A aplicabilidade da desconsideração da personalidade jurídica inversa na execução de alimentos à luz do novo código de processo civil

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1. RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso (TCC) versa sobre a desconsideração da personalidade jurídica, bem como sua forma inversa ao que se refere à execução e alimentos, tendo como intuito apresentar a aplicabilidade do instituto no âmbito processual. A graduanda foi motivada pelo dispositivo acerca do tema, encontrado no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, que está em votação no Senado, onde trará pela primeira vez no ordenamento jurídico, procedimento processual específico para o instituto, atualmente a deficiência de previsão processual obriga o magistrado a proceder por equiparação a outros institutos. A previsão legal do instituto da desconsideração da personalidade jurídica pode ser encontrada em algumas leis esparsas, e no Código Civil de 2002. Nas jurisprudências é possível encontrar previsão tanto da desconsideração da personalidade Jurídica, quanto na sua forma inversa. A desconsideração da personalidade jurídica na modalidade inversa adentrou ao nosso ordenamento Jurídico principalmente para tutelar o Direito de Família, coibindo o devedor que de forma fraudulenta, se “personalizava juridicamente” para evitar que as obrigações inerentes da pessoa física lhe fossem imputadas. O trabalho tem como objetivo abordar as questões relativas ao tema, tratando do surgimento, características da pessoa jurídica, sua previsão legal no âmbito jurídico, mantendo correlação com inovação do Anteprojeto no Novo CPC em prover um procedimento próprio para o instituto no âmbito jurídico Brasileiro.

Palavras-chaves: A pessoa jurídica. O princípio da autonomia patrimonial. Desconsideração da personalidade jurídica. Desconsideração inversa. Execução de alimentos. Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil.

ABSTRACT

This course conclusion work (CBT) focuses on the disregard of legal personality this course conclusion work (CBT) focuses on the piercing the corporate veil and its inverse way to respect the implementation and food, with the order to present the applicability of the institute in the procedural framework. The graduate student was motivated by the device on the subject, found in the draft of the new Civil Procedure Code, which is in the Senate vote, which will for the first time in the legal system, specific procedural procedure for the institute, currently forecast procedural deficiency forces the magistrate to act on comparable with other institutes. The cool weather of piercing the corporate veil Institute can be found in some other laws, and the Civil Code of 2002. In the case law can be found both forecast of piercing the corporate veil, as in reversed order. The piercing the corporate veil in reverse mode entered our legal system primarily to protect family law, restraining the debtor fraudulently if " personalizava legally " to prevent the inherent individual obligations you were charged. The work aims to address issues relating to the theme, dealing with the emergence characteristics of the legal entity, its legal provision in the legal sense, has a correlation with the innovation in the New Draft CPC to provide a proper procedure for the institute in the Brazilian legal framework

Keywords: The legal entity. The principle of equity autonomy. Piercing the corporate veil. Reverse disregard. Execution of food. Draft of the New Code of Civil Procedure.

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como tema a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e sua forma inversa na execução de alimentos à luz do novo Código de Processo Civil.

Os estudos atuais do Direito Processual Civil não podem ser feitos mais de forma isolada, porque a Constituição Federal de 1988 previu certos princípios que têm amplo alcance em vários ramos do direito e dentre eles o Direito Processual Civil.

Por esse motivo os estudos em Direito Processual Civil só podem ser realizados então mediante a observação dos princípios constitucionais sobre a matéria processual, uma vez que a Constituição possui ascendência sobre as normas processuais e estas devem ser interpretadas sob a luz daquela.

Este trabalho propõe-se a realizar um estudo qualitativo material e processual acerca da desconsideração da personalidade jurídica, sua forma inversa e a incidência no processo execução de alimentos, frente ao Novo Código de Processo Civil, que está em votação do Senado.

O instituto da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) se consolidou no sistema jurídico brasileiro e uma vez instituído no Código Civil, e leis esparsas se faz necessária à regulação da forma pela qual deve o juiz conhecer da mesma no decorrer do processo.

A teoria da desconsideração da personalidade inversa aparece no ordenamento jurídico por equiparação encontrando respaldo também no Código Civil de 2002, mas, como maior abrangência pela doutrina e jurisprudência que tem entendido a possibilidade de sua aplicação.

Após a efetivação da teoria do levantamento do véu no ordenamento jurídico, coube à doutrina, ante a ausência de previsões processuais expressas, debater e oferecer mecanismos adequados que pudessem permitiria a aplicação do instituto, embora tenham existido projetos de lei, até os dias atuais inexiste previsão processual acerca do procedimento de desconsideração.

A jurisprudência e a doutrina serão utilizadas como método de documentação, pois a análise de casos concretos, a exemplo da análise de jurisprudência na realidade dos problemas atuais a incidirá na realidade dos problemas a serem discutidos e posteriormente solucionados.

As razões que motivaram a escolha da abordagem do tema se deram após identificar as controvérsias e amplitude da matéria, uma vez que é muito utilizada pela nossa justiça, na maioria dos processos de execução contra pessoas jurídicas, seja por créditos civis, trabalhistas ou tributários. Entretanto, a abordagem ser dará no campo do Direito de Família, na execução de alimentos, que vem ganhando força através da aplicação da teoria de forma inversa.

A forma inversa da disregard doctrine se associa com o ponto central deste trabalho, pois é esta a forma mais apropriada de dificultar o mau uso da pessoa jurídica nas relações familiares, dado que nestes casos ela é utilizada para encobrir a fraude. Ocorre que, através do irregular exercício da autonomia patrimonial da pessoa jurídica é possível que um dos cônjuges transfira bens pertencentes à sociedade conjugal à sociedade empresária da qual ele é sócio.

Apesar de o tema ter sido bastante debatido pelo Poder Judiciário ao longo dos anos, não se encontra entendimento homogêneo, sendo a regulamentação do instituto uma possível solução para minimizar os problemas enfrentados nos processos judiciais em curso.

O estudo ainda se justifica em razão da necessidade de maior trato e análise processual do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, visto que a controvérsia atinente à dispensabilidade ou obrigatoriedade de uma ação própria para decretação do levantamento do véu permitindo o posterior alcance aos bens dos sócios, continuam sendo debatidas na doutrina.

O problema de pesquisa se deu ao se questionar como o credor de alimentos terá seu crédito satisfeito, caso necessite recorrer à teoria da desconsideração da personalidade jurídica? O novo Código de Processo Civil aborda o tema? E como se dará o procedimento?

O objetivo geral é demonstrar os aspectos processuais da disregard doctrine e, levantando as modificações previstas no Novo Código de Processo Civil, limitando-se a explicar as questões processuais que envolvem o tema, abordando questões sobre a legitimidade para a propositura da medida, o ônus probatório, as diversas correntes existentes quanto à aplicação da desconsideração da personalidade jurídica à luz da atual sistemática processual.

Dessa forma este trabalho de Conclusão de Curso busca, assim, compreender a teoria da desconsideração, sob seus aspectos materiais e processuais a fim de auxiliar na melhor compreensão do fato, sendo dividida em 03 (três) capítulos.

No primeiro capítulo será abordada a origem histórica da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, com a narração dos principais citações doutrinárias que tornaram a teoria conhecida no Brasil. Em seguida será feita uma análise da previsão legislativa do instituto, com a evolução da teoria, a partir do Código Civil de 2002, até a vigência os dias atuais, feito isto, serão abordadas as formas de aplicação da teoria com seus critérios objetivos e subjetivos atinentes a sua aplicação. No segundo capítulo, será analisada a questão no ponto de vista dos alimentos e na sua forma inversa de aplicação.

A partir do direcionamento da execução para a pessoa dos sócios, e na forma inversa para que se atinja o patrimônio da empresa. Sua natureza processual também será explanado acerca da possibilidade, visto que no nosso ordenamento Jurídico não há previsão processual, se utilizando do entendimento dos magistrados para resolver a demanda processual.

Por fim, no terceiro capítulo será feita uma análise e previsão do instituto, no Projeto do Novo Código de Processo Civil, abordando aspectos negativos e positivos. Isto porque, atualmente, apesar do ordenamento jurídico brasileiro consagrar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica em diversos diplomas legislativos especiais, como o Código de Defesa do Consumidor, assim como na lei geral civil, não traz previsão na legislação processual Civil acerca do procedimento.

A intenção do Novo Código de Processo Civil é positivar o que vem sendo utilizado na prática do Judiciário, trazendo a tal esperada previsão procedimental para utilização correta do instituto.

3. PERSONALIDADE JURÍDICA E SEUS ASPECTOS

O presente capítulo trata do surgimento da pessoa jurídica, apresentando a teoria da desconsideração da personalidade Jurídica e tratando, sobretudo da possibilidade de aplicabilidade do instituto da Desconsideração da personalidade Jurídica, bem como sua previsão legal no ordenamento Jurídico e suas hipóteses de cabimento.

3.1. Surgimento da pessoa Jurídica

Inicialmente, importante caracterizar historicamente que o surgimento do comércio está intimamente ligado com a evolução do homem, uma vez que para prover sua subsistência, mantinha relações negociais de troca, venda, empréstimos, o que caracterizava ainda que involuntariamente e sem compreender, uma transação comercial. Além de não haver mercadorias propriamente dita e mesmo vivendo da coleta e da caça, as sociedades primitivas, realizavam negociações comerciais, a exemplo da troca, o que fora por muito tempo utilizada com a única forma de realização do comércio.

Ao longo do desenvolvimento das sociedades, o homem promoveu uma série de evoluções mercantis, dentre essas estavam à criação de mecanismos comerciais para facilitar o fluxo de mercadorias e para uma melhor segurança nesse sentido então, foram produzidas as moedas, bancos, as financeiras, bolsas de valores entre outras. O comércio sempre exerceu uma colaboração muito importante nas sociedades, principalmente proveniente da necessidade de desenvolvimento de novas tecnologias para melhorar as relações mercantis, melhorava-se também, a comunicação dos povos.

Não se pode negar a importância da pessoa jurídica no desenvolvimento econômico, científico, cultural e social experimentado pelo mundo atual.  A contribuição da pessoa jurídica foi muito bem observada por VENOSA (2003, p. 250-251), que assim clarifica: 

O século XX, podemos dizer, foi o século da pessoa jurídica. Desde então, pouquíssimas atividades da sociedade são desempenhadas pelo homem como pessoa natural. A pessoa jurídica, da mais singela à mais complexa, imiscui-se na vida de cada um, até mesmo na vida privada. Sentimos um crescimento exacerbado da importância das pessoas jurídicas. Modernamente, o peso da economia conta-se pela potencialidade das pessoas jurídicas, que transcendem o próprio Estado e se tornam supranacionais naquelas empresas que se denominam “multinacionais”.

No tocante ao tema, COELHO (2009.p 27), explica que para o professor André Santa Cruz, que o comércio existe desde a Idade Antiga, e que dentre estes povos antigos, os fenícios, destacaram-se no exercício dessa atividade. No entanto, nesse período histórico ainda não se pode falar na existência de um direito comercial, com regras e princípios próprios.

O comércio para este povos antigos baseavam-se em escambos, trocas de mercadorias equivalente umas as outras, enriquecendo assim, as relações de consumo. Isto, porque após longos anos de exploração destas atividades mercantis, a sociedade entendeu que não se podia perder os laços firmados por essas relações, pelo contrário, tais relações tinham um cunho essencial para a subsistência e perpetuação da sociedade. A respeito disso o doutrinador André Santa Cruz, relata que:

Ocorre que na Idade Media não havia ainda um poder político central forte, capaz de impor regras gerais e aplicá-las a todos. O poder político era altamente descentralizado, o que fez surgir uma serie de “direitos locais” nas diversas regiões da Europa. Em contrapartida, ganhava forca o Direito Canônico, que repudiava o lucro e não atendia, portanto, aos interesses da classe burguesa que se formava e ganhava forca. Essa classe burguesa, os chamados comerciantes ou mercadores, tiveram então que se organizar e construir o seu próprio “direito”, a ser aplicado nos diversos conflitos que passaram a eclodir com a efervescência da atividade mercantil que se observava, após décadas de estagnação do comercio. As regras do direito comercial foram surgindo, pois, da própria dinâmica da atividade negocial. (SANTA CRUZ. 2009.p.28).

Com o intuito de criar regras para o bom funcionamento mercantil, tornou-se necessário que os comerciantes buscassem formas de melhorar e trazer segurança as relações financeiras, o que segundo, VERÇOSA (2004.p.30-31.), afirma que “A engenhosidade dos comerciantes levou a criação de diversos institutos comerciais típicos, entre os quais avulta a letra de cambio".

O comercio foi se intensificando progressivamente, sobretudo em função das feiras e dos navegadores. O sistema de jurisdição especial mencionado no tópico antecedente, surgido e desenvolvido nas cidades italianas, difunde-se por toda a Europa, chegando a países como Franca, Inglaterra, Espanha e Alemanha (nessa época ainda um Estado não unificado) (SANTA CRUZ. 2009. P.31).

Segundo o professor SANTA CRUZ (2009. p.28). “Nesta fase, o direito comercial regularia, portanto, as relações jurídicas que envolvessem a pratica de alguns atos definidos em lei como atos de comercio. Não envolvendo a relação a pratica destes atos, seria ela regida pelas normas do Código Civil."

Era necessário que fosse criado um parâmetro que norteasse a sociedade em relação aos direitos e deveres das relações jurídico-mercantis fundadas em aspectos relevantes, pertinentes a atividades específicas de cada transação comercial, que trouxesse controle e segurança aos que desenvolvem tais atividades.

A noção do direito comercial fundada exclusiva ou preponderantemente na figura dos atos de comercio, com o passar do tempo, mostrou-se uma noção totalmente ultrapassada, já que a efervescência do mercado, sobretudo apos a Revolução Industrial, acarretou o surgimento de diversas outras atividades econômicas relevantes, e muitas delas não estavam compreendidas no conceito de “ato de comercio” ou de “mercancia”. Em 1942, ou seja, mais de um século apos a edição da codificação napoleônica, a Itália edita um novo Código Civil, trazendo enfim um novo sistema delimitador da incidência do regime jurídico comercial: a teoria da empresa Esta teoria "pretende a transposição para o mundo jurídico de um fenômeno que e socioeconômico a empresa como centro fomentador do comercio, como sempre foi, mas com um colorido com o qual nunca foi vista.. (HENTZ. L. Ano 2002). (SANTA CRUZ. 2009.p.38).

Dessa forma, a partir das observações feitas acima, verifica-se que as bases históricas da afirmação do direito comercial/empresarial como ramo jurídico independente e autônomo, pode-se conceituá-lo, em síntese, como o regime jurídico especial destinado a regulação das atividades econômicas e dos seus agentes produtivos.

Nesse sentido, na qualidade de regime jurídico especial, segundo o doutrinador SANTA CRUZ (2009.p 40), contempla todo um conjunto de normas especificas que se aplicam aos agentes econômicos, hoje chamados de empresários (empresários individuais e sociedades empresárias).

O Código Civil não definiu diretamente o que vem a ser empresa, mas estabeleceu o conceito de empresário, que esta previsto no seu art. 966, o qual dispõe que “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços ” O conceito de empresário acima transcrito pode-se estabelecer, logicamente, que empresa e uma atividade econômica organizada com a finalidade de fazer circular ou produzir bens ou serviços. Empresa e, portanto, atividade, algo abstrato Empresário, por sua vez, e quem exerce empresa. Assim, a empresa não e sujeito de direito Quem e sujeito de direito e o titular da empresa Melhor dizendo, sujeito de direito e quem exerce empresa, ou seja, o empresário, que pode ser pessoa física (empresário individual) ou pessoa jurídica (sociedade empresaria). (SANTA CRUZ, 2009. p 56/57).

Nota-se, portanto que, a empresa pode ser explorada pela pessoa física ou jurídica, sendo apontado no primeiro caso o exercente da atividade econômica, denominado empresário individual.

Após tratar neste capítulo do surgimento da pessoa jurídica, abordando a inserção do tema no ordenamento jurídico, e sua conceituação, faz-se necessário o aprofundamento quanto à natureza Jurídica do referido instituto, apresentando a sua importância no ordenamento jurídico.

3.1.1. Natureza Jurídica

Tratando-se da natureza Jurídica da pessoa Jurídica, o Código Civil de 2002, trouxe entendimento amplo em relação à personalidade Jurídica, podendo-se dizer que a personalidade jurídica é uma criação do Direito, para que o indivíduo seja considerado pessoa, e, portanto, tenha direitos e obrigações.

Afirmar a natureza jurídica de algo é, em linguagem simples, responder à pergunta: “que é isso para o direito?". Nesse diapasão, indaga-se: qual seria a natureza da pessoa jurídica? Em que categoria do direito enquadra-se esse ente? Quais as suas teorias explicativas? (STOLZE. 2011.p. 225)

É por demais polêmica a conceituação da natureza da pessoa jurídica, dela tendo-se ocupado juristas de todas as Épocas e de todos os campos do direito. Como diz Francisco Ferrara, com frequência o problema dessa conceituação vê-se banhado por posições e paixões políticas e religiosas e, de qualquer modo, sobre a matéria formou-se uma literatura vastíssima e complexa, cujas teorias se interpenetram e se mesclam num emaranhado de posições sociológicas e filosóficas. (VENOSA. 2001. p. 209).

O conceito de “pessoa” é derivado do latim “persona”, no sentido técnico-jurídico, o que demonstra ou aponta todo ser, capaz ou suscetível de direitos e obrigações. Praticamente, é o ser, a que se reconhece aptidão legal para ser sujeito de direitos, no que se difere da coisa, tida sempre como o objeto de uma relação jurídica. Logo, a personificação é uma criação do Direito, que possui personalidade, acarretando atribuições e valor jurídico.

O Código Civil de 2002 assegura que toda a pessoa natural possui a aptidão de exercer direitos e deveres na ordem Jurídica, assim, toda e qualquer pessoa têm a possibilidade de exercê-los. A pessoa jurídica é uma instituição que detém direitos e obrigações e que possui uma personalidade jurídica, tendo a pessoa jurídica natureza constitutiva, por ser atributivo de sua personalidade, diferentemente do registro civil de nascimento da pessoa natural.

Em se tratando da conceituação da pessoa Jurídica, STOLZE (2011.p. 223), ensina que “o homem tende a agrupar-se para garantir sua subsistência”. Desse modo, partindo dessa premissa é possível perceber, que em uma sociedade os indivíduos unidos em grupos são mais fortes e mais eficazes em relação aos que estão sozinhos, visto que o agrupamento lhes permite unificar as vontades e ter uma voz uníssona, organizaram-se para trazer subsistência à sociedade, produzindo recursos para melhorar o convívio na sociedade.

Nessa linha de raciocínio, podemos conceituar a pessoa jurídica como sendo o grupo humano, cisão na forma da lei, e dotado de personalidade jurídica própria, para a realização de fins comuns. Complementaremos esse conceito básico, entretanto, em momento oportuno, ao demonstrarmos a existência de peculiar espécie de pessoa jurídica, que é formada não pelo agrupamento de indivíduos, mas pela simples afetação de bens (as fundações). (STOLZE. 2011. p. 224).

O surgimento no ordenamento jurídico Brasileiro é explicitado por Pablo Stolze em três teorias que procuram explicar a natureza jurídica (a existência) das pessoas jurídicas, que são elas: I) teoria da ficção; II) teoria da realidade objetiva; III) teoria da realidade técnica.

A teoria da ficção defende a criação da personalidade jurídica como tão e somente advinda da lei, criação meramente abstrata.

A teoria da ficção desenvolveu-se a partir da tese de WINDSCHEID sobre o direito subjetivo, e teve SAVIGNY como seu principal defensor. Não reconhecia existência real à pessoa jurídica, imaginando-a como abstração, mera criação da lei. Seriam pessoas por ficção legal, uma vez que somente os sujeitos dotados de vontade poderiam por si mesmos, titularizar direitos subjetivos. (STOLZE. 2011.p.227).

Já, para as teorias da realidade, as pessoas jurídicas são realidades vivas e não mera abstração, tendo existência própria como indivíduos.

A teoria da realidade objetiva, por sua vez, aponta em sentido contrário. Para os seus adeptos, a pessoa jurídica não seria mera abstração ou criação da lei. Teria existência própria, real, social, como os indivíduos. Partindo do organicismo sociológico, SCHÂFFLE, LILIENFELD, BLUNTSCHLI, GEERKE, GÍORGI, FADDÀ e BENSA imaginavam a pessoa jurídica como grupos sociais, análogos à pessoa natural. Entre nós, LACERDA DE ALMEIDA perfilhava-se junto aos organistas, sufragando o entendimento de que a pessoa jurídica resultaria da conjunção de dois elementos: o corms (a coletividade ou o conjunto de bem) e o animus (a vontade do instruidor). Na mesma linha, defendendo os postulados da teoria realista, alinhavam-se, ainda, CUNHA GONÇALVES e o próprio CLÕVIS BEVILÁQUA”. (STOLZE, 2011, p.227).

E a teoria da realidade técnica prevê que a pessoa jurídica tem existência própria, real, social como os indivíduos, quem tem uma identidade organizacional própria e que deve ser preservada, ao referir que:

Parece-nos que a teoria da realidade técnica ê a que melhor explica o tratamento dispensado à pessoa jurídica por nosso Direito Positivo. O Código Civil de 1916, em seu art. 18, determinava: “Art. 18. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição dos seus contratos, atos constitutivos, estatutos ou compromissos no seu registro peculiar, regulado por lei especial, ou com a autorização ou aprovação do Governo, quando precisa. Parágrafo único. Serão averbadas no registro as alterações que esses atos sofrerem” O art. 45 do CC-02, por sua vez, seguindo diretriz constante do referido art. IS do CC-16, prevê, expressamente, que: “Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo. Parágrafo único. “Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação e sua inscrição no registro. (STOLZE, 2011. p .228).

Tendo em vista as teorias que ensejaram a existência da pessoa Jurídica, faz-se também necessária a conjugação de três pressupostos básicos, bem como um antecedente lógico ao surgimento da pessoa jurídica, quais sejam: a) a vontade humana criadora) a observância das condições legais para a sua instituição) a licitude de seu objetivo. Observa-se que a vontade humana traduz o elemento atômico para a formação de uma pessoa jurídica, quer por se tratar de uma associação ou sociedade, resultante da reunião de pessoas, quer por se trate de uma fundação, fruto da dotação patrimonial afetada a uma finalidade A manifestação de vontade é imprescindível, não se podendo conceber, no campo do direito privado, a formação de uma pessoa jurídica por simples imposição estatal, em prejuízo da autonomia negocial e da livre iniciativa, sendo que a unidade orgânica do ente coletivo decorre exatamente desse elemento Imaterial. (STOLZE. 2011.p. 229).

Analisando a aplicação no ordenamento jurídico, parece que a teoria que melhor se enquadrou as necessidades do ordenamento jurídico fora a teoria da realidade técnica, uma vez que segundo o artigo 18 do Código Civil de 2002 “Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo”.

Após verificar tal dispositivo, pode-se notar que a personificação jurídica, é uma construção Jurídica, podendo a qualquer momento, verificando-se a legalidade, alterá-lo para melhor se adequar a realidade jurídica.  Com a aquisição da personalidade, incorporam-se também os efeitos práticos de proteção da personalidade pela sociedade, destacando-se a sua autonomia patrimonial, que nada mais é do que a separação dos patrimônios dos sócios da pessoa jurídica. Nesse sentido é ensino de COELHO (2004 p.14), que leciona:

Da definição da sociedade empresária como pessoa jurídica derivam consequências precisas, relacionadas com a atribuição de direitos e obrigações ao sujeito de direito nela encerrado. Em outros termos, na medida em que a lei estabelece a separação entre a pessoa jurídica e os membros que a compõem, consagrando o princípio da autonomia patrimonial, os sócios não podem ser considerados os titulares dos direitos ou os devedores das prestações relacionados ao exercício da atividade econômica, explorada em conjunto. Será a própria pessoa jurídica da sociedade a titular de tais direitos e a devedora dessas obrigações. Três exemplos ilustram as consequências da personalização da sociedade empresária: a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial. (COELHO, 2004, p.14).

Visto isso, a pessoa Jurídica, é o conjunto de pessoas ou bens, dotado de personalidade jurídica própria e constituído na forma da lei, para a consecução de fins comuns.

3.2. Aspectos legais da desconsideração da personalidade jurídica à luz do Código Civil

Após tratar do surgimento da pessoa jurídica, bem como sua natureza jurídica e, é necessário neste momento apresentar os princípios que a compõe. E Este subcapítulo trata do incidente da desconsideração da personalidade Jurídica, trazendo o conceito desde instituto, bem como a aplicação atual no ordenamento jurídico à luz do Código Civil.

A pessoa Jurídica tem existência própria e distinta de seus sócios, é uma pessoa ainda inanimada, que possui bens, direitos e obrigações de autoria própria, da sua entidade. O ordenamento Jurídico deu forma à pessoa Jurídica e lhe permitiu que esses direitos e deveres inerentes a qualidade de pessoa fossem utilizados, distintamente dos sócios.

A pessoa Jurídica passa a ser titular das relações Jurídicas e negociais firmando vínculos em nome da entidade estabelecida. Sujeito de direitos, deveres que possui patrimônio próprio. É autônoma, mantendo independência dos membros e sócios, que respondem dentro do limite das quotas de capital social, não integrando o patrimônio pessoal dos sócios. O direito lhe confere a couraça do principio da autonomia patrimonial, que segundo Fábio Ulhoa:

Em razão do principio da autonomia patrimonial, as sociedades empresárias, podem ser utilizadas como instrumento para realização de fraude contra credores, ou mesmo abuso de direito. Na medida em que a sociedade e o direito titular dos direitos e do devedor das obrigações, e não os seus sócios, muitas vezes os interessados do são indevidamente frustrados por manipulações na constituição das pessoas jurídicas, celebração dos mais contratos empresariais, ou mesmo realizações societárias, como as de incorporação e fusão (COELHO. 2009.p.30)

A desconsideração da personalidade jurídica é um artifício de que se vale o ordenamento para, em situações necessariamente excepcionais, desencobrir o manto protetivo da personalidade jurídica autônoma das empresas, podendo o credor buscar a satisfação de seu crédito juntamente às pessoas físicas que constituem a sociedade, como especialmente os sócios e ou administradores.

Nesses casos, alguns envolvendo elevado grau de sofisticação jurídica, a consideração da autonomia da pessoa jurídica, importa na correção da fraude ou do abuso. Quer dizer, em determinadas situações, ao se prestigiar o principio da autonomia da pessoa jurídica, o ilícito perpetrado pelo sócio permanece oculto, resguardado pela ilicitude da conduta da sociedade empresária. Somente se revela a irregularidade se o juiz, nessas condições ( especificamente no julgamento do caso), não respeitar esse princípio e desconsiderá-lo. Desse modo como pressuposto da repressão a certos tipos de ilícitos, justifica-se episodicamente a desconsideração da personalidade jurídica. (COELHO,2009.p.30.)

Assim, continuando sua explicação, afirma o doutrinador que: “O problema não está no perfil básico do instituto, mas no seu mau uso” COELHO (2009.p.33). Ou seja, o principio da autonomia jurídica por si só, não traz nenhum dano aos credores, é um meio jurídico de tutelar a sociedade, desde que não seja utilizada, pra encobrir fraudes e má administração.

O objetivo da desconsideração da personalidade jurídica é exatamente possibilitar a coibição da fraude, isto é sem comprometer o instituto da pessoa jurídica, isto é, sem questionar a regra da separação de sua personalidade e patrimônio em relação aos seus membros. (COELHO. 2009.p 33/34).

A desconsideração não implica em dissolução da pessoa jurídica, constitui-se um ato de caráter provisório, decretado para determinado caso concreto, estabelecendo ainda, que os sócios incluídos no pólo passivo da demanda, se utilizem de meios processuais para impugná-la, isto porque tal instituto contempla os princípios constitucionais do contraditório e ampla defesa.

O principio da autonomia jurídica é uma segurança destinada à proteção ao patrimônio dos sócios em detrimento da pessoa jurídica. Pois a responsabilidade legal da pessoa jurídica diz respeito a ela apenas, não estendendo responsabilidades de qualquer natureza aos sócios.

E para que não haja uma confusão patrimonial entre os bens os sócios e os pertencentes a pessoa jurídica, entretanto tal segurança poderá ser revista, a luz do código Civil onde preceitua, em seu artigo 50, que: “ Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desvirtuada a utilização da pessoa jurídica, nada mais eficaz do que retirar os privilégios que a lei assegura, isto é, descartar a autonomia patrimonial no caso concreto, esquecer a separação entre sociedade e sócio, o que leve a estender os efeitos das obrigações da sociedade. Assim, os sócios ficam inibidos de praticar atos que desvirtuem a função da pessoa jurídica, pois caso o façam não estarão sob o amparo da autonomia patrimonial.

Há que se ressaltar que não se destrói a pessoa jurídica, que continua a existir, sendo desconsiderada apenas no caso concreto. Apenas se coíbe o desvio na sua função, o juiz "se limita a confinar a pessoa jurídica à esfera que o direito lhe destinou". "A teoria da desconsideração não visa destruir ou questionar o princípio de separação da personalidade jurídica da sociedade da dos sócios, mas, simplesmente, funciona como mais um reforço ao instituto da pessoa jurídica, adequando-o a novas realidades econômicas e sociais, evitando-se que seja utilizado pelos sócios como forma de encobrir distorções em seu uso. (TOMAZETTE, 2009. p. 10).

O princípio da autonomia patrimonial representa uma proteção tanto para os sócios quanto para a sociedade, isto porque os associados não respondem com seu patrimônio próprio por dívidas desta, e esta por sua vez resguarda seu patrimônio no caso de dívidas de um ou alguns dos sócios. O que não ocorre com as sociedades irregulares, as quais, sem a devida personalidade jurídica, acabam por confundir seu patrimônio com o dos sócios.

A autonomia patrimonial se constitui como um dos principais impulsores da economia moderna, pois se não existisse esta separação de patrimônios, pessoas, empresários, industriais, comerciantes, não iriam se expor aos riscos do momento econômico atual.

A decisão quanto ao procedimento adotado, estará a cargo do Juiz, pois, através do princípio do livre convencimento motivado, o magistrado deverá ponderar suas escolhas baseando-se no caso concreto, com base nas provas apresentadas, bem como a necessidade do pleito, argumentação das partes, e dispositivos legais, adequando-os a sua convicção pessoal.

Entretanto, o juiz não pode agir de ofício e desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica, sem que antes ocorram os pressupostos constitucionais da ampla defesa e o contraditório, previstos no art. 5º, LV da Constituição Federal, onde prevê ao acusado a possibilidade de efetuar, uma defesa completa quanto à imputação que lhe foi dirigido.

A medida de desconsideração da personalidade jurídica é extrema e excepcional, uma vez que pode acarretar sérios e irreversíveis prejuízos ao patrimônio particular dos sócios. Deve-se observar a princípio que se tal medida for deferida, sem que haja o mínimo de prova hábil e convincente da má administração e fraude que seja capaz de burlar o princípio da autonomia da separação patrimonial, trará diversos danos.

Dessa forma, a desconsideração a personalidade jurídica será apenas admissível, quando houver fundada comprovação, mediante conjunto probatório, constatando-se a intenção dolosa dos sócios em infringir a legislação, ou comprovar-se que a dissolução da pessoa Jurídica se deu por irregularidades, ou ainda por ter incorporado o patrimônio da pessoa jurídica aos dos sócios, trazendo uma confusão patrimonial.

A partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50, do Código Civil e não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais e onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo.

A separação patrimonial, protegida através do princípio da autonomia patrimonial não é absoluta, pois, o Direito permite que em algumas situações, tal regra seja descumprida, atribuindo a possibilidade dos sócios serem responsabilizados por obrigações da pessoa jurídica.

Em se tratando da pessoa jurídica, a previsão constante no ordenamento Jurídico versa em não se confundir a entidade enquanto pessoa inanimada e os sócios que a compõem. Tal regra tem amparo no princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, uma vez, que esta é sujeito de deveres, direitos e obrigações provenientes da personalidade, e que são distintas das obrigações inerentes aos sócios.

Tendo em vista, tal conceito, em regra não se aplica imputação de obrigações de titularidade da sociedade aos sócios, pois, a pessoa jurídica pode responder por estes, entretanto, em alguns casos essa regra pode ser romper, em razão da proteção dada ao princípio da autonomia patrimonial.

Com isto, quando minimante se constatar que os membros da sociedade- pessoa jurídica- a utilizaram para a prática de fraudes, ou abuso de direitos, o magistrado estará autorizado a desconhecer a autonomia patrimonial da empresa, e desconsiderar sua personalidade jurídica, bem como responsabilizar pessoalmente os integrantes dessa sociedade. Isto porque, a intenção da sua autonomia patrimonial, não é para encobrir atos irresponsáveis e ilegais praticados pessoalmente pelos sócios, e sim para proteger a entidade da pessoa jurídica.

A teoria desconsideração da personalidade jurídica permite, conforme o artigo 50 do Código Civil, estender aos bens particulares dos sócios, a aplicação de determinadas obrigações das pessoas jurídicas. O objetivo do dispositivo é retirar o escudo que servia para a prática de atos fraudulentos, atos abusivos cometidos pelos sócios, em nome da pessoa jurídica, para alcançar anseios particulares, prejudicando terceiros. Dessa forma, tem o Judiciário, em virtude do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, legalidade para desprezar autonomia patrimonial da pessoa jurídica quando se comprovar que ela, foi um facilitador para realização de ilícitos.

O afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica deve ser aplicado como medida excepcional, atendendo os pressupostos específicos acima mencionados.

3.2.1. Da desconsideração inversa

Como observado anteriormente, a desconsideração da pessoa jurídica visa ignorar a autonomia patrimonial para atingir o patrimônio de um ou mais sócios devido à má utilização da sociedade, seja através de fraude ou abuso de direito.

É indiscutível no direito que os bens da pessoa jurídica não se confundem com os bens de seus sócios, porém, há situações nas quais essa autonomia patrimonial precisa ser quebrada para o fim de que as obrigações contraídas pelos sócios sejam honradas em respeito aos credores.

O dispositivo de lei que prevê a desconsideração da personalidade jurídica encontra-se no artigo 50 do Código Civil de 2002, onde permite que as obrigações contraídas pela pessoa jurídica sejam estendidas aos bens particulares dos sócios, entretanto, por falta de outra previsão legal, a jurisprudência tem entendido também como fundamento para a hipótese de aplicação da desconsideração inversa da personalidade jurídica.

O doutrinador Rolf Madaleno assim conceitua o desvio de finalidade:

O desvio de finalidade ocorre quando a pessoa jurídica pratica atos incompatíveis com o contrato social ou estatuto de regência de suas atividades, agindo com excesso ou abuso de poder e desviando-se dos objetivos da própria instituição da personalidade jurídica. (MADALENO, 2009.72)

A desconsideração inversa pressupõe que o incidente da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, seja utilizada para responsabilizá-la por dívidas do sócio. Tem como intuito coibir, principalmente, o desvio de bens da pessoa física para a pessoa jurídica.

Segundo o doutrinador Márcio Souza Guimarães:

Devido ao progressivo grau de degradação moral do ser humano que utiliza-se de determinada estrutura para fugir de responsabilidades particulares tem-se a possibilidade de, visando a defesa de interesses legítimos, utilizar a disregard doctrine pela via inversa. (GUMARÃES. 2005. p.72)

Trata-se de hipóteses em que a prática do ato fraudulento ocorre de maneira contrária daquelas em que o sócio se esconde atrás da sociedade, ou melhor, utiliza-se da estrutura da pessoa jurídica para praticar fraudes. Neste caso quem é ocultado é a própria pessoa jurídica, é nela onde os bens estão escondidos, passando o sócio a se apresentar em situação não condizente com a realidade fática.

A fraude é um artifício malicioso para prejudicar terceiros. O essencial para sua caracterização é o intuito de prejudicar terceiros, independentemente de se tratar de credores. A pessoa jurídica não existe para permitir que a pessoa física burle uma obrigação que lhe é imposta, não existe para permitir que pessoa física faça algo que lhe é proibido, ela existe como ente autônomo para o exercício normal das atividades econômicas.

A teoria maior da desconsideração elegeu como pressuposto para o afastamento da autonomia patrimonial da sociedade empresária o uso fraudulento ou abusivo do instituto. Cuida-se, desse modo, de uma formulação subjetiva, que dá destaque ao intuito do sócio ou administrador, voltado à frustração de legítimo interesse de credor. (COELHO. 2009.p. 43.)

Dentre os atos lesivos que podem ser cometidos pela pessoa jurídica, cita-se a fraude, que é um esquema ilícito ou ato de má fé contra o credor, como a exemplo de uma emissão de cheque sem provisão de fundos, contudo, se tal fraude não tiver qualquer relação com a utilização da autonomia patrimonial não guardando relação com o uso da pessoa jurídica não se poderá aplicar a desconsideração.

A fraude na execução está relacionada com a responsabilidade patrimonial tendo em vista que o devedor tem o dever de garantir patrimonialmente o suficiente para tutelar os direitos dos seus credores.

O exercício dos direitos da pessoa Jurídica deve atender à sua finalidade social, é abusivo qualquer ato que por motivação dos sócios e por seu fim, vá contra o destino, contra a função do direito que se exerce, é o mau uso do direito, o uso da personalidade jurídica tais abusos podem ocorrer, e frequentemente ocorrem.

Quando existem várias opções para usar a personalidade jurídica, todas lícitas a princípio, mas os sócios ou administradores escolhem a pior, isto é, a que mais prejudica terceiros,  depara-se com o abuso de direito. Neste particular, aparece o abuso de direito como fundamento para a desconsideração.

Quando o controlador trata o patrimônio da sociedade como se fosse um mero desdobramento de sua esfera patrimonial para esgotá-lo ou torná-lo insuficiente à satisfação de créditos, crendo que, por causa do privilégio da limitação de responsabilidade, seus bens pessoais não serão atingidos, as cortes americanas entendem que a separação patrimonial foi voluntariamente desfeita. (WARDE, 2007. p. 28).

O fato de a pessoa jurídica possuir personalidade própria e patrimônio distinto dos de seus sócios possibilitou que elas fossem utilizadas como anteparo da fraude. Esta situação foi tomando um rumo cada vez maior na medida em que, confiantes no princípio da autonomia patrimonial, as pessoas, principalmente na esfera das relações conjugais, desviavam os seus bens para sociedades empresarias com o intuito de que estes não fossem repartidos. Dito isto, o doutrinador Madaleno ensina que:

É de testemunhar quão difusa e producente a aplicação da despersonalização social no campo do Direito de Família, principalmente frente à diuturna constatação nas disputas matrimoniais (e também dentro da união estável) do cônjuge empresário esconder-se sob as vestes da sociedade para a qual faz despejar, senão todo, ao menos o rol mais significativo dos bens comuns. (MADALENO, 2004, p. 160).

Assim, verifica-se que, no Direito de Família a utilização da disregard doctrine dar-se-á, de hábito, na via inversa, desconsiderando o ato para alcançar bem da sociedade, viabilizando, portanto o pagamento do cônjuge ou credor familiar.

Isto, porque a pessoa física, para obter benefícios em seu favor, transfere seus bens para a pessoa jurídica e continua a usufruir os mesmos, como se ainda os pertencessem. Esta transação de bens ocorre frequentemente quando o sócio possui o intuito de fraudar credores, pois estes últimos não terão como saldar a dívida tomando posse dos bens da pessoa física, apenas se desconsiderada for à personalidade jurídica da sociedade com a qual a transferência foi realizada.

Na desconsideração inversa da personalidade jurídica de empresa comercial, consiste ao afastar o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, responsabilizando-se a sociedade por obrigação pessoal do sócio. Tal somente é admitido, entretanto, quando comprovado suficientemente ter havido desvio de bens, com o devedor transferindo seus bens à empresa da qual detém controle absoluto, continuando, todavia, deles a usufruir integralmente, conquanto não integrem eles o seu patrimônio particular, porquanto integrados ao patrimônio da pessoa jurídica controlada.

Segundo Rolf Madaleno:

Sendo legítimo desconsiderar a pessoa física e considerar o ente social como responsável frente aos terceiros não componentes do grupo, como sugere Julio Alberto Díaz, pois se cuida da desconsideração inversa, para captar a autêntica realidade por detrás da qual se oculta o sócio, associando-se ele a sociedade para encobrir a obrigação alimentícia do devedor executado, olvidando-se ambos, que excedem o objetivo social e, em clara afronta à ordem pública, elidem criminosamente o direito alimentar que busca assegurar o direito à vida, o mais importante de todos os direitos. ( MADALENO, 2009.p.68)

Tal artifício é utilizado nos casos de separação conjugal, onde um dos conjugues tentam burlar a lei, e dilapidar o patrimônio, antes da partilha, dessa forma ilustra bem o professor FÁBIO ULHOA COELHO:

Se um dos cônjuges ou companheiros, ao adquirir bens de maior valor, registra-os em nome de pessoa jurídica sob seu controle, eles não integram, sob o ponto de vista formal, a massa a partilhar. “Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheiro do sócio, associado ou instituidor”. (COELHO, 2005, p.45)

Na aplicação da desconsideração inversa, deve-se tomar a precaução, novamente, de verificar se o sócio agiu de forma fraudulenta, com abuso ou se foi configurada realmente a confusão patrimonial, para não causar danos ao desconsiderar a personalidade jurídica injustamente.

Outro ponto importante é que a aplicação da desconsideração inversa é imprescindível que a pessoa física realmente não possua bens os quais sejam suscetíveis de penhora, para assim justificar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, para que esta possa arcar com as dívidas do sócio.

Se é em verdade uma outra pessoa que está a agir, utilizando a pessoa jurídica como escudo, e se é essa utilização da pessoa jurídica, fora de sua função, que está tornando possível o resultado contrário à lei, ao contrato, ou às coordenadas axiológicas fundamentais da ordem jurídica (bons costumes, ordem pública), é necessário fazer com que a imputação se faça com predomínio da realidade sobre a aparência. (OLIVEIRA. 1979. p.613)

Contudo, essa medida extrema torna absoluta a indispensabilidade de comprovação, pelo credor, de todos os pressupostos autorizatórios da desconstituição inversa da personalidade jurídica da empresa comercial, o que não ocorre quando, comprovadamente, o executado tem bens próprios, sendo passíveis de penhora.

Ou seja, a quebra da autonomia patrimonial é deferida pelo Magistrado quando for comprovada a prática de atos maliciosos, de fraude, de abuso ou de simulação por parte dos sócios, e que sirvam para prejudicar terceiros.

E, portanto, somente em tais hipóteses é que o Juiz pode determinar a desconsideração inversa da personalidade jurídica.

Deve ser avaliado minuciosamente pelo magistrado, bem como após de investigados os pressupostos e satisfeitos e esgotados as formas para que não haja precipitação, ou inexperiência do magistrado, porque uma vez imposto tal medida, trará prejuízos e danos irreparáveis a sociedade empresária.

Ocorre, ainda, que tal gravoso e extremo ato de desconsideração inversa da personalidade jurídica podem ser deferidos apenas após o devido processo legal, contido no art. 5º, inc. LIV, da Constituição Federal, e respeito ao contraditório e à ampla defesa, conforme preceituado pelo art. 5º, inc. LV, que deve estar presente em medidas extremas. E tudo isso ocorre em obediência ao direito de propriedade consagrado pelo art. 5º, inc. XXII, da Constituição Federal.

Ação de Execução de Alimentos, posterior a Ação Declaratória de Reconhecimento de Sociedade de Fato c/c Alimentos, que mereceu sentença condenando o ora agravado a prestar alimentos, correspondentes a oito salários mínimos, desconsiderando a personalidade jurídica da empresa Fazendas Reunidas Ozório S/A - Informação da JUCERJA no sentido de que o agravado, desde 04/05/2004, não compõe o quadro de sócio da referida empresa, trazendo, contudo, a relação de outras sociedades empresariais cujo executado enquadra-se como sócio - Sinais de que o recorrido busca ludibriar a obrigação alimentar, impedindo a agravante de receber o valor reconhecido por decisão judicial Possibilidade de aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica a incidir sobre outra empresa na qual o agravado é sócio - Artigo 50 do Código Civil - Provimento do Agravo de Instrumento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – Primeira Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 0063117-77.2011.8.19.0000/ Relator: Desembargador Maldonado de Carvalho/ Julgado em 15.05.2012).

Existe a necessidade de citação dos sócios para responder ao pedido de desconsideração da personalidade jurídica no princípio do devido processo legal, invocando expressamente o artigo 5º, LIV, da CF/88.

Incorreto, se revela o procedimento visando à desconsideração da personalidade jurídica mediante simples petição atravessada no processo de execução contra quem não é parte no processo, porquanto esta não teve a oportunidade de se defender, e nem mesmo o devido processo legal em que as partes possam debater os elementos do artigo 50 do Código Civil.

Entretanto, em contra ponto ao que entendem alguns doutrinadores, Pablo Gagliano Stolze ensina que o reconhecimento da desconsideração da personalidade jurídica inversa será nos próprios autos da execução:

[...] não precisa ser declarada e obtida em processo autônomo. No próprio processo de execução, não nomeando o devedor bens à penhora ou nomeando bens em quantidade insuficiente, ao invés de pedir a declaração de falência da sociedade, o credor pode e deve, em presença dos pressupostos que autorizam a aplicação do método de desconsideração, definidos acima, pedir diretamente a penhora em bens do sócio ou da sociedade, em caso de desconsideração inversa. (STOLZE, 2002, p. 289).

Entendeu dessa forma também o STJ no RESP n. 331.478/RJ:

"[...] tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da PERSONALIDADE JURÍDICA nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma" (STJ. Resp n. 331.478/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, j. em 24.10.2006).

Dessa maneira, não há dúvidas que a desconsideração da personalidade jurídica, mais precisamente a desconsideração inversa, é medida de justiça que se impõe a fim de evitar a fraude na execução de alimentos.

A confusão patrimonial pode ser um critério eminentemente jurídico de ilimitação da responsabilidade. Nesses casos a natureza creditória dos direitos dos sócios sobre alguns resultados – como causa da limitação de responsabilidade – dá lugar à apropriação das entradas de capital e de quaisquer resultados da atividade empresarial (e.g., lucros não distribuíveis ou posições ativas do capital). É natural que seja imputada responsabilidade aos sócios que agem como donos do patrimônio dedicado à empresa. (OLIVEIRA, 2007, p. 208).

Portanto, desconsidera-se a personalidade da pessoa jurídica quando restar comprovado que seus sócios agiram com fraude ou abuso de direito, ou ainda se restar configurado confusão entre o patrimônio da sociedade e o patrimônio de seus sócios, conforme preceitua o artigo 50, do Código Civil.

Dito isto, após sanar o conceito e a previsão da desconsideração da pessoa jurídica no ordenamento jurídico atual, faz-se necessário no próximo Capítulo apresentar o instituto da desconsideração da personalidade Jurídica no processo de execução de alimentos, expondo sua previsão legal, bem como suas hipóteses de cabimento.

4. APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

Falta frase para iniciar o capítulo – Antes de adentrar ao tema do processo de execução de alimentos, é primordial tratar do conceito do que vem a ser alimentos, trazendo uma abordagem histórica de sua evolução no Direito Brasileiro.

4.1. Dos alimentos no Direito de Família

O Código Civil Brasileiro de 1916 representou a codificação do ideal liberal-burguês, refletindo o pensamento social do início do século XX. As relações econômicas da sociedade familiar eram reguladas pelas normas e princípios do Direito de Família, disciplinados no texto do código.

Segundo o doutrinado FACHIN (1999. p.79) eram os três pilares fundamentais da sociedade Brasileira em 1916, cujos vértices se assenta a estrutura do sistema privado clássico, encontram-se na alça dessa mira: o contrato, como expressão mais acabada da suposta autonomia da vontade; a família, como organização social essencial à base do sistema, e os modos de apropriação, nomeadamente a posse e a propriedade, como títulos explicativos da relação entre as pessoas sobre as coisas.

Com PAULO LOBO se confirma que:

No Código Civil de 1916, dos 290 artigos da parte destinada ao direito de família, 151 tratavam de relações patrimoniais e 139 de relações pessoais. (LOBO. 2011. p.24)

É possível perceber que o casamento tinha como finalidades a procriação, a mútua assistência (inclusive econômica), o dever de educar e manter a prole e o estabelecimento de vínculos patrimoniais, sendo a família considerada como uma unidade de produção com objeto impulsionador de riquezas.

A legislação Civil de 1916, ainda que extremamente patrimonialista inconcebível e distante do modelo atual, não deixou de amparar a subsistência alimentar dos filhos.

Art. 327. Havendo motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos, regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles para com os pais;

Parágrafo único. Se todos os filhos couberem a um só conjugue, fixará o juiz a contribuição com que, para o sustento deles, haja de concorrer o outro. (grifo nosso) (BRASIL. Código Civil de 1916).

Art. 405. O casamento, embora nulo, e a filiação espúria, provada quer por sentença irrecorrível, não provocada pelo filho, quer por confissão, ou declaração escrita do pai, fazem certa a paternidade, somente para o efeito da prestação de alimentos. (BRASIL. Código Civil de 1916).

A importância dada ao tema dos alimentos no Código Civil de 1916 é acolhedora e antecede e muito a Lei 5.478/68 (Lei de Alimentos), que regulamenta garantia alimentícia aos filhos. Porque, ainda prover recursos à prole seja um ato de lealdade, zelo e justiça com os seus. Todavia, foi necessário elencar desde as bases do Direito Civil Brasileiro a tal previsão legal para tanto, porque ainda dispusesse referências aos alimentos, os filhos nascidos na constância do casamento e os fora eram tratados com distinção.

4.1.1. Evolução dos Alimentos no Direito de Família

É sabido que a sociedade, bem como todos os seus elementos a todo o momento sofre mutações. Os valores ideologias mudam de acordo com as transformações sociais de curso natural do tempo e com os anseios e necessidades de cada momento histórico. Dessa forma não é concebível e nem sensato crer que todas as relações particulares sejam disciplinadas, perpetuamente, por um texto legal que expressa valores e ideais de uma determinada classe em um determinado momento histórico.

O tema relativo aos Alimentos apresenta-se cercado de muitos conceitos, e que detém inúmeras interpretações, entretanto, todas levam a concepção do senso comum jurídico, de que os alimentos são de extrema relevância e devem ser tratados com o máximo de respeito e justiça no meio jurídico.

Conforme os dicionários da língua portuguesa, o verbete “alimento”, traduz o conceito de que “toda substância que, introduzida no organismo, serve para nutrição dos tecidos e para produção de calor; sm pl Dir Todas as despesas ordinárias a que o alimentário tem direito” (Dicionário Michaelis). Entretanto, na concepção jurídica, o termo “alimentos” tem significado bem mais amplo do quê a “mera matéria ingerida”.

Para tanto, coube a Constituição Federal em seu artigo primeiro tratar de garantias constitucionais, de cunho essencial à manutenção da vida humana. Ao abordar o conceito da dignidade da pessoa humana, a Carta Magna deu ensejo a tutelar que tudo aquilo que seja essencial à vida, não podendo ser removido ou modificado sem que haja prejuízo ao ser humano.

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL. Constituição Federal de 1988).

O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é o principal e mais amplo princípio constitucional de proteção e tutela existente em nosso ordenamento jurídico, devendo existir em todas as relações jurídicas, porque diz respeito à garantia plena de desenvolvimento das pessoas.

A dignidade da pessoa humana, diferentemente de outros direitos, não é fruto de um mero aspecto referente às relações de existência ou não do ser humano, e sim, é uma característica inerente do ser humano que o difere dos demais seres. (TAVARES, 2010, p.105).

E em se tratando de direito de família, tal princípio prevê que a cada membro parte do seio familiar, lhe sejam garantidos direitos como interesses afetivos, assim como assistência educacional aos filhos, assistência alimentar e social, com o objetivo de manter a família.

Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL. Estatuto da Criança e do adolescente).

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. ((BRASIL. Constituição Federal de 1988).

Abrange, assim, não só o indispensável ao sustento do indivíduo, como também o necessário à manutenção de sua condição social e moral, visto que inclui vestuário, assistência médica, educação, moradia, lazer, nos termos do Código Civil Brasileiro de 2002, em seus artigos 1.694 e 1.920.

Alimentos, em direito de família, tem o significado de valores, bens ou serviços destinados às necessidades existenciais da pessoa, em virtude de relações de parentesco (direito parental), quando ela própria não pode prover, com seu trabalho ou rendimentos, a própria mantença. Também são considerados alimentos os que decorrem dos deveres de assistência, em razão de ruptura de relações matrimoniais ou de união estável, ou dos deveres de amparo para os idosos (direito assistencial) (LOBO, Paulo. 2011.372)

A obrigação de prestar alimentos no âmbito do Direito de Família, ao reverso da obrigação decorrente da vontade das partes (contrato, testamento- art. 1.920 do cc) ou da pratica de ato ilícito (Arts. 186 927e 948, II, do cc), funda-se no poder familiar, no vinculo de parentesco ou no dever de mutua assistência (casamento, união estável). (Luz. Valdemar. 2009. 294).

A respeito dos requisitos ou pressupostos materiais para concessão e obtenção da prestação alimentar, o Código Civil é claro em disciplina que é necessário haver: necessidade, possibilidade, proporcionalidade e reciprocidade.

O doutrinador Paulo Lobo ensina que:

A pretensão aos alimentos assenta-se tradicionalmente no binômio necessidade/possibilidade. Ou seja, exige-se a comprovação da necessidade de quem o reclama; não basta ser titular do direito. Em contrapartida, a necessidade de alimentos de um depende da possibilidade do outro de provê-los. O binômio está expressamente previsto no § 1º do art. 1.694 do Código Civil, que estabelece que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. (LOBO. 2011.p.378)

A necessidade pode se configurar pela falta de capacidade que tem o sujeito de prover seu próprio sustento. A possibilidade se refere à aptidão que tem o alimentante em cumprir sua prestação sem, contudo, desfalcar o necessário para sua subsistência. Por proporcionalidade entende-se que os alimentos prestados devem ser condizentes com a realidade social e pessoal do alimentado.

Contudo, além de todos os citados pressupostos, a obrigação alimentar é recíproca, o parente que hoje é alimentante pode se encontrar, no futuro, na condição de alimentado. Com efeito, dispõe o artigo 1.694 do Código Civil:

Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.

§ 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada. (BRASIL, Código Civil. 2002).

Percebendo tais pressupostos, figura-se o dever do alimentante em prestar os alimentos devidos. Quanto a isso, o doutrinador Caio Mario da Silva Pereira preceitua:

Os alimentos constituem em dever para o alimentante. Uma vez apurados os seus requisitos, o parente da classe e no grau indicado legalmente tem de os suprir [...] deles não pode fugir o obrigado, sob fundamento de não cultivar relações de amizades com o reclamante, ou de ter compromisso desta ou de outra ordem. O direito pátrio não mais conserva as escusativas vigorantes em nosso direito pré-codificado, como seja cometimento de ingratidão. (PEREIRA, 2005, p. 499).

Não pode terminar com citação

Dessa forma, entende-se que a finalidade da prestação alimentícia é resguardada pela Constituição Federal, como garantia dos preceitos fundamentais do direito à vida e da dignidade da pessoa humana, sendo primordial para o desenvolvimento de qualquer ser humano.

4.2. Da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução

Entretanto, em muitos casos, pais ou cônjuges insensíveis, relapsos e irresponsáveis se utilizam da pessoa jurídica que integram como sócios para montar diversos estratagemas, tudo com a inequívoca e deliberada intenção de impedir que o autor da ação de alimentos possa demonstrar, através de dados concretos e escoimados de dúvidas, os reais rendimentos por eles percebidos ou seus respectivos bens particulares.

Agravo de Instrumento. Alimentos Provisórios devidos à menor impúbere. Incidência de descontos sobre pagamento efetuado por empresa à outra. Alimentante que é proprietário da empresa que recebe o pagamento, em virtude de prestação de serviços. Descontos incidentes sobre a contraprestação. Confirmação da decisão. Possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica, para fins de se dar efetividade ao cumprimento obrigacional. (Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Segunda Câmara Cível/ Agravo de Instrumento Nº. 1.0000.00.354133-1/000/ Relator: Desembargador Brandão Teixeira/ Julgado em 10.02.2004).

A responsabilidade patrimonial consiste na destinação do patrimônio do devedor tantos bens quantos bastem como forma de satisfazer o direito do credor. Neste contexto, o devedor da obrigação deve estar sempre relacionado com a prática do fato jurídico que ocasionou a execução. Consoante o disposto no artigo 591 do Código de Processo Civil.

Art. 591. O devedor responde, para o cumprimento de suas obrigações, com todos os seus bens presentes e futuros, salvo as restrições estabelecidas em lei. (BRASIL. Código de Processo Civil)

E para que haja a execução de alimentos, é necessário que esta seja fundada título judicial ou título extrajudicial. O credor poderá, por exemplo, se valer do acordo de prestação de alimentos estipulado por ambas as partes, como título executivo extrajudicial para que possa ingressa com a demanda executória em desfavor ao devedor, conforme preceituado no artigo 576 do Código de Processo Civil.

Art. 576. A execução, fundada em título extrajudicial, será processada perante o juízo competente, na conformidade do disposto no Livro I, Título IV, Capítulos II e III. (BRASIL. Código de Processo Civil)

A referência feita no artigo citado, é em relação à insolvência requerida pelo credor e a insolvência requerida pelo devedor ou pelo espólio .

Tratando-se da execução por título judicial essa se dá por sentença processada nos autos que julga a procedência dos alimentos, fixando os valores devidos. Conforme tipificado no artigo 592, do Código de Processo Civil.

Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens:

II - do sócio, nos termos da lei;

III - do devedor, quando em poder de terceiros (BRASIL. Código de Processo Civil).

Em determinadas situações em sede de execução, face necessário a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica inversa, para isso, aborda-se a aplicação de tal instituto.

4.2.1. Desconsideração na fase de conhecimento do processo

Esta corrente defende que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser executada com cumprimento rigoroso aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, a fim de evitar que as relações processuais sejam prejudicadas por notável insegurança jurídica.

Nesse sentido, entende-se que os sócios ou administradores da sociedade que a qual o credor social pretende responsabilizar devem participar da relação jurídica processual de conhecimento, com intuito de assegurar o livre exercício do contraditório e da ampla defesa, não só em relação à existência ou não das circunstâncias autorizadoras da desconsideração da personificação societária, mas também no que se refere à existência e ao conteúdo da dívida objeto da lide.

Ademais, não se pode esquecer que os patrimônios dos sócios ou dos administradores sociais somente poderão ser atingidos para a satisfação do direito de crédito certificado no processo de conhecimento, se estes integrarem o título judicial em que houve esta certificação, conforme dispõe o art. 472, do Código de Processo Civil.

Simples despachos em processos de execução movidos contra a sociedade, determinando a penhora de bens dos sócios importam e flagrante desobediência ao direito constitucional ao devido processo legal. Ao direito constitucional ao devido processo legal, de que é titular o sócio da sociedade limitada, corresponde o dever do credor social de promover a prévia ação de conhecimento, citá-lo, provar o pressuposto de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica (fraude ou abuso de direito), obter sentença condenatória transitada em julgado para, somente depois, postular a penhora dos bens do patrimônio dos bens do membro da pessoa jurídica. (COELHO.2003.p.61)

Dessa forma, somente os sujeitos que participaram da relação processual de conhecimento sofrerão os efeitos da sentença nesta proferida, de modo que, embora esta decisão também tenha valor contra terceiros, o seu comando não pode prejudicá-los.

Assim, a inobservância do preceito contido no art. 472 do CPC implica a violação de garantias processuais asseguradas na Constituição Federal, o que compromete a própria legitimidade e justiça do procedimento realizado.

Esse processo de conhecimento que se exige, fique claro, é o processo de conhecimento condenatório, no qual se pretende a formação do título executivo para que, depois, se promova a invasão patrimonial. A via própria assim exigida, portanto, não é necessariamente um processo que tenha por objeto a desconsideração da personalidade jurídica. Trata-se de ação própria no sentido de que aquele cujo patrimônio poderá ser atingido, via desconsideração, deve figurar no processo de conhecimento condenatório para que, também em relação a ele, se forme o título executivo. Em outras palavras e como já dito, não é possível penhorar bens de uma pessoa – como resultado da desconsideração da personalidade jurídica de outrem – sem que, em regular processo de conhecimento condenatório, de cognição plena e profunda, cercada por todas as garantias do contraditório, sejam examinados os pressupostos autorizadores da desconsideração e se imponha a sanção àqueles cujo patrimônio deverá ser impactado na sucessiva execução indispensável colocar em um processo ou fase de conhecimento, ou ao menos em um incidente idôneo do processo ou fase executiva, os fatos que  o credor afirme serem caracterizadores do abuso da personalidade jurídica; nesse processo ou nesse incidente, o juiz, em decisão preparada por regular contraditório, declarará se realmente houve a fraude e consequentemente os bens do sócio responderão, ou se fraude alguma houve e nenhuma personalidade há a ser desconsiderada (DIDIER. 2004 p. 98)

Não pode terminar com citação

Seguindo a tese desta corrente, COELHO (2009, p. 56) e MAMEDE (2004, p.271), entendem pela necessidade de uma ação própria, tendo em vista o devido processo legal e a ampla defesa. Assim, a ação será dirigida contra a sociedade em litisconsórcio necessário contra os quais se pretenda a extensão das obrigações sociais incluindo a dilação probatória.

4.2.2. Decisão nos próprios autos do Processo de Execução

4.2.3. Esta corrente entende que a desconsideração da personalidade jurídica pode ser decretada por meio de uma decisão simples nos próprios autos do processo de execução.

Segundo seus defensores, ao ser constatada pelo credor a ausência de bens da sociedade para satisfazer o seu crédito, este poderá, caso tenha conhecimento dos pressupostos ensejadores a concessão da medida, quais sejam abuso do direito à personificação societária perpetrado pelos sócios ou administradores sociais, fazer uma petição simples requerendo ao juízo em que se processa a execução, a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade executada e a consequente responsabilização dos seus sócios pelos débitos sociais.

Caso deferido o pedido de superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, os sócios ou administradores da sociedade responsáveis pelo abuso verificado integrarão o pólo passivo da demanda e de logo serão determinadas as suas citações e as penhoras dos seus bens para a satisfação do crédito do exequente.

O argumento utilizado pelos juristas que defendem esta forma de aplicação da desconsideração é de que o processo deve ser célere e eficaz, para atender satisfatoriamente o direito do credor. Asseveram que a morosidade de um processo de conhecimento destinado a reconhecer a existência das circunstâncias legitimadoras da desconsideração pode acarretar a inviabilidade do exercício do direito do credor, ou seja, a falta de efetividade da tutela jurisdicional prestada.

Evidentemente, conquanto, reputemos desnecessária a propositura de ação autônoma com a finalidade de estender a responsabilidade das obrigações da pessoa jurídica ao sócio, por se tratar de exceção ao princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica – que  traduz a ideia de que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa de seus membros – a desconsideração da personalidade jurídica apenas deve ser aplicada quando devidamente constatados os pressupôs necessários em um processo já existente, em prol da efetividade do processo. Deveras seria muito dispendioso e moroso fazer com que o credor ajuizasse nova ação tão somente para efetivar a desconsideração da personalidade jurídica. Mencionada constatação, ainda que possa ser aferida como incidente, em processo já em curso, deve observar o princípio do devido processo legal, possibilitando ao sócio oportunidade de defesa. (DIDIER. 2004, p.98)

No entanto, é possível identificar várias irregularidades neste procedimento. A primeira crítica feita a esta corrente é a inobservância dos limites subjetivos da coisa julgada, em evidente afronta ao princípio do devido processo legal. Por conseguinte, haverá evidente cerceamento dos direitos constitucionalmente assegurados ao contraditório e à ampla defesa, pois o sócio não teve e não terá oportunidade de manifestar-se acerca da existência ou não do débito exequendo, nem a respeito do seu conteúdo. Além disso, a responsabilidade do sócio é declarada sem que este possa exercer seu direito de defesa, a fim de impugnar as condutas abusivas ou fraudulentas que lhe foram imputadas e produzir as provas necessárias para comprovar suas afirmações.

A 3ª corrente, na tentativa de resolver os conflitos apresentados pelas atuais formas de aplicação da desconsideração, a doutrina e a jurisprudência vêm desenvolvendo, o que seria um solução intermediária capaz de atender aos princípios da celeridade e da efetividade processuais e respeitar os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, garantindo a segurança jurídica nas relações processuais.

A solução consiste na aplicação da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo por meio da instauração de um incidente processual no curso do processo de execução.

Segundo esta corrente, no caso da desconsideração da personalidade jurídica do ente coletivo, o incidente versará sobre a possibilidade de responsabilizar os membros ou administradores da sociedade por dívidas formalmente imputadas a esta, em face de eventual fraude ou abuso de direito praticados por aqueles através da manipulação indevida da pessoa jurídica.

O Entendimento consagrado pelo STJ mostra que :

"[...] tem decidido pela possibilidade da aplicação da teoria da desconsideração da PERSONALIDADE JURÍDICA nos próprios autos da ação de execução, sendo desnecessária a propositura de ação autônoma" (STJ. Resp. n. 331.478/RJ, rel. Min. JORGE SCARTEZZINI, j. em 24.10.2006).

Com isto, a instauração do incidente de desconsideração, em atenção ao disposto no art. 50 do CC-2002, dar-se-á por meio de requerimento do credor da sociedade ou do Ministério Público, nas hipóteses em que couber sua intervenção. Este incidente será processado em autos apartados e apensos ao processo de execução e suspenderá o seu prosseguimento até a decisão final do incidente.

No incidente, haverá oportunidade de os sócios que o credor social pretende seja responsabilizado, conhecerem os fatos que lhes são imputados e manifestarem-se sobre esses mesmos fatos. Além disso, haverá espaço para a produção das provas que as partes e o juiz considerarem pertinentes, podendo, assim, o juiz formular seu livre entendimento acerca da existência ou não do abuso da personificação societária legitimador da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. Somente depois de decidido o incidente processual de desconsideração, poderá ser efetuado qualquer ato constritivo do patrimônio dos sócios, ressalvada a hipótese de deferimento de medida cautelar.

De acordo com este procedimento, os sócios podem se manifestar, antes que o juiz profira decisão a respeito do pedido de desconsideração formulado pelo exequente, exercendo de forma plena o seu direito ao contraditório e à ampla defesa. Ademais, a aplicação da desconsideração por incidente processual é célere, efetivando-se dentro da mesma relação jurídica processual, o que o torna compatível com os princípios da celeridade e da economia processuais.

4.3. Da desconsideração da personalidade jurídica no processo de execução de alimentos

Não há ao certo um consenso na doutrina sobre o que são os alimentos, isto porque, são tratados de forma pecuniária. Em linhas gerais, sabe-se que é um provimento usado pelo credor necessitado de meios a sua subsistência, que recorre ao judiciário para exigir a quem de direito tem a obrigação de ajudá-lo, seja por grau de parentesco, fatos ocorridos no trabalho ou motivos diversos.

Por alimentos, entende boa parte da doutrina, que não são apenas as substâncias que possam ser ingeridas as quais dão suprimentos necessários a manutenção física, mas, como também vestuário, habitação, saúde, educação e lazer. A obrigação alimentar vem de uma ideia de família moderna, onde os parentes devem assistir-se mutuamente.

Paulo Lobo define alimentos:

Os alimentos podem ser em dinheiro, também denominados pensão alimentícia, e in natura, ou naturais, como a entrega de imóvel para moradia e de coisas para consumo humano. O adimplemento da obrigação pode ser direto (quantia em dinheiro) ou indireto (pagamento das mensalidades escolares, de clubes, de academia de ginástica etc.) (LOBO. 2011.p. 372).

A finalidade da prestação alimentícia é garantia dos preceitos tão protegidos pela nossa Carta Magna, que são o direito à vida e a dignidade da pessoa humana. Tais princípios são a base de garantia e manutenção da sociedade que são dever do Estado, entretanto, ao negligenciar tal atribuição, cabe as famílias amparar suas proles.

A respeito do tema, explica Maria Berenice Dias:

Depois dos cônjuges e companheiros, são os parentes os primeiros convocados a auxiliar aqueles que não têm condições de subsistir por seus próprios meios. A lei transformou os vínculos afetivos em encargo de garantir a subsistência dos parentes. Trata-se do dever de mútuo auxílio transformado em lei. Aliás, este é um dos motivos que leva a Constituição a emprestar especial proteção à família (CF 226). Parentes, cônjuges e companheiros assumem, por força de lei, a obrigação de prover o sustento uns dos outros, aliviando o Estado e a sociedade de ônus. Tão acentuado é o interesse público para que essa obrigação seja cumprida que é possível até a prisão do devedor de alimentos (CF 5º LXVII). (grifos do autor) (DIAS. Maria Berenice. 2010)

Adotada no direito para designar o conteúdo de uma pretensão ou de uma obrigação, a palavra “alimentos” vem significar tudo o que é necessário para satisfazer aos reclamos da vida; são as prestações com as quais podem ser satisfeitas as necessidades vitais de quem não pode provê-las por si; mais amplamente, é a contribuição periódica assegurada a alguém, por um título de direito, para exigi-la de outrem, como necessário à sua manutenção. (CAHALI, 2009).

A obrigação alimentar abarca um dos direitos mais sagrados e fundamentais para a dignidade humana e à própria vida, garantido a sobrevivência do credor alimentário, razão por que sua satisfação não pode desmerecer proteção do ordenamento jurídico vigente, só porque o seu devedor está sob a proteção da personalidade jurídica, sociedade a qual controla desprovido, intencionalmente, de bens particulares.

Pode o credor da obrigação de alimentos assim preferir, utilizar-se de uma execução por quantia certa contra devedor solvente, para cobrar as prestações vencidas e não pagas, no entanto o procedimento previsto nos arts. 732 a 735 do CPC, para o pleno entendimento do curso de uma execução de alimentos, é uma forma de execução muito mais eficiente já que inclui a possibilidade de prisão civil do devedor inadimplente.

Dessa forma, ao valer-se do disposto no artigo 733 do Código de Processo Civil, e requerer a execução em relação às prestações mais recentes, sob pena de prisão ao devedor, esta prisão civil do alimentante será medida excepcional de cobrança da dívida.

Art. 733. Na execução de sentença ou de decisão, que fixa os alimentos provisionais, o juiz mandará citar o devedor para, em 3 (três) dias, efetuar o pagamento, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo.

§ 1o Se o devedor não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses.

§ 2o O cumprimento da pena não exime o devedor do pagamento das prestações vencidas e vincendas. (BRASIL. Código de Processo Civil). .

Bem como também é disciplinado pela súmula 309 do STJ, qual seja :

O débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende as três prestações anteriores à citação e as que vencerem no curso do processo.

Saliente-se que o procedimento previsto no artigo supracitado, segundo julgados podem ser empregados tanto para a execução dos alimentos definitivos, e aí a execução será definitiva, como também para a execução dos alimentos provisórios e provisionais, situação em que a execução será provisória.

Da composição dos textos do Código de Processo Civil e da Lei de Alimentos resulta o entendimento de que a prisão civil do devedor pode ser requerida tanto no caso de não pagamento dos alimentos definitivos, como também dos provisórios e provisionais. (RTJ, 104:137; RT, 585:261)

A doutrina não estabelece distinção entre os alimentos fixados em sede de ação cautelar ou em sede de qualquer outra ação que envolva o Direito de Família.  Sejam os alimentos fixados liminarmente (alimentos provisórios) ou na sentença (alimentos definitivos) permitirão a utilização do rito da execução sob pena de prisão do art. 733 do Código de Processo Civil, pela sua natureza de urgência.

Desse modo, a jurisprudência supracitada pacificada do STJ sugere que o rito especial da execução de alimentos, com cominação de prisão, refere-se às prestações mais recentes. Contudo, quanto às prestações mais anteriores, mais “antigas” não quitadas, seria o caso de aplicar o art.732 do CPC, que trata das execuções por quantia certa.

Saliente-se que o procedimento previsto nos arts. 733 e § seguintes do CPC pode ser empregado tanto para a execução dos alimentos definitivos, que dessa forma a execução será definitiva, como também para a execução dos alimentos provisórios e provisionais, situação em que a execução será provisória.

Tratando-se das formalidades previstas no artigo 50 do Código Civil, entende-se que o requerimento da parte constitui pressuposto para a regular decretação (mediante cognição exauriente) da desconsideração da personalidade jurídica

É possível e ocorre na prática que sujeito com obrigação de prestar alimentos requeridos em juízo tente demonstrar uma condição econômica diferente da realidade para não pagar ou pagar a menor os alimentos devidos. Por certo, nestas circunstâncias é comum o uso fraudulento da pessoa jurídica para, através dela, o devedor ocultar parte ou integralidade de seu patrimônio, ensejando uma ficta situação de penúria e, consecutivamente, uma fraudulenta insolvência alimentar.

Inclusive, os sócios podem apresentar judicialmente salários pagos a ele próprio pela pessoa jurídica demonstrando precária situação do próprio auto sustento. Outro exemplo, também é a possibilidade da ficta retirada societária.

Estes sujeitos inescrupulosos que utilizam a pessoa jurídica para fraudar a obrigação alimentar, geralmente se apresentam em seu cotidiano diário muito diferente do que o narrado em juízo. Em muitos casos estes alimentantes possuem alto padrão de vida, ostentando luxo.

Entretanto, o cumprimento desta obrigação possui caráter de urgência, tendo em vista que se trata do sustento de pessoas, ou seja, protege-se a vida, o maior bem jurídico tutelado. Assim, é imprescindível a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica nos casos em que o alimentante forja, utilizando a sociedade mercantil, sua condição de miserabilidade.

A obrigação alimentar é uma das mais essenciais, visto que dela dependerá a sobrevivência de uma vida humana, assim, faz-se necessário a aplicação da disregard doctrine tanto no processo de execução como no de conhecimento, sempre que evidenciado o uso da pessoa jurídica objetivando fraudar os alimentos devidos.

Os alimentos são arbitrados em juízo com base na teoria da aparência. Nas situações específicas em que o sujeito condenado ao pagamento de alimentos, não é empregado, ou seja, não possui o contracheque ou outro documento que o valha, para comprovar sua renda, os valores estipulados não serão descontados em folha, dessa forma a pensão será estipulada através de diversos elementos que levam à convicção do juiz, podendo em alguns casos, verificando-se o padrão de vida ostentado por quem tem obrigação de prestar alimentos, recorrer aos bens que lhes pertencem.

É que configura prova praticamente impossível aferir a exata dimensão dos regulares e periódicos ingressos financeiros dos alimentantes que não são empregados e, sobre a base dos seus ganhos, calcular a justa soma do abono alimentar. A única modalidade deste arbitramento judicial está no ato do julgador coletar elementos probatórios de convicção pessoal, sustentados na envergadura do patrimônio do obrigado alimentar. (MADALENO, 2004, p. 180).

A dívida alimentaria é relativa aos rendimentos, e não ao valor dos bens do devedor, os quais podem ser grandes e pequenos os rendimentos. Não há grande dificuldade de verificação quando o credor percebe rendimentos de trabalho. Mas é problemática a apuração das possibilidades, quando o devedor de alimentos exerce atividade econômica autônoma, com rendimentos variáveis em razão de sua produtividade e da flutuação de outros fatores. (LOBO. Paulo. 2011.379)

Saliente-se que o procedimento previsto nos arts. 733 e § seguintes do CPC pode ser empregado tanto para a execução dos alimentos definitivos, que dessa forma a execução será definitiva, como também para a execução dos alimentos provisórios e provisionais, situação em que a execução será provisória.

Deve ser desconsiderada a pessoa jurídica para adentrar-se no patrimônio da sociedade a fim de saldar o débito da pessoa do sócio que age com abuso e descumpre com suas obrigações legais.

Os alimentos têm por objetivo a preservação do que o Código Civil denomina “viver de modo compatível com a sua condição social”, além de atender “às necessidades de sua educação (LOBO, Paulo. 2011. 374)

As possibilidades do devedor devem ser constatadas nos rendimentos reais, que possam servir de lastro ao pagamento dos alimentos. Por outro lado, não podem em nível tal que comprometam as condições de sua manutenção, o que redundaria, em prejuízo tanto para o vedor quanto para o credor dos alimentos. (LOBO.2011.379)

No caso de empresários, não interessa apenas o que oficialmente é contabilizado como rendimentos, pois há variados meios de burlar o credor, em situações invisíveis, com aparências legais, a exemplo de outras pessoas físicas ou jurídicas que aparecem em atividades formais, mas que estão sob controle do devedor de alimentos, além de atividades por ele próprio exercidas, mas não contabilizadas formalmente. Nesses casos, a doutrina e a jurisprudência avançaram para admitir a aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica (disregard of the legal entity), para alcançar quem de fato a controla, permitindo apurar o real montante dos rendimentos do devedor. (LOBO. 2011. 379).

A importância da disregard doctrine no Direito de Família é evitar que a parte menos esclarecida do relacionamento conjugal, ou filhos, acabem se tornando vítima de fraudes perpetradas através do abuso societário. Assim, o Direito fornece um meio para evitar que aquele que utilizou a pessoa jurídica de forma inescrupulosa seja punido, ou, pelo menos, não consiga êxito em seu ato fraudulento.

Sobre a relevância e necessidade da aplicação da desconsideração da pessoa jurídica nos processos de família, ministra Cristiano Chaves:

Em relação aos processos de família, não se pode negar a redobrada importância da disregard theory em face da necessidade de procedimentos mais simplificados e menos formalistas, tendendo a soluções mais justas (juízo de equidade), considerando que o objeto da disputa judicial incide sobre relações de ordem íntima, cuidando do aspecto psicológico, espiritual, da pessoa humana, dizendo respeito, em última análise, à sua própria existência. (FARIAS, 2004, p. 317).

Através da desconsideração da pessoa jurídica é possível reparar o dano causado à meação conjugal que restou fraudada devido ao mau uso da sociedade empresária. Assim, justifica-se a penhora dos bens da pessoa jurídica, por obrigação do sócio que, fraudulentamente, se ocultou por detrás dela.

Nesse entendimento Fábio Ulhoa, ensina que:

A desconsideração invertida ampara, de forma especial, os direitos de família. Na desconstituição do vínculo de casamento ou de união estável, a partilha de bens comuns pode resultar fraudada [...] Ao se desconsiderar a autonomia patrimonial, será possível responsabilizar a pessoa jurídica pelo devido ao ex-cônjuge ou ex-companheira do sócio, associado ou instituidor. (COELHO, 2003, p. 45).

Não pode terminar assim – tem que conduzir o leitor para o próximo capítulo-Precisa fazer uma boa leitura

Dito isto, o próximo Capítulo que tratará da desconsideração da personalidade Jurídica no novo Código de Processo Civil que continua dando força para que a desconsideração inversa seja utilizada no ordenamento Jurídico para coibir a fraude na execução. Pois, ao positivar o incidente da desconsideração da personalidade Jurídica, abriu-se precedente para sua forma inversa, porque a aplicação destas previsões necessita de uma análise no caso concreto para melhor inseri-las ao processo, objetivando a satisfação do crédito ao credor.

5. DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA NO PROCESSO DE EXECUÇÃO DE ALIMENTOS

Na medida em que a necessidade da sociedade se modifica o ordenamento Jurídico também precisa se modificar para se adequar a realidade atendendo as necessidades socais, solucionando os conflitos suscitados. Dito isto, observa-se, portanto, que a desconsideração da personalidade jurídica atualmente é um instrumento muito importante utilizado como meio de reprimir as condutas abusivas e fraudulentas perpetradas pela sociedade empresarial, entretanto a falta de previsão legal processual prejudica credores e devedores durante esse procedimento. Com isto, se fez necessário que o Novo Código de Processo Civil trouxesse previsão processual, para sanar quaisquer dúvidas quanto ao procedimento.

5.1. O Momento e o procedimento para a aplicação do Instituto

O momento e o procedimento da aplicabilidade do instituto da desconsideração da personalidade jurídica é ainda alvo de grandes discussões na doutrina, tendo em vista a ausência de legislação que discipline especificamente esta matéria.

Como citado anteriormente, o Código Civil de 2002, contribuiu para fixar algumas diretrizes de cunho processual acerca da forma de aplicação da desconsideração, entretanto, não fora suficiente para dirimir as dúvidas pertinentes ao tema.

Nas hipóteses em que o alimentante é empresário, ou sócio de uma pessoa jurídica, é possível que, fazendo mau uso do véu societário, ele desvie parte dos seus bens para a sociedade empresária e se apresente em juízo em estado de pobreza.

A doutrina e a jurisprudência confirmam a existência de três correntes a respeito do momento e da forma como deve se realizar a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica. São elas: a desconsideração na fase de conhecimento do processo, a desconsideração por decisão no próprio processo de execução e a desconsideração por meio da instauração de um incidente processual na fase de execução.

No que se refere à legitimidade passiva para a desconsideração, entendem-se que a parte interessada ou o Ministério Público, ao requerer a aplicação desta, deverá fazer com que integrem o polo passivo da demanda a pessoa jurídica e os sócios que pretende que sejam responsabilizados, a fim de evitar futura nulidade processual, por violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, todos de magnitude constitucional.

5.1.1. A Aplicação processual prática

Atualmente, o efeito prático da desconsideração da personalidade jurídica é o afastamento da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, possibilitando-se penetrar no patrimônio pessoal dos sócios para a satisfação dos créditos oriundos do feito.

Inicialmente, os Tribunais divergiram quanto à aplicação processual da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista a divergência sobre qual o momento em que se deveria pleitear tal medida, bem como pela (des) necessidade de ação própria para possibilitar a superação da personalidade e consequente alcance aos bens dos sócios, reflexos da discussão doutrinária no campo da aplicação do instituto.

No entanto, a partir de meados da primeira década do presente milênio, o Superior Tribunal de Justiça, solucionando e pacificando a controvérsia sobre a disregard doctrine no âmbito processual adotou o entendimento pela desnecessidade de ação própria, podendo a desconsideração ser efetivada já no âmbito do processo de execução sem a necessidade de ação de conhecimento própria ou independentemente de participação dos sócios na fase prévia a formação do título, bastando à decisão judicial no bojo da própria execução ou através de incidente processual, nesse sentido transcreve-se:

“DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS E MATERIAIS. OBSERVÂNCIA. CITAÇÃO DOS SÓCIOS EM PREJUÍZO DE QUEM FOI DECRETADA A DESCONSIDERAÇÃO. DESNECESSIDADE. AMPLA DEFESA E CONTRADITÓRIO GARANTIDOS COM A INTIMAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. VIA ADEQUADA PARA A DISCUSSÃO ACERCA DO CABIMENTO DA DISREGARD. RELAÇÃO DE CONSUMO. ESPAÇO PRÓPRIO PARA A INCIDÊNCIA DA TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO. ART. 28, § 5º, CDC. PRECEDENTES.” [...]2. A superação da pessoa jurídica afirma-se como um incidente processual e não como um processo incidente, razão pela qual pode ser deferida nos próprios autos, dispensando-se também a citação dos sócios, em desfavor de quem foi superada a pessoa jurídica, bastando à defesa apresentada a posteriori, mediante embargos, impugnação ao cumprimento de sentença ou exceção de pré-executividade. Portanto, não se havendo falar em prejuízo à ampla defesa e ao contraditório, em razão da ausência de citação ou de intimação para o pagamento da dívida (art. 475-J do CPC), e sob pena de tornar-se infrutuosa a desconsideração da personalidade jurídica, afigura-se bastante - quando, no âmbito do direito material, forem detectados os pressupostos autorizadores da medida - a intimação superveniente da penhora dos bens dos ex-sócios, providência que, em concreto, foi realizada.” (Resp. 1096604/DF Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/08/2012, DJe 16/10/2012).[1]

Percebe-se que a fundamentação para a desconsideração da pessoa jurídica está ancorada em "abuso da personalidade" e na "ausência de bens passíveis de penhora", entretanto a respeito disto, cuidando-se de vínculo de índole consumerista, admite-se, a título de exceção, a utilização da chamada "teoria menor" da desconsideração da personalidade jurídica, a qual se contenta com o estado de insolvência do fornecedor somado à má administração da empresa, ou, ainda, com o fato de a personalidade jurídica representar um "obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores", mercê da parte final do caput do art. 28, e seu § 5º, do Código de Defesa do Consumidor.

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ENCERRAMENTO DA EMPRESA. DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE PASSIVO. PENDÊNCIA DE DÉBITO INADIMPLIDO. INSUFICIÊNCIA. 1. A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica para excepcionar a regra legal que consagra o princípio da autonomia da pessoa coletiva requer a comprovação de que a personalidade jurídica esteja servindo como cobertura para abuso de direito ou fraude nos negócios e atos jurídicos. 2. O encerramento da empresa, com declaração de inexistência de passivo, porém na pendência de débito inadimplido, quando muito, pode configurar dissolução irregular, o que é insuficiente, por si só, para a aplicação da teoria da disregard doctrine. Precedentes.” (RESP 1241873 RS 2011/0048211-1, Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, T3 - TERCEIRA TURMA, JULGADO EM 10/06/2014, DJe 20/06/2014). [2]

CIVIL. DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DO ABUSO DA PERSONALIDADE. ART. ANALISADO: 50, CC/02. 1. Ação de prestação de contas distribuída em 2006, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 05/07/2013. 2. Discute-se se o encerramento irregular da sociedade empresária, que não deixou bens suscetíveis de penhora, por si só, constitui fundamento para a desconsideração da personalidade jurídica. 3. A criação de uma sociedade de responsabilidade limitada visa, sobretudo, à limitação para os sócios dos riscos da atividade econômica, cujo exercício, por sua vez, a todos interessa, na medida em que incentiva a produção de riquezas, aumenta a arrecadação de tributos, cria empregos e gera renda, contribuindo, portanto, com o desenvolvimento socioeconômico do País. 4. No entanto, o desvirtuamento da atividade empresarial, porque constitui verdadeiro abuso de direito dos sócios e/ou administradores, é punido pelo ordenamento jurídico com a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade, medida excepcional para permitir que, momentaneamente, sejam atingidos os bens da pessoa natural, de modo a privilegiar a boa-fé nas relações privadas. 5. A dissolução irregular da sociedade não pode ser fundamento isolado para o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mas, aliada a fatos concretos que permitam deduzir ter sido o esvaziamento do patrimônio societário ardilosamente provocado de modo a impedir a satisfação dos credores em benefício de terceiros, é circunstância que autoriza induzir existente o abuso de direito, consubstanciado, a depender da situação fática delineada, no desvio de finalidade e/ou na confusão patrimonial. 6. No particular, tendo a instância ordinária concluído pela inexistência de indícios do abuso da personalidade jurídica pelos sócios, incabível a adoção da medida extrema prevista no art. 50 do CC/02. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (Resp. 1395288 SP 2013/0151854-8, Ministra NANCY ANDRIGHI, T3 - TERCEIRA TURMA, JULGADO EM 11/02/2014, DJe 02/06/2014). [3]

No ordenamento Jurídico Brasileiro, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, vem sendo utilizado processualmente como incidente da Ação principal, inclusive assim está, disposto na diretriz adotada no Projeto de Lei nº 166, de 2010, do Senado Federal, também conhecido como o Projeto de Lei do Novo Código de Processo Civil. Esse mesmo projeto, após aprovação no Senado Federal, com emendas, veio a ser encaminhado à Câmara dos Deputados, onde recebeu o número de Projeto de Lei nº 8.046, de 2010.

Segundo os artigos 77 e 78 de aludido Projeto de Lei, a desconsideração da personalidade jurídica dispensará o ajuizamento de ação autônoma, de modo que também deverá ser respeitado o regular exercício do contraditório. Todavia, uma importante alteração sofrida no Senado pelo projeto em questão diz respeito à possibilidade de extensão da responsabilidade não somente ao patrimônio dos sócios, mas também aos bens de empresas do mesmo grupo econômico. Se esse projeto vier a ser aprovado da forma como está, tornará lei expressa aquilo que já vem sendo decidido pelos tribunais.

Salutar, nesse sentido, a inclusão do procedimento da desconsideração da personalidade jurídica no corpo do Projeto de Lei do novo Código de Processo Civil.

A existência dos requisitos que autorizam a desconsideração da personalidade jurídica pode ser comparada como incidente, em processo já em curso, observando-se o princípio do devido processo legal, possibilitando ao sócio oportunidade de defesa.

5.2. À luz do Novo Código de Processo Civil

Quando fora instituída no ordenamento Jurídico pátrio a desconsideração a personalidade Jurídica, trazia apenas a previsão material do instituto, tendo eu recorrer à doutrina e a jurisprudência para disciplinar sua previsão processual. Com o aumento das demandas neste sentido, se faz necessário ter um regulamento específico que traga segurança jurídica aos envolvidos, neste sentido o Novo Código de Processo Civil trará a previsão em seu texto, disciplinado as formalidades e o procedimento.

5.2.1. Análise Dos Aspectos Processuais

Cumpri expor que diante da oportunidade da criação de um novo código de Processo, cabe aos doutrinadores da matéria colaborar com o legislador para o estudo e análise das leis processuais e proporem os ajustes e correções necessárias para a aplicação desse novo código, isto porque os doutrinadores podem apresentar aspectos da realidade jurídica vivenciada e assim contribuírem com essa experiência para a melhora do sistema processual.

Percebe-se que durante a elaboração do Anteprojeto de Código de Processo Civil, o objetivo principal foi resolver problemas, deixando de ver o processo apenas como método de resolução de conflitos pertinentes a sua matéria.

O STJ sustenta a tese que para conferir eficiência à decisão judicial que desconsidera a personalidade jurídica, não ocorre à violação aos princípios constitucionais do contraditório, ampla defesa ou do devido processo legal, pois o devedor não é intimado a se manifestar em momento anterior à restrição dos seus bens. Segundo tal corrente, o contraditório restará oportunizado em momento posterior, quando poderá o executado interpor os recursos cabíveis, apresentar embargos ou exceção de pré-executividade.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. C/C ALIMENTOS E PARTILHA DE BENS. LIMINAR DE DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA DS EMPRESAS NAS QUAIS O VARÃO POSSUI COTAS. DEFERIMENTO. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 752.153-3. PREJUDICIALIDADE QUE SE IMPÕE À DECISÃO DO PRESENTE AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO. PREJUDICADA A ANÁLISE DO MÉRITO. (AI 7517957 PR 0751795-7. DJ: 665. Relator: Benjamin Acacio de M e Costa. 12ª Câmara Cível. 22/06/2011

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. PENHORA ON-LINE DE DINHEIRO DA EMPRESA DO EXECUTADO. CABIMENTO. EXCESSO DE EXECUÇÃO NÃO PROVADO. Evidenciado que o executado tenta frustrar o pagamento dos alimentos em execução, correta a decisão que determinou a penhora de dinheiro em conta de empresa do executado. Desnecessária expressa referência à aplicação da teoria da desconsideração inversa da personalidade jurídica. A alegação de excesso de execução deve vir acompanhada, imediatamente, do valor que o executado entende devido, sob pena de pronta rejeição. Caso em que deve ser... (TJ-RS , Relator: Rui Portanova, Data de Julgamento: 18/08/2011, Oitava Câmara Cível).

A teoria da desconsideração da personalidade jurídica na sua forma inversa proposta em relação às demandas no Direito de Família tem sido aceita nos tribunais:

APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CONFUSÃO PATRIMONIAL COMPROVADA. INCLUSÃO NA PARTILHA DO VALOR DOS BENS IMÓVEIS REGISTRADOS EM NOME DA PESSOA JURÍDICA, PROPORCIONALMENTE À PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DO VARÃO. APURAÇÃO DO VALOR DA MEAÇÃO EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. MANUTENÇÃO DO PENSIONAMENTO FIXADO EM FAVOR DO EX-CÔNJUGE ATÉ ULTIMAÇÃO DA PARTILHA. VERBA ALIMENTAR ARBITRADA EM FAVOR DA FILHA MAIOR COMUM. REDUÇÃO EM MAIOR EXTENSÃO. POSSIBILIDADE. PREQUESTIONAMENTO. 1. Caso em que o conjunto probatório carreado aos autos revelou a efetiva ocorrência de confusão entre o patrimônio do casal e o da pessoa jurídica em que o varão, apesar de ter se retirado formalmente do quadro societário, permaneceu apresentando-se como sócio e praticando negócios em seu nome. 2. Corretamente aplicada na origem à desconsideração da personalidade jurídica inversa e, assim, a determinação de inclusão no acervo partilhável do valor dos bens imóveis registrados em nome da pessoa jurídica ao tempo da separação, os quais foram identificados nos assentos imobiliários acostados aos autos, proporcionalmente à participação societária do varão, a ser apurado em liquidação de sentença. 3. Os alimentos arbitrados em favor do ex-cônjuge devem ser mantidos até ultimação da partilha, pois fixados a títulos compensatórios. 4. A maioridade da filha comum, aliada à prova de que se formou em Nutrição, de que possui consultório profissional e de que está atualmente cursando Doutorado, autoriza o acolhimento do pedido de redução da pensão fixada em seu favor em maior extensão do que a procedida na origem, para quatro salários mínimos. Sentença reformada, no ponto. 5. A apresentação de questões para fins de prequestionamento não induz à resposta de todos os artigos referidos pela parte. APELO DO AUTOR PARCIALMENTE PROVIDO. APELO DAS RÉS DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70058530924, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Moreira Lins Pastl, Julgado em 26/06/2014)

Neste julgado abaixo foi devidamente comprovado o mau da autonomia patrimonial e uma presente confusão no patrimônio da pessoa física e da empresa, gerando a possibilidade da medida a desconsideração da pessoa Jurídica:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE ALIMENTOS. DECISÃO QUE DESCONSIDEROU INVERSAMENTE A PERSONALIDADE DA PESSOA JURÍDICA. ALEGAÇÃO DE QUE OS SÓCIOS NÃO AGIRAM DE FORMA ILEGAL. TODAS AS PROPRIEDADES MÓVEIS E IMÓVEIS UTILIZADAS PELO AGRAVANTE ESTÃO EM NOME DAS EMPRESAS. AUSÊNCIA DE BENS EM SEU NOME. Para a desconsideração inversa da personalidade jurídica de uma empresa é necessário que reste demonstrado nos autos o desvio de bens da pessoa física do sócio para a pessoa jurídica da qual possua controle absoluto, continuando ainda a usufruir de tais bens (AI n. , Des. Saul Steil, fl. 72). In casu, verifica-se, claramente, nos autos, que o agravante utiliza-se de suas empresas para encobrir seus bens, não possuindo qualquer imóvel ou móvel em seu nome, colocando todos em propriedade da empresa Reis Engenharia de Obras Ltda. e da empresa Construtora Santa Catarina Ltda., conforme documentos anexados às fls. 171 a 176. Assim, há a possibilidade da desconsideração inversa da personalidade jurídica pois "o requerido se vale da empresa para mascarar a própria vida patrimonial, dado que, injustificadamente, não possui bens em seu nome, nem numerário o bastante ao pagamento do débito considerável. Impedir a desconsideração inversa da personalidade, neste caso particular, implica em prestigiar a fraude à lei, e ao descrédito à Justiça" (Juiz de Direito Flavio André Paz de Brum, na Ação Cautelar de Sequestro n. 023.10.049446-6, fl. 149). (TJ-SC, Relator: Carlos Prudêncio, Data de Julgamento: 24/11/2011, Primeira Câmara de Direito Civil)

Sobre o assunto colhe-se a lição de Fábio Ulhoa Coelho:

A fraude que a desconsideração invertida coíbe é, basicamente, o desvio de bens. O devedor transfere seus direitos para a pessoa jurídica sobre a qual detém absoluto controle. Desse modo, continua usufruí-los, apesar de não serem de sua propriedade, mas da pessoa jurídica controlada. Os seus credores, em princípio, não podem responsabilizá-lo executando tais bens. [...] (COELHO, 2008, p. 46).

Ressalta-se que o instituto de desconsideração da personalidade jurídica, assim como sua forma inversa, são medidas excepcionais, devendo ser concedidas para aquele caso específico, diante de provas sólidas de ocorrência das hipóteses legais que as autorizam. E no caso do deferimento da disregard doctrine no Direito de família deve se mensurar a celeridade e economia processual, tendo em vista que a demora na execução de alimentos prejudicará ainda mais os alimentantes, os quais sempre tem pressa.

A desconsideração inversa da personalidade jurídica aparece na hipótese, do devedor ao se valer da empresa para mascarar a própria vida patrimonial, dado que, é no mínimo estranho que um empresário não possua bens em seu nome, ou não possua valores que possa arcar com seu débito alimentar. Dessa forma, há indícios que este devedor esteja burlando a execução, e ao magistrado indeferir a desconsideração inversa da personalidade, parece neste caso particular, está protegendo a fraude à lei, trazendo insegurança à Justiça.

Dito isto, restando estabelecido que a separação da pessoa jurídica da pessoa física é mera ficção legal, não há então, justificativa do sócio que se esconde sob o manto da autonomia patrimonial da sociedade fuja de sua responsabilidade ou de seu fim social, para alcançar a liberação das obrigações.

Analisada a legislação vigente, doutrina e jurisprudência sobre a desconsideração da personalidade jurídica e, em especial, sobre a desconsideração inversa, cumpre perceber que o quanto disciplinado nos artigos referente ao tema no Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, é o que vem sendo utilizado na prática no judiciário.

Segundo a comissão de juristas responsáveis pela elaboração do Novo Código de Processo Civil, o incidente da desconsideração da personalidade Jurídica deveria constar no Capítulo referente à Intervenção de terceiros, entretanto, desde a sua publicação o dispositivo já fora alterado diversas vezes, permanecendo na ultima alteração na parte Geral, no Capítulo que trata sobre as partes e seus procuradores.

O Novo CPC prevê expressamente que, antecedida de contraditório e produção de provas, será correta decisão que defere a desconsideração da pessoa jurídica, bem como sua forma inversa, nos casos em que se abusa da sociedade, para usá-la indevidamente com o intuito de mascarar o patrimônio dos sócios.

Trazendo efetividade ao procedimento utilizado no ordenamento jurídico, o novo CPC incorporou a desconsideração da personalidade jurídica como incidente próprio com cabimento em toda e qualquer fase do processo, o que é plenamente justificável, uma vez que possibilita o contraditório com ampla dilação probatória independentemente da fase em que se encontra o processo.

O Anteprojeto do Novo Código de Processo Civil tem passado por mudanças em seu conteúdo, desde a publicação no ano de 2010. Tem se admitido a apreciação e sugestão de diversos doutrinadores Brasileiros a fim de adequar os dispositivos a realidade jurídica atual. Com isto, tendo em vista que há pouca bibliografia neste sentido, a análise a seguir tem como base o Anteprojeto publicado em 2010 divulgado no site do Senado Federal, e as alterações ocorridas durante esse tempo, também encontradas no site do Senado Federal, sob o endereço eletrônico: http://participacao.mj.gov.br/cpc/>.

Assim dispõe o art. 77 do novo código de processo civil:

“Art. 77. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado na forma da lei, o juiz pode, em qualquer processo ou procedimento, decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou dos sócios da pessoa jurídica ou aos bens de empresa do mesmo grupo econômico.

Parágrafo único. O incidente da desconsideração da personalidade jurídica:

I – pode ser suscitado nos casos de abuso de direito por parte do sócio;

“II - é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e também na execução fundada em título executivo extrajudicial.”

Tendo em vista o quanto estabelecido no artigo supracitado, esclarece o novo código qualquer controvérsia acerca da necessidade de ação de conhecimento com inclusão dos sócios no polo passivo, pois, a desconsideração é uma questão a ser resolvida por incidente próprio e especificamente criado para esse fim, não havendo qualquer necessidade de ação autônoma de conhecimento como única forma de empregar o devido processo legal.

Analisando ainda tal artigo, percebe-se que o legislador optou por manter a vedação da decisão de desconsideração ex officio, ao limitar a medida ao requerimento da parte ou do parquet, tal qual preceitua o Código Civil, em seu art. 50.

Prosseguindo à análise da nova norma processual, o artigo 78 introduziu a necessidade do contraditório no âmbito da desconsideração, inviabilizando o anterior posicionamento jurisprudencial dominante que possibilitava a desconsideração em momento anterior, restando ao sócio em momento oportuno, após determinada a penhora de bens, proceder com sua defesa.

Art. 78. Requerida a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio ou o terceiro e a pessoa jurídica serão citados para, no prazo comum de quinze dias, se manifestar e requerer as provas cabíveis.

O referido artigo firma a obrigação de citação dos sócios, terceiros e da pessoa jurídica para se manifestarem no prazo comum de 15 dias, bem como requerer a produção de provas, o que não cria qualquer limitação ao exercício do contraditório, obedecendo ao principio da ampla defesa.

À vista disso, segundo a procedimentalização adotada pelo novo código de processo civil, a desconsideração em momento anterior à manifestação das partes não será proibido, contudo, o que a jurisprudência vem tratando como regra passa a ser exceção.

Outrossim, é inteiramente aceitável nos casos em que se revele necessária a utilização da medida cautelar para assegurar o resultado eficaz do processo que se decrete o levantamento do véu antecipadamente à manifestação do sócio, protelando o contraditório para momento posterior, todavia , como já ressaltado, será como exceção, haja vista que a regra é o direito de manifestação em momento anterior à medida.

Entre as principais consequências das discussões da divergência jurisprudencial versava a respeito do momento de cabimento de defesa do sócio, uma vez que este ainda não tinha adentrado a demanda processual, porém, seu patrimônio já sofria restrições tendo em vista a decisão que afastava a autonomia patrimonial.

Como restou claro, a própria doutrina levantava o problema que surgiu da ausência de posição majoritária, mostrando em quais casos caberiam os recursos de impugnação/embargos do devedor ou embargos de terceiros.

Pretendendo solucionar o problema em questão, a redação do novo código de processo civil concordou com o manejo dos embargos de terceiros nas hipóteses em que o sócio/administrador sofra uma restrição dos seus bens em um processo no qual não integravam como partes originariamente. Dessa forma, dispõe o art. 660, §2º:

Art. 660. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer o seu desfazimento por meio de embargos de terceiro.

[...]

§ 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos:

[...]

III – quem sofre constrição judicial de seus bens por força de desconsideração da personalidade jurídica e que não é parte no processo em que realizado o ato constritivo;

Segundo o artigo 79 do novo CPC, o recurso cabível diante da decisão que resolve o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é o agravo de instrumento.

Art. 79. Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória impugnável por agravo de instrumento.

No sistema processual vigente, é pacificado o entendimento pela possibilidade do sócio interpor agravo de instrumento em face de decisão que, desconsidera a personalidade jurídica atingindo seus bens, com isto o dispositivo no novo CPC veio homenagear o ocorrido na prática forense.

De forma muito acertada, procedeu o legislador ao reafirmar o agravo de instrumento como recurso cabível uma vez que assegura as partes prejudicadas que não haverão decisões capazes de dificultar o ordenamento.

5.3. Conclusões atinentes à introdução do incidente previsto no novo CPC.

Após apresentar tais considerações acerca dos dispositivos que tratam do incidente de levantamento do véu, cabe frisar o progresso que representa a instrumentalização para legitimar a teoria da desconsideração da personalidade jurídica, conferindo a devida importância ao instituto que ficava à mercê da interpretação judicial é de uma enorme sensibilidade, porque, confere a devida segurança jurídica.

Processual civil e civil. Recurso especial. Ação de execução de título judicial. Inexistência de bens de propriedade da empresa executada. Desconsideração da personalidade jurídica. Inviabilidade. Incidência do art. 50 do CC/02. Aplicação da Teoria Maior da Desconsideração da Personalidade Jurídica. - A mudança de endereço da empresa executada associada à inexistência de bens capazes de satisfazer o crédito pleiteado pelo exequente não constituem motivos suficientes para a desconsideração da sua personalidade jurídica. (Recurso especial provido para afastar a desconsideração da personalidade jurídica da recorrente. (Recurso Especial nº 970.635 – SP, rel. Min. Nancy Audrighi, vu, j. 10.11.2009, DOJ 01.12.2009).

A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro está prevista no art. 50 do Código Civil de 2002, que consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua forma subjetiva quanto na objetiva.

Exceto em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio da sua finalidade, caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar seus credores com o uso abusivo da autonomia patrimonial da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial, demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.

A teoria da desconsideração inversa seguirá o mesmo rito, uma vez surgiu das interpretações da disregard doctrine e seu processamento se dava pela mesma forma.

O anteprojeto do novo código de Processo Civil visa em relação à desconsideração a personalidade jurídica alcançar o fim pretendido a fim de obter a efetividade do disposto, propiciando a eficácia na aplicação do princípio da isonomia, isto porque, porque a igualdade que é assegurada na Constituição está voltada para que a própria lei não desobedeça a esse princípio, atingindo o aplicador do direito e também o legislador.

Voltando-se para a desconsideração inversa é possível perceber no julgado abaixo que:

APELAÇÃO CÍVEL - EMBARGOS DE TERCEIROS - EXECUÇÃO DE ALIMENTOS - DÍVIDA DE RESPONSABILIDADE DA PESSOA FÍSICA - PENHORA DE BENS DA PESSOA JURÍDICA DE QUAL O ALIMENTANTE É SÓCIO - DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA - DISPENSA DE AÇÃO AUTÔNOMA - MANEJO NOS PRÓPRIOS AUTOS DA AÇÃO DE EXECUÇÃO - CONFUSÃO PATRIMONIAL EVIDENTE - SÓCIO MAJORITÁRIO (99% DAS COTAS) QUE NÃO POSSUI BENS PESSOAIS PARA GARANTIR OS ALIMENTOS DEVIDOS.

Dessa forma, o anteprojeto do Novo Código de Processo Civil, apresenta em seu dispositivo diretrizes que já são vivenciadas na prática dos tribunais. O Código irá positivar as medidas procedimentais existentes para a solução das dúvidas atinentes ao instituto. Cabe a nova Lei ainda, disciplinar apenas aquelas hipóteses já previstas pelas regras de direito material e não trazer em seu bojo novas hipóteses.

Sendo assim, a sistematização cria um método que resguarda os direitos dos sócios e administradores das pessoas jurídicas, permitindo atingir o patrimônio destes, apenas após ampla cognição, protegendo os interesses diversos, tutelados pela teoria levantamento do véu, que possui como finalidade estimular a devida utilização do instituto da pessoa jurídica, prestigiando a efetividade da separação patrimonial, aumentando a segurança jurídica neste procedimento.

A perspectiva é que aplicado de maneira correta o instituto da desconsideração da personalidade jurídica servirá para o aprimoramento da pessoa jurídica, coibindo os abusos praticados pelas pessoas que a constituem, que são ocultos pelo princípio da autonomia patrimonial e da separação de personalidades. Contudo, em compensação se aplicada de forma descriteriosa, ensejará o corrompimento do ente personificado e comprometerá a sua função institucional lhe conferindo graves prejuízos.

6. CONCLUSÃO

De todo o exposto, percebe-se que a natureza da pessoa jurídica é considerada uma realidade técnica, se integrando assim com a teoria da realidade das entidades jurídicas, vale ressaltar que sua capacidade e personalidade não são fictícias, e sim atributos conferidos pelo ordenamento legal lhe tornando sujeito de direitos e obrigações.

Por serem titulares de personalidade própria as pessoas jurídicas possuem direitos e obrigações autônomas em relação aos seus sócios, tutelados pelo princípio da autonomia patrimonial. Em virtude deste princípio, tão importante a estes entes de relevância social e econômica, existe a possibilidade dos sócios utilizarem o manto protetor da sociedade empresária como meio doloso objetivando ferir o direito de terceiro.

A desconsideração da pessoa jurídica é um meio infalível de coibir a fraude cometida através do mau uso da sociedade comercial. Nos casos em que houver fraude, abuso de direito ou desvio de função, afasta-se temporariamente a personalidade jurídica da sociedade responsabilizando os sócios pelos atos praticados em nome desta.

A desconsideração pode ocorrer na forma inversa, responsabilizando a sociedade por obrigação do sócio, neste caso a pessoa jurídica foi utilizada como meio para ocultar a má-fé. São hipóteses em que os sócios, confiando na autonomia patrimonial da sociedade, desviam seus bens particulares para esta, objetivando assim fraudar direito alheio, como por exemplo, na separação judicial, no divórcio e na prestação alimentar.

É possível que, no objetivo de lesar prestação alimentar, o sócio de uma pessoa jurídica camufle seus bens através do véu da autonomia patrimonial, mostrando-se aparentemente em situação de carência, inferior a sua real condição econômica, tendo por fim, deste modo, não pagar, ou pagar a menor, alimentos fixados judicialmente.

A aplicação da desconsideração da pessoa jurídica, no direito de Família, habitualmente, se dá pela forma inversa, desconsiderando a autonomia da sociedade para que se alcance o bem da sociedade, indenizando ou restituindo o cônjuge ou credor familiar. Tal regra é válida tanto para as hipóteses de fraude à meação do divórcio ou da separação judicial quanto para o mau uso da pessoa jurídica no intuito de lesar prestação alimentar.

A disregard doctrine tem como um de seus principais objetivos preservar a integridade da sociedade empresária, uma vez que as condutas lesivas praticadas através da pessoa jurídica comprometem sua função original, desvirtuando-a de seu objeto contratual, de sua finalidade. Deste modo, evidencia-se que a teoria da desconsideração não é uma oposição ao princípio da autonomia patrimonial.

Um dos temas mais controversos acerca da desconsideração da pessoa jurídica é o momento processual adequado para se aplicá-la. A doutrina diverge entre a necessidade de um processo de conhecimento autônomo, tendo como objeto a disregard doctrine, ou a possibilidade de um simples despacho no bojo de um processo de execução.

No Direito de Família, pode ser aplicada em qualquer meio processual admitido no ordenamento jurídico Brasileiro, inclusive em processos cautelares e incidentais. Vale destacar ainda, que sempre devem ser observados os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

É possível o emprego da disregard doctrine em decorrência de ação cautelar, podendo, inclusive, ser utilizado os diversos procedimentos cautelares dispostos na legislação vigente. Igualmente, executar exame pericial nos livros comerciais da sociedade mercantil no intuito de fazer um levantamento dos bens e dos ganhos do sócio.

Conclui-se, portanto, que a desconsideração da personalidade jurídica é um instituto de suma importância recepcionado no Novo Código de Processo Civil, que trouxe previsão legal processual e será utilizado para dirimir as dúvidas pertinentes a este, entendendo na mesma forma que os Tribunais brasileiros, inclusive o Superior Tribunal de Justiça, ao se manifestar sobre o assunto, crendo não ser necessária a propositura de ação autônoma para a aplicação da teoria, podendo ocorrer incidentalmente em sede de execução.

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Publicado por: Ticiana Nery

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