ADOÇÃO TARDIA: entraves, desafios e possibilidades na 1ª vara da infância e juventude de São Luís - MA
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO
- 3.1 Aspectos históricos da adoção
- 3.2 Definições conceituais da adoção
- 3.3 Modalidades da adoção no contexto brasileiro
- 4. ASPECTOS LEGAIS DO PROCESSO DE ADOÇÃO
- 5. ADOÇÃO TARDIA
- 5.1 Mitos da adoção tardia
- 5.2 O cenário do Cadastro Nacional de Adoção (CNA)
- 5.3 CNA com recorte do município de São Luís – MA
- 5.4 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís - MA
- 5.5 Análise dos entraves, desafios e possibilidades no processo de adoção tardia na 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís - MA
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERÊNCIAS
- 8. APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
- 9. ANEXO A - OFICIO
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1. RESUMO
O presente trabalho versa sobre a adoção tardia e tem como objetivo analisar os entraves, desafios e possibilidades dessa modalidade da adoção na 1ª vara da infância e juventude de São Luís – MA. A pesquisa realizada é de natureza qualitativa, tendo como partes a pesquisa bibliográfica, que foi baseada em materiais já elaborados por autores como Weber (2000), Silva (2009) e Paiva (2004) e as legislações como a Lei n° 8.069/90, Constituição Federal (1998) e Lei n° 12.010/09. Utilizou-se, também, de dados coletados através de entrevistas realizadas in loco com a assistente social e coordenadora da divisão psicossocial da Vara da Infância e Juventude e uma técnica judiciária responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção em São Luís, ambas profissionais que compõem a equipe multidisciplinar responsável pelos estudos sociais e habilitação dos processos de adoção dentro da 1ª Vara da Infância e Juventude. O estudo abordou sobre o contexto histórico do instituto da adoção, sobre as diversas modalidades da adoção que existem no Brasil, sobre a evolução legislativa em torno da temática, analisando os mitos, medos e preconceitos em torno da adoção tardia e abordou, criticamente, sobre os entraves e desafios do processo de adoção na realidade do município de São Luís. Os dados coletados na pesquisa nos proporcionaram, como resultados, conhecer a realidade atual sobre o processo de adoção tardia na capital maranhense e quais os principais desafios para a adoção tardia encontrados dentro da 1ª Vara da infância e Juventude, relacionados à morosidade do processo que se dá, principalmente, pela falta de recursos humanos na equipe multidisciplinar e pelo preconceito arraigado historicamente, por parte dos postulantes a adoção.
Palavras-chave: Adoção tardia. Criança. Adolescente. Desafios à adoção.
ABSTRACT
The present work is about the late adoption and aims to analyze the obstacles, challenges and possibilities of this modality of adoption in the 1st branch of childhood and youth of. The research carried out is of a qualitative nature, having as a part the bibliographic research, which was based on materials already elaborated by authors such as Weber (2000), Silva (2009) and Paiva (2004) and legislation like Law no. 8.069 / 90 , Federal Constitution (1998) and Law no. 12.010 / 09. We also used data collected through interviews conducted in loco with the social worker and coordinator of the psychosocial division of the Childhood and Youth Court and a judicial technique responsible for the National Registry of Adoption in São Luís, both professionals who make up the team multidisciplinary team responsible for social studies and empowerment of adoption processes within the 1st Childhood and Youth Branch. The study focused on the historical context of the adoption institute, on the various adoption modalities that exist in Brazil, on the legislative evolution around the theme, analyzing the myths, fears and prejudices surrounding late adoption and critically approached the obstacles and challenges of the adoption process in the city of São Luís. The data collected in the research provided us, as results, to know the current reality about the process of late adoption in the capital of Maranhão and what are the main challenges for late adoption, found within the 1st Rod of childhood and youth, related to the slowness of the process that occurs, mainly, by the lack of human resources in the multidisciplinary team and by the historically ingrained prejudice, on the part of the postulants the adoption.
Keywords: Late adoption. Kid. Teenager. Challenges to adoption.
2. INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objetivo geral, analisar os entraves, desafios e possibilidades da adoção tardia na 1ª vara da infância e juventude de São Luís – MA. Já os específicos são: compreender o instituto da adoção em seu contexto histórico, mostrar o processo de adoção na sociedade brasileira e identificar os entraves, desafios e possibilidades no processo de adoção tardia na 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís – MA, orientando-se a partir das normas estabelecidas pela Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Constituição Federal de 1998 e a Lei de Adoção n° 12.010/09 e suas alterações, a partir da Lei n° 13.509/17.
A motivação para realização deste trabalho de conclusão de curso, com a referida temática, deu-se por conta da convivência com pessoas que optaram por adotar uma criança maior de dois anos de idade e enfrentaram o preconceito social e a morosidade que caracteriza o processo legal e por entender a importância que a pesquisa acadêmica tem e a contribuição que seus resultados podem oferecer ao cenário atual do processo de adoção tardia em São Luís.
O estudo acerca da adoção tardia é de suma importância para que seja possível obter dados atualizados que consigam responder aos diversos questionamentos que surgem quando a temática é levada à discussão nas diversas esferas da sociedade, como colocado por vários autores durante o decorrer dos capítulos desta produção.
A realidade que nos mostra o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), através do Cadastro Nacional de Adoção (CNA), é de uma conta que nunca “fecha”, entre adultos pretendentes à adoção e as crianças e adolescentes aptos a serem adotados. Desta forma, temos um forte indício de que a problemática merece atenção, para que, assim, seja possível ampliar as expectativas de crianças e adolescentes que esperam ansiosamente por uma família, que tragam a eles o desfrute ao direito a uma família digna e a convivência familiar e comunitária, como prevê o Estatuto da Criança e Adolescente.
A metodologia empregada neste trabalho tem bases no método dialético. Analisou-se, de maneira crítica, a realidade da capital maranhense, no que diz respeito ao instituto da adoção, com enfoque na modalidade adoção tardia, identificando os maiores desafios e os entraves que acometem esse processo dentro da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís – MA e as possibilidades de minimizar esses entraves.
Foi utilizada a pesquisa bibliográfica realizada em livros, artigos, revistas, Leis/decretos e na internet. Como ponto de partida da pesquisa bibliográfica, buscou-se compreender os primórdios do instituto da adoção através da análise qualitativa das várias obras consultadas e utilizadas como referência de autores como Leila Dutra Paiva, Lídia Natalia Dobrianskyj Weber, Marcos César de Freitas, Maria Berenice Dias, entre outros. Com isso, pôde-se ter uma visão ampla do contexto histórico da adoção e identificar que os mitos, preconceitos e desafios que permeiam a adoção tardia foram construídos historicamente e por isso a dificuldade em enfrentá-los até a atualidade. A partir da leitura crítica sobre construção das leis que regem a adoção no país e em consonância com as leis atuais foi realizada uma análise crítica da evolução legislativa em torno do instituto da adoção, destacando os principais marcos legais no Brasil. A pesquisa bibliográfica embasou também a análise dos dados coletados com a pesquisa de campo, onde é possível sustentar os comentários aos achados do estudo com as obras de autores especialistas na temática da adoção tardia.
A coleta de dados empíricos para a produção do trabalho foi realizada a partir de pesquisa in loco, na 1ª Vara da Infância e Juventude, com duas profissionais que compõem a equipe multidisciplinar da divisão psicossocial da referida Vara, e através de consulta ao sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), por meio do Cadastro Nacional de Adoção (CNA). A referida equipe multidisciplinar é composta por três assistentes sociais, duas psicólogas, uma pedagoga e uma técnica judiciária, que é responsável pelo CNA em São Luís.
Foram realizadas entrevistas semiestruturadas para a coleta de dados com uma assistente social e com a técnica judiciária da Vara, a partir de agendamento prévio, feito após receber a autorização do Juiz responsável pela 1ª Vara da Infância e Juventude. As entrevistas foram gravadas com o livre consentimento das participantes que, primeiramente, foram informadas sobre qual seria o uso das informações após a coleta.
Durante o processo de coleta de dados para produção deste estudo foram encontradas barreiras, onde destacamos a burocracia e a demora em conseguir a autorização por parte do juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude para entrevistar e coletar dados com as profissionais da desta Vara. Outro empecilho foi impossibilidade de realizar a entrevista com as demais profissionais da equipe técnica, por conta da grande demanda de processos dentro da divisão psicossocial.
O presente trabalho tem abordagem qualitativa, onde se busca através da análise das tabelas obtidas com o CNA, da análise do discurso das entrevistadas e em concordância com todo o levantamento bibliográfico realizado, contribuir com alternativas e novas possibilidades que deem celeridade aos processos de adoção, com ênfase na adoção tardia, em São Luís.
O trabalho foi organizado em quatro capítulos. O segundo aborda sobre a gênese e os aspectos históricos do instituto da adoção, sobre as definições conceituais e a natureza jurídica desse instituto, segundo o Código Civil e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Foi explanado, também, sobre as diversas modalidades da adoção no contexto brasileiro. O terceiro capítulo versa sobre os aspectos legais, expondo o passo a passo que deve ser seguido, segundo o Conselho Nacional de Justiça, e aborda também sobre a legislação que trata e regulamenta a adoção no Brasil, como a Lei 8.069/90, Lei 12.010/09, Lei 13.509/17, Constituição Federal de 1998, entre outras. O último capítulo explana sobre a definição de adoção tardia e sobre os mitos, medos e preconceitos que permeiam essa modalidade da adoção. Fez-se uma abordagem sobre a origem e a importância do Cadastro Nacional de Adoção e uma análise sobre o cenário nacional e local dos pretendentes habilitados para adotarem e das crianças e adolescentes aptos a serem adotados. Foi realizada uma análise crítica sobre a 1ª Vara da Infância e Juventude, dando ênfase aos entraves, desafios e possibilidades que acometem o processo de adoção tardia no município de São Luís – MA. Na conclusão, foram apresentados os principais resultados da pesquisa de campo e as considerações da pesquisadora sobre o tema em questão.
Busca-se através desta monografia demonstrar as possibilidades para que crianças e adolescentes não passem anos de suas vidas em instituições de acolhimento, enquanto seus pais e mães, ainda desconhecidos, aguardam a decisão de como acontecerá e quem será seu filho no futuro.
O trabalho visa contribuir socialmente, ampliando o campo de discussão da temática, entendendo que a pesquisa é fomento necessário para que o assunto tenha visibilidade na sociedade acadêmica e profissional e, por meio deste, realizar o levantamento de alternativas com fins a dar maior celeridade ao processo de adoção, quiçá na adoção tardia. Levando profissionais de diversas áreas a refletirem sobre o atual cenário da adoção tardia na capital maranhense e assim abrir caminho para novas possibilidades dentro da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís – MA.
3. CONTEXTO HISTÓRICO DA ADOÇÃO
O instituto da adoção tem relatos desde a antiguidade, que perpassam pelas escrituras encontradas na Bíblia Sagrada e por registros em diversas outras sociedades. É possível compreender a evolução do conceito e do objetivo deste instituto a partir dos aspectos históricos que serão relatados no capítulo a seguir.
3.1. Aspectos históricos da adoção
Não existe ao certo um marco inicial em que se possa afirmar que tenha sido de fato a gênese do instituto da adoção. É sabido apenas que, desde os primeiros registros deixados por algumas sociedades, já era possível encontrar histórias de adoção.
Desde os tempos mais remotos, ainda na antiguidade, é possível encontrar escrituras de vários povos que já praticavam o instituto da adoção, como por exemplo, os Egípcios, Hebreus, Persas, Romanos, dentre outros. Isso ocorria, mesmo não havendo leis regulamentadoras para aquele período histórico, diferente de atualmente. Um dos primeiros casos de adoção que se tem registro, que inclusive é citado por vários autores, é o caso de Moisés do Egito, relatado na Bíblia Sagrada. Neste relato, Térmulus, a filha do Faraó que comandou as mortes de crianças ordenadas pelo pai, encontrou um cesto com um bebê quando se banhava nas águas do Rio Nilo. Logo ela recolheu-o e decidiu cria-lo como seu filho. O menino ganhou o nome de Moisés, que significa “o filho das águas” (SILVA, 2009).
Na realidade de outras sociedades, no decorrer da história da humanidade, a adoção passa a ser um ato muito praticado, inclusive corriqueiro, como no legado da mitologia greco-romana e nas tradições culturais e religiosas de outras sociedades, pois é possível perceber que o gesto de adotar e de colocar crianças e adolescentes em famílias não biológicas, construindo vínculos, era considerado habitual (CAMARGO, 2005).
De acordo com Silva (2009), na antiguidade, a adoção chegou a ser abordada, nos chamados códigos orientais dos povos asiáticos: Código de Urnamu (2050 a.C), Código de Eshnunna (século XIX a.C) e no Código de Hamurabi (1728 a.C). O Código de Hamurabi é considerado o primeiro texto jurídico da civilização e já ditava as regras relativas à adoção na Babilônia.
Desta forma, a primeira lei que tratou juridicamente sobre o instituto da adoção foi o Código de Hamurabi (1700 a.C), na Babilônia. Dentro desse código encontravam-se oito artigos que se referiam exclusivamente à adoção. No Código de Hamurabi estava previsto que, para a adoção acontecer, bastava que alguém criasse uma criança como filho e ensinasse a esse indivíduo uma profissão. Previa ainda que os pais biológicos poderiam reaver o poder sobre o filho, caso os pais adotivos não o ensinassem uma profissão. O Código de Hamurabi afirmava que se o adotante ensinasse um ofício ao adotado, esse não poderia retornar ao seio de sua família biológica de forma livre e tranquila. Entretanto, se o adotante viesse a ter filhos consanguíneos e resolvesse abandonar o filho adotivo, deveria indenizá-lo por isso com uma terça parte de todos os seus bens, com a finalidade de herança (CUNHA, 2011).
A adoção praticada a partir dos princípios citados no Código de Hamurabi funcionava como uma espécie de contrato que poderia ser concretizado rapidamente entre as partes interessadas, onde pais e filhos adotivos tinham obrigações contratuais a cumprir. Não havia o comprometimento com a garantia de proteção da criança ou adolescente, pois era um processo meramente negociável entre família biológica e adotiva.
Na Grécia e em Roma, a adoção era diretamente atrelada à religiosidade. Esse era um recurso que as famílias utilizavam para se salvar das maldições que rodeavam aquelas famílias que não tinham descendentes para perpetuar o nome e o culto religioso familiar. A adoção foi mais utilizada em Roma, que segundo Granato (2013, p.38):
Além da necessidade de se perpetuar o culto doméstico e dar continuidade à família ali a adoção atingiu, também finalidade política, permitindo que plebeus se transformassem em patrícios e vice-versa, como Tibério e Nero, que forma adotados por Augusto e Cláudio, ingressando no tribunado.
Foi notória a expansão do instituto da adoção na realidade romana por conta de legitimar interesses políticos e religiosos da época, como também afirma Vargas (2007, p.19) dizendo que:
A prática da adoção sempre existiu nos países de direito romano que estabeleceram suas bases legais na ideia de filiação conferida por certificado aos pais adotivos, que anulava a filiação biológica e garantia, através do adotado, a transmissão do nome da família. [...] Foi desta forma que a linha imperial que parte de Otávio, o 'Augusto', adotado por Júlio César, reinou por mais de um século no império romano, através de seus descendentes adotivos Tibério, Calígula, Nero, Trajano, os Antônios e Marco Aurélio. [...] Assim, também, Napoleão Bonaparte, cuja esposa Josefina havia se tornado estéril, procurou garantir, através do Código Civil, todos os direitos aos filhos adotivos, inclusive os de sucessão.
Apesar de a adoção ser praticada com bastante frequência nesta época, seu objetivo principal era apenas solucionar o problema de uma família “ameaçada de extinção ou de maldição” e não de garantir às crianças a convivência em um ambiente familiar acolhedor e que lhes proporcionassem um bom desenvolvimento físico, cognitivo, psicológico e social.
Durante a Idade Média, a igreja católica, que sempre foi uma forte influência diante de toda a sociedade em diversos âmbitos, inclusive em relação ao instituto da adoção, passou a se posicionar de forma contrária ao instituto, alegando que apenas filhos biológicos seriam considerados legítimos perante a igreja. Desta forma, a prática da adoção deixou de ser praticada com tanta frequência durante alguns anos. O posicionamento contrário à adoção, que a igreja tomou neste período, é justificado pelos seus interesses econômicos, que poderiam ser comprometidos com a prática constante da adoção.
Veronese (2006, p.34) faz referência a esse assunto mencionando que:
Na idade Média, o instituto teve uma significativa diminuição por ser considerado como algo que estava afrontar diretamente os interesses econômicos da igreja católica, pois alguém que não possuísse filhos deixaria seu patrimônio para a igreja, de modo que adoção quebraria esse processo. Assim o Instituto não teve nenhum tipo de previsão no Direito Canônico.
Ainda durante a Idade Média, em meados do século XIII, na Itália, a igreja passou a incentivar o acolhimento de crianças abandonadas em instituições. Foi nesse contexto em que foi instalada a primeira Roda dos enjeitados ou Roda dos expostos. Esse sistema de rodas expandiu-se amplamente por toda Europa nos séculos seguintes e logo depois em outros países, inclusive no Brasil.
Durante a idade média, eram previstas sanções para as mulheres que “perdessem a honra” antes do casamento. Por conta disso, o número de nascimentos e abortos clandestinos era crescente e as Rodas funcionavam como uma espécie de depósitos de crianças abandonadas.
A Roda dos expostos correspondia a um dispositivo giratório de madeira, semelhante a um cilindro, o qual dispunha de uma janela que permitia que a criança fosse deixada na instituição sem que o depositante fosse identificado. Em virtude das sanções da Santa Inquisição sobre o casamento através da preservação da honra, tornou-se motivo frequente para a exposição de crianças na Roda (SILVA, 2009).
Segundo Freitas (2011, p.57):
O nome da roda provém do dispositivo onde se colocavam os bebês que se queriam abandonar. Sua forma cilíndrica, dividida ao meio por uma divisória, era fixada no muro ou na janela da instituição. No tabuleiro inferior e em sua abertura externa, o expositor depositava a criancinha que enjeitava. A seguir, ele girava a roda e a criança já estava do outro lado do muro. Puxava-se uma cordinha com uma sineta, para avisar a vigilante ou rodeira que um bebê acabava de ser abandonado e o expositor furtivamente retirava-se do local, sem ser identificado.
Sobre a Roda dos expostos, Weber (2000) fala que o abandono de bebês por meio da “Roda”, onde era considerado “um mal menor”, se comparado ao infanticídio. Entretanto, dizia-se que o abandono em instituições era um infanticídio “oficial”, pois a maioria das crianças não sobrevivia dentro das instituições de acolhimento, por conta da insalubridade dos ambientes.
Apenas voltou-se a praticar a adoção com mais frequência a partir do início da idade moderna, com a criação do Código Napoleônico, que foi uma estratégia de Napoleão Bonaparte, imperador francês, para beneficiar a si próprio, tendo em vista que ele não possuía filhos e necessitava deixar um sucessor para ocupar seu trono posteriormente a sua morte.
Como explica Wald (1999, p. 188):
Coube à França ressuscitar o instituto, dando-lhe novos fundamentos e regulamentando-o no Código Napoleão, no início do século XIX, com interesse do próprio Imperador, que pensava adotar um dos seus sobrinhos. A lei francesa da época só conheceu a adoção em relação a maiores, exigindo por parte do adotante que tenha alcançado a idade de cinquenta anos e tornando a adoção tão complexa e as normas a respeito tão rigorosas que pouca utilidade passou a ter, sendo de rara aplicação. Leis posteriores baixaram a idade exigida e facilitaram a adoção, permitindo que melhor desenvolva o seu papel na sociedade moderna.
Entretanto, as modificações e até alguns avanços em relação às políticas públicas que tratavam sobre os interesses de crianças e, consequentemente, sobre o instituto da adoção, só vieram com a Idade Contemporânea. A preocupação de alguns países em elaborar legislações voltadas à adoção ocorreu após o fim da Primeira Guerra Mundial, levando em consideração o alto índice de crianças e adolescentes órfãos deixados como um legado triste e negativo do momento de guerra vivido pela sociedade mundial. Entretanto, essas normas que incentivavam a adoção tinham um caráter higienista da paisagem social, pois era uma ferramenta para retirada das crianças e adolescentes das ruas. A preocupação ainda não era em garantir proteção integral às mesmas.
Entre os anos de 1914 e 1930, países como Itália, França e Inglaterra, aprovaram uma variedade de normas que regulamentavam a adoção, mas essas normas não garantiam a plenitude da adoção às famílias e às crianças, deixando lacunas, onde os vínculos com a família biológica não eram rompidos completamente. A lei de adoção plena, na qual ocorre o rompimento de todos os laços com a família biológica e onde é autorizada a emissão de um novo registro de nascimento para a criança ou adolescente, somente aconteceu depois da Segunda Guerra Mundial, com a Declaração Universal dos Direitos da Criança, em 1959 (SILVA, 2009).
Na trajetória histórica do instituto da adoção é perceptível que durante muito tempo a atenção dada à dignidade da criança ou adolescente não existia. Por várias vezes o objetivo principal da adoção era atender apenas a uma necessidade de casais que não conseguiam ter filhos biológicos ou mesmo atender aos padrões sociais e religiosos de caridade e benemerência, que eram padrões da época. Apenas com uma necessidade de manter a ordem social nas cidades e com um caráter de controle político foi que, após as Guerras Mundiais, iniciou-se um processo de legalização que garantia, ainda que mínima, a proteção para as crianças e adolescentes que passassem por um processo de adoção.
3.1.1. O instituto da adoção no Brasil
No Brasil, a adoção acontece desde a colonização, mas a história de assistência às crianças e adolescentes é rodeada por soluções paliativas e informais, assim como em outros países. Por muito tempo, adotar uma criança ou adolescente era um ato de caridade, onde os mais ricos acolhiam as meninas e meninos mais pobres, que eram conhecidos como os “filhos de criação”. Paiva (2004) explica que a situação destes “filhos de criação” nunca era regulamentada, já que suas permanências na casa dos que os acolhiam eram vistas como sinônimo de mão de obra gratuita, pois mesmo que fossem considerados como parte da família, acabavam sendo tratados como empregados e empregadas que deveriam servir à família como forma de gratidão por ter sido adotado(a).
Essa herança, deixada pela situação em que viviam esses “filhos de criação”, contribuiu significativa e negativamente para os mitos, medos e preconceitos que rodeiam a prática de adotar uma criança ou adolescente no Brasil, até a atualidade (WEBER, 2000).
As políticas sociais de assistência às crianças abandonadas, nesta época, eram desempenhadas formalmente pelas Câmaras Municipais que, autorizadas pelo rei, influenciadas pela cultura francesa e portuguesa, iniciaram os convênios com as Santas Casas de Misericórdia para aderirem à implantação das Rodas dos Expostos no país (PAIVA, 2004). No Brasil, o sistema de rodas dos expostos foi um dos sistemas de proteção à infância mais apoiados, por conta do estímulo à caridade cristã, disseminada pela Igreja Católica.
Segundo Rizzini e Rizzini (2004), a Roda dos expostos surgiu no século XVIII, trazida pelos europeus. Como o país seguia os costumes de Portugal, as rodas eram instaladas nas Santas Casas de Misericórdia. A primeira Roda dos expostos do Brasil foi instalada em Salvador, no ano de 1726. A segunda foi instalada em 1738, no Rio de Janeiro. A Roda dos expostos existiu no Brasil até 1950, sendo o último país a extingui-la.
As primeiras regulamentações que tratam sobre o instituto da adoção, de maneira mais formal, adentram no país a partir das Ordenações Filipinas em Setembro de 1828. Essas ordenações traziam fortes características das legislações portuguesas da época, onde o procedimento da adoção era definido por um juiz de direito, que buscava solução para famílias sem filhos. Assim como em outros países, não havia a transferência do pátrio poder para os pais adotivos.
Sendo assim, Gonçalves (2018, p.376) afirma que:
No Brasil, o direito pré-codificado, embora não tivesse sistematizado o instituto da adoção, fazia-lhe, no entanto, especialmente as Ordenações Filipinas, numerosas referências, permitindo, assim, a sua utilização. A falta de regulamentação obrigava, porém os juízes a suprir a lacuna com o direito romano, interpretado e modificado pelo uso moderno.
Em seguida, outros dispositivos começaram a surgir, como o Decreto nº 181, de 24 de janeiro de 1890, a Consolidação das Leis Civis, de Teixeira Freitas e a nova Consolidação das Leis Civis, de Carlos de Carvalho, em 1915. A sistematização de leis que tratam da adoção só ocorreu, de fato, com o Código Civil de 1916.
Sobre a adoção, Veronese (2006) afirma que foram criados conceitos jurídicos a partir de uma visão de contrato estabelecida com o Código Civil de 1916 que ratifica o caráter jurídico e solene entre as partes interessadas no processo de adoção, que era realizado por meio de escritura pública. O código ainda regulava que só seria possível adotar uma criança ou adolescente, a pessoa a partir de cinquenta anos de idade. O Código também não garantia ao adotado a plena integração à família adotiva, pois os vínculos com a família biológica permaneciam. Foi justamente com esse cenário de partilha do(a) filho(a) adotivo(a) entre a família biológica e adotiva que teve origem a “adoção simulada” ou como é conhecida atualmente, a “adoção à brasileira”.
Em 1927, Silva (2009) menciona que, através da Lei nº 17.943, foi editado o primeiro Código de Menores do Brasil e da América Latina, entretanto, esse código pouco contribuiu para o aumento das adoções, pois somente deu ênfase à institucionalização como forma de proteção à criança. Com a sua preocupação classificatória, o Código de Menores concebeu a categoria "menor"; esse termo era direcionado aos menores abandonados e delinquentes, entre os quais expostos, mendigos, vadios, viciosos e libertinos, tendo em vista que toda criança e adolescente que não tivessem uma família ou até mesmo os pobres, eram considerados delinquentes.
A Lei nº 3.133, criada em 1957, trouxe algumas alterações ao código de 1916. A partir de então, a idade mínima para o adotante passou a ser de trinta anos e foi introduzida também a possibilidade de adoção por casais que já tivessem filhos biológicos. A inovação mais consistente nesta lei foi a interrupção de todos os vínculos da criança adotada com sua família biológica. Sobre essa evolução sobre o instituto da adoção, Gonçalves (2018, p. 377) diz que:
Com a evolução do instituto da adoção, passou ela a desempenhar papel de inegável importância, transformando-se em instituto filantrópico, de caráter acentuadamente humanitário, destinado não apenas a dar filhos a casais impossibilitados pela natureza de tê-los, mas também a possibilitar que um maior número de menores desamparados, sendo adotado, pudesse ter um novo lar.
Apesar de a legislação ter evoluído em vários aspectos, os filhos adotivos continuavam sem usufruir os mesmos direitos que os filhos biológicos da família, onde a aludida Lei n° 3.133/57, em seu art. 377, afirmava que a relação de adoção também não envolvia a sucessão hereditária (GONÇALVES, 2018).
Em 1965, a Lei n° 4.665, inspirada na legislação francesa, dispôs sobre a legitimação adotiva, estabelecendo que, a partir da adoção concretizada, todos os vínculos da criança com a família biológica deveriam ser rompidos, todavia, para que isso acontecesse, seria necessário cumprir um período de guarda de três anos para que a legitimação ocorresse, tendo em vista que a adoção passou também a ter um caráter irrevogável. Os pais adotivos conquistaram também o direito de, caso quisessem, modificar o nome e sobrenome da criança (GRANATO, 2013).
Em meados de 1965, a adoção já não era incentivada somente pela igreja, o Estado passou a apoiar essa prática, aspirando que isso funcionasse como uma forma de atender a população de crianças e adolescentes órfãos, abandonados e excluídos socialmente. O Estado encontrou no instituto da adoção uma via para, de certa forma, fugir de suas responsabilidades enquanto entidade que detém o poder das políticas.
Foram introduzidas ao ordenamento brasileiro, em 1979, algumas alterações no já citado, Código de Menores, através da Lei n° 6.697, contudo manteve-se o caráter de vigilância ao chamado “menor”. Houve a revogação da legitimação adotiva e passou-se a classificar o instituto da adoção em duas modalidades denominadas: “adoção plena” e “adoção simples”. Rodrigues (2007, p.45) explica a diferença entre as duas modalidades da adoção:
[...] A adoção simples, disciplinada no Código Civil, criava um parentesco entre adotante e adotado, parentesco este que se circunscrevia a essas duas pessoas, não se pagando jamais os indícios de como esse parentesco se constituíra. Ela era revogável pela vontade concordante das partes e não extinguia os direitos e deveres resultantes do parentesco natural. A adoção plena, ao contrário, apagava todos os sinais do parentesco natural do adotado, que entrava na família do adotante como se fosse filho do sangue. Seu assento de nascimentos era alterado, os nomes dos progenitores e avós paternos substituídos, de modo que, para o mundo, aquele parentesco passava a ser o único existente.
Desta forma, apenas a adoção plena contemplava a criança ou adolescente como membro integral da família adotiva, rompendo os vínculos com a família biológica.
A Constituição Federal de 1988 trouxe ao Brasil a garantia de direitos em diversos âmbitos, dispondo inclusive sobre direitos que implicam diretamente sobre o instituto da adoção. Com a Constituição de 1988, os direitos dos filhos por adoção foram igualados aos dos filhos biológicos, como está descrito no art. 227 que diz: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações sem quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (PAIVA, 2004, p.46).
Finalmente, em 1990, com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA - (Lei n° 8.069/90), que regulamenta as diretrizes da Constituição Federal de 1988, o instituto da adoção recebeu como principal inovação a garantia de que a adoção seria sempre plena para crianças e adolescentes menores de 18 anos (GONÇALVES, 2018).
A Constituição de 1988 e o ECA representaram o início de um novo ciclo referente à assistência a crianças e adolescentes em nosso país.
No art. 4 das Disposições Preliminares do Estatuto, em consonância com a Constituição Federal de 1988, estão dispostos que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. O citado parágrafo deixa claro que em qualquer processo ou situação os interesses da criança ou adolescente devem ser mantidos e garantidos com prioridade absoluta.
Sobre a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, Veronese (2006, p.21) explana que:
Ao colocar-se como instrumento jurídico regulamentador do texto constitucional, tem o relevante papel de como lei proclamadora de direitos individuais e sociais ser um efetivo instrumento de transformação não apenas de estruturas, mas de construir uma nova mentalidade, poder-se-ia mesmo dizer de uma nova cultura em favor da infância e da juventude.
O ECA colocou a criança e o adolescente em situação de sujeitos de direitos em desenvolvimento e, a partir desse momento, a adoção começa a ser compreendida no Brasil como um instituto que busca uma família que possa garantir à criança ou adolescente seu pleno desenvolvimento com afeto e dignidade e não mais buscar uma criança ou adolescente para preencher a lacuna de uma família, como acontecia nos primórdios da história da adoção.
Entre as modificações realizadas pelo ECA sobre a adoção, está a diminuição da idade mínima para as pessoas que desejavam adotar uma criança ou adolescente, caindo de 30 para 21 anos de idade. A adoção tornou-se independe do estado civil. Foi neste cenário de avanços que, em 2008, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) criou o Cadastro Nacional de Adoção e desta forma permitiu que os juízes das varas da infância pudessem consultar o quantitativo de crianças e adolescentes aptos a serem adotados, a nível nacional e não apenas em suas respectivas comarcas.
Simões (2009, p.234) fala sobre o objetivo do Cadastro Nacional de Adoção:
Com o objetivo de agilizar os processos de adoção, o CNJ, em parceria com Secretaria de Direitos Humanos, em Abril de 2008, instituiu o Cadastro Nacional de Adoção, unificando e cruzando os dados estaduais referentes às crianças e adolescentes em condições de serem adotados e aos interessados na adoção.
Antes da criação do CNA, os requerentes à adoção passavam por um processo de habilitação que iniciava com a entrega de documentos, entrevistas com psicólogos e assistentes sociais e um parecer do juiz da Vara da Infância e da Juventude, para logo em seguida entrarem em uma fila de pretendentes à adoção. Após esse processo, eles deveriam esperar que estivesse habilitada para adoção uma criança com o perfil desejado. O processo, no entanto, só era válido para a localidade onde a pessoa ou o casal residia, exigindo uma nova habilitação e refazer todo o processo para que fosse possível buscar uma criança em outra comarca (SILVA, 2009).
Somente em 2009 foi aprovada a Lei Nacional da Adoção (12.010/09) que visa à garantia do direito de crianças e adolescentes à convivência familiar e comunitária. A aludida lei efetuou algumas alterações no texto do Estatuto da Criança e do Adolescente, mas sem alterar sua natureza de proteção e garantia de direitos. Ainda pela nova Lei, houve a alteração em relação à idade mínima para os requerentes à adoção, que passou a ser de 18 anos, coerente com o Código Civil de 2002, que estabelece essa idade como a maioridade (SILVA, 2009).
Recentemente, em novembro de 2017, aconteceram algumas alterações que incidiram positivamente, em aspectos legais, sobre a adoção, como a Lei 13.509/17, a nova Lei da adoção.
Dispõe sobre adoção e altera a Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e a Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil) (BRASIL, 2017, p.1).
A nova lei da adoção (nº 13.509/17) foi comemorada pela sociedade pró-adoção, porque a previsão é que esta lei traga facilidades e incentive ainda mais a prática da adoção no Brasil. Com as alterações trazidas por essa lei, a justiça terá até quatro meses para concluir a habilitação da adoção e o estágio de convivência não poderá ultrapassar três meses, sendo que os prazos podem ser prorrogáveis por igual período, uma única vez. Outros aspectos e os comentários sobre a nova lei da adoção serão abordados na íntegra no próximo capítulo.
A trajetória histórica da adoção no Brasil passou por diversos momentos que culminaram em avanços significativos no que diz respeito à garantia da dignidade, direitos e proteção de crianças e adolescentes que passam por um processo de adoção, assegurando que não sofram nenhum dano ou pelo menos o mínimo possível, seja ele emocional, físico, moral ou psicológico.
3.2. Definições conceituais da adoção
A palavra adoção deriva-se do latim, adaptio, que possui como significado escolher, adotar (WEBER, 2000, p.100). Para Almeida (2012, p.38): “A adoção é a forma mais conhecida, porque mais antiga, de filiação socioafetiva. Consiste em, por escolha, tornar-se pai e/ou mãe de alguém com quem, geralmente não se mantém vínculo biológico nenhum [...]”.
Em toda prática social, assim como na adoção, os reflexos de valores e crenças e os padrões culturais definem os conceitos apontados para esse instituto. Desta forma, também se modificam de acordo com o período histórico de cada sociedade. O conceito de adoção pode ser interpretado de diversas maneiras, como de acordo com a legislação, a psicologia, a sociologia, filosofia ou de acordo com uma visão mais holística.
Sobre o processo de adoção, Simões (2009, p.15) explica que:
Adoção é um ato bilateral e solene, instituidor do parentesco civil, por meio do qual se atribui, durante o processo de adoção, a condição de adotando à criança ou adolescente e adotivo ou adotado após a sentença; e de adotante ao adulto ou casal, durante o citado processo e adotivo, após a adoção.
A adoção se trata de um ato de vinculação jurídica que envolve também vínculos afetivos entre adotantes e adotandos. O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe ao conceito de adoção um olhar em que o foco central se dá para a garantia dos direitos dos adotados. Dessa forma, Granato (2013, p.25-26) conceitua:
[...] podemos definir a adoção como a inserção num ambiente familiar, de forma definitiva e com aquisição de vínculo jurídico próprio da filiação, segundo as normas legais em vigor, de uma criança cujos pais morreram ou são desconhecidos, ou, não sendo esse o caso, não podem ou não querem assumir o desempenho das suas funções parentais, ou são pela autoridade competente, considerados indignos para tal.
Como foi explicado pelo autor supracitado, a adoção acontece para que seja oferecido à criança ou adolescente um ambiente familiar onde seja possível o desenvolvimento de vínculos jurídicos e afetivos, os quais não foram possíveis estabelecer ou que foram rompidos, de alguma forma, com a família biológica.
A adoção é instituto que beneficia o adotado, o adotante e a sociedade de modo geral. Como se pode concluir, mesmo sem um conceito único, o ato de adotar deixa visível que é um instrumento legal e seguro para todos envolvidos (CARVALHO, 2012).
Não se pode entender a adoção como um ato de puro compadecimento pela situação em se encontra uma criança ou adolescente ou mesmo considerar uma adoção, quando não se tem filhos biológicos, como forma de atender aos padrões societários preestabelecidos de família perfeita, que deve ser constituída por pai, mãe e filha(o). Os pais adotivos devem ter pleno esclarecimento sobre as responsabilidades que deverão assumir ao adotar uma criança ou adolescente.
Apesar de a adoção ser uma prática legal e que traz benefícios a todos os envolvidos, é preciso lembrar que para uma criança ou adolescente ser considerado apto a ser adotado, existem diversos meios jurídicos que buscam manter a permanência dessas crianças e adolescentes no seio da família biológica, quando possível. Compreendendo que a adoção é medida excepcional, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa (BRASIL, 2009).
O Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe sobre as medidas de proteção em seu art. 100, discorrendo que a aplicação das medidas levar-se-ão em conta às necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (BRASIL, 2009).
O aludido estatuto cita, no art. 28, que a colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independente da situação jurídica da criança ou adolescente (BRASIL, 1990). Desta forma, entende-se que a adoção é a última medida a ser tomada quanto à colocação da criança ou adolescente em família substituta. Para compreender o instituto da adoção é primordial esclarecer do que se tratam as medidas de guarda e tutela, que primordialmente antecedem a adoção.
A guarda, conforme o art. 33 do ECA, é a medida de colocação de uma criança ou adolescente em família substituta, não estrangeira. Por meio desta medida, se obriga a prestação de assistência material, moral e educacional; conferindo a um dos familiares, denominado de responsável, o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais (GUIMARÃES, 2005).
De acordo com Simões (2009), a guarda também pode ser aplicada em casos que requerem apenas suprir a eventual falta dos pais ou responsáveis de crianças ou adolescentes e não somente aplicada em situações em que atendam diretamente à adoção.
O Estatuto da Criança e do Adolescente define que a tutela é uma medida de colocação em família substituta à pessoa com idade até 21 anos de idade, tem caráter assistencial e define uma pessoa capaz como responsável ou tutor, que deverá administrar inclusive os bens da criança ou adolescente, a qual lhe foi conferida a tutela. Observa-se que o exercício da tutela não se identifica com o poder familiar, porque está submetido à inspeção do juiz, a quem o tutor é obrigado a apresentar balanços anuais e prestar contas, a cada dois anos, sendo todas essas ações fiscalizadas diretamente pelo Ministério Público (SIMÕES, 2009).
Partindo da interpretação de guarda e tutela, entende-se o conceito de adoção como a medida mais excepcional. Contudo, é a mais completa a qual se pode submeter uma criança ou adolescente que, por motivo de abandono ou falecimento dos pais, ou mesmo, pela determinação da destituição do poder familiar pelo judiciário, é encaminhada para a adoção.
Sobre a família, Paiva (2004, p.11) se posiciona:
[...] a dificuldade, ainda hoje, parece ser o reconhecimento de que a família, em si mesma, é uma criação cultural que pode ou não estar fundada em laços biológicos. A adoção tem representado, há muito tempo, a possibilidade de formar uma família assentada não na biologia, mas na cultura.
Oferecer uma família, por meio da adoção para uma criança ou adolescente, é garantir a ela uma base social, moral, educacional e afetiva sólida que proporcionará a ela um pleno desenvolvimento, colocando assim a adoção como medida relevante, especialmente necessária.
3.3. Modalidades da adoção no contexto brasileiro
A adoção é instituto único na legislação brasileira, entretanto, no decorrer do tempo foram surgindo algumas modalidades, dentre tantas, as que mais se destacam são: a adoção unilateral, adoção conjunta ou bilateral, adoção à brasileira, adoção Intuitu Personae, adoção internacional, adoção por homossexuais ou homoafetiva e adoção tardia.
Adoção unilateral é aquela realizada, geralmente, pelo padrasto ou madrasta numa situação onde a criança ou adolescente rompe o vínculo familiar com o pai ou a mãe biológico, quando esse existe. Essa modalidade de adoção está prevista no artigo 41, §1° do Estatuto da Criança e do Adolescente. Na adoção unilateral existem três possibilidades, a saber: quando o filho for reconhecido por apenas um dos pais, onde a este compete autorizar a adoção pelo parceiro; reconhecido por ambos os genitores, concordando um deles com a adoção, decai do poder familiar; em face do falecimento do pai biológico, pode o órfão ser adotado pelo cônjuge ou parceiro do genitor sobrevivente (DIAS, 2015, p. 391).
De acordo com o art. 42 do ECA (BRASIL, 1990), qualquer pessoa que tenha capacidade pode adotar individualmente uma criança ou adolescente. Desta forma, a partir da adoção unilateral têm-se a origem da família monoparental. É importante ressaltar, ainda, que a adoção unilateral quando ocorre na situação do padrasto ou madrasta adotarem o filho de seu cônjuge, porém o pai ou mãe biológico(a) não perde o poder familiar. Para que seja constituído o vínculo jurídico, o interessado em realizar a adoção unilateral deve seguir os trâmites normais de uma adoção, indo até uma Vara da Infância e Juventude e demostrando interesse em adotar unilateralmente. Logo depois, a família passará por entrevistas com assistentes sociais e psicólogos para que, em seguida, o juiz possa proferir um parecer final.
A adoção conjunta está disposta no artigo 42, §2° e §4° do Estatuto da Criança e do Adolescente, onde é previsto que os adotantes sejam casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovando a estabilidade da família. Prevê ainda que os divorciados e ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contando que acordem sobre a guarda e o regime de visitas, desde que o período de convivência seja respeitado. Segundo Diniz (2018), a adoção conjunta poderá ser deferida para duas pessoas que não sejam mais casadas ou que não mantenham mais uma união estável, devendo ser comprovados os vínculos de afinidade e efetividade, desde que o período de convivência tenha iniciado ainda durante a união estável ou casamento.
Outra modalidade da adoção, inclusive uma das mais discutidas e que foi originária da cultura dos primórdios do instituto da adoção, é a adoção à brasileira. Adoção à brasileira consiste em registrar o filho de outra pessoa de uma forma irregular (GRANATO, 2013).
Granato (2013) continua dizendo que no Brasil é comum ir ao cartório e registrar uma criança como se fosse seu filho(a), tendo em vista que a maioria das pessoas imagina o processo legal como um procedimento burocrático e exaustivo, pois acreditam que dificilmente vão conseguir adotar pelos meios lícitos. Desta forma, acabam seguindo pelo caminho do “jeitinho brasileiro”.
Existem sanções previstas no Código Penal em relação ao ato da adoção à brasileira, como descreve o art. 299:
Art.299. Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante: Pena-Reclusão, de um a cinco anos, e multa, e se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular (BRASIL, 1940, p.1).
Além de ato ilícito de adotar uma criança ou adolescente irregularmente, essa prática leva a outro crime, relacionado à falsa documentação do adotado(a).
Contudo, para Diniz (2018), a adoção à brasileira pode ser considerada irrevogável quando se estabelece vínculo afetivo, pois decorre a filiação socioafetiva, não podendo ser rompida, conforme assegurado na Constituição Federal nos artigos 226 e 227.
Adoção Intuito Personae, ou simplesmente “adoção arranjada” ou “adoção pronta”, acontece quando existe uma espécie de acordo entre a família biológica e a família que pretende adotar a criança. Esse acordo geralmente acontece quando a gestante ainda está à espera do bebê.
Por várias vezes a adoção Intuito Personae pode transformar-se em uma adoção à brasileira, já que os pais adotivos recebem a criança e se dirigem diretamente ao cartório para registrá-la como filho/a biológico. Em casos em que os pretendentes à adoção levam o caso ao judiciário, com esperança de que terão absoluta prioridade para adotar aquela criança, são surpreendidos por aspectos legais que determinam que o encaminhamento da criança para um abrigo, destituindo-a para quem está na fila do Cadastro Nacional de Adoção (GRANATO, 2013).
A adoção internacional é mais uma modalidade da adoção no contexto brasileiro. Essa modalidade de adoção está prevista no art. 227 da Constituição Federal de 1998 e no art. 51 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que conceituam o que vem a ser uma adoção internacional:
Considera-se adoção internacional aquela na qual a pessoa ou casal postulante é residente ou domiciliado fora do Brasil, conforme previsto no art. 2º da Convenção de Haia, de 29 de maio de 1993, Relativa à Proteção das Crianças e à Cooperação em Matéria de Adoção Internacional, aprovada pelo Decreto Legislativo 1, de 14 de janeiro de 1999, e promulgada pelo Decreto 3.087, de 21 de junho de 1999 (BRASIL, 1990, p.1).
Na adoção internacional, o adotante estrangeiro, para adotar a criança brasileira, deverá comprovar mediante à documentação e laudo psicossocial respectivamente, expedidos por seu país de origem, habilitando-o a adotar. É parte obrigatória do processo de adoção internacional, o período de convivência em território brasileiro, por no mínimo 15 dias quando a criança possuir até dois anos de idade e de 30 dias se a idade for superior a dois anos (SIMÕES, 2009).
Vale ressaltar que a caracterização da adoção como internacional se dá no fato do adotante ou pretendente à adoção residir fora do território brasileiro, não necessariamente deve ter origem estrangeira. Logo, o que é levado em consideração para categorizar essa modalidade, trata-se do critério territorial.
Para assegurar e proteger crianças e adolescentes que serão adotados por estrangeiros, só é permitido a saída dos adotados do território nacional após ser julgado da sentença judicial que concede a adoção e após a expedição de alvará com autorização de viagem (LÔBO, 2011).
Adoção por homossexuais ou adoção homoafetiva é uma das modalidades da adoção que mais causam polêmicas até a atualidade, tendo em vista todos os mitos e preconceitos que rodeiam a realidade de homens e mulheres homossexuais. Esse tema é bastante polêmico e apesar de encontrar grande resistência para ser aceito pela sociedade brasileira, atualmente vem sendo objeto de intensa exploração por parte da mídia. Prevê-se que muito em breve essa campanha a favor da adoção, por parte de homossexuais, se tornará vitoriosa (GRANATO, 2013).
Na realidade vivida no país, nos últimos anos, é possível encontrar vários relatos de adoções homoafetivas, com algumas histórias bem emocionantes.
O processo da adoção homoafetiva, em termos jurídicos, tem andamento igual ao de qualquer outra forma de adoção, passando por cadastro, entrevistas, cursos e período de convivência.
A modalidade de adoção tardia, o objeto de estudo deste trabalho, é o que mais chama a atenção por conta das diversas fases em que a criança ou adolescente passa interna e externamente até ser adotado(a) por uma família. Na realidade brasileira, a adoção é mais favorável e acontece bem mais rápido para crianças menores de dois anos de idade, com algumas características específicas. Sendo assim, as crianças maiores de dois anos e aquelas abandonadas ou afastadas de suas famílias biológicas, por diversos motivos, acabam sendo esquecidas em abrigos. Ainda há aquelas abandonadas tardiamente ou que por algum motivo foram retiradas de suas famílias biológicas.
Segundo Camargo (2005), os pretendentes à adoção sonham em acompanhar integralmente o desenvolvimento físico e psicossocial que se manifestam desde os primeiros anos de vida da criança. Querem construir uma história familiar desde os primeiros dias de vida do filho(a). Os pais adotivos temem também que a criança com idade superior a dois anos possa não se adaptar à realidade de uma nova família. Acreditam que a criança já tenha uma personalidade formada e o caráter incorporado, sendo assim, não conseguirão “moldá-la” à sua maneira.
Adoção tardia é o termo utilizado para a adoção de crianças maiores de dois anos de idade. Assim é compreendida aquela criança que tem certa independência para satisfação de suas necessidades básicas. O limite entre a adoção precoce e a adoção tardia, para esse autor, seria a faixa etária entre dois e três anos de idade (VARGAS, 2007).
Todas as modalidades de adoção realizadas por meios legais devem seguir um processo sistemático que estão previstos e estabelecidos pelos ordenamentos jurídicos que regem a adoção no Brasil atualmente. Os principais são o Estatuto da Criança e do Adolescente e a Lei da Adoção.
4. ASPECTOS LEGAIS DO PROCESSO DE ADOÇÃO
Tratando da adoção, como ato jurídico, temos uma necessidade de compreender como se dá todo o processo de adoção dentro da realidade da Vara da Infância. A seguir serão abordados os principais aspectos legais que regem o processo de adoção no país, contemplando as leis e regulamentações em vigor atualmente.
4.1. O processo de adoção no Brasil
A legislação brasileira, no que diz respeito ao instituto da adoção, passou por diversas fases e até hoje ainda passa por reformulações que buscam cada vez mais garantir que a criança e o adolescente sejam os principais protagonistas e os maiores beneficiados com a adoção.
O trâmite legal do processo de adoção, de acordo com o site do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), segue um fluxo de 10 etapas, desde quando pretendente manifestar seu interesse em adotar até a sentença final de adoção ser proferida por um juiz da vara da infância e juventude.
Quando se decide pela adoção de uma criança ou adolescente, o primeiro passo que deve ser dado é se direcionar à vara da infância mais próxima do local onde o(a) pretendente reside. Nessa instituição, o(a) pretendente será informado(a) sobre quais são os documentos necessários para dar início ao processo. Junto aos documentos como RG, CPF, certidão de casamento ou nascimento; comprovante de residência; comprovante de rendimentos ou declaração equivalente; atestado ou declaração médica de sanidade física e mental; certidões cível e criminal o(a) pretendente deve também fazer uma petição junto ao cartório da vara da infância que deverá ser preparada por um defensor público ou advogado particular. A segunda etapa consiste no aguardo pela convocação da equipe da vara da infância para o curso de preparação psicossocial e jurídica. Participar do curso é uma etapa obrigatória e indispensável para o processo de habilitação para adotar. Durante o curso serão abordados vários temas como aspectos legais, motivações e expectativas para adoção (CNJ, 2018).
Após a participação no curso, o(a) pretendente será submetido(a) à avaliação psicossocial que é realizada pela equipe de assistentes sociais e psicólogos da vara da infância. A avaliação consiste em visitas domiciliares e entrevistas. É no momento da entrevista técnica que será descrito pelo pretendente qual o perfil de criança deseja (sexo, faixa etária, etc.). O resultado destas, em forma de laudo e parecer técnico, serão encaminhados ao juiz da vara da infância e ao Ministério Público para servirem de subsídios na decisão final de habilitação dos pretendentes à adoção.
O próximo passo é aguardar a sentença do juiz que irá acolher ou não o pedido de habilitação à adoção. Caso a sentença seja positiva, o nome do pretendente entra no Cadastro Nacional de Adoção (CNA), ressaltando que a habilitação tem validade máxima de cinco anos em território nacional. Em caso de negação da habilitação, o CNJ recomenda que o(a) pretendente busque saber quais os motivos da sentença, podendo assim adequar-se e iniciar um novo processo (CNJ, 2018).
Segue então a etapa de maior ansiedade para os pretendentes, que é aguardar o contato da vara da infância informando que existe uma criança ou adolescente com o perfil compatível ao escolhido no momento da entrevista técnica. Em seguida é informado ao pretendente o histórico de vida da criança ou adolescente, assim, se houver interesse é proporcionado um encontro de apresentação entre pretendentes e adotandos. Após o encontro, a criança ou adolescente é entrevistado (a) para saber seu desejo de permanecer ou não no processo. Caso concorde em continuar, dá-se início ao estágio de convivência, que é monitorado pela equipe da vara da infância. Durante esse estágio é permitido que pretendentes e adotandos façam pequenos passeios para que se conheçam melhor.
Caso o período de estágio de convivência corra bem, o pretendente pode ajuizar a ação de adoção. Dando início a esse processo, receberá a guarda provisória da criança ou adolescente, guarda essa que terá validade até o final do processo de adoção. Enquanto o pretendente detém a guarda provisória, a equipe técnica continua acompanhando e realizando visitas periódicas que resultarão em uma avaliação conclusiva que será apresentada ao juiz da vara da infância. Venosa (2017) explica que o estágio de convivência tem a real finalidade de adaptar a convivência do adotando ao novo lar que provavelmente irá acolhê-lo.
A última etapa é aguardar que o juiz profira a sentença de adoção, determinando que seja lavrado um novo registro de nascimento para a criança ou adolescente que levará o sobrenome da família adotante. A partir da lavratura do novo registro de nascimento, a criança ou adolescente passa a gozar de todos os direitos de um filho biológico e o processo de adoção é concluído, cumprindo seu objetivo de garantir um ambiente saudável e protetivo e seguro, garantindo o direito à convivência familiar e comunitária para crianças e adolescentes do país.
Avaliando as etapas do processo de adoção citadas acima parece ser um processo fácil e sem tantas burocracias, contudo a realidade é que muitos dos pretendentes à adoção acabam praticando, em altos percentuais, a conhecida “adoção à brasileira”, que é a adoção que não segue os trâmites legais da justiça, pois veem, no processo legal de adoção, uma burocracia que estende o sonho de adotar uma criança ou adolescente por vários anos. Para enfrentar essa realidade, a justiça brasileira vem desenvolvendo estratégias que visam aprimorar o processo de adoção no país, inclusive modificando positivamente a legislação que rege a adoção no Brasil.
Além de seguir todo esse processo, quando se decide adotar, a justiça brasileira estabelece requisitos que são instituídos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e devem ser cumpridos pelos pretendentes.
O ECA estabelece que a idade mínima para quem deseje adotar uma criança ou adolescente é dezoito anos, independente do estado civil, mas deve ser observado o requisito em haver uma diferença de dezesseis anos entre adotante e adotando. Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando, dentre outros artigos (BRASIL, 1990).
Dias (2010) reflete sobre o tempo de adoção que pode ser muito variável. Há casos em que a adoção pode ser rápida. Já em outros, o processo pode se arrastar durante anos para a então concretização, tornando-se, neste caso, burocrática e com pouca efetividade. Esse procedimento moroso faz com que os menores passem anos à espera de uma família. Por conta disso tudo, ressalta-se que a celeridade procedimental é fundamental para que não ocorram casos assim, afinal, quanto mais céleres, mais a criança ou adolescente terá seu direito à família sendo assegurado. É importante ser sensível também quanto aos danos emocionais, sociais e psicológicos que sofrem as crianças e adolescentes que mesmo com pouca idade já carregam consigo as marcas da falta de amor, carinho e proteção de uma família.
4.2. A nova lei da adoção
A adoção em nosso país está prevista em alguns documentos legais como na Lei 8.069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente e pela Lei 12.010/2009, a Lei Nacional de Adoção. Em 22 de novembro de 2017 foi publicada a Lei 13.509/2017, que veio com o principal objetivo de acelerar o processo de adoção no Brasil.
A Lei 12.010/2009, que ficou conhecida como “A nova Lei da adoção”, trouxe para a realidade judicial brasileira regulamentações que modificaram o que estava disposto no Código Civil Brasileiro sobre a adoção e seguiu a essência do Estatuto da Criança e do Adolescente sobre a garantia dos direitos de crianças e adolescentes como prioridade absoluta.
Ressaltando a informação já citada no capítulo anterior, o ECA (BRASIL, 1990), em seu artigo 39 - §1°, inserido através da aludida Lei 12.010/2009, afirma que a adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa. Desta forma, a criança ou adolescente só pode ser inserido no Cadastro Nacional de Adoção quando já esgotadas as etapas de reinserção na família afetiva, tentativa de colocação em família substituta por meio de guarda, tutela, apadrinhamento e, por fim, a adoção.
Gonçalves (2010) afirma que, assim, aprimoram-se os mecanismos de prevenção do afastamento do menor do convívio familiar, somente se permitindo a adoção depois de esgotadas todas as possibilidades, inclusive a convivência com familiares próximos. É evidente a importância da evolução legislativa quanto ao instituto da adoção no Brasil. Como parte dessa evolução que é contínua, no final do ano passado, com a promulgação da Lei 13.509/2017, aconteceram novas alterações no cenário da adoção no país, incluindo alterações na Lei 8.069/1990 (ECA), a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) e alterou também o Código Civil.
Está disposto na forma da nova Lei 13.509/2017 que:
Art. 1° Esta Lei altera a Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), para dispor sobre entrega voluntária, destituição do poder familiar, acolhimento, apadrinhamento, guarda e adoção de crianças e adolescentes, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei n° 5.452, de 1° de maio de 1943, para estender garantias trabalhistas aos adotantes, e a Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para acrescentar nova possibilidade de destituição do poder familiar (BRASIL, 2017, p.1).
Com a intenção de fazer um comparativo que contemplasse todas as alterações realizadas pela Lei 13.509/2017, o Ministério Público do Paraná, através do Centro de Apoio Operacional das Promotorias da Criança e do Adolescente (CAOPCA / MPPR), desenvolveu uma “cartilha comparativa” que explicita sobre as mudanças que modificaram artigos do ECA, Código Civil e da CLT.
As alterações no Estatuto da Criança e do Adolescente foram as seguintes: no artigo 19, §1° era estabelecido que toda criança ou adolescente que estiver inserido em programa de acolhimento familiar ou institucional terá sua situação reavaliada, no máximo, a cada 6 (seis) meses. A partir da aprovação da Lei 13.509/2017 ficou estabelecido que o período máximo para reavaliação da criança ou adolescente deve ser a cada 3 (três) meses. O §2° do artigo supracitado que estabelecia que a permanência da criança e do adolescente em programa de acolhimento institucional não se prolongará por mais de 2 (dois) anos, salvo comprovada necessidade que atenda ao seu superior interesse, devidamente fundamentada pela autoridade judiciária. Com a atualização em 2017 o prazo que era de 2 (dois) anos passa a ser de 1 (um) ano e 6 (seis) meses (CAOPCA / MPPR, 2017).
Foram alterados, no total, vinte e oito incisos do Estatuto da Criança e do Adolescente e ainda foram incluídos 31 novos. Dentre as inclusões e alterações pode ser destacada a garantia da convivência integral da criança com a mãe adolescente que estiver em acolhimento institucional, onde essa mãe deverá ser assistida por equipe multidisciplinar. Incluiu-se também um inciso que trata sobre a gestante ou mãe que manifestar interesse em entregar seu filho para adoção, será encaminhada para a justiça da infância e juventude. Além disso, foi criado um fluxo de trabalho para a oitiva dessas mães. Fica claro que deverá ser dada a devida orientação ou inclusão da mãe em programa de promoção social e de saúde da família.
Outro fato importante que foi introduzido ao texto do ECA diz respeito ao estabelecimento de um prazo máximo para o estágio de convivência, no caso até 90 (noventa) dias, desde que fundamentada a necessidade. Mas continua valendo o entendimento de que este prazo, eventualmente, poderá ser superado a depender de cada caso, dependendo do relatório de acompanhamento técnico do estágio de convivência. O art.47, §10 estabelece que o prazo máximo para conclusão da ação de adoção será de 120 (cento e vinte) dias, prorrogável uma única vez por igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária. A cartilha comparativa traz como comentário e como forma de alerta a este inciso, que essa previsão precisará ser objeto de fiscalização permanente pelo ministério público, tendo em vista que as secretarias das Varas deverão adotar rotinas novas para tornar concreta a prioridade legal, ora regulamentada (CAOPCA/MPPR, 2017).
As demais inclusões e alterações tratam da suspensão ou perda do poder familiar, da colocação da criança ou adolescente em família substituta. A nova lei inclui também a participação de grupos de apoio à adoção, devidamente habilitados, nos programas de preparação de pretendentes à adoção e prevê ainda a participação desses grupos nos momentos de contato entre pretendentes e crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional.
Como já foi explanado acima, além das modificações no ECA, a Lei 13.509/2017 também alterou a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), no que diz respeito ao descanso da mulher para amamentação de filho advindo da adoção. Equipara assim o direito de intervalo na jornada de trabalho tanto para a mãe biológica quando para a mãe adotiva, para fins de amamentação. Estende ao "empregado adotante, cuja guarda provisória tenha sido concedida para fins de adoção". A garantia da estabilidade provisória, que antes somente era garantida à empregada gestante, prevê equiparação legal da adoção com a maternidade biológica, compreendendo-se que nos dois casos a licença é extremamente necessária para o bem-estar da criança (BRASIL, 2017).
No Código Civil foi acrescido ao art. 1.638 que perderá, por ato judicial, o poder familiar o pai ou a mãe que:
[...] V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. Ou seja, fica prevista a perda do poder familiar quando o pai ou a mãe entregarem seus filhos diretamente para terceiros, para fins de adoção, sem qualquer processo legal e sem o crivo do Judiciário e do Ministério Público. Trata-se de uma importante previsão legal deverá contribuir tanto para a perda do poder familiar em tais casos, que anteriormente eram compreendidos como forma de abandono quanto para desestimular adoções diretas, tráfico de crianças, etc. (BRASIL, 2017, p.1).
A Lei 13.509/17 foi aprovada com a proposta de trazer celeridade ao processo de adoção, encurtando os prazos que levavam o trâmite legal a demorar muito mais tempo para ser concluído. Entretanto, a aprovação da nova lei divide opiniões no judiciário.
Os grupos de apoio à adoção comemoraram as alterações trazidas com a nova lei, mas juízes e profissionais das equipes que trabalham diretamente com o instituto da adoção fazem algumas críticas, como, por exemplo, sobre os prazos estabelecidos pela regulamentação, que são positivos quanto ao andamento dos processos, entretanto, faltam recursos físicos e humanos para que tais prazos possam ser cumpridos. A estrutura atual do judiciário não está devidamente preparada para atender aos parâmetros solicitados na Lei 13.509/2017.
Apesar das críticas, é necessário manter a esperança de que a lei será cumprida. Como afirma Lima (2017), reduzir prazos, eliminar entraves, simplificar procedimentos. O judiciário deve ser a porta que mais permite à criança ou adolescente ultrapassar a situação de acolhimento e ingressar numa família, do que as trancas adicionais que dificultam essa passagem.
Dar celeridade ao processo de adoção é proporcionar amor às crianças e adolescentes que esperam por uma família que as acolham. A passagem do tempo corre contra as crianças, cuja infância transcorre sem a benção de um lar. O longo tempo na fila desanima alguns pretendentes e torna os adolescentes menos “adotáveis”, pois a preferência é bem maior por bebês ou crianças pequenas (LIMA, 2017).
5. ADOÇÃO TARDIA
Entende-se por adoção tardia o ato de adotar uma criança ou adolescente com mais de dois anos de idade. Falar de adoção tardia é falar de crianças e adolescentes que sofrem com situações de preconceito diariamente. Silva (2009) diz que estas crianças encontram-se marginalizadas pela sociedade, vivendo situações de preconceito, da exclusão social, da falta de informação da maior parte da população e principalmente da ausência de políticas públicas que promovam a adoção no país.
Neste capítulo serão abordados os mitos, medos, estereótipos e preconceitos que rodeiam a adoção, em especial, a adoção tardia. Será apresentado também o cenário atual sobre adoção tardia e os dados do ano de 2018 na realidade da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís – MA.
5.1. Mitos da adoção tardia
A adoção tardia é aquela que acontece com as crianças que são consideradas “idosas” para adoção, ou seja, aquela criança que ainda é um bebê tem total dependência de um adulto e não consegue desenvolver certas atividades sozinhas, sendo preferida na hora da adoção.
Vargas (2007, p.35) diz que as crianças “idosas” para adoção:
[...] ou foram abandonadas tardiamente pelas mães, que por circunstâncias pessoais ou socioeconômicas, não puderam continuar se encarregando delas ou foram retiradas dos pais pelo poder judiciário, que os julgou incapazes de mantê-las em seu pátrio poder, ou, ainda, foram “esquecidas” pelo Estado desde muito pequenas em “orfanatos” que, na realidade, abrigam uma minoria de órfãos [...].
Como citado acima, no Brasil, a maioria das crianças que conseguem ser adotadas possuem até dois anos de idade. A partir desta idade, a colocação em família adotante torna-se mais difícil, restando às crianças maiores uma eventual adoção por estrangeiros ou a permanência em instituições de acolhimento até alcançarem a maioridade (SILVA, 2009). Logo, a partir deste cenário identificamos que existe uma limitação na idade preferencial dos pretendentes à adoção, de um modo geral, sendo essa preferência às crianças menores de dois anos de idade.
No Brasil, as crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade, que esperam pela adoção, são excluídos e estigmatizados quando têm seus direitos do convívio familiar e comunitário vetado ou rompido. Essa é apenas uma das várias sequelas produzidas por uma cultura de adoção construída historicamente, tendo como base os pilares preconceituosos que priorizam apenas a adoção de recém-nascidos. Esses preconceitos e mitos que permeiam o imaginário social tendem a dificultar a decisão dos pretendentes à adoção, influenciando em suas escolhas que descartam a possibilidade de adotar uma criança ou adolescente acima de dois anos de idade.
Para Camargo (2005), os pais e as mães que pretendentes à adoção, sonham em acompanhar integralmente o desenvolvimento físico e psicossocial das crianças, que se manifestam desde as primeiras expressões faciais, das primeiras falas e os primeiros passos e querem registrar tudo isso a partir dos primeiros dias de vida do(a) filho(a). Além disso, temem que a criança com idade superior a dois anos de idade possa não se adaptar à realidade da nova família. Geralmente as pessoas acreditam que crianças ou adolescentes maiores de dois anos já têm a sua personalidade formada, o caráter incorporado e que já não é mais possível detê-los, ou mesmo moldá-los à sua maneira.
Os mitos em relação à adoção tardia geram preconceitos que fazem com que as pessoas acreditem que somente com a adoção de bebês é possível obter o sucesso e moldar a família da forma tão sonhada. Existe uma resistência por parte dos pretendentes à adoção com relação ao preconceito social que assola a vida de crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade que aguardam em abrigos ansiosamente por uma família que os ofereça um ambiente familiar seguro e novas expectativas para o futuro.
De acordo com Camargo (2005, p. 91):
[...] os mitos e os preconceitos, que constituem a atual cultura da adoção no país, apresentam-se como grandes obstáculos à realização de adoções de crianças maiores, pois fortalecem as expectativas negativas que estão diretamente ligadas à prática da adoção tardia.
Em um levantamento de dados, realizado por Levinzon (2000), através de uma pesquisa realizada com as famílias adotantes, o autor destaca os seguintes medos que frequentemente habitam o imaginário de pais e mães adotivos e da sociedade em geral:
1- medo em relação à família biológica da criança: receio que se arrependam a qualquer momento e venham lhe tirar a criança; culpa por tomar para sua responsabilidade uma criança ou adolescente cujo sangue não lhes pertence; vergonha, como se tivessem cometido algum tipo de crime, como por exemple tendo roubado a criança; 2- medo em relação à criança: medo de que tenha uma herança biológica ruim ou de personalidade incompatível com a família adotante; receio de rejeição e abandono por parte da criança quando souber de sua origem adotiva; medo de que ao descobrir sua origem biológica a criança vá à procura da família genitora; 3- medo em relação à sociedade: medo de serem julgados negativamente pela sociedade; discriminados por não terem passado pelo processo biológico da gestação; preconceito e desvalorização moral por esta forma atípica de tornar-se pai e mãe ou serem exaltados simplesmente pelo aspecto filantrópico do ato da adoção (LEVINZON, 2000, p.23).
Com os resultados explicitados através da pesquisa acima podemos constatar que são diversos os mitos que perpassam pelo imaginário das pessoas que pretendem ou, até mesmo, que já adotaram uma criança ou adolescente. Dentro do imaginário social, temos principalmente o mito com relação aos laços sanguíneos, já que muitos acreditam que esse fator seja determinante para o destino de uma família, como se ao filho(a) por adoção sempre fosse atribuído grandes chances de ser problemático ou “sangue ruim”.
Existe uma tendência no imaginário social em acreditar em certa garantia resultante dos laços de sangue e numa fragilidade dos laços formados através da prática da adoção. As fantasias com relação à importância "da descendência sanguínea" possibilitam condições para a discriminação entre a ligação de parentesco biológico e adotivo, atribuindo maior mérito e importância à biológica (WEBER, 2000).
Sobre o preconceito da sociedade em relação aos vínculos biológicos e adotivos, Silva (2009) se posiciona, afirmando que a própria legislação brasileira contribui para o pensamento negativo com relação à adoção tardia. Este autor continua dizendo que:
Ainda sobre o preconceito, além do imaginário social, a própria legislação brasileira, parece contribuir para o fortalecimento dos mitos de que os laços biológicos são aqueles verdadeiros. Assim, os pais adotantes tentam disfarçar ou esconder as relações adotivas e imitar uma família biológica, adotando crianças recém-nascidas e de cor semelhante a sua (SILVA, 2009, p. 32).
Outros mitos sobre a adoção tardia foram selecionados como resultado da pesquisa realizada por Weber (2000, p.35):
As pessoas teriam medo de adotar crianças maiores (acima de seis meses) devido à dificuldade de educação; Teriam medo de adotar uma criança que viveu muito tempo em acolhimento institucional pelos "vícios" que traria consigo; Teriam medo de que os pais biológicos pudessem requerer a criança de volta; Teriam medo de adotar crianças sem saber a origem de seus pais biológicos, pois a "marginalidade" dos pais seria transmitida geneticamente; Pensam que uma criança adotada, cedo ou tarde, traz problemas; Acreditam que a adoção beneficia, primordialmente, o adotante e não a criança, sendo um último recurso para pessoas que não conseguem ter filhos biológicos; Acreditam que a adoção pode servir como algo para "desbloquear algum fator psicológico" e tentar ter filhos naturais; Acreditam que, quando a criança não sabe que é adotiva, ocorrem menos problemas; assim, se deve adotar bebês e "fazer de conta" que é uma família natural; Acreditam que as adoções realizadas através dos Juizados são demoradas, discriminatórias e burocráticas e recorreriam à “adoção à brasileira" caso decidissem; Finalmente, consideram que somente os laços de sangue são "fortes e verdadeiros".
Ao verificar se existe diferença de comportamento entre crianças adotadas quando recém-nascidas e adotadas quando maiores de dois anos, Ebrahim (2000) explica que não existe uma relação direta entre problemas de comportamento e idade da criança no período em que acontece a adoção. Defende que as adoções de crianças maiores são completamente viáveis e sua concretização e manutenção dependem, entre outros aspectos, da história da criança, do fato dela desejar ou não a adoção e das ações por parte dos pais adotivos e dos familiares que os cercam.
Os mitos que norteiam a realidade da adoção tardia são entraves que dificultam essa modalidade de adoção tomar maiores proporções, pois como foram mostrados acima, esses medos são potencializados através das expectativas negativas, produzidas historicamente em torno da adoção de crianças e adolescentes.
De acordo com Vargas (2007, p.30), outro mito que rodeia o imaginário dos pais adotivos diz respeito ao passado da criança:
No caso de crianças mais velhas, é acrescido o “medo da sombra” do passado, ou seja, de que a criança nunca mais se recuperará das experiências que teve antes da adoção, não importando o quanto de cuidado e amor elas recebam e que a educação das mesmas sempre ficará prejudicada.
Camargo (2005) listou cinco motivos que geralmente levam famílias que estão aptas a concretizarem a adoção, sendo ela tardia ou não, a desistirem do processo legal:
-
Parte das famílias que desejam adotar tardiamente sofrem com os mitos e medo e a desconfiança em relação ao comportamento que será apresentado pelo adotado. Isso se deve ao longo período que passaram em instituições de acolhimento ou em diferentes famílias substitutas, onde a adaptação não ocorreu. Onde a personalidade já formada, os vícios de comportamento, a má educação, a falta de limites e dificuldade de convivência são outros pontos apresentados como maiores complicadores.
-
Outro motivo é referente à grande expectativa em relação à formação do vínculo entre a família e a criança ou adolescente. Devido aos históricos de rejeição e abandono, além da sensação constante de que não pertence biologicamente àquela família.
-
Um dos maiores mitos apresentados se refere ao desejo da criança ou adolescente adotado em conhecer sua família biológica. Essa busca comprometeria a relação com a família adotiva, podendo se caracterizar como fator de conflito intrafamiliar.
-
Outro problema apontado é a burocracia do processo legal. Devido a isso, o tempo de espera e as longas filas de uma adoção legal se tornam grandes obstáculos na concretização da mesma.
-
A legislação brasileira, por cautela e garantia da proteção da vida das crianças e adolescentes, só oferece a guarda definitiva à família adotiva após certo período de convivência. Essa prática gera grande desconforto e ansiedade nas famílias que pretendem adotar, que está ligado principalmente ao medo de perder os adotados para as famílias biológicas.
Sendo assim, entendemos que os mitos e medos sobre a adoção tardia são referentes ao que acontece durante e o que pode acontecer após o processo legal de adoção. São suposições criadas pelos postulantes à adoção que podem se tornar fatores determinantes para não optarem por adotar crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade.
Com toda certeza, optar pela adoção tardia é compreender que é necessário exercer cuidados especiais para com a criança ou adolescente por conta das marcas adquiridas pelo abandono, que sofreram ou mesmo pelo período que passaram em acolhimento institucional. Entretanto, não é impossível que aconteça a superação e uma conexão de amor entre filho(a) adotivo(a) e a nova família. Para Vargas (2007), na adoção de crianças maiores de dois anos de idade, as chances de êxito ou fracasso das relações que se estabelecem no meio social e familiar decorrem da capacidade de apoio, troca de carinho e amor, confiança e, acima de tudo, companheirismo entre os protagonistas da adoção, que deve ser uma adoção mútua entre pais/mães e filhos.
Os adotantes sonham, desejam e esperam que a criança adotada corresponda à imagem do filho sonhado que gostaria de gerar. Desta forma, a criança ou adolescente, apesar de suas várias tentativas, não consegue alcançar as expectativas que os pais colocam e cobram sobre ela (GHIRARDI, 2008).
É necessário dissociar a ideia de que a adoção de sucesso é apenas a adoção de bebês e de que a adoção de crianças ou adolescentes maiores de dois anos está ligada ao fracasso e a problemáticas insuperáveis. Santos (1997, p.164) expressa que é necessário iniciar um trabalho direcionado para a mudança de mentalidade da sociedade, no que diz respeito à adoção, de modo a possibilitar uma superação de no mínimo uma parte dos equívocos, mitos e preconceitos que envolvem esta modalidade. Sendo assim, entende-se que a adoção, seja ela em qual for a modalidade, é um processo legítimo que está previsto em nossa Constituição Federal e tem alicerce no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Lei 12.010/2009, além de envolver outra vertente que trata do caráter emocional/afetivo de crianças e adolescentes que são sujeitos em situação de desenvolvimento e devem ter garantidos todos os seus direitos, inclusive o direito a uma família.
5.2. O cenário do Cadastro Nacional de Adoção (CNA)
Quando falamos em adoção, independente da modalidade, devemos entender o que é e como funciona o Cadastro Nacional de Adoção. De acordo com Simões (2009), em dezembro de 2007 havia mais de 80 mil crianças e adolescentes aptos à adoção, vivendo em seis mil instituições de acolhimento, no Brasil. O Conselho Nacional de Justiça decidiu então implantar o Cadastro Nacional de Adoção, onde se realizou o cadastro dessas crianças e adolescentes e os respectivos abrigos em que se encontravam, com o histórico dos pretendentes habilitados para a adoção, priorizando a medida pelo critério de adequação entre pretendentes e crianças disponíveis e não pela ordem de sua inscrição no CNA.
Desta forma, foi lançado em 2008, o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), coordenado pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que é um sistema, uma ferramenta digital que auxilia os juízes e demais profissionais das varas da infância e da juventude na condução dos procedimentos dos processos de adoção em todo o Brasil (CNJ, 2018, p.1).
Foi criado com o intuito de facilitar os processos. Pois consiste numa ferramenta de auxílio para os juízos das Varas de Infância e Juventude na condução de processos de adoção, por meio de um mapeamento de informações unificadas tanto dos dados de crianças e adolescentes a serem adotados, quanto de pessoas com intenções e capacidade para adotar (STOCHERO, 2011, p.43).
Com o CNA, cada comarca passou a ter uma lista com o nome de todas as crianças e adolescentes disponíveis para a adoção e das pessoas aptas a adotarem. Ainda oferecia a possibilidade de cruzamento de dados em todo o território nacional. Contudo, apenas a inovação com a implantação do CNA não foi suficiente para dar celeridade e diminuir o número de processos de adoção que tramitam no país.
Tratando-se de adoção, o sistema judiciário não falha isoladamente, pois sabemos que para uma criança ou adolescente chegar ao ponto de aguardar por uma adoção em uma instituição de acolhimento, houve falhas da família, da sociedade e do estado, que foram omissos em suas responsabilidades quanto à proteção da criança e do adolescente. Assim, apenas sistematizar informações no Cadastro Nacional de Adoção foi somente uma pequena ação de melhoria dentro de um longo e complexo processo que envolve a primazia da garantia do direito à convivência familiar e comunitária a crianças e adolescentes.
Atualmente o número de crianças e adolescentes acolhidos em instituições no Brasil é menor do que o número de pretendentes aptos para a adoção. O que agrava esse fato é que existe um perfil preferencial, por parte dos pretendentes, que é completamente diferente da realidade das crianças que se encontram nessas instituições.
Como mostra atualmente o Cadastro Nacional de Adoção:
Quadro 1 - Relatório de dados estatísticos de pretendentes habilitados para adoção - (2018)
Título |
Total |
Porcentagem |
1. Total de pretendentes disponíveis: |
41.642 |
100,00% |
22. Distribuição dos pretendentes em relação ao estado em que estão habilitados. |
|
|
22.1 Total de pretendentes do AC: |
222 |
0.53% |
22.3 Total de pretendentes do AL: |
353 |
0.85% |
22.4 Total de pretendentes do AM: |
138 |
0.33% |
22.2 Total de pretendentes do AP: |
263 |
0.63% |
22.5 Total de pretendentes do BA: |
1.351 |
3.24% |
22.5 Total de pretendentes do CE: |
592 |
1.42% |
22.7 Total de pretendentes do DF: |
501 |
1.2% |
22.8 Total de pretendentes do ES: |
829 |
1.99% |
22.9 Total de pretendentes do GO: |
1.336 |
3.21% |
22.10 Total de pretendentes do MA: |
227 |
0.55% |
22.11 Total de pretendentes do MG: |
5.342 |
12.83% |
22.12 Total de pretendentes do MS: |
291 |
0.7% |
22.13 Total de pretendentes do MT: |
904 |
2.17% |
22.14 Total de pretendentes do PA: |
273 |
0.66% |
22.15 Total de pretendentes do PB: |
594 |
1.43% |
22.16 Total de pretendentes do PE: |
1.131 |
2.72% |
22.17 Total de pretendentes do PI: |
184 |
0.44% |
22.18 Total de pretendentes do PR: |
3.325 |
7.98% |
22.19 Total de pretendentes do RJ: |
3.945 |
9.47% |
22.20 Total de pretendentes do RN: |
483 |
1.16% |
22.21 Total de pretendentes do RO: |
315 |
0.76% |
22.22 Total de pretendentes do RR: |
74 |
0.18% |
22.23 Total de pretendentes do RS: |
5.597 |
13.44% |
22.24 Total de pretendentes do SC: |
2.632 |
6.32% |
22.25 Total de pretendentes do SE: |
522 |
1.25% |
22.26 Total de pretendentes do SP: |
10.009 |
24.04% |
22.27 Total de pretendentes do TO: |
209 |
0.5% |
23 Especificação das situações dos pretendentes |
|
|
23.1 Total de pretendentes disponíveis: |
41.642 |
100% |
Fonte: CNJ (2018).
Atualmente no Brasil há um total de 41.642 pessoas habilitadas para adotar uma criança ou adolescente, um número significativamente alto, se comparado com a tabela seguinte que aponta o número de crianças à espera da adoção.
Quadro 2- Relatório de dados estatísticos de crianças disponíveis à adoção - (2018)
Título |
Total |
Porcentagem |
1. Total de crianças/adolescentes disponíveis: |
5.084 |
100,00% |
17 Avaliação da distribuição das crianças/adolescentes em relação ao estado em que residem |
|
|
17.1 Total de crianças do AC: |
4 |
0.08% |
17.3 Total de crianças do AL: |
46 |
0.9% |
17.4 Total de crianças do AM: |
47 |
0.92% |
17.2 Total de crianças do AP: |
29 |
0.57% |
17.5 Total de crianças do BA: |
123 |
2.42% |
17.5 Total de crianças do CE: |
151 |
2.97% |
17.7 Total de crianças do DF: |
57 |
1.12% |
17.8 Total de crianças do ES: |
107 |
2.1% |
17.9 Total de crianças do GO: |
144 |
2.83% |
17.10 Total de crianças do MA: |
51 |
1% |
17.11 Total de crianças do MG: |
666 |
13.1% |
17.12 Total de crianças do MS: |
149 |
2.93% |
17.13 Total de crianças do MT: |
75 |
1.48% |
17.14 Total de crianças do PA: |
46 |
0.9% |
17.15 Total de crianças do PB: |
60 |
1.18% |
17.16 Total de crianças do PE: |
206 |
4.05% |
17.17 Total de crianças do PI: |
37 |
0.73% |
17.18 Total de crianças do PR: |
542 |
10.66% |
17.19 Total de crianças do RJ: |
365 |
7.18% |
17.20 Total de crianças do RN: |
54 |
1.06% |
17.21 Total de crianças do RO: |
17 |
0.33% |
17.22 Total de crianças do RR: |
3 |
0.06% |
17.23 Total de crianças do RS: |
657 |
12.92% |
17.24 Total de crianças do SC: |
233 |
4.58% |
17.25 Total de crianças do SE: |
31 |
0.61% |
17.26 Total de crianças do SP: |
1.142 |
22.46% |
17.27 Total de crianças do TO: |
42 |
0.83% |
19 Especificação das situações das crianças. |
|
|
19.1 Total de crianças disponíveis: |
5.084 |
100% |
Fonte: CNJ (2018).
A partir destes dados, verificamos que existe um abismo entre a família sonhada e a família possível no cenário nacional. Mesmo o número de pretendentes sendo mais que suficiente para adotar e suprir a demanda de crianças e adolescentes que estão em instituições de acolhimento pelo país, a adoção acaba não ocorrendo. O motivo de tal descompasso é explicado por quem trabalha diretamente com o processo de adoção:
De acordo, com o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, da Vara da Infância e Juventude do Fórum Regional da Lapa, São Paulo, o motivo do descompasso é claro: “os futuros pais têm um sonho adotivo com a criança que irá constituir a família, e a maioria dos pais deseja recém-nascidos de pele clara”. Outros pais desejam especificamente um bebê, e não querem crianças com mais de um ano (MATUOKA, 2016, p.1).
A tabela seguinte corrobora com as informações acima citadas e demonstra, estatisticamente, o preconceito com relação à adoção de crianças maiores de dois anos de idade. Observa-se que quanto maior a idade da criança ou adolescente, menor são as chances de uma adoção acontecer.
Quadro 3 - Relatório de dados estatísticos de crianças disponíveis à adoção - (2018)
Título |
Total |
Porcentagem |
1. Total de crianças/adolescentes disponíveis: |
5.081 |
100,00% |
15 Avaliação da distribuição por idade |
|
|
15.1 Total de crianças com menos de 1 ano: |
24 |
0.47% |
15.2 Total de crianças com 1 ano: |
22 |
0.43% |
15.3 Total de crianças com 2 anos: |
51 |
1% |
15.4 Total de crianças com 3 anos: |
52 |
1.02% |
15.5 Total de crianças com 4 anos: |
79 |
1.55% |
15.6 Total de crianças com 5 anos: |
67 |
1.32% |
15.7 Total de crianças com 6 anos: |
108 |
2.13% |
15.8 Total de crianças com 7 anos: |
136 |
2.68% |
15.9 Total de crianças com 8 anos: |
159 |
3.13% |
15.10 Total de crianças com 9 anos: |
205 |
4.03% |
15.11 Total de crianças com 10 anos: |
250 |
4.92% |
15.12 Total de crianças com 11 anos: |
343 |
6.75% |
15.13 Total de crianças com 12 anos: |
439 |
8.64% |
15.14 Total de crianças com 13 anos: |
533 |
10.49% |
15.15 Total de crianças com 14 anos: |
626 |
12.32% |
15.16 Total de crianças com 15 anos: |
673 |
13.25% |
15.17 Total de crianças com 16 anos: |
685 |
13.48% |
15.18 Total de crianças com 17 anos: |
629 |
12.38% |
Fonte: CNJ (2018).
5.3. CNA com recorte do município de São Luís – MA
Como já foi citado anteriormente, o Cadastro Nacional de Adoção possibilita que cada estado tenha acesso a sua realidade local sobre o número de pretendentes habilitados e o número de crianças e adolescentes aptos a serem adotados. Em São Luís, a alimentação do CNA é realizada por meio das informações que chegam até a 1ª Vara da Infância e Juventude, onde são incluídos os dados das crianças e adolescentes aptos e realiza-se a habilitação informatizada dos postulantes à adoção.
A partir da entrevista realizada com a técnica judiciária responsável pela alimentação do CNA na 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, foi possível verificar peculiaridades sobre os dados atuais no cenário ludovicense.
A seguir, temos as tabelas 4 e 5 que evidenciam a realidade de pretendentes e crianças e adolescentes aptos a serem adotados no Maranhão e logo depois os dados de São Luís, na tabela 6.
Quadro 4 - Relatório de dados estatísticos de crianças e adolescentes aptos à adoção no Maranhão - (2018)
Título |
Total |
1. Total de crianças/adolescentes disponíveis: |
51 |
17 Avaliação da distribuição das crianças/adolescentes em relação ao estado em que residem |
|
17.10 Total de crianças do MA: |
51 |
Fonte: CNJ (2018).
Quadro 5 - Relatório de dados estatísticos de pretendentes habilitados para adoção no Maranhão - (2018)
Título |
Total |
1. Total de pretendentes disponíveis: |
227 |
22. Distribuição dos pretendentes em relação ao estado em que estão habilitados. |
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22.10 Total de pretendentes do MA: |
227 |
Fonte: CNJ (2018).
Atualmente em São Luís, segundo dados do Cadastro Nacional de Adoção (CNA) (CNJ, 2018), existem 96 pretendentes habilitados para adoção e existem 19 crianças e adolescentes disponíveis para serem adotados, como é verificado na tabela detalhada abaixo.
Quadro 6 - Relatório de dados estatísticos de crianças e adolescentes aptos à adoção em São Luís - MA - (2018)
Título |
Total: 19 |
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Raça/Cor Branca: 2 Negras: 11 Amarela: 0 Parda: 6 Indígena: 0 |
Sexo Feminino: 7 Masculino: 12 |
Faixa etária 0 a 5 anos: 1 6 a 10 anos: 3 11 a 15 anos: 12 Acima de 15 anos: 3 |
19 crianças e adolescentes aptos à adoção |
Fonte: CNJ (2018).
A realidade verificada em São Luís não é diferente da realidade dos outros estados brasileiros. O Cadastro Nacional de Adoção, com recorte para a realidade da capital maranhense, mostra que existe um número bem maior de postulantes à adoção do que de crianças, entretanto, o perfil procurado pelos pretendentes difere do que é vivenciado na realidade das instituições de acolhimento.
Seguindo o raciocínio de que o Cadastro Nacional de Adoção foi uma ferramenta criada para dar celeridade ao processo de adoção, garantir que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar e comunitária fosse cumprido e facilitar o acesso dos juízes aos inscritos, concordamos com Granato (2013, p.33) quando explica que:
Se temos o objetivo de enfrentar os desafios da adoção no Brasil e promover o surgimento de uma cultura voltada para a inclusão familiar de todas as crianças e adolescentes, precisamos construir estratégias de mobilização adaptadas à diversidade que nos caracteriza, aos diversos níveis de organização, lançando ideias, promovendo encontros, socializando a informação, fortalecendo um movimento que defende uma mudança de paradigma: da adoção como simples satisfação do desse jo dos candidatos, para a adoção como a defesa de um direito da criança, o de crescer em uma família[...].
Além de ferramentas, necessitamos de ações mais diretas que sejam voltadas para as pessoas que estão habilitadas para adotar, levando a elas informações que tratem de desmistificar os mitos que permeiam a adoção, quiçá sobre a adoção tardia.
5.4. 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís - MA
Segundo o Conselho Nacional de Justiça, a vara judiciária é o local ou repartição que corresponde à lotação de um juiz, onde o magistrado efetua suas atividades. Em comarcas pequenas, uma única vara recebe todos os assuntos relativos à Justiça (CNJ, 2018).
Em São Luís - MA, a vara responsável pelo trâmite dos processos de adoção é a 1ª Vara da Infância e Juventude que atualmente funciona no sétimo andar do Fórum Desembargador Sarney Costa e tem como titular o juiz José Américo Abreu Costa. A 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís – MA é uma vara cível, ou seja, que tem competência específica sobre os processos que envolvam crianças e adolescentes em situação de risco, que não seja considerado como um processo criminal, diferente da 2ª Vara da Infância e Juventude que é uma vara criminal e tem outras competências.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069/90, delimita as competências que se referem à Vara da Infância e Juventude em seu art. 148, onde diz que a Justiça da Infância e da Juventude é competente para:
I - conhecer de representações promovidas pelo Ministério Público, para apuração de ato infracional atribuído a adolescente, aplicando as medidas cabíveis;
II - conceder a remissão, como forma de suspensão ou extinção do processo;
III - conhecer de pedidos de adoção e seus incidentes;
IV - conhecer de ações civis fundadas em interesses individuais, difusos ou coletivos afetos à criança e ao adolescente, observado o disposto no art. 209;
V - conhecer de ações decorrentes de irregularidades em entidades de atendimento, aplicando as medidas cabíveis;
VI - aplicar penalidades administrativas nos casos de infrações contra norma de proteção à criança ou adolescente;
VII - conhecer de casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, aplicando as medidas cabíveis. Parágrafo único. Quando se tratar de criança ou adolescente nas hipóteses do art. 98 é também competente à Justiça da Infância e da Juventude para o fim de:
a) conhecer de pedidos de guarda e tutela;
b) conhecer de ações de destituição do pátrio poder, perda ou modificação da tutela ou guarda;
c) suprir a capacidade ou o consentimento para o casamento;
d) conhecer de pedidos baseados em discordância paterna ou materna, em relação ao exercício do pátrio poder;
e) conceder a emancipação, nos termos da lei civil, quando faltarem os pais;
f) designar curador especial em casos de apresentação de queixa ou representação, ou de outros procedimentos judiciais ou extrajudiciais em que haja interesses de criança ou adolescente;
g) conhecer de ações de alimentos;
h) determinar o cancelamento, a retificação e o suprimento dos registros de nascimento e óbito (BRASIL, 1990, p.1).
As varas da infância atualmente são consideradas varas especializadas. De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, toda vara especializada deve ser integrada por uma equipe técnica para atender as demandas.
O art. 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente faz menção à condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento. Foi a partir desta percepção que a temática da infância e da juventude infere uma especialização, o que levou à criação de instâncias especializadas no julgamento de processos que abrangem a violação de direitos da criança e do adolescente, as chamadas varas da infância e juventude (BRASIL, 1990).
Seguindo o que define a lei, a equipe multidisciplinar da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, que atua na divisão psicossocial, é composta por três assistentes sociais, duas psicólogas, uma pedagoga e uma técnica judiciária, que trabalham diretamente com o Cadastro Nacional de Adoção (CNA).
O trabalho da equipe multidisciplinar na Vara da Infância e Juventude de São Luís é relacionado para fornecer subsídios técnicos para o magistrado. Quando solicitado pelo mesmo, esses subsídios são o resultado de estudos sociais entregues através de laudo e parecer social produzido pelas profissionais.
As demandas que chegam até a 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, em sua maioria, são questões relacionadas a processos de guarda, tutela, adoções, negligência, alienação parental, entre outras. Todas as demandas são assistidas pela mesma equipe técnica citada acima, de forma que é perceptível a grande demanda para uma equipe reduzida.
5.5. Análise dos entraves, desafios e possibilidades no processo de adoção tardia na 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís - MA
O processo de adoção, mais precisamente o processo de adoção tardia, é permeado por desafios e mitos que geralmente contribuem de forma negativa para que não aconteçam as adoções de crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade. Além dos mitos e medos que permeiam a adoção tardia, os entraves encontrados dentro da própria dinâmica do judiciário são fatores que acarretam morosidade ao trâmite legal da adoção, fazendo com que a sentença adotiva leve meses e às vezes até anos para acontecer. Souza (2012, p.3) fala que:
[...] para a justiça que aplica a lei, realmente, houve um avanço, pois agora é possível se fazer uma análise mais detalhada das pessoas ou mesmo casais que querem adotar. Enquanto para aquele que passa pelo processo de adoção, a mesma precisa desburocratizar-se, tornando mais rápido e menos desgastante o processo. O conhecimento exclusivo da lei não nos isenta dos transtornos, às vezes ocasionados pela falta de estrutura de determinados órgãos quando precisamos de seus serviços [...] os nossos legisladores elaboram leis que teoricamente resolvem os problemas, mas a falta de estrutura acaba por dificultar a execução do mesmo.
Em entrevista realizada, in loco, com uma das assistentes sociais da vara da infância e juventude que atua há seis anos na 1ª Vara da Infância e Juventude e atualmente é também coordenadora da Divisão Psicossocial da mesma vara, foi possível compreender como acontece o processo de habilitação de pretendentes à adoção na realidade da capital maranhense, entender todo o processo de adoção e analisar quais os entraves, desafios e possibilidades dentro do processo de adoção tardia. Ainda através da entrevista com a técnica judiciária, que é responsável pelo CNA em São Luís, foi analisar o cenário de postulantes habilitados e crianças e adolescentes aptos a serem adotados e entender como se dá o processo de habilitação para adoção.
A assistente social explicou que o processo de habilitação para as pessoas que pretendem adotar é regido pelo passo a passo que citamos no segundo capítulo deste trabalho, que de acordo com o Conselho Nacional de Justiça é um padrão a ser seguido nacionalmente. A divisão psicossocial, que é coordenada pela assistente social referida no início deste parágrafo, é responsável por realizar as entrevistas psicossociais com os postulantes, por organizar e aplicar os cursos preparatórios para adoção e acompanhar o estágio de convivência entre os pretendentes e as crianças ou adolescentes que serão adotados, para que, ao final desse estágio, seja dado o devido parecer social que vai subsidiar o juiz sobre qual sentença proferir.
Sobre a adoção tardia, a assistente social diz que:
Existem muitas questões relacionadas à adoção tardia, devemos primeiramente pensar em quais são os determinantes ou as expressões da questão social que fizeram com que os abrigos estivessem com um grande número de crianças e adolescentes com mais de dois anos, e grupos de irmãos maiores que são muito comuns aqui em São Luís. Devemos nos perguntar se foram oferecidas oportunidades suficientes por parte do Estado para as famílias de origem dessas crianças, evitando assim os problemas que levaram à destituição do poder familiar (Assistente Social da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, 2018).
O cenário em relação ao perfil de crianças que os pretendentes procuram aqui em São Luís, assim como no restante do país, versa pela preferência por meninas com idade de até dois anos. A realidade das crianças que estão nas instituições de acolhimento é diferente, pois geralmente são crianças maiores de dois anos e grupos de irmãos. Sendo assim, essa situação em relação ao perfil buscado é um dos primeiros desafios para a modalidade adoção tardia, dentre tantos outros. D acordo com Simon (2007, p.46):
Em se tratando da adoção, em consequência do tempo transcorrido durante esse processo, as características das crianças e adolescentes afastados de suas famílias originais vão paulatinamente distanciando-se do perfil desejado pela maioria dos adotantes. Dessa forma observa-se a organização de duas filas paralelas: uma formada por centenas de crianças, a maior parte negras ou mestiças, com idade superior à 6 anos e com histórico de abuso físico e psicológico, asiladas em instituições de abrigo . Outra constituída por casais, em sua maioria, interessados em adotar uma criança recém-nascida, saudável, branca, sem histórico de violência e, de preferência, parecida com os adotantes.
São muitos os obstáculos que perpassam a realidade da adoção tardia e eles precisam ser enfrentados. A indiferença com relação às crianças e adolescentes que permanecem esquecidos em instituições precisa ser encarada. Os desafios das adoções tardias, inter-raciais, de crianças com necessidades especiais e de grupos de irmãos, precisam ser pautas de discussões e ações (GRANATO, 2013).
Quando as solicitações do juiz da vara da infância e juventude chegam até a divisão psicossocial, elas são avaliadas e divididas entre as assistentes sociais da equipe. Então se encontra mais um desafio dentro do processo de adoção tardia, a grande demanda do setor que não atende apenas aos casos de adoção e a equipe de profissionais pequena, o que acaba trazendo um acúmulo e, consequentemente, uma demora aos trâmites processuais. Segundo a assistente social entrevistada que compõe a equipe multidisciplinar, “os estudos demoram e precisam de tempo, cada caso é diferente e trata de uma realidade particular, sendo assim deve ser feita uma análise com responsabilidade, mesmo que isso demande muito tempo”. Ela afirma ainda que: “Hoje, eu considero que seria o maior entrave dentro do processo de adoção, essa carência de recursos humanos para a grande demanda que chega para análise da equipe multidisciplinar na capital São Luís” (Assistente Social da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, 2018).
De acordo com o discurso da assistente social sobre esses desafios e entraves enfrentados dentro da 1ª Vara da Infância e Juventude, compreende-se que essa morosidade torna ainda mais complexa a realidade das crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade que aguardam por uma adoção. Tendo em vista que algumas crianças já chegam com idade superior a dois anos nas instituições e que antes de serem inscritas no Cadastro Nacional de Adoção, o poder judiciário atua em todas as tentativas possíveis de manter essa criança ou adolescente no seio da família natural ou extensa.
Consequentemente, apenas quando esgotadas todas as alternativas e a criança continua sem um lar, inicia-se efetivamente a instalação do “Processo de Destituição do Poder Familiar”, quando se rompe definitivamente os vínculos biológicos da criança com sua família de origem. Segundo a lei, esse processo deve durar no máximo 120 (cento e vinte) dias, o que na prática nem sempre acontece (PINTO, 2016).
Questionada sobre quais os desafios externos ao ambiente judiciário que influenciam no processo de adoção tardia, a profissional da 1ª Vara da Infância e Juventude pontua que o preconceito social e a influência, principalmente da mídia sobre a burocratização do processo legal, são ainda grandes desafios que necessitam de atenção peculiar.
Ela exemplifica dizendo:
Encontramos o preconceito incumbido em falas de apresentadores de programas de grande alcance, quando fazem referência à adoção de bebês como sendo perfeita e colocando isso como um ato de altruísmo. Ou em novelas que sempre colocam que adotar crianças maiores ou adolescentes, ou mesmo ter um filho por meio da adoção é sempre ter problemas, como se adoção tardia caracterizasse um fracasso familiar (Assistente Social da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, 2018).
Concordamos com Souza (2012) sobre a mídia ter função informativa e educativa, tendo como atribuição levar as informações corretas e que cumpram com sua função social. Souza (2012, p.115) explica que:
A mídia tem função social, informativa e educativa e certas “falas” afetam as relações familiares. O filho que agora “é filho”, mas passou pelo processo adotivo se sente humilhado, pois em geral a menção da adoção vem ligada a fatos desagradáveis, dando ênfase ao lado negativo.
O trabalho da equipe multidisciplinar, no cenário da adoção, também perpassa a fase de diálogo com os pretendentes. Momento em que, segundo a assistente social, é possível desmistificar certos tabus em relação à adoção de crianças e adolescentes maiores de dois anos de idade e fazer com que os pretendentes à adoção entendam que existe uma diferença entre o que é construído no imaginário sobre seus futuros filhos e o que realmente acontece na prática. É preciso, segundo Queiroz (2004), que os pais e mães possam percorrer o caminho entre o filho(a) ideal e o filho(a) real para que esse último não fique colocado na posição de estranho em sua família.
Para que ocorra o sucesso no projeto adotivo, o casal adotante e toda a família precisam estar alinhados de igual forma. É necessário que cada cônjuge, no caso de adoção por casais, e para o indivíduo, em caso de adoção unilateral, que avalie a sua posição com relação ao projeto de adoção, que traz subjacente o desejo inconsciente que cada um tem por seu parceiro e pela criança (HAMAD, 2002, p.18).
Entretanto, o diálogo com os pais e mães pretendentes à adoção não pode se tornar coercitivo, como afirma a assistente social da vara da infância e juventude:
O profissional tem que respeitar as necessidades da criança, mas também deve respeitar o desejo de cada pretendente sobre o perfil que escolheu. Quando não se respeita os limites de postulantes e de crianças e adolescentes, ao invés de garantir que seus direitos sejam emancipados, você acaba violentando as pessoas (Assistente Social da 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís, 2018).
O que se compreende é que as pessoas não chegam até a 1ª Vara da Infância e Juventude de São Luís com o desejo de adotar crianças maiores de dois anos e isso deve ser respeitado. Entretanto, após passarem por momentos de diálogos com as profissionais da equipe multidisciplinar, alguns pretendentes acabam modificando o perfil da criança que deseja no CNA.
Sobre isso, a técnica judiciária da vara da infância e juventude, responsável pelo Cadastro Nacional de Adoção em São Luís, diz que:
Apesar deste não ser o primeiro desejo dos postulantes, a assistente social pontua que quando esses pretendentes passam pelo curso preparatório de adoção, muitos chegam até a mudar o perfil das crianças desejadas. Quando compreendem que é a idade do filho que vai definir como será a vida da família após a adoção, mas sim a entrega mútua de ambas as partes (Técnica Judiciária responsável pelo CNA em São Luís, 2018).
Desta forma, entendemos que a participação dos postulantes à adoção, em momentos que tratam de desmistificar os mitos em torno da referida temática como em palestras e grupos de apoio a adoção, assim como a participação no curso preparatório, que é uma etapa do processo de adoção. Dessa forma, pode ser caracterizado como uma possibilidade de incentivo à adoção tardia e outras modalidades da adoção que são socialmente permeadas pelo preconceito social.
Concordamos com o pensamento de Dias (2010) onde pontua que a chegada da criança ou adolescente demanda investimentos afetivos e expectativas que envolvem todo o sistema familiar, em que todos ficam à espera e ansiosos para assumirem novos papéis. A autora ressalta a importância de todos os familiares também serem preparados para uma possível adoção, pois estes desempenharão papel importantíssimo na vida da criança. Os familiares, da mesma forma que podem ajudar e contribuir para a adaptação da criança ou adolescente à nova família, porém, estes podem ser caracterizados como obstáculos com seus comentários maldosos ou mesmo atitudes.
A assistente social e a técnica judiciária que foram entrevistadas afirmam que, sobre as possibilidades de melhora dentro do processo de adoção tardia, cabe destaque à necessidade de dar celeridade aos processos. Mas, não é apenas encurtando os prazos, como foi colocado nas alterações realizadas com a Lei 13.509/2017, mas sim, ampliando a equipe técnica para que todo processo cumpra seu prazo sem que a análise real de cada caso, através dos estudos sociais, seja comprometida.
A técnica judiciária ressalta também a importância do trabalho dos grupos de apoio à adoção, no caso, aqui em São Luís o AME – Grupo de Apoio a Adoção, com a promoção de palestras e rodas de conversa, para que a sociedade em geral possa conhecer e tirar dúvidas sobre o processo de adoção e, consequentemente, sobre a adoção tardia.
O postulante que participa de palestras, de grupos de apoio à adoção e compreende que a adoção legal é uma forma de garantir que seja realizada a escolha certa tanto para a criança ou adolescente quanto para o próprio pretendente, quando chega aqui na Vara da Infância e Juventude já entendem a realidade do processo de habilitação no CNA e que isso é necessário (Técnica Judiciária responsável pelo CNA em São Luís, 2018).
Santos (2010, p. 10), comenta sobre o papel do estado dizendo:
O Estado deve enfatizar seus propósitos em campanhas publicitárias que tragam em seu escopo a importância e finalidade de se adotar alguém, e o que é mais significativo: a de não impor barreiras, isso é, a de não traçar um perfil delimitado e escasso na busca de tais sujeitos de direito.
Compreendemos que a morosidade do processo de adoção é resultado de várias ações ou mesmo omissões por parte da sociedade e principalmente do estado, que é o responsável pela implementação das políticas que devem garantir o bem-estar de crianças e adolescentes prioritariamente, conforme preconiza as leis já citadas neste trabalho.
As crianças e adolescentes que se encontram em instituições de acolhimento em São Luís e aguardam pela adoção, são quem mais sofre com toda a demora nos processos de adoção. Quando se trata de crianças e adolescentes com mais de dois anos de idade, o sofrimento pela espera de uma família é ainda maior. Por isso, todo esforço por parte da sociedade, da mídia e do Estado para melhorar o processo de adoção é importante e decisivo na vida dessas crianças e adolescentes, que são pessoas em desenvolvimento e sujeitos de direitos que devem ser respeitados em qualquer situação.
6. CONCLUSÃO
Podemos concluir que o instituto da adoção passou por diversas modificações ao longo dos anos. Como abordado no primeiro capítulo deste trabalho, a adoção no Brasil passou a ser normatizada juridicamente a partir do Código Civil de 1916. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o instituto da adoção passou por grandes avanços com relação à garantia dos direitos de crianças e adolescentes, com destaque para o que está previsto no art. 227 da referida Constituição, que deixa claro a responsabilidade de proteção de toda criança e adolescente por parte da família, da sociedade e do Estado. Logo, com o advento da CF rompeu-se com a ideia de que a adoção era somente uma ferramenta para atender as necessidades de casais que por algum motivo não poderiam ter filhos biológicos. Em 2002 aconteceu a reformulação do Código Civil, onde foram revogados alguns artigos (art.1.620 a 1629) que tratavam sobre a adoção com caráter controverso ao que estava disposto na Carta Magna de 1998.
Em 1990, com a aprovação da Lei 8.069/90, foi instituído o Estatuto da Criança e do adolescente, que aborda sobre diferentes temáticas relativas aos direitos de crianças e adolescentes, inclusive sobre a adoção. Em 2008 houve a criação do CNA que foi instituído com o objetivo principal de agilizar os processos de adoção no país. Entretanto, apenas o CNA não foi suficiente para dar a esperada celeridade aos processos.
Sendo assim, em 2009 foi aprovada a Lei 12.010/09, a chamada “Lei da Adoção”, que dispõe sobre as diversas modalidades da adoção e aborda o passo a passo legal que deve seguido pelo judiciário. A nova lei estabeleceu que as crianças e adolescentes não podem permanecer por mais de dois anos nas instituições de acolhimento. Contudo, os dados abordados durante este trabalho mostraram que, infelizmente, até a atualidade, esse prazo não é cumprido na íntegra.
O objetivo deste estudo, de analisar os entraves, desafios e possibilidades da adoção tardia na 1ª Vara da Infância e juventude da cidade de São Luís, foi alcançado com êxito, de forma que no último capítulo do trabalho foram demonstrados a partir de dados atualizados do CNA e através da análise do discurso das profissionais obtidos com as entrevistas, que dentre os principais desafios que acometem o processo de adoção, a morosidade do processo é que mais influencia. Isso se agrava por conta do contingente de profissionais ser pequeno diante das demandas que chegam até a Vara da Infância e Juventude, fazendo com que as crianças e adolescentes que se encontram em instituições de acolhimento, esperem ainda mais tempo pela família tão sonhada por meio da adoção. Outro desafio encontrado é em relação ao pensamento de burocratização que a sociedade tem sobre o processo legal de adoção, por conta do que é mostrado através da mídia, onde coloca a adoção legal como um processo demorado e acessível apenas para quem tem condições financeiras de arcar com um advogado particular durante o trâmite processual. Isso acaba levando as pessoas a praticarem a conhecida “adoção à brasileira”, onde “pegam para criar” a criança ou adolescente como filha(o), sem nenhuma garantia legal a ambas as partes. O principal entrave encontrado é o preconceito que faz morada historicamente no imaginário da sociedade que acredita que ter um filho(a) por meio da adoção é adquirir problemas para o futuro, quiçá quando se trata de uma adoção tardia que é a modalidade onde as crianças e adolescentes, maiores de dois anos de idade, mais sofrem com o preconceito e exclusão por parte dos pretendentes.
Sendo assim, entendemos que foi corroborada a hipótese prevista no projeto de pesquisa, onde considerava que a morosidade no processo de adoção e o preconceito da sociedade eram os fatores determinantes para os entraves e desafios em torno da adoção tardia.
Neste sentido, existe a necessidade da reformulação ou elaboração de novas políticas públicas voltadas ao instituto da adoção que atendam, de fato, à garantia do direito da criança e do adolescente de crescerem no âmbito familiar e comunitário de forma digna. Necessita-se também de mais participação da mídia em parceria com os diversos atores que lidam com o processo de adoção (Vara da Infância e Juventude, Ministério Público, Defensoria Pública, Grupos de Apoio à Adoção, etc.), seja no ordenamento jurídico ou no âmbito da sociedade civil organizada, levando discussões, campanhas e informações sobre as diversas modalidades da adoção, desmistificando os mitos sobre o processo legal da adoção e incentivando a sociedade, em geral, sobre esse encontro de corações e de vidas que é a adoção. Outra possibilidade encontrada durante o estudo foi a implementação de um trabalho de parceria entre Estado, mídia e sociedade com ênfase em desmistificar o preconceito que rodeia o instituto da adoção, sensibilizando a todos sobre o principal objetivo da adoção, que é garantir que todo ser humano tenha direito a conviver no seio de uma família que lhe garanta apoio e proteção.
Enfatizamos também que a possibilidade encontrada como forma de enfrentar o desafio, com relação ao contingente de profissionais da vara da infância, é a realização de concursos públicos para a contratação de mais profissionais, para que se possa realizar a ampliação das equipes especializadas e, assim, atender às reais necessidades da 1ª Vara da Infância e Juventude do município de São Luís, onde tramitam os processos de adoção.
A adoção é tardia sim, para aquelas meninas e meninos que aguardam por uma família durante anos em instituições de acolhimento, pois cada data comemorativa como o dia dos pais, dia das mães ou mesmo o natal são como sentenças que lhes são dadas, reavivando o sentimento de abandono. Por isso, é necessário entender que a adoção, em qualquer modalidade, trata-se da vida de seres humanos cheios de sonhos e desejos, que só precisam de uma oportunidade para se tornarem protagonistas de suas histórias. É justamente por isso que deve ser desconstruída a ideia do filho perfeito e construídas as histórias singulares de amor.
Adoção não é um processo de compra e venda ou apenas um processo legal, mas sim um processo de encontro de vidas onde somente o amor torna-se o fator determinante e concluinte.
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8. APÊNDICE A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
O(A) Senhor(a) está sendo convidado a participar de uma pesquisa intitulada “________________________________________________________”. O estudo se destina a Investigar ____________________________________________, por meio de uma entrevista e sob a orientação da Prof (a). ___________.
Se depois de consentir em sua participação o Sr(a) desistir de continuar participando, tem o direito e a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer fase da pesquisa, seja antes ou depois da coleta dos dados, independente do motivo e sem nenhum prejuízo a sua pessoa.
O Sr (a) não terá nenhuma despesa e também não receberá nenhuma remuneração. Os resultados da pesquisa serão analisados e publicados, mas sua identidade não será divulgada, sendo guardada em sigilo.
Para qualquer outra informação, o Sr(a) poderá entrar em contato com a aluna _______________________responsável pela coleta pelo telefone (98)__________ ou email: ______________________________
Consentimento Pós–Informação
Eu,___________________________________________________________, fui informado e devidamente esclarecido sobre o que o pesquisador quer fazer e porque precisa da minha colaboração, e entendi a explicação.
Declaro que, após ser esclarecido pelo pesquisador a respeito da pesquisa, consinto voluntariamente em participar desta pesquisa e autorizo a gravação da entrevista, sabendo que não vou ganhar nada e que posso sair quando quiser.
Este documento é emitido em duas vias que será assinada por mim e pela pesquisadora.
Data: _________ de _______de 2017.
_______________________________
Assinatura do participante
________________________________
Assinatura do Pesquisador Responsável
9. ANEXO A - OFICIO
Por Bianca Layane Mesquita da Silva
Publicado por: BIANCA LAYANE MESQUITA DA SILVA
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