “colarinho branco” são mais vorazes do que os cometidos pela camada mais pobre da sociedade. Entretanto, há uma discrepância. Os crimes de grande monta é que acabam por acentuar as desigualdades e não os meros crimes patrimoniais, já consagrados pelo controle do direito penal, pelo princípio da insignificância sobre os chamados crimes de bagatela, algo muito é esquecido pelas agências.
Em outras palavras, é bem mais fácil exercitar o poder punitivo e o sistema penal em face de um indivíduo diferente, que seja de classe inferior e marginalizada, do que exercitar estes mesmos institutos em indivíduos de classe semelhante ou até mesmo em indivíduos de classe social superior e elitizada. Vejamos o que diz BARATTA:
Quando se dirigem a comportamentos típicos dos indivíduos pertencentes às classes subalternas, e que contradizem as relações de produção e de distribuição capitalistas, eles formam uma rede muito fina, enquanto a rede é frequentemente muito larga quando os tipos legais têm por objeto a criminalidade econômica, e outras formas de criminalidade típicas dos indivíduos pertencentes às classes no poder.50
Diante disso, temos no Brasil um sistema penal que não utiliza o universalismo de procedimentos. Ou seja, pune a parcela menos favorecida da sociedade em detrimento da parcela de classe superior. É patente no âmbito social que o poder punitivo deixa um rastro de seletividade, sendo esta que direciona quem deve ser punido e por que motivo deve.
Porém, é mediante o argumento de oposição ao inimigo social ou aos desvios sociais, é que o poder punitivo sai em busca de culpáveis. Caracteriza, falsamente, que a parcela boa da sociedade não comete crimes, enquanto a parcela mal é incidente em cometê-los. Assim como diz GOFFMAN:
As prostitutas, os viciados em drogas, os delinquentes, os criminosos, os músicos de jazz, os boêmios, os ciganos, os parasitas, os vagabundos, os gigolôs, os artistas de show, os jogadores, os malandros das praias, os homossexuais, e o mendigo impenitente da cidade seriam incluídos. São essas as pessoas consideradas engajadas numa espécie de negação coletiva da ordem social. Elas são percebidas como incapazes de usar as oportunidades disponíveis para o progresso nos vários caminhos aprovados pela sociedade; mostram um desrespeito evidente por seus superiores; falta-lhes moralidade; elas representam defeitos nos esquemas motivacionais da sociedade.51
Ocorre que, o problema se encontra na maneira como as agências acima citadas realizam este processo punitivo, pois é neste processo que figura a seletividade, onde é determinado conforme características particulares quem deve ser o s punido ou não pelo Estado. Vejamos:
Modernos aparatos tecnológicos, tais como câmeras, identificadores digitais e de íris, vídeos e detectores de metais convivem, pacificamente, com a ideologia medieval de segregação e punição das classes redundantes. O “armazenamento dos refugos do mercado”, segundo a significativa expressão de Wacquant (2003, p. 33), continua a ser realizado com a mesma indiferença para com os aspectos sociológicos da transgressão, e cada vez mais abundantemente. São os párias, os deserdados, os parasitas, os lúmpens, os perigosos, os réprobos, os inimigos, os desamparados moral e socialmente, em uma palavra, os pobres. São eles os portadores da periculosidade ficta. É sobre eles que recai a fúria persecutória do Estado. É em torno destas pessoas, que se deve estabelecer um cordão de isolamento, de forma a promover a higienização social. Mas a prisão não se dirige particularmente aos indivíduos infratores, e sim a grupos sociais previamente definidos, configurando-se em “cárcere atuarial”.52
Ainda sobre a seletividade, é importante ressaltar o papel da mídia na confecção do estereótipo de pessoas incidentes em condutas consideradas criminalizadas. Como leciona ZAFFARONI, estes não têm acesso de maneira positiva à comunicação social, sendo os acessos possíveis uma forma de propagar ainda mais uma imagem criada de inimigo social. Vejamos:
Os atos mais grosseiros cometidos por pessoas sem acesso positivo à comunicação social acabam sendo divulgados por esta como os únicos delitos e tais pessoas como os únicos delinquentes. A estes últimos é proporcionado um acesso negativo à comunicação social que contribuiu para criar um estereótipo no imaginário coletivo.53
Desta maneira, nota-se que a imagem de delinquente lançada pela mídia, na maioria dos casos, não condiz com a realidade, pois nem sempre quem está preso são aqueles que cometem crimes de maior potencial ofensivo. Nas penitenciárias, é comum a presença de indivíduos que cometeram pequenos delitos patrimoniais e outros de monta igualmente menor.
Neste momento, para expor melhor como se desenvolve a seletividade criminal, é necessário descrever o que é criminalização primária e secundária.
4.1.1. Criminalização Primária e Secundária
Conforme acima já visto nas palavras de ZAFFARONI, as sociedades cujo poder está formalizado na figura do estado submetem uma parcela da população à sua coação, com a finalidade de lhe impor penas, a este fenômeno é dado o nome de seleção penalizante.54
Seguidamente, temos que a seleção penalizante mencionada recebe o nome de criminalização. Logo, ao processo seletivo se desenvolvem a criminalização primária e secundária, segundo o mesmo autor. Vejamos:
O processo seletivo de criminalização se desenvolve em duas etapas denominadas, respectivamente, primária e secundária. Criminalização primária é o ato e o efeito de sancionar uma lei penal material que incrimina ou permite a punição de certas pessoas. Trata-se de um ato formal fundamentalmente programático[...] 55
Além do conceito de criminalização, o trecho trouxe o conceito de criminalização primária, que consiste justamente na formulação da lei penal. Importante salientar, que nesta fase, são as agências políticas, principalmente as casas legislativas, que atuam para promover esta forma de criminalização.
Assim, estas agências delimitam sobre qual parcela da sociedade haverá a incidência da lei penal e quem sofrerá o controle repressivo das outras agências do estado, mesmo sabendo que há uma margem de abstração, não logrando êxito em alcançar o público-alvo exato.
Apesar de a criminalização primária implicar um primeiro passo seletivo, este permanece sempre em certo nível de abstração porque, na verdade, as agências políticas que elaboram as normas nunca sabem a quem caberá de fato, individualmente, a seleção que habilitam. Esta se efetua concretamente com a criminalização secundária.56
O que ZAFFARONI conceitua como criminalização secundária, consiste exatamente nas próximas agências, aquelas que detêm o poder de polícia e que exercem a ação de punir o que foi declarado pelos legisladores como delito. Vejamos:
Enquanto a criminalização primária (elaboração de leis penais) é uma declaração que, em geral, se refere a condutas e atos, a criminalização secundária é a ação punitiva exercida sobre as pessoas concretas, que acontece quando as agências policiais detectam uma pessoa que supõe-se tenha praticado certo ato criminalizado primariamente, a investigam, em alguns casos privam-na de sua liberdade de ir e vir, submetem-na à agência judicial, que legitima tais iniciativas e admite um processo (ou seja, o avanço de uma série de atos em princípio públicos, para assegurar se, na realidade, o acusado praticou aquela ação); no processo, discute-se publicamente se esse acusado praticou aquela ação e, em caso afirmativo, autoriza-se a imposição de uma pena de certa magnitude que, no caso de privação da liberdade de ir e vir da pessoa, será executada por uma agência penitenciária (prisonização).57
Conforme o exposto, a principal diferença entre uma e outra espécie de criminalização está na atribuição de suas agências. Basicamente, a criminalização primária é realizada pelas agências legislativas com atribuição de dispor sobre matéria penal. Já a criminalização secundária, consiste no cumprimento das normas declaradas pela criminalização primária.
Entre as agências responsáveis estão as polícias, os promotores, defensores públicos e advogados, bem como os juízes e agentes penitenciários. Ou seja, todos que têm o dever de executar a matéria que os legisladores consideraram crimes. Ademais, estas agências também realizam a seletividade tendo como base outras agências. Vejamos:
De qualquer maneira, as agências policiais não selecionam segundo seu critério exclusivo, mas sua atividade neste sentido é também condicionada pelo poder de outras agências: as de comunicação social, as agências políticas e etc. A seleção secundária provém de circunstâncias conjunturais variáveis. A empresa criminalizante é sempre orientada pelos empresário morais, que participam das duas etapas de criminalização[...] 58
No que tange aos empresários morais, ZAFFARONI explica:
O conceito de empresário moral foi enunciado sobre observações relativas a outras sociedades, mas na nossa pode ser tanto um comunicador social, após uma audiência, um político em busca de admiradores ou um grupo religioso à procura de notoriedade, quanto um chefe de polícia à cata de um poder ou organização que reivindica os direitos da minoria, etc. Em qualquer um dos casos, a empresa moral acaba desembocando em um fenômeno comunicativo: não importa como seja feito e sim como é comunicado.59
Embora haja todo este aparato para tentar solucionar o problema dos desvios nas sociedades, observa-se que há uma cifra oculta em relação aos crimes que ocorrem e que sequer são investigados pelas agências, tendo em vista sua incapacidade de atuação. Diante disso, o estado seleciona aqueles estereótipos a que precisar utilizar-se para justificar a existência do poder punitivo.
Por um lado positivo, ZAFFARONI defende que tal limitação das agências no combate aos delitos é saudável para a sociedade, pois se a capacidade operacional das agências da criminalização secundária se desenvolvessem, haveria um descontrole no sistema penal. Vejamos:
A disparidade entre a quantidade de conflitos criminalizados que realmente acontecem numa sociedade e aquela parcela que chega ao conhecimento das agências do sistema é tão grande e inevitável que seu escândalo não logra ocultar-se na referência tecnicista a uma cifra oculta. As agências de criminalização secundária têm limitada capacidade operacional e seu crescimento sem controle desemboca em uma utopia negativa. 60
Ao analisarmos a realidade juntamente com a teoria, nota-se que a balança pende quase sempre a favor de quem é economicamente mais sólido, ou a favor de quem goze de um bom prestígio social, enquanto pessoas sem as mesmas condições estão fadadas aos processos de criminalização. Assim afirma ZAFFARONI:
A seleção criminalizante secundária conforme ao estereótipo condiciona todo o funcionamento das agências do sistema penal, de tal modo que o mesmo se torna inoperante para qualquer outra clientela[...]”61
Seguindo seu pensamento, a principal crítica ao tema consiste neste ponto, pois a ira do estado recai justamente contra uma parcela vulnerável da população, que é desprestigiada financeiramente e moralmente abalada pelos empreendedores morais e pelo processo de criminalização promovido por eles.
Portanto, é necessário conter as agências do poder punitivo quando estas operarem contra as classes desprestigiadas. Afinal, se parte marginalizada de uma sociedade ocorre maior incidência de desvios, o estado é corresponsável por não promover melhores condições de desenvolvimento lícito naquele ambiente.
4.1.2. Teoria da Vulnerabilidade
Conforme entendimento de ZAFFARONI, a teoria da vulnerabilidade opera justamente sobre a culpabilidade, pois é esta que liga o indivíduo à persecução penal pelo cometimento do delito. A culpabilidade é o momento que as agências de criminalização secundária exercem seu poder em detrimento ao estado de direito.
Com a finalidade de promover a contenção do poder punitivo do estado em face das classes inferiores, a teoria da vulnerabilidade, consagrada por ZAFFARONI, propõe relativizar a culpabilidade das pessoas estereotipadas pelas agências de criminalização secundária.
Para justificar esta contenção, a teoria da vulnerabilidade baseia-se na ideia de que a pobreza, a falta de adequadas condições de desenvolvimento da educação moral e cultural do ser humano, bem como a falta de desenvolvimento familiar e financeiro são fatores determinantes para a incidência das classes menos favorecidas nos tipos penais.
Neste contexto, observa-se que não é somente por causa da pobreza que o indivíduo criminalizará, mas devido uma série de outros fatores que devem servir para a diminuição da sua culpabilidade, consubstanciando-se em medidas atenuantes penais e benefícios gerais acerca deste ramo do direito. Vejamos as atenuantes genéricas do Código Penal:
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).62
Esta atenuante genérica do Código Penal Brasileiro abre um precedente para que o juiz, quando exarar sua sentença, pondere os critérios da teoria da culpabilidade na hora de aplicar a pena. Além do artigo acima mencionado, temos outros princípios que surgiram com a mesma finalidade. Vejamos o que diz a jurisprudência sobre os crimes de bagatela:
PENAL - HABEAS CORPUS - TENTATIVA DE FURTO DE UMA BIJUTERIA CUJO VALOR NÃO ULTRAPASSA R$30,00 – NEGATIVA DA SUBSTITUIÇÃO E DO SURSIS – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA OU BAGATELA – POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NECESSARIEDADE DA PENA. SUPERADAS AS DEMAIS PRETENSÕES REFERENTES AO RECONHECIMENTO DE NULIDADES, MAS CONCEDIDA ORDEM DE OFÍCIO PARA RECONHECER A ATIPICIDADE DA CONDUTA E DETERMINAR O TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL POR FALTA DE JUSTA CAUSA. 1- Se o bem tutelado nem mesmo chegou a ser ofendido, nem há relevância na conduta praticada, o princípio da insignificância deve ser aplicado, afastando-se a tipicidade. 2- A aplicação dos princípios da necessariedade e da suficiência da punição afasta a aplicação de pena que se mostra excessiva para reprimir conduta irrelevante. 3- Superados os argumentos da impetração, foi concedida ordem de ofício, para reconhecer a atipicidade da conduta e determinar o trancamento da ação penal por falta de justa causa.63
APELAÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA.
1. Preliminar de inobservância ao devido processo legal rejeitada. Inexistência de irregularidade na antecipação da absolvição sumária à apresentação da defesa técnica, ausente violação ao contraditório e à ampla defesa, remanescendo à acusação a faculdade de recorrer do provimento jurisdicional caso não se resigne.
2. Tipicidade material ausente. Tentativa de furto simples de dois tapetes, consistentes em mercadorias que seriam descarregadas em estabelecimento comercial, avaliados em R$ 150,00. Crime bagatelar caracterizado, considerando a mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, a reduzidíssima reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provada. APELO NÃO PROVIDO. UNÂNIME. 64
APELAÇÃO CRIMINAL. RECURSO DA ACUSAÇÃO. CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO. TENTATIVA DE FURTO PRATICADO DURANTE O REPOUSO NOTURNO (ARTIGO 155, § 1º, II, DO CÓDIGO PENAL). INSURGÊNCIA DO PARQUET CONTRA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA POR RECONHECER O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. CRIME BAGATELAR DEVIDAMENTE RECONHECIDO PELO JUÍZO DE ORIGEM. RES FURTIVA DE VALOR IRRISÓRIO. OFENSA AO BEM JURÍDICO TUTELADO IRRELEVANTE. ACUSADO QUE NÃO FAZ DA PRÁTICA DO CRIME CONTRA O PATRIMÔNIO SEU MEIO DE VIDA. FATO ISOLADO NA SUA VIDA PREGRESSA. REINCIDÊNCIA ESPECÍFICA NÃO CONFIGURADA. ACUSADO QUE APRESENTA UMA CONDENAÇÃO TRANSITADA EM JULGADO POR CRIME CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA. CONDUTA TÍPICA QUE PODE SER CONSIDERADA IRRELEVANTE SOB O PONTO DE VISTA PENAL. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO.
1. Para a aplicação do princípio da insignificância é imperiosa a presença de certos elementos, estabelecidos pela jurisprudência dos Tribunais Superiores e pela doutrina: (1) mínima ofensividade da conduta do agente; (2) ausência total de periculosidade social da ação; (3) ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento e (4) inexpressividade da lesão jurídica ocasionada.
2. "Não há exigência de requisitos subjetivos a serem analisados para a aplicação do princípio da insignificância" (GOMES, Luiz Flávio. SOUSA, Áurea Maria Ferraz de. Furto qualificado não admite princípio da insignificância. Críticas. Disponível em . Acesso em 22 de setembro de 2010).
3. Uma adequada releitura do princípio da insignificância estabelece que o agente com maus antecedentes e reincidente específico, que faz da prática de furtos o seu meio de vida, não preenche os requisitos da (1) mínima ofensividade da conduta do agente e (3) do ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento. Isso porque a sociedade, sem sombra de dúvidas, reprova o comportamento do réu reincidente específico no crime de furto, sendo sua conduta considerada ofensiva sob o ponto de vista penal.
4. O fato de o agente ser reincidente, de per si, não pode ter o condão de afastar o princípio da insignificância, deve-se analisar em que se pautaram os antecedentes anteriores para se aquilatar a gravidade da conduta então praticada pelo réu, verificar se essa ação foi ofensiva e qual o grau de reprovabilidade do seu comportamento.65
Vejamos o que preceitua o Supremo Tribunal Federal acerca do Princípio da Insignificância (Crime de Bagatela)
Princípio da Insignificância (crime de bagatela)
Descrição do Verbete: o princípio da insignificância tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, ou seja, não considera o ato praticado como um crime, por isso, sua aplicação resulta na absolvição do réu e não apenas na diminuição e substituição da pena ou não sua não aplicação. Para ser utilizado, faz-se necessária a presença de certos requisitos, tais como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada (exemplo: o furto de algo de baixo valor). Sua aplicação decorre no sentido de que o direito penal não se deve ocupar de condutas que produzam resultado cujo desvalor - por não importar em lesão significativa a bens jurídicos relevantes - não represente, por isso mesmo, prejuízo importante, seja ao titular do bem jurídico tutelado, seja à integridade da própria ordem social.66
Entretanto, embora haja certo controle, ainda é preciso avançar mais no horizonte de projeção do direito penal, no estudo criminológico e na despenalização de algumas condutas consideradas criminosas, a fim de promover menos desigualdades no processo de seleção.
Sobre o tema, é importante definir onde se projeta a seletividade criminal. Conforme expõe ZAFFARONI, existem pessoas que se encontram em estado de vulnerabilidade conforme seu estereótipo criminal. Porém, não basta somente que estas pessoas estejam em estado de vulnerabilidade, mas que se encontrem em situação de vulnerabilidade, onde estão suscetíveis ao risco criminalizante. Vejamos:
O sistema penal opera, pois, em forma de filtro para acabar selecionando tais pessoas. Cada uma delas se acha em um certo estado de vulnerabilidade ao poder punitivo que depende de sua correspondência com um estereótipo criminal: o estado de vulnerabilidade será mais alto ou mais baixo consoante a correspondência com o estereotipo for maior ou menor. No entanto, ninguém é atingido pelo poder punitivo por causa desse estado, mas sim pela situação de vulnerabilidade, que é a posição concreta de risco criminalizante em que a pessoa se coloca. Em geral, já que a seleção dominante corresponde a estereótipo, a pessoa que se enquadra em algum deles não precisa fazer um esforço muito grande para colocar-se em posição de risco criminalizante (e, ao contrário, deve esforçar-se muito para evita-lo).67
Diante do exposto, nota-se que o fator financeiro é determinante para distinguir aqueles que sofrerão os efeitos dos processos de criminalização. Aqueles a quem se atribuir menor distribuição e restrito acesso ao discurso e ao poder, são fadados a permanecerem em posição de risco iminente, dificilmente conseguindo desta situação se dissuadir.
Infelizmente, fatores que encontramos no cerne de nossa sociedade fazem crescer o lastro da seletividade e o aumento dos vulneráveis a incidir em delitos. As desigualdades sociais, o avanço da pobreza, a falta de acesso a oportunidades de boa renda e emprego, os fatores étnicos e culturais, profissões subalternas, local de moradia são um destes fatores acima mencionados. Vejamos o que afirma ZAFFARONI:
Na sociedade há um adestramento diferencial, de acordo com o grupo de pertencimento, o qual desenvolve habilidades diferentes, segundo a respectiva camada e posição social (classe, profissão, nacionalidade, origem étnica, local de moradia, escolaridade etc.) Quando uma pessoa comete um delito, ela utiliza seus recursos de adestramento ao qual foi submetida lhe proporciona. Quando estes recursos são elementares ou primitivos, o delito só pode ser, no mínimo, grosseiro (obra tosca). O estereótipo criminal se compõe de caracteres que correspondem a pessoas em posição em posição social desvantajosa e, por conseguinte, com educação primitiva, cujos eventuais delitos, em geral, apenas podem ser obras toscas, o que só faz reforçar mais os preconceitos racistas e de classes, à medida em que a comunicação oculta o resto dos ilícitos cometidos por outras pessoas de uma maneira menos grosseira e mostra as obras toscas como os únicos delitos.68
Neste sentido, o autor admite que as pessoas que se encontram em situação de vulnerabilidade, em regra, cometem delitos de pequena monta, comum ser em maioria pequenos crimes patrimoniais. Embora esta conduta tenha seu grau de reprovabilidade, ZAFFARONI realiza a crítica sobre comunicação social que oculta outros delitos potencialmente mais devastadores, como os chamados “crimes do colarinho branco”, em que tem como autores pessoas de classes elitizadas.
A consequência desta ação é reforçar cada vez mais o estereótipo de inimigo social a ser combatido, acentuado ainda mais os preconceitos de classes sociais, étnicos, territoriais e outros. Corroborando com isso, ZAFFARONI afirma:
Isto leva à conclusão pública de que a delinquência se restringe aos segmentos subalternos da sociedade, este conceito acaba sendo assumido por equivocados pensamentos humanistas que afirmam serem a pobreza, a educação deficiente etc., as causas do delito, quando, na realidade, são estas, junto ao próprio sistema penal, fatores condicionantes dos ilícitos desses segmentos sociais, mas, sobretudo, de sua criminalização, ao lado da qual se espalha, impune, todo o imenso oceano de ilícitos dos outros segmentos, que os cometem com menor rudeza ou mesmo com refinamento.69
De acordo com a citação, ZAFFARONI deixar claro que a impunidade maior encontra-se nos outros segmentos da sociedade e não naquelas cujo pode punitivo está atuando. Ademais, sobre estas, é importante dizer que não são necessárias aplicar mais penas, mas, sobretudo, políticas de inserção social, de melhor educação e renda e de igualdade social. Diante disso, vejamos:
A reivindicação contra a impunidade dos homicidas, dos estupradores, dos ladrões e dos meninos de rua, dos usuários de drogas etc., não se resolve nunca com a respectiva punição do fato, mas sim com urgentes medidas punitivas que atenuam as reclamações na comunicação ou permitem que tempo lhes retire a centralidade comunicativa.70
Diante dos argumentos trazidos, a teoria da vulnerabilidade tem o condão de relativizar a responsabilidade do indivíduo vulnerável quando ele incide em conduta considerada criminosa.
O poder judiciário, por sua vez, necessita realizar o controle jurisdicional da criminalização, tendo em vista a manutenção de preceitos constitucionais fundamentais, principalmente no que se refere à isonomia, beneficiando os iguais de maneira igual e os desiguais de maneira desigual.
Por sua vez, o estado, assegurar de maneira programática os direitos sociais elencados na Constituição Federal de 1988, tendo em vista a persecução de melhor qualidade de vida nas pessoas vulneráveis a ser incidentes em condutas criminalizadas.
5. CONCLUSÃO
O presente tema é de muita relevância no atual cenário social brasileiro e de outros muitos países, principalmente os latino-americanos. Realizar a crítica acerca da seletividade do poder punitivo, transpassando por todos os momentos pelos quais o indivíduo é submetido, traz à nossa ciência a certeza de que o atual sistema precisa ser imediatamente revisto e alterado.
Todas as constatações realizadas neste trabalho de conclusão de curso evidenciam que, quanto maior a quantidade de leis penais, bem como quanto mais rigorosa é a punição e a persecução do estado, também é crescente o número da população carcerária brasileira e dos índices de violência e criminalidade.
Diante disso, se para reduzir os índices de criminalidade, o sistema penal justifica sua existência utilizando o discurso de que atua na manutenção da segurança jurídica dos bens tutelados, bem como na manutenção da defesa social, ele não está atingindo seus objetivos declarados.
Na realidade, está ocorrendo o inverso, pois o poder punitivo não logra êxito em operar nas condutas desviantes, por isso, busca na sociedade um modelo para servir de bode expiratório e justificar sua atuação. Infelizmente, o modelo procurado é facilmente encontrado nas classes subalternas, em que há pouca expressão social e pouca movimentação de classes.
Assim, os comunicadores sociais, os quais dominam o discurso e formam opiniões, tendem a firmar ainda mais estereótipo de pessoa considerada o inimigo social a ser combatido pelo estado. O resultado deste ciclo é justamente a maior incidência do estado em realizar os processos de criminalização: primária e secundária.
E embora existam maneiras de frear a ação do poder punitivo e agir de maneira igual na sociedade, ainda existem barreiras no ceticismo daqueles que julgam e que promovem a aplicação da lei penal. A convicção de que aquele estereótipo é o tipo de inimigo a ser combatido é muito forte entre as agências do sistema penal, ocasionando um desgaste natural de todos que compõem esta cadeia.
De um lado, o estado personificado nas agências, se vê como detentor de uma obrigação, esta que não cumpre sua função social. De outro lado, aquele estereótipo criminalizado, que passou por todas as agências do sistema penal passa a assumir para si a imagem que os comunicadores lhe deram, dela dificilmente ele consegue se dissuadir.
Finalizando, a única maneira de desmistificar este grande enredo é a implantação de um novo sistema, em que o estado deve atuar como garantidor dos direitos sociais, mediante programas, justamente naquelas classes menos favorecidas e desprestigiadas, fazendo com que elas deem um salto em qualidade de vida, igualdade social e educação moral e cultural.
Comprovadamente, como ocorreram em países como Japão, Itália, Holanda e outros, promover estes direitos sociais significa em uma sociedade mais desenvolvida e organizada, com baixos índices de violência e criminalidade.
Entretanto, enquanto não ocorrer estas mudanças no âmbito social, pela iniciativa política, o Poder Judiciário brasileiro deve realizar a contenção e o controle da indústria penal, evitando assim o aumento das desigualdades, de mais criminalização, de mais população carcerária e de um ambiente propenso à domesticação popular.
Contribuindo com isso, não somente as agências do sistema penal, mas como também os veículos de comunicação em massa, têm um papel fundamental em desmistificar a figura do estereótipo criminal. Ou seja, o estado deve exercer pressão na mídia para que esta não vincule a imagem de pessoas negras, desempregadas, residentes em regiões periféricas e pobres como modelo de inimigo social.
Ainda sobre a atuação do estado, é dele o dever de promover o acesso destes invisíveis sociais, por meio de políticas-públicas, voltadas às normas programáticas de diminuição da pobreza e igualdade social. Por fim, a promoção da educação de qualidade nos níveis iniciais e o acesso aos níveis superiores de ensino.
Tais medidas afirmativas causam o impacto positivo não só no modelo de política criminal, mas Também em todas as áreas da sociedade. Resumindo, mais geração de emprego e renda, igualdade e competitividade. Isso resulta na diminuição da enorme maioria dos problemas sociais.
6. REFERÊNCIAS
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DA SILVA. José de Ribamar. Prisão: Ressocializar para não reincidir. Paraná: 2003;
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SANTOS, Juarez Cirino dos. Teoria da pena: fundamentos políticos de aplicação judicial. Curitiba: Lúmen Juris, 2005;
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Direito Penal Brasileiro - I: Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2003;
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ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed rev. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2011.
ANEXOS
1 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 83/84.
2 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 83.
3 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 84.
4 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 39.
5 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 43.
6 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 62.
7 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 41-42.
8 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 69/70.
9 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 41.
10 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 41.
11 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
12 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 57/58.
13 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 53/56.
14 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
15 GOFFMAN, Erving. ESTIGMA – Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988, pag. 121.
16 GOFFMAN, Erving. ESTIGMA – Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988, pag. 91.
17 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
18 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio; 1. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 27.
19 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
20 Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – Dados sobre população carcerária no Brasil. http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/28746-cnj-divulga-dados-sobre-nova-populacao-carceraria-brasileira - 05/06/2014.
21 Instituto Avante Brasil (IAB) – Violência epidêmica e política equivocada - http://institutoavantebrasil.com.br/brasil-reincidencia-de-ate-70/ - 07/02/2014.
22 GOFFMAN, Erving. ESTIGMA – Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988, pag. 34.
23 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
24 GOFFMAN, Erving. ESTIGMA – Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988, pag. 43.
25 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 42.
26 BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. e-book. edição eletrônica: http://www.ebooksbrasil.org/eLibris/delitosB.html. 2002.
27 DECRETO-LEI Nº 4.657, de 04/09/1942 - Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro – Art. 3º.
28 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 119.
29 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 63.
30 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 88/89.
31 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 88/89.
32 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 41.
33 Constituição da República Federativa de Brasil – Título II: Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I: Dos Direitos e Deveres Constitucionais Individuais e Coletivos. Ano 1988.
34 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 90.
35 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 91.
36 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 53.
37 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, 91.
38 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 91.
39 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, J. Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro – 9. ed. rev. e atual. – São Paulo: Revista dos tribunais, 2011, p. 92.
40 Dicionário Priberam: Criminalização: http://www.priberam.pt/dlpo/criminaliza%C3%A7%C3%A3o
41 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio; 1. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 28.
42 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 43.
43 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio; 1. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 27.
44 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio; 1. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 22.
45 Dicionário Informal: Seletividade: http://www.dicionarioinformal.com.br/seletividade/
46 BECKER, Howard Saul. Outsiders: estudo de sociologia do desvio; 1. ed. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2008, p. 27.
47 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 46.
48 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 46.
49 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 47.
50 BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2002, p. 165.
51 GOFFMAN, Erving. ESTIGMA – Notas Sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. 4. ed. Rio de Janeiro: LCT, 1988, pag. 121.
52 Martini, Márcia. Artigo: A seletividade punitiva como instrumento de controle das classes perigosas. MPMG Jurídico. 2007.
53 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 47.
54 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011,p. 43.
55 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 43.
56 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 44.
57 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011,p. 43.
58 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, 45.
59 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 45.
60 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 44.
61 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 46/47.
62 DECRETO-LEI Nº 2.848, de 07/12/1940 - Código Penal Brasileiro – Art. 66.
63 Superior Tribunal de Justiça- HC 90555 / MG- Habeas Corpus 2007/0217035-8- Sexta Turma- DJ 14/04/2008.
64 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: ACR: 70052264975 RS – Sexta Câmara Criminal- DJ 30/01/2014
65 Tribunal de Justiça de Santa Catarina: ACR 8313 SC 2010.000831-3 – Primeira Câmara Criminal- DJ 27/04/2011
66 Supremo Tribunal Federal: Glossário Jurídico: Princípio da Insignificância (crime de bagatela): http://www.stf.jus.br/portal/glossario/verVerbete.asp?letra=P&id=491
67 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 49.
68 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 48.
69 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 48.
70 ZAFFARONI, E. Raúl; BATISTA, Nilo. Direito Penal Brasileiro – I. 4. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011, p. 45.
Publicado por: AUGUSTO SILVA SCHMIDT
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