ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES: instrumentos de proteção e seus aspectos jurídicos

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1. RESUMO

Abuso sexual contra criança e adolescente e seus instrumentos de proteção. Aborda-se a violência cometida contra crianças e adolescentes, enfocando o abuso sexual, conceito, fatores desencadeantes, as consequências decorrentes, dentre outras. Identificam-se alguns dos principais tipos penais relacionados, que possuem dispositivos para penalização do abusador, enquanto por outro lado serão apresentados alguns instrumentos de proteção contra esse tipo de violência, as leis e suas implicações, em especial a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e Adolescente dentre as várias formas de combater o abuso sexual infanto juvenil.

Palavras-chave: Criança. Adolescente. Violência. Abuso sexual. Instrumentos de Proteção.

ABSTRACT

Sexual abuse against children and adolescents and their hedge instruments. Approaches to violence against children and adolescents, focusing on sexual abuse concept, triggering factors, the consequences, among others. Identifies some of the major criminal offenses related to devices that have penalized the abuser, while on the other instruments will be presented some protection against this type of violence, the laws and their implications, in particular the Federal Constitution and the Statute of the Child and teen among the various forms of combat sexual abuse children and teenagers.

Keywords: Child. Teenager. Violence. Sexual abuse. Instruments for Protection

2. INTRODUÇÃO

O abuso sexual de criança e adolescente é um dos tipos de violência mais cruéis presente na sociedade, que perpetua na história e sobrevive, fazendo com que principalmente as crianças se tornem os principais alvos, até mesmo pelo fato de estarem numa situação de vulnerabilidade maior que os outros indivíduos na sociedade.

Portanto, tratar desse assunto é de suma importância, pois o abuso sexual é uma grande violação dos direitos humanos, situação esta que pela gravidade dos males decorrentes de tal atitude criminosa, pode ser comparada à tortura, ao tratamento cruel, desumano e degradante, pois a vítima é abalada em toda sua estrutura, visto que a criança e adolescente devem ter protegidos os seus direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízos da sua integridade física, psíquica, e moral.

Esse tipo de violência cometido contra criança e adolescente é um problema que lamentavelmente a cada dia aumenta mais o número de vítimas, que deve ser combatido com ações efetivas do Estado, com a ajuda da família e com a participação da sociedade, dos profissionais da educação, da saúde, do judiciário, os quais devem se empenhar para protegê-las, visto que a lei dispõe da proteção integral dos mesmos.

Por ser um crime que na maioria das vezes ocorre no âmbito familiar, torna-se mais difícil de ser combatido, pois trata-se de um problema que muitas vezes permanece protegido pelo silêncio,  e com isso o autor do crime acaba ficando impune.

Percebe-se assim, que não é uma tarefa fácil combater tal conduta criminosa, principalmente quando acontece nas relações familiares, uma vez que a família “é” ou “deveria ser” uma instituição que tem o papel de repassar valores para os seus integrantes e quando esses valores são perdidos, a instituição familiar torna-se desestruturada a ponto de prejudicar todos que a integram.

Dessa forma, percebe-se que a família exerce um papel essencial na proteção de seus integrantes, principalmente as crianças e adolescentes, podendo assim ajudar no combate a esse grande problema social, que pelo fato de causar vários danos físicos, psicológicos e sexuais à vítima, é considerado pelo Ministério da Saúde uma grande violação dos direitos humanos e uma questão de saúde pública.

Por ser uma grande violação de direitos, há necessidade da intervenção de profissionais capacitados de várias áreas, os quais devem trabalhar conjuntamente ajudando no processo de enfrentamento e prevenção do problema do abuso sexual de crianças e adolescentes.

Sendo assim, através desse trabalho, a partir de leituras sobre o assunto em livros; artigos científicos; pesquisas, aplicação de questionários, em especial uma visita técnica na Delegacia de Proteção a Criança e Adolescente (DPCA), na 9ª Vara Criminal e no Conselho Tutelar fez com que contribuísse consideravelmente para a realização deste trabalho, dando oportunidade de obter um maior conhecimento sobre o referido assunto.

Desse modo, o presente estudo está organizado em cinco capítulos. Primeiramente será apresentado um breve histórico sobre a violência praticada contra crianças e adolescentes, desde antes de Cristo.

Mais adiante no terceiro capítulo será abordado o conceito e tipos de abusos sexuais, medidas legais, fatores que desencadeiam, facilitam e perpetuam a violência, consequências decorrentes para as vítimas, perfil das famílias onde acontecem os abusos, perda do poder familiar e o atendimento às vítimas.

Já no quarto capítulo será tratado sobre os dispositivos legais que tratam sobre crimes sexuais envolvendo crianças e adolescentes presentes no Código Penal, assim como os instrumentos de proteção como: a Constituição Federal, a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e o Estatuto da Criança e do Adolescente.

E por final, no quinto capítulo abordar-se-á o papel do Estado, da família, da sociedade, do Ministério Público, do Conselho Tutelar, da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente, e do Poder Judiciário como instrumentos de proteção da criança e adolescente.

3. BREVE HISTÓRICO SOBRE VIOLÊNCIA CONTRA CRIANÇA E ADOLESCENTE

Historicamente há muitas notícias demonstrando o desrespeito aos direitos das crianças e adolescentes, principalmente as crianças nos seus primeiros anos de vida, que devido a sua fragilidade e dependência física e psíquica frente aos adultos, tornavam-se alvos de muitas barbaridades cometidas contra as mesmas.

Há relatos de violências praticadas contra crianças e adolescentes desde antes de Cristo, que muitas vezes era lhes tirado à vida, uma vez que o infanticídio era visto como uma prática comum nas sociedades antigas.

Demonstra-se desde a Bíblia Sagrada quando em alguns capítulos mencionam crianças sendo vítimas de violências, como exemplo tem a história que a pedido de Deus Abrão leva seu único filho para ser sacrificado nas montanhas em holocausto para ser ofertado à Ele. (Gênesis 22,1-7).

Em épocas anteriores a Cristo existia uma lei que determinava aos pais que caso seus filhos fossem desobedientes reiteradamente, estes deveriam ser entregues aos anciãos para serem apedrejados até a morte. (ASSIS, 1994 apud RANGEL, 2009 p.31)

Dessa forma, no Antigo Testamento pode-se perceber que a vida das crianças em algumas passagens bíblicas é menos valorizada que a dos adultos, cabendo aos pais decidir sobre a vida destas, como se não bastasse, numa fase de extrema miséria que o povo hebreu passou, carecendo de muitas coisas, inclusive alimentos, as crianças eram as primeiras alternativas sugeridas, para saciar a fome da população. (ASSIS, 1994 apud RANGEL, p.31).

As crianças durante muito tempo da história foram alvos de muitas crueldades, o exemplo mais conhecido pelos cristãos é o da época do nascimento de Jesus Cristo, onde Herodes por ter sido ludibriado pelos reis magos e não terem feito o que ele determinara, ficou com raiva e mandou que os seus soldados matassem todos os meninos que tivessem menos de dois anos naquela cidade e assim foi feita sua vontade. (Mt 2.13-18).

Em se tratando de decisão sobre a vida das crianças, Assis (Apud RANGEL, 2009. p. 30) afirma que “[...] na Antiguidade Clássica, os pais e o Estado decidiam sobre a vida e a morte das crianças”.

Durante muito tempo as crianças foram tratadas como “coisas”, ou então como indivíduos de segunda categoria, por essa razão não eram tratados como sujeitos de direito, por isso que o interesse das crianças de nada valia.

Aproximando-se do objeto de estudo, que é envolvimento de crianças em atividades sexuais com adultos, este foi visto de diversas maneiras dependendo da época e do lugar onde acontecia que de acordo com Azevedo e Guerra (apud MAGALHÃES, 2005. p.28) demonstram com o seguinte trecho: “A idéia de normalidade das relações sexuais adulto-criança está presente em pelo menos três grandes vertentes históricas: na tradição grega, na tradição judaica e na tradição sumeriana.”

Por exemplo, na Grécia Antiga era comum a prática sexual entre os alunos e os professores, como também a prostituição das crianças do sexo masculino. Além do mais, tinha uma enorme diferença no tratamento das crianças escravas e das crianças livres, sendo que as crianças escravas corriam o risco de serem entregues para satisfazerem as vontades sexuais dos adultos daquela época. (MAGALHÃES, 2005, p.28).

Percebe-se assim, o quanto que as crianças daquela época não eram valorizadas, mas foi somente a partir do século XVII ao XIX que o “sentimento de infância” foi surgindo na sociedade. (ÀRIES apud MAGALHÃES, 2005, p.37)

Já na época de 374 d.C, o infanticídio e o aborto passou a ser recriminado pela sociedade e considerado um pecado, amparado pelo direito canônico, podendo a mulher até mesmo ser excomungada por conta do aborto criminoso. (ASSIS,1994 apud RANGEL, 2009, p. 32).

A partir de tais relatos, pode-se afirmar que a violência acompanha a trajetória da humanidade, desde tempos mais primitivos, até os dias atuais e que em determinadas épocas era vista como normal e em razão da grande violação dos direitos da criança e adolescente, houve necessidade de serem criadas leis específicas para que esses direitos fossem tutelados, e essas vítimas fossem protegidas.

Nesse sentido, os séculos XX e XXI foram marcados pela elaboração de instrumentos legais internacionais e nacionais que tutelassem os direitos da criança e o adolescente, dentre essas a Convenção Americana sobre Direitos da Criança, em 1989, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a qual serviu de exemplo para regulamentação dos direitos da criança e do adolescente em todo o mundo, colocando estes como sujeitos de direitos, e foi a partir dessas discussões baseadas no princípio da Dignidade Humana é que impulsionou a elaboração aqui no Brasil da Constituição Federal de 1988, inserindo em seu artigo 227 a proteção integral das crianças e adolescentes.

A partir desse enfoque ao princípio da proteção integral da criança a do adolescente assegurado na Constituição Federal é que na tentativa de obedecê-lo foi criada uma lei especial, no que tange o público alvo infanto juvenil, a Lei nº 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que embora seja muito criticada, é uma das formas de proteger as crianças e adolescentes de vítimas de negligência, abusos, discriminação e qualquer outro tipo de violação de direitos dessas pessoas em estado de desenvolvimento, onde tem prioridade absoluta da família, da sociedade e do Estado.

Portanto, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tornou-se um dos principais instrumentos de proteção das crianças e dos adolescentes de qualquer tipo de violência praticadas contra as mesmas.

4. ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES

4.1. Conceito(s) e tipos de abuso sexual

A professora Doutora Maria Amélia Azevedo (2011 p.153) em uma de suas obras define o abuso sexual de forma ampla como “toda e qualquer ação violadora da liberdade sexual da pessoa humana, ou seja, conduta que interfira na disponibilidade de utilização do corpo, desrespeitando o direito de escolha”.

Segundo ABRAPIA (apud MAGALHÃES, 2005, p.22) define o abuso sexual como sendo a:

[...] situação em que uma criança ou adolescente é usado para gratificação sexual de um adulto ou adolescente mais velho, baseado em uma relação de poder. Inclui a manipulação da genitália, mama ou ânus, exploração sexual, ‘voyeurismo’, pornografia e exibicionismo e o ato sexual com ou sem penetração, com ou sem violência.

O abuso sexual contra criança e adolescente constitui-se uma das categorias de maus-tratos mais cruéis praticado contra estas, que inclui tanto o abuso físico, quanto o psicológico.

Os tipos de abuso sexual podem ser do tipo intrafamiliar ou extrafamiliar. No que diz respeito à violência sexual intrafamiliar praticada contra criança e adolescente Rangel (2009, p.25) tem a seguinte definição: “Relações com conotação sexual entre pais e filhos, crianças ou adolescentes, no interior da família, sejam os laços que os unem consanguíneos, afins ou civis”.

Enquanto o abuso sexual extrafamiliar é aquele que é cometido por alguém que não pertence à família da vítima, mas na maioria dos casos é alguém conhecido que geralmente acaba conquistando a confiança da família e da vítima, procurando sempre desculpas para ficar sozinho com esta, com intuito de facilitar tal atitude criminosa, o abusador pode ser um vizinho, professor, amigos dos pais, amigo mais velho, dentre outros.

4.2. Fatores que desencadeiam, facilitam e perpetuam o abuso sexual

Existem vários fatores que podem desencadear, facilitar e perpetuar o abuso sexual contra criança e adolescente, a maioria dos casos de abuso  acontece no âmbito familiar, onde os abusadores se aproveitam  principalmente da confiança que as mesmas têm por eles, facilitando assim a conduta criminosa.

Portanto fica muito mais complicado a vítima perceber que há algo de errado com tal atitude do abusador, ainda mais porque principalmente a criança não tem discernimento total que ele está sendo vítima de tamanha crueldade, como afirma Lamour  (apud RANGEL, 2009, p. 123) “[...] os adultos que procuram crianças pequenas como parceiros sexuais descobrem rapidamente [...] que as crianças não têm defesas, não se queixam nem resistem[...]”, levando em consideração também a pouca resistência física por conta da estrutura corporal.

Há vários outros fatores desencadeantes para a ocorrência dessa situação, quais sejam: a desestruturação familiar, destituição do papel de pai ou mãe no lar, desemprego, uso de drogas, bebida alcoólica, miséria, moradia precária, doenças mentais, como também a delinquência dos pais ou responsáveis, levando em consideração que esses fatores não são determinantes, uma vez que há também vários exemplos de casos de abusos em famílias que não possuem nenhum desses fatores desencadeantes.

Em se tratando de drogas e bebida alcoólica, vale lembrar que o artigo 19 do ECA dá uma atenção especial a esse fator, quando assegura o “[...] direito da criança e adolescente a ter uma convivência familiar em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”, pois situação de risco como essa, pode até levar a perda do poder familiar, assunto esse que será tratado posteriormente.

Outro fator que contribui para que essa situação se agrave principalmente no âmbito doméstico é quando a mãe precisa se ausentar de casa para ir ao trabalho e não tem onde e nem com quem deixar os filhos, restando assim deixá-los sob os cuidados de alguém mais velho, da família; ou de um cuidador.

No que tange o papel do pai na criação dos filhos, as concepções patriarcais contribuem para tal situação, podendo-se afirmar que:

O exercício da paternidade, ainda hoje, está muito relacionado com o dever de sustento dos filhos, a maior obrigação do homem provedor, fruto do patriarcado. Este homem não se sente responsável pelos demais compromissos com a formação e desenvolvimento da criança, atribuições consideradas femininas. Estudos recentes (ROSENFELD, 1997; MAZET, 1997) têm apontado para a correlação entre o tipo de exercício da paternidade e os abusos sexuais. Pesquisa realizada por Seymour & Parker, relatada por Mazet (1997), envolvendo pais que não praticam abusos tinham um relacionamento parental muito mais próximo com seus filhos, desde o início de suas vidas, enquanto que os pais incestuosos eram bem pouco engajados no exercício da paternidade. (RANGEL, 2009. p. 126)

Cabe destacar, que o abuso sexual praticado contra crianças e adolescentes necessita de uma atenção especial voltada não somente as questões no âmbito familiar, mas também aquelas onde estas desenvolvem suas atividades sociais, como creche, escola, igreja, dentre outros ambientes que as crianças e adolescentes passam a maior parte do tempo. Em razão da situação de vulnerabilidade que se encontram, as maiores vítimas de abuso são as crianças, como afirma Bouhet et al.(apud RANGEL, 2009 p.122):

[...] a maior parte das pesquisas realizadas até hoje fornece resultado praticamente idênticos no que diz respeito à idade: a metade dos abusos aconteceu antes dos doze anos (...) o conjunto dos estudos de prevalência demonstra que a criança está mais “exposta” entre os nove e doze anos de idade

Conforme o levantamento obtido pela Delegacia de Proteção a Criança e Adolescente (DPCA), anexo C, no que se refere ao crime de estupro, foram registrados 34 crimes no ano de 2012, enquanto 206 casos de crimes de estupro de vulnerável nesse mesmo ano, conforme demonstrado abaixo:

Gráfico 1 – Idade das vítimas

Fonte: DPCA (2012)

Percebe-se que os principais alvos dos abusadores sexuais, são os considerados vulneráveis, ou seja, aquelas pessoas com menos de catorze anos, por isso cabe à família o dever de cuidar e vigiar para coibir tais atitudes criminosas.

4.3. Consequências decorrentes para as vítimas de abuso sexual

Lamentavelmente, as experiências sofridas pelas vítimas de abuso sexual deixam traumas que muitas vezes perduram por toda a vida dessa pessoa e por consequência acaba influenciando negativamente em vários aspectos.

Similarmente a violência sexual também acarreta uma série de agravos à saúde física e emocional de mulheres e adolescentes e crianças. A Associação Médica Americana reporta que as vítimas de estupro apresentam o seguinte quadro psicológico: ansiedade, pesadelos, fantasias catastróficas, sentimentos de alienação e isolamento, além de problemas sexuais. Como impactos à saúde física, a Associação cita fadiga, cefaléias, distúrbios do sono e dos padrões de alimentação e, em especial, o risco de gravidez e de contágio de doenças sexualmente transmissíveis, tais como HIV/AIDS. (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011a, p 18)

As consequências maléficas decorrentes para as vítimas de abuso sexual são inúmeras, desde a época dos acontecimentos, até mesmo depois de interrompido o ciclo perpetuador da violência, principalmente quando se trata de abuso sexual cometido por pessoas da própria família, os males causados por conta dessa situação, faz com que a vítima carregue consigo um trauma por toda a vida, por isso que muitas vezes a vítima chega à fase adulta, apresentando alguns problemas oriundos desse tipo de abuso.

É nesse entendimento que Cohen citado (RANGEL 2009, p.136) afirma que:

[...] o abuso sexual intrafamiliar recorrente é um problema muito mais complexo do que a relação sexual entre duas pessoas, que encontra sustentação no modo de funcionamento da estrutura familiar onde se instala. Por isso, não descartamos a possibilidade, embora não abarcada nesse estudo, de que outros membros da família onde ele ocorra, que saibam de sua existência, estejam sujeitos a se sentirem afetados, no futuro, por consequências psicológicas dessa vivência abusiva.

Sendo assim, conforme o exposto, percebe-se que as consequências maléficas decorrentes de tal situação, não refletem somente na vítima, principalmente quando se trata de abuso intrafamiliar, mas também afeta outros que estão inseridos neste grupo.

4.4. Perfil das famílias que acontecem os abusos e seus componentes

Nos casos de abuso sexual cometido por membros da família, deve-se analisar e conhecer a estrutura e o funcionamento da família, pois é nesse ambiente familiar que lamentavelmente acontecem os maiores índices de casos de abusos.

Estas famílias são vistas como estruturas fechadas em que seus componentes têm pouco contato social, principalmente a vítima. A obediência à autoridade masculina é incontestável, tem um padrão de relacionamento que não deixa claras as regras de convivência e a comunicação não é aberta, o que facilita a confusão da vítima e, consequentemente, o complô do silêncio (como revelar o que não se consegue definir, o que não se comenta, o que ‘não aconteceu’, o que “não existe’?). As formas de manifestação de carinho e afeto, quando existem, são erotizadas. Muitas vezes a vítima assume papel de mãe, tais como cuidar de crianças menores, os afazeres domésticos etc. Também pode ser colocada pela família como promíscua, sedutora e mentirosa. ‘Crê que o contato sexual é forma de amor familiar, conta estórias alegando outro agressor para proteger membro da família’. (DESLANDES apud CRAMI, 2009, p.19)

Nesse entendimento pode-se inferir que geralmente a família incestuosa tem caráter patriarcal, os papéis que cada um exerce na família não são bem definidos, somente o papel do pai, que por exercer um poder sobre os filhos, domina-os pela força e coerção, pois na maioria das vezes o abuso sexual vem juntamente com violências físicas, fazendo com que tais atitudes se tornem ainda mais cruéis. Os maiores autores de abuso cometidos contra crianças e adolescentes no âmbito familiar são os pais.

O agressor: geralmente é homem, pai, padrasto, parente, ou pessoa que tem proximidade ou afeição para com a vítima e é de sua confiança. Segundo Azevedo e Guerra (1998), ‘o agressor incestuoso(...) é tipicamente um Agressor Sexual Situacional do tipo regredido que abusa de seus próprios filhos...’ . É diferente do Agressor Sexual Preferencial ou pedófilo que a tem como objeto sexual escolhido.¹ Em seu histórico de vida é frequente encontrarmos situações de vitimização física ou sexual. Utilizam-se da sexualidade com a criança muito mais como uma gratificação compensatória para um sentimento de impotência e baixa auto-estima do que uma gratificação sexual. A relação de poder, dominação e opressão é o que move este agressor. ( CRAMI, 2009 p.19).

A título de esclarecimento, cabe realçar que Azevedo e Guerra (apud CRAMI, 2009, p. 19), apresentam a distinção entre os dois tipos básicos de agressores sexuais de crianças:

O Agressor Sexual Situacional que não tem uma verdadeira preferência sexual por crianças mas acaba se envolvendo em sexo com elas por várias razões (insegurança, fugir do estress, oportunidade, curiosidade, vingança, etc.) e o Pedófilo enquanto Agressor Sexual Preferencial que prefere fazer sexo com crianças.

No caso de família onde acontece o abuso sexual, geralmente a mãe da vítima ou adulto não abusador apresenta como características principais submissão e superproteção do marido ou companheiro abusador, e na maioria das vezes tenta encobrir o ocorrido ou então tenta justificar tal atitude criminosa. Assim também muitas vezes percebe-se que ela algum dia também foi vítima de abuso sexual, quando não, ainda está sendo vítima de violências domésticas cometidas por esse companheiro. (CRAMI, 2009, p.20).

Por esse motivo é que em muitos casos, quando tal abuso perpetua por muito tempo dentro da família, a mãe da vítima pode ser vista como, negligente, omissa ou até mesmo cúmplice de tal situação.

De acordo com Furniss, (apud CRAMI, 2009, p.20): “Algumas das crianças jamais haviam se sentido próximo as mães, e haviam se voltado para o pai em busca de cuidado emocional, sendo que o pai traiu sua confiança ao buscar sexualmente dela nesse processo”.

No que tange as vítimas de abuso sexual intrafamiliar, estas devem ter uma atenção especial para que seja feito um tratamento adequado para que não influencie com atitudes nocivas posteriormente agravando mais a situação, por isso vale destacar:

As vítimas do incesto, quando não são protegidas e não têm a chance de ser tratadas, tendem a reproduzir a relação incestogênica, podendo continuar com o ciclo perpetuador do incesto. Mas se lhes for apresentada a chance de ter seus direitos respeitados, de serem compreendidas e terem um tratamento adequado, sua história de vida poderá ser escrita sob outro ponto de vista, refazendo relações com base na afetividade e não na violência. (CRAMI, 2009, p.39)

Portanto, um tratamento adequado com base no resgate dos laços afetivos é essencial para poder ajudar as vítimas a superarem esses traumas, ainda mais porque em muitos casos as vítimas tendem a sentirem-se culpadas por tal situação.

4.5. Medidas legais

No Estatuto da criança e do Adolescente, no que tange as medidas imprescindíveis para proteger as vítimas de abuso tem-se o seguinte:

Art. 130. Verificada a hipótese de maus-tratos, opressão ou abuso sexual impostos pelos pais ou responsável, a autoridade judiciária poderá determinar, como medida cautelar, o afastamento do agressor da moradia comum.

Parágrafo único. Da medida cautelar constará, ainda, a fixação provisória dos alimentos de que necessitem a criança ou o adolescente dependentes do agressor.

Para tanto, basta a verificação de algum sinal de violência para que o juiz determine o afastamento do agressor do lar da vítima, pois o objetivo principal dessa medida cautelar é que cesse tal situação, até a apuração dos fatos, lembrando que junto com tal medida é determinado também à fixação dos alimentos, para que o sustento da família não fique comprometido.

Assim também, incorre em infrações administrativas quando profissionais ou os responsáveis sabendo do fato não comunicam a autoridade competente como consta no artigo 245 diz que:

[...] Deixar o médico, professor ou responsável por estabelecimento de atenção à saúde e de ensino fundamental, pré-escola ou creche, de comunicar à autoridade competente os casos de que tenha conhecimento, envolvendo suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente.

Percebe-se que há um artigo referindo-se a esses profissionais de saúde, pois estes têm um contato mais direto com essas crianças e jovens, e no que tange os profissionais da educação, esses têm mais facilidade de interação, haja vista que a maioria das vítimas encontra-se em idade escolar, sendo mais fácil de ser percebida qualquer mudança comportamental, onde deve ser feito a comunicação dos profissionais ao Conselho Tutelar sobre tal situação, caso contrário estes podem ser penalizados administrativamente, previsão constante no referido artigo 245 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Corroborando com tal afirmativa, no artigo 13 do ECA alerta que “nos casos de suspeita ou confirmação de abuso sexual contra criança e adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízos de outras medidas legais” e conforme o artigo 98 do ECA diz que:

[...] as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I- por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável, III- em razão de sua conduta.

Outra medida cabível no caso de suspeita ou confirmação de abuso sexual é a denúncia feita por telefone para o número 100, a qual permite que qualquer pessoa possa denunciar ameaça ou violação de direitos, dentre essas a de abuso sexual, que pode ser feita chamadas tanto de aparelho fixo ou móvel, ou até mesmo telefone público, a ligação é gratuita e a pessoa não precisa se identificar, basta somente fornecer informações precisas para que essa denúncia seja investigada pelos órgãos competentes.

A população também pode contar com mais dois telefones do Disque Denúncia para denunciar crimes de violência sexual contra criança e adolescente ocorridos no Estado do Maranhão, os números são: (98) 3223-5800 (capital) e 0300-313-5800 para o interior.

Após a denúncia, confirmando-se o abuso, no caso do agressor ser um dos pais ou então o responsável pelo menor, a autoridade judiciária competente determinará medidas de proteção à vítima, ou seja, o afastamento do abusador da moradia, visando afastar o perigo, ameaça ou lesão à vítima, conforme o artigo 130 do ECA.

4.6. Perda do poder familiar

O instituto do “pátrio poder” originou-se do direito romano, tal instituto dava aos pais o papel de exercer um direito absoluto sobre os filhos. Atualmente essa denominação mudou para “poder familiar”, dando a esse instituto obrigações dos pais para com os filhos, tendo implicações na Constituição Federal, no Código Civil e principalmente no Estatuto da Criança e Adolescente, dando uma concepção da criança e adolescente como sujeito de direitos com todo amparo legal.

Dessa forma, o poder familiar “é o complexo de direitos e deveres atribuídos ao pai e a mãe, em igualdade de condições, em relação aos filhos menores”, pois o principal objetivo é o bem estar do menor e não o poder dos pais sobre estes. (MASSON 2013, p.884).

Por serem sujeitos de direitos, as crianças e adolescentes devem ter seus interesses resguardados, dentre estes à dignidade da pessoa humana, à moral, como preceitua o art. 3º do ECA que diz:

A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Dependendo do caso concreto, da gravidade, como o caso de abuso sexual, configura uma das hipóteses de perda do poder familiar, sendo que esta é de caráter excepcional, onde é regido tanto pelo dispositivo previsto no Código Civil quanto pela Lei nº 8.069/90 (ECA).

Portanto, no artigo 1638 do Código Civil no que se refere a perda do poder familiar têm-se o seguinte:

[...] Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

Os atos contrários à moral e aos bons costumes como consta no artigo 1638, III do Código Civil, são aqueles atos prejudiciais a formação moral dos filhos, por essa razão, o juiz percebendo a gravidade do perigo, deverá aplicar medidas de proteção e decretar a suspensão do poder familiar liminar ou incidentalmente como preceitua o Art. 157 do ECA:

Havendo motivo grave, poderá a autoridade judiciária, ouvido o Ministério Público, decretar a suspensão do poder familiar, liminar ou incidentalmente, até o julgamento definitivo da causa, ficando a criança ou adolescente confiado a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade.

O procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do Ministério Público ou de quem tem legítimo interesse, em consonância com o que determina o artigo 155 do ECA.

Assim também, o Estatuto da Criança e Adolescente dispõe de medidas de proteção à crianças e adolescentes vítimas de qualquer tipo de abuso de forma geral em seu artigo 98 do ECA diz que: “[...] as medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: inciso II- por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável.”

A perda do poder familiar se dá por vários motivos, dentre estes a omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, sendo que o abuso sexual é um dos mais graves motivos para a perda do poder familiar, visto que atenta a honra, a integridade física e psíquica da criança e do adolescente, ferindo o princípio maior que é o da dignidade da pessoa humana.

Aos pais cabe o dever de cuidar dos filhos menores, visto que trata-se de um “poder-dever familiar” . Nesse sentido no artigo 24 do ECA dispõe:

[...] a perda do poder familiar será decretada judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na lei civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

Ainda referindo-se a perda do poder familiar em razão de abusos cometidos por familiares, a jurisprudência tem entendido que “é imprescindível o afastamento do exercício do poder familiar do abusador, evitando com isso que essa convivência se torne ainda mais cruel e degradante para a vítima”, haja vista que tal conduta criminosa, fere a dignidade como pessoa humana de quem sofreu a violência, como exemplo tem:

Apelação Cível nº 386224 de Balneário Piçarras

Relator: Des. Nelson Schaefer Martins

AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR. CRIANÇA DE QUATRO ANOS DE IDADE QUE REVELA DESVIOS COMPORTAMENTAIS E RELATA TER SOFRIDO ABUSOS SEXUAIS POR PARTE DE SEU PAI. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE FAZ PRESUMIR A VERACIDADE DOS FATOS RELATADOS PELA MENINA. CONDUTA DO GENITOR QUE AFRONTA A MORAL E OS BONS COSTUMES. CONFIRMAÇÃO DA SENTENÇA QUE DECRETA A PERDA DO PODER FAMILIAR. CÓDIGO CIVIL DE 2002, ART. 1.638, INC. III. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE, ART. 24. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR QUE NÃO TEM A NATUREZA DE SANÇÃO A PUNIR O PAI MAS CORRESPONDE A MEDIDA PROTETIVA DA INTEGRIDADE FÍSICA, MENTAL, PSICOLÓGICA, SOCIAL E EMOCIONAL DA INFANTE. RECURSO DESPROVIDO.

(http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/18861525/apelacao-civel-ac-386224-sc-2010038622-4-tjsc)

É importante salientar que tal medida não é somente para penalizar o abusador, mas também fazer com que cesse as atitudes abusivas, objetivando principalmente a proteção integral da criança e do adolescente.

Vale Ressaltar que para ser tomado qualquer medida judicial referente a suspensão ou destituição do poder familiar, o depoimento da vítima é essencial como prova no processo, para dar veracidade aos fatos narrados, dando base para a realização do estudo social ou perícia, conforme o artigo 161,§ 1º do ECA:

§ 1o A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou perícia por equipe interprofissional ou multidisciplinar, bem como a oitiva de testemunhas que comprovem a presença de uma das causas de suspensão ou destituição do poder familiar previstas nos arts. 1.637 e 1.638 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil, ou no art. 24 desta Lei.

De acordo com o artigo 28 do ECA, nos casos de suspensão ou destituição do poder familiar, a criança ou adolescente é colocado em família substituta, mas deve ser levado em conta o grau de parentesco, afinidade, afetividade e idoneidade da pessoa encarregada de proteger e cuidar do menor, a fim de diminuir as consequências decorrentes de tal medida em consonância com o artigo 28, § 3º, visto que o principal objetivo é o bem estar da criança e adolescente.

4.7. Atendimento às vítimas

De acordo com o artigo 86 do ECA, a política de atendimento dos direitos da criança e adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

No que diz respeito ao atendimento às vítimas de abuso sexual, temos como principal referência o atendimento prestado pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) que é uma unidade pública que trabalha em parceria com os governos federal, estadual e municipal que tem como função principal atender as pessoas que se encontrem em situação de risco pessoal e social.

Ainda referindo-se a política de atendimento oferecida pelo CREAS, o mesmo conta com uma equipe de profissionais capacitados na área da psicologia, assistência social e jurídica, pessoas estas capacitadas também para dar assistência às crianças e adolescente em situação de risco, como também dão apoio para as respectivas famílias.

No que se refere ao atendimento às vitimas de abuso sexual, também no artigo 87 do ECA tem que:

[...] são linhas de política de atendimento: I- políticas sociais básicas, II- políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, pra aqueles que deles necessitem, III- serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão, IV-proteção jurídico social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente, V-proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e adolescente.

Percebe-se assim, a grande importância no atendimento das crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, em especial os profissionais de saúde que tem um papel fundamental na identificação, como também é essencial à participação destes na garantia dos direitos das mesmas, visto que colhem informações precisas, detectam o problema e ainda ajudam na elaboração de laudos precisos para ser tomada providências cabíveis urgentes de proteção, visto que as vítimas encontram-se em situação de risco.

Destaca-se também a importância da notificação de qualquer suspeita ou confirmação de violência pelos profissionais de saúde que integram a rede de atenção ás mulheres e aos adolescentes em situação de violência. A notificação tem um papel estratégico no desencadeamento de ações de prevenção e proteção, além de ser fundamental nas ações de vigilância e monitoramento da situação de saúde relacionada às violências. Ela é um dos mecanismos definidos pelas políticas públicas específicas e está garantida na legislação brasileira, sendo um instrumento de garantia de direitos e de proteção social. A notificação deve ser um dos passos da atenção integral a ser destinada às mulheres e aos adolescentes em situação de violência. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011b. p 17-18).

No que se refere ao atendimento psicológico realizado às crianças vítimas de abusos sexuais, requer “necessidade de reorganização e reformulação da vida afetiva dessas crianças”, por isso há necessidade dessas vítimas serem atendidas por profissionais capacitados para lidar com essa situação tão delicada. (MAGALHÃES, 2005, p.15).

Apesar do grave impacto da violência à saúde física e mental de mulheres, crianças e adolescentes, ainda há resistência e necessidade de maior preparo das diversas categorias profissionais para abordar situações de violência de gênero e em lidar com as pessoas vitimizadas no âmbito do sistema de saúde. O Sistema Único de Saúde (SUS) tem necessidade de avançar no que se refere à premissa da proteção dos direitos humanos e da cidadania de pessoas que sofreram ou sofrem violências. (BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. 2011a, p. 20-21)

Portanto, é imprescindível um atendimento e tratamento adequado para as vítimas de violência sexual para que possam superar os traumas oriundos da situação vivida, para que futuramente não venham a desencadear outros problemas, como também podem vir a tornarem-se abusadores.

5. DISPOSITIVOS LEGAIS QUE TRATAM SOBRE ABUSO SEXUAL CONTRA CRIANÇAS E ADOLESCENTES E OS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO

5.1. A Constituição Federal

A Constituição Federal dentre os vários princípios e fundamentos que a norteiam, pode-se extrair o da proteção dos direitos infanto juvenis, com base no princípio da dignidade da pessoa humana colocando os interesses da criança e adolescente como prioridade, sendo que sua violação deverá ser punida, pois trata de pessoas em condições peculiares de desenvolvimento.

Respeitando esse princípio maior, que é o da dignidade da pessoa humana, e também o princípio da prioridade absoluta é que a Constituição Federal determina em seu artigo 227, caput:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim também, no § 4º do mesmo artigo determina que, “a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.”. Essa punição a que a Constituição se refere é feita com base no Código Penal, que tipifica tais crimes.

Já no artigo 5º da CF “assegura que ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante”; pois o abuso sexual por ser um crime de natureza grave, é considerado como crime hediondo, faz-se necessário ser considerado o abuso praticado “contra qualquer pessoa” um crime hediondo para que a penalização do abusador obedeça ao rigor do cumprimento da pena prevista na referida lei, haja vista que de acordo com a lei dos crimes hediondos em relação a crimes envolvendo crianças e adolescentes a pena é mais severa, por constituir um agravante e são insuscetíveis de anistia, graça e indulto e fiança, conforme o artigo 2º da Lei 8072/90, Lei dos crimes hediondos.

5.2. Código Penal

O Código Penal foi modificado em agosto de 2009, a Lei 12.015 alterou a antiga definição de estupro, onde antigamente esse tipo penal somente se referia às pessoas de sexo feminino que poderiam ser vítimas de estupro, mas a partir da nova redação dessa Lei passou-se a considera-se que qualquer pessoa pode ser vítima de estupro, de acordo com o Artigo 213 do Código Penal que diz o seguinte:

Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele outro se pratique outro ato libidinoso; Pena: - reclusão de 06 (seis) a 10 (dez) anos § 1º Se a conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18(dezoito anos) ou maior de 14(catorze) anos. Pena- reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.Se a conduta resulta morte: Pena reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

Assim também no artigo 215 trata do crime de Violação sexual mediante fraude. No que se refere a crimes contra criança e adolescente, foi criado um capítulo especial no Código Penal que trata desse assunto, mas referindo-se somente a vítimas menores de 14 anos, o Título VI, capítulo II trata “dos crimes sexuais contra vulnerável”.

De acordo com alteração dada pela Lei 12.015/09, considera-se vulnerável as pessoas com menos de 14 anos de idade. Dentro desse capítulo está previsto o crime tipificado como estupro de vulnerável, presente no artigo 217-A o qual consiste em “[...] ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14(catorze) anos, com pena de reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos”.

Vale ressaltar que o termo vulnerável é muito complexo, visto que esse termo conforme o Código Penal artigo 217-A, § 1º acrescenta na qualidade de pessoa vulnerável: “alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática de tal ato, ou que, por qualquer outra razão não pode oferecer resistência”.

Nesse entendimento pode inferir que a vulnerabilidade tratada no final do parágrafo pode ser considerada também nos casos de pessoas bem idosas com capacidade física bem limitada, mulheres em territórios de conflitos, entre outros exemplos que acabam deixando a pessoa em situação de vulnerabilidade, mas em se tratando de criança e adolescente considera-se vulnerável aqueles indivíduos menores de 14 anos.

O crime de estupro tanto na forma tentada quanto na consumada, como também na espécie qualificada ou simples é considerado crime hediondo em consonância com a lei 8072/90. (MASSON 2013, p.805)

Há também outro crime sexual envolvendo vulnerável, está previsto no art. 218 do Código Penal, tipificado como crime de corrupção de menores o qual afirma que: “Induzir alguém menor de 14 (catorze) anos a satisfazer a lascívia de outrem: Pena- reclusão, de 2 dois a 5 (cinco) anos”.

Ainda nesse mesmo capítulo do CP, no seu artigo 218-A há o crime de Satisfação de lascívia mediante presença de criança e adolescente que diz:

Praticar, na presença de alguém menor de 14 (catorze) anos, ou induzi-lo a presenciar, conjunção carnal ou outro ato libidinoso, a fim de satisfazer lascívia própria ou de outrem: Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.

Nesse tipo de crime o objeto jurídico protegido é a dignidade sexual, visto que o indivíduo tem o direito ao desenvolvimento sexual sadio e compatível com a sua idade, ressaltando que esse parágrafo refere-se somente ao menor de 14 anos, não devendo assim este ser induzido a presenciar qualquer ato libidinoso.

E por final, traz o crime referido no artigo 218-B, que é o de Favorecimento da prostituição ou outra de exploração sexual de vulnerável, onde o que a conduta que tipifica é:

Submeter, induzir ou atrair à prostituição ou outra forma de exploração sexual alguém menor de 18 (dezoito) anos ou que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, facilitá-la, impedir ou dificultar que a abandone, de acordo com o artigo, a pena é reclusão, de 4 (quatro) a 10 (dez) anos. §1º Se o crime é praticado com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa. § 2º Incorre nas mesmas penas: I- quem pratica conjunção carnal ou outro ato libidinoso com alguém menor de 18(dezoito) anos e maior que 14(catorze) anos na situação descrita no caput desse artigo [...]

Cabe salientar, que a pena aplicada para esses crimes é majorada pela metade quando “[...] o abusador da criança ou adolescente for ascendente, padrastro ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, preceptor ou empregador da vítima ou qualquer outro título que tenha autoridade” de acordo com o artigo 226 do Código Penal.

5.3. Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança

A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança foi adotada pela ONU em 1989, o Brasil ratificou-a em 1990, sendo assim signatário. A Convenção foi o suporte básico jurídico para que fosse criado o Estatuto da Criança e do Adolescente aqui no Brasil.

É importante lembrar que para efeitos da presente Convenção “considera-se como criança todo ser humano com menos de dezoito anos de idade”, enquanto para efeitos do Estatuto da Criança e do Adolescente “considera-se criança a pessoa até 12 anos de idade incompletos e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade”.

No que se refere à proteção dessas crianças contra qualquer tipo de violência sexual a Convenção dispõe em seu artigo 34.º que:

Os Estados Partes comprometem-se a proteger a criança contra todas as formas de exploração e de violência sexuais. Para esse efeito, os Estados Partes devem, nomeadamente, tomar todas as medidas adequadas, nos planos nacional, bilateral e multilateral para impedir: a) Que a criança seja incitada ou coagida a dedicar-se a uma atividade sexual ilícita; b) Que a criança seja explorada para fins de prostituição ou de outras práticas sexuais ilícitas; c) Que a criança seja explorada na produção de espetáculos ou de material de natureza pornográfica.

Assim também tratando-se desse tipo de violência, no artigo 36.º da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança tem que “Os Estados Partes protegem a criança contra todas as formas de exploração prejudiciais a qualquer aspecto do seu bem-estar”.

Sendo assim, os Estados Partes, inclusive o Brasil por ser signatário, deverá obedecer as medidas de proteção adotadas nessa Convenção com objetivo maior de proporcionar o bem estar da criança e adolescente.

5.4. O Estatuto da Criança e do Adolescente

A criação da Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente foi uma importante conquista da sociedade brasileira, é uma lei específica para proteção do público alvo infanto-juvenil, esta foi criada no ano de 1990, baseada na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, que diferentemente dessa Convenção, o Estatuto da Criança e do Adolescente considera criança para efeitos desta lei aquelas pessoas até doze anos incompletos e adolescentes a partir de doze anos até dezoito anos de idade.

O Estatuto da criança e do adolescente é um instrumento especial de proteção, visto que essa Lei em consonância com a Constituição Federal dispõe sobre a proteção integral à criança e adolescente, quando no artigo 3º diz que:

[...] A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.

Percebe-se assim, que o abuso sexual acaba ferindo os direitos fundamentais da criança e do adolescente, tais como: a dignidade; a liberdade; ao desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social. Em respeito a esses direitos é que no artigo 4º diz determina:

[...] É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Ainda tratando-se da proteção que o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe em seus artigos referentes à violência praticada contra estas, tem em seu artigo 13: “Os casos de suspeita ou confirmação de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais.”

Desta forma, pode concluir que o Brasil além de ser signatário de quase todos os tratados e convenções de direitos humanos, e o Estatuto da Criança e do Adolescente torna-se um dos instrumentos essenciais para a proteção de crianças e adolescentes.

6. ALGUNS INSTRUMENTOS DE PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

6.1. O papel da família

A família, base de toda a sociedade, é garantido a proteção para esta na Constituição Federal em seu artigo 226 caput que tem que “[...] a família, base de toda a sociedade, tem especial proteção do Estado”, e nesse mesmo artigo, no § 8º tem que “[...] O Estado assegurará a assistência a família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

A família está explicitamente reconhecida constitucionalmente como protetora de direitos dos membros que a compõem, em especial as crianças e adolescentes que tem absoluta prioridade, ou seja, seus interesses deverão prevalecer, uma vez que estes são reconhecidos e devem ser respeitados como sujeitos de direito.

Portanto, cabe aos pais o dever de assistir, criar e educar os filhos menores conforme preceitua o artigo 229 da Constituição Federal, visto que esta é muito importante na formação moral dos filhos, sendo que:

A importância da família como referencial não só material mas principalmente emocional para os filhos foi uma das questões que emergiram da análise dos dados, o que confirma as constatações de FELDMAN ( apud LAVINAS, 1997), que relata, em seu estudo, o resultado de diversas pesquisas que demonstram a importância do amor no aprendizado eficaz e na adequada interiorização de valores morais; de Lane (1995), que ao discorrer sobre a importância da mediação das emoções na constituição do psiquismo humano, enfatiza a relevância que estas adquirem no desenvolvimento infantil e de Menandro (1994), que aponta o quão relevantes para o desenvolvimento adequado das crianças são as relações crianças-adultos, crianças-cultura e crianças-ambiente. (RANGEL 2009, p.159)

Sendo assim, a família exerce um papel importante no processo de desenvolvimento da criança e do adolescente, haja vista que nela envolve e desenvolvem valores, concepções, sentimentos, inseridos naquele ambiente o qual estes fazem parte, o qual refletirá em sua formação, visto que os mesmos precisam de orientação, carinho, dedicação, amor, afeto e proteção, papel este que é atribuído primeiramente à família, por ser referência inicial de formação do indivíduo.

Em se tratando de proteção a essa entidade, constitucionalmente no artigo 226, § 8º garante que “o Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Por isso que a família serve como principal pilar para dar apoio emocional para as vítimas desse tipo de violência, servindo como suporte de proteção, ao perceber qualquer suspeita de abuso, a família deve dar mais atenção aos indicadores comportamentais que a criança ou adolescente apresentar, dando apoio afetivo necessário, para lidar com essa situação, colhendo informações precisas, de uma maneira que a vítima se sinta segura em relatar os fatos com detalhes quando for perguntada, pois a maioria das vítimas sente medo ou vergonha de contar que estão sendo abusadas e isso acaba prejudicando a ajuda daqueles que poderiam e deveriam protegê-las.

[...] nas famílias em que acontece abuso sexual da criança, as mães geralmente têm o papel do progenitor não abusivo. Nesse papel, a função protetora é crucial no abuso sexual prolongado. [...] O abuso sexual da criançatambém acontece em famílias com um relacionamento mãe-filha próximo e protetor. Contudo nesses casos, o abuso não continuará através dos anos. Essas mães [...] captam os sinais de abuso sexual por parte das crianças, que falam a respeito e são acreditadas. Ou elas reconhecem mudanças no processo familiar, quando os maridos e filhos começam a se comportar de modo estranho. [...] Elas geralmente tomam medidas para proteger a criança e induzem a uma revelação. (RANGEL 2009, p.138)

No que se refere a violência praticada contra crianças, relatórios de Estudos da ONU comprovam que: “Assim como alguns fatores aumentam a suscetibilidade de crianças à violência, há também outros fatores que podem impedir ou reduzir a probabilidade de elas serem vítimas de violência”. (RANGEL, 2009 p.156)

Sendo assim, ainda nesse sentido, esses fatores de proteção, “[...] é obvio que uma unidade familiar estável pode ser uma fonte poderosa de proteção contra a violência para crianças em qualquer ambiente”. (RANGEL 2009, p.156)

Para Lévi-Strauss (1947), “[...] família constitui-se a partir do que é e do que não é permitido fazer, configurando-se como um universo de duplo sentido, com prescrições e proibições”. (MAGALHÃES, 2005 p.43).

Sendo assim, percebe-se que a família quando bem estruturada, torna-se o principal instrumento de proteção contra qualquer tipo de violência praticada contra criança e adolescente, por isso deve esta ser valorizada, pois é nela que se encontra apoio emocional, que acaba favorecendo mecanismos de proteção e enfrentamento da situação de violência vivida pela vítima, para evitar maiores danos causados por conta de tal atitude criminosa, danos estes que prejudicam não só na vítima, mas em toda família que tem algum de seus membros envolvidos.

6.2. O papel da sociedade

A sociedade tem um papel muito importante em se tratando de proteção de criança e adolescente em situação de risco, visto que a sociedade deve se mobilizar junto com o poder público na mobilização a fim de lutar por direitos dessas crianças e adolescentes, assim também não deve ser omissa quando se tratar de violações desses direitos, pois a sociedade também é responsável pela proteção integral desses, onde devem ser respeitados seus direitos.

No que tange a proteção e prevenção a qualquer lesão a direitos das crianças e adolescentes, tem-se no Artigo 70 do ECA que diz que “[...] é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”.

Sendo dever de todos prevenirem a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos, caso a pessoa seja omissa diante de tal situação pode ser responsabilizada, razão pela qual no artigo 73 do ECA tem que: “[...] a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica, nos termos dessa lei”

Desse modo, no artigo 17 do ECA, em se tratando de respeito, consiste na “[...] inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais”.

Mais adiante, no artigo 18 DO ECA dispõem que “[...] é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”, visto que qualquer tipo de violência contra a criança e adolescente atenta contra a sua dignidade, sendo que o abuso sexual é um dos atentados que viola o principio da dignidade da pessoa humana.

Portanto é muito importante que a sociedade participe no combate ao abuso sexual de criança e adolescente, denunciando o autor desse crime, mas infelizmente muitas pessoas sentem medo em denunciar, ou não querem se comprometer com alguma situação posterior que possa vir a ocorrer por conta da denúncia.

Sendo assim, qualquer indivíduo que suspeitar de qualquer violação de direitos da criança e do adolescente tem a sua disposição telefones para fazer  a denúncia, lembrando que não precisa se identificar.

Assim também, é importante salientar que a mídia é um instrumento essencial para ajudar no combate ao crime, através de propagandas, campanhas, programas informativos que tratem do assunto, todas essas tentativas com intuito de proteger as crianças e adolescentes de qualquer tipo de violência.

Assim o Estatuto da Criança e do Adolescente, surgiu como uma esperança para atender os anseios da sociedade na prevenção de graves violações de direitos das crianças e adolescentes, os quais necessitam de uma atenção redobrada da sociedade para percepção de qualquer indício de violência, inclusive o abuso sexual, que é um dos tipos de violência que mais deixa a população indignada pela crueldade de tal ação.

6.3. O papel do Estado

A Constituição Federal Brasileira no que se refere a proteção integral de crianças e adolescentes em eu artigo 227 caput assegura essa proteção dos mesmos quando:

[...] É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estado tem o dever de assegurar os direitos da criança e adolescentes, sendo que esse é um dever básico, devem ser respeitados os princípios da proteção integral, da prioridade absoluta em relação aos outros indivíduos, pois encontram-se em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento e outros que dão a eles a condição à dignidade da pessoa humana.

No artigo 226 da Constituição Federal dá ao Estado o dever de garantir à família a proteção dos seus membros quando diz que “[...] a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”. Sendo assim deverá o Estado utilizar vários recursos para cumprir esse dever.

Assim no mesmo artigo 226 § 8º da CF reafirma essa proteção quando diz que: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. Sendo assim, deverá o Estado atuar de forma objetiva criando políticas públicas de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente.

No artigo 227 § 4º da CF determina que a lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. Sendo assim, no caso de violação desses direitos cabe ao Estado intervir nos casos de lesão a esses direitos.

No artigo 15 do ECA tem que a criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

[...] O fenômeno do abuso sexual doméstico contra a criança/adolescente deixa de ser apenas um crime contra sua liberdade sexual e passa ser uma violação dos direitos ao respeito, à dignidade, à liberdade, à convivência familiar saudável, e a oportunidade e facilidades para o desenvolvimento físico, mental, moral, social e sexual. (CRAMI 2009, p. 54).

Portanto o Estado tem o poder dever de resguardar esses direitos, criando mecanismos efetivos de prevenção, combate e mesmo quando é praticado no âmbito doméstico, o Estado pode e deve intervir para punir os criminosos e ao mesmo tempo dar uma atenção especial às vítimas desse grande mal que afeta a sociedade.

6.4. O Ministério Público

O art. 127, caput, da CF/88 classifica o Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional de Estado, o qual tem como uma de suas funções a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.

A intervenção no MP é obrigatória em todos os processos que tenham interesses infanto-juvenis, onde o promotor de Justiça tem o papel de fiscalizar se esses direitos estão sendo respeitados.

Assim também, ainda no que se refere à proteção de crianças e adolescentes no artigo 201, inciso III do ECA determina a competência do Ministério Público para:

[...] promover e acompanhar os procedimentos de suspensão e destituição do pátrio poder, no meação e remoção de tutores, curadores e guardiães, bem como oficializar em todos os demais procedimentos da competência da Justiça e da Infância e Juventude.

Percebe-se que por se tratar de procedimento relativo a menores, deve haver sempre a presença do Ministério Público, como também mais adiante no mesmo artigo, inciso V e VII, diz que Compete ao Ministério Público:

[...] promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no Art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal.

O Ministério Público tem competência para fiscalizar a aplicação de medidas protetivas feitas pelo Conselho Tutelar com base no artigo 98, essa fiscalização pode ser feita também pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, como também pela Autoridade Judiciária.

O Ministério Público tem competência também para “instaurar sindicâncias, requisitar diligências investigatórias e determinar a instauração de inquérito policial, para apuração de ilícitos ou infrações às normas de proteção à infância e à juventude” de acordo com o artigo 201, VII.

Assim também o MP de acordo com o artigo 201, V do ECA, este tem competência de “promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º inciso II, da Constituição Federal”.

Portanto o Ministério Público como fiscal da lei, pode e deve zelar pela correta aplicação da lei, visto que esta deverá ter eficácia para que seja concretizada  a defesa das crianças e adolescentes, que por serem pessoas em fase peculiar de desenvolvimento, merecem uma atenção e proteção especial para que seus direitos sejam preservados.

6.5. O Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, conforme consta no artigo 131 do ECA, por ser um órgão de extrema importância ao cumprimento desses direitos garantidos em lei, deve haver a criação de pelo menos 1(um) Conselho Tutelar em cada Município.

A Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e adolescente que rege o Conselho Tutelar, dando poderes para que esses membros possam fiscalizar denúncias de qualquer violação de direitos da criança e adolescente nas comunidades, por se encontrarem mais perto da população e assim serem resolvidos alguns casos menos graves sem ser preciso chegar à justiça, mas nos casos de confirmação de abuso sexual, por ser um caso gravíssimo, é cabível a representação do Conselho Tutelar ao Ministério Público visando à providência adequada, exigindo a formalização do pedido e a jurisdicionalização do procedimento cautelar.

A escolha dos 5 membros do Conselho é feita pela comunidade local, através de votação, onde estes vão permanecer por 4 anos no mandato, de acordo com o artigo 132 do ECA, sendo assim, percebe-se a participação popular efetivando o direito a democracia participativa.

E esse processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar será estabelecido em lei municipal e realizado sob a responsabilidade do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, e a fiscalização do Ministério Público, em consonância com o artigo 139 do ECA.

O Conselho Tutelar também tem como função representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, como também se nos exercícios de suas atribuições, se o Conselho Tutelar entender necessário o afastamento do convívio familiar, após frustradas todas as possibilidades de manutenção da criança ou adolescente na sua família natural, deve este comunicar o fato ao Ministério Público, prestando-lhe informações sobre os motivos de tal entendimento e as providências tomadas para a orientação, o apoio, e a promoção social da família, de acordo com o artigo 136, XI e parágrafo único do ECA.

O Conselho Tutelar também tem como uma de suas funções tratar de assuntos que não dizem respeito a função jurisdicional relacionados a menores, visto que essa é a função do juiz, pois cabe ao Conselho Tutelar tentar resolver assuntos na esfera administrativa.

Foi feita uma visita técnica ao Conselho Tutelar do Bairro do Coroadinho, o qual o conselheiro Riosley Araújo Pinheiro informou que aqui em São Luís há 7(sete) Conselhos Tutelares instalados, estes são administrativamente ligados à Prefeitura de São Luís, através da Secretaria Municipal da Criança e da Assistência Social (SEMCAS), interligado também a Secretaria de Direitos Humanos do Governo Federal,  órgãos responsáveis por promover, estimular, acompanhar e zelar pelo cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente.

De acordo com o Conselheiro Riosley, o pólo do Coroadinho abrange 84 bairros de São Luís, onde qualquer denúncia de violação de direitos da criança e adolescente nesses bairros a competência será deles para tentar resolver, lembrando que nos casos de abuso sexual, a competência é da Justiça, mas o Conselho Tutelar será o responsável para dar ciência ao judiciário de tal situação, para que sejam tomadas as devidas providências com base nessas considerações.

A função do Conselho Tutelar nas localidades abrangidas é fornecer apoio e tomar atitudes cabíveis dentro de sua competência nos casos de violação dos direitos da criança e do adolescente.

Também está nas obrigações do Conselho Tutelar através de um instrumento que ele dispõem para efetivar a garantia dos direitos do público alvo, esse instrumento chamado “Requisição de Serviço Público”, que tem como função de acordo com o artigo 136, III, a) que diz: “requisitar junto ao poder público serviços adequados de educação, saúde, serviço social, previdência, trabalho e segurança” na comunidade em que ele está inserido, visto que o Conselho tem essa  função de requisição de tais serviços, a qual as entidades devem atender.

O Conselho Tutelar também tem função fiscalizadora, conjuntamente com o Ministério Público e o Judiciário, como consta no artigo 95 do ECA que determina que “as entidades governamentais e não-governamentais referidas no Art. 90 serão fiscalizadas pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelos Conselhos Tutelares”.

Cabe salientar que nos casos de ações de perda ou suspensão de poder familiar, por serem medidas que exigem procedimento judicial, não cabe ao Conselho aplicá-las, mas é atribuída a função de: “representar ao Ministério Público para efeito das ações de perda ou suspensão do poder familiar, após esgotadas as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural”, de acordo com o artigo 136, inciso XI.

Assim também, nesse caso de ações de perda ou suspensão do poder familiar, quando o Conselho tutelar entender imprescindível o afastamento do agressor e/ou abusador do convívio familiar, deve o mesmo comunicar ao MP, dando informações precisas para que sejam tomadas as providências cabíveis, em consonância com o artigo 136, parágrafo único do ECA.

Mas por ele ser autônomo, não quer dizer que não deva ser fiscalizado, pois cabe ao Ministério Público essa fiscalização.

Na nossa capital, existem sete Conselhos Tutelares localizados e abrangendo bairros como:

Quadro 1 – Área de abrangência dos Conselhos Tutelares do Município de São Luís do Maranhão

ÁREA

ABRANGÊNCIA

Itaqui Bacanga

Vila Bacanga, Mauro Fecury I e II, Itaqui, Vila Embratel, Gapara, Anjo da Guarda, Riacho Doce, dentre outros.

Centro – Alemanha

 São Francisco, Cohama, Quintas do Calhau, Centro, Camboa, Liberdade, Areinha, dentre outros.

Cidade Operária – Cidade Olímpica

São Cristovão, Vila Riod, Santa Efigênia, Vila América, Apaco, Habitar Nice Lobão, dentre outros.

Coroadinho – João Paulo

Anil, Bequimão, Outeiro da Cruz, Coheb, Sítio Leal, Parque Timbira, Coroadinho, dentre outros.

Vila Luizão – Turu

Circunscrição Cohab – Cohatrac, Turu, Olho D Água, Jardim Eldorado, Chácara Brasil, Vicente Fialho, dentre outros.

Zona Rural de São Luís

Maracanã, Pedrinhas, Tibiri, Vila Sarney, Vila Itamar, Vila Magri, Santa Bárbara, Vila Industrial, dentre outros.

São Cristovão- São Raimundo

Ipem São Cristovão, São Raimundo, São Bernardo, João de Deus, Vila Conceição, dentre outros.

Fonte: Conselho Tutelar do Coroadinho

Foi informado também que aqui nesta capital o bairro da Cidade Operária tem o maior índice de abuso sexual contra criança e adolescente.

Sobre a valorização dos funcionários, foi informado que atualmente os conselheiros recebem uma remuneração de R$1.600,00 (hum mil e seiscentos reais), sendo que trabalham em horário integral, ficando até mesmo de plantão nos finais de semana, tipo “sobre aviso” para quaisquer eventuais, logo eles são chamados para tentar resolver, mas segundo ele, o salário deveria ser maior, visto que tem muitas tarefas a fazer, muitas responsabilidades, tendo que dispor de muito tempo para tal função.

6.6. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente

Em São Luís, nesta capital, temos a disposição uma Delegacia especializada em tratar sobre assuntos relacionados a crianças e adolescentes vítimas de violência, a Delegacia de Proteção a Criança e ao Adolescente (DPCA), localizada na Rua Coelho Neto, nº 01, Praça Maria Aragão, na Beira Mar.

Atualmente, pode-se afirmar que a DPCA aqui em São Luís é um grande avanço no que tange a proteção da criança e do adolescente, principalmente no que se refere às violências sexuais.

De acordo com dados quantitativos fornecidos pela DPCA, no período entre 01/01/2011 a 31/12/2011 foram registradas várias ocorrências relacionadas a crimes sexuais cometidos contra criança e adolescente nesta capital: maus tratos 60 casos, ameaça: 286 casos, estupro de vulnerável contam com 156 casos, o estupro 46 casos, estupro de vulnerável na forma tentada 24 casos. (Anexo B)

Já no ano de 2012 tem a seguinte estimativa: estupro de vulnerável ocorreram 206 casos, maus tratos 92 casos, estupro 34 casos, e estupro na forma tentada 22 casos somente nesta capital. (ANEXO C)

Há de ser observado que houve um aumento nas ocorrências registradas, provavelmente pode-se dizer que é em razão do maior número de denúncias feitas principalmente por telefone que a sociedade vem fazendo para combater tais crimes, dessa forma acaba contribuindo com o trabalho policial e também na proteção da criança e do adolescente.

Nas dependências da DPCA temos a Delegacia e o Centro de Perícias Técnicas, sendo todas estas especializadas para tratar de assuntos relacionados a direitos violados da criança e do adolescente.

A DPCA tem como objetivo investigar denúncias de violação de direitos infanto juvenis, onde é feito o procedimento necessário para que sejam tomadas todas as providências cabíveis para apuração dos fatos a serem investigados pela polícia.

Na Delegacia será feito o Boletim de Ocorrência Policial, que é um procedimento realizado para registrar os fatos relatados, onde a partir disso, a autoridade policial vai tomar conhecimento do ocorrido para então posteriormente determinar a instauração do inquérito ou investigação, após aberto o processo de investigação de abuso, as vítimas são encaminhadas ao Centro de Perícias Técnicas para a Criança e o Adolescente (CPTCA) que fica nas dependências da própria delegacia, órgão vinculado a Secretária de Segurança do Estado Maranhão, o qual é formado por uma equipe multidisciplinar que possui em seus quadros médicos legistas, assistentes sociais e psicólogos.

O CPTCA realiza o acompanhamento da vitima de abuso sexual emitindo laudos sobre as condições psicológicas, sociais e de corpo de delito, com intuito de fornecer um diagnóstico preciso sob o caso em investigação que servirá de prova e base para o processo judicial.

6.7. O Poder Judiciário

O Poder Judiciário no que se refere ao assunto em foco é representado pelo juiz da Vara da Infância e Juventude, o qual é competente para conhecer e julgar casos encaminhados pelo Conselho Tutelar, devendo este aplicar as medidas cabíveis, como exemplo os casos de abusos envolvendo crianças e adolescentes, pois cabe ao judiciário o julgamento de tais crimes, respeitando o princípio da proteção integral e da prioridade absoluta.

O artigo 141 do ECA no que diz respeito ao Poder Judiciário enfatiza o direito da criança e adolesecente ao acesso à Justiça quando diz que: “[...] é garantido o acesso de toda criança e adolescente à Defensoria Pública, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, por qualquer de seus órgãos.”

Assim também, é garantida constitucionalmente que assistência judiciária gratuita será prestada de forma gratuita, através de defensor público ou advogado nomeado e as ações judiciais da competência da Justiça da Infância e Juventude são isentas de custas e emolumentos conforme os artigos 141, §1 e  2 da Constiuição Federal.

Assim também no que diz respeito ao Poder Judiciario no artigo 150 do ECA determina que “Cabe ao Poder Judiciário, na elaboração de sua proposta orçamentária, prever recursos para manutenção de equipe interprofissional, destinada a assessorar a Justiça da Infância e da Juventude”.

Seda (apud ISHIDA, 2013, p. 219), discorre sobre a grande mudança trazida pelo ECA em relação ao Judiciário, nos seguintes termos:

[...] a grande mudança que o Estatuto trouxe, em relação ao Judiciário, pode ser assim resumida: antes, falhando a família, a sociedade e o Estado, a criança e o adolescente afetados eram juridicamente considerados ‘em situação irregular. Agora, se crianças e adolescentes forem afetados em seus direitos quem está em situação irregular é quem ameaçou ou violou tais direitos

Quando se trata de assuntos referentes à criança e adolescente as ações devem ser encaminhadas para a Vara da Família, mas tratando-se de casos de situação de risco, é de competência da Vara da Infância e Juventude.

Sendo assim, percebe-se a importância da criação de Varas Especializadas, por isso, no artigo 145 do ECA diz o seguinte:

[...] Os estados e o Distrito Federal poderão criar varas especializadas e exclusivas da infância e da juventude, cabendo ao Poder Judiciário estabelecer sua proporcionalidade por número de habitantes, dotá-las de infra-estrutura e dispor sobre o atendimento, inclusive em plantões.

No que tange o Poder Judiciário, aqui na cidade de São Luís teve melhoria em diversos aspectos em sua estrutura para melhoria ao amparo judicial às vítimas de qualquer tipo de abuso, em especial ao abuso sexual, com a criação de Promotorias da Infância e Juventude, Varas e Defensorias Especializadas, Centros de Apoio, Coordenadorias e Núcleos especializados, instrumentos essenciais para a proteção da criança e do adolescente.

Em se tratando de Varas especializadas nesse assunto, foi realizada uma pesquisa de campo na 9ª Vara Criminal desta capital, onde foi fornecida com autorização do Dr. Juiz Afonso Bezerra de Lima algumas informações dadas pela assistente social (Marylanda Lopez Silva) e a psicóloga (Adla Kariny Fonseca Bandeira), quais sejam:

Primeiramente foi informado que existe na 9ª Vara Criminal um Núcleo de Estudos e Acompanhamento Interdisciplinar à Criança e ao Adolescente composto por 2(duas) assistentes sociais, 01(uma) estagiária de Serviço Social, 01(uma) psicóloga e 01(um) pedagogo.

Pois há necessidade de uma avaliação do Serviço Social conjuntamente com a avaliação psicológica frente a tal situação que a criança está sendo vítima, assim também o pedagogo faz parte dessa avaliação paralela, pois a partir desse atendimento realizado por esses profissionais é que dará base para manifestação do ponto de vista técnico, servindo de subsídio para fins judiciais, de acordo com o artigo 151 do ECA.

No que diz respeito a criação, tem-se que inicialmente foi criada a 11ª Vara Criminal pela Lei Complementar nº 88/2005 e depois com a Lei Complementar nº 140/2011 alterou o Código de Organização Judiciária e a 11ª Vara Criminal passou a se chamar 9ª Vara Criminal que estabeleceu como competência exclusiva de processar e julgar os crimes contra criança e adolescente.

A instalação da Vara no Complexo de Proteção à Criança e ao Adolescente teve no seu contexto de criação o caso dos meninos emasculados no Maranhão que resultou no acordo de solução amistosa entre o Estado Brasileiro por meio da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, o Governo do Estado do Maranhão e os peticionários, representados pelas organizações não governamentais Justiça Global e Centro de Defesa Pe. Marcos Passerini.

No que tange as dificuldades encontradas para combater tal crime, faz-se necessário esclarecer que é por conta da própria natureza do crime que em muitos casos envolve questões familiares, e o silêncio por parte dos envolvidos, dificultando as evidências materiais do crime e a celeridade do processo judicial, restando muitas vezes apenas a fala da criança e/ou adolescente. O medo da denúncia e do enfrentamento ao agressor por parte da família e da comunidade, o que dificulta o rompimento do ciclo da violência e a responsabilização.

Apesar dos avanços no enfrentamento da questão e da existência de campanhas, ainda há muito desconhecimento das instituições de enfrentamento à questão da violência sexual contra criança e adolescente, também uma questão cultural muito forte que coloca a criança e o adolescente sob domínio dos adultos, desconsiderando seu direito, e a “síndrome do segredo” existente na família quando são de abuso sexual intrafamiliar.

No que se refere a capacidade de atendimento, há capacidade para atender a demanda. Quanto à estrutura física e de número de funcionários existem dificuldades porque não tem um espaço físico adequado para acolher, realizar audiências, as entrevistas interdisciplinares e há uma sobrecarga de trabalho para os funcionários existentes.

Assim também a Vara só atende a demanda dos casos da capital, com exceção das precatórias de outros Estados e/ou municípios onde por vezes solicitam diligências. Porque no interior existem as varas embora não sejam especializadas, elas julgam tais crimes.

Há um Sistema de Atendimento coordenado, especializado, com abordagem interdisciplinar que é o Complexo de Proteção à Criança e ao Adolescente onde a situação de violência tramita desde a denúncia até o julgamento. Isso facilita o acesso dos familiares aos órgãos. No Complexo funciona a DPCA, o Centro de Perícias Técnicas da Criança e do Adolescente, a 29ª Promotoria Especializada, a 9ª Vara Criminal e a Defensoria Pública.

Esse sistema de atendimento coordenado, especializado, com abordagem interdisciplinar referido, inicia desde a delegacia, quando a autoridade policial tem ciência do fato, fazendo todo o procedimento cabível, para posteriormente ser encaminhado para as autoridades competentes, no caso, o Ministério Público e Poder Judiciário para que seja feita a devida apuração dos fatos, a partir dessa apuração a vítima será encaminhada para os serviços de assistência social.

Entretanto há dificuldades para garantir a agilidade entre os órgãos que funcionam nesse complexo porque o crime de abuso sexual contra criança e adolescente é muito complexo, de cunho social, psicológico e jurídico também pela responsabilização do agressor e quando o abuso sexual é silencioso ainda é mais demorado porque não tem a prova material.

Nessa perspectiva da abordagem interdisciplinar, durante um tempo as equipes desses órgãos se reuniam para discutir alguns temas relevantes para o trabalho, mas hoje houve a desarticulação por conta da demanda que aumentou. Na 9ª Vara Criminal, a equipe do Núcleo de Estudos e Acompanhamento à Criança e ao Adolescente desenvolve a abordagem interdisciplinar e foi visto que isso tem melhorado o atendimento, a compreensão da situação de violência sexual.

Em relação ao acompanhamento da vítima, este é feito por essa equipe da 9ª Vara Criminal. Como o objetivo da justiça não é o atendimento, mas garantir a proteção da criança e do adolescente, com o objetivo de reparar o dano que essa situação de abuso sexual causou à vítima e a sua família, sendo encaminhados para as outras instituições de atendimento como o CREAS - Centro de Referência da Assistência Social Da Prefeitura Municipal De São Luís das áreas onde a criança e sua família residem, O Centro de Atenção à Saúde da Criança e do Adolescente- CAISCA no Filipinho e/ou Anjo da Guarda, o Núcleo de Saúde da Criança e do Adolescente do Hospital Materno Infantil, o Hospital da Criança entre outros órgãos.

Nesse sentido, percebe-se a importância da política de atendimento em consonância com a previsão no artigo 87 do ECA que menciona sobre as linhas de ação da política de atendimento:

I - políticas sociais básicas;

II - políticas e programas de assistência social, em caráter supletivo, para aqueles que deles necessitem;

III - serviços especiais de prevenção e atendimento médico e psicossocial às vítimas de negligência, maus-tratos, exploração, abuso, crueldade e opressão;

V - proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos da criança e do adolescente.

 VI - políticas e programas destinados a prevenir ou abreviar o período de afastamento do convívio familiar e a garantir o efetivo exercício do direito à convivência familiar de crianças e adolescentes;

VII - campanhas de estímulo ao acolhimento sob forma de guarda de crianças e adolescentes afastados do convívio familiar e à adoção, especificamente inter-racial, de crianças maiores ou de adolescentes, com necessidades específicas de saúde ou com deficiências e de grupos de irmãos.

Vale ressaltar que não é feito somente o atendimento à vítima, pois o Núcleo de Estudos e Acompanhamento à Criança e ao Adolescente da 9ª Vara Criminal faz o estudo social, psicológico e pedagógico da criança e do adolescente quando solicitado pelo juiz através de despacho, como também, é feito o atendimento das medidas cautelares cujos acusados que respondem processo nessa 9ª Unidade Criminal tem que assinar o termo de comparecimento, assim é esclarecido sobre as medidas cautelares que eles cumprem, onde é orientado sobre tais medidas.

No que diz respeito às consequências para o futuro da vítima se esse atendimento não for prestado de maneira adequada pode-se dizer que o crime de abuso sexual já tem consequências psicológicas para a criança e o adolescente, se isso não for garantido, a tendência é causar maiores danos à criança e/ou adolescente e sua família. Além disso, haverá o descumprimento do princípio da proteção integral estabelecido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e da prioridade absoluta garantido pela Constituição Federal.

Por conta disso, o atendimento às vitimas é essencial, visto que o encaminhamento é feito justamente para instituições que tenham em seu quadro de funcionários pessoas especialistas para lidar com essa situação, pois caso não seja feita o devido atendimento especializado, pode haver algum agravamento de tal situação já sofrida.

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto no presente trabalho, fica o entendimento de que o abuso sexual infanto-juvenil é um grande problema que atinge a nossa sociedade e se configura um dos tipos de violência mais difícil de ser combatido, visto que a maioria dos casos acontece dentro de casa, no seio familiar, praticado por pessoas da própria família da vítima, ficando assim mais complicado de ser coibido.

Pode-se inferir que o abuso sexual contra crianças e adolescentes é uma das maiores crueldades praticada contra as mesmas, visto que elas ainda estão em fase de desenvolvimento, violando direitos essenciais com essa conduta criminosa, dentre esses direitos, a dignidade da pessoa humana.

Nesse tipo de violência, principalmente quando se trata de abuso sexual intrafamiliar, é um problema que não se resolve somente com a punição do abusador, mas também precisa de ajuda de profissionais para uma orientação e atendimento médico e psicossocial tanto da vítima quanto da família, esse atendimento é de suma importância, visto que se não for dado um atendimento adequado, pode ocorrer a revitimização.

Desta forma, pode-se dizer que o abuso sexual é uma grande violação dos direitos humanos, visto que são uma sequência de violação de vários direitos fundamentais, direitos esses que devem ser preservados, pois são essenciais para o ser humano ter uma vida digna, pois apesar desses direitos estarem determinados em documentos oficiais internacionais e nacionais, a maioria deles continua sendo desrespeitados.

Sendo assim, a criança e o adolescente por serem pessoas em fase de desenvolvimento físico, mental e social, que precisam de atenção redobrada, para que seja resguardado o melhor interesse da criança, para isso foram criadas normas jurídicas que pudessem resguardar tais direitos, no âmbito internacional através de Convenções, como também por meio da Constituição Federal, do Código Penal, e principalmente do Estatuto da Criança e Adolescente, instrumentos fundamentais de proteção do público alvo infanto juvenil.

Por conta disso, é fundamental a ação efetiva do Estado para combater essa violência, começando com medidas preventivas, através de elaboração e implementação de políticas públicas voltadas a proteção de crianças e adolescentes vitimas de qualquer tipo de violação de direitos, em especial, crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.

Mas também não basta somente a ação do Estado ao combate ao abuso sexual, a sociedade em geral também é parte integrante dessa rede de proteção à criança e adolescente, visto que a Lei determina além do Estado, a família e a sociedade tem o dever de zelar pela proteção integral desses menores, visto que eles como qualquer ser humano, são sujeitos de direitos e merecem ser respeitados.

8. REFERÊNCIAS

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9. APÊNDICES

APÊNDICE A – Questionário aplicado junto à Assistente Social e à Psicóloga da 9ª Vara Criminal da Comarca de São Luís do Maranhão

QUESTIONÁRIO

1)Quais os nomes das profissionais responsáveis que atendem ? assistente social, psicóloga.

2) Há quanto tempo foi criada a 9ª Vara Criminal e por qual motivo sua criação?

3)Quais  as maiores dificuldades encontradas no combate ao abuso sexual contra criança e adolescente?

4)Na sua opinião porque persiste o medo das pessoas em denunciar casos de violência sexual contra criança e adolescentes?

5)Na sua opnião a 9ª Vara Criminal tem estrutura para atender a demanda da capital? só atende os casos da capital ou vem de outras localidades do Estado? E porquê?

6) Existe um Sistema de Atendimento coordenado, especializado, com abordagem interdisciplinar?como se dar esse atendimento? Na sua opinião, esse atendimento ágil, articulado e especializado é essencial para que os agressores sejam responsabilizados com a máxima brevidade possível e às crianças e adolescentes não sejam revitimizados?

7) Esse tipo de atendimento é somente para fins judiciais ou tem acompanhamento da vítima para outros fins? Se não, para onde vocês encaminham?

8) Vocês atendem somente as vítimas?

9) Quais as consequências para o futuro da vítima se esse atendimento não for prestado de maneira adequada?

APÊNDICE B – Questionário aplicado junto ao Conselho Tutelar do Coroadinho

QUESTIONÁRIO

1Nome do Conselheiro Tutelar completo?

2)Quantos Conselhos Tutelares existem nessa capital? É um órgão estadual ou municipal?

3)O pólo do Coroadinho abrange quais bairros?

4)Qual a função do Conselho Tutelar?

5)Qual a área que acontece mais abusos sexuais na capital?

6)Sendo o Conselho tutelar autônomo, a quem cabe a sua fiscalização?

7)Os funcionários são valorizados? O salário compensa?

8)Quais as maiores dificuldades encontradas para que a lei seja cumprida?

10. ANEXOS

Anexo A – Ofício n. 006/2013/CODT – Autorização para pesquisa

Anexo B – Demonstrativo de fatos: gráfico quantitativo – Sistema SIGO

Anexo C – Demonstrativo de fatos: gráfico quantitativo – Sistema SIGO 


Publicado por: Diane Gracielle Avelar Araújo

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