As uniões poliafetivas e sua possibilidade de reconhecimento pelo ordenamento jurídico brasileiro
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. BREVE HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR
- 4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
- 4.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
- 4.2 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
- 4.3 PRINCÍPIO DO PLURALISMO FAMILIAR
- 4.4 PRINCÍPIO DA ISONOMIA
- 4.5 PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL
- 4.6 PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
- 5. AS UNIÕES POLIAFETIVAS
- 5.1 UNIÕES POLIAFETIVAS NA LEGISLAÇÃO BRASILERIA
- 5.2 A SUPERAÇÃO DA MONOGAMIA COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIREITO DE FAMÍLIA
- 5.3 DA DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUANTO ÀS UNIÕES POLIAFETIVAS.
- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 7. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
A essência deste trabalho ao tratar de um tema ainda sensível no direito de família como é o caso das famílias poliafetivas tem como premissa a demonstração da importância de se buscar reconhecê-las como entidades familiares equivalentes às outras constituições familiares já reconhecidas pela sociedade e pelo Estado. Para este fim, busca-se analisar, a legislação brasileira e os princípios constitucionais que regem o direito de família, principalmente os da afetividade, da dignidade da pessoa humana, e do pluralismo familiar; embora não afastando os demais princípios previstos pela Constituição Federal de 1988. Procura-se, deste modo, relembrar o papel do Estado como garantidor dos direitos fundamentais de todos os indivíduos dentro de uma democracia, reafirmando a sua não intervenção nos direitos e liberdades individuais da sociedade, visto que este papel parece ter sido ignorado mesmo após o advento da Carta Magna, proporcionando um tratamento desarrazoado quanto às uniões poliafetivas, que têm sido marginalizadas dentro do ordenamento jurídico e ignoradas como parte nuclear da sociedade devido ao preconceito e discriminações dirigidas a estas famílias pelo sistema jurídico, tratando-as como parte invisível da sociedade, embora seja fato que elas continuam existindo perante a sociedade. Nesse sentido, esta pesquisa irá relembrar não apenas os aspectos históricos que remontam a estrutura familiar atual como também demonstrará a viabilidade do direito das famílias poliafetivas de serem reconhecidas pelo ordenamento jurídico moderno a partir da própria legislação e das orientações doutrinárias.
Palavras-chave: Direito de Família. Famílias Poliafetivas. Reconhecimento Jurídico. Pluralismo Familiar.
ABSTRACT
The essence of this work, when dealing with a theme that is still sensitive in family law, as in the case of polyamorous families, has as its premise the demonstration of the importance of seek for recognize them as family entities equivalent to the others families already recognized by society and by the State. For this, we seek to analyze the Brazilian legislation and the constitutional principles that rules family law, especially those of affectivity, human dignity, and family pluralism; although not distancing from the other principles provided for in the Federal Constitution of 1988. In this way, it seeks to recall the role of the State as the guarantor of the fundamental rights of all individuals within a democracy, reaffirming its non-intervention in the individual rights and freedoms of the society, since this role seems to have been ignored even after the advent of the current Constitution, providing an unreasonable treatment of poly-affective unions, which have been marginalized within the legal system and ignored as a core part of society due to preconception and discrimination directed at these families through the legal system, treating them as an invisible part of society, although it is a fact that they continue to exist in front of society. In this sense, this research will remember not only the historical aspects that go back to the current family structure, but also demonstrate the viability of the right of polyamorous families to be recognized by the modern legal system from the legislation itself and from the doctrinal guidelines.
Keywords: Family law. Polyamorous families. Legal recognition.
2. INTRODUÇÃO
O Direito de Família, por ter como objeto de estudo algo que é basilar para a sociedade, isto é, as relações familiares, é um dos ramos do direito que mais se modifica ao longo da história, pois até o próprio entendimento do que se consiste a família tem sido alterado durante os anos, já que a sociedade é mutável e essas mudanças refletem diretamente no direito. Assim, à medida que a sociedade vai se transformando, o direito também será afetado, e dessa mesma forma tem sido no ordenamento jurídico brasileiro, que vem sofrendo alterações conforme os novos modelos de família emergem na sociedade.
A proteção dessas famílias tornou-se mais viável desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, fazendo com que o direito, que previamente apenas regulava um único modelo familiar no país, tenha que se adaptar às novas formas de família.
Nesse sentido é que surgiu o tema das famílias poliafetivas, que são constituídas, resumidamente, por mais de duas pessoas em união mútua de afeto e com o consentimento de todas as partes da relação. Essas entidades, apesar de existirem de fato na sociedade há muitos anos, sempre foram ignoradas pelo direito brasileiro, e mesmo que o direito de família no Brasil seja um dos mais avançados no mundo, ainda não é capaz de proteger os interesses das partes decorrentes dessa organização familiar, considerando-as mero fato social.
No entanto, tem sido discutido pela doutrina e pela jurisprudência acerca da possibilidade de essas uniões serem reconhecidas como entidades familiares pela lei, devido as recentes mudanças de entendimento sobre a noção de família pelos tribunais superiores, que tiveram início pelas modificações extensivas do conceito familiar trazidas pela Constituição Federal de 1988, essa que deu origem a alguns princípios importantíssimos para o direito familiar brasileiro, como os princípios do pluralismo familiar, da dignidade da pessoa humana, da afetividade e da isonomia como principais fontes de permissibilidade do reconhecimento dessas uniões.
Portanto, ainda que grande parte da legislação tenha esquecido e por vezes até propositalmente ignorado tais instituições, é notório que deve ser feita uma análise aprofundada sobre tais regras, que nem sempre conseguem regular da melhor forma possível os bens jurídicos as quais elas visam proteger. Para que não possa ser perpetuada essa grande discriminação legislativa no direito familiar brasileiro, a lei que rege as famílias deve ser pensada e interpretada extensivamente, de modo a abranger, portanto, todos aqueles que necessitarem de sua tutela, ou, no mínimo, que a legislação deixe de ser utilizada de forma restritiva, a fim de que não prejudique aquelas famílias que desejam seguir modelos próprios, diversos dos já pré-definidos e codificados, para que, dessa maneira, possam usufruir de seu direito de liberdade, de dignidade e de igualdade.
É por essa razão que a pesquisa se propõe a analisar o direito familiar brasileiro e o entendimento doutrinário e jurisprudencial no que se diz respeito às uniões poliafetivas: para que se possa compreender a viabilidade de serem elas inseridas no âmbito protecional do ordenamento jurídico do país. Além disso, o trabalho busca fazer surgir uma reflexão sobre o atual modelo familiar defendido pela grande maioria, não apenas do universo jurídico como também de toda a população brasileira, que consiste no questionamento de se, de fato, apenas a família monogâmica poderia ser merecedora de uma tutela estatal.
Em suma, a presente pesquisa deverá apresentar os principais aspectos históricos relacionados às famílias, a fim de obter maior compreensão de suas origens, de suas mudanças durante os diversos momentos da história e de seus direitos. No primeiro capítulo, será visto sinteticamente como se deu a construção familiar ao longo dos anos, o surgimento do modelo monogâmico, a influência do patriarcalismo e da religião na construção das legislações de família, e, por fim, como foi a evolução das relações parentais dentro do ordenamento brasileiro.
Já no segundo capítulo, pretende-se discorrer acerca de alguns princípios constitucionais aplicáveis ao direito de família de modo que se consiga obter uma base para sustentar a defesa da temática aqui pretendida; para isto, serão feitos apontamentos sobre o princípio da dignidade da pessoa humana, da afetividade, do pluralismo familiar, da isonomia ou igualdade, da vedação ao retrocesso e demais princípios norteadores das relações de família.
O modo como será fundamentado o direito e o dever de proteção às famílias poliafetivas pelo Estado e pela sociedade será tratado no terceiro capítulo deste trabalho, buscando esclarecer melhor o significado do termo poliamor e de família poliafetiva e, ainda, pretendendo distingui-las das demais espécies familiares decorrentes da união poligâmica, como as famílias simultâneas e paralelas; bem como procurar-se-á discorrer acerca dos principais motivos que levam tais entidades a serem ignoradas e marginalizadas pelo ordenamento jurídico.
Ainda, será melhor abordado sobre a monogamia e sobre a necessidade de relativizar esse modelo familiar que não se encontra expressamente escrito no direito brasileiro, com o objetivo de responder aos questionamentos acerca da inviabilidade de permanência deste modelo como o único que merece proteção do Estado. Posteriormente, também será tratado sobre a decisão do Conselho Nacional de Justiça, que recentemente impediu a lavratura de escrituras públicas que reconheciam uniões poliafetivas em cartório.
Por fim, será feita uma breve consideração acerca de todo o conteúdo aqui exposto, com o objetivo de chegar à conclusão de se existe ou não direitos no ordenamento jurídico que permitam a inclusão das uniões poliafetivas como entidades familiares.
3. BREVE HISTÓRICO DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR
Para um melhor entendimento de como as famílias atuais se configuraram no direito brasileiro, é necessário fazer um retrospecto acerca de como funcionou a organização familiar ao longo da história, principalmente no Brasil, onde mais se observam as positivas mudanças acerca do direito familiar. Esse histórico é relevante pois é sabido que, nas palavras de Maria Berenice Dias[1]: “a organização da sociedade se faz em torno da estrutura familiar”, isso porque a família é a base da sociedade, sem a qual ela não se sustentaria, e por essa razão é que se faz preciso refletir acerca de algumas modificações históricas ocorridas na família ao longo do tempo.
Se faz evidente que não é o direito que constitui as relações familiares, pois estas relações são anteriores ao direito, sendo elas fatos que surgem de forma natural e espontânea, e Engels[2] afirma que as famílias, desde que se tem conhecimento de sua formação, iniciaram-se sendo poligâmicas, com as tribos humanas primitivas.
De acordo com o referido autor, essas primeiras formações familiares se deram antes mesmo de se conceber a ideia de Estado e de direito, assim, não havia que se falar em limitações para estas relações primitivas, se organizando das mais diversas formas, formando famílias guiadas principalmente pelo desejo e pelo instinto de perpetuar a espécie, se organizando de forma natural uns com os outros.
Todavia, conforme foram surgindo as primeiras noções de civilização e de propriedade, a sociedade, por motivos principalmente patrimoniais e religiosos, passou a entrar em estado de transição para a monogamia, uma vez que essa formação familiar era a mais conveniente para os fins econômicos da época; considerando-se que nas relações poligâmicas a divisão de bens e de herança era mais abrangente que na monogâmica, ou seja, naquele modelo seria mais difícil o acúmulo de riquezas e logo passou a ser considerado ultrapassado.
É necessário, ainda, refletir que, por motivos majoritariamente patrimoniais, passou-se a haver uma construção de relações familiares não mais tendo como único propósito as questões como o amor para o estabelecimento de uma família, fazendo com que até mesmo o próprio casamento passasse a ser um mero objeto de relações comerciais em diversos momentos. Assim, a família acabou por se tornar uma verdadeira unidade econômica na sociedade após o advento das primeiras cidades.
Foi então com o surgimento sorrateiro da monogamia nas primeiras sociedades que se deu início ao afastamento da poligamia como modelo familiar na maioria das civilizações. Mas esse não foi um processo instantâneo, essa transição foi lenta e gradual, sendo inaugurada principalmente pelo surgimento do patriarcado, das instituições religiosas[3] e com a força promovida pela concepção de propriedade privada. Assim, apesar de a poligamia não ter sido extinta, pois existem, ainda, sociedades que utilizam este modelo familiar, ela passou a ser bastante suprimida por diversas sociedades.
Uma vez que a sociedade começou a entender como sendo mais importante as relações econômicas, dando origem aos casamentos puramente por conveniência, a família foi modificada, perdendo, a mulher, seu espaço na família, e imperando o homem como personalidade central das relações sociais, constituindo-se, deste modo, o marco inicial do patriarcado no mundo.
Foi na Grécia antiga, porém, que se desenvolveu, de fato, a ideia de família monogâmica. No entanto, essa forma de organização familiar, neste período, não se originou como uma forma de se estabelecer uma união baseada no afeto, mas sim como uma forma de dominação de um sexo sobre o outro, principalmente pelo fato de que o poder econômico passou a recair sobre o homem, fazendo com que, ocultado pela figura do matrimônio, este pudesse ter o total controle sobre os aspectos familiares da época.
Como bem explicita Engels[4], a família romana também foi uma das quais se originou a concepção de família patriarcal, na qual os próprios membros da família eram considerados como escravos pertencentes ao homem, sendo transmitidos por herança como mero patrimônio, pois eram vistos apenas como força de trabalho.
Contudo, foi com a revolução industrial que esse sistema começou a ruir, pois, com o retorno da figura da mulher como fonte de renda familiar e com o êxodo rural para as cidades, a família voltou a modificar sua estrutura e começou a dar formas a novos modelos familiares.
Assim, as relações de família que por muitos anos permaneceram como mero objeto de perpetuação patrimonial, passaram a ser constituídas principalmente pelos vínculos afetivos, e com a premissa da busca pela felicidade e pelo bem-estar, fazendo com que essas pessoas que abarcam nessa convivência mútua de afeto, que desejam, intimamente em seu ser, nada mais do que alcançar suas realizações pessoais e espirituais, pudessem ter algum lugar de conforto no qual pudessem se desprender de suas preocupações externas.
3.1. EVOLUÇÃO DA ORGANIZAÇÃO FAMILIAR NO BRASIL
No Brasil, o processo histórico se desenvolveu de forma bastante similar, pois antes da dominação do governo Português não se seguia um modelo pré-definido de família. Porém, o modelo patriarcal se desenvolveu no país quase tão logo quanto sua colonização, herdando a forma de organização familiar Europeia.
Foi com o advento do Código Civil de 1916 que foi possível verificar a influência do sistema patriarcal no direto familiar brasileiro[5]. Este Código, que era amplamente restritivo quanto ao conceito de família, visto que somente reconhecia a constituição familiar através do matrimônio, era essencialmente discriminatório, uma vez que para o direito apenas existia a família heteroparental, isto é, a constituída pelo casamento entre um homem e uma mulher, não existindo uniões entre o mesmo gênero.
Além disso, tão restritivo foi este Código Civil no direito familiar que nem mesmo os casais que viviam em união estável, isto é, pessoas unidas sem casamento, poderiam ser considerados como uma entidade familiar, e ademais, tal união era considerada ainda como concubinato, o que os impedia de terem seus direitos tutelados.
Já no que se refere aos filhos ilegítimos, que eram aqueles nascidos das relações extramatrimoniais, ou seja, nascidos fora do casamento, estes, quando frutos de adultério ou de relações incestuosas, não recebiam quaisquer direitos. Assim, pagavam o preço pela conduta de seus pais, revelando, desta maneira, o caráter rígido da lei civil de 1916.
Ainda, durante a vigência de tal código não era permitida a dissolução da sociedade conjugal, caracterizando-se, deste modo, um vínculo conjugal eterno cujas correntes somente poderiam ser rompidas por meio de anulação ou de desquite, que, entretanto, só eram possíveis em situações excepcionais. Nota-se ainda que o vínculo matrimonial era tão forte que até mesmo após o desquite ele ainda permanecia e as partes eram autorizadas apenas a se separar, isto é, era meramente uma separação de corpos. Foi somente com o advento da lei 6.515, conhecida como lei do divórcio, em 1977, que foi possibilitada a dissolução da sociedade conjugal
Foi somente com a instituição da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) de 1988 que o modelo familiar patriarcal perdeu espaço no direito brasileiro, trazendo importantes e significativas mudanças em todo o direito, igualando o homem e a mulher, abrangendo o conceito de família e criando novos institutos familiares, como a união estável e a família monoparental, que é a família formada por um dos pais e seus filhos, e ainda estabeleceu a igualdade aos filhos, tanto aos concebidos no casamento quanto fora dele, e até mesmo os adotados, todos estes tiveram seus direitos equiparados.
É de fácil constatação, desse modo, que a Constituição Federal de 1988 trouxe uma grande mudança de paradigma no tocante à função familiar atual, que passou a ser regida pela afetividade, fazendo com que se estabelecesse um entendimento de que enquanto houver afeto, haverá família[6]. Certo é que a nova constituição permitiu uma verdadeira revolução ao direito familiar, afinal, deu origem à diversos princípios capazes de estabelecer uma nova forma de interpretação legislativa quanto às famílias, como é o caso dos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do pluralismo familiar, esses que permitiram que o intérprete da lei não permanecesse sendo um mero escravo do sistema legal e passasse a priorizar pela aproximação do ideal de justiça.
Contudo, apesar das mudanças positivas trazidas pela nova constituição, o Código Civil de 2002 não acompanhou da mesma forma essa evolução legislativa, visto que que ainda continuou a dispor de normas limitantes, não tendo conseguido traduzir todas as novas concepções da atual família[7]. Todavia, desde que a constituição passou a tratar de matérias civilistas em seu bojo, se tornou imprescindível a interpretação da lei civilista à luz da constituição, em virtude da constitucionalização do direito civil.
4. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE FAMÍLIA
No que se refere às questões hermenêuticas, antes da recente Constituição Federal, somente se utilizavam os princípios gerais do direito de forma subsidiária à lei civil, isto é, apenas quando haviam lacunas legais. Entretanto, como a Constituição passou a dispor de regras e princípios de direito civil, a mera observância do Código Civil não mais se fez suficiente para tratar do direito familiar, tendo que serem analisadas tais regras sujeitando-se sempre aos objetivos constitucionais. Assim, os princípios da Constituição Federal ganharam grande peso no direito familiar, devendo sempre sua observância na aplicação do direito material.
Antes de adentrar especificamente nos conceitos de cada princípio, faz-se imperioso ter em consideração que as regras em geral são estáticas, quando analisadas no plano expresso da lei, já os princípios, constituem normas abstratas que se subtraem muitas vezes a partir da interpretação do texto legal, mas que exprimem decisões políticas fundamentais, valores a serem observados ou fins públicos a serem alcançados[8]. Assim, entende-se que quando se trata de regras concretas, o poder público tem menor nível de flexibilidade quanto à sua aplicação, uma vez que a regra é que o aplicador da lei sempre deve observar a redação legislativa para a prática de seus atos.
Por outro lado, quando se trata da aplicação de um princípio à um fato, este tem maior grau de liberdade para ser expandido ou comprimido[9]. Contudo, não é certo dizer que exista uma hierarquia entre normas e princípios, visto que o legislador, embora seja incumbido do poder constitucional de criar hipóteses normativas que constituem ou restringem direitos, não tem a capacidade de prever todas as possibilidades e mudanças que acontecerão na sociedade após a edição da norma, fazendo com que os princípios se tornem essenciais para dar a fiel adequação da lei mesmo depois de estas já estarem afixadas ao ordenamento jurídico.
É possível perceber este caráter de completude dos princípios constitucionais quando se faz uma análise das características dos direitos fundamentais, sendo uma delas a historicidade, como bem demonstra Gilmar Mendes:
A confirmar o caráter histórico – evolutivo – e, portanto, não necessariamente uniforme – da proteção aos direitos fundamentais, nota -se, às vezes, descompasso na compreensão de um mesmo direito diante de casos concretos diversos[10].
Nesse sentido é que pode ser percebido o caráter indispensável do princípio jurídico no âmbito do direito familiar, pois as normas previstas na lei civil, por si só, não garantem a real eficácia dos termos que a Constituição impõe. Deve-se, portanto, ter uma visão mais abrangente e minuciosa quanto à aplicação dos direitos de família, não podendo ignorar os fundamentos nem os objetivos trazidos no bojo da Carta Magna.
Assim, entende-se que os princípios constitucionais se tornaram imprescindíveis ao direito de família, visto que, historicamente, a legislação brasileira sempre teve a tendência de restringir os conceitos de família e por causa da possibilidade de tutela destas novas modalidades de família emergentes da nova ordem constitucional, sendo necessário, desse modo, que se estenda os princípios constitucionais à essas famílias.
Por fim, percebe-se que é imperioso que o poder judiciário, ao julgar os casos de direito de família, deve sempre observar o ordenamento jurídico de forma sistemática, como um todo unitário, tanto suas normas jurídicas quanto seus princípios, a fim de que se possa aproximar-se ao máximo do ideal de justiça.
4.1. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O princípio da dignidade da pessoa humana foi incorporado pela Constituição Federal de 1988 em seu artigo 1º, III, e é considerado um princípio que norteia outros princípios, como aborda Rodrigo da Cunha Pereira, que entende que a dignidade da pessoa humana “é um macroprincípio sob o qual irradiam outros princípios e valores essenciais como a liberdade, a autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade”[11].
Este princípio tem como fundamento, em resumo, a busca pela vivência com dignidade, isto é, a possibilidade de viver uma vida com honra e com respeito aos valores filosóficos, morais e pessoais do indivíduo. É tarefa difícil conceituar verdadeiramente este princípio por sua imensa abrangência, mas fato é que este tem a capacidade de orientar o ordenamento jurídico, pois dele se extraem regras que fundamentam situações fáticas, servindo como um meio de concretização de direitos e deveres.
Ainda, no que pese sua conceituação, muitos doutrinadores divergem em diversos posicionamentos, entretanto, é preciso defender alguns elementos essenciais acerca da dignidade da pessoa humana, são eles: a não instrumentalização, que significa que o ser humano não pode ser tratado como um mero instrumento para promoção de projetos sociais de terceiros; a autonomia existencial, na qual cada pessoa deve ter o direito de fazer suas próprias escolhas de vida e agir conforme elas, desde que não sejam ilícitas; o direito ao mínimo existencial, relacionado à fruição de condições materiais básicas para uma vida digna; e o direito ao reconhecimento, que se entende como a necessidade de respeitar as individualidades de cada pessoa.[12]
Ainda, no dizer de Guilherme Calmon Nogueira da Gama é possível verificar a importância deste princípio para o direito de família brasileiro:
A dignidade da pessoa humana, colocada no ápice do ordenamento jurídico, encontra na família o solo apropriado para o seu enraizamento e desenvolvimento, daí a ordem constitucional dirigida ao Estado no sentido de dar especial e efetiva proteção à família, independentemente da sua espécie.[13]
Neste sentido, a ideia acerca do reconhecimento da dignidade humana como princípio que rege o direito familiar é a de promover o ser humano como a figura central da tutela jurisdicional, a fim de transformar a entidade familiar em um núcleo responsável por proporcionar o desenvolvimento pessoal e social de seus membros, deixando de prevalecer o caráter meramente patrimonial e sanguíneo nas relações familiares.
Quando se remete ao princípio da dignidade da pessoa humana para a busca de tutela jurídica, é necessário compreender que estará tratando de valores inerentes ao indivíduo, no tocante ao respeito à autodeterminação consciente e responsável da própria vida[14], e todo o ordenamento jurídico deve respeito a um mínimo inviolável desta dignidade a todos os indivíduos da sociedade para que estes possam alcançar os objetivos inerentes a sua existência. No que se refere ao mínimo inviolável de dignidade, significa que o legislador, ao limitar o exercício dos direitos fundamentais previstos na Constituição, ele não pode fazer esta restrição de forma a desconstruir a essência existencial do indivíduo, retirando sua dignidade.
Contudo, é sabido que não basta a mera previsão abstrata da norma reguladora de dignidade; porquanto de nada adiantaria se o ente estatal apenas redigir um conceito jurídico indeterminado, como é o caso da dignidade da pessoa humana, e depois se omitir de quaisquer atuações que lhes são incumbidas. Em outras palavras, significa dizer que é necessário mais do que uma abstenção do poder público, uma vez que somente é possível atingir verdadeiramente o desejo do Constituinte quando existirem atuações positivas do Estado para resguardar e constituir de fato uma vivência digna pela população[15].
Entendida a ideia de que o poder público não pode deixar de agir positivamente para conceder às pessoas este direito; deve-se lembrar, ademais, que a dignidade da pessoa humana tem um valor essencial para a interpretação de todos os demais direitos fundamentais[16]. Isso implica que, quando os órgãos públicos tratarem de temas os quais figurem a pessoa humana, esses devem sempre receber tratamento justo e adequado a fim de atingir a finalidade social que emana do referido princípio.
Logo, sempre que o legislador se refere aos outros direitos básicos do ser humano, como a igualdade, a solidariedade, a liberdade e a cidadania; não poderia ele se desprender do vínculo ao princípio maior do Estado brasileiro, cuja importância se faz tão indubitável que foi previsto como um fundamento da república, no primeiro artigo do texto constitucional, no sentido de servir como elemento norteador e limitador dos demais direitos.
Considerando-se a elevada importância da dignidade da pessoa humana nas relações familiares e sociais, torna-se inequívoco que o referido princípio deve ser aplicado às famílias poliafetivas, visto que as pessoas que aderem a esse modelo familiar são tão humanas quanto todas as demais, merecendo verem seus direitos garantidos pelo ordenamento jurídico; afinal, é imperioso que a legislação como um todo seja avaliada sempre em observância ao princípio em tela, a fim de que se estabeleça verdadeiramente a dignidade dos indivíduos residentes no país, independentemente de suas escolhas íntimas de afeto.
4.2. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
Este princípio, mesmo que não esteja expressamente positivado na Constituição, está ligado à evolução da família brasileira, na qual a família recuperou sua função de ser um grupo unido por laços e por desejos afetivos[17], uma vez que, a partir da derrocada da família patriarcal e do fim do caráter patrimonialista do direito de família com o advento da dignidade da pessoa humana, a família voltou a ser pautada principalmente pela afetividade, essa que deve receber maior importância do direito familiar do que meramente os laços sanguíneos e os fins econômicos.
O afeto, sentimento basilar das relações familiares, voltou a ganhar destaque a partir da hermenêutica possibilitada pela Constituição, que, ao instituir os direitos fundamentais à vida, à dignidade, à liberdade e aos demais direitos previstos em seu artigo 5º, trouxe implicitamente o direito fundamental à busca pela felicidade, visto que para atingir o núcleo essencial daqueles direitos fundamentais, é necessário que seja possível alcançar a felicidade, pois observa-se que a real conquista de uma vida digna e dotada de liberdade depende da felicidade para ser completamente alcançada, e por este motivo é que surge o princípio da afetividade como base das relações familiares.
Permite-se perceber, então, que o afeto se tornou um elemento essencial do direito familiar brasileiro, fazendo com que todas as entidades familiares sejam constituídas por uma comunhão de afeto, independentemente de qual modelo seja adotado por estas entidades.
Decorrente deste princípio é que torna o conceito familiar designado pelo legislador algo muitas vezes ultrapassado ou restritivo, pois, são várias as formações familiares baseadas no afeto, uma das quais foi reconhecida apenas recentemente com a Ação Direta de Constitucionalidade (ADI) 4277 julgada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2011, que passou a reconhecer as uniões homoafetivas como entidade familiar, ampliando o conceito de família.
Para essa decisão, o STF teve respaldo principalmente nos princípios da afetividade, do pluralismo familiar e da igualdade, o que mostra que a própria legislação deve ser interpretada em conformidade com o princípio da afetividade, para que não corra risco de essa interferência Estatal no direito de família prejudicar a tutela dessas entidades, como aduz Rodrigo da Cunha Pereira: “É preciso demarcar o limite de intervenção do Direito na organização familiar para que as normas estabelecidas por ele não interfiram em prejuízo da liberdade do ser sujeito.”[18] Além disso, é necessário perceber que essa decisão proferida pelo órgão maior do ordenamento jurídico acaba por reiterar a existência da afetividade e do pluralismo familiar como princípios constitucionais, embora não estejam expressos no texto da lei maior.
Entretanto não basta apenas a afetividade para caracterizar uma relação familiar, visto que, caso partisse deste pressuposto, uma relação de amizade, que também tem por base o afeto, poderia entrar no conceito de família, deste modo, há que se definir alguns outros elementos necessários para a constituição de uma entidade familiar, e Paulo Lôbo[19] define os quatro elementos essenciais para a caracterização da família: a afetividade, a estabilidade a ostensibilidade e o objetivo de constituir uma família, elementos esses que, no momento em que se encontram presentes, passam a caracterizar a relação como uma entidade familiar. O referido autor, ainda, retrata que não deveria ser admitido excluir do conceito de família a entidade que preencherem tais requisitos.
Quanto a esses elementos caracterizadores da relação familiar, é necessário que seja feita uma análise sobre cada um deles. A afetividade é a que fundamenta a relação familiar, pois uma união sem amor se revela como algo apenas contratual e sem uma finalidade maior como o compartilhamento de sentimentos, de conquistas e de felicidade que uma relação se presume ter, assim, torna-se nítida a dificuldade de se constituir uma família sem esse requisito.
Já no caso da estabilidade, trata-se da durabilidade da convivência e da comunhão de vida, não sendo possível as relações casuais ou as eventuais serem consideradas como relações familiares, em razão da imprevisibilidade dessas uniões, que ora poderiam estar juntas e mantendo um relacionamento, ora poderiam separar-se livremente, o que ocasionaria uma insegurança jurídica.
Em relação à ostensibilidade, ela se relaciona à publicidade da relação perante a sociedade, sendo reconhecida por todos que os conhecem, isso porque é necessário que o poder público seja capaz de tomar ciência da relação para que possa impor deveres e garantir direitos às relações familiares; não podendo, desse modo, a relação ter caráter clandestino[20].
Por fim, o objetivo de constituir família se traduz por si mesmo, isto é, aqueles em uma relação afetiva, estável e ostensível, devem ter o objetivo de se tornar um núcleo familiar, do contrário, não deverão ser reconhecidos como tal, isso porque se não houver o animus de constituir família inexiste motivo para que se imponha este encargo às partes.
Consideradas tais afirmações, resta claro que no momento em que uma união atinge os requisitos caracterizadores da família acima citados deverá ela ser abrangida pelo direito como uma entidade familiar, já que não cabe ao Estado decidir o que será ou não uma família, pois elas são uma formação natural da sociedade, sendo necessário apenas que o poder público a reconheça, para que possa usufruir dos direitos e das garantias constitucionais.
Assim, no tocante às famílias poliafetivas, não há motivo para limitar sua existência, impedindo-as de serem reconhecidas juridicamente, quando elas preencherem os requisitos para serem consideradas como entidade familiar.
4.3. PRINCÍPIO DO PLURALISMO FAMILIAR
Antes mesmo da nova ordem Constitucional ter seu início no Brasil, já havia indícios de que as entidades familiares estavam se diversificando cada vez mais, mas foi somente a partir da Constituição Federal atual que a legislação passou a reconhecer algumas das novas formas familiares presentes na sociedade, como é o caso do caput do artigo 226 da Carta Magna que trata da proteção Estatal da família, e neste mesmo artigo passou a reconhecer a pluralidade familiar ao abranger os meios para instituição de entidades familiares, inserindo a união estável, que é uma forma não matrimonializada de união, e a família monoparental, composta por um único dos pais e seus filhos.
No entanto, o maior motivo ensejador do pluralismo familiar é a interpretação extensiva constitucional, pois a CRFB não limitou a família para apenas aquelas que fossem de origem matrimonial, como faziam as Constituições anteriores, fazendo com que o referido artigo passasse a poder ser aplicado de forma meramente exemplificativa, isto é, as famílias inseridas neste artigo não se limitam a ele, podendo ser abrangidas a outras formas familiares.
O próprio reconhecimento pelo STF das uniões homoafetivas é prova da força do pluralismo familiar, pois tal relação não vinha prevista no bojo da Constituição Federal de 1988. Todavia, ainda assim passaram tais relações a serem equiparadas às uniões estáveis entre homem e mulher, pois o não reconhecimento das uniões homoafetivas remetia simplesmente a uma discriminação sexual infundada da legislação, assim, viu-se a necessidade de se utilizar o princípio do pluralismo familiar para assegurar o direito dessas entidades, fundamentando em sua decisão que o artigo 226 da CRFB deve ser aplicado extensivamente, e não restritivamente.
Segue trecho da ementa da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) que demonstra claramente o reconhecimento do pluralismo familiar no universo jurídico:
3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. [21]
Tal julgado pode ser interpretado analogicamente para as famílias poliafetivas, levando em consideração que essa modalidade familiar também não está prevista expressamente no texto constitucional, e que da mesma forma vem sofrendo com o preconceito social decorrente da cultura e da moral dos povos de maior poder político. Desse modo, torna-se inequívoco que essa relação está em consonância com os fundamentos utilizados no presente julgado, devendo ser reavaliada a possibilidade de reconhecimento jurídico dessas famílias que, assim como as demais, têm direito à igualdade, à liberdade, à intimidade e à vida privada.
Logo, ao aplicar-se o aludido princípio às relações poliafetivas, não parece haver dúvidas quanto sua necessidade, pois se a Constituição necessita ser interpretada de forma a abranger as novas modalidades de famílias existentes, o mesmo vale para as uniões poliafetivas, as quais serão mencionadas de forma mais aprofundada adiante.
Ainda sobre o pluralismo familiar, resta claro que ele não deve ser verificado sob a perspectiva individualizada, devendo estar em conformidade com o princípio da afetividade e da dignidade da pessoa humana para que possa atingir todos os seus objetivos e tornar-se efetivo, e tal princípio se faz indiscutivelmente necessário nas relações familiares, visto que é impossível que o legislador consiga prever, de forma exaustiva, todas as modalidades de família que existem e existirão na sociedade nos anos que se seguirão
Assim, caso a legislação seja aplicada se limitando apenas à letra fria da lei, com toda certeza será uma forma de supressão de direitos das famílias que não forem abrangidas por elas, pois as diversas modalidades familiares sempre continuarão existindo, independentemente de legislação que a regulamente, uma vez que, como já bem vimos, a afetividade das relações sociais passou a ter o papel mais importante na sociedade moderna, fazendo com que a busca pela felicidade ganhe prioridade, e as pessoas irão fazer todo o possível para conquistar os seus objetivos e realizações ainda que a legislação seja desfavorável a eles. Desse modo, tal limitação das liberdades individuais, no que se refere à busca pelo afeto e pela dignidade, não deve ser admitida.
Bem colocada é a conclusão de Cristiano Chaves de Farias sobre o pluralismo familiar:
Dessa maneira, a família deve ser notada de forma ampla, independentemente do modelo adotado. Seja qual for a forma, decorrerá especial proteção do Poder Público. Gozam, assim, de proteção tanto as entidades constituídas solenemente quanto as entidades informais, sem constituição solene[22].
Fica claro, portanto, que os outros arranjos familiares decorrentes de tal princípio merecem a devida atenção da tutela jurisdicional para que o caput do artigo 226 possa atingir sua finalidade advinda de um Estado democrático de direito, que é a de proteger a família, esta que é a base da sociedade, devendo, assim, romper com o sistema tradicional e ultrapassado legalista, passando a dar maior valor aos princípios constitucionais norteadores do direito de família.
4.4. PRINCÍPIO DA ISONOMIA
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”[23]. É assim que a Constituição Federal dá início ao que foi compreendido como princípio da isonomia ou da igualdade, em seu artigo 5º, caput. Ela ainda assegura a inviolabilidade do direito à igualdade no mesmo texto.
O referido artigo confere aos brasileiros o direito de não sofrer distinções perante a lei, cabendo a todos os indivíduos a garantia de que não haverá tratamento diferenciado de forma injustificada e desarrazoada. Isto implica que quando o legislador ou qualquer outra autoridade pública cria uma lei ou emite um ato, estão obrigados a tratar de forma igualitária aqueles que se demonstrem em situações de igualdade. Caso haja divergências de tratamento para com os indivíduos cuja lei tenha conferido a isonomia, isto é, todos os brasileiros e estrangeiros residentes no país, ocorrerá afronta à Constituição, salvo quando tais distinções sejam fundamentadas e razoáveis[24].
Percebe-se, desse modo, que não é impossível designar tratamento diferenciado para alguns indivíduos em relação aos outros; no entanto deve-se sempre estar em conformidade com os valores constitucionais. Quando falamos deste último aspecto, temos que ter em consideração que não se trata mais da mera igualdade formal, isto é, proceder de modo isonômico em toda e qualquer situação; na verdade o recente modelo Constitucional proporciona ao cidadão a igualdade material, compreendida como uma obrigação do Estado de atuar ativamente para atenuação das desigualdades sociais, para que possa, deste modo, aproximar-se da justiça social.[25]
Torna-se notório, portanto, o dever estatal de agir proativamente a fim de reduzir qualquer tipo de tratamento diferenciado desprovido de fundamentação, pois não basta que o ordenamento jurídico se omita e deixe de criar distinções entre indivíduos em situações de igualdade, seu dever vai além disso, sendo necessário que haja uma efetiva atuação de modo impositivo com a finalidade de regular tais direitos de isonomia, para assegurar que aqueles que se encontram em situações de desigualdade possam usufruir dos mesmos direitos que aqueles que não estão.
Deve-se destacar, ademais, que o referido princípio não pode se limitar apenas ao legislador, no tocante à responsabilidade de cumprir ativamente as garantias constitucionais derivadas do princípio da isonomia; pois tal encargo incumbe a todo o poder público, assim, cabe também ao Executivo e ao Judiciário o dever de garantir que seus atos não ensejem tratamento discriminatório para com os indivíduos. No mesmo sentido, Alexandre de Moraes, em seu livro, descreve que este princípio tem três finalidades limitadoras: ao legislador, ao intérprete, à autoridade pública, e ao próprio particular. Vejamos sua conclusão sobre estes limites.
O legislador, no exercício de sua função constitucional de edição normativa, não poderá afastar-se do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade. Assim, normas que criem diferenciações abusivas, arbitrárias, sem qualquer finalidade lícita, serão incompatíveis com a Constituição Federal. [26]
Implica-se, então, que o legislador ou qualquer órgão governamental não devem praticar atos que criem diferenciações que não estão permitidas pela Lei Maior do Estado. Contudo, não é o que parece ocorrer quando se busca analisar a situação jurídica das famílias poliafetivas, visto que não há quaisquer motivos razoáveis que justifiquem a supressão deste tipo de entidade familiar, uma vez que a maior justificativa dada pelo poder público a fim de suprimir tais famílias parte de pressupostos discriminatórios, filosóficos ou religiosos, já que o reconhecimento dessas famílias não implicaria em qualquer tipo de prejuízo à coletividade ou ao ordenamento.
Tampouco é possível ser vista alguma forma de manifestação proativa do Estado para assegurar os direitos dessas constituições familiares, quando na realidade se observa o contrário, pois existem inúmeras decisões e leis em desfavor delas, embora não seja apresentada qualquer espécie de justificativa demonstrando a incompatibilidade desta modalidade familiar com os direitos presentes na Constituição Federal.
Desse modo, faz-se pressupor que o poder público coaduna com a discriminação social das famílias poliafetivas, de modo que lhes vedem um direito fundamental básico da humanidade, que é o direito de um tratamento justo e igualitário, proibição essa que também fere não só um, mas dois dos objetivos fundamentais da Carta Magna: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; e a redução das desigualdades sociais; uma vez que as instituições que adotam um relacionamento poliafetivo – caracterizando-se uma realidade na sociedade brasileira – são vistas com completa desmoralização e desapreço injustificado.
4.5. PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO AO RETROCESSO SOCIAL
Este princípio terá sua relação com o tema demonstrada com maior clareza posteriormente, quando se falar acerca da decisão do Conselho Nacional de Justiça. Por ora, o texto limitar-se-á aos conceitos e às origens desse princípio.
Quando o constituinte promulgou a Constituição Federal de 1988, a nação brasileira passava por um momento pós-ditadura militar, tempo em que muitos direitos constituídos ao longo dos anos tinham sido cerceados; assim, a CRFB decidiu que era necessário contemplar, de forma ampla, os direitos fundamentais inerentes aos indivíduos nacionais e estrangeiros residentes no país, a fim de tentar suprir os muitos anos de sofrimento e restrições para com o povo, concedendo-lhes os direitos mais essenciais e básicos que a pessoa humana deve ter, impedindo que o legislador modifique as proteções já concretizadas pelo ordenamento.
Esse é um dos motivos pelos quais alguns doutrinadores entendem que o presente princípio se estende aos direitos fundamentais do ordenamento brasileiro. Não há consenso na doutrina acerca de sua aplicação, alguns têm entendido que este somente se aplicaria aos direitos sociais, enquanto outros entendem que também se estenderia a todos os direitos fundamentais.
Tal dúvida quanto sua eficácia se dá porque esse não é um princípio de origem Constitucional, mas sim de um tratado internacional[27]. O referido princípio advém da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que, em seu artigo 30, dispõe: “Nenhuma disposição da presente Declaração pode ser interpretada como o reconhecimento a qualquer Estado, grupo ou pessoa, do direito de exercer qualquer atividade ou praticar qualquer ato destinado à destruição de quaisquer dos direitos e liberdades aqui estabelecidos”[28].
É necessário tomar em consideração que tal tratado foi posteriormente utilizado como base para construção do rol dos direitos fundamentais previstos no artigo 5º da CRFB; e, isso é um dos fundamentos que levam a viabilizar a eficácia de tal princípio no âmbito nacional. Para corroborar com esse pensamento, no parágrafo 2º do mesmo artigo há a previsão de que os direitos e garantias da Constituição Federal não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais dos quais o Brasil seja parte. Assim, mesmo tendo origem na Declaração Universal, a Carta Magna não impede que o princípio seja observado pela lei brasileira.
Além do tratado internacional, na própria Carta Magna há uma limitação semelhante no que tange às cláusulas pétreas, nas quais constam os direitos fundamentais. Clausula pétrea significa uma limitação material ao poder reformador, assim, entende-se como sendo uma norma tão importante que não se pode ser abolida ainda que por emenda constitucional, fazendo com que o legislador apenas possa alterá-las de modo a ampliar os direitos previstos na clausula, mas não a fim de suprimir esses direitos.
Desse modo é que podemos inferir que o ordenamento brasileiro aderiu ao princípio da vedação ao retrocesso em relação tanto aos direitos sociais quanto aos individuais fundamentais, uma vez que o artigo que os preveem é considerado como cláusula pétrea.
Ainda, antes de aprofundar na temática, faz-se imprescindível discorrer brevemente acerca dos direitos sociais, para que se possa compreender da melhor forma a abrangência do referido princípio. Entende-se que direitos sociais são normas constitucionais que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, equiparando situações desiguais na sociedade.[29]
Do mesmo modo, embora o direito à família não esteja expresso como um direito social no artigo 6º da CRFB, isso não significa que assim não o seja, haja vista que a família, como já vimos, é a base de uma sociedade, não podendo ela ser excluída do conceito de direito social. Por essa razão é que a doutrina tem classificado os direitos sociais como: a) direitos sociais relativos à seguridade; b) relativos ao trabalhador; c) relativos à educação e à cultura; d) relativos à moradia; e) relativos à família, criança, adolescente e idoso; f) elativos ao meio ambiente.[30] Percebe-se, desse modo, que a doutrina segue no sentido de que a família está compreendida no conceito de direito social, o que permite abrangê-las ao princípio da vedação do retrocesso social.
Tendo já tratado de sua origem, é preciso ainda discorrer acerca do seu conceito. Tal princípio tem por objetivo dar a maior proteção possível aos direitos da pessoa humana, principalmente os direitos sociais, contra atos e normas que tentem aboli-los ou enfraquecê-los. Entende-se, deste modo, que, haja vista a história de luta e de conquistas dos direitos fundamentais, não poderia posteriormente o legislador ou qualquer órgão jurisdicional virem a reduzir ou a flexibilizar tais direitos, pois o Estado tem o dever de assegurar o bem-estar social, não podendo ele modificar o núcleo essencial dos direitos fundamentais, caso contrário, seus atos estariam eivados de inconstitucionalidade.
Isso não significa, no entanto, que se entenda pela impossibilidade de alteração das normas fundamentais do ordenamento. Note-se que este princípio visa proteger principalmente a estrutura essencial da Constituição Federal, assim, caso o legislador modifique a redação de um direito fundamental de modo que não fira os princípios ordenadores do Estado democrático, isto é, que se altere o texto sem prejudicar os direitos já garantidos através das conquistas sociais, não haverá afronta à Carta Maior, pois tal reforma não incitará um retrocesso social.
4.6. PRINCÍPIO DEMOCRÁTICO
Nesta pesquisa, já foi mencionada algumas vezes a ideia de democracia e de Estado Democrático, e por esta razão é que não faria sentido deixar de mencionar um instrumento tão fundamental que rege a legislação pátria como é o caso deste princípio. A democracia em seu sentido etimológico remete ao significado de “governo do povo”; contudo, tal conceituação se torna muitíssimo vaga para que seja possível delimitar sua aplicação e abrangência, visto que apenas declarar formalmente um poder abstrato inerente ao povo, não faria surgir efeitos concretos suficientes para sua aplicabilidade.
Assim, diversos doutrinadores têm discorrido acerca desse tema a fim de demostrar o devido grau de relevância acerca de sua compreensão. A primeira acepção que se subtrai do termo democracia tem um sentido lógico de que o povo participa do Governo e do Estado, seja de forma direta, através dos institutos do plebiscito e do referendo; seja de forma indireta, quando os indivíduos escolhem, através das eleições, pessoas do povo para que os representem.[31] Tal instrumento, que permite não somente às pessoas elegerem representantes como também participar ativamente da política nacional, é chamado de democracia participativa ou semidireta, isto é, um sistema híbrido que une a antiga ideia de representatividade com a participação direta do povo.[32]
No entanto, é imprescindível tomar cuidado parar que não se limite à tal conceituação, isto porque o referido princípio se configura ainda mais abrangente do que muitos o pressupunham inicialmente. Essa ideia advém de um questionamento relevante levantado por alguns doutrinadores, um dos quais menciona: “até onde a vontade do povo, mais precisamente de sua maioria, é legítima?”[33].
Tal questão se revela necessária quando é feita uma análise da relação do todo com os indivíduos em sua minoria, que nem sempre podem ter suas vontades representadas efetivamente, na democracia indireta, uma vez que não constituem a maior parte da população; tampouco é possível que eles exerçam sua soberania diretamente, pois ela também exige que sejam a maioria para agir diretamente na política nacional.
Assim, nem sempre a vontade do povo, em geral, legitimamente representa a necessidade e os interesses de todos, podendo, muitas vezes, a decisão coletiva gerar situações de injustiças contra aqueles menos favorecidos, tratando-os com desigualdade por representar uma parte menor da população.
Se faz consoante com esse pensamento o dizer de Luís Roberto Barroso, dispondo acerca da abrangência da ideologia democrática:
A democracia em sentido material, contudo, que dá alma ao Estado constitucional de direito, é, mais do que o governo da maioria, o governo para todos. Isso inclui não apenas as minorias – raciais, religiosas, culturais –, mas também os grupos de menor expressão política, ainda que não minoritários, como as mulheres e, em muitos países, os pobres em geral.[34]
Pode-se compreender, portanto, que não se pode ignorar o interesse das minorias e dos grupos minoritários, devendo a atuação estatal ser pensada sempre de modo a atingir o bem-estar social e a justiça de todos e para todos, e não simplesmente ter como objetivo o alcance das necessidades de uma parte específica da população.
Portanto, mesmo que as famílias poliafetivas sejam uma minoria na sociedade brasileira, não deve o poder público ignorá-las, deixando-as alheias ao direto familiar do país; pois cabe ao Estado o dever de proteger a família, quer seja monogâmica, quer não seja, uma vez que não é papel do governo interferir nas situações privadas em que não haja prejuízo de direitos, haja vista o direito à autodeterminação e a garantia de liberdade individual e da vida privada.
Em suma, é imperioso perceber o papel do Estado em uma democracia, que tem como principal dever o de evitar que se configure uma verdadeira tirania das maiorias, isto é, quando o povo, em sua maioria, age de modo a atingir os direitos fundamentais de liberdade dos indivíduos compreendidos como minoria social.
O poder público, assim, passa a ter a função de garantir que sejam aproveitadas ao máximo as liberdades individuais quando estas não forem prejudiciais para o resto da população; afinal, quando a própria sociedade é o tirano, torna-se capaz de exercer uma tirania social mais alarmante do que os mais diversos tipos de opressões políticas, uma vez que existem pouquíssimos meios de defesa contra ela.[35]
5. AS UNIÕES POLIAFETIVAS
Ao longo da história da organização familiar, vimos que as condições e formas de família passaram a se diversificar, e uma dessas novas modalidades é a união poliafetiva ou poliamorista, que surge a partir do conceito de poliamor, uma teoria psicológica que se entende, sucintamente, pelo relacionamento entre mais de duas pessoas, concomitantemente e com o consentimento de todos os indivíduos da relação.
Esta relação, apesar de não ser monogâmica, pode ser diferenciada da poligamia em alguns aspectos, já que na poliafetividade há uma valoração ao afeto na relação e é necessário que todos os membros concordem e estejam cientes da relação plural, enquanto na poligamia não há necessidade de afeto nem de concordância para ser caracterizado, bastando que o indivíduo realize dois ou mais matrimônios, como vemos em alguns países do oriente médio, que adotam a poligamia, independentemente da vontade dos contraentes.
Da mesma forma, não se confunde a união poliafetiva com as famílias paralelas ou simultâneas, porque esta última se caracteriza pela união de uma pessoa casada ou em união estável, com outra pessoa, em relação conjugal ou não, desde que atingidos os elementos caracterizadores da entidade familiar, caso contrário, será meramente uma união extraconjugal ou concubinato.
Em outras palavras, não há uma pluralidade de afeto entre todas as partes, pois somente um dos cônjuges passa a ter uma nova relação fora do casamento, enquanto a outra parte não tem qualquer vínculo com a terceira pessoa da relação. À título de exemplo podemos mencionar um casamento entre um homem e uma mulher, em que o homem mantém união estável com outra mulher em uma casa separada daquela, sem que nenhuma das mulheres tenham qualquer tipo de relação entre si. Essa dupla relação é chamada de família simultânea.[36]
Assim, é visível que na união paralela existirão duas ou mais entidades familiares, ambas tendo cumprido os requisitos de família, contudo apenas uma das partes terá relação direta com as duas famílias. Já na união poliafetiva, há uma única relação de afeto entre todos os indivíduos, formando-se, desse modo, uma só entidade familiar[37], na qual todas as partes são consideradas como família umas para com as outras.
Percebe-se, portanto, que a principal diferença entre os dois institutos se encontra no fato de, em uma delas, haverá duas famílias distintas, enquanto nesta última, apenas uma entidade familiar que compartilharão do mesmo amor igualmente entre eles.
Entretanto, há ainda a necessidade de tecer uma breve diferença entre o poliamor e a família poliafetiva para que se possa delimitar efetivamente esta entidade a fim de buscar o seu reconhecimento jurídico.
Note-se que o poliamor resta configurado pelo simples fato de se estar em uma relação não monogâmica e consensual, independentemente da finalidade, podendo as partes estarem em uma relação plural, mas sem o comprometimento e as responsabilidades inerentes à uma relação familiar. Enquanto para se constituir uma família poliamorista, é necessário que se atinja as condições essenciais caracterizadoras da relação familiar, como já apontados anteriormente, sendo elas a afetividade, publicidade ─ ostensibilidade ─, estabilidade e o objetivo de constituir família ou “animus familiae”.
Decerto que uma das maiores dificuldades para o reconhecimento jurídico da união poliafetiva como família, além da discriminação, está atrelada à sua complexidade em ser classificada, visto que existem várias formas de serem constituídas, pois podem ser constituídas por vários membros, sendo mais de dois indivíduos unidos por uma relação íntima de afeto, podendo esta união ser mantida dentro de uma mesma propriedade ou não.
Ainda, é possível classificar como a relação sendo exercida de forma: (A) Primária – quando o casal concorda em buscar outros relacionamentos simultâneos à relação atual; (B) Tríade – quando três pessoas desenvolvem um compromisso de relação íntima entre eles, normalmente ocorre quando há duas pessoas na relação e posteriormente eles expandem incluindo uma terceira pessoa; (C) Grupo de Casamento ou Polifamília – três ou mais pessoas formam um sistema de relacionamento íntimo e unitário, sendo que cada membro deve se relacionar exclusivamente entre eles, é a chamada polifidelidade[38]
Independentemente de que forma seja exercida a relação poliafetiva, o elemento essencial que norteia esta união plural é a honestidade e transparência, pois os envolvidos devem sempre discutir abertamente quais as regras, condições e limites para a continuidade e desenvolvimento da relação.
Note-se que a questão a ser retratada no presente texto não é defender a promiscuidade ou desonestidade, mas é a de tentar promover a igualdade das relações poliafetivas que se adequem às condições elementares formadoras da família, para que estas entidades não sejam limitadas pela discriminação infundada das tradições que impõem um único modelo familiar como merecedor de direitos, quando, na realidade, existem diversas formas de relações familiares que também merecem a tutela do Estado.
Vejamos o que diz Rolf Madaleno acerca das uniões poliafetivas:
É o poliamor na busca do justo equilíbrio, que não identifica infiéis quando homens e mulheres convivem abertamente relações apaixonadas envolvendo mais de duas pessoas. Vivem todos em notória ponderação de princípios, cujo somatório se distancia da monogamia e busca a tutela de seu grupo familiar escorado no elo do afeto.[39]
Um outro ponto de importante ponderação está relacionado à necessidade da boa-fé nas uniões poliafetivas para que possam ser, ao menos em tese, equiparadas à uma união estável nos moldes tradicionais. A boa-fé se divide em duas vertentes, em boa-fé objetiva e subjetiva; e em ambos os casos há uma relação de dever de confiança, lealdade e respeito.[40]
Na boa-fé subjetiva, tem-se a intenção interna do sujeito, no sentido de o indivíduo praticar o ato por sua própria vontade lícita, pois ele não tem o intuito de agir com má-fé. Enquanto a boa-fé objetiva significa que as ações dos agentes devem respeitar um padrão ético objetivo de honestidade, diligência e confiança, exigindo respeitabilidade recíproca entre as partes.[41]
Então, faz-se lógico que a boa-fé é essencial para a caracterização de uma relação familiar, já que dela decorrem deveres inerentes à família, que é o caso da lealdade, honestidade e confiança; e, do mesmo modo, deve haver boa-fé nas uniões poliafetivas, principalmente em relação à comunicabilidade entre todas as partes, que devem estar cientes uns dos outros e de suas responsabilidades e necessidades dentro do relacionamento. Note-se que a própria estrutura basilar de um relacionamento poliafetivo é norteado pela boa-fé, pois a regra é que seja uma estrutura baseada em confiança e honestidade entre os parceiros para que se estabeleça uma união próspera.
Dessarte, torna-se notório que, após feita uma maior análise acerca dessas uniões poliafetivas, quando comparadas às famílias tradicionais monogâmicas, a única diferença estrutural entre ambas é a quantidade numérica de partes dentro da relação, enquanto todos os outros requisitos para serem considerados uma família estão observados da mesma forma que nas uniões matrimoniais padrão; uma vez que nos dois casos teremos um único ente familiar e o respeito aos elementos caracterizadores da união estável e à boa-fé.
Nota-se, portanto, que não há maiores diferenças entre ambos institutos não havendo, por essa razão, que se questionar sua validade no universo jurídico, isso porque as uniões poliafetivas obedecem a todos os requisitos para sua existência, inexistindo motivos suficientes para seu impedimento. Entretanto, ainda assim a legislação proíbe uma delas, o que faz com que seja necessária a retomada do questionamento do porquê de tal vedação se há tão grande similaridade da família poliafetiva com o modelo tradicional, no tocante aos aspectos jurídicos.
5.1. UNIÕES POLIAFETIVAS NA LEGISLAÇÃO BRASILERIA
Como já foi mencionado anteriormente, esta união não encontra sustento quando se observa-se a legislação civil, tampouco encontra-se norma expressa no ordenamento jurídico que preveja sua possibilidade, e nem mesmo a Constituição da República Federativa do Brasil dispõe de normas reguladoras destas uniões; o que ocorre é uma forte omissão do sistema legal do país nesse assunto.
Não obstante, embora a lei não reconheça expressamente essas instituições como entidades familiares, também não há vedação constitucional para elas, já que, conforme foi abordado no capítulo que fala sobre o pluralismo familiar, a Carta Magna não restringe o conceito de família ao reconhecer não apenas o casamento como meio de constitui-la, mas também as outras formas de originá-la.
Por isso, é possível perceber que quando o legislador, no artigo 226, parágrafo 3º, faz referência ao reconhecimento da união estável entre homem e mulher como entidade familiar, ele não está necessariamente excluindo aquelas uniões formadas por mais de duas pessoas, pois não se poderia entender pelo silêncio eloquente[42] da Carta Constitucional; isso porque, quando se trata de interesses privados relacionados aos direitos fundamentais dos indivíduos, não deve o ordenamento jurídico interpretar o silêncio da letra constitucional como uma norma proibitiva, uma vez que esses direitos básicos da pessoa humana não podem ser restringidos sem motivo plenamente justificado.
Nesse sentido, resta claro que é inviável a interpretação reducionista do texto constitucional do conceito de família em relação às famílias poliafetivas, que não adotam o modelo tradicional, pois elas devem ter a mesma garantia de direitos quanto os que adotam esse modelo.
O maior problema para reconhecimento da união poliafetiva se encontra no Código Civil, mais precisamente em seu artigo 1.521, VI, que determina impedimento de casamento entre pessoas casadas. Isso se justifica porque a jurisprudência tem entendido pela equiparação da união estável ao casamento na maioria das situações, fazendo com que quase todas as disposições legais aplicáveis a este, apliquem-se também para aquele. Portanto, entende-se que não é possível ocorrer uma dupla união estável, o que, em tese, impossibilitaria o reconhecimento dessas famílias.
Contudo, deve-se lembrar que na união poliafetiva não há uma dualidade de uniões, mas tão somente uma única relação entre mais de duas pessoas, constituindo uma só entidade. E por esse motivo, vê-se que não existe justificativa para que o referido artigo seja considerado como uma causa impeditiva para a caracterização dessa união como entidade familiar.
Da mesma forma ocorre com o caso da bigamia, no qual o artigo 235, caput, do Código Penal, prevê penalidade de dois a seis anos para aqueles que, já casados, contraírem novo casamento; percebe-se que igualmente não poderá ser aplicado tal dispositivo às uniões poliafetivas pela mesma razão que foi explicada anteriormente, isto é, que não há dois matrimônios nesta relação, apenas um único.
Todavia, ainda que partisse do pressuposto de que existissem dois casamentos na união poliafetiva, é imperioso compreender que a Constituição Federal garante à família a especial proteção do Estado, isto é, não deve o legislador interferir indevidamente nas relações familiares, devendo ele garantir sua proteção, concedendo-lhes liberdade, igualdade, autonomia, dentre outros direitos fundamentais. Torna-se notório o dever imposto ao legislador pelo constituinte para com as famílias, visto que a lei civil e a penal devem ser interpretadas conforme a lei maior do ordenamento, vinculando-as ao texto constitucional.
Em razão disso, quando a CRFB ordena que seja conferida maior proteção à família, os códigos infraconstitucionais passam a ter o dever de assim agir, por causa da compatibilidade vertical das normas; e caso eles contrariem as regras ou princípios constitucionais, poderá ser declarada a inconstitucionalidade do dispositivo legal que assim o fez[43].
5.1.1. A legislação e a sociedade como fontes discriminatórias.
Conforme já foi mencionado anteriormente, as uniões poliafetivas são questionadas por grande parte da sociedade por causa de questões morais ou religiosas, pois a ideia tradicional de família segue o modelo estritamente monogâmico, e muitas pessoas adotantes deste modelo passam a perceber essas famílias poliafetivas como sendo indivíduos imorais e infiéis, isso porque estes não se adequam ao padrão adotado pela maioria da sociedade, passando a sofrer discriminação baseado em uma grande proliferação de ideais preconceituosos e excludentes no tocante às formas de famílias plurais, fazendo com que essas famílias passem a se sentir inferiorizadas e a se esconder do seio social para não serem subjugados pela maioria.
O problema é que, pelo fato de muitas dessas entidades poliafetivas se ocultarem desse modo, acaba-se por pensar que elas não existem, tornando-se instituições invisíveis tanto aos olhos sociais como do próprio direito, embora seja notório que tais entidades sejam parte da realidade social. Contudo, apesar de tais ideais intolerantes permanecerem rodeando as bases familiares, já existem diversos autores que reconhecem que o essencial de uma relação é o afeto, como entende Osho[44]:
Seja verdadeiro no amor e não se preocupe com os parceiros. Quer seja um só ou muitos parceiros, essa não é a questão. A questão é se você é verdadeiro no amor.
Note-se que já se faz inequívoca a importância da afetividade nas relações, sendo elas tão essenciais que não deveria haver tamanho impedimento para os indivíduos que se relacionam com base neste afeto, ainda que de modo diverso da família tradicional. É nesse sentido que fica claro que o direito não pode se dispor de ideais discriminatórios quanto às relações privadas baseados no pluralismo e na afetividade, dado que um dos objetivos adotados pela Constituição Federal, elencados no artigo 3º e seus incisos, é a promoção do bem estar de todos, sem preconceito ou qualquer outra forma de discriminação; e o fato de que o legislador impede tais famílias de se constituírem perante o direito é um modo de discriminação porque a existência jurídica das famílias poliafetivas não impede o direito dos demais, não necessitando de sopesamento entre direitos; tampouco gera qualquer tipo de prejuízo a outros indivíduos na sociedade, isso além de que não sugere mudanças excessivamente drásticas quanto aos outros âmbitos do sistema jurídico. Então, não parece haver outra explicação para a falta de proteção e para a ostensiva limitação de tais entidades além de um comportamento discriminatório pelos legisladores e pelos julgadores das mais altas instâncias.
Ainda, é importante lembrar que o legislador não pode se valer de valores religiosos para fundamentar a criação das normas, principalmente pelo fato de que o Brasil é um estado laico, e, portanto, não deve priorizar algum dogma religioso em desfavor daqueles que não o seguem, devendo o poder público agir com imparcialidade.
Por fim, percebe-se que não se pode tolerar que o ordenamento jurídico de um Estado democrático se baseie em aspectos meramente morais e discriminatórios para a defesa de seus próprios interesses, devendo haver um maior questionamento quanto à necessidade de o poder público impor limites às entidades poliafetivas, uma vez que não há justificativas suficientes para tal.
5.2. A SUPERAÇÃO DA MONOGAMIA COMO PRINCÍPIO NORTEADOR DO DIREITO DE FAMÍLIA
Antes de efetivamente tecer considerações acerca de seu significado, é necessário compreender que o princípio monogâmico não é um princípio constitucional[45], pois a Constituição não delimita um modelo único para o direito de família, como já vimos através do princípio do pluralismo familiar, que toma forma a partir de uma interpretação ampliativa da Carta Maior do ordenamento.
Desse modo, podemos perceber que, para a Constituição, a monogamia não é um modelo fundamental para caracterizar uma relação como entidade familiar, e isto se explica, também, pois existem diversos direitos fundamentais que garantem aos indivíduos o exercício de suas liberdades individuais, não podendo o Estado interferir nas relações íntimas das pessoas, como demonstrado no artigo 5º, X, da CRFB, que diz ser inviolável a intimidade e a vida privada. Outrossim, no caput do referido artigo, é feita uma menção expressa acerca da inviolabilidade do direito à liberdade e à igualdade, que se remete aos princípios já observados nesta pesquisa.
Em outro aspecto, cabe lembrar que o modelo monogâmico teve seu nascimento nos primórdios da civilização[46], tendo surgido como uma necessidade evolutiva da economia da época, e da patrimonialização das relações socioafetivas que se desenvolveram ao longo da história, momento no qual passou-se a ter o homem como centro das relações econômicas e afetivas, e inferiorizando a mulher como um mero objeto de posse destes, como bem aborda Freud:
A exigência de que a moça leve para o casamento com determinado homem qualquer lembrança de relações sexuais como outro nada mais é, realmente que a continuação lógica do direito de posse exclusiva da mulher, que constitui a essência da monogamia, a extensão desse monopólio para incluir o passado.[47]
Vale lembrar, ainda, que tal forma de organização familiar foi fortalecida por imposições culturais, religiosas e legais[48] que contribuíram bastante para seu estabelecimento e fixação como padrão único e suficiente para ordenar a constituição de família na sociedade, se tornando um modelo tradicional e representante da cultura e da moral de grande parte da sociedade ocidental, e, da mesma forma, em grande parte do Brasil.
Esse molde institucional foi levado a ser difundido entre as mais diversas famílias como um meio limitador das uniões matrimoniais, fazendo com que não se pudesse formar uma relação diversa daquela imposta pelas leis jurídicas e morais, assim como permaneceu por muito tempo sendo o matrimônio unicamente entre homens e mulheres, não havendo previsão legal de meios de formação familiar entre pessoas do mesmo sexo.
O mesmo ocorre com as famílias poliafetivas, que sofrem restrições infundadas quanto a sua constituição, tornando-se impossível que os cidadãos que desejam formar um laço familiar diverso do proposto pela sociedade e pela lei desfrutem da mesma liberdade constitucional que aquelas famílias tradicionais.
Apesar de o princípio monogâmico não estar previsto expressamente no Código Civil de 2002, é possível verificar sua existência a partir da ideia de casamento, ou da família matrimonializada, uma vez que um dos deveres dos cônjuges, previsto no referido código, é a fidelidade recíproca. Faz-se, todavia, uma observação de que este princípio se trata apenas de uma regra moral, afinal, não existem punições relacionadas à infidelidade[49], salvo o caso do duplo casamento, ou bigamia, que é instituído no artigo 235 do Código Penal.
Ocorre que este instituto punitivo é ineficaz para tutelar a infidelidade conjugal, pois somente resta configurado a partir de um novo casamento daquele que já se encontra casado, mas nada impede que este, casado, tenha uma relação extraconjugal sem realizar novo matrimônio, ainda que dessa relação surja uma nova família, isto é, uma união estável.
É neste sentido em que se faz o questionamento do princípio monogâmico como norteador do direito de família, ora, se não há punição daquele cônjuge que tem relações extraconjugais, sendo ele infiel, e a monogamia se origina do dever de fidelidade, qual é o pilar que ainda sustenta tal princípio como regra exclusiva no direito familiar? A realidade é que parece restar apenas a interpretação de que se constitui como sendo o caráter discriminatório que tem prevalecido para a eficácia unitária deste princípio.
Contudo, há ainda suporte deste princípio quando se fala dos impedimentos do casamento (CC 1.521, VI), pois se o indivíduo contrair novo casamento, já estando casado, torna-se nulo o novo casamento. Acontece que, na verdade, esta é apenas mais uma norma de exclusão pautada no princípio monogâmico, responsável por caracterizar a invisibilidade das famílias organizadas de forma diversa da tradicional; todavia, não difere muito da norma anterior, a bigamia, isso porque o referido artigo traz uma barreira para contrair um novo casamento quando já se tem outro.
Por esta razão, se o indivíduo mantiver apenas uma concubina, poderá livremente contrair matrimônio com outra pessoa; e o mesmo vale para as uniões estáveis. Note-se, portanto, que a lei não protege de fato a fidelidade como tem dado a transparecer; ela, na realidade, assegura apenas a perpetuação da discriminação quanto às famílias poliafetivas, impedindo que estas sejam formalizadas, mas não assegurando aquilo que norteia o princípio monogâmico que é a fidelidade, e, na verdade, até mesmo cria o risco de incentivar a prática da infidelidade, uma vez que não há nenhum tipo de punição para ela. Rodrigo da Cunha é preciso ao estabelecer este ponto de vista:
E ao contrário do raciocínio moralista, este não reconhecimento é um prêmio a quem escolhe ter uma segunda ou terceira família, já que o seu patrimônio fica “blindado” pelo casamento. Na prática, não atribuir direitos às famílias simultâneas, é incentivar que se tenha tais uniões, já que nenhuma responsabilidade será impingida a quem fez esta escolha.[50]
Além disso, é imprescindível relembrar que a união poliafetiva não necessariamente enseja a infidelidade conjugal, visto que a fidelidade nada mais é do que a característica de uma relação na qual existe confiança, honestidade e lealdade; e, como já vimos anteriormente, nas relações poliafetivas há todas estas características, embora não sendo apenas entre duas pessoas, porém todos os membros da relação devem se compromissar a seguir esses princípios, caso contrário não haverá uma família poliafetiva, mas apenas uma relação de poliamor sem compromissos e responsabilidades ou de outra espécie de família, a simultânea ou paralela.
Fato é que o princípio monogâmico, aceito implicitamente pelo Código Civil, entra em conflito com a nova ordem constitucional, e isto ocorre porque a Constituição em nenhum de seus dispositivos prevê a necessidade de ser adotado um sistema único de família no ordenamento, do contrário, traz outras formas de família diversas do casamento.
Fica ainda mais nítida a incompatibilidade da imposição da monogamia como único modelo familiar tutelável quando verificamos a vedação à discriminação trazidas como objetivo constitucional, além de que também sequer é mencionada a fidelidade como norma fundamental à caracterização da entidade familiar, tanto é que mesmo o sistema penal foi modificado quanto ao crime de adultério, que antes era previsto no Código Penal, porém foi revogado a partir da lei 11.106/05, quando passou a não mais ser compreendido como crime as relações extraconjugais.
Ainda consta lembrar que com o advento da figura do divórcio não mais é utilizado efetivamente a figura da separação judicial, esta que previa a infidelidade como mecanismo de rompimento conjugal, contudo, hoje já não se faz mais necessário ter qualquer motivo para romper este vínculo matrimonial, sendo as partes da relação livres para se desvincularem, o que faz com que possa ser interpretado que, na realidade, o afeto e o desenvolvimento pessoal do indivíduo ganham maior peso para a decisão de se desvincular da relação conjugal do que a fidelidade, pois não basta apenas ter confiança, lealdade e honestidade em um casamento, deve-se, acima de tudo, ter um laço de afeto entre os cônjuges, uma vez que o amor é imprescindível para a fruição da felicidade no âmbito familiar, embora não seja o único elemento essencial dela.
Desse modo é que se faz necessário abordar a superação deste princípio como ordenador do ordenamento jurídico brasileiro, afinal, é inviável que o Estado continue a permitir a manutenção de uma legislação que restringe a liberdade e a dignidade dos indivíduos, intervindo na intimidade e na vida privada dos jurisdicionados, pois o dever do Estado nas relações familiares nada mais é do que o de intervir quando houver situações de vulnerabilidade, contudo, quando não há tal situação, é necessário que seja dado o devido espaço para as instituições familiares, para que não corra o risco de privar direitos fundamentais. Vejamos o que diz Marcos Alves da Silva:
Ao se indicar a superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família, tem-se em mira exatamente a abertura de novas possibilidades de desenvolvimento da personalidade – especialmente da mulher – e a superação, portanto, de um sistema claramente excludente .[51]
Nesse sentido, percebe-se que a monogamia passou a ser um instrumento de segregação social no país ao longo da história. Isso porque, como já vimos, ao falar dos aspectos históricos do direito de família, o princípio monogâmico foi o responsável por estabelecer constantes distinções sociais, isto é, discriminações, entre o povo brasileiro, como foi o caso dos filhos nascidos de uma relação de concubinato que, anteriormente à Constituição Federal de 1988, não recebiam tratamento igualitário quanto aos filhos tidos na constância do casamento. Do mesmo modo ocorre com as relações não monogâmicas, pois as famílias que aderem esse modelo são excluídas da proteção social, deixando-as, o Estado, à mercê da própria sorte.
Assim, é notório que tais arranjos foram completamente marginalizados historicamente, não lhes tendo sido conferida a liberdade prometida pelo constituinte originário. Percebe-se, nesse sentido, que se tem aqui uma verdadeira hipótese de abandono estatal; omissão esta que seria relevada caso o poder público permitisse que as famílias poliafetivas, ao permanecer na informalidade, pudessem usufruir plenamente de seus direitos sem prejuízo para quaisquer de seus membros, o que, todavia, não ocorre, mas sim o exato oposto, uma limitação desenfreada para com essas relações.
Contudo, não se pode permitir que, em um Estado democrático de direito que é regido pelo princípio pluralista, as liberdades individuais sejam desrespeitadas de tal forma, de modo que haja uma lei segregadora impondo um único meio de constituir família[52] ao seu povo, já que é assegurado a todos o direito à liberdade, à intimidade e à vida privada, isto sem ainda mencionar o dever básico do Estado que é o de assegurar aos jurisdicionados o direito mínimo do ser humano, que é a dignidade. Então, em vez de o poder público permanecer mantendo um fino véu diante de tais instituições familiares, com o objetivo de ocultá-las; deve-se, todavia, constituir seus direitos a fim de reestabelecer o lugar dessas relações dentro da sociedade.
5.3. DA DECISÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA QUANTO ÀS UNIÕES POLIAFETIVAS.
No ano de 2012, em São Paulo, na comarca de Tupã, foi lavrada uma escritura pública entre um homem e duas mulheres que viviam juntos há três anos em união poliafetiva no referido Município. A escritura reconhecia direitos relacionados à divisão de bens em caso de separação ou morte destes[53]. Essa lavratura foi responsável por dar início a uma discussão no sistema jurídico acerca da possibilidade de os cartórios concederem ou não fazer este reconhecimento. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) se posicionou acerca do tema, abrindo pauta para julgar sobre a validez ou invalidez do ato do tabelião.
O relator, João Otávio de Noronha, iniciou a votação da temática posicionando-se em sentido contrário ao reconhecimento em cartório das famílias poliafetivas, tendo entendido que não se pode lavrar escritura para estes casos, sucintamente, porque: há violação dos princípios familiares básicos, das regras constitucionais, das leis civis, da dignidade da pessoa humana, da moral e dos costumes brasileiros[54]. Disse ainda que a lavratura apenas declara a vontade jurídicas das partes, contudo não permitindo o reconhecimento de uma vontade ilegal, não permitida pela lei.[55]
O Conselheiro Aloysio Corrêa da Veiga abriu voto de divergência, para que os tabeliães pudessem lavrar escrituras declarando a vontade das partes em união poliafetiva, desde que não produzisse efeitos jurídicos equiparados à união estável ou casamento, divergência a qual foi acompanhada por mais três conselheiros e pela própria presidente do CNJ, Cármem Lúcia.[56]
Embora tenha havido mais uma divergência aberta pelo conselheiro Luciano Frota[57], venceu o entendimento do relator, impedindo que os cartórios de todo o Brasil pudessem lavrar escritura pública em favor de união poliafetiva.
Vê-se, desse modo, que até mesmo o poder judiciário, ainda que em esfera administrativa, tem atuado em desfavor dessas uniões plúrimas, embora não mais em decisões unânimes, podendo ser observado o fato de que alguns juristas têm entendido de forma favorável a estas uniões. Note-se que a decisão do CNJ vai claramente em desencontro com os princípios constitucionais norteadores do direito de família, que visa proteger toda e qualquer forma familiar lícita.
O relator, em seu pronunciamento sobre o caso supracitado, questiona a ideia de licitude das famílias poliafetivas, contudo, deve-se conferir no próprio direito civil o significado de uma ilicitude. O Código Civil, em seu artigo 186 nos dispõe que pratica ato ilícito quem violar direito de outrem, causando-lhes dano, isto é, a ilicitude é uma prática contrária ao ordenamento jurídico[58].
Ora, já foi abordado nesta pesquisa que as famílias poliafetivas estão em conformidade com o sistema jurídico brasileiro em sua ordem principiológica, de acordo com seus objetivos e fundamentos, desencontrando-se apenas da ordem moral da maioria da população, o que não serve como justificativa para considerar tal união como sendo um ato ilícito, visto que é dever do poder público garantir os direitos fundamentais das minorias, em busca da igualdade material.
Ainda, é necessário lembrar do dever de respeito à intimidade, à liberdade e à vida privada, garantidos pelo constituinte. Quando o legislador originário criou tais conceitos jurídicos indeterminados; previstos no artigo 5º, caput e incisos; como direitos fundamentais, ele buscava o mais alto grau de abrangência possível no ordenamento, não limitando o texto legal de forma a suprimir direitos de determinados indivíduos, muito pelo contrário, pois, na verdade, o próprio caput prevê a inviolabilidade do direito de liberdade.
Desse modo, quando se lê o inciso II do referido artigo, é possível notar que ninguém poderá ser obrigado não só a fazer algo, como também a deixar de fazer alguma coisa sem que uma lei expressamente assim determine. Esse inciso, por si só, já consegue justificar o fato de que a decisão do CNJ contraria a Constituição, visto que não há lei que mencione a impossibilidade de reconhecimento da união poliafetiva em cartório por meio de escritura pública.
Em síntese, percebe-se que o motivo que leva tanto ao judiciário quanto ao legislativo a não abarcar essas uniões plúrimas como um novo modelo familiar são apenas razões morais, isso porque a lei não proíbe a existência destas, além de que até mesmo a justificativa de que uma futura sucessão de uma família poliafetiva poderia gerar maiores dificuldades ao judiciário é inválida, visto que há doutrinadores que oferecem diversas opções que equivaleriam à um regime comum de sucessão, como dividir os bens dos cônjuges em partes iguais entre os supérstites, não alterando a quantidade total do quinhão recebido pelos demais herdeiros concorrentes, ou a própria triação que alguns tribunais têm aplicado aos casos de famílias paralelas.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após tecer todas essas considerações acerca do tema, chega-se à conclusão de que a união poliafetiva tem diversos meios interpretativos vigentes na Constituição Federal que favorecem a sua possibilidade de reconhecimento jurídico, cabendo, no entanto, ao Supremo Tribunal Federal a última palavra quanto a equiparação ou não dessas uniões com as outras espécies familiares já reconhecidas.
Consta-se, ainda, que não há institutos legais que impeçam verdadeiramente a constituição desta modalidade familiar, ainda que grande parte da sociedade e do poder público não as reconheçam, condenando essas famílias à marginalização, visto que estas nem mesmo podem lavrar escrituras públicas a fim de declarar suas vontades de constituir família; por razão da decisão do Conselho Nacional de Justiça que vedou essa possibilidade.
Boa parte do que leva os juristas à decisão de inoponibilidade da equiparação dessas uniões com as famílias monogâmicas, reside em uma justificativa decadente de que o texto constitucional não as abrangeu por não mencionar tal possibilidade expressamente; contudo, resta salientar que essa conclusão é apenas um subterfúgio para esconder a falta de interesse pela defesa de uma minoria, encontrando, o poder público, diversos motivos infundados para que se permaneça uma situação de injustiça e de discriminação para com essas famílias.
Isso torna-se claro porque é sabido que a omissão constitucional não deve ser interpretada como uma norma proibitiva quando se tratar de direitos fundamentais das pessoas privadas, uma vez que, caso assim fizesse, estaria restringindo tais direitos. Além disso, deve-se lembrar que a Constituição é regida pelos princípios do pluralismo familiar, já reconhecido pelo STF, da afetividade, da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da liberdade geral, dentre outros princípios que asseguram direitos essenciais do indivíduo, ainda que o legislador seja omisso no texto legal.
Não obstante, é possível perceber que, aos poucos, as famílias poliafetivas têm ganhado espaço nas pautas jurídicas, à medida que os indivíduos aderentes a este regime familiar vão em busca de lutar por seus direitos, que têm permanecido em estado de dormência por longos anos, fruto de uma cultura monogâmica cujas raízes foram encravadas no seio social, que não permite a existência de outra forma diversa dela, mesmo que o reconhecimento das famílias poliafetivas em nada afete nas demais famílias que adotam o modelo tradicional.
Essa discriminação toda é fundamentada no moralismo egoístico da maior parte da população, que prefere condenar aqueles que lhes são diferentes à uma vida de invisibilidade jurídica, como sempre ocorreu com as uniões homoafetivas até a decisão erga omnes proferida pelo Pretório Excelso.
Entretanto, cada vez mais juristas têm passado a fazer maiores análises dessas famílias, percebendo que a realidade destas não é tão distante do modelo monogâmico, visto que é pautada na honestidade, lealdade, boa-fé, afetividade, e até fidelidade ─ com a chamada polifidelidade, a partir da concordância de cada membro da relação ─ embora não seja um requisito essencial da relação.
Essa percepção social imprópria e desmoralizada da família poliafetiva tem a tendência de ser reavaliada a partir do momento em que os indivíduos da sociedade forem perdendo o preconceito infundado destas entidades; todavia, para que isto ocorra, o poder público deve agir de forma a protegê-las das discriminações, garantindo-as os seus devidos direitos sociais e fundamentais que a Carta Constitucional assegurou.
Reafirma-se, desse modo, que o papel de um Estado Democrático é o de certificar-se de que o seu povo desfrutará de suas liberdades individuais de forma igualitária entre si, de forma a garantir que os indivíduos que nele habitam, tenham a possibilidade de se desenvolver plenamente sem as ingerências negativas do poder público.
Contudo, é necessário lembrar, também, que no momento em que não for suficiente a mera omissão estatal para que os indivíduos consigam efetivamente gozar de seus direitos, faz-se imperiosa uma conduta positiva do ente público para que possa conduzir aqueles que estão em situação de desigualdade a uma posição de equivalência com os demais.
Assim, reitera-se neste trabalho acerca da necessidade de o judiciário buscar maiores compreensões sobre as uniões poliafetivas, para que possam perceber que não há mais espaço, no cenário atual do direito brasileiro, para que permaneçam inertes quanto às omissões legislativas injustificadas, pois se nem a Constituição Federal, lei maior da nação, impede a existência dessas famílias, faz-se incabível a supressão delas pelo poder público.
Ainda, deve-se ater ao fato de que tais uniões não infringem a ética, nem se constituem por fato ilícito, visto que não há quaisquer prejuízos aos direitos de terceiros ao reconhecer uma união poliafetiva, nem violam as normas civis ou penais, por se tratarem de uma única entidade familiar, não constituindo dupla união; tampouco exige-se dispendiosas mudanças no ordenamento jurídico para sua existência, uma vez que estas famílias necessitam apenas de seus direitos fundamentais, suficientes para fruição de sua dignidade.
As uniões poliafetivas, portanto, merecem ver seus direitos debatidos de forma ampla e imparcial pelo poder judiciário, de forma que sejam afastadas as regras morais e pressões sociais de uma maioria opressora, para que assim elas possam batalhar pelo seu reconhecimento sem que sejam condenadas à perpétua invisibilidade dentro da sociedade, pois por muito tempo foram obrigados a permanecerem ocultas, recriminadas e diminuídas, mas já se passa do momento de se erguerem para enfrentar o modelo tradicional imposto coercitivamente pela cultura do país, batalhando pelos seus direitos por uma existência harmônica com o resto da sociedade, a fim de usufruir do direito de dignidade e de busca pela felicidade.
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[6] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 5: famílias. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, p.13. 2018.
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[11] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios norteadores do Direito de Família, Belo Horizonte, Del Rey, p. 94. 2006.
[12] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020. p.352.
[13] GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Filiação e Reprodução Assistida — Introdução ao Tema sob a Perspectiva Civil-Constitucional, in Problemas de Direito Civil-Constitucional (coord. Gustavo Tepedino), Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 520.
[14] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36ª ed. São Paulo: Atlas, p. 79. 2020.
[15] DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 11ª ed. São Paulo. Revista dos Tribunais LTDA, p. 73. 2016.
[16] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020. p.347.
[17] LÔBO, Paulo. Direito civil: volume 5: famílias. 8ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, p. 52. 2018.
[18] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito de família: uma abordagem psicanalítica. 4ª ed. p.2. 2012.
[19] LÔBO, Paulo. Op. cit., p. 61.
[20] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA, Rodolfo Filho. Novo curso de direito civil, vol. 6. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. p. 480.
[21] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.277. Disponível em: https://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277MA.pdf. Acesso em: 19 de fev. de 2021.
[22] FARIAS, Cristiano Chaves de. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: Editora JusPODIVM. 2017. p. 76.
[23] BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da república, 2021. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 de fev. de 2021.
[24] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 36ª ed. São Paulo: Atlas, 2020. p. 116.
[25] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020. p.544.
[26] MORAES, Alexandre de. Op. cit., p. 116.
[27] LEWANDOWSKI, Ricardo. Proibição do retrocesso. Folha de S.Paulo, São Paulo, 01 de fev. de 2018. Disponível em: http://www.stf.jus.br/arquivo/biblioteca/PastasMinistros/RicardoLewandowski/ArtigosJornais/1117223.pdf. Acesso em: 24 de fev. de 2021.
[28] DECLARAÇÃO Universal dos Direitos Humanos. 10 de dez. de 1948. Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 25 de fev. de 2021.
[29] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 38º ed. São Paulo: MalheirosEditores, 2015. p. 288.
[30] Ibidem. p. 289.
[31] FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 12ª ed. Salvador: JusPODIVM, 2020. p.333.
[32] BRASIL, Wagner. “Você sabe qual a modalidade de democracia existente no Brasil?”. Jusbrasil. 2021. Disponível em: https://wagnerbrasiladv.jusbrasil.com.br/artigos/1157391428/voce-sabe-qual-a-modalidade-de-democracia-existente-no-brasil. Acesso em: 23 de fev. de 2021.
[33] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 18. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. p. 998.
[34] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. 7ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. [42] p.
[35] MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Pedro Madeira. ed. especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011. p. 22.
[36] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p.92.
[37] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 241
[38] WEITZMAN, Geri.; DAVIDSON, Joy.; PHILIPS, Robert. What psychology professionals should know about polyamory. New York: National Coalition for a sexual freedom Inc. 2014. p. 23.
[39] MADALENO, Rolf. Direito de Família. 10ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense LTDA, 2020. [82] p.
[40] DIAS, Maria Berenice. Op. cit., p. 100.
[41] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Op. cit., p. 115.
[42] COSTA, Aldo de Campos. O “silêncio eloquente” na jurisprudência do Supremo. Conjur, 2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-nov-21/toda-prova-silencio-eloquente-jurisprudencia-supremo. Acesso em: 25 de fev. de 2021.
[43] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 38º ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2015. p. 49
[44] OSHO. Amor, Liberdade e Solidão. Pergaminho, 2009. p. 73.
[45] DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 69.
[46] ENGELS, Friedrich. Op. cit. p. 66.
[47] FREUD, Sigmund. O tabu da virgindade – Contribuições à psicologia do amor III. In: Obras psicológicas completas. Trad. Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1995, v.XI, p. 179.
[48] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p.94.
[49] DIAS, Maria Berenice. Op. cit. p. 69.
[50] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p.90.
[51] SILVA, Marcos Alves da. Superação da monogamia como princípio estruturante do estatuto jurídico da família. Tese (Doutorado em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, p. 205. 2012.
[52] PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias. 2. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021. p.89.
[53] BAURU E MARÍLIA. União estável entre três pessoas é realizada em cartório de tupã, SP. G1, São Paulo, 2012. Disponível em: http://g1.globo.com/sp/bauru-marilia/noticia/2012/08/uniao-estavel-entre-tres-pessoas-e-oficializada-em-cartorio-de-tupa-sp.html. Acesso em: 26 de fev. de 2021.
[54] Brasília. Conselho Nacional de Justiça. Pedido de Providências, 0001459-08.2016.2.00.0000. Disponível em: https://images.jota.info/wp-content/uploads/2018/08/a76994fe42703dab2c66aad9f04c56a9.pdf. Acesso em: 27 de fev. de 2021.
[55] NORONHA, João Otávio. [Pronunciamento proferido na 48ª sessão extraordinária de 26/06/2018]. Brasília. Conselho Nacional de Justiça, 2018. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JBc1aHiAZuo. Acesso em: 27 de fev. de 2021.
[56] Brasília. Conselho Nacional de Justiça, 2018. PP.0001459-08.2016.2.00.0000. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JBc1aHiAZuo. Acesso em: 27 de fev. de 2021.
[57] FONTES, Felipe. Poliamor: CNJ proíbe cartórios de registrar união entre mais de duas pessoas. AgênciaBrasil, 2018. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2018-06/cnj-proibe-cartorios-de-registrarem-uniao-estavel-poliafetiva. Acesso em: 27 de fev. de 2021
[58] FARIAS, C.F.; ROSENVALD, N.; BRAGA NETTO, F. P. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 4ª ed. Salvador: EditoraJusPODVM, 2017. p. 153-154.
Publicado por: Luciano Santana de Melo Filho
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