ATIVISMO JUDICIAL E A SEPARAÇÃO DOS PODERES

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1.  RESUMO

O presente artigo tem como escopo abordar a Constitucionalidade do ativismo judicial frente ao princípio da separação dos poderes. Para alcançar a finalidade, foi necessário um estudo sobre o princípio da separação dos poderes, bem como do sistema de freios e contrapesos, fazendo uma breve abordagem histórica de sua construção e importância no Estado democrático de direito. Após, analisando o ativismo judicial, foram feitas referências a práticas judiciais ativistas que têm sido realizadas sob a justificativa da concretização dos direitos fundamentais, trazendo posições favoráveis e contrárias à Constitucionalidade dessa conduta do judiciário.

Palavras-chaves: Absolutismo. Separação dos Poderes. Ativismo judicial. Constitucionalidade.

2. INTRODUÇÃO

"Só o poder freia o poder, tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três Poderes: o de fazer leis, o de executar leis, o de executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências entre os indivíduos” (MONTESQUIEU, p.168).

Poder é a faculdade que este possui de tomar decisões em prol da coletividade. Consiste, pois, no exercício da soberania estatal. Entretanto, é importante frisar que todo esse referido poder possui como único e exclusivo detentor, o povo, como destaca a Carta Magna, no parágrafo único do seu artigo 1°. Tal poder tem como característica o fato de ser uno, supremo e indivisível e, pode ser exercido pelo povo, diretamente, ou através de seus representantes eleitos.

Entretanto, muito embora a doutrina consagre a unicidade e indivisibilidade de tal poder, é preciso entender que existe uma divisão funcional do exercício deste, com a atribuição de cada função governamental básica do Estado a um órgão independente e especializado. Assim, destaca-se que o poder é uno, é do povo, entretanto, o modo pelo qual ele é exercido pelo Estado é que se divide, ou seja, as funções específicas do Estado é que são separadas para uma melhor eficiência em favor do interesse público. Tal divisão funcional do exercício do Poder do Estado, muito embora tenha sido abordada em toda a antiguidade, fora sistematizada de forma mais evidente por Montesquieu, no século XVIII, em sua obra "O espírito das Leis", em 1748.

A referida separação funcional do exercício dos poderes proposta por Montesquieu traduz-se numa forma de se evitar o absolutismo, ou seja, evitar a concentração de poderes nas mãos de um só homem ou um corpo de homens. Segundo Montesquieu, para que o poder seja exercido com equilíbrio, é necessário que se faça a divisão funcional deste, de modo que um poder, no exercício de suas atribuições, equilibre a autonomia e intervenha, quando necessário, no outro, proporcionando uma harmonia e maior organização na esfera governamental de um Estado. Tal sistema é denominado pela doutrina como sistema de freios e contrapesos.

A Constituição Federal da República do Brasil em seu artigo 2° adota a chamada separação funcional dos poderes, dizendo que são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o legislativo, o executivo e o judiciário.

Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

A distribuição das funções básicas estatais a cada poder é uma forma de equilíbrio, para que nenhum desses poderes se corrompa e de forma arbitrária comece a exercer a soberania de forma plena, individualmente. Essa separação funcional é necessária para que a democracia se sustente, se consolide. Conforme já destacado, o poder é uno, sendo que o modo pelo qual o poder é exercido pelo Estado é que se divide; as funções específicas é que são separadas para uma melhor eficiência em favor do interesse público.

Nesse contexto, frisa-se que a função do Poder Legislativo é a de criar leis, ou seja, elaborar normas que regem o Estado, os cidadãos e as entidades públicas e privadas. A função do Poder Executivo é a de governar e administrar os interesses públicos, e, a função do Judiciário é garantir os direitos individuais e coletivos e dirimir conflitos entre particulares ou entre estes e o Estado.

O ativismo judicial, que é considerado como um fenômeno jurídico consiste numa postura proativa do Poder Judiciário na interferência de maneira regular e significativa nas opções políticas dos demais poderes, ou seja, o Poder Judiciário extrapola sua competência, tomando decisões de cunho político e administrativo que, a princípio, pertence aos demais poderes. Elucidando tal noção, cita-se, como exemplo, em uma decisão que o Poder Judiciário obriga o Estado a destinar determinada quantia em dinheiro para o fornecimento de medicamentos ao SUS (Sistema único de saúde), ele, judiciário, estaria sub-rogando a competência da administração, do Poder executivo, que é o órgão competente para tomar tal decisão.

Entretanto, essa conduta proativa do Poder Judiciário tem sido cada vez mais questionada, visto que o número de decisões de caráter político e administrativo tomado pelos tribunais tem aumentado significativamente, trazendo uma insegurança ao que chamamos separação funcional tripartite. O objetivo geral do presente trabalho consiste em pesquisar de forma clara e satisfatória acerca da constitucionalidade desse ativismo judicial e analisar até que ponto esse tal fenômeno jurídico interfere na autonomia funcional dos demais poderes. Para tanto, o presente trabalho pretende conceituar a separação dos poderes, o ativismo judicial e analisar a validade dessas decisões proferidas pelo judiciário a fim de concluir se essa conduta proativa dos tribunais fere ou não a Constituição; se essas decisões têm validade e amparo constitucional ou estão ferindo a norma suprema.

Ao final, será feita uma análise sistemática da doutrina e da jurisprudência para se chegar a uma conclusão a respeito da constitucionalidade desse ativismo.

3. ABSOLUTISMO

O regime absolutista surge como consequência do enfraquecimento do Estado Medieval e surgimento do Estado Moderno, buscando restabelecer a unidade territorial e política fortemente abalada em tal período. 

Tal forma de governo caracteriza-se por se sujeitar a nenhuma limitação de ordem jurídica, política ou moral, estabelecendo o poder do monarca de forma incontestável e sem limitações, ou seja, o poder sem qualquer limite, sem qualquer tipo de constituição ou norma que pudesse frear seus intentos.

Pedro Leanza, citando Aristóteles assim aduz:

"Havia concentração no exercício das funções na figura de uma única pessoa, o soberano, que detinha um poder “incontrastável de mando”, uma vez que era ele quem editava o ato geral, aplicava-o ao caso concreto e, unilateralmente, também resolvia os litígios eventualmente decorrentes da aplicação da lei. A célebre frase de Luís XIV reflete tal descrição: "Leta cest". moi”, ou seja, “o Estado sou eu”, "o soberano". (LENZA, 2012, p. 402).

No absolutismo, concentravam-se na figura do Monarca todas as funções do Estado. Era ele quem legislava, administrava e aplicava a justiça sem que houvesse qualquer Constituição ou norma que pudesse moderar sua atuação. Sua vontade era a mais alta, não se sujeitando a qualquer limite ou contraste.

Com o passar do tempo, esse modelo de governo começou ficar ultrapassado e apresentar falhas. Pela necessidade de se limitar o Poder do Monarca, no contexto histórico, aos poucos tal regime fora sofrendo limitações de ordem jurídica, política, ou de setores da sociedade. 

Como um exemplo de limitação a essa forma de governo destacamos a chamada Monarquia limitada de Estamentos, onde setores da sociedade exerciam influência sobre as normas impostas pelo soberano, como a Magna Carta Inglesa, de 1215, imposta ao Rei João sem Terra, pelos barões ingleses, apoiados pelo Clero, estabelecendo limitações de ordem jurídica.

Destaca-se ainda a Monarquia Limitada parlamentarista, onde o monarca exerce a função de chefe de Estado, tendo seu poder limitado pelo parlamento, formado por pessoas eleitas, que criavam e promulgavam as leis.

Entretanto, o auge da busca por limitação ocorre na metade do século XVIII, que acarretou o período marco da história moderna, conhecido como Revolução Francesa, que teve início em 1789 e se estendeu até meados de 1799.

Tal revolução teve um papel crucial na divisão dos poderes, pois, não se concebia mais a figura de um único detentor do poder, que criasse leis e as executasse de forma autoritária e impessoal. A separação do poder, proposta a partir de então, enfraqueceria a realeza e consequentemente o modelo absoluto de Governar.

A nova forma de governar acarretaria o fim do absolutismo, mas essa transição não foi simples e rápida, pouco a pouco os ideais da revolução francesa foram se espalhando por todo continente Europeu chegando até o novo mundo, influenciando a luta pela independência nas colônias portuguesas e espanholas.

4. DA SEPARAÇÃO DOS PODERES

Conforme ensina Ricardo Arnaldo M. Fiúza (2010, p. 216) a preocupação em tentar evitar a concentração de poderes do Estado, nas mãos de um único detentor ou órgão, nos remete à antiguidade. Destaca-se que a noção, hoje, estabelecida sobre divisão das funções do Estado foi fruto de um longo processo de estudo da política por diversos filósofos e pensadores, a fim de combater o regime autoritário e absolutista existente na época. Assim, o princípio da separação dos poderes passou por um longo processo de estudo e de modificações para que pudesse se consolidar. De Aristóteles a Montesquieu essa teoria foi se modelando até chegar aos dias atuais.

Começando por Aristóteles em sua obra "Política", o filósofo já mencionava uma separação das funções, afirmando que em todo governo existiam três funções essenciais: a função deliberativa, a função executiva e a função judicial. No entanto, conforme preleciona Pedro Leanza (2012), em decorrência do momento histórico de formulação de sua teoria, o filósofo descrevia a concentração dessas funções em uma única pessoa, o Soberano, que detinha um poder incontrastável de mando. Posteriormente, Maquiavel, em sua obra "o Príncipe" revelou uma França com três funções distintas, a Legislativa, formada pelo parlamento, a Executiva que era exercida pelo rei e a Judiciária que era autônoma.

Mais tarde, essa divisão das funções do Estado foi detalhada por John Locke, que dizia existir quatro atribuições diversas para o governo.

Segundo Ricardo Fiuza:

"A obra de Locke é distinguida como a primeira doutrina sobre a separação de poderes. Ele aponta quatro funções fundamentais exercidas por dois órgãos de Poder: a função legislativa, que caberia ao Parlamento, a função executiva, compreendendo a execução das leis internas da sociedade sobre todos aqueles que dela fazem parte, porém desdobrada em função federativa, referente ao direito de realizar a paz e a guerra, de celebrar alianças e ligas, e demais transações que devessem ser tratadas fora do Estado; por último, a função prerrogativa atribuída ao príncipe para fazer o bem comum. Ele não distingue o judiciário, mas parece considerá-lo parte do executivo''. (FIUZA, 2010, p. 217).

É mister salientar que Jonh Locke, apesar de reconhecer quatro atribuições diversas para o Estado, não concebeu os poderes convivendo independente e harmonicamente entre si. Para o filósofo, o Poder Legislativo era superior aos demais.

Por fim, Montesquieu, em sua obra “O Espírito das Leis”, consagrou o chamado princípio da separação dos poderes.

Segundo Dallari:

"Finalmente, com Montesquieu, a teoria da separação de poderes já é concebida como um sistema em que se conjugam um legislativo, um executivo e um judiciário, harmônicos e independentes entre si, tomando, praticamente, a configuração que iria aparecer na maioria das Constituições. Em sua obra “De L’Esprit des Lois”, aparecida em 1748, Montesquieu afirma a existência de funções intrinsicamente diversas e inconfundíveis, mesmo quando confiadas a um só órgão. Em sua opinião, o normal seria a existência de um órgão próprio para cada função, considerando indispensável que o Estado se organizasse com três poderes, pois “Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes” ( DALLARI, 2011,  p.216).

O grande avanço trazido por Montesquieu não foi a identificação do exercício de três funções estatais, mas sim de que tais funções estariam ligadas a três órgãos distintos, autônomos e independentes entre si.

O princípio da separação dos poderes consiste em reconhecer que o Poder do Estado exerce funções distintas, quais sejam, legislativa, executiva e judiciária, e que estas funções têm que ser exercidas por diferentes órgãos, autônomos e independentes entre si. É uma forma de se evitar que o poder se concentre em um só órgão, em uma só pessoa.

Partindo do princípio de que o poder é uno, assim como assevera o parágrafo único do artigo 1° da Constituição Federal: "todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição", e de que o titular desse poder é o Povo, o princípio da separação dos poderes não trata da divisão do poder em si, mas sim da divisão das suas funções, ou seja, de como ele é exercido, a maneira pelo qual ele se impõe. O Estado exerce precipuamente três funções: a legislativa, a executiva e a judiciária. O exercício dessas funções é atribuído a órgãos autônomos e independentes entre si. 

No Brasil, a separação dos poderes não é rígida, ou seja, não é absoluta, havendo certa interpenetração entre eles. Segundo José Afonso da Silva (2005.p 109): "hoje, prefere-se falar em colaboração dos poderes"; mas isso não retira a essência do Princípio da separação que é justamente evitar a concentração desses poderes no mesmo homem ou no mesmo corpo.

Conforme preleciona Ricardo Fiuza:

"A separação dos órgãos de Poder não pode ser entendida de modo absoluto, mas de maneira formal. A clássica doutrina de Montesquieu não estabelece a independência plena dos três órgãos do Poder. O que ocorre é uma constante interpenetração entre os órgãos, como uma engrenagem, de maneira que nenhum ato de governo seja de responsabilidade de um só órgão do Poder". (FIUZA, 2010, p.219).

Para compreender como se dá essa divisão, é necessário detalhar quais são as atribuições de cada órgão, a saber, as atribuições do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário.

4.1. Do Poder Legislativo

O Brasil adota o sistema do bicameralismo, ou seja, o Poder Legislativo no âmbito da União é exercido pelo Congresso Nacional que é formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal. A Câmara é formada por representantes do povo e o Senado por representantes dos entes federativos (Estados membros e Distrito Federal).  

Nos Estados membros e nos Municípios a estrutura do Poder Legislativo é do tipo unicameral, ou seja, composto por uma única casa. Assim, nos Estados, o Poder Legislativo é representado pela Assembleia Legislativa, formada por Deputados Estaduais, e, nos municípios, tal Poder é representado pela Câmara de Vereadores.

O Poder Legislativo exerce precipuamente a função de criar leis e de fiscalizar as contas da administração Pública. A sua função típica é a de elaborar normas genéricas e abstratas dotadas de força proeminente dentro do ordenamento jurídico, e também a de fiscalizar a atuação contábil da administração pública na forma do artigo 70 da Constituição. (BAHIA, 2017, p. 423).

Conforme preleciona Alexandre de Morais:

"As funções típicas do Poder Legislativo são legislar e fiscalizar, tendo ambas o mesmo grau de importância e merecedoras de maior detalhamento. Dessa forma, se por um lado a Constituição prevê regras de processo legislativo, para que o Congresso Nacional elabore as normas jurídicas, de outro, determina que a ele compete a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial do Poder Executivo".(MORAIS, 2014, p 429).

A função de legislar e fiscalizar são as principais exercidas pelo Legislativo, mas não as únicas. Existem outras funções, subsidiárias, chamadas de atípicas, que não são exercidas com a mesma frequência.

Segundo Flavia Bahia:

"O Poder Legislativo exerce subsidiariamente as funções executiva e judicial, por exemplo, quando faz concurso para seus cargos exerce a função administrativa, executiva, e quando julga o Presidente da República por crime de responsabilidade atua na função de juiz". (BAHIA, 2017, p.283).

As funções atípicas não ocorrem na mesma proporção que as funções principais, diga- se de passagem, às de legislar e fiscalizar, mas são de mesma importância contribuindo para um melhor funcionamento do órgão.

4.2. Do Poder Executivo

O Poder Executivo é um poder monocrático, pois é exercido por um único indivíduo. No âmbito federal, tal Poder é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelo Vice-Presidente e pelos Ministros de Estado que são nomeados pelo próprio Presidente. Nos Estados membros o Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado e nos municípios pelo Prefeito.

A função principal do Poder Executivo é administrar a máquina pública, é gerir o Estado.

Segundo Flávia Bahia:

"O Poder Executivo é o órgão constitucional cuja função típica é a prática de atos relacionados à função executiva, ou seja, a tarefa de realizar, dentro da lei, as atividades materiais atinentes à chefia de Estado, de Governo e da Administração Pública". (BAHIA, 2017, p. 329).

O Brasil adotou o sistema presidencialista, pelo qual o Presidente da República acumula os cargos de chefe de Estado e Chefe de Governo.

Segundo Alexandre de Morais:

"O Presidente da República, como chefe de Estado, representa o país nas relações internacionais, bem como corporifica a unidade interna do Estado. Como chefe de Governo, a função presidencial corresponde à representação interna, na gerência dos negócios internos, tanto de natureza política (partici­pação no processo legislativo), como de natureza eminentemente administra­tiva. Assim, o Chefe de Governo exercerá a liderança da política nacional, pela orientação das decisões gerais e pela direção da máquina administrativa". (MORAIS, 2014, p. 489).

O Poder Executivo, além de suas funções de administração exerce também outras funções de forma subsidiária, chamadas atípicas. Quando o Presidente da República adota Medidas Provisórias, por exemplo, temos o executivo atuando na função de legislador, e, quando há um contencioso administrativo, ele atua na função de julgador.

4.3. Poder Judiciário

O Poder Judiciário tem como função principal solucionar os conflitos que lhes são apresentados, julgando-os de acordo com a Constituição Federal e as leis. Os órgãos do Poder Judiciário segundo a Constituição Federal são:

Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário:

I - o Supremo Tribunal Federal;

I-A - o Conselho Nacional de justiça;

II - o Superior Tribunal de Justiça;

III - os Tribunais Regionais Federais e juízes Federais;

IV - os Tribunais e juízes do Trabalho;

V - os Tribunais e juízes Eleitorais;

VI - os Tribunais e juízes Militares;

VII - os Tribunais e juízes dos Estados e do Distrito Federal e Territórios.

Conforme preleciona Flávia Bahia (2017, p 341): '' a função típica do Poder Judiciário é exercer a atividade jurisdicional, pela qual o Judiciário substitui a vontade das partes solucionando os conflitos ao declarar o Direito e julgar''.

A função do Poder Judiciário é aplicar a justiça, não está limitada a solucionar apenas os conflitos entre cidadãos, mas também destes com o Estado, garantindo assim que a Constituição Federal e as leis sejam cumpridas.

Como preleciona Alexandre de Morais (2014, p. 522), a função típica do Poder Judiciário é julgar, aplicando a lei a um caso concreto, que lhe é posto, resultante de um conflito de interesses.

O Poder Judiciário por sua vez também exerce funções atípicas, quais sejam, administrativa e legislativa. Alexandre de Morais explica como é feito o exercício dessas funções:

"O Judiciário, como os demais Poderes do Estado, possui outras funções, de­nominadas atípicas, de natureza administrativa e legislativa. São de natureza administrativa, por exemplo, concessão de férias aos seus membros e serventuários; prover, na forma prevista nessa Constituição, os cargos de juiz de carreira na respectiva jurisdição. São de natureza legislativa a edição de normas regimentais, pois compete ao Poder Judiciário elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre a competência e o funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos". (MORAIS, 2014, p.523).

Cumpre ressaltar que as funções atípicas exercidas pelos Poderes são subsidiárias, não interferindo na sua separação, mas apenas garantindo um melhor funcionamento dos órgãos.

5. DO SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS

Conforme ensina Ricardo Arnaldo M. Fiúza (2010, p. 219), o princípio da separação dos poderes foi adaptado por Hamilton, Madison e Jay na doutrina exposta em "O Federalista", explicando o chamado "sistema de freios e contrapesos" (checks and balances). Os constitucionalistas norte-americanos, em análise ao principio da separação dos poderes, expuseram que este axioma político não exige a separação absoluta dos três poderes e afirmaram a necessidade de tal ligação que dê a cada um deles o direito constitucional de fiscalizar os outros.

Assim, o sistema de “freios e contrapesos” consiste numa adaptação à obra de Montesquieu, onde defendiam a não existência de uma separação absoluta, mas afirmavam a necessidade de distribuir o poder de tal forma que resultasse num jogo de equilíbrio entre eles, formando um mecanismo de controles recíprocos.

Tal sistema pode ser compreendido como a inter-relação dos poderes de forma harmônica, em que cada qual mantém o seu âmbito de independência e autonomia em relação aos demais, permitindo que ao se atribuir funções do poder a diferentes mãos, estas controlariam umas às outras com vistas a evitar o arbítrio, fornecendo, por consequência, condições para o respeito aos direitos individuais (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2006, p. 390).

Ao distribuir a função estatal entre os órgãos Legislativo, Executivo e Judiciário, a Constituição Federal criou mecanismos de controles entre esses órgãos, de tal forma que um Poder possa fiscalizar as funções e controlar possíveis arbítrios dos outros.

Paulo Bonavides explica o funcionamento desse mecanismo:

''A presença do executivo na órbita legislativa é por via do veto e da mensagem, e excepcionalmente, segundo alguns, da delegação de poderes. Com o veto dispõe o executivo de uma possibilidade de impedir resoluções legislativas e com a mensagem recomenda, propõe e eventualmente inicia a lei, mormente naqueles sistemas constitucionais que conferem a esse poder — o executivo — toda a iniciativa em questões orçamentárias e de ordem financeira em geral. Já a participação do executivo na esfera do poder judiciário se exprime mediante o indulto, faculdade com que ele modifica efeitos de ato proveniente de outro poder. Igual participação se dá através da atribuição reconhecida ao executivo de nomear membros do poder judiciário.

Do legislativo, por sua vez, partem laços vinculando o executivo e o judiciário à dependência das câmaras. São pontos de controle parlamentar sobre a ação executiva: a rejeição do veto, o processo de impeachment contra a autoridade executiva, aprovação de tratado e a apreciação de indicações oriundas do poder executivo para o desempenho de altos cargos da pública administração.

Com respeito ao judiciário, a competência legislativa de controle possui, em distintos sistemas constitucionais, entre outros poderes eventuais ou variáveis, os de determinar o número de membros do judiciário, limitar-lhe a jurisdição, fixar a despesa dos tribunais, majorar vencimentos, organizar o poder judiciário e proceder a julgamento político (de ordinário pela chamada “câmara alta”), tomando assim o lugar dos tribunais no desempenho de funções de caráter estritamente judiciário.

Enfim, quando se trata do judiciário, Sua faculdade de impedir porém, só se manifesta concretamente quando esse poder — o judiciário — frente às câmaras decide sobre inconstitucionalidade de atos do legislativo e frente ao ramo do poder executivo Profere a ilegalidade de certas medidas administrativas''. (BONAVIDES, 1996, p. 178).

Assim, por exemplo, quando o Presidente da República sanciona ou veta uma lei criada pelo Congresso nacional, quando o Poder Judiciário declara a inconstitucionalidade de uma lei ou quando o Senado julga o Presidente da República por crime de responsabilidade, esses órgãos estão exercendo um controle recíproco. Esse mecanismo de moderação evita que um poder se torne superior ao outro ou aja de forma arbitrária.

Essa interpenetração entre os poderes não afeta a autonomia e independência deles. É uma forma de equilíbrio, para que um não se sobreponha ao outro. É a regra pela qual o poder é contido pelo próprio poder, sendo, portanto, uma garantia do povo contra o arbítrio e o despotismo

6. ATIVISMO JUDICIAL

A palavra ativismo judicial foi usada pela primeira vez pelo jornalista Americano Arthur Schlesinger, em um artigo onde fazia referência à posição proativa dos Juízes que compunham a Corte Americana de 1947 formada quase inteiramente por juízes nomeados pelo então ex-presidente Roosevelt.

Segundo Luiz Roberto Barroso:

"Foi na atuação proativa da Suprema Corte Americana que os setores mais reacionários encontraram amparo para a segregação racial e para a invalidação das leis sociais em geral, culminando no confronto entre o Presidente Roosevelt e a Corte, com a mudança da orientação jurisprudencial contrária ao intervencionismo estatal. A situação se inverteu completamente a partir da década de 50, quando a Suprema Corte, sob a presidência de Warren (1953-1969) e nos primeiros anos da Corte Burger (até 1973), produziu jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais, sobretudo envolvendo negros (Brown v. Board off  Education, 1954), acusados em processo criminal (Miranda v. Arizona,1966) e mulheres (Richardson v. Frontiero,1973), assim como no tocante ao direito de privacidade (Gris wold v. Connecticut, 1965) e de interrupção da gestação (Roe v. Wade, 1973)". (BARROSO, 2008. p.04).

A conduta da Suprema Corte Americana foi o marco inicial de todo um pensamento voltado a uma interpretação mais ampla dos direitos e garantias fundamentais bem como dos princípios gerais do direito. O que a Corte Americana fez foi ampliar os direitos civis e políticos dos americanos sobre uma ótica mais garantista. Decisões como a referente à segregação racial, onde a Corte declarou inconstitucional a separação de brancos e negros, nas escolas, acarretaria uma mudança social nos Estados Unidos.

Essa conduta garantista do Poder Judiciário, proativa ("self-starter") é que receberia o nome de ativismo judicial pelo jornalista Arthur Schlesinger e mais tarde por Constitucionalistas. Segundo Luiz Roberto Barroso:

"O ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva". (BARROSO, 2008 p.03).

De forma objetiva, pode-se conceituar o ativismo então como a conduta militante do Poder judiciário interferindo regularmente nas opções políticas do Poder Legislativo e do Poder Executivo. O Judiciário exorbita sua competência tomando decisões de caráter político e administrativo que são legitimas dos demais poderes. Pode se dizer que é a participação mais ampla do Judiciário na concretização dos fins constitucionais.

Segundo Barroso, o ativismo Judicial se manifesta por diversas formas:

“(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”. (BARROSO, 2008, p.04).

No Brasil, o Poder Judiciário tem se mostrado claramente ativista, pois recentemente tem tomado decisões consideradas proativas, pelas quais tem efetivado diversas políticas públicas, bem como interpretado a Constituição de uma maneira um tanto diferente, de forma mais ampla, voltado às garantias e liberdades individuais.

Nas palavras de Gilmar Mendes: ''não é por razões ideológicas ou pressão popular, mas porque a Constituição exige. Nós estamos traduzindo, até tardiamente, o espírito da Carta de 88, que deu a corte poderes mais amplos". (REVISTA VEJA, 2008, ed. 2075).

 A partir do momento que surge a demanda, o juiz não pode se escusar no que tange a aplicação da justiça. Ocorre que muitas dessas demandas, atualmente, fazem referência a efetivação de políticas públicas consagradas na constituição, que por inércia de regulamentação do Poder Legislativo ou por omissão do Poder Executivo não são efetivadas. Podemos citar como exemplo, decisões em que o Poder Judiciário impõe ao Estado o fornecimento de remédios à determinada pessoa ou quando determina que o município forneça vaga em instituição de ensino:

SAÚDE – MEDICAMENTOS. O preceito do artigo 196 da Constituição Federal assegura aos menos afortunados o fornecimento, pelo Estado, dos medicamentos necessários ao restabelecimento da saúde.

 (STF - ARE: 823174 RS, Relator: Min. MARCO AURÉLIO, Data de Julgamento: 16/09/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-194 DIVULG 03-10-2014 PUBLIC 06-10-2014).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. MUNICÍPIO DE ANTÔNIO PRADO. PRETENSÃO À VAGA EM CRECHE OU PRÉ-ESCOLA. TUTELA ANTECIPADA CONCEDIDA. GARANTIA CONSTITUCIONAL DO ACESSO À EDUCAÇÃO INFANTIL. OPERACIONALIDADE DAS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS FUNDAMENTAIS. FATOR DE RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA RESERVA DO POSSÍVEL. ORDEM DE CUMPRIMENTO SOB PENA DE BLOQUEIO DE VALORES. PRECEDENTES. DECISÃO POR ATO DA RELATORA (ART. 557 DO CPC). AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70064934730, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros, Julgado em 26/05/2015).

(TJ-RS - AI: 70064934730 RS, Relator: Sandra Brisolara Medeiros. Data de Julgamento: 26/05/2015, Sétima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/06/2015).

Podemos citar outros exemplos de decisões ativistas, como a decisão do STF, baseada no principio democrático, que declarou que a vaga no Congresso Nacional pertence ao partido político, acabando assim com o troca-troca de partido que existia no Congresso. Criou, assim, uma nova hipótese de perda de mandato parlamentar, além das que se encontram expressamente previstas no texto constitucional.

Outro exemplo é a da greve dos servidores públicos, cuja falta de regulamentação pelo Poder Legislativo inviabilizava o exercício do direito que lhes é garantido pela Constituição. Tal inércia legislativa levou o Supremo Tribunal Federal a estender a aplicação da Lei 7.783/89, que regulamenta o exercício do direito de greve no Setor Privado, aos servidores públicos em geral.

Essa atitude do Poder Judiciário é uma forma de resposta à crise de representatividade do Poder Legislativo e a inércia do Poder Executivo, onde se instala uma retração do Legislativo ocorrendo certa deturpação entre a sociedade civil e a classe política, impedindo a efetivação das demandas sociais.

Segundo Natália Masson:

"Atualmente, o cenário que se desenha para o Poder Legislativo é melancólico: crise de legitimidade e perda de prestígio levou o Poder a nova fase de decadência. Os recentes (e, infelizmente, corriqueiros) escândalos envolvendo compra de votos, troca de favores, manobras de proteção e blindagem entre os pares, bem como os procedimentos corruptos de finalidade exclusivamente eleitoreira, retiraram-lhe a credibilidade e a confiança em seus atos. Adicione-se a isso, o próprio sistema parlamentar de trabalho, que envolve infindáveis debates e discussões de difícil (às vezes, impossível) conciliação entre os grupos opostos, o que faz com que a agenda política do país seja constantemente deslocada para o Judiciário que, num ativismo judicial moderado, mas tornado necessário pelas injustificáveis omissões do Congresso Nacional, tem suprido as ausências do Poder Legislativo".(MASSON, 2016, p 601).

A sociedade contemporânea não se contenta com uma simples declaração de mora Legislativa, ou que o Poder Judiciário não pode adentrar no mérito da decisão administrativa do Poder Executivo. Exige-se cada vez mais uma decisão, uma sentença, uma resposta eficaz.

O artigo 5° inciso XXXV da Constituição Federal, diz que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito, ou seja, vigora o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, onde as demandas levadas ao juiz em casos de injustificável inadimplemento da obrigação estatal tem que ser resolvidas não podendo o Poder Judiciário se escusar de decidir. O parágrafo 1° do referido artigo diz que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata, portanto, o que o Judiciário tem feito é dar efetividade ao comando Constitucional. Segundo Rogério Sanches, em entrevista ao jornal "O Povo" no dia 15 de julho deste ano: "o STF está assumindo o protagonismo não porque ele quer, mas porque está se vendo obrigado a resolver o que não está sendo resolvido”.

E o que ocorre é que se o legislativo é omisso ou incompetente, ou ainda, não representa a vontade da Constituição que é a Suprema defensora do Estado Democrático de Direito, nada mais correto do que o judiciário atuar como moderador destes anseios, desde que baseando sua decisão em princípios claros que mesmo não escritos na Constituição estão nela subentendidos.

Segundo Lenio Streck:

"No Estado Democrático de Direito, o foco de tensão se volta para o Judiciário. Inércias do Executivo e falta de atuação do Legislativo passam a poder ser supridas pelo Judiciário, justamente mediante a utilização dos mecanismos jurídicos previstos na Constituição, que estabeleceu o Estado Democrático de Direito. A Constituição não está sendo cumprida. As normas-programa da Lei Maior não estão sendo implementadas. Por isso, na falta de políticas públicas cumpridoras dos ditames do Estado Democrático de Direito, surge o Judiciário como instrumento para o resgate dos direitos não realizados". (STRECK, 2014, p. 54).

Cumpre ainda ressaltar a posição da Suprema Corte quanto à consagração dos direitos fundamentais. Destaca-se o voto do Ministro Celso de Mello em ADPF nº 45, in verbis:

[...] Implementar políticas públicas não está entre as atribuições do Supremo nem do Poder Judiciário como um todo. Mas é possível atribuir essa incumbência aos ministros, desembargadores e juízes quando o Legislativo e o Executivo deixam de cumprir seus papéis, colocando em risco os direitos individuais e coletivos previsto na Constituição Federal.

O que o Judiciário faz não é arrogar as atribuições dos demais poderes, mas sim suprir a omissão de um Legislativo e um Executivo que não cumpre os mandamentos da Constituição, sendo, portanto, legítima as ações do Judiciário, já que nada fazem, senão zelar pelo seu título de guardião da Carta Magna e exercer as atribuições que lhes fora conferidas.

7. DAS CRÍTICAS À CONSTITUCIONALIDADE DO ATIVISMO.

Muito se especula acerca da Constitucionalidade do ativismo judicial, questionando se a atitude do Poder Judiciário é legítima ou é eivada de vício, inconstitucional. 

Para os críticos ao ativismo, o Poder Judiciário atuando de maneira proativa estaria se tornando um superpoder, sobrepondo, portanto, ao Poder Legislativo e ao Poder Executivo, rompendo o equilíbrio entre eles e ferindo a Constituição.

Conforme preleciona Elival da Silva Ramos (2010), o Ativismo Judicial ultrapassa as linhas demarcatórias da função jurisdicional, invadindo, desta forma, a competência dos outros poderes, seja a Legislativa ou a Executiva. Para o autor:

"Os magistrados devem ter cautela ao proferir decisões ativistas, uma vez que se o juiz distorcer o texto constitucional estará deformando o próprio Poder Originário Constituinte e, desta forma, caso invada prerrogativa de outro Poder, estará ofendendo a Separação dos Poderes, que é cláusula pétrea no Brasil". (SILVA, 2010, p. 245).

Outro argumento usado por aqueles que se contrapõem ao ativismo é a noção de que separação dos poderes é cláusula pétrea, é princípio fundamental da Constituição Federal brasileira, e qualquer extrapolação de competência por parte dos poderes é ato ilegítimo, inconstitucional.

Dentro desse contexto, a prática do ativismo judicial, embora em alguns casos traga impactos positivos à população, devido à dificuldade do legislativo em acompanhar os anseios da sociedade, constitui, por si só, um risco ao sistema político vigente, porque como bem acentua Barroso “envolvem a legitimidade democrática, a politização da justiça e a falta de capacidade institucional do Judiciário para decidir determinadas matérias”. (BARROSO, 2008, p. 11).

Passamos por um longo processo até se chegar ao modelo tripartite de separação dos poderes atual. Não cabe ao Poder Judiciário como a nenhum outro poder fragmentar esse princípio. Se esse ativismo continuar em crescimento o que veremos é uma nova ditadura, um Governo concentrado apenas nas mãos do judiciário.

Outra crítica incisiva que se faz ao ativismo judicial é que os Juízes não são representantes do povo, não foram eleitos para decidir questões de tamanha importância, portanto não cabe a eles tomar decisões de cunho político. Ocorre uma verdadeira inversão democrática, onde a exposição demasiada do Poder Judiciário pode acarretar uma acomodação dos outros poderes. Assim sendo, a atuação do Supremo Tribunal Federal deve ser de ordem técnica e imparcial, buscando a concretização dos direitos e garantias fundamentais e o respeito à Constituição, aplicando a vontade do legislador que é o legítimo representante da população.

Ainda, segundo Tassinari:

"As principais críticas ao Ativismo Judicial encontram-se no fato de grande parte de suas decisões irem ao encontro de atos praticados pelos demais Poderes, os quais têm integrantes eleitos pelo povo. Uma vez que ao interpretar normas e princípios que necessitem de juízo de valor o judiciário estaria atuando ora como legislador negativo, ora como legislador positivo". (TASSINARI, 2013, p 86-87).

As decisões do Poder Legislativo e do Poder Executivo, como órgãos autônomos e legitimados que são, não podem sofrer interferência quando estiverem no exercício de sua competência. Muitas dessas omissões legislativas são opções políticas e não cabe ao Judiciário intervir.

Segundo Antonin Scalia:

"Os juízes não sabem o que é melhor para a sociedade. Os juízes são o segmento mais aristocrata da sociedade. Eles não são homens do povo. Se você quer saber o que o povo quer e pensa, vá ao Legislativo e não para um tribunal. A única coisa que os juízes sabem é o que eles acham que é melhor para o povo. Não precisamos ser grandes intérpretes para concluir que a vontade do povo só pode ser expressa por seus representantes e que se eles são omissos, incompetentes, ou qualquer coisa que o valha, são e sempre serão a cara de quem os escolheu por voto direto, no caso deste país". (SCALIA, 2006, p. 02).

Só existe democracia se a vontade do povo, externada por seus representantes for cumprida, qualquer interferência a essa vontade se torna ilegítima.

Outro argumento contrário ao ativismo é que o Estado atende as necessidades do povo dentro de um limite, chamado reserva do possível. O princípio da reserva do possível exprime que a atuação do Estado no que diz respeito ao cumprimento de alguns direitos, como os direitos sociais, está subordinado à existência de recursos públicos disponíveis à atuação do Estado. O que o Estado faz é uma escolha política, onde distribui seus recursos conforme seu orçamento, ora beneficiando uma área ora outra. É notória a impossibilidade do Estado em atender a todas as demandas da sociedade.

A atuação ativista do Poder Judiciário rompe com o ideal de democracia, constituindo verdadeira ruptura com o Estado Democrático de Direito, trazendo impacto negativo ao sistema político adotado pelo Constituinte originário. Trata-se de um empoderamento do órgão julgador, usurpando-se da função própria do legislativo. Montesquieu alerta que quando em uma só pessoa ou órgão, reúnem-se duas ou mais funções típicas do Estado, esse tende ao abuso e quando isso ocorre há a degeneração do sistema político, instituindo-se uma ditadura.

Por conclusão, a separação dos poderes assim como o sistema de freios e contrapesos é princípio fundamental da República Federativa do Brasil e é crucial para a organização do Estado Democrático de Direito. A prática do ativismo judicial se mostra incompatível com nossa forma de governo e ofende claramente o princípio da separação de poderes expresso no artigo 2° da Carta Magna.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou fazer uma análise da legitimidade do ativismo judicial frente ao princípio da separação dos poderes. Como visto, a doutrina se divide a respeito do assunto, sendo vários os posicionamentos favoráveis e contrários, não sendo um tema pacífico até os dias atuais. É notório que o Brasil tem vivenciado, nos últimos anos, uma verdadeira insegurança quanto aos Poderes Executivo e Legislativo. Tais poderes perderam a credibilidade do povo brasileiro diante de tantas denúncias e condenações por corrupção, lavagem de dinheiro, compra de votos, entre outros crimes que envolvem o patrimônio público, cometidos por parlamentares e por governantes. Com isso, a sociedade brasileira tem visto no Poder Judiciário a esperança de que toda essa crise se resolva.

O Congresso Nacional, por exemplo, mais exerce as funções fiscalizadoras, por meio das Comissões Parlamentares de Inquérito, do que a função de formular leis que permitam o cumprimento dos mandamentos constitucionais. O que a maioria faz é discutir a liberação de verbas e tentar encobrir as denúncias de corrupção que surgem todos os dias. Já se passaram quase 30 anos desde a entrada em vigor da Constituição e ainda existem mais de 50 artigos sem regulamentação. O Poder Executivo, por sua vez, acarretado de denúncias de corrupção, tem a credibilidade de seus atos colocada em xeque, tentando se salvaguardar a qualquer custo de possíveis condenações. Portanto, enquanto os parlamentares , assim como o Presidente da República, se preocupam em se manter no cargo, os Ministros da Suprema Corte, bem como os demais juízes, se veem obrigados a legislar ou sustar atos dos demais Poderes.

O artigo 102 da Constituição Federal diz que compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição. Esta, não é uma carta de intenções ou de recomendações, é uma norma imperativa que serve de base para todo ordenamento jurídico. Segundo Hesse (1991), a Constituição não se configura, portanto, apenas expressão de um ser, mas também de um deve ser. Ela significa mais do que um simples reflexo das condições fáticas de sua vigência, particularmente expressa as forças sociais e políticas.

O STF, como protetor da Constituição tem como dever zelar pelo seu cumprimento, pois como dito, a Constituição não é uma carta de intenções, um pedido, mas sim uma norma de caráter imperativo. Guardar a Constituição Federal é, precípua e essencialmente, certificar que os princípios, valores e ideais que a norteiam sejam satisfeitos. Direitos como a igualdade, dignidade da pessoa humana, liberdade, direito a um meio ambiente equilibrado, à saúde, educação, segurança, cultura, lazer, enfim, todo o extenso rol de direitos fundamentais e garantias individuais indicados pelo texto constitucional devem ser garantidos pelo Supremo Tribunal Federal, não apenas meramente visualizados. Tais direitos são garantias dos cidadãos, e necessariamente hão de ser protegidos pela República Federativa brasileira, não interessando se trata de função típica do Executivo, Legislativo ou do Judiciário.

Todavia, as decisões ativistas não devem ser corriqueiras, devendo o Poder Judiciário agir somente nesse período de crise de representatividade, ou seja, enquanto os verdadeiros detentores da legitimação popular não se manifestarem, caberá aos magistrados suprirem esta lacuna, pois, por mais críticas que se façam ao ativismo judicial, ele ainda é menos prejudicial que um parlamento inativo.

Conclui-se então, que as decisões tomadas pelo Poder Judiciário como forma de preencher as lacunas do Poder Legislativo bem como efetivar políticas públicas constitucionalmente garantidas são dotadas de legitimidade. Não há que se falar em extrapolação de competência quando o que o Poder Judiciário tem feito é justamente zelar pela Constituição e pelos princípios gerais do direito. Como dito, essas decisões não devem ser cotidianas, mas enquanto perdurar essa crise no Legislativo e no Executivo cabe ao Judiciário "tomar às rédeas" e dar uma resposta efetiva à sociedade.

9. REFERÊNCIAS

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TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial. Limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2013. 


Publicado por: ANDRÉ LUÍS DE QUEIROZ LEITE

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