A responsabilidade civil dos pais no abandono afetivo dos filhos
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. A RESPONSABILIDADE CIVIL
- 3.1 ATO ILÍCITO
- 3.2 RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
- 3.3 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
- 3.4 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
- 3.4.1 Conduta
- 3.4.2 Culpa
- 3.4.3 Nexo Causal
- 3.4.4 Dano
- 4. DA FAMÍLIA
- 4.1 BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
- 4.2 DO PODER FAMILIAR
- 4.3 DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA
- 4.4 2.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana
- 4.5 2.3.4. Princípio da Solidariedade
- 4.5.1 Princípio da Afetividade
- 4.5.2 ABANDONO AFETIVO
- 4.6 DANO MORAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES
- 4.7 POSSIBILIDADE DE INDENIZAR PELO ABANDONO AFETIVO
- 4.8 ANÁLISE DE DECISÕES
- 5. CONCLUSÃO
- 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. RESUMO
A responsabilidade civil por abandono afetivo nas relações paterno-filiais decorre da violação dos direitos inerentes à criança e ao adolescente, sujeitos da proteção integral, por ocasião da conduta omissa ou negligente dos pais, que não obedecem aos deveres inerentes ao poder familiar, negando carinho, amor, afeto e demais cuidados essenciais ao desenvolvimento sadio dos filhos. A ausência afetiva dos pais pode causar danos enormes a vida dos filhos, interferindo diretamente na sua personalidade. Portanto, o dever de indenizar resulta da prova de que a ofensa ou abandono deixaram consequências graves na vida da criança ou do adolescente. Observa-se que a melhor forma de indenizar seria condenar o genitor que negou afeto a pagar o tratamento psicológico integral do filho, a fim de reparar, na medida do possível, os traumas vivenciados.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Abandono Afetivo. Relações Paterno-Filiais. Dano Moral.
ABSTRACT
The liability for affective abandon the paternal-filial relationship stems from the inherent violation of the child and adolescent rights, subject to the full protection, during the silent or negligent parents, who do not obey the duties attached to parental authority conduct, denying affection , love, affection and too essential to the healthy development of children care. The emotional absence of parents can cause huge damage to the lives of children, interfering directly in your personality. Therefore, the duty to indemnify results proof that the offense or abandonment left serious consequences in the life of the child or adolescent. It is observed that the best way to compensate would be to condemn the parent who refused to pay the full affection psychological treatment of the child in order to repair, as far as possible, the experienced trauma.
Keywords: Liability. Affective abandonment. Relations Paterno-branches. Moral damage.
2. INTRODUÇÃO
A responsabilidade civil é um formidável instituto do direito, utilizado para atender o dano decorrente da violação de um dever jurídico. Nas relações familiares entre pais e filhos, não é diferente. Ela se apresenta como ferramenta de defesa sempre que a criança e ou o adolescente sofrer um dano derivado do abandono afetivo.
Uma vez constatado que o abalo psíquico se deu em virtude da conduta omissa do genitor, que negou cuidados e negligenciou os deveres de convivência, respeito e dignidade, inerentes ao poder familiar, resta necessária a aplicação de indenização, com o fim precípuo de efetuar a tutela dos direitos ora lesados.
Logo, verificar-se-á que reconhecer a responsabilidade por abandono afetivo é adotar o entendimento de que a criança e o adolescente possuem prioridade absoluta e, em consequência, merecem ter acesso a um instrumento de defesa dos seus direitos, incisivo a ponto de obrigar a pessoa que o desrespeita a pagar uma indenização, a título de dano moral/afetivo.
Sendo assim, o presente trabalho, primeiramente, abordará as principais características da responsabilidade civil, a fim de possibilitar a compreensão dos pressupostos indispensáveis à sua caracterização. Após, pontuar-se-á as principais transformações que a instituição familiar sofreu, até chegar ao atual conceito, principalmente no que tange ao poder familiar, sem deixar de destacar os principais conceitos que a integram. Por fim, caberá tratar do assunto central, qual seja, o abandono afetivo, expondo a forma como se caracteriza nas relações familiares e a incidência da responsabilidade civil nesse âmbito. Igualmente, competirá analisar, de forma geral, os principais julgados que analisaram a responsabilidade civil nas relações paterno-filiais.
3. A RESPONSABILIDADE CIVIL
Antes de se adentrar ao tema da responsabilidade civil, vale lembrar da essência do ”ser” e não do “ter” como paradigma do conceito de tutela de direitos. Para (GUSTAVO TEPEDINO, 2012), o novo movimento constitucionalista que ressurgiu pós Estado absolutista trouxe o conceito de tutela da dignidade da pessoa humana, onde o que importa é a pessoa humana nesse contexto o autor ressalta os direitos de personalidade que tem por objetivo os atributos essenciais da pessoa humana em seus aspectos físicos, moral, e intelectual, é o conjunto de atributos inerentes à condição humana, é tudo aquilo que é essencial, é o que é indissociável à pessoal humana.
Assim, nesse novo paradigma, vale lembra o que lembra os autores Professor (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS E NELSON ROSENVALD, 2007) quando diz sobre a constitucionalização do direito civil, adotado pela magna carta de 1988, a interpretação dos clássicos institutos de direito civil conforme os valores constitucionais, ou seja, agora o código civil será interpretado à luz do direito constitucional. Os autores destacam ainda, que o código civil não alterou a estrutura da parte geral, o que mudou foi a forma de interpretação é o direito civil que vai ser interpretado conforme a constituição, pelos valores da constituição.
Assim sendo, o ‘’rei astro” agora é a constituição, ou seja todos os outros códigos deverão obedecer a Constituição busca-se os valores da constituição, um sentido humanista e garantista para o direito civil, uma preocupação com a tutela jurídica voltado para a pessoa.
Daí falar-se em responsabilidade por abandono afetivo, ou seja, o pai ou a mãe quando ausentes, ou presentes somente economicamente na vida dos filhos violando preceitos tidos como de suas responsabilidades que é preceituado no código civil, tratados internacionais, estatuto da criança e do adolescente e principalmente na constituição federal de 1988 quando estabelece no Artigo 227.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Assim no artigo supracitado a carta política estabelece que é dever da família a primeira instituição responsável por prover a política da proteção integra à criança e ao adolescente.
A responsabilidade da sociedade e do estado surge como instituições que deve presentes quando ausente a proteção familiar.
Contudo, o tema é bastante discutido em doutrina e jurisprudência, há divisões no sentido de que seria ou não o amor, o afeto tutelável? Seria ofensa aos direitos da personalidade?
O Tribunal de Justiça de Sorocaba- SP condenou o pai por abandono afetivo, decorrente de ofensa à personalidade.
Houve recurso que parou no STJ, que manteve a decisão do tribunal, o fato trata de Luciane entrou com ação contra o pai alegando abandono material e afetivo durante a infância e a adolescência. O Tribunal de Justiça de São Paulo julgou o caso improcedente por entender que "o distanciamento se deveu ao comportamento agressivo da mãe em relação ao pai".
Depois, em apelação de novembro de 2008, o próprio TJ-SP reformou a decisão por entender que o pai era "abastado e próspero" e fixou indenização por danos morais em R$ 415 mil.
O pai recorreu ao STJ alegando não ter abandonado a filha e argumentando que, mesmo se isso tivesse ocorrido, não "haveria ilícito indenizável". Para ele, a punição possível nesse caso seria a perda de poder familiar.
O STJ decidiu manter a condenação do TJ, mas reduziu o valor de R$ 415 mil para R$ 200 mil, por considerá-lo elevado.
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE.
1. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família.
2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88.
3. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non facere, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia - de cuidado - importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico.
4. Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam a possibilidade de pleno cuidado de um dos genitores em relação à sua prole, existe um núcleo mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.
5. A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores atenuantes - por demandarem revolvimento de matéria fática - não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial.
6. A alteração do valor fixado a título de compensação por danos morais é possível, em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem revela-se irrisória ou exagerada.
7. Recurso especial parcialmente provido.
(REsp 1159242/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 10/05/2012)
No voto a ministra Nancy Andrigh ressaltou que: “Amar é faculdade, cuidar é dever", disse a relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi. Segundo ela, a discussão no processo não era o amor do pai pela filha, mas o dever jurídico que ele tem de cuidar dela.”
A ministra ainda ressalta que a decisão abre caminho para humanização da justiça, ou seja a Responsabilidade decorre de fator humano, afetivo dignidade.
A palavra “responsabilidade” tem sua origem no verbo latino respondere, que encerra a ideia de contraprestação, restituição, que alguém tem de assumir em razão das consequências jurídicas de sua atividade. Poder-se-ia, então, afirmar que estabelece uma obrigação, encargo, garantia de ressarcir (GAGLIANO, 2007).
Juridicamente, o vocábulo segue o mesmo raciocínio, já que sugere a violação de uma norma por meio de um ato ilícito, que tenha conseqüências danosas, sujeitando o infrator à reparação (GAGLIANO, 2007).
Em princípio, “toda manifestação da atividade humana traz em si o problema da responsabilidade” (DIAS, 2006, p. 03). Com efeito, o estudo do referido instituto abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar (VENOSA apud BONFIM, 2008, p. 29).
Para Sérgio Cavalieri Filho, a responsabilidade civil “é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 02). Destarte, somente incide em reponsabilidade civil quem descumpre um dever jurídico e causa dano.
Nesse sentido, Carlos Alberto Bittar citado por Gagliano:
Havendo dano, produzido injustamente na esfera alheia, surge a necessidade de reparação, como imposição natural da vida e sociedade e, exatamente, para a sua própria existência e o desenvolvimento normal das potencialidades de cada ente personalizado. É que investidas ilícitas ou antijurídicas no circuito de bens ou de valores alheios perturbam o fluxo tranquilo das relações sociais, exigindo, em contraponto, as reações que o Direito engendra e formula para a restauração do equilíbrio rompido. Ao escolher as vias pelas quais atua na sociedade, o homem assume os ônus correspondentes, apresentando-se a noção de responsabilidade como corolário de sua condição de ser inteligente e livre.
[...] uma vez assumida determinada atitude pelo agente, que vem a causar dano, injustamente, a outrem, cabe-lhe sofrer os ônus relativos, a fim de que se possa recompor a posição do lesado, ou mitigar-lhe os efeitos do dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica (BITTAR citado por GAGLIANO, 2007, p. 20).
Nas palavras de Begalli apud Bonfim:
O prejuízo que deve ser ressarcido é aquele que se origina de um ato ilícito, considerado como toda ação ou omissão voluntária, ou decorre de negligência ou imprudência, ocasionando prejuízo alheio ou violação de direito, sintetizada na diminuição ou subtração causada por outrem de um bem jurídico, de ordem patrimonial ou moral, tal seja a possibilidade de redução de uma quantia pecuniária (BEGALLI apud BONFIM, 2008, p. 29).
Portanto, “a responsabilidade civil opera a partir do ato ilícito, com o nascimento da obrigação de indenizar” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.03, 04). Não existe, pois, responsabilidade sem violação de uma obrigação, ou seja, não existe dever de indenizar sem não existir o ato ilícito.
Cabe ressaltar, outrossim, que, a responsabilidade civil recairá sempre sobre o patrimônio do devedor, muito embora os danos a serem ressarcidos ou reparados possam ser de conteúdo moral, social, entre outros (GONÇALVES, 2006).
Ainda segundo GONÇALVES (2006), a responsabilidade civil tem uma importante função de reequilíbrio social, pois obriga o causador do dano a arcar com as consequências do seu ato, restituindo ou compensando a vítima. Logo, esse equilíbrio jurídico-econômico é restabelecido fixando-se uma indenização proporcional ao dano experimentado pela vítima, ou recolocando-a na mesma situação anterior à lesão (CAVALIERI FILHO, 2010).
Sob esse aspecto, Gagliano citado por Pinto, ressalta que:
A responsabilidade civil possui três principais sentidos: o compensatório, que visa a reparação do dano; o pedagógico, que visa educar e inibir a reincidência dos atos lesivos, e punitivo, objetivando impor uma sanção ao agente da conduta lesiva (GAGLIANO apud PINTO, 2009, p. 17).
Da análise desses conceitos doutrinários, conclui-se que a responsabilidade civil é a obrigação de reparar um dano causado a outrem, decorrente da prática de um ato ilícito, reproduzindo, assim, um mecanismo de desmotivação social na medida em que, ao tempo que pune o ofensor, também proporciona um sentimento de satisfação à vítima.
3.1. ATO ILÍCITO
O ato ilícito constitui uma das principais causas jurídicas que podem gerar a obrigação de indenizar. Por isso, é considerado “o fato gerador da responsabilidade civil” (CAVALIERI FILHO, 2010, p.07).
Flávio Tartuce o define da seguinte forma:
O ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante da sua ocorrência a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional.
É a conduta humana que fere direitos subjetivos privados, estando em desacordo com a ordem jurídica e causando danos a alguém (TARTUCE, 2010, p. 321).
O Código Civil de 2002, comparado ao de 1916, trouxe uma importante alteração em relação aos alicerces da responsabilidade civil, “consagrando a teoria do abuso de direito como ato ilícito” (TARTUCE, 2010, p. 322, 323). Gize-se que, a codificação anterior amparava a responsabilidade somente no ato ilícito.
O doutrinador explica que essa alteração ampliou a noção de ato ilícito, para considerar:
como precursor da responsabilidade civil aquele ato praticado em exercício irregular de direitos, ou seja, o ato é originalmente lícito, mas foi exercido fora dos limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé objetiva ou pelos bons costumes (TARTUVE, 2010, p. 323).
Os artigos 186 e 187 do atual Código tem a seguinte redação:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, Lei nº 10.406/2002).
A partir daí, Cavalieri Filho explica que o ato ilícito assume na atual legislação civil um aspecto dicotômico - soma abuso de direitos e danos -, de tal forma que pode ser analisado em dois sentidos:
Em sentido estrito, o ato ilícito é o conjunto de pressupostos da responsabilidade – ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar. Na verdade, a responsabilidade civil é um fenômeno complexo, oriundo de requisitos diversos intimamente unidos; [...] Na responsabilidade subjetiva, como veremos, serão necessários, além da conduta ilícita, a culpa, o dano e o nexo causal. Esse é o sentido do art. 186 do código Civil. [...] Já na responsabilidade objetiva a culpa não integra os pressupostos necessários para sua configuração.
Em sentido amplo, o ato ilícito indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 10).
Vale destacar, também, que o abuso do direito configurado como ato ilícito no artigo 187 pode existir independentemente do dano e da culpa, o que o diferencia do conceito estrito contido no artigo 186. Isso, porque, a ilicitude contida naquele dispositivo baseia-se numa visão objetiva, nos limites da boa-fé e nos bons costumes. (CAVALIERI FILHO, 2010).
Assim, em que pese a responsabilidade civil brasileira ter se mantido fiel à teoria subjetiva, conservando a culpa lato sensu como elemento do dever de reparação, o legislador incorporou os casos especiais em que deve ocorrer a obrigação de indenizar, sem estar configurada a presença do citado pressuposto (GONÇALVES, 2006).
Por derradeiro, considerando ser a ato ilícito “o conjunto de pressupostos da responsabilidade”, ressalta-se que na responsabilidade subjetiva a culpa se apresenta como um desses pressupostos, ao passo que, na responsabilidade objetiva bastará a violação de um dever jurídico preexistente por conduta voluntária (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 12).
3.2. RESPONSABILIDADE CONTRATUAL E EXTRACONTRATUAL
A responsabilidade civil pode decorrer da violação da lei (responsabilidade extracontratual) ou do descumprimento de obrigação negocial (responsabilidade contratual) (NADER, 2010).
Em ambas, um dever jurídico foi transgredido. Contudo, o que as diferencia e possibilita classificá-las em contratual e extracontratual é a natureza da norma violada. Na responsabilidade extracontratual (também chamada aquiliana) a obrigação descumprida teve como fonte a própria lei ou um preceito geral do Direito, enquanto na responsabilidade contratual o dever violado preexistia de uma relação contratual (GAGLIANO, 2007).
Cavalieri Filho acrescenta que:
Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 15).
Antunes Varela citado por Carlos Roberto Gonçalves acrescenta ao conceito:
a responsabilidade contratual abrange também o inadimplemento ou mora relativos a qualquer obrigação, ainda que proveniente de um negócio unilateral (como o testamento, a procuração ou a promessa de recompensa) ou da lei (como a obrigação de alimentos). E a responsabilidade extracontratual compreende, por seu turno, a violação dos deveres gerais de abstenção ou omissão, com os que correspondem aos direitos reais, aos direitos de personalidade ou aos direitos de autor (à chamada propriedade literária, científica ou artística, aos direitos de patente ou de invenções e às marcas) (VARELA apud GONÇALVES, 2006, p. 27).
Na responsabilidade civil aquiliana, a culpa deve ser sempre provada por quem sofreu o dano, ou seja, a vítima, enquanto na responsabilidade contratual, há uma inversão do ônus da prova, cabendo a vitima comprovar apenas que a obrigação não foi cumprida, restando ao devedor o ônus probandi, de que não agiu com culpa ou que ocorreu alguma excludente de causalidade, por isso, fala-se que aqui a culpa é presumida (GAGLIANO, 2007).
3.3. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E OBJETIVA
“Conforme o fundamento que se dê a responsabilidade, a culpa será ou não considerada elemento da obrigação de reparar o dano” (GONÇALVES, 2006, p. 21).
Por muito tempo a responsabilidade foi fundamentada apenas na teoria subjetiva, a qual pressupõe a necessidade de comprovação da culpa para indenização do dano. Contudo, com o avanço tecnológico e crescente modernização da sociedade, surgiram novas situações que não poderiam mais ser abarcadas pela tradicional teoria (CAVALIERI FILHO, 2010).
Sendo assim, visando salvaguardar as vítimas que poderiam ficar sem nenhuma reparação por não conseguirem provar a culpa, criou-se a teoria do risco ou responsabilidade objetiva (NADER, 2010).
Essa teoria “tem como postulado que todo dano é indenizável, e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa” (ALVIM apud GONÇALVES, 2006, p. 21, 22).
Gonçalves assevera ainda que:
Nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Em alguns, ela é presumida pela lei. Em outros, é de todo prescindível, porque a responsabilidade se funda no risco (objetiva propriamente dita ou pura) (GONÇALVES, 2006, p. 22).
Importante ressaltar que, embora a responsabilidade subjetiva tenha sido adotada pelo Código Civil brasileiro como regra, conforme se pode verificar nos artigos 186 e 927, não restam oposições quanto à aplicação da responsabilidade objetiva nos casos previstos na legislação, principalmente nos dispositivos 187, 927, parágrafo único (GONÇALVES, 2007, p. 23).
3.4. PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Com base na redação do artigo 186 do Código Civil, é possível afirmar que são quatro os pressupostos da responsabilidade civil: conduta, culpa, nexo causal e dano.
Tais pressupostos deverão estar combinados para que exista o dever de reparar. Com exceção da culpa, que é elemento integrante somente da responsabilidade subjetiva, todos os demais elementos deverão estar combinados para que haja o dever de reparar.
3.4.1. Conduta
“Entende-se por conduta o comportamento humano voluntário que se exterioriza através de uma ação ou omissão, produzindo consequências jurídicas” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 24).
O conceito utilizado pelo doutrinador evidencia a existência de um aspecto subjetivo (vontade) e um objetivo (ação ou omissão) da conduta.
Em relação ao subjetivo, “não traduz necessariamente a intenção de causar o dano, mas sim, e tão somente, a consciência daquilo que se está fazendo” (GAGLIANO, 2007, p. 28).
Geralmente, o comportamento humano é exteriorizado através de uma ação, um comportamento positivo, como causar lesão, destruir algum objeto, etc. A segunda forma da manifestação da conduta é através de um comportamento inativo, de omissão (CAVALIERI FILHO, 2010).
No entanto, a conduta omissiva só terá relevância no presente estudo “quando existir prova de que a conduta não foi praticada. Em reforço, para a omissão é necessária ainda a demonstração de que, caso a conduta fosse praticada, o dano poderia ter sido evitado” (TARTUCE, 2010, p. 355).
Cabe pontuar, ainda, que a responsabilidade de indenizar pode recair tanto sobre quem praticou diretamente a conduta, como também, sobre aquele que possui, de algum modo, ligação com o terceiro causador do dano (CAVALIERI FILHO, 2010).
Além disso, a lei só imputa responsabilidade ao agente que possui plena capacidade de entender o caráter de sua conduta e de determinar-se de acordo com a mesma (CAVALIERI FILHO, 2010).
3.4.2. Culpa
“A culpa adquire relevância jurídica quando integra a conduta humana. É a conduta humana culposa, vale dizer, com as características da culpa, que causa dano a outrem, ensejando o dever de repará-lo” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 23).
Com efeito, a vítima de um dano só poderá ser ressarcida se conseguir provar que o agente agiu culposamente. A respeito, Antunes Varela citado por Carlos Roberto Gonçalves traça claramente sua interpretação:
A obrigação de indenizar não existe, em regra, só porque o agente causador do dano procedeu objetivamente mal. É essencial que ele tenha agido com culpa: por ação ou omissão voluntária, por negligência ou imprudência, como expressamente se exige no artigo 186 do Código Civil. Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou reprovação do direito. E o agente só pode ser pessoalmente reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias concretas da situação, caiba afirmar que ele podia e devia ter agido de outro modo (VARELA apud GONÇALVES, 2006, p. 490).
A culpa, em sentido amplo, abrange toda a conduta humana contrária ao Direito, seja intencional (com dolo) ou tencional (culpa). No dolo a conduta já nasce ilícita, haja vista a vontade do agente se dirigir a um resultado antijurídico, danoso. Em contrapartida, na culpa a origem da conduta é lícita, tornando-se ilícita na medida em que um resultado danoso passa a ser cogitado pelo infrator ou quando ele deixa de observar os padrões de comportamento esperados pela sociedade (CAVALIERI, 2010).
Resumindo, “pode-se conceituar a culpa como conduta voluntária contrária ao dever de cuidado imposto pelo Direito, com a produção de um evento danoso involuntário, porém previsto ou previsível” (CAVALIERI, 2010, p. 35).
Ou seja, a culpa é a falta de diligência na observância de normas de conduta.
Ressalta-se que, conforme mencionado anteriormente, a culpa não é elemento da responsabilidade objetiva. Razão essa, cabe prová-la tão somente nos casos que envolvam a responsabilidade subjetiva.
3.4.3. Nexo Causal
O nexo causal é o elo de comunicação entre os elementos da conduta e do dano, sem o qual não existe dever de indenizar (TARTUCE, 2010).
Cavalieri o conceitua assim:
É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado. A relação causal estabelece o vínculo entre um determinado comportamento e um evento, permitindo concluir, com base nas leis naturais, se a ação ou omissão do agente foi ou não causa do dano (CAVALIERI, 2010, p. 47).
A legislação civilista brasileira exige que, na presença de uma possível causa, somente o fato relevante ao evento danoso seja considerado para efeitos de indenização (TARTUCE, 2010).
3.4.4. Dano
O dano ou prejuízo é requisito indispensável para a configuração da responsabilidade, sem o qual não haveria o que indenizar. Representa uma lesão a um interesse jurídico tutelado, material ou moral, causado pela conduta culposa do infrator (GAGLIANO, 2007).
Sérgio Cavalieri Filho conceitua dano como:
A subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 73).
Doutrinariamente, classifica-se o dano em material e moral. Por isso, a análise de cada um será feita individualmente, dando-se maior enfoque ao dano moral, que constitui o cerne da presente pesquisa.
O dano material, também chamado de dano patrimonial, atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, abrangendo não só as coisas corpóreas, como casa, automóvel, livro, entre outros, mas também as coisas incorpóreas, como os direitos de crédito (CAVALIERI FILHO, 2010).
É dito ainda pelos doutrinadores que “o dano, em toda sua extensão, há de abranger aquilo que efetivamente se perdeu e aquilo que se deixou de lucrar: o dano emergente e o lucro cessante” (GONÇALVES, 2006, p. 545).
Gonçalves também propõe que:
Avalia-se o dano material tendo em vista a diminuição sofrida no patrimônio. O ressarcimento do dano material objetiva a recomposição do patrimônio lesado. Se possível, restaurando o statu quo ante, isto é, devolvendo a vítima ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos se torna impossível tal desiderato, busca-se a compensação em forma de pagamento de uma indenização monetária (GONÇALVES, 2006, p 650).
“O dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente” (GAGLIANO, 2007, p. 55).
A incorporação do dano moral no ordenamento jurídico se deu de forma progressiva e hoje se encontra expressamente consagrado como mandamento constitucional, com previsão ainda na legislação civil e leis especiais (SANTOS, 2008).
Com o advento da Constituição de 1988, o homem passou a ocupar o vértice do ordenamento jurídico, de modo que seus direitos começaram a ocupar as diretrizes de todos os ramos legais. Pois bem, dessa forma, o homem, que já era detentor de direitos patrimoniais, passou também a ser titular de relações jurídicas ainda mais importantes, principalmente por lhe ser reconhecido e outorgado o maior valor moral, a dignidade da pessoa humana (CAVALIERI FILHO, 2010).
Com base nesse princípio, o dano moral ganhou o direito à plena reparação, conforme preconizado no artigo 5º, incisos V e X da Carta Magna. (CAVALIERI FILHO, 2010).
A partir dessa interpretação, conceituou o dano moral em dois aspectos: Em sentido estrito, dano moral é violação do direito à dignidade (compreendendo ofensas da intimidade, imagem e honra). Em sentido amplo, o dano moral envolve os chamados novos direitos da personalidade, os quais não estão diretamente ligados a dignidade da pessoa humana. Incluem-se nessa categoria: a imagem, o bom nome, a reputação, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, convicções políticas, religiosas, filosóficas, direitos autorais, entre outros. (CAVALIERI FILHO, 2010).
Nessa esteira, registra-se o posicionamento de Gonçalves sobre o tema:
O dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vitima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano. [...] O direito não repara qualquer padecimento, dor ou aflição, mas aqueles que forem decorrentes da privação de um bem jurídico sobre o qual a vítima teria interesse reconhecido juridicamente (GONÇALVES, 2006, p. 565, 567).
Assim, só deve considerar como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, saindo dos parâmetros da normalidade, intervenha intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe desequilíbrios. Entenda-se que, somente quando a reação psíquica da vítima tiver por causa uma agressão a sua dignidade, poderá ser considerado o dano (CAVALIERI FILHO, 2010).
Uma vez postulado no ordenamento jurídico brasileiro o direito ao dano moral, volta-se a discussão para o grande problema encontrado pelos julgadores, qual seja, o valor da indenização.
Diante disso, primeiramente deve-se considerar que o ressarcimento do dano moral possui apenas uma função satisfatória para a vítima, com a qual se busca, de certo modo, compensá-la pelo sofrimento vivido, já que impossível devolver todo o dano que sofreu (GAGLIANO, 2007).
Depois, tem-se em mente que a quantificação do dano moral será decidida pelo magistrado, com base nos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da exemplaridade. Portanto, não se aplica ao dano moral a regra contida no artigo 944 do Código Civil de que a indenização mede-se pela extensão do dano (CAVALIERI FILHO, 2010).
E ainda, tendo em vista tratar-se de algo imaterial, a prova do dano moral depende somente da comprovação da própria ofensa, já que uma vez provada, por presunção natural, estará demonstrado o dano (CAVALIERI FILHO, 2010).
De modo geral, em análise às decisões já proferidas sobre a matéria, observa-se que os aplicadores do direito têm considerado dois critérios no momento de estipular a indenização por danos morais, sendo eles: o caráter reparatório, pelo qual se considera a intensidade do dano experimentado pela vítima, visando aproximar o máximo possível o valor pecuniário ao grau de ofensa; e o caráter pedagógico, de cunho educativo, atuando como fator de desestímulo para a sociedade e para o autor da lesão (SANTOS, 2008).
Com toda certeza, conclui-se, depois de todas essas considerações, que a pessoa que sofre uma lesão moral e busca a tutela jurisdicional, não visa, pura e simplesmente, receber determinado valor pecuniário, até porque, restou evidente que a análise do dano é feita caso a caso, e não decorre de um simples desconforto ou dissabor. Em consequência, a vítima procura o Estado como forma de tornar efetivos os direitos que a Constituição lhe confere e que foram violados. Então, nada mais justo que a mesma obtenha uma resposta positiva, de reconhecimento do dano moral.
4. DA FAMÍLIA
4.1. BREVES CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS
Sabe-se que desde a sua origem, a família sofreu diversas mudanças, decorrentes do desenvolvimento natural da vida humana. Não há que se discutir, contudo, que a família sempre foi uma instituição sagrada e inviolável, que representa “uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social” (GONÇALVES, 2009, p. 01).
Trata-se da célula mãe da sociedade, em que os valores de uma época são reproduzidos de modo a garantir adequada formação do indivíduo (ALVES, 2007).
Etimologicamente, o vocábulo família provém da expressão latina “familia, de famel (escravo, doméstico), referindo-se a uma sociedade matrimonial da qual o chefe é o marido, sendo mulher e filhos associados dela”, o que sugere, portanto, uma estrutura totalmente hierarquizada (SILVA apud SANTOS, 2008, p. 11).
A família patriarcal era assim denominada em razão do forte autoritarismo que o pai exercia sobre seus descendentes e sua esposa. O pátrio poder incluía direito de vida e de morte sobre os filhos, bem como autoridade para repudiar a mulher. Insta, ainda, que somente aos filhos nascidos dentro do matrimônio eram reconhecidos os direitos decorrentes do pátrio poder. Os demais, nascidos em relações extramatrimoniais, eram considerados ilegítimos (GONÇALVES, 2009).
Na Idade Média, o Estado não se dissociava da igreja, de modo que as duas instituições representavam, para todos os fins, uma única entidade. Por isso, as relações familiares eram regidas pelo direito canônico, e, logicamente, o casamento religioso era o único validamente reconhecido, prescindindo ao cível (GONÇALVES, 2009).
Esse quadro começou a se alterar com o advento da revolução industrial, quando houve uma transformação profunda na economia do mundo aliada a proliferação de indústrias, demandando mão-de-obra feminina. Foi assim que o homem deixou de ser o núcleo da subsistência da família (DIAS, 2010).
Ainda assim, o Código Civil de 1916, continuou regulando a família com base no matrimônio, impedindo sua dissolução e fazendo referências punitivas aos filhos ilegítimos e aos relacionamentos extraconjugais (DIAS, 2010).
O grande marco de transformações ocorre na segunda metade do século XX, mormente com o advento da Constituição Federal de 1988, rompendo, definitivamente, com as influências luso-germânicas até então existentes no direito das famílias (GONÇALVES, 2009).
A nova Carta relata Pereira e Dias por Gonçalves:
‘absorveu essa transformação e adotou uma nova ordem de valores, privilegiando a dignidade da pessoa humana, realizando verdadeira revolução no Direito de Família, a partir de três eixos básicos’. Assim, o artigo 226 afirma que ‘a entidade familiar é plural e não mais singular, tendo várias formas de constituição’. O segundo eixo transformador ‘encontra-se no § 6º do art. 227. É a alteração do sistema de filiação, de sorte a proibir designações discriminatórias decorrentes do fato de ter a concepção ocorrido ‘dentro ou fora do casamento’. A terceira grande revolução situa-se ‘nos artigos 5º, inciso I, e 226, § 5º. Ao consagrar o princípio da igualdade entre homens e mulheres, derrogou mais de uma centena de artigos do Código Civil de 1916’ (PEREIRA e DIAS apud GONÇALVES, 2009, p. 17).
O Código Civil de 2002 também incorporou parte das alterações trazidas pela Constituição de 1988, “afastando-se da concepção individualista tradicional e conservadora-elitista da época das codificações do século passado” (DIAS, 2010, p. 36).
Nesse contexto, a família agora se encontra voltada para o desenvolvimento da pessoa humana, verdadeiramente como entidade de afeto e solidariedade. Mais do que isso, a família está vocacionada a realização de seus membros, proporcionando-lhes satisfação, felicidade e respeito (FARIAS, 2010).
Nesse sentido, ressalta Leonardo Alves:
percebe-se que as relações familiares se tornam muito mais verdadeiras, porque são construídas (e não impostas) por quem integra o instituto (e não por um terceiro, um elemento estranho, como o legislador). O ser, finalmente supera o ter, fazendo com que o afeto se torne o elemento irradiador da convivência familiar (ALVES, 2007, p. 139).
Em consonância, o entendimento de Margarete Martins dos Santos:
Fundada nesta nova ordem social, a família ganhou novos contornos, nova roupagem, uma vez que seus pilares têm como base não só o afeto como também a liberdade, o amor, a ajuda mútua e principalmente o reconhecimento do indivíduo enquanto pessoa humana detentora de direitos (SANTOS, 2008, p. 12).
Assenta-se sob essa nova ótica, o entendimento de que, independentemente da origem, meio social ou nível econômico, o principal enfoque da família atual é proporcionar bem-estar, equilíbrio, carinho, afeto e promoção da dignidade dos seus entes, os quais mantem-se unidos unicamente com o objetivo se serem felizes e realizados.
4.2. DO PODER FAMILIAR
O poder familiar corresponde ao antigo pátrio poder, exercido unicamente pelo genitor. Ocorre que, foi necessário reajustar a nomenclatura à atual posição que a mulher ocupa na sociedade, vez que as decisões passam a ser compartilhadas entre o casal (CASSETTARI, 2008).
A Constituição Federal assegurou direitos e deveres iguais ao homem e a mulher na sociedade conjugal e no desempenho do poder familiar. Acompanhando a evolução, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passou a disciplinar mais deveres e obrigações dos pais para com os filhos, aplicando a teoria de proteção integral aos menores (DIAS, 2010).
Frise-se que o fundamento da doutrina da proteção integral, ilustrada pelo ECA no artigo 4º, é expresso também na CF/88 em seu artigo 227:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, CF/88).
Gonçalves conceitua o poder familiar da seguinte forma:
Poder familiar é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos bens dos filhos menores. Segundo SILVIO RODRIGUES, ‘é o conjunto de direitos e deveres atribuídos aos pais, em relação à pessoa e aos bens dos filhos não emancipados, tendo em vista a proteção destes’ (GONÇALVES, 2009, p. 372).
Vale mencionar que a autonomia da família não é mais absoluta, já que ao Estado é atribuído o dever de intervir subsidiariamente em determinados casos. Vislumbra-se que o grande desafio é “encontrar o ponto de equilíbrio entre duas situações opostas: a supremacia do Estado nos domínios da família e a onipotência daqueles que assumem o poder de direção da família” (LIMA apud DIAS, 2010, p. 418).
Esse desafio é proposto no intuito de garantir que os direitos da criança e do adolescente não fiquem sem amparo. Áurea Pimentel Pereira por Saldanha:
O Estado assumiu, juntamente com a família, ‘seriíssimas’ responsabilidades com relação à criança e ao adolescente, quais sejam as de lhes assegurar, com prioridade, o uso e gozo dos direitos fundamentais, tendo sido muito mais pródigo na enunciação de tais direitos com referência à criança e ao adolescente do que com relação aos adultos, já que quanto a estes últimos o que a Constituição se propôs a garantir foi a proteção à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à segurança e à previdência social, à inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, e de modo geral assistência aos desamparados, enquanto que à criança e ao adolescente acrescentou os direitos à profissionalização, à cultura, à dignidade e ao respeito, prometendo, ainda, pô-las a salvo de toda negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (PEREIRA apud SALDANHA, 2008, p. 22).
“O poder paternal faz parte do estado das pessoas e por isso não pode ser alienado nem renunciado, delegado ou substabelecido. Qualquer convenção, em que o pai ou a mãe abdiquem desse poder, será nula” (CUNHA ÇONÇALVES apud GONÇALVES, 2009, p. 374).
O poder familiar recebe tratamento tanto no Código Civil (artigos 1.630 a 1.638) como no Estatuto da Criança e do Adolescente, quando fala do direito à convivência familiar e comunitária (artigos 21 a 24) e da perda e suspensão do poder familiar (artigos 155 a 163) (DIAS, 2010).
Dentre as atribuições do exercício do poder familiar, enumeradas no artigo 1.634 do Código Civil, encontra-se no inciso II a de ter os filhos em sua companhia. O artigo 22 do ECA, seguindo esse raciocínio, aduz que os pais também são responsáveis pela guarda, sustento e educação dos filhos. E, principalmente, dispõe que o poder familiar será exercido em igualdade de condições – artigo 21 do ECA. O descumprimento dessas obrigações pode acarretar a suspensão ou perda do poder familiar (SANTOS, 2008).
De todo o exposto, é essencial ter em mente que o poder familiar representa mais do que um dever dos pais, é um direito constitucionalmente assegurado à criança e ao adolescente, sujeito da proteção integral. Sendo assim, o descumprimento da aludida obrigação pelos genitores merece, de alguma maneira, responsabilizá-los. Isso, tendo em mente que, serão os filhos os maiores prejudicados pela ausência de um dos genitores e do afeto que este poderia lhe oferecer.
4.3. DOS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS AO DIREITO DE FAMÍLIA
A Constituição Federal brasileira, em seu art. 226, rompendo com uma tradicional visão matrimonialista, consagra um sistema inclusivo e não discriminatório de família (Farias, 2006), na medida em que, além do casamento, admite outras formas de arranjos familiares, na perspectiva do princípio da afetividade. E nessa tenda assim estabelece o código estatutário, lei maior de nosso ordenamento, que numa perspectiva de constitucionalização do direito civil, debruçou-se numa intervenção mínima sobre as relações privadas, só intervindo quando tratar de direito fundamentais, ou seja quando a questão ser afeta a direitos e garantias individuais.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
A família mostra-se num conceito aberto. Família é um ente despersonificado, base da sociedade, moldado pelo vínculo afetivo e reconhecido pelo Estado, não cabendo ao Estado aprioristicamente defini-la, mas sim protegê-la. Percebe-se então diversas formas de arranjos familiares, o seu conceito não é estanque, como visto no julgado abaixo, onde a Ministra destaca a família anaparental.
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO PÓSTUMA. VALIDADE. ADOÇÃO CONJUNTA. PRESSUPOSTOS. FAMILIA ANAPARENTAL. POSSIBILIDADE.
Ação anulatória de adoção post mortem, ajuizada pela União, que tem por escopo principal sustar o pagamento de benefícios previdenciários ao adotado - maior interdito -, na qual aponta a inviabilidade da adoção post mortem sem a demonstração cabal de que o de cujus desejava adotar e, também, a impossibilidade de ser deferido pedido de adoção conjunta a dois irmãos.
A redação do art. 42, § 5º, da Lei 8.069/90 - ECA -, renumerado como § 6º pela Lei 12.010/2009, que é um dos dispositivos de lei tidos como violados no recurso especial, alberga a possibilidade de se ocorrer a adoção póstuma na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do menor como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
O art. 42, § 2º, do ECA, que trata da adoção conjunta, buscou assegurar ao adotando a inserção em um núcleo familiar no qual pudesse desenvolver relações de afeto, aprender e apreender valores sociais, receber e dar amparo nas horas de dificuldades, entre outras necessidades materiais e imateriais supridas pela família que, nas suas diversas acepções, ainda constitui a base de nossa sociedade.
A existência de núcleo familiar estável e a consequente rede de proteção social que podem gerar para o adotando, são os fins colimados pela norma e, sob esse prisma, o conceito de núcleo familiar estável não pode ficar restrito às fórmulas clássicas de família, mas pode, e deve, ser ampliado para abarcar uma noção plena de família, apreendida nas suas bases sociológicas.
Restringindo a lei, porém, a adoção conjunta aos que, casados civilmente ou que mantenham união estável, comprovem estabilidade na família, incorre em manifesto descompasso com o fim perseguido pela própria norma, ficando teleologicamente órfã. Fato que ofende o senso comum e reclama atuação do interprete para flexibilizá-la e adequá-la às transformações sociais que dão vulto ao anacronismo do texto de lei.
O primado da família socioafetiva tem que romper os ainda existentes liames que atrelam o grupo familiar a uma diversidade de gênero e fins reprodutivos, não em um processo de extrusão, mas sim de evolução, onde as novas situações se acomodam ao lado de tantas outras, já existentes, como possibilidades de grupos familiares.
O fim expressamente assentado pelo texto legal - colocação do adotando em família estável - foi plenamente cumprido, pois os irmãos, que viveram sob o mesmo teto, até o óbito de um deles, agiam como família que eram, tanto entre si, como para o então infante, e naquele grupo familiar o adotado se deparou com relações de afeto, construiu - nos limites de suas possibilidades - seus valores sociais, teve amparo nas horas de necessidade físicas e emocionais, em suma, encontrou naqueles que o adotaram, a referência necessária para crescer, desenvolver-se e inserir-se no grupo social que hoje faz parte.
Nessa senda, a chamada família anaparental - sem a presença de um ascendente -, quando constatado os vínculos subjetivos que remetem à família, merece o reconhecimento e igual status daqueles grupos familiares descritos no art. 42, §2, do ECA.
Recurso não provido.
(REsp 1217415/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/06/2012, DJe 28/06/2012)
Observa-se, por exemplo, na adoção, filiação socioafetiva, conceito mais cultural do que biológico.
DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ADOÇÃO PÓSTUMA. MANIFESTAÇÃO INEQUÍVOCA DA VONTADE DO ADOTANTE. LAÇO DE AFETIVIDADE.
DEMONSTRAÇÃO. VEDADO REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS.
1. A adoção póstuma é albergada pelo direito brasileiro, nos termos do art. 42, § 6º, do ECA, na hipótese de óbito do adotante, no curso do procedimento de adoção, e a constatação de que este manifestou, em vida, de forma inequívoca, seu desejo de adotar.
2. Para as adoções post mortem, vigem, como comprovação da inequívoca vontade do de cujus em adotar, as mesmas regras que comprovam a filiação socioafetiva: o tratamento do adotando como se filho fosse e o conhecimento público dessa condição.
3. Em situações excepcionais, em que demonstrada a inequívoca vontade em adotar, diante da longa relação de afetividade, pode ser deferida adoção póstuma ainda que o adotante venha a falecer antes de iniciado o processo de adoção.
4. Se o Tribunal de origem, ao analisar o acervo de fatos e provas existente no processo, concluiu pela inequívoca ocorrência da manifestação do propósito de adotar, bem como pela preexistência de laço afetividade a envolver o adotado e o adotante, repousa sobre a questão o óbice do vedado revolvimento fático e probatório do processo em sede de recurso especial.
5. Recurso especial conhecido e não provido.
(REsp 1326728/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 27/02/2014)
Paradigmas da família, paradigma no sentido de diretrizes. Novo modelo de família
No CC 16 a família era matrimonializada, se não se casasse não teria família, a família era patriarcal, o homem era o chefe da família, a família era hierarquizada, os filhos se submetiam ao pátrio poder, tinha hierarquia no grupo familiar, a família era heteroparental, de sexos diferentes, era exclusivamente biológica, a adoção não fazia efeitos jurídicos, com a morte dos pais desfazia-se a adoção, a adoção não produzia os efeitos de uma adoção, era uma compressão visivelmente biológica de família, família era uma instituição jurídica, social, era sempre institucional, a idéia de família era indissolúvel, a família merecia proteção por si mesma, por isso era indissolúvel, precisava preservar o núcleo familiar.
4.4. 2.3.1. Princípio da dignidade da pessoa humana
O principio da pessoa humana é o núcleo principal, dele se extrai os direitos da personalidade, direitos essenciais a pessoa humana, e tutelado no inicio do Código Civil Brasileiro, contudo decorrente da Constituição Federal de 1988 que assim estabelece.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I - a soberania;
II - a cidadania
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Assim, direitos da personalidade é tudo que é aquilo que se tem para ter vida digna. Por isso que os direitos da personalidade não são taxativos. Os direitos da personalidade no Brasil estão baseados numa cláusula geral de proteção que é a dignidade da pessoa humana. Eles não são taxativos. A dignidade é clausula geral de proteção, a dignidade é a pedra angular dos direitos da personalidade. Também observado no Enunciado 274 das Jornadas de Direito Civil.
Art. 11: Os direitos da personalidade, regulados de maneira não-exaustiva pelo Código Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, inc. III, da Constituição (princípio da dignidade da pessoa humana). Em caso de colisão entre eles, como nenhum pode sobrelevar os demais, deve-se aplicar a técnica da ponderação.
Ademais, “A dignidade da pessoa humana é o valor e o princípio subjacente ao grande mandamento, de origem religiosa, do respeito ao próximo. Todas as pessoas são iguais e têm direito a tratamento igualmente digno” (BARROSO, 2010, p. 250). Portanto,
O princípio da dignidade da pessoa humana identifica um espaço de integridade a ser assegurada a todas as pessoas por sua só existência no mundo. É um respeito à criação, independente da crença que se professe quanto à sua origem. A dignidade relaciona-se tanto com a liberdade e valores do espírito quanto com as condições materiais de subsistência. [...] Ele representa a superação da intolerância, da discriminação, da exclusão social, da violência, da incapacidade de aceitar o outro, o diferente, na plenitude de sua liberdade de ser, pensar e criar (BARROSO, 2010, p. 252).
4.4.1. Princípio da Igualdade
Não há dúvida de que, em tempos pretéritos, o tratamento jurídico dado aos filhos não originados da forma conjugal era de tal modo discriminatório, em que, um homem casado, mesmo querendo, não poderia reconhecer um filho vindo de um relacionamento extraconjugal. Os filhos adotados também eram discriminados (FARIA e ROSENVALD. 2013).
Destaca DIAS que:
Raras vezes uma Constituição consegue produzir tão significativas transformações na sociedade e na própria vida das pessoas como fez a atual Constituição Federal. (..) A s supremacia da dignidade da pessoa humana está lastreada no princípio da igualdade e da liberdade, grandes artífices do novo Estado Democrático de Direito que foi implantado no país. Houve o resgate do ser humano como sujeito de direito, assegurando-lhe, de forma ampliada, a consciência da cidadania. O constituinte de 1988 consagrou como dogma fundamental, antecedendo a todos os princípios, a dignidade da pessoa humana, impedindo assim a superposição de qualquer instituição à tutela de seus integrantes. Foram eliminadas injustificáveis diferenciações e discriminações que não mais combinam com uma sociedade democrática e livre. (DIAS, 2009, p.40)
A lei nesse tempo ignorava, criava uma ficção jurídica na qual o filho fora do casamento sequer existia. Assim, o filho pagava pelo erro do pai, que se eximia do ônus do poder familiar, pois naquela época infringir o dever de fidelidade era crime (DIAS, 2010).
O preconceito era tanto, que o Código Civil de 1916 proibia expressamente o reconhecimento dos filhos incestuosos e os adulterinos, artigo esse que só foi revogado com a Lei 7.841 de 1989 (MADALENO, 2011).
Importante mencionar que o Código Civil de 1937, em seu art. 126, já previa o princípio da igualdade, equiparando os filhos naturais aos filhos legítimos, dando a eles os mesmos direitos e vantagens, porém tal dispositivo nunca foi aplicado (GAMA, 2008).
“No entanto, já pela Lei 4.737/42 permitia-se o reconhecimento voluntário ou coativo de filho havido fora do matrimônio, após o desquite” (VENOSA, 2010, p. 248).
VENOSA (2010) menciona ainda que:
A Lei nº 841/89, um marco no direito de filiação entre nós, permitiu o reconhecimento do filho adulterino após da dissolução conjugal, atribuindo-lhe direito sucessório mitigado. Essa lei permitiu, no art. 4º, que filho nessas condições pudesse acionar o indigitado pai, em segredo de justiça, para obter alimentos, dispensando-se a propositura da ação de investigação de paternidade após dissolvida a sociedade conjugal (VENOSA, 2010, p. 248).
Além disso, o Código Civil de 1916 previa em seu art. 1.605, § 1º, que “o filho natural teria direito à metade do quinhão hereditário cabível ao filho legítimo por força da morte daquele que foi reconhecido seu pai/mãe jurídico”, o que trazia certa revolta por parte de juristas e doutrinadores da época (GAMA, 2008, p. 334).
FARIAS e ROSENVALD destacam que,
Somente com a normatividade garantista da Constituição-Cidadã de 1988 é que foi acolhida a isonomia no tratamento jurídico entre os filhos. Aliás, preceito oriundo da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, apelidada de Pacto de San Jose da Costa Rica, já prescrevia dever de cada ordenamento “reconhecer direitos aos filhos nascidos fora do casamento como aos nascidos dentro dele” (FARIAS e ROSENVALD, 2013).
A partir de então, a supremacia do interesse dos filhos, sua cidadania e dignidade humana foram elevadas, não se podendo mais discutir e diferenciar um filho pela sua origem (MADALENO, 2011).
Em tempos atuais, “não há, pois, mais espaço para a distinção entre família legítima e ilegítima, existente na codificação anterior, ou qualquer outra expressão que deprecie ou estabeleça tratamento diferenciado entre os membros da família” (GAGLIANO, PAMPLONA FILHO, 2013, p. 619).
O princípio da igualdade jurídica dos filhos está previsto na Constituição Federal em seu artigo 227, § 6º, que assim dispõe: “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).
O Código Civil em seu artigo 1.596 também trata da igualdade dos filhos ao dizer que “Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação” (BRASIL. Código Civil de 2002).
De tal modo, esse princípio veio para estabelecer que não deve existir distinção entre os filhos legítimos, naturais e adotivos, quanto ao nome, alimentos, poder de família e sucessão (GONÇALVES, 2011).
Os julgados em que se verifica esse entendimento são fartos:
DIREITO DE FAMÍLIA. FILIAÇÃO ADULTERINA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. POSSIBILIDADE JURIDICA. I - EM FACE DA NOVA ORDEM CONSTITUCIONAL, QUE ABRIGA O PRINCIPIO DA IGUALDADE JURIDICA DOS FILHOS, POSSIVEL E O AJUIZAMENTO DA AÇÃO INVESTIGATORIA CONTRA GENITOR CASADO. II - EM SE TRATANDO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PROTEÇÃO A FAMÍLIA E A FILIAÇÃO, OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DEVEM MERECER EXEGESE LIBERAL E CONSTRUTIVA, QUE REPUDIE DISCRIMINAÇÕES INCOMPATIVEIS COM O DESENVOLVIMENTO SOCIAL E A EVOLUÇÃO JURIDICA [grifo nosso] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 7631. Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 04.11.1991).
Seguindo o mesmo entendimento:
MILITAR. RECURSO ESPECIAL. FILHA DE CRIAÇÃO DE MILITAR, FORMALMENTE ADOTADA PELA VIÚVA APÓS O FALECIMENTO DE SEU ESPOSO. DIREITO À PENSÃO APÓS A MORTE DA MÃE ADOTIVA. 1. Conforme preceitua o art. 7º, inciso II, da Lei n.º 3.765/60, a pensão militar é deferida "aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos". Por filhos de qualquer condição deve-se entender, também, aquela pessoa que foi acolhida, criada, mantida e educada pelo militar, como se filha biológica fosse, embora não tivesse com ele vínculo sangüíneo. 2. A Carta Magna conferiu maior abrangência ao mencionado dispositivo, intensificando a proteção à família e à filiação e repelindo quaisquer formas de discriminação advindas dessas relações. 3. Na hipótese em apreço, restou sobejamente demonstrado que a ora Recorrida ostenta a condição de filha do de cujus, tendo a sua adoção pela viúva apenas formalizado uma situação de fato preexistente. Por essa razão, preenche a Autora os requisitos legais para que lhe seja deferido o benefício pleiteado [grifo nosso] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 370.067. Rel. Ministra Laurita Vaz, j. 09.08.2005).
Tal princípio veio para impedir “o tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem” (FARIAS e ROSENVALD, 2013, p. 133).
“Com isso todos os dispositivos legais que, de algum modo, direta ou indiretamente, determinem tratamento discriminatório entre os filhos terão de ser repelidos do sistema jurídico” (FARIAS e ROSENVELD, 2013, p. 134).
Deste modo, a igualdade entre os filhos passou a se submeter, basicamente, aos princípios constitucionais, dentre os quais o da dignidade da pessoa humana, que é o ápice de todo o sistema jurídico (FARIAS, 2012).
4.4.2. Princípio da Proteção Integral da Criança e do Adolescente
O princípio da Proteção Integral é a “célula mestra” de todos os princípios e normas jurídicas voltadas à garantia dos direitos fundamentais da criança e do adolescente. Ele foi inserido nos artigos 1º e 3º do Estatuto da Criança e Adolescente, com as seguintes redações:
Art. 1º Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.
...
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
A proteção integral concedeu ao Estado, à sociedade e à família o dever de propiciar os meios necessários para que a criança e o adolescente tenham um desenvolvimento saudável, cabendo a estes proteger seus interesses fundamentais à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Ressalte-se ainda, que a Constituição, buscando demonstrar a amplitude dada à proteção da criança e adolescente, e ciente das sequelas causadas a eles pelos atos de abuso, violência e exploração sexual, garantiu no § 4º do art. 227, que a lei punirá de forma severa qualquer ato desta natureza.
A Constituição Brasileira elevou os direitos da criança e do adolescente ao patamar de direitos fundamentais (Artigo 227, CF) repousada na fragilidade e vulnerabilidade desses seres em estágio de desenvolvimento (DIAS, 2010).
Contudo, outras legislações também consagraram o princípio da prioridade absoluta, sobretudo o ECA - Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990 -, já que é um instrumento criado para o fim de subsidiar os direitos da criança e do adolescente. No âmbito civil, a proteção foi reconhecida pela Convenção Internacional de Haia e, implicitamente, em dois dispositivos do Código Civil – Artigo 1.583 e 1.584 (TARTUCE, 2008).
A proteção integral abrange todos os direitos, à saúde, liberdade, lazer, à convivência familiar, entre outros. Entretanto, há situações em que o melhor a fazer é destituir o poder familiar e inserir a criança na adoção, através da intervenção estatal. Assim, deve prevalecer a ideia de que há muito tempo a família não se mantém unida por obrigação, e sim pelo prazer da companhia, sobretudo, por laços afetivos (LÔBO apud DIAS, 2010).
4.5. 2.3.4. Princípio da Solidariedade
O principio da solidariedade decorre, do dever da família de ajuda simultânea entre seus membros pode-se denotar do Art. 226 e Art 227 da Lei Maior.
Renata Malta Vilas-Bôas apresenta o conceito do princípio sob dois aspectos:
Externamente temos que a solidariedade social significa a incumbência do Poder Público e da sociedade civil à realização de políticas de atendimento às necessidades familiares daqueles que se encontram em situação de desvantagem, marginalizados.
Já internamente se aplica esse princípio para dizer que cada membro da entidade familiar tem que cooperar para que o outro consiga concretizar e desenvolver o mínimo necessário para o seu desenvolvimento, tanto biológico quanto psicológico (Vilas-Bôas, 2011, p. 30).
A solidariedade, em princípio tem origem nos vínculos afetivos e pode ser encontrada no dever de assistência aos filhos e amparo ao idoso (DIAS, 2010).
4.5.1. Princípio da Afetividade
Por decorrência que família não seria mais um conceito estanque, não advêm somente da biologia, mas do afeto, pois o afeto é compõe as estruturas familiares, suplantando aos entes de uma família maior segurança, felicidade, dignidade, apoio porto seguro da pessoas que formam a família, passou o afeto ser o formador das relações profundas das famílias, das pessoas.
Neste sentido se inclina a jurisprudência:
FAMÍLIA. FILIAÇÃO. CIVIL E PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. IDENTIDADE GENÉTICA. ANCESTRALIDADE. ARTIGOS ANALISADOS: ARTS. 326 DO CPC E ART.1.593 DO CÓDIGO CIVIL.
1. Ação de investigação de paternidade ajuizada em 25.04.2002. Recurso especial concluso ao Gabinete em 16/03/2012. 2. Discussão relativa à possibilidade do vínculo socioafetivo com o pai registrário impedir o reconhecimento da paternidade biológica. 3. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o tribunal de origem pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos. 4. A maternidade/paternidade socioafetiva tem seu reconhecimento jurídico decorrente da relação jurídica de afeto, marcadamente nos casos em que, sem nenhum vínculo biológico, os pais criam uma criança por escolha própria, destinando-lhe todo o amor, ternura e cuidados inerentes à relação pai-filho. 5. A prevalência da paternidade/maternidade socioafetiva frente à biológica tem como principal fundamento o interesse do próprio menor, ou seja, visa garantir direitos aos filhos face às pretensões negatórias de paternidade, quando é inequívoco (i) o conhecimento da verdade biológica pelos pais que assim o declararam no registro de nascimento e (ii) a existência de uma relação de afeto, cuidado, assistência moral, patrimonial e respeito, construída ao longo dos anos. 6. Se é o próprio filho quem busca o reconhecimento do vínculo biológico com outrem, porque durante toda a sua vida foi induzido a acreditar em uma verdade que lhe foi imposta por aqueles que o registraram, não é razoável que se lhe imponha a prevalência da paternidade socioafetiva, a fim de impedir sua pretensão. 7. O reconhecimento do estado de filiação constitui direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, que pode ser exercitado, portanto, sem qualquer restrição, em face dos pais ou seus herdeiros. 8. Ainda que haja a consequência patrimonial advinda do reconhecimento do vínculo jurídico de parentesco, ela não pode ser invocada como argumento para negar o direito do recorrido à sua ancestralidade. Afinal, todo o embasamento relativo à possibilidade de investigação da paternidade, na hipótese, está no valor supremo da dignidade da pessoa humana e no direito do recorrido à sua identidade genética. 9. Recurso especial desprovido [grifo nosso] (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1401719. Rel. Ministra Nancy Andrich, j. 08.10.2013).
O princípio da afetividade vem sendo abordado pela Constituição Federal em diferentes momentos. O artigo 227, § 6º estabelece a igualdade dos filhos independente da sua origem. Já o artigo 226, § 4º.
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º - O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º - O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.
§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
§ 1º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança, do adolescente e do jovem, admitida a participação de entidades não governamentais, mediante políticas específicas e obedecendo aos seguintes preceitos: (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
I - aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil;
II - criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
§ 2º - A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.
§ 3º - O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos:
I - idade mínima de quatorze anos para admissão ao trabalho, observado o disposto no art. 7º, XXXIII;
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas;
III - garantia de acesso do trabalhador adolescente e jovem à escola; (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
IV - garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica;
V - obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade;
VI - estímulo do Poder Público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado;
VII - programas de prevenção e atendimento especializado à criança, ao adolescente e ao jovem dependente de entorpecentes e drogas afins. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
§ 4º - A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.
§ 7º - No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se- á em consideração o disposto no art. 204.
§ 8º A lei estabelecerá: (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
I - o estatuto da juventude, destinado a regular os direitos dos jovens; (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
II - o plano nacional de juventude, de duração decenal, visando à articulação das várias esferas do poder público para a execução de políticas públicas. (Incluído Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
Deste modo, “a comunidade de existência formada pelos membros de uma família é moldada pelo liame socioafetivo que os vincula sem aniquilar a suas individualidades” (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2013, p. 90).
Adriano Dionisio Saldanha menciona que:
A conceituação de afeto é difícil de se promover, por se tratar de um sentimento, porém é necessário tecer alguns comentários acerca deste sentimento para entender as implicações causadas nos filhos pela ausência de afeto na relação paterno-filial.
O afeto é a base da família moderna a qual é fundada no respeito à dignidade de cada um dos seus membros e no amor entre eles, pois a família já não se baseia mais em uma relação de poder ou provimento econômico, mas num convívio cercado de afeto e carinho entre pais e filhos (SALDANHA, 2008, p. 34).
Paulo Lôbo citado por Renata Vilas-Bôas encontra na Constituição quatro fundamentos essenciais do princípio da afetividade:
1º a igualdade dos filhos independentemente da sua origem, conforme art. 226, § 6º, da CF;
2º a adoção como escolha afetiva com igualdade de direitos (§§ 5º e 6º do art. 226 da CF);
3º a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade de família - § 4º do art. 226 da CF;
4º o direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (art. 227) (LÔBO por VILAS-BÔAS, 2011, p. 34).
A palavra afeto não foi expressamente empregada no texto constitucional acima, mas subjetivamente encontra-se presente. O legislador usou a palavra afeto somente para identificar o genitor a quem deve ser deferida a guarda unilateral e somente invoca a relação de afetividade como elemento indicativo para a definição da guarda a favor de terceira pessoa (DIAS, 2010).
Na III Jornada de Direito Civil, promovida em dezembro de 2004 pelo Superior Tribunal de Justiça, foi aprovado o Enunciado 256, pelo qual: ‘A posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de parentesco civil’ (TARTUCE, 2008, p. 43).
O conteúdo do Enunciado é uma consagração ao princípio do afeto, pois, reconhece a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva. O termo posse de estado de filho foi empregado, para justificar que os laços de afeto não são frutos biológicos, ao contrário, emanam da convivência familiar (DIAS, 2010).
Afinal, a família biológica era um modelo exigido na época do pátrio poder, o qual já desapareceu nas relações sociais brasileiras (LÔBO citado por TARTUCE).
O doutrinador continua expondo que:
Em outros termos, a filiação não é um determinismo biológico, ainda que seja da natureza humana o impulso à procriação. Na maioria dos casos, a filiação deriva-se da relação biológica; todavia, ela emerge da construção cultural e afetiva permanente, que se faz na convivência e na responsabilidade (LÔBO apud TARTUCE, 2008, p. 42).
MARIA BERENICE DIAS (2010) enfatiza o nascimento das famílias eudemonistas, mais igualitárias, flexíveis e voltados para o ideal de afetividade.
Sendo assim, considerando existir esse traço de reciprocidade nas relações familiares, torna-se inolvidável reconhecer a importante tarefa dos pais no desenvolvimento sadio dos filhos. É o que explica José Sebastião de Oliveira apud Saldanha:
a criança espelha, em ações, a realidade do seu ambiente, e se ele não é seu lar e a educação que recebe não é a que os seus genitores deveriam destinar-lhe durante o seu desenvolvimento, ela refletirá uma realidade diversa da que lhe deveria servir de modelo. As consequências disso são nefastas: filhos consumistas, intransigentes ao diálogo e adversos ao respeito aos pais. [...] Como visto, a família educa a criança – preparando-a para a vida. Este lento e precioso processo de educação, se não totalmente, ao menos em grande parte, será responsável pela moldura da personalidade dos filhos (OLIVEIRA apud SALDANHA, 2008, p. 35).
4.5.2. ABANDONO AFETIVO
Nesse tanto, é de fundamental importância que dois pontos fiquem bem claros: 1) o dano afetivo para fins de indenização deve ser considerado espécie da qual o dano moral é gênero; 2) a falta da convivência com os pais repercutirá de maneiras diferentes em cada criança, algumas vezes gerando dano e em outras não. Portanto, nem sempre o dever de indenizar recairá sobre todos os casos de abandono afetivo. Razão esta, as demandas no judiciário deverão ser apreciadas uma a uma, para apuração da responsabilidade.
4.6. DANO MORAL NAS RELAÇÕES FAMILIARES
Apesar da crítica por parte da doutrina discordante, até mesmo nas relações familiares ocorrerão situações capazes de ensejar o dano moral. A exemplo, o marido ou a mulher que descumpre os deveres da honra familiar, principalmente através de imputações injuriosas e ofensivas ao outro cônjuge, enseja motivo para que o ofendido mova uma ação de danos morais contra o ofensor (CAVALIERI FILHO, 2010).
Bernardo Castelo Branco citado por Santos (2008) comenta que não há razão para as pessoas se espantarem com a possibilidade de existência do dano moral nas relações de família, porquanto sua admissibilidade tem o escopo de refinamento das relações familiares:
É natural, porém, que a admissibilidade da reparação do dano moral nas relações de família cause espanto a alguns e até mesmo a repulsa de outros, porquanto elas sempre estiveram envolvidas sob um manto que as tornava impenetráveis às demais normas de direito. Entretanto tal repulsa mostra-se infundada, pois do mesmo modo que a pacta sunt servanda cedeu lugar à idéia de função social dos contratos, permitindo a especificidade de princípios nos contratos de consumo, sem que por tal houvesse a desestruturação das relações comerciais, a admissão da reparação por dano moral ocorrido na família somente contribuirá para o seu aperfeiçoamento. (BRANCO apud SANTOS, 2008, p. 50).
Nessa esteira, Santos explica que:
Esse comportamento deve-se ao fato de que, durante muito tempo, cultivou-se a idéia da impenetrabilidade nas relações familiares, sendo assim, não eram passíveis de interferência judicial, sob o argumento de que tinha um ‘regime próprio’, ou seja, os problemas deveriam ser resolvidos dentro da própria estrutura familiar.
O cerne da questão se assenta então em que não havendo a intervenção judicial para pacificação e resolução dos conflitos, sobretudo visando ao resguardo de direitos, gerará por parte daquele que recorre às vias judiciais um sentimento de injustiça, de validade à violação do direito de outrem e de outro lado de impunidade para aquele que cometeu o ato ilícito (SANTOS, 2008, p. 51).
MARIA BERENICE DIAS (2010) atenta para a importância de distinguir a natureza do dano. Se decorrerem de agressões e injúria, são indenizáveis, tenham elas sido causadas ao cônjuge ao a qualquer pessoa.
A análise do tema continua com DIAS (2010) traçando a lição de que, no casamento os cônjuges não estão obrigados a amar, e se um deles resolve se separar não está obrigado a reparar o outro, já que descabida a indenização pelo simples fato do afeto ter chegado ao fim.
HIRONAKA apud DILL (2010) afirma ainda que, dentro da era atual, em que a sociedade vivencia uma nova perspectiva de direitos, surge a possibilidade de a responsabilidade civil adentrar também nas relações paterno-filiais, em razão da existência de danos decorrentes do abandono afetivo.
FARIAS (2010), reconhecendo essa possibilidade, esclarece que somente quando uma determinada conduta caracterizar-se como ilícita é que será possível indenizar os danos dela decorrentes, o que importa afirmar que, a violação de um dever de família, por si só, não é suficiente para indenizar, ou seja, não caracteriza a responsabilidade civil.
Aproximando o tema ao objeto de pesquisa aqui perseguido, qual seja, o dano afetivo nas relações paterno-filiais, evidencia-se que o mesmo só resta configurado quando presentes a conduta ilícita e a violação de afeto (FARIAS, 2010).
Por derradeiro, a lição de Giselda Hironaka por Tatiane Gonçalves Miranda Goldhar sobre a importância de o dano afetivo ser compreendido, antes de tudo, como um dano moral:
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo.
Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada.
A ausência injustificada do pai originário – em situações corriqueiras – evidente dor psíquica e consequente prejuízo à formação da criança, decorrente da falta não só do afeto, mas do cuidado e da proteção (função psicopedagógica) que a presença paterna representa na vida do filho, mormente quando entre eles já se estabeleceu um vínculo de afetividade (HIRONAKA por GOLDHAR, 2011, p. 14).
4.7. POSSIBILIDADE DE INDENIZAR PELO ABANDONO AFETIVO
Primeiramente, vale recordar que a responsabilidade civil, via de regra, depende do nexo de causalidade existente entre a conduta culposa e o dano. De modo que “provado o prejuízo decorrente do ato ilícito, seja qual for, o reclamo indenizatório não só de direito, como de justiça, é de satisfazer-se” (AZEVEDO citado por CASSETTARI, 2008, p. 96).
O ato ilícito pode ser por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (COSTA, 2005).
Encaixa-se a afirmação de FARIAS (2010) de que a pura violação de afeto não enseja indenização. É preciso ainda, a conjugação dos requisitos do artigo 186 do Código Civil, que trata da responsabilidade extracontratual subjetiva, aplicável nos casos de abandono moral. Por isso, talvez, seja tão delicada a apuração da responsabilidade civil por abandono afetivo.
“Deixar de conviver com o filho, negar amparo afetivo, é violar direito fundamental do filho” (COSTA, 2005, p. 33).
Taísa Maria Macena Lima citada por Michele Amaral Dill lembra que: o dever de criação abrange as necessidades biopsíquicas do filho, o que está vinculada à satisfação das demandas básicas, tais como os cuidados na enfermidade, a orientação moral, o apoio psicológico, as manifestações de afeto, o vestir, o abrigar, o alimentar, o acompanhar física e espiritualmente ao longo da vida (LIMA citada por DILL, 2010).
Nessa esteira, a dano afetivo se assenta nos pressupostos de violação de direitos da criança e do adolescente, por falta ou negligência dos pais no exercício do poder familiar, concorrendo para o irregular desenvolvimento psicossocial dos filhos. Tânia da Silva Pereira por Santos conceitua o que é a negligência:
A negligência se traduz na incapacidade de proporcionar à criança a satisfação dos cuidados básicos de higiene, alimentação, afeto e saúde, indispensáveis para que o seu crescimento e desenvolvimento ocorram em normalidade. A negligência pode manifestar-se sobre a forma ativa, em que há a intenção de causar dano à criança, ou sob a forma passiva, que geralmente resulta na incompetência dos pais em assegurar os referidos cuidados. (PEREIRA por SANTOS, 2008, p.57).
Assim é o entendimento de Giselda Maria Fernandes Hironaka apud Santos:
O sistema jurídico não pode exigir de ninguém demonstrações de amor e carinho, porquanto não seja disto que se trate, mas sim, de uma situação em que o que se cobra dos pais é o correto desempenho de suas funções para o pleno desenvolvimento de seus filhos. Até porque, durante muito tempo, muitos pais deixaram de demonstrar afeto, amor e carinho para com seus filhos, mas cumpriram a função de autoridade (com ou sem autoritarismo) que lhes cabia e que permitiu que os filhos se adequassem socialmente (HIRONAKA apud SANTOS, 2008, p. 53).
RODRIGO DA CUNHA PEREIRA apud SAMIRA SKAF (2011) relata que o dano decorrente do abandono afetivo teria sua gênese no mau exercício do poder familiar, uma vez que a rejeição pressupõe uma conduta culposa de violação à dignidade do filho.
Assim, com base na necessidade de dar efetivação aos direitos protetivos da criança e do adolescente, amplamente elencados na Constituição Federal, Estatuto da Criança e do Adolescente e Código Civil, se almeja a reparação do dano afetivo, de modo que, a ação do genitor seja punida e sirva de desmotivação para toda a sociedade (SAMIRA SKAF, 2011).
A colocação de Álvaro Villaça Azevedo apud Dill veio corroborar esse entendimento:
O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa merecer severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o descumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença (AZEVEDO apud DILL, 2010).
Para efeito de indenização pela omissão do afeto, somente tem legitimidade para integrar o polo ativo da ação os filhos menores de idade e incapazes, pois somente estes estão em fase de formação da personalidade (COSTA, 2010).
Considerando que os efeitos do dano afetivo somente poderão ser sentidos pelo filho, o meio capaz de provar sua existência é o exame psicológico/psiquiátrico, realizado por profissional apto a extrair da vítima a real proporção que o fato ganhou em sua vida, ou seja, até que ponto a conduta omissa do genitor interferiu na formação de sua personalidade (GROENINGA apud SKAF, 2010).
Complementando a ideia, Maria Berenice Dias por Dill, afirma:
A falta da figura do pai desestrutura os filhos, tirando-lhes o rumo da vida e debita-lhes a vontade de assumir um projeto de vida. Tornam-se pessoas inseguras e infelizes. Tal comprovação facilitada pela interdisciplinariedade, a cada vez mais presente no âmbito do direito de família tem levado o conhecimento da obrigação indenizatória por dano afetivo. Ainda que a falta de afetividade não seja indenizável, o reconhecimento da existência deve servir, no mínimo, para gerar o comprometimento do pai com o pleno e sadio desenvolvimento do filho. Não se trata de impor um valor ao amor, mas reconhecer que o afeto é um bem muito valioso (DIAS por DILL, 2010).
Maria Isabel Pereira da Costa defende qual seria a melhor forma de recompensar o filho que foi criado sem a presença afetiva:
Se o dano é emocional, e não resta dúvida de que o seja, o que se precisa reparar é o sofrimento do filho por não ter recebido o carinho do pai ou da mãe; se atingiu a psique da vítima, causando danos na formação de sua personalidade, a recompensa eficaz seria o tratamento psicológico ou psiquiátrico, com o objetivo de lhes restituir a saúde emocional ou recompor o dano emocional sofrido. Assim, os responsáveis pelo dano deveriam ser constrangidos a pagar por quanto tempo fosse necessário o tratamento terapêutico recomendado por profissional especializado à vítima até a sua total recuperação.
A indenização feita diretamente em dinheiro para a vítima, pela omissão do afeto, só deveria ser permitida quando o tratamento terapêutico adequado para reparar o dano, voltando ao status quo ante, não fosse mais possível, ou não fosse recomendável, pois ineficaz (COSTA, 2005, p. 37).
Nos casos em só resta essa última alternativa, qual seja, de indenizar em valor pecuniário, Saldanha explica que:
Ante a falta de normatização referente à mensuração do dano, a doutrina majoritária e a jurisprudência se firmaram no sentido de que se deve basear em quatro critérios: a gravidade do dano sofrido pelo autor e a sua capacidade econômica, a capacidade econômica do réu e o grau de culpabilidade (SALDANHA, 2008, p. 62).
Portanto, a título de abandono afetivo, o juiz não está restrito a uma tabela que liga determinado valor a um dano, de modo que, ao estipular o quantum indenizatório só terá por base os critérios referidos acima.
4.8. ANÁLISE DE DECISÕES
A seguir, serão expostas algumas decisões sobre o tema, analisando os fundamentos utilizados pelos magistrados para deferir ou indeferir o pedido de indenização por abandono afetivo.
A primeira corte a se pronunciar sobre o abandono afetivo foi a de Capão da Canoa, no Rio Grande do Sul, através de sentença proferida em 15 de setembro de 2003 pelo juiz Mário Romano Maggioni do Egrégio Tribunal de Justiça daquele mesmo Estado, que acolheu a pretensão da autora vítima de abandono afetivo, condenando o pai a indeniza-la no valor correspondente a duzentos salários mínimos. Na ocasião, o Nobre Magistrado firmou entendimento de que o dever da paternidade responsável (artigo 226, § 7º, da CF/88), bem como o de guarda, sustento e educação da filha, estampados no art. 22 do ECA, não foram observados pelo genitor. Maggioni ressalvou ainda que a indenização poderia servir de auxílio para a filha buscar um tratamento psicológico, visando minorar os traumas pela ausência afetiva.
A função paterna abrange amar os filhos. Portanto, não basta ser pai biológico ou prestar alimentos ao filho. O sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. É preciso ser pai na amplitude legal (sustento, guarda e educação). Quando o legislador atribuiu aos pais a função de educar os filhos, resta evidente que aos pais incumbe amar os filhos. Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho (TJRS, Ação Indenizatória nº 141/1030012032-0, Relator: Mario Romano Maggioni).
Outra decisão de grande importância provém do extinto Tribunal de Alçada de Minas Gerais (TAMG), em uma ação de apelação cível de nº 408.550-5, datada de 01 de abril de 2004, julgada relator Unias Silva. A indenização foi arbitrada com base fundamental nos direitos constitucionais da criança e do adolescente, principalmente ao respeito a sua dignidade e personalidade. Nas palavras do magistrado:
A relação paterno-filial em conjugação com a responsabilidade possui fundamento naturalmente jurídico, mas essencialmente justo, de se buscar compensação indenizatória em face de danos que pais possam causar a seus filhos, por força de uma conduta imprópria, especialmente quanto a eles é negada a convivência, o amparo afetivo, moral e psíquico, bem como a referência paterna ou materna concretas, acarretando a violação de direitos próprios da personalidade humana, magoando seus mais sublimes valores e garantias, como a honra, o nome, a dignidade, a moral, a reputação social, o que, por si só, é profundamente grave. A dor sofrida pelo filho, em virtude do abandono paterno, que o privou do direito a convivência, ao amparo afetivo, moral e psíquico, deve ser indenizável, com fulcro no princípio da dignidade da pessoa humana (MINAS GERAIS. Tribunal de Alçada. 7. C. Cível. Apelação Cível n. 408.550-5. Relator: Juiz Unias Silva. j. 01-04-2004).
O julgamento dessas ações deu margem para que demais Tribunais reconhecessem o direito de indenização por abandono afetivo, resguardados sempre nas normas constitucionais e infraconstitucionais de proteção integral da criança e do adolescente, primando pela família constituída nos alicerces do amor, respeito e afeto.
Contudo, há ainda uma parcela da jurisprudência que se nega a reconhecer a possibilidade de aplicação da responsabilidade civil nesses casos, fundamentando-se na teoria de que ninguém está obrigado a amar ou a dar carinho. Outrossim, mencionam inexistir razão de indenizar o filho pelo amor que não recebeu, já que isso não mudaria o fato de ele ter sido privado dessa convivência afetiva. Segue abaixo exemplos de posicionamentos nesse sentido:
AÇÃO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. PAI. FILHO. ABANDONO AFETIVO. A Turma, por maioria, conheceu do recurso e deu-lhe provimento para afastar a possibilidade de indenização nos casos de abandono afetivo, como dano passível de indenização. Entendeu que escapa ao arbítrio do Judiciário obrigar alguém a amar ou a manter um relacionamento afetivo, que nenhuma finalidade positiva seria alcançada com a indenização pleiteada. Um litígio entre as partes reduziria drasticamente a esperança do filho de se ver acolhido, ainda que, tardiamente, pelo amor paterno. O deferimento do pedido não atenderia, ainda, o objetivo de reparação financeira, porquanto o amparo, nesse sentido, já é providenciado com a pensão alimentícia, nem mesmo alcançaria efeito punitivo e dissuasório, porquanto já obtidos com outros meios previstos na legislação civil (STJ. RESP 757411-MG. T4. Rel. Min. Fernando Gonçalves. DJ. 29/11/2005).
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS MORAIS - ABANDONO AFETIVO - ATO ILÍCITO - INEXISTÊNCIA - DEVER DE INDENIZAR - AUSÊNCIA. A omissão do pai quanto à assistência afetiva pretendida pelo filho não se reveste de ato ilícito por absoluta falta de previsão legal, porquanto ninguém é obrigado a amar ou a dedicar amor. Inexistindo a possibilidade de reparação a que alude o art. 186 do Código Civil, eis que ausente o ato ilícito, não há como reconhecer o abandono afetivo como passível de indenização (APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0024.07.790961-2/001 - COMARCA DE BELO HORIZONTE - RELATOR: EXMO. SR. DES. ALVIMAR DE ÁVILA).
Outro exemplo recente foi o de uma decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que negou o pagamento de indenização para a filha criada pela tia. Ocorre, na verdade, que a tia constava no registro de nascimento como mãe da menina, sendo que de fato foi ela quem a criou. Contudo, após anos, a menina descobriu a verdade e resolveu pedir a reparação, alegando, em síntese, que tinha sido criada com desprezo pela requerida. O Tribunal decidiu por negar provimento ao pedido, sob o argumento de que a possível falta de amor e atenção não caracteriza, em si, violação de direito (7ª Câmara Cível do TJRS. Relator: Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves - Apelação nº 70042308163).
5. CONCLUSÃO
Tendo em vista tratar-se de um tema bastante delicado, que envolve a incidência de regras da responsabilidade civil nas relações paterno-filiais, verifica-se que, muito embora já se tenha fundamentos precisos que, notadamente, justificam a possibilidade desses dois institutos se relacionarem, ainda há uma parcela da doutrina e jurisprudência que resistem a essa ideia.
De fato, não há como negar que se trata de um tema relativamente novo, que, a princípio causa certa insegurança, afinal, toda e qualquer questão pertinente à família é minuciosa. Isso porque trata-se da mais antiga entidade, que sobreviveu a vários desafios, até chegar a sua atual estrutura de afeto e proteção.
Inobstante a tais considerações, há que se entender que a responsabilidade aplicada ao direito de família, especificamente, nas relações paterno-filiais, não tem o escopo de monetizar o amor, nem torná-lo uma obrigação.
É justamente o contrário. Parte-se da noção de que a responsabilidade é uma violação de direitos e a sua aplicação visa à reparação. Depois, é preciso considerar que o dever de cuidado, zelo, proteção, entre outros, atribuídos aos pais, constitui, ao mesmo tempo, um direito da criança, haja vista, para ser pai não basta somente ter laços biológicos, é preciso afetuosidade. Quando esses direitos são negados ao filho, pela falta de afeto, carinho ou atenção, o pai, automaticamente, viola um direito.
Quando o abandono afetivo causa um dano ao filho, interferindo diretamente na sua personalidade, resta estabelecido um nexo entre a violação de direito (dano afetivo) e a conduta culposa ou omissa (abandono). A partir desses pressupostos, cabível a indenização.
Após essas considerações, observa-se que o tema não se encerra aqui, afinal, não há um entendimento pacífico sobre ele. Contudo, é de fundamental importância que seja discutido e examinado pelos estudiosos e aplicadores do direito, eis que trata-se de mais uma ferramenta de proteção colocada a disposição da criança e do adolescente.
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Publicado por: Lucas da Silva Godinho
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