A RESPONSABILIDADE CIVIL DO MÉDICO NO DANO ESTÉTICO

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1. RESUMO

A presente pesquisa tem como objetivo o estudo sobre a Responsabilidade Civil no dano estético que decorre de erro médico, um assunto de grande relevância social. Nesse contexto, o trabalho pretendeu responder a seguinte problemática: quais as repercussões relativas à responsabilidade civil do médico nos casos de erro médico envolvendo o dano estético? Para isso, utilizou o método qualitativo, realizada por meio de método dedutivo e mediante a realização de pesquisas bibliográficas para efetuar a análise dessa problemática. Desse modo, tem-se como objetivos: analisar a evolução histórica do direito médico seguindo com uma conceituação da responsabilidade civil sob aspecto geral, verificando seus requisitos e espécies. Será abordado sobre a Responsabilidade civil, que está incerta nos regramentos que regem a sociedade humana desde os primórdios da espécie, ainda nos períodos em que não havia estrutura jurídica consolidada e positivada na sociedade e as populações conviviam por meio de adoção de costumes e principios advindos do direito natural. Bem como suas formas de responsabilização, mais especificadamente quanto à  Responsabilidade civil do médico, colocando em evidências sua natureza jurídica e o conceito ao tema aplicado, verificando os deveres e obrigações do médico perante ao paciente, e assim definir se esta obrigação é de fato de meio ou de resultado. De fato, conclui-se que o médico é responsável e deve arcar com as indenizações às vítimas de danos estéticos, derivados de procedimentos que foram reparados na qual a obrigação era de meio, ou puramente estéticos a obrigação é de resultado. Nos casos em que o procedimento tem fim puramente estético, haverá a culpa presumida do profissional.

Palavras chave: Responsabilidade Civil, Responsabilidade Civil do Médico, Dano Estético.

ABSTRACT

This research aims to study Civil Liability for esthetic damage resulting from medical errors, a matter of great social relevance. The issue then arises regarding how the Physician's liability in these procedures is analyzed, with the objective of analyzing whether the obligation is of means or of result, verifying the obligation that must be imposed on the physician and how these damages can be repaired and evaluated. For this, it used the qualitative method, carried out through a deductive method and by conducting bibliographic research to analyze this issue. Thus, the objectives are: to analyze the historical evolution of medical law following a conceptualization of civil liability under a general aspect, verifying its requirements and species. It will be addressed about Civil Liability, which is uncertain in the rules that govern human society since the beginnings of the species, even in periods when there was no consolidated and positive legal structure in society and populations coexisted through the adoption of customs and principles arising of natural law. As well as its forms of liability, more specifically regarding the civil liability of the physician, highlighting its legal nature and the concept to the applied theme, verifying the physician's duties and obligations towards the patient, and thus defining whether this obligation is in fact of means or result. In fact, it is concluded that the physician is responsible and must pay compensation to the victims of esthetic damage, derived from procedures that were repaired in which the obligation was of means, or purely esthetic the obligation is the result. In cases where the procedure has a purely esthetic purpose, there will be the presumed fault of the professional.

Keywords: Civil Liability, Medical Liability, Esthetic Damage.

2. INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil estabeleceu ao longo dos anos grandes mudanças, sendo transformadas a fim de atender as necessidades que surgem da sociedade. Busca em seu sentido estrito não deixar que nenhuma vítima de dano fique sem reparação, proporcionando uma grande extensão dos danos que são passíveis de indenizações. A ideia sobre a responsabilidade civil se define como aplicações de meios alternativos que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em face de uma ação ou omissão.

De acordo com a pesquisa as tipologias da responsabilidade civil se dividem em Responsabilidade Objetiva que não excluiu a Responsabilidade Subjetiva, mas sim, à complementa, visto que, ambas subsistem, no intuito de atender aos anseios dos mais diversos casos concretos, de maneira a promover justiça e proteger a vítima. Enquanto a responsabilidade civil subjetiva se baseia na culpa, a responsabilidade civil objetiva se fundamenta na teoria do risco.

A responsabilidade civil subjetiva pode ser definida como a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem.

Todos os médicos e demais pessoas envolvidas na área da saúde têm a obrigação de empregar cautela, cuidado e diligência nas suas técnicas e conhecimentos, e nas hipóteses dos médicos especialistas na estética, terem por objetivo primordial a reparação de deformidades físicas, como também na questão estético-corporal para melhoramento físico da pessoa.

É diante deste quadro que se torna imprescindível à responsabilidade civil médica em constituir obrigação dos médicos e dos serviços clínicos e hospitalares de restituírem qualquer prejuízo ou dano que venha a ocorrer, devido a erro inescusável do médico ou do serviço prestados pelos hospitais e clínicas aos seus pacientes e contratantes.

Nesse contexto, o trabalho pretende responder a seguinte problemática: quais as repercussões relativas à responsabilidade civil do médico nos casos de erro médico envolvendo o dano estético? Tem-se como hipótese inicial a possibilidade de responsabilização civil do médico pelos danos estéticos na forma culposa e sem constituir uma relação de resultado.

Para resolver a problemática, o trabalho terá como objetivos analisar a evolução histórica do direito médico seguindo com uma conceituação da responsabilidade civil sob aspecto geral, verificando seus requisitos e espécies. Em seguida, abordar sobre o conceito e as características da Responsabilidade civil. Por fim, analisar os reflexos da responsabilização civil, mais especificadamente quanto à responsabilidade civil do médico, colocando em evidências sua natureza jurídica e o conceito ao tema aplicado, verificando os deveres e obrigações do médico perante ao paciente, e assim definir se esta obrigação é de fato de meio ou de resultado.

Será utilizado o método qualitativo, mediante também a realização de pesquisas bibliográficas para efetuar a análise dessa problemática, além da utilização do método dedutivo. Justifica-se o estudo do tema em razão da sua social da responsabilidade civil nos casos médicos, uma vez que é crescente o número de procedimentos estéticos, cirurgias, atendimentos de urgência e emergência, etc.

Será abordado primeiramente a responsabilidade civil, em suas diversas etapas e formas, seja para identificar a existência desta, preenchendo os requisitos de conduta, nexo causal e dano, ou mesmo para determinar as causas em que o profissional pode eximir-se da culpa, seja por caso fortuito ou força maior; culpa exclusiva da vítima; ou ainda fato de terceiro. Terá a abordagem as espécies de dano provocadas pela assimetria no resultado pretendido, sendo abordado o dano moral, dano material, dano direto ou indireto, patrimonial, dentre as formas possíveis de o indivíduo sofrer um ou mais desses tipos de dano.

Diante de todo aparato utilizado no judiciário, tratar-se-á das formas de responsabilização do profissional, em específico por se tratar de uma obrigação de resultado, abordando de forma direta, com base em toda doutrina e jurisprudência, que enseja o amparo legal da reparação ao dano provocado, a lesão à relação juridicamente tutelada. Considerando ainda as possibilidades de excludente de culpa, primeiramente a relação médico-paciente é pautada na responsabilidade subjetiva, ou seja, mesmo que o agente produtor do dano tenha agido com a intenção de provocar o dano, sua culpa deverá ser provada pela vítima, indivíduo que aduz ter sofrido o dano, dependendo, para tanto, da existência de um tripé, que norteia toda relação de responsabilidade civil: a conduta do agente seja culposa ou dolosa, o nexo de causalidade e o dano.

O Direito Médico é uma grande ciência e nasceu justamente por conta de ser uma necessidade da sociedade atual. Suas fontes são várias, passando por Direito Constitucional, Civil, Processo Civil, Direito Penal e Processo Penal, Direito do Consumidor, Empresarial ( a depender dos casos), Trabalhista e Processos Éticos de Classe.

Esses pontos que serão diretamente abordados, uma vez que, se não conhecidos tais requisitos, não há legalidade na exigência de reparação, de indenização. Desta forma, só ocorrerá à responsabilização se houver uma ponte que ligue os fatos argumentados ao dano oriundo da relação. Diante de tal inexistência, pode-se entender como conduta da vítima o interesse indevido, configurando o enriquecimento ilícito, sem causa que a justifique.

A pesquisa aborda a evolução histórica do direito médico, responsabilidade civil do médico e danos estéticos. Inicialmente esboça a responsabilidade civil no direito brasileiro, tratando seus conceitos e pressupostos. Aborda espécies de responsabilidade civil, suas excludentes, além da responsabilidade civil do médico, passando por seu histórico e sua natureza jurídica. Finaliza abordando as formas de reparação do dano causado pelo médico.

3. EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO MÉDICO

Quando se fala em Medicina e em seus profissionais - os médicos, no geral há um velho e ainda presente sentimento de respeito e gratidão impregnados no berço da população brasileira, principalmente em realidades onde a carência financeira é predominante.

No que se refere à medicina, enquanto sua função na sociedade e um breve relato da história, segundo o Médico e Bacharel em Direito Genival Veloso de França[1]:

A Medicina é tão antiga quanto a dor, e seu humanismo tão velho quanto a piedade humana. Tem como finalidade precípua a investigação das mais diversas entidades nosológicas e estabelecer condutas, no sentido de manter ou restituir a saúde dos indivíduos. É também missão dessa ciência orientar e estabelecer os legisladores na elaboração das leis sobre fatos médicos e fomentar o bem social. É, em suma, uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade, sem discriminação de qualquer natureza.

Conforme bem explando pelo autor, não há o que se discutir acerca da idade histórica da medicina, existem relatos e documentos muito antigos que comprovam sua presença pelo mundo.

Um fato curioso é que, assim como no mundo do Direito, na Medicina, seus profissionais devem seguir uma espécie de “código”, quase como um manual jurídico, no entanto é voltado à saúde, servindo para direcionar o médico em sua atuação, assim como as leis servem para direcionar os profissionais dentro do mundo jurídico.

3.1. Surgimento da Medicina.

Ao divagar pela história do mundo, nota-se um vasto acervo documental que guarda suas origens na Mesopotâmia, com passagens pelo Egito, nos relatos da Bíblia e nas Histórias de Heródoto (484-425 a.C.), o “pai da História”.[2]

De um modo mais específico, voltado à medicina, nas palavras do mesmo autor Sebastião Gusmão[3]:

[...] tem-se registro desde o Paleolítico, por meio da paleopatologia (estudo das enfermidades que podem ser demonstradas em restos humanos procedentes de épocas remotas), de doenças e de tratamento destas doenças (medicina primitiva pré-histórica), como a trepanação craniana. Também, os documentos da Mesopotâmia e do Egito registraram a evolução da medicina arcaica, baseada na magia e no empirismo. Já a medicina como ciência, baseada na interpretação natural da doença, surge somente no século V a.C, com Hipócrates (c. 460-375 a.C).

Essa breve introdução histórica se faz necessária para que se possa visualizar de forma ampla e, até de certo modo palpável, a evolução histórica da medicina e dos médicos no mundo, por fim, aqui no Brasil.

Lybio Martire Junior[4] fala que os egípcios já possuiam médicos especialistas. Os papiros e monumentos erigidos comprovam esse fato. No Antigo Egito, havia médicos especialistas em moléstias oculares, que realizavam cirurgia de catarata, em moléstias de vias respiratórias, do ânus e etc.

Genival Veloso de França[5] menciona que no início, a arte médica ora estava nas mãos dos feiticeiros, ora nas mãos dos sacerdotes, pois eram a saúde e a doença simples designios da divindade. Hoje, ao penetrar no período científico, apresenta-se ela como instituição da maior necessidade e de transcendente significação.

Há ainda relatos históricos com raizes na China, as Instituições de Chou descreviam a organização da hierarquia Médica. Na Grécia, racionalizou-se a Medicina, em Roma os médicos tinham dupla atividade, de cirurgião e clínico.

Na Idade Média, onde o avanço da Medicina ficou estagnado por conta da queda do Império Romano e com o aumento das doenças, o povo acreditava ser um castigo divino. A medicina passou a ser exercida nos conventos europeus, por monges que se embasavam nos conhecimentos que Hipócrates deixou para a humanidade, inclusive a realização das cirurgias[6].

Ou seja, a terceirização da saúde e da cura de doenças aos deuses, bruxos, feiticeiros e divindades sempre existiu, isso é fato. O que ainda é possível ser notado na atualidade com as benzedeiras e o que é mais comum, segundo a Revista Super Interessante[7] alguns centros espíritas, chegam a realizar até 800 cirurgias espirituais por dia.

Isso é algo preocupante. Veja, existe na cultura da própria medicina o fato de que ela e seu exercício não podem se afastar de sua tradição, que tem princípios de moral muito bem estabelecidos na filosofia médica, principalmente com o Juramento de Hipócrates[8], que em resumo retirou a terceirização da medicina aos deuses e entregou aos homens, médicos e profissionais da saúde, isso há mais de 2500 anos.

A Doutrina Médica faz muita menção à gratidão e diz que toda a humanidade também deveria sentir-se grata à Hipócrates. De acordo com as sábias palavras de Genival[9]:

Hipócrates fez com que a atenção do médico se voltasse exclusivamente para o doente e não para os deuses, abandonando as teorias religiosas e alguns conceitos filosóficos. Fez ver a necessidade e a utilidade da experimentação curativa, e passou a intervir nas fases mais precoces da enfermidade, evitando sua evolução. [...] descreveu com rigoroso caráter científico o desenrolar das doenças, criou o primeiro tratado de saúde pública e geografia médica, trouxe à tona o valor do exame minucioso e a razão desse ato ser judicioso, solene e meditado, além de descrever a alteração do pulso e da temperatura como elementos importantes em determinados processos patológicos, relata com a mais alta precisão os ruídos auscultados nos derrames conhecidos até hoje por sucção hipocrática.

É evidente a enorme contribuição que este grandioso filósofo tão importante foi pra medicina, tanto à época quanto na atualidade, principalmente. Sem sombra de dúvidas, seu estudo tem notável expressão, contribuiu de forma heroica com a Medicina, tornando-a em uma profissão de prestígio e de enorme gratidão da humanidade.

Conforme os ditames de Sebastião Gusmão[10]:

A História da Medicina, sendo uma disciplina histórica, usa os métodos gerais da pesquisa histórica comum a outras disciplinas históricas, mas é uma história especial, tendo também seus métodos próprios e seus problemas. Ela estuda a saúde e a doença através dos tempos, as condições para a saúde e a doença e a história das atividades humanas que têm por objetivo promover a saúde, prevenir as doenças e curar o doente [...] As ações médicas originam-se de duaas fontes, experiência e teoria. A experiência ensina que um tratamento determinado é eficaz, embora possa ser impossível explicar sua ação. Por outro lado, muitas ações terapêuticas resultam de ideias sobre a origem e natureza da doença. O tratamento será consideravelmente diferente segundo a doença seja vista como resultado de possessão por espírito demoníaco, punição por pecado cometido, distúrbio do balanço de humores hipotéticoss ou alterações físico-químicas.

Percebe-se que para a sua formação, a Medicina também bebe de várias fontes. Passando pelos aspectos históricos das sociedades, sua evolução e do mesmo modo, as suas enfermidades e como evoluiam conforme as épocas, servindo para o preparo prévio de um possível evolução de nova doença. Uma ciência que atrela seu próprio conhecimento com as demais que tem a função de complementá-la para sua perfeita execução.

3.2. Primeiras Legislações sobre a matéria

Existe um princípio jurídico que defende que todas as pessoas são obrigadas a responder por danos causados a terceitos, a fim de que sejam resguardados os interesses dos indivíduos no seio da coletividade. Embora não haja na Medicina a exatidão fria como existe na matemática, sempre existe um critério de presibilidade, a fim de se afastarem os danos considerados evitáveis[11].

Porém, até que se chegue nesse princípio, é necessário compreender os diferentes aspectos do Direito Médico, e analisar a evolução histórica dentro do que engloba a legislação em Direito Médico e entender as origens e como influenciou até os dias atuais.

Adriano e Benigno[12] definem que:

O Direito Médico é uma área em expansão e extremamente importante para atender as demandas judiciais relacionadas à saúde. O Direito Médico trata dos direitos e deveres dos profissionais e instituições de saúde, Poder Público e pacientes relacionados com alguma prestação de serviços de saúde. Cada vez mais chegam nos tribunais casos referentes à judicialização da saúde. Por isso, é evidente o quanto o mercado demanda de profissionais especializados em Direito Médico.

Como já dito anteriormente, a medicina era confiada nas mãos de deuses e curandeiros, não havia, ou era muito pouco o conhecimento sobre a medicina, tampouco sobre a anatomia humana e suas doenças, após Hipócrates essa situação veio a mudar, passando a titularidade do exercício médico aos homens.

Na história do mundo, a partir da existência do Código de Hamurabi, ao falar à respeito do dano físico, a Lei de Talião[13] (olho por olho e dente por dente), e outros meios de reparação que variavam conforme a condiçaõ social da vítima, eram os meios tradicionais da época que seriam utilizadam em casos de dano físico.

Segundo Miguel Kfouri Neto[14]:

O primeiro documento histórico que trata do problema do erro médico é o Código de Hamurabi (1790-1770 a.C.), que também contém interessantes normas a respeito da profissão médica em geral. Basta dizer que alguns artigos dessa lei (215 e ss.) estabeleciam, para as operações difíceis, uma compensação pela empreitada, que cabia ao médico. Paralelamente, em artigos sucessivos, impunha-se ao cirurgião a máxima atenção e perícia no exercício da profissão; em caso contrário, desencadeavam-se severas penas que iam até a amputação da mão do médico imperito (ou desafortunado). Tais sanções eram aplicadas quando ocorria morte ou lesão ao paciente, por imperícia ou má prática, sendo previsto o ressarcimento do dano quando fosse mal curado um escravo ou animal.

A fria e justiceira Lei de Talião era muito severa, há quem seja defensor e não enxergue problemas em sua aplicação. No entanto, o próprio exemplo que o autor deu, médicos tinham membros amputados por terem cometido algum dano físico, ou em outros casos de morte também. É muito severa e não resguarda equilíbrio na aplicação de eventuais penas.

Ainda sobre a base histórica do Direito Médico, Hélio Gomes[15] diz:

Os primeiros sinais de uma relação íntima entre a Medicina e o Direito remontam aos registros da Antiguidade. No seio dos povos antigos, o poder era exercido pela força, mas também emanava de líderes que ostentavam poderes especiais, fruto de seu alegado relacionamento com os deuses – os sacerdotes. Sendo considerados representantes divinos e agentes da sua vontade, ditavam normas que deveriam ser obedecidas para que os bons fados acompanhassem o grupo. Pelos poderes sobrenaturais de que se diziam possuidores eram chamados a intervir com frequência, quando a cólera dos deuses, externada sob a forma de doenças, abatia-se sobre os membros daquelas comunidades. Neste momento, o sacerdote, intérprete da vontade divina, invocava a mesma relação para afugentar os maus espíritos e curar os enfermos. Para isso, valia-se de orações, ofertava sacrifícios e usava o que realmente detinha da arte de curar, através do uso de ervas medicinais. O arauto das leis divinas era, a um só tempo, legislador, juiz e médico.

Apesar de não ser uma área específica e com legislação própria, a relação entre Direito e a Medicina sempre acompanhou a história. Assim como no surgimento do Direito, na medicina também era cultural que o poder de cura estivesse assegurado aos líderes e pessoas com contatos divinos.

Sabe-se que no Direito, o Direito Romano teve muita influência, e na formação do Direito Médico isso não seria tão diferente. Roma sempre foi vista como uma cidade moderna, à frente de seu tempo e sinônimo de alta sociedade, muito bem respeitada pela pipulação presente, não é a toa o fato do que se tornou o maior império existente ali naquela época.

O doutrinador Miguel Kfouri Neto[16], relata em sua obra Culpa Médica e ônus da prova, as primeiras aparições e referências sobre médicos e sua atuação:

A Lei Cornélia estabelecia uma série de delitos relacionados à prática da profissão médica e as penas que deveriam ser cominadas. [...] Na Lex Aquilia encontram-se os primeiros rudimentos de responsabilidade médica, prevendo a pena de morte ou deportação do médico culpado de falta profissional. Nas obras de Plínio, todavia, deparam-se reclamações de impunidade médica, tendo em vista a dificuldade, já àquela época, das tipificações legais. [...] assim como não se deve imputar ao médico o evento morte, deve-se imputar-lhe o que houver cometido por imperícia’. Há mais de 1.500 anos, já se cogitava da imperícia do médico, que se tornava responsável pelos danos que viesse a causar ao paciente por falta de habilidade ou conhecimentos.

Apesar de parecerem comportamentos muito selvagens, há de se notar que os romanos foram os primeiros a se preocuparem em estabelecer regras e normas. O desenvolvimento romano trouxe muitos benefícios à todas as ciências existentes, Direito e Medicina, inclusive.

Repetindo o padrão da época, toda sociedade considerada desenvolvida nesse período, atentava-se ao desenvolvimento das ciências, e não muito diferente de Roma, na Grécia a Lei de Talião começa a perder força e novos pensamentos serão agregados à medicina.

Como a filosofia tem grande importância na história da Grécia, foi possível existir o intercâmbio de matérias como Filosofia e Direito, bem como Filosofia e Medicina. Com o tempo, essas áreas foram evoluindo e tomando maiores proporções e surgiu a necessidade do Estado impor limites às ciências.

E por terem muita influência no Direito, trazendo mais racionalidade às ciências, foi notável a retirada do poder das mãos de deuses e sua passagem aos homens. Conforme explana Eduardo Bittar e Guilherme de Almeida[17]:

Homens podem fazer regras para o convívio social; as leis são atos humanos e racionais que forjam no seio da necessidade sociais, o que só é possível por meio de discussão comum, da deliberação consensual, da comunicação participativa e do discurso. E de fato, o que há de comum entre os sofistas é o fato de, em sua generalidade, apontarem para os conceitos de legalidade e justiça, de modo a favorecer o desenvolvimento de idéias que se associavam à inconstância da lei a inconstância do justo.

Nas culturas árabes, a religião sempre teve enorme influência sobre as demais áreas da sociedade. Portanto, não é surpresa encontrar passagens pela história árabe a presença da Lei de Talião e o Alcorão, o livro sagrado dos árabes como os direcionadores legislativos para aquele povo.

Por exemplo, conforme as palavras de Alexandre Coutinho Pagliarini[18], no Egito:

[...] a profissão médica era deveras importante, ocupando o topo da sociedade da época, cercada de privilégios e imunidades; ocorre que essa realidade somente existia caso os médicos orientassem suas condutas profissionais aos mandamentos provenientes do documento conhecido como “Livro Sagrado”, um verdadeiro acervo de regras que deveria ser cumprido à risca. Todavia, mesmo que o paciente estivesse morrendo, o médico ainda seria obrigado a seguir o contido no referido documento, não podendo usar outras formas para salvá-lo, sob pena de aplicação de diversas sanções severas contra si, até mesmo a morte.

O contraste existente entre as penas aplicadas aos profissionais da medicina em relação ao que foi realmente ocorrido em casos de erro médico ou dano físico. Por ser um país árabe, seguir as leis bíblicas e a Lei de Talião, o exagero e falta de lógica nas penas eram frequentes.

Na Europa, o Direito Francês chama bastante atenção quando se fala em responsabilidade civil, pois ela afeta o cenário médico de forma direta. Carlos Roberto Gonçalves[19] menciona:

[...] Aos poucos, foram sendo estabelecidos certos princípios, que exerceram sensível influência nos outros povos: direito à reparação sempre que houvesse culpa, ainda que leve [...] No Código de Napoleão, os artigos 1382 e 1383, a responsabilidade civil se funda na culpa – doi a definição que partiu daí para inserir-se na legislação de todo o mundo. Daí por diante observou-se a extraordinária tarefa dos tribunais franceses, atualizando os textos e estabelecendo uma jurisprudência digna dos maiores encômios.

Nota-se, na França, um aperfeiçoamento do Direito Românico, estabelecendo de forma clara um princípio geral de Responsabilidade Civil, que antes ao Direito Francês, o usual e comum à época era a enumeração de casos que seriam passíveis de responsabilidade.

3.3. Principais pontos do Direito Médico no Brasil

A complexidade das leis brasileiras, as relações entre médico e paciente, entre as prestadoras de serviço médico e sua interferência nas relações de consumo tem feito crescer cada vez mais a necessidade de se entender e aplicar de forma estratégica as áreas que formam o Direito Médico.

E isso se dá principalemente pelo suporte jurídico que será requisitado, quanto à prevenção de um possível litígio – documentando a prestação do serviço e eventuais necessidades - na área da saúde e seus personagens.

Genival Veloso de França[20], o primeiro autor a incorporar o termo Direito Médico no Brasil, coceitua essa área como:

Uma proposta de reflexão e discussão no sentido de ajustar as ciências médico-biológicas às ciências jurídicas. Tratando do exercício da profissão médica diante das obrigações e dos deveres com o ser humano e o conjunto da população, bem como dos múltiplos aspectos jurídicos a que esse profissional deve estar atento para desempenhar seu indispensável mister.

Verifica-se que o Direito Médico é uma grande ciência e nasceu justamente por conta de ser uma necessidade da sociedade atual. Suas fontes são várias, passando por Direito Constitucional, Civil, Processo Civil, Direito Penal e Processo Penal, Direito do Consumidor, Empresarial ( a depender dos casos), Trabalhista e Processos Éticos de Classe.

O autor publicou seu primeiro livro sobre a matéria no ano de 1975, fazendo um compilado dos assuntos mais importantes para se discutir a área. Por falar de modo geral sobre Direito Médico, antes da promulgação da CF/88, no Brasil não havia em nenhuma Constituição anterior a essa, menções sobre a saúde ser um direito fundamental aos cidadões.

Como constam os artigos 6[21] e 196[22] da Constituição Federal de 1988:

CF/88: art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

CF/88: art. 196: A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

Um tema de tamanha importância na formação estrutural de uma sociedade, um verdadeiro pilar e de extrema relevância não era tratada como um direito fundamental que é. Nas palavras de Paulo Bonavides[23]:

De nada valeriam os direitos ou as declarações de direitos se não houvesse pois as garantias constitucionais para fazer reais e efetivos esses direitos. A mais alta das garantias de um ordenamento jurídico, em razão da superioridade hierárquica das regras da Constituição, perante as quais se curvam, tanto o legislador comum, como os titulares de qualquer dos Poderes, obrigados ao respeito e acabamento de direitos que a norma suprema protege.

Ainda hoje não existe uma legislação específica acerca do tema, a evolução se dá por passos lentos e pequenos.

Como informado, não há no ordenamento jurídico brasileiro, uma legislação específica para tratar do tema, portanto, deve-se analisar cada área em que a atuação do médico se enquadre em cada caso. Por exemplo, uma cirurgia plástica estética pode resultar em ações judiciais que versem sobre direito do consumidor, civil, processo civil, penal, processo penal e ainda um processo ético-disciplinar.

4. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil está incerta nos regramentos que regem a sociedade humana desde os primórdios da espécie, ainda nos períodos em que não havia estrutura jurídica consolidada e positivada na sociedade e as populações conviviam por meio de adoção de costumes e principios advindos do direito natural.

Assim, sempre houve a tendência do homem, ser social, estabelecer alguns comportamentos que fogem ao que se consideram como adequados para a manutenção de um estado de convívio social que se considere aceitável, como bem coloca Benachhio: “identifica os comportamentos não conformes ao direito e, a partir disso, cria obrigação para outro sujeito por meio da transferencia desta situação desfavorável ao lesado ao responsável indicado pelo ordenamento jurídico”[24].

Oliveira (2012), ressalta que a teoria da responsabilidade civil se solidifica no princípio fundamental do neminemlaedere (dever de não lesar; a ninguém ofender), sendo justificado diante da liberdade e da racionalidade humanas. Logo, é possível compreender que a atitude de um agente que vem a causar dano, injustamente, a outrem faz com que exista o sofrimento do ônus relativo a fim de que se possa recompor a posição do lesado ou mitigar-lhe os efeitos do dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica.

No ordenamento jurídico brasileiro, a origem da responsabilização civil se deu com as ordens vindas da coroa, que por sua vez já era baseada no Direito Romano. Mais adiante, a história nos mostra uma disposição expressa sobre o dever de satisfação e ressarcimento à vítima, isso no Código Criminal de 1830. Isso, importante salientar, dava-se muito por não existir uma distinção entre responsabilidade civil e penal, pois uma sempre estava atrelada a outra, naqueles moldes.[25]

Deve-se registrar que inicialmente havia ainda certa confusão entre os aspectos civis e criminais, no entanto vigorava a premissa de reparação do dano causado mediante a comprovação de culpa. No entanto, nos dias atuais, a legislação brasileira adota e aplica na prática as teorias objetiva e subjetiva, de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, enfatizando acima de tudo, o que refere a modernização ao aplicar a doutrina e os preceitos jurisprudenciais já existentes.

José Aguiar Dias (1997), assevera que durante o período em que teve vigência as ordenações do reino no Brasil, não havia distinção entre reparação, pena e multa, “não visando, claramente, à indenização, nem mesmo quando os bens do criminoso sofriam confiscação pela coroa”

Tendo em vista que a responsabilidade civil sofreu mudanças no decorrer do tempo, estabelece ser importante fazer uma análise de sua presença no sistema jurídico brasileiro até a Magna Carta de 1988, hoje vigorante. O ordenamento jurídico foi acompanhando essa evolução, adotando as teorias predominantes em cada época, com exclusão da teoria do risco integral, apesar de alguns autores sustentarem o contrário, divergindo da larga maioria da doutrina.[26]

Devido aos conflitos existentes na contemporaneidade, e como resultado destes conflitos, tem-se os danos causados, o Direito Civil tem em sua formação a existência do instituto da responsabilidade civil – com a intenção de reparar os danos causados às vítimas de alguma situação.

Apesar de já ser bastante conhecido no ordenamento jurídico brasileiro, o tema não perde sua relevância com o tempo, pois, conforme Gonçalves[27]:

[...] de grande atualidade e de enorme importância para o estudioso e para o profissional do direito. Grande é a importância da responsabilidade civil, nos tempos atuais, por se dirigir à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado, pois, como pondera José Antônio Nogueira, o problema da responsabilidade é o próprio problema do direito, visto que todo o direito assenta na ideia da ação, seguida da reação, de restabelecimento de uma harmonia quebrada.

Por ser uma parte integrante na parte obrigacional do direito, seu estudo é parte imprescindivel para um bom jurista e aplicador do direito. Portanto, deve-se entender que o direito civil ao instituit a responsabilidade civil, não a tem como instrumento punitivo ao cidadão que provocou algum dano, mas sim o bom convívio de uma sociedade.

4.1. Conceito e Pressupostos.

O vocábulo responsabilidade verifica-se que sua origem provém do verbo latino respondere, significando a obrigação que alguém tem de assumir com os efeitos jurídicos de sua conduta, contendo ainda, a raiz latina de spondeo, fórmula através da qual se vinculava no Direito Romano o devedor nos contratos verbais.

A responsabilidade civil estabeleceu ao longo dos anos grandes mudanças, sendo transformadas a fim de atender as necessidades que surgem da sociedade. Busca em seu sentido estrito não deixar que nenhuma vítima de dano fique sem reparação, proporcionando uma grande extensão dos danos que são passíveis de indenizações. A ideia sobre a responsabilidade civil se define como aplicações de meios alternativos que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em face de uma ação ou omissão.

Nessa perspectiva, o autor Rui Stoco[28] agrega que:

A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois, como algo inarredável da natureza humana.

Entende-se responsabilidade civil como a obrigação imposta por normas, levando as pessoas responderem pelas suas ações e omissões prejudiciais a alguém, e outros a conceituam sob o aspecto mais amplo, comportando duas modalidades de responsabilidade: a objetiva e subjetiva.

Silvio de Salvo Venosa[29] expõe que o termo responsabilidade é utilizado em qualquer situação na qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com as consequências de um ato, fato, ou negócio danoso. Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode acarretar o dever de indenizar. Desse modo, o estudo da responsabilidade civil abrange todo o conjunto de princípios e normas que regem a obrigação de indenizar.

Pressupõe-se que a responsabilidade civil pode ser avaliada como uma obrigação que alguém se incumbe ao reparar um prejuízo causado por ela mesma, ou outra pessoa a que elas dependam[30]

Define-se a responsabilidade civil nos seguintes moldes:

Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário. Só se cogita, destarte, de responsabilidade civil onde houver violação de um dever jurídico e dano. Em outras palavras, responsável é a pessoa que deve ressarcir o prejuízo decorrente da violação de um precedente dever jurídico.(CAVALIERI FILHO, 2007, p. 2 apud NUNES; LIGERO, 2009, p. 3),

Para o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, em sua obra, depreende que “A responsabilidade civil tem, pois, como um de seus pressupostos, a violação do dever jurídico e o dano. Há um dever jurídico originário, cuja violação gera um dever jurídico sucessivo ou secundário, que é o de indenizar o prejuízo”[31]

Nesse contexto, observa-se que a finalidade do instituto da responsabilidade civil é restabelecer o equilíbrio perdido pela vítima, em virtude do dano que lhe foi acometido. Jhering julga que o surgimento da responsabilidade exigia que a vítima conseguisse provar a quebra de um dever de cautela, de um padrão de conduta exigível por parte do agente que causou o dano. Esta exigência de uma avaliação ético-jurídica do comportamento do causador do dano para imputar-lhe o dever de repará-lo era tida como princípio axiomático, correspondente à ideia de punição pelo ilícito cometido.

Atualmente a responsabilidade de reparar o dano de outrem é imposta ao sujeito que pratique qualquer ato que viole algum direito de terceiro, conforme previsto expressamente no Código Civil[32] em seus principais artigos do tema, artigos 186, 187, 389, 927, 932, 933, 934 e 935, que assim dispõe:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

[...]

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[...]

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

[...]

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

I – os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia;

II – o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições;

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

IV – os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos;

V – os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.

Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

Art. 934. Aquele que ressarcir o dano causado por outrem pode reaver o que houver pago daquele por quem pagou, salvo se o causador do dano for descendente seu, absoluta ou relativamente incapaz.

Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.

Essas normas cuidam sobre a responsabilidade civil e são garantidoras das reparações de danos – o que podem vir a ser por meio de soluções amigáveis ou judiciais, por meio de um processo.

Em regra, a imputação de responsabilidade civil é condicionada ao cumprimento de determinados critérios, quais sejam a ação, o dano, o nexo de causalidade e a culpa. Carlos Roberto Gonçalves[33], assim preceitua-os:

[...] Ação ou omissão - Inicialmente, refere-se a Lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais que lhe pertençam. [...] Culpa ou dolo do agente – Todos concordam em que no art. 186 do Código Civil cogita do dolo logo no início: “ação ou omissão voluntária”, passando, em seguida, a referir-se à culpa: “negligência ou imprudência”. O dolo consiste na vontade de cometer uma violação de direito, e a culpa, na falta de diligência. Dolo, portanto, é a violação deliberada, consciente, intencional, do dever jurídico. Para obter a reparação do dano, a vítima geralmente tem de provar dolo ou culpa stricto sensu do agente, segundo a teoria subjetiva adotada em nosso diploma civil. Entretanto, como essa prova muitas vezes se torna difícil de ser conseguida, o nosso direito positivo admite, em hipóteses específicas, alguns casos de responsabilidade sem culpa: a respoonsabilidade objetiva, com base especialmente na teoria do risco. [...] Relação de caudalidade – é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e do dano verificado. Vem expressa no verbo causar, utilizado no art. 186. Sem ela, não exite obrigação de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa não está relacionada com o comportamento do agente, inexiste a relação de causalidade e também a obrigação de indenizar. [...] Dano – sem a prova do dano, ninguém pode ser responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem repercussão na órbita financeira do ofendido. O Código Civil consigna um capítulo sobre a liquidação do dano, ou seja, sobre o modo de se apurarem os prejuízos e a indenização cabível.

Importante frisar o fato de que é imprescindível o preenchimento dos requisitos para a caracterização de responsabilidade civil. Não adianta a tentativa de um litígio que busque a indenização por algum dano existente se não existirem presentes os quatro elementos caracterizadores de responsabilidade.

Insta salientar que a responsabilidade recai sobre qualquer pessoa, seja ela dotada ou não de personalidade jurídica, sendo que a esta última hipótese adota-se o pressuposto de que o dever de reparar sobressai ainda que não haja a existencia de culpa para a concorrencia do dano, como discorre Rogério Dinnini[34]:

Constatou-se que na sociedade moderna, na maioria das situações, a conduta culposa era dispensável para a configuração do dever de reparar o dano. Desta forma, embora ilícito, em razão do risco da atividade ou disposição legal, a reparação da ofensa era necessária. [...] passou a abarcar a responsabilização sem o exame da responsabilidade subjetiva, diante da responsabilidade objetiva, em decorrência de disposição legal ou risco da atividade desempenhada.

São exemplos de conduta de quem age com imprudência, negligência e imperícia: age com imprudência por exemplo, o médico que realiza uma cirurgia sem a presença da equipe cirurgica pra auxiliá-lo; com negligência, um médico que esquece material cirurgico dentro do paciente; o médico que deixa de realizar exames essenciais antes de uma cirurgia; por fim a imperícia, quando um médico utiliza técnica não indicada para a realização daquela cirurgia.

4.2. Tipologias da responsabilidade civil

4.2.1. Responsabilidade Objetiva

Enquanto a responsabilidade civil subjetiva se baseia na culpa, a responsabilidade civil objetiva se fundamenta na teoria do risco porque, em meio à nova realidade do mundo moderno, em que os bens necessários à sobrevivência do corpo social são produzidos em escala industrial e existe a crescente utilização de máquinas sofisticadas em substituição ao trabalho humano, não é permitido, na maioria dos casos, que se impute o ato lesivo ao comportamento do homem. (BRASIL, 2012)

O parágrafo único do art. 927, que assim dispõe: “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”.

Para Ronaldo GeradSeifert[35], a teoria da responsabilidade objetiva se desenvolveu justamente quando os valores individuais perdiam força frente aos interesses coletivos. Nasce quando o indivíduo começa a perder sua extrema liberdade em favor do interesse do todo, quando começa a noção de que as relações privadas devem estar adequadas à sua função social.

A doutrina objetiva, ao invés de exigir que a responsabilidade civil seja a resultante dos elementos tradicionais (culpa, dano, vínculo de causalidade entre uma e outro) assenta-se na equação binária cujos polos são o dano e a autoria do evento danoso. Sem cogitar da imputabilidade ou investigar a antijuridicidade do fato danoso, o que importa para assegurar o ressarcimento é a verificação se ocorreu o evento e se dele emanou o prejuízo.[36]

Na responsabilidade objetiva, subtrai-se a culpa, ou seja, o causador da ação responde sem culpa, pois a norma se baseia na teoria do risco, a qual menciona que o prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter, ou não, agido com intenção. Responsável é aquele que causou o dano, não importando o que ele tenha a dizer.[37]

Esta forma de responsabilidade é, por vezes, defendida na base de que é no interesse da ‘sociedade’ que aqueles que sofram acidentalmente danos devem ser indenizado, e argumenta-se que a via mais fácil para fazê-lo é impor o encargo àqueles de cujas atividades, por mais cuidadosamente fiscalizadas que sejam, resultam tais acidentes. Essas pessoas têm geralmente largos recursos e oportunidades para se segurarem contra tais riscos. Quando este argumento é avançado, há nele um apelo implícito ao bem-estar geral da sociedade que difere, embora possa ser moralmente aceitável e algumas vezes chamado mesmo de 'justiça social', das formas primárias equilíbrio, ou ordem de igualdade, estabelecido pela moral; a justiça exige então que este status quo moral seja reposto na medida do possível pelo autor do ilícito. (HART, Apud. MENEGATT)

Fernando Noronha[38] (2003 apud Carrá s/d) defende que a doutrina da responsabilidade objetiva atinge o formato da responsabilidade agravada, onde o risco (perigo) resultante das atividades desenvolvidas é de tal forma sensível aos interesses sociais que ainda subsistiria o dever de indenizar diante de certos eventos aptos a romper ou interromper o nexo causal. “Aqueles casos fortuitos e de força maior que puderem ser considerados riscos típicos da atividade não excluirão a obrigação de indenizar”.

A responsabilidade objetiva surge como uma opção aos casos em que a doutrina subjetivista não conseguira solucionar. Consagrada no §6º do artigo 37 da nossa Carta Magna, a Teoria da Culpa Objetiva, refere-se ao dever de indenizar o dano causado, independente da culpa do agente causador.[39]

Isto posto, importante destacar que a Responsabilidade Objetiva não excluiu a Responsabilidade Subjetiva, mas sim, a complementou, visto que, ambas subsistem, no intuito de atender aos anseios dos mais diversos casos concretos, de maneira a promover justiça e proteger a vítima.

4.2.2. Responsabilidade Subjetiva

A cláusula geral relativa ao tema, que no Código Civil de 1916 estava consubstanciada no art. 159, agora resulta da fusão de dois dispositivos legais – os arts. 186 e 927, caput. Efetivamente o art. 186 estabelece um preceito segundo o qual “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, ao passo que o caput do art. 927 prevê as consequências jurídicas de tal fattispecie: “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Caio Mário da Silva Pereira [40], ensina que na teoria da responsabilidade subjetiva, o que sobressai no foco das considerações e dos conceitos é a figura do ato ilícito, como ente dotado de características próprias, e identificado na sua estrutura, nos seus requisitos, nos seus efeitos e nos seus elementos.

A teoria da culpa subjetiva foi consagrada pelo Direito Brasileiro, a partir do Código Civil de 1916 (artigo 159) e no atual Código Civil está no art. 186 e no Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 14, §4º. Resulta daí que a comprovação da culpa, em face dos atos praticados pelo agente, é determinante em nosso ordenamento jurídico, principalmente para a averiguação do quantum indenizatório. Nesse sentido a ordem jurídica leva em consideração o fato humano voluntário, sobre o qual repousa toda a construção dos efeitos jurídicos. (PINHO, 2008)

A responsabilidade civil subjetiva pode ser definida como a obrigação de reparar o dano imposta a todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito ou causar prejuízo a outrem.Neste contexto, torna-se necessário comprovar a conduta, o dano, o nexo causal e culpa do agente, onde o causador do dano só deverá indenizar a vítima se ficar caracterizada a culpa.

Kfouri Neto[41] define a subjeção da responsabilidade como a necessidade de um ato ou omissão que viole o direito de uma segunda pessoa, o dano produzido por este ato ou omissão, a responsabilidade de causalidade entre o ato ou omissão e o dano e, finalmente, a culpa.

A responsabilidade civil subjetiva está vinculada à ocorrência de um ato ilícito. Ato ilícito é todo ato contrário ao Direito ou à moral. No início, os atos ilícitos eram subdivididos em delitual e quase-delito. Em uma das concepções dessa subdivisão, delitual seria o ato que desrespeitasse uma proibição legal ou que tivesse uma pena expressa. Quase-delitos eram os atos que causassem um mal equiparável mas sem previsão casuística, sem previsão legal específica para o fato. Em qualquer dos casos, carregam o valor de reprovação. Por não haver distinção relevante para o direito civil, não se cogita mais essa subdivisão. Basta que seja contrário ao Direito ou à moral. [42](SEIFERT, 2002)

Fala-se em responsabilidade subjetiva, quando o agente age com culpa. Provar a culpa passa a ser pressuposto essencial para o nascimento do dever de reparar, de tal sorte que apenas haverá responsabilização do agente causador do dano se este agir com dolo ou culpa. (GONÇALVES, 2010)

4.2.3. Responsabilidade Civil Contratual

A responsabilidade civil contratual liga-se à ideia da reparação dos danos causados em virtude do descumprimento de uma obrigação contratual preexistente. Desta forma, o descumprimento de uma norma jurídica contratual, previamente fixada pelas partes em um contrato, pode redundar em responsabilização civil contratual por eventuais danos ocorridos, ocasião em que a parte que descumpriu a obrigação contratual poderá ver-se compelida a reparar os danos causados a outra ou as outras partes que compõem a relação contratual.

A tal respeito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho afirmam que “[...] se, entre as partes envolvidas, já existia norma jurídica contratual que as vinculava, e o dano decorre justamente do descumprimento de obrigação fixada neste contrato, estar-se-á diante de uma situação de responsabilidade contratual” (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p.62).

Na responsabilidade civil contratual exige-se um vínculo anterior entre o autor e a vítima e o descumprimento de uma obrigação de norma jurídica preexistente, e que para reparação do dano basta ser provado seu descumprimento, diferentemente da responsabilidade civil extracontratual. (DIAS, MESSIAS, 2019)

O artigo 389 do NCC3 trata dos efeitos resultantes da responsabilidade civil oriunda dos contratos. Dispõe o Artigo 389: “ Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.” Ou seja, o dever de indenizar nasce do descumprimento de uma obrigação contratual prevista.

Assim, diante da existência de uma convenção contratual prévia e da falta de seu adimplemento, surge a obrigação de reparar os danos eventualmente causados. Para que haja a responsabilização civil daquela parte que deixou de cumprir a norma contratual e causou danos às outras partes contratantes, basta a comprovação de que a obrigação não foi comprida, pois, neste caso, a culpa é presumida, sendo incumbida ao devedor a prova de eventual cumprimento da obrigação ou a ocorrência de uma das excludentes legais de responsabilização previstas no Art. 393, do Código Civil brasileiro “[...] culpa exclusiva da vítima, caso fortuito ou força maior. Incumbe-lhe, pois, onus probandi[43].

Segundo o Novo Código Civil (NCC) brasileiro, no ato em que o profissional aceita alguém como paciente estabelece-se entre as partes um contrato de trabalho (Gomes, Candelária e Silva, 1997 apud Kfouri Neto , 2003), mesmo se este for de natureza verbal (contrato de locação de serviço). Entretanto, excepcionalmente, tal responsabilidade pode ser de natureza extracontratual, e isso ocorre no caso de o profissional participar de um atendimento de emergência, conforme aspectos mencionados no próximo tópico.

4.2.4. Responsabilidade Civil Extracontratual

A responsabilidade civil extra-contratual, por sua vez, teria por fundamento a imputação de um dever de indenizar independente da existência de um prévio vínculo entre o agressor e o lesado, justificando-se, exclusivamente, pela ocorrência de um dano imputável ao agressor.

Maria Helena Diniz afirma que:

A responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana decorre de violação legal, ou seja, de lesão a um direito subjetivo ou da prática de um ato ilícito, sem que haja nenhum vínculo contratual entre lesado e lesante. Resulta, portanto, da inobservância da norma jurídica ou de infração ao dever jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou personalidade, ou melhor, de violação à obrigação negativa de não prejudicar ninguém (DINIZ, 2014, p.577).

A responsabilidade extracontratual tem sua fonte na lei, estabelecida basicamente no Artigo 186 do NCC3: “Aquele que, por ação ou omissãso voluntária, negligência ou por imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. É prevista também nos artigos 187 e 188, bem como nos artigos 927 a 954, todos do Novo Código Civil.

Ao contrário da responsabilidade civil contratual, a responsabilidade civil extracontratual não advém de uma relação jurídica preexistente, ela decorre de um ato ilícito, de um descumprimento de um dever legal ou violação direta de uma norma legal sem que exista uma relação anterior entre a vítima e o ofensor.

A diferença básica entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, segundo o jurista Rodrigues (1993), é que “na hipótese de responsabilidade contratual, antes de a obrigação de indenizar emergir, existe, entre o inadimplente e seu co-contratante, um vínculo jurídico derivado da convenção; na hipótese da responsabilidade extracontratual, nenhum liame jurídico existe entre o agente causador do dano e a vítima até que o ato daquele ponha em ação os princípios geradores de sua obrigação de indenizar”.

No que tange à responsabilidade civil extracontratual a regra do atual Código Civil brasileiro é a responsabilidade subjetiva. Isto significa dizer que, em regra, a prova da culpa incumbe à vítima, cabendo, assim, a ela provar que o ofensor agiu com negligencia, imprudência ou imperícia.

Essa dualidade seria um reflexo de um dos pilares do Estado Liberal, segundo o qual a liberdade dos indivíduos – bem como a estipulação de restrições e sanções ao exercício dessa liberdade –, somente poderia ter por fonte, ou um ato de autonomia privada ou uma regra legal, geral e abstrata[44]

É nesse sentido que Geniviève Viney – partindo do tradicional pensamento de Charles Sainctelette –, explica que o binômio entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual seria proveniente de uma oposição radical entre a Lei e o contrato.

4.3. Requisitos da Responsabilidade Civil

4.3.1. Ação ou Omissão do Agente

Soares Neto condiciona que o ato de ação ou omissão do agente é o fator gerador da Responsabilidade Civil. Caso a pessoa faça ou deixe de fazer algo que deveria ter feito e, com isto, deriva um determinado dano.

Vanderlei Ramos [45]adverte que as condutas humanas que venham a causar um dano são na maioria das vezes cometidas por uma ação que se originam de um fazer, ou seja, um movimento corpóreo comissivo, uma ação voluntária que causa um prejuízo, dano ou lesão a alguém. Diferente da omissão onde tem-se um não fazer, uma pessoa que não age quando poderia e com isso permite que alguém diante um risco ou uma situação de perigo venha a sofrer um dano ao patrimônio ou uma lesão a si própria.

Para Soares Neto, a ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) se trata de conduta humana, e por consequência elemento subjetivo da responsabilidade civil, de tal forma, que acaba se torna indissociável da culpa, portanto tornando-se um único elemento.

4.3.2. Culpa

Define-se culpa como: “Inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil, ou em matéria de contrato, o dolo contratual”.[46]

O grau de culpa restará disposto nos artigos 944 e 945 do Código Civil, momento pelo qual o dano se apresenta consumado. A verificação do grau de culpa tem como intuito a avaliação para a respectiva indenização dada a responsabilidade civil do autor.

4.3.3. Dolo

Defini-se tecnicamente como uma conduta voluntária e intencional do agente que praticando ou deixando de praticar uma ação, tem o objetivo de causar dano ou simplesmente cometer o ato ilícito. Ou seja, nesta hipótese, o agente simplesmente comete o ato ilícito por vontade própria, exemplo clássico seria alguém que objetiva a morte de outrem e simplesmente comete o crime. (Cardoso, 2017)

Cardoso ainda levanta o destaque para esses dois aspectos - dolo e culpa - são totalmente diferentes entre si. Contudo, em sede de reparação e indenização, possuem consequências idênticas. Quando há culpa concorrente da vítima e do agente causador do dano, a responsabilidade, bem como a indenização, é repartida.

4.3.4. Nexo Causal

Cairo Junior (2002), enseja que entre o dano efetivo e a ação ou omissão, deve haver, sob pena de exclusão da responsabilidade do agente, um elo que é denominado de nexo causal. Se o ato ou fato não foi condição necessária ou contribuiu de qualquer forma para o evento danoso (concausalidade), não há falar-se em responsabilidade civil. A culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito  e  a força maior, ensejam a exclusão da responsabilidadecivil.

A relação de causalidade é um dos elementos essenciais para a responsabilidade civil, haja vista que atua como elo entre a conduta do agente e o dano.[47]

Ou seja, o nexo causal é o elemento necessário para que se possa determinar a quem deve atribuir-se o resultado danoso, bem como a extensão do dano causado e o quantum indenizatório. Logo, o nexo causal diz respeito ao vínculo existente entre a conduta e o resultado. [48](CAVALIERI, 2002)

4.3.5. Dano

O dano se caracteriza como uma lesão a um bem protegido juridicamente, de modo a gerar prejuízos tanto na ordem patrimonial, quanto na extrapatrimonial. Isto é, o dano é elemento substancial na configuração do instituto da responsabilidade civil.

No entendimento de Azevedo[49], a palavra dano é advindo do latim damnu, cujo significado está vinculado à ideia de prejuízo, perda. Num contexto de maior abrangência, faz referência ao prejuízo que atenta contra o patrimônio material ou moral de alguma pessoa. O dano pode ser de ordem material, quando atinge um bem econômico; ou moral, quando incide sobre bens morais, tal como a honra.

Sobre o dano, conceitua o doutrinador Cavalieri Filho como:

[...] sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.

Diferentemente da culpa, o dano é conditio sinequa non para a responsabilidade civil. Isto é, não importa se o agente atuou de maneira dolosa ou culposa, se o postulante não comprovar a ocorrência do dano, o agente causador não poderá sofrer penalidade. Somente haverá dano quando existir a violação de direito subjetivo de outrem. [50]

Não há responsabilidade sem dano, pois, o dano é o fato gerador da responsabilidade de pagamento de indenização ou de reparação. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não responsabilidade sem dano. Pode o agente praticar conduta culposa ou dolosa que abuse de direito, mas que, se não causar dano, não haverá que se cogitar em responsabilidade de indenização.[51]

Desenvolveu-se, nesse sentido, a noção da imputação de responsabilidade acerca dos danos causados por parte de um determinado agente a outrem. Para Paiva (1999, p. 178), a responsabilidade foi consequência da ideia de que o homem, tendo consigo o pressuposto da liberdade, tem o dever de responder pelos atos que comete. Nesse sentido, a condição primordial da responsabilidade civil, sob esse aspecto, tem incidência sobre a culpa, que pode ser traduzida como sendo intencional, ou mesmo ato imprudente ou negligente.

Segundo Amaral et al. (2017, p. 43), a responsabilidade civil possui extrema importância tendo em vista que é o instituto que, deliberando acerca das relações sociais que incidem no mundo do Direito, exerça uma tutela sobre a atividade humana, ao mesmo tempo em que gera repressão sobre aqueles que atuam em discordância com a norma. Seu respaldo é calcado no dever jurídico, sendo este compreendido como sendo o agir externo de um indivíduo determinado pelo Direito posto.

Na visão de Monteiro Filho et al. (2015, p. 187), no que concerne à responsabilidade civil, o dano, como sendo o resultado de uma lesão a patrimônio de cunho material ou imaterial, apresenta como sendo o ponto central desse instituto, sendo o principal modo de gerar sua caracterização. Considerando-se que a responsabilidade civil imputa a necessidade de reparação, não haverá essa obrigação sem que haja o dano causado a outrem.

Pode-se enfatizar que considera-se danos ressarcíveis os prejuízos materiais ou morais sofridos por certa pessoa, ou pela coletividade, em decorrência de ações lesivas perpetradas por entes personalizados. Inserem-se nesta categoria jurídica as lesões pecuniárias ou morais experimentadas por alguém, em razão de fato antijurídico de outrem, relacionado à prática de ato ilícito ou mesmo do exercício de atividades perigosas. [52]

O dano material, não sendo possível o retorno ao status quo ante, se indeniza pelo valor equivalente ao dinheiro, enquanto o dano moral, por não ter equivalência patrimonial ou expressão matemática, se compensa com um valor convencionado, mais ou menos aleatório, mas que não possa levar à ruína aquele que paga, nem causar enriquecimento quem recebe, ou concede, ou conceder a este mais do que conseguiria amealhar com seu próprio trabalho e esforço. Há de caracterizar-se como um mero afago, um agrado ou compensação ao ofendido, para que esqueça mais rapidamente dos aborrecimentos e dos males d’alma que suportou.

As lesões daí oriundas podem atingir aspectos materiais ou morais da esfera jurídica dos titulares de direitos, causando-lhes sentimentos negativos, dores, desprestígio, redução ou diminuição de patrimônio, desequilíbrio em sua situação psíquica, enfim, transtornos em sua integridade pessoal, moral ou profissional. Em suma, os danos tanto podem referir-se à integridade patrimonial ou a projeções da pessoa na sociedade, podendo por isso mesmo alcançar tanto a expressão física (corpórea), psíquica, ou moral das pessoas físicas, além de patrimonial e moral das pessoas jurídicas.

4.3.6. Dano Material

São materiais os danos consistentes em prejuízos de ordem econômica suportados pelo ofendido, enquanto os morais se traduzem em turbações de ânimo, em reações desagradáveis, desconfortáveis, ou constrangedoras, produzidas na esfera do lesado. Atingem a conformação física, a psíquica e o patrimônio do lesado, ou seu espírito, com diferentes repercussões possíveis.

4.3.7. Dano Moral

Rui Stoco[53] aduz que:

O chamado dano moral corresponde à ofensa causada à parte subjetiva da pessoa, ou seja, atingindo bens e valores de ordem interna ou anímica, como a honra, a imagem, o bom nome, a intimidade, a privacidade, enfim, todos os tributos da personalidade.

Apesar de serem encontrados inúmeros conceitos, trata-se de um instituto de difícil definição. Contudo, para fins de estudo, pode-se definir dano moral como uma espécie de danos aos bens não materiais, não patrimoniais, como a honra, a imagem, etc. Enfim, relaciona-se com direito personalíssimo. Importante ressaltar que, antigamente, havia grande relutância da doutrina e jurisprudência em aceitar o direito à indenização por danos morais, em reparar os danos exclusivamente morais.

Carlos Roberto Gonçalves[54] explica que o dano moral não é a dor, a angústia, o desgosto, a aflição espiritual, a humilhação, o complexo que sofre a vítima do evento danoso, pois esses estados de espírito constituem o conteúdo, ou melhor, a consequência do dano.

Carlos Alberto Bittar, reportando-se a situações fáticas, esclarece a distinção entre as órbitas da moralidade e da patrimonialidade, enfatizando que há dano moral na ruptura injusta e alardeada de noivado; no defloramento de moça honesta; no ceifamento da vida de pessoa amada, dentre inúmeros outros; há dano material no não pagamento de prestação em dinheiro; no abalroamento de veículo estacionado; na não prestação de serviço pago e assim por diante.

Carlos Alberto Bittar ainda esclarece com proficiência que os fatos danosos podem produzir-se somente em determinada faceta da esfera jurídica lesada, ou refletir-se por outras áreas: assim, os danos morais dividem-se em puros, ou diretos , e reflexos ou indiretos, consoante se produzam e se esgotem em um mesmo aspecto, ou decorram de anterior violação a outro, sendo exemplo, da primeira hipótese, a injúria que se encerre no relacionamento entre o agressor e a vítima e da segunda hipótese, a perda de afeição de pessoa querida, em virtude de descumprimento de obrigação contratual.

4.3.8. Imprudência

A imprudência consiste na prática de um ato perigoso, praticando por seu autor com descuido. Age com imprudência aquele que não age com moderação, e não. Ele realiza uma conduta que a cautela indica que não deve ser realizada, ou seja, incorre em culpa. Essa imprudência facilmente se transforma em má prática quando leva o profissional a desprezar a dignidade do ser humano e a provocar-lhe danos graves (Nascimento, 2001).

4.3.9. Negligência

A negligência, por sua vez, é caracterizada pela ausência de precaução ou indiferença em relação ao ato realizado, revela-se na omissão de conduta que o profissional médico deveria adotar e não adota[55]. De um modo geral, a negligência é retratada por um comportamento omissivo. O agente deixa de fazer alguma coisa que a prudência impõe e, por seu descuido, ocorre o resultado danoso, ou seja, deixa de fazer um ato profilático

4.3.10. Imperícia

A imperícia é a falta de aptidão ou habilidade técnica para o exercício de arte ou profissão, que, no caso, era exigível do autor, e se revela na deficiência de conhecimentos técnicos da profissão e despreparo prático, que exponham a riscos pacientes. Portanto, o dano causado a outrem pelo agente, pela ausência de conhecimento técnico ou de prática de ato grosseiro no desempenho de suas atividades, decorre de imperícia.

4.4. Excludentes da Responsabilidade Civil.

Elias Kallas Filho esclarece em sua obra que a doutrina da responsabilidade civil tem, tradicionalmente, identificado fatores que, uma vez caracterizados, constituem motivos de isenção da obrigação de reparar o dano, moral ou material, causado a outrem. Essas excludentes funcionam como fatores de veto, que desqualificam um ou mais elementos ensejadores da responsabilidade civil, de tal forma que não exista obrigação de indenizar, inobstante o dano experimentado pela vítima.

José de Aguiar Dias[56], aderindo ao entendimento de Arnoldo Medeiros da Fonseca, salienta não existirem acontecimentos que, a priori, possam ser sempre considerados casos fortuitos ou de força maior, uma vez que tal caracterização depende das condições de fato verificadas no momento de sua ocorrência.

Note-se que o caso fortuito ou de força maior exclui a responsabilidade civil porque descaracteriza o nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano experimentado pela vítima. Entretanto, na medida em que a imprevisibilidade e/ou a inevitabilidade são necessárias à configuração dessa excludente, a culpa do agente também restará afastada.

Conforme ensina Venosa “são excludentes de responsabilidade, que impedem que se concretize o nexo causal, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito e a força maior e, no campo contratual, a cláusula de não indenizar”.

Assim Kallas Filho destaca as seguintes categorias de excluedentes: na primeira categoria, podem-se citar os eventos da natureza e as ações terroristas; na segunda, a falha de um equipamento e o acometimento do médico por mal súbito durante uma operação. Por se tratar de um sistema de responsabilidade baseada na culpa (e não no risco da atividade), a melhor solução parece estar na admissão tanto do caso fortuito externo quanto do interno como excludentes da responsabilidade.

Salienta-se também que o fato de terceiro quando o evento causador do dano não de-corre de comportamento do médico nem do paciente, mas de pessoa estranha àquela relação, por isso mesmo designada “terceiro”. Esclareça-se que, em tal condição, não se enquadram os prepostos, empregados e auxiliares (etc.), porque o médico está obrigado a reparar os danos a que eles derem causa, embora possa valer-se da ação regressiva para, posteriormente, ressarcir-se.

A caracterização do fato de terceiro como excludente da responsabilidade civil exige que ele se mostre imprevisível e inevitável. Se o dano foi causado por um terceiro, mas teve o médico condições de prever ou de evitar tal ocorrência, será normalmente responsabilizado. Todas essas ca-racterísticas permitem concluir que a isenção da responsabilidade civil por fato de terceiro, a exemplo da força maior, afasta não apenas o nexo de causalidade como também a culpa do agente. [57]

A terceira causa de exclusão da responsabilidade civil tradicionalmente aceita pela doutrina consiste na culpa exclusiva da vítima, que, nos domínios específicos da responsabilidade médica, pode ser designada culpa exclusiva do paciente. Trata-se de circunstância em que os danos experimentados pelo paciente decorrem exclusivamente de seu próprio comportamento, muitas vezes deixando de cumprir os deveres a seu cargo.

Roberto Godoy[58] identifica pelo menos dois deveres atribuídos ao paciente:

Dever de veracidade e completitude das informações prestadas ao médico e dever de obediência às orientações do tratamento. A boa-fé que deve sempre permear a relação médico/paciente, uma vez que as informações oferecidas pelo cliente, aliadas, naturalmente, a outros exames realizados pelo profissional, representam as premissas das quais vai partir seu raciocínio clínico, a fim de que seja possível alcançar uma hipótese diagnóstica e, consequentemente, a indicação terapêutica para o caso. A confiança e a cooperação são elementos essenciais para o bom relacionamento entre médico e paciente, e representam verdadeira condição de eficácia do tratamento de saúde. Se o paciente não se mostra cumpridor de seus deveres, e em consequência disso sofre algum dano, é evidente que nenhuma reparação será devida pelo médico, diante da exclusão de sua responsabilidade.

Elias Kallas Filho explana sobre uma nova excludente da responsabilidade civil do médico: o fato da técnica:

Toda operação tem características invasoras e agressivas potencialmente danosas, de forma que sua indicação baseia-se em uma análise de riscos e benefícios. A expectativa de benefícios que superem (e, portanto, façam “valer a pena”) os riscos do procedimento é o que determina as decisões do médico e do paciente. Tal não significa, entretanto, que o procedimento a ser realizado seja isento de riscos. Se é verdade que a perícia e a diligência do pro-fissional, a qualidade dos materiais, o treinamento da equipe e o aparelhamento do hospital podem reduzir significativamente o risco de resultados adversos e de danos ao paciente, é também verdade que essa redução nunca será capaz de excluí-los completamente.

Portanto, a concretização do potencial danoso inerente a determinada técnica médica. Enquanto o dano decorrente de negligência, imprudência ou imperícia (o chamado “erro médico”) pode ser evitado pela aplicação competente e diligente da técnica médica, o dano relacionado a um fato da técnica somente poderia ser evitado ou minorado com a evolução da própria técnica científica.

5. RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA.

Existe um princípio jurídico segundo o qual todas as pessoas são obrigadas a responder por danos causados a terceitos, a fim de que sejam resguardados os interesses dos indivíduos no seio da coletividade. Embora não haja na Medicina a exatidão fria como existe na matemática, sempre existe um critério de presibilidade, a fim de se afastarem os danos considerados evitáveis[59].

Giostri³ (2004) afirma que a responsabilidade no erro médico segue os mesmos ditames gerais da responsabilidade civil genérica. É obrigação de quem, consciente e capaz, praticar uma conduta, de maneira livre, com intenção de fazê-lo e por simples culpa, ressarcir obrigatoriamente os prejuízos decorrentes do seu ato.

Não é novidade o fato de que a responsabilidade civil do profisisonal médico é um tema já amplamente difundido pela mídia, doutrina e dentro dos tribunais, haja vista os inúmeros e crescentes casos noticiados pela imprensa – em sua maioria sensacionalista.

A responsabilidade civil do médico advém, também, desta disposição existente em nosso ordenamento jurídico. Deve, pois, ser indenizado, caso isso postule em juízo, aquele que submetido a tratamento médico, venha, por causa deste tratamento, a sofrer um prejuízo, seja de ordem material ou imaterial.

A responsabilidade civil médica visa manter a qualidade e a diligência desse profissional, juntamente tem como escopo coibir abusos que derivam de um mercado corporativista que se instalou dentro da temática de fornecimento de serviços de saúde. A busca por qualidade nos serviços é ponto crucial, inerentemente ao agravante de tal profissão lidar com o corpo e a dignidade da pessoa humana.

O professor José Eduardo Barbieri [60](2008), em sua obra “Defesa do médico: Responsabilidade Civil e a inversão do ônus da prova sob óptica da Bioética” explica que a medicina é uma forma de arte, pois, o médico, atua no intuito de produzir saúde ao seu paciente. Em função disso, manifesta-se a preocupação com o agir médico e com os danos que dele resultar.

Na seara jurídica, considera-se responsabilidade, a obrigação de reparar prejuízo decorrente de ação de que se é culpado. A responsabilidade profissional, no campo de exercício da medicina, concerne às obrigações a que está sujeito o médico, e cujo descumprimento dá origem às consequências normativas estabelecidas pelos diplomas legais. (FRANÇA, 2014)

Ocorre que, as atividades profissionais são suscetíveis de danos morais e materiais ao paciente/cliente, notadamente pela justificativa de que os serviços prestados pelos profissionais liberais possuem caráter intuitu personae, pois, geralmente, os pacientes depositam sua inteira confiança no médico responsável pelo procedimento. (NADER, 2016)

O preceito da responsabilidade profissional vem sendo instituído na sociedade e no meio jurídico que a envolve, sob a condição de que a apreciação dos feitos praticados pelos profissionais seja realizada com transparência, assegurando ao acusado os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa. (FRANÇA, 2014)

O doutrinador Paulo Nader[61] elucida que, em casos a serem apreciados a matéria da responsabilidade profissional, dever-se-á considerar os princípios comuns à responsabilidade civil, visto que, a área em discussão não possui legislação específica.

O preceito da responsabilidade profissional insere-se no campo do Direito das Obrigações que, de acordo com José Eduardo Barbieri (2008) surge como mecanismo para coagir o indivíduo a agir de modo ético. Ou seja, enquanto na seara da ética os agentes vinculam-se sob a consciência do dever, na obrigação, o vínculo “se estabelece entre duas pessoas em virtude de que uma delas deve uma prestação à outra”.[62]

Isso porque a relação de obrigação origina-se com a existência da norma, a qual, segundo ensina Barbieri (2008, p. 85 – 86) “constrange, coage, impõe dar, fazer ou não fazer algo ou alguma coisa devida a outrem”. Dito isso, percebe-se que o instituto das obrigações é um instrumento jurídico que possui como objetivo “constranger” a parte devedora a cumprir aquilo que deixou de fazer, reequilibrando, dessa forma, a relação com o outro. 

Por intermédio da análise da evolução histórica da profissão da medicina, observa-se que, pouco a pouco surgiram normas disciplinadoras do exercício profissional, até chegar à ideia de que hoje, para caracterização da responsabilidade médica, basta: a voluntariedade do ato; a contrariedade às regras estabelecidas; a existência de nexo causal; e a ocorrência do dano.

Nesse sentido, Ruy Rosado de Aguiar Júnior[63] destaca: “O médico tem o dever de agir com diligência e cuidado no exercício de sua profissão, de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica”.

O doutrinador França [64]decompõe as obrigações implícitas no contrato de prestação de serviços médicos em deveres de: informação; atualização; vigilância; e abstenção de abuso.

O primeiro deles corresponde ao dever de informação. Ora, o médico deve repassar ao seu paciente todas as informações consideradas necessárias e obrigatórias. Em vista disso, acentua França:

Mesmo que o paciente seja menor de idade ou incapaz e que seus pais ou responsáveis tenham tal conhecimento, ele tem o direito de ser informado e esclarecido, principalmente a respeito das precauções essenciais. O ato médico não implica um poder excepcional sobre a vida ou a saúde do paciente. O dever de informar é imperativo como requisito prévio para o consentimento.

O dever de informar encontra seus fundamentos no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Possuindo respaldo em diversos diplomas legais, a exemplo, o Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 6º, inciso III, assegura o direito à “informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”.

Em seguida, ressalta-se o dever de atualização. Sendo este referente ao aprimoramento continuado da profissão, tanto ao que concerne às técnicas quanto aos meios de tratamento. Essa questão é analisada quando se discute sobre o ato profissional praticado, de modo a apurar a existência de imperícia. Ou seja, se o dano originou-se da inobservância das normas ou do despreparo profissional. (FRANÇA, 2014)

Ao que diz respeito ao dever de vigilância, observa-se que o ato médico deve estar isento de todo e qualquer tipo de omissão, caracterizada pela inércia ou descaso do profissional. Exemplificativamente, é omisso aquele que, sem ver o paciente o prescreve medicação. Genival Veloso de França menciona em sua obra “Direito Médico” (2014, p. 252) que a forma mais comum de negligência é o abandono do paciente:

Uma vez estabelecida a relação contratual médico-paciente, a obrigação de continuidade do tratamento é absoluta, a não ser em situações especiais [...]. O conceito de abandono deve ficar bem claro, como no caso em que o médico é certificado de que o paciente ainda necessita de assistência, e mesmo assim, deixa de atendê-lo.

Por derradeiro, o dever de abstenção de abuso muitas vezes é comprometido pelo profissional que opta pela utilização de técnicas sem eficácia comprovada, abandonando, dessa forma, a prática segura. Diante desta espécie de situação, o profissional atua de maneira imprudente. Neste contexto, leciona França (2014, p. 254): “Constitui abuso ou desvio de poder o médico fazer experiência no homem, sem necessidade terapêutica, pondo em risco sua vida e sua saúde”.

Isto posto, manifesta Kfouri Neto[65]: “O médico não se compromete a curar, mas se obriga a utilizar técnicas e métodos corretos, além de empregar acurada diligência no exercício de suas atividades”. Assim, torna-se visivel que a responsabilidade civil preocupa-se com o agir do médico, elemento subjetivo, e com os resultados originados dele.

A Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor) dispõe no caput do seu dispositivo 14 que:

O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Portanto, conforme mencionado anteriormente haverá a caracterização de ato ilícito quando presentes: o serviço defeituoso; o dano; e o nexo causal entre ambos. Entrementes, levando em consideração as peculiaridades dos serviços prestados por profissionais liberais, o citado artigo, em seu §4º, adota a responsabilidade subjetiva, nos seguintes termos: “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.”

O critério para esta diferenciação na lei é o caráter intuitu personae presente nas relações profissional liberal/cliente. Trazendo esta argumentação para a área da saúde, observa-se que, nem toda prestação de serviço na área em comento é realizada por profissional liberal, de modo que, não se enquadra no parágrafo 4º, o profissional que desenvolve atividade em empresa prestadora de serviços. (NADER, 2016)

No que tange à responsabilidade das instituições hospitalares, importante é de se mencionar o que traz o Código de Defesa do Consumidor , que teve sua vigência iniciada em 1991.

Assim estabelece o artigo 14 da referida Lei[66]:

“Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados pelos consumidores por defeitos relativos à prestação do serviço, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 1.º. O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele possa esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I – o modo de seu fornecimento;

lI – o resultado e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III – a época em que foi fornecido.

§ 2.º. O serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas.

§ 3.º. O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

lI – a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

§ 4.º. A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”

Portanto, o que se destaca no presente Código de Defesa do Consumidor é que existirão alguns casos de responsabilização, seja da instituição hospitalar ou do médico, isso no sentido de confguração dessa possível responsabilidade.

Na visão do autor Rogério Donnini[67]:

[...] empresas fornecedoras de serviços, como, por exemplo, hospitais, a constatação de um dano a um paciente leva à responsabilidade civil objetiva que, como dissemos, independe da existência de culpa em quaisquer das suas modalidades (negligência, imperícia ou imprudência) para que o prejuízo seja reparado. Sendo assim, caso o serviço prestado seja defeituoso, na maioria pela qual foi prestado, com informações errôneas ou insuficientes sobre os possíveis riscos de um dado procedimento, basta a constatação do dano e ação ou omissão do fornecedor para a configuração de sua responsabilidade civil.

Deverá ser analizado, pois, o vínculo do médico para com essa intituição, se ele é empregado ou apenas um profissional liberal. A partir disso a responsabilidade decairá sobre um ou sobre os dois.

Todavia, deve-se levantar hipóteses sobre a situação que se desenvolve e permeia a responsabilidade civil médica, pois há aspectos que carecem ser analisados tais como os envolvidos durante o processo de atendimento ou cirurgia, pois a questão consiste em saber se a responsabilidade civil do médico seria excluída somente pelo caso fortuito externo ou também pelo caso fortuito interno, relacionado com a atividade ou com a própria pessoa do profissional.

5.1. Dano Estético.

O tema da responsabilidade civil é um dos mais complexos do Direito moderno, e o erro médico figura como uma das agressões mais graves ao bem jurídico da pessoa. Sendo que, esta relação está cercada pelo vínculo médico-paciente e dano-responsabilidade. [68]. Assim, pode-se definir dano estético como uma alteração corporal morfológica interna ou externa que cause desagrado e repulsa não só para a pessoa ofendida, como também para quem a observa, provoca sofrimentos físicos e morais no lesado, acarretando prejuízos de ordens estética e funcional, conforme o caso, impedindo o ser humano, em muitas situações, do normal convívio social, da prática de lazer e de atividades profissionais (CONJUR, 2020).

Diniz[69] argumenta que o dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.

Dano estético possui diversas terminologias, como, por exemplo, dano corporal (pretiumcorporis), dano físico, dano deformidade, dano fisiológico, dano à saúde, dano biológico, não importando qual terminologia será utilizada para a proteção da integridade física da vítima.

Os danos possuem proteção na legislação civil, conforme dispõe o caput do artigo 927, descrevendo que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. O artigo 186 do Código Civil não enumera quais danos são abarcados pela legislação civil em vigor, mas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral.

Pois bem, o Código de Ética Médica instrui que, a profissão de médico é desempenhada à serviço da saúde do ser humano, e por este motivo, deve ser desenvolvida com honra e dignidade, de modo que, o progresso científico seja sempre utilizado em prol do bem do paciente. (Capítulo I, artigos 2, 3 e 5, do Código de Ética Médica)

A atuação dos cirurgiões estéticos, de acordo com ensinamento de Pablo StolzeGagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012), não se limita ao apoio ao paciente com todos os cuidados de cautela, mas sim, ao desenvolvimento de uma conduta destinada à obtenção de um resultado particular.

Concorda Silvio de Salvo Venosa [70]:

Há, indiscutivelmente, na cirurgia estética, tendência generalizada a se presumir a culpa pela não obtenção do resultado. Isso diferencia a cirurgia estética da cirurgia geral’ (Kfouri Neto, 1998, p. 165).

Não resta dúvida de que a cirurgia estética ou meramente embelezadora trará em seu bojo uma relação contratual. Como nesse caso, na maioria das vezes, o paciente não sofre de moléstia nenhuma e a finalidade procurada é obter unicamente um resultado estético favorável, entendemos que se trata de obrigação de resultado. Nessa premissa, se não fosse assegurado um resultado favorável pelo cirurgião, certamente não haveria consentimento do paciente.

Isso significa que, no caso de insucesso na cirurgia estética, haverá presunção de culpa do profissional que a realizou, cabendo à este comprovar a ocorrência de fator imponderável capaz de afastar seu dever de indenizar.[71]

Isto posto, após exposição à respeito da responsabilidade civil do médico, traz à lume, a discussão referente à prática de erro médico. De início, importante esclarecimento é a diferenciação entre culpa e erro médico. Nesse ponto, Sérgio Cavalieri Filho (2012, p. 405) expressa:

Culpa e erro profissional são coisas distintas. Há erro profissional quando a conduta médica é correta, mas a técnica empregada é incorreta; há imperícia quando a técnica é correta, mas a conduta médica é incorreta. A culpa médica supõe uma falta de diligência ou de prudência em relação ao que era esperável de um bom profissional escolhido como padrão; o erro é a falha do homem normal, consequência inelutável da falibilidade humana.

No erro profissional constata-se o agir correto, todavia, a técnica adotada é incorreta, em outros termos, nos casos de procedimento estético, o médico age de maneira consciente, entretanto, incorre em erro na utilização de determinada técnica. (ACHÁ, 2014)

Veja que, o erro médico concerne a uma forma de conduta profissional inadequada, em razão da inobservância técnica, sendo capaz de provocar danos à vida ou saúde do paciente. (FRANÇA, 2014)

Gomes; Drumond; França (2001, p. 91 apud CORREIA-LIMA, 2012, p. 19) entende que, erro médico é “o dano, o agravo à saúde do paciente provocado pela ação ou inação do médico no exercício da profissão e sem a intenção de cometê-lo”.

Júlio César Meirelles Gomes [72]compreende que, o erro médico verifica-se em três vias, as quais são:1ª) Imperícia: Decorre da falta de observação das normas técnicas, por conta do despreparo prático ou conhecimento insuficiente;2ª) Imprudência: É nesta via que surge o erro médico consequente da ação ou omissão do profissional na utilização de procedimentos sem respaldo científico, e esclarecimentos à parte contratante; e3ª) Negligência: Refere-se ao tratamento com descaso por parte do profissional médico, para com seus deveres éticos frente ao paciente.

Para mais, Genival Veloso de França (2014) ensina que, o erro médico, no campo da responsabilidade, pode referir-se à uma ordem pessoal ou estrutural. Será pessoal quando o ato danoso se deu em virtude de ação ou omissão, pelo despreparo técnico e intelectual do profissional; e estrutural, quando procedente de falhas estruturais, isso é, os instrumentos e condições de trabalho são insuficientes para obtenção do resultado almejado pelo paciente.

É certo que, a prestação de serviços médicos não consistem em uma operação exata, dada a individualidade de cada organismo humano. Isso demonstra o quão necessário é a prova do elemento “culpa”, quando analisada a ocorrência de erro médico na atividade profissional.

Frente a esta apresentação inicial, observam-se os componentes basilares do erro médico: o dano; ausência de dolo, configurando o elemento culpa; e o nexo de causalidade, entre o ato médico lesivo e a consequência gerada.

Em concordância com o autor Fernando Gomes Correia-Lima (2012), não há, juridicamente dizendo, erro médico sem danos à saúde de terceiro. A ausência de dano descaracteriza o erro médico, pois, trata de elemento substancial deste. Caso não haja dano, o ressarcimento é inviabilizado, desconfigurando a responsabilidade civil médica.

João Casillo (1994, p. 26) citado por Correia-Lima (2012, p. 21) destaca: “O dano é entendido como lesãode qualquer bem ou interesse jurídico, seja patrimonial ou moral.”

Sob esse prisma, anota-se“o dano decorrente do erro médico é quase sempre de caráter irreparável, significa tudo ou nada para quem sofre. Nada ou quase nada para a espécie humana, mas tudo ou quase tudo para o próprio indivíduo. Isto torna o erro médico grave, sempre grave”[73].

Entrementes, vale frisar sobre a responsabilidade do paciente, que, ao não seguir as orientações referentes ao pós-operatório, gera dano a si mesmo, rompendo, o nexo causal entre o ato médico e a lesão sofrida.

Já ao que diz respeito à culpa, cumpre informar que o erro médico está ligado à ela no sentido mais restrito. Nessa seara, o artigo 951 do Código Civil descreve claramente a teoria da culpa ao que concerne à responsabilidade profissional médica:

Artigo 951, CC. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Ademais, Fernando Gomes Correia-Lima (2012) elucida que são condutas como a falta de zelo, diligência, aplicação, cuidado, providência, entre outras, que caracteriza a culpa stricto sensu. Ou seja, a culpa decorre da negligência, imprudência ou imperícia: “A negligência consiste em não fazer o que deveria ser feito. A imprudência consiste em fazer o que não deveria ser feito e a imperícia em fazer mal o que deveria ser bem feito.” (GOMES; FRANÇA; 1998, p. 244 apud CORREIA-LIMA, 2012, p. 28)

Por derradeiro, o nexo de causalidade toca à relação entre a ação/omissão do profissional médico com o dano causado. E é nesse sentido os dizeres dos artigos 186 e 927, ambos do Código Civil, in verbis:

Artigo 186, CC. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Artigo 927, CC. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Logo, não se pode perder de vista a gravidade social do erro médico quando gerador de dano estético, haja vista, tal conduta viola tanto os preceitos básicos da ciência médica, quanto os direitos fundamentais do ser humano. Gerando, assim, o dever de indenizar o outro, fato este que atua como alicerce do instituto da responsabilidade civil médica.

Dano estético é uma alteração corporal morfológica interna ou externa que cause desagrado e repulsa não só para a pessoa ofendida, como também para quem a observa, provoca sofrimentos físicos e morais no lesado, acarretando prejuízos de ordens estética e funcional, conforme o caso, impedindo o ser humano, em muitas situações, do normal convívio social, da prática de lazer e de atividades profissionais (CONJUR, 2020).

Os danos possuem proteção na legislação civil, conforme dispõe o caput do artigo 927, descrevendo que “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

O artigo 186 do Código Civil não enumera quais danos são abarcados pela legislação civil em vigor, mas ressalta que existe violação ao direito ainda que o dano seja exclusivamente moral, senão in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Dano estético possui diversas terminologias, como, por exemplo, dano corporal (pretiumcorporis), dano físico, dano deformidade, dano fisiológico, dano à saúde, dano biológico, não importando qual terminologia será utilizada para a proteção da integridade física da vítima.

Teresa Ancona Lopez[74] (2004) explica que:

A lesão à beleza física, ou seja, à harmonia das formas, deformidades ou deformações outras, as marcas e os defeitos ainda que mínimos que podem implicar, sob qualquer aspecto, um ‘afeamento’ da vítima ou que pudessem vir a se constituir para ela numa simples lesão ‘desgostante’ ou em permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos.

Diniz (2005) argumenta que o dano estético é toda alteração morfológica do indivíduo, que, além do aleijão, abrange as deformidades ou deformações, marcas e defeitos, ainda que mínimos, e que impliquem sob qualquer aspecto um afeiamento da vítima, consistindo numa simples lesão desgostante ou num permanente motivo de exposição ao ridículo ou de complexo de inferioridade, exercendo ou não influência sobre sua capacidade laborativa.

5.2. Responsabilidade civil por dano estético.

Genival Veloso de França[75] diz que a responsabilidade civil versa em torno de duas teorias, a subjetiva e objetiva. A teoria subjetiva é o elemento do ato ilícito, em torno do qual a ação ou a omissão levam à existência de um dano, [...] no entanto, atualmente, essa teoria começa a ser questionada, por várias razões: a imprecisão do conceito de culpa pelo seu sunho teórico e caracterização imprecisa, o surgimento da responsabilidade sem culpa, o sacrifício do coletivo em função de um egoísmo individual sem imputabilidade nos tempos atuais e a socialização do direito moderno.

No que versa sobre responsabilidade na forma objetiva, o mesmo autor[76] continua dizendo que o responsável pelo dano indenizará simplesmente por existir um prejuízo, não se cogitando da existência de sua culpabilidade, bastando a causalidade entre o ato e o dano, para obrigar a reparação. O nexo causal consiste no fato de o dano ter surgido de um ato ou de sua omissão.

O importante aqui é entender que existe apenas o conceito de responsabilidade subjetiva, contudo, sem uso na prática forense, uma vez que esse conceito é ultrapassado e não tem uma definição exata entre os doutrinadores, até mesmo por que o conceito de responsabilidade objetiva é o que mais faz sentido nos casos práticos, certo que responderá pelo erro aquele que foi de fato o causador do dano atacado.

Explica Carlos Roberto Gonçalves[77] que os médicos serão civilmente responsabilizados somente quando ficar provada qualquer modalidade de culpa: imprudência, negligência ou imperícia – como iniciado no tópico anterior.

Deste modo, comprometem-se os médicos a tratar os pacientes com o máximo de zelo possível, isso é até mesmo um princípio da própria profissão médica, deve ele utilizar de recursos adequados, não tendo a obrigação de curar o doente, mas de fazer o que tiver em seu alcance para o sucesso do tratamento.

É o que fala Rogério Donnini[78] sobre a relação obrigacional do serviço prestado entre o médico e a instituição de saúde ao paciente por falhas na prestação de serviços:

A atividade médica, em regra, é consistente de uma obrigação de meio, vale dizer, não há um dever de resultado, como o sucesso na cirurgia, no tratamento, nos exatos diagnósticos ou prognósticos, mesmo porque, em várias situações, há fatores alheios à sua atuação. Exige-se, todavia, o emprego da técnica adequada, com o comprometimento do melhor desempenho, na busca de um resultado satisfatório para o paciente. Por outro lado, existe, em alguns poucos casos, a incidência de uma obrigação de resultado na atividade médica, ou seja, quando efetivamente o resultado de certo procedimento representa a finalidade da obrigação, como na cirurgia estética. Embora haja o comprometimento do profissional por um determinado resultado, caso haja dano decorrente do insucesso da cirurgia, deve ele ressarcir o paciente, o que não significa dizer que não poderá o médico provar, pelos meios previstos em lei, que o evento danoso tenha ocorrido em razão de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva do paciente. [...] No que tange aos hospitais, clínicas e demais instituições vinculadas à prestação de serviço de saúde, na hipótese de dano causado ao paciente por falhas na prestação desses serviços, como dissemos, a responsabilidade é objetiva (responsabilidade pelo fato do serviço – CDC (LGL\1990\40), art. 14), ou seja, independe da comprovação de culpa. [...] A responsabilidade civil atual não está fundada apenas na ideia de reparação do dano, mas na prevenção de prejuízos, seja nas situações reguladas pelo Código Civil (LGL\2002\400), seja naquelas de incidência do Código de Defesa do Consumidor (CDC (LGL\1990\40)).

Conforme deixa claro em seus dizeres, Donnini é esclarecedor ao explanar a responsabilização tanto do médico quanto do hospital. Existe a importância em se ter estabelecido a relação existente entre o profissional liberal para com a instituição e ainda com o paciente.

No momento em que um médico é exposto ao atendimento de um paciente, ele tem o dever de assumir obrigações, devendo ser analisado, assim, o modo em que essa relação da prestação de serviços médico é desempenhada.

De acordo com os ensinamentos de Roberto Godoy[79], existem várias modalidades da qual o médico pode estar inserido, quais sejam:

Um médico pode ser empregado de estabelecimento hospitalar público ou privado; utilizar consultório próprio ou de uma instituição para atender, num ou noutro caso, pacientes particulares, conveniados ou ligados ao sistema público de saúde; pode ser apenas credenciado para internar em determinado hospital ou pode ter compromisso de atender doentes que procurem esse hospital; pode, ainda, trabalhar isoladamente ou em equipe e, o que é mais freqüente, estar em algumas dessas situações ao mesmo tempo.

Tendo isso em mente, o fato de que um médico possa estar inserido não apenas em uma, mas como em várias situações de desempenho da atividade profissional, é um assunto extremamente relevante quando se for julgar algum caso de responsabilização médica e/ou hospitalar.

Ainda nas palavras de Godoy[80], no que se refere à obrigação do hospital, em relação ao paciente, entende-se que o conceito de resultado possível coaduna-se mais com a situação existente do que o conceito ligado à obrigação de meios. A ser coerente com a doutrina, um paciente que não recebesse alimentação durante sua internação, e que, por isso, sofresse dano, arcaria com o ônus da prova; adotando-se, porém, o conceito de resultado possível, bastaria ao paciente demonstrar que o fornecimento de alimento era um resultado possível, demonstração quase que desnecessária dado sua obviedade, e que este resultado não foi alcançado.

Por fim, trago o disposto no Código Civil[81], que institui no artigo 951, in verbis:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho.

Em termos gerais, o dispositivo esclarece que a indenização será devida por aquele que causar o dano. Infere-se que “aquele” caberia tanto para uma pessoa física ou jurídica, independente de personalidade, bastando para tanto a ocorrência de um dano gerado.

5.3. Jurisprudência

A respeito do tema ora debatido no presente trabalho, observa-se o entedimento dos nossos Tribunais Pátrios acerca do tema:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CIRURGIA PLÁSTICA. ABDOMINOPLASTIA. INFECÇÃO NO PÓS-OPERATÓRIO. DANO ESTÉTICO DECORRENTE DE CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. PROVA PERICIAL QUE NÃO IDENTIFICOU IRREGULARIDADES QUANTO À EQUIPE MÉDICA OU TÉCNICA CIRÚRGICA REALIZADA, BEM COMO NÃO IDENTIFICOU A ORIGEM DA INFECÇÃO. DANO ESTÉTICO NÃO IDENTIFICADO INDENIZAÇÃO PELO PERITO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO.

(TJ-SP - AC: 10728348220178260100 SP 1072834-82.2017.8.26.0100, Relator: Vito Guglielmi, Data de Julgamento: 11/02/2020, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 11/02/2020)

INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. DANO ESTÉTICO DECORRENTE DE CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. MÉDICO QUE NÃO ESCLARECEU DE FORMA SATISFATÓRIA OS RISCOS QUE A CIRURGIA ENVOLVIA. DANO QUE É VISÍVEL A OLHO NU. RESULTADO NEGATIVO DA CIRURGIA QUE JÁ GERA O ABALO PSICOLÓGICO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TJ-SP - APL: 00147172220138260047 SP 0014717-22.2013.8.26.0047, Relator: Vito Guglielmi, Data de Julgamento: 16/06/2016, 6ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/06/2016)

Os dois casos acima, foram julgados pelo Tribunal do Estado de São Paulo,porém, foram obtidos julgamentos diferentes, uma vez que, no primeiro caso por mais que responsabilidade do cirurgião plástico seja de fim, faz-se necessário a ligação do nexo causal entre o dano e a conduta de toda a equipe médica, para que possa ser dada uma decisão equânime.

Já no segundo caso em apreço, o Exímio Tribunal não vislumbra-se a necessidade de uma perícia tecnica na analise do nexo e do dano, dado a gravidade do erro médico, posto que, o erro foi tão grosseiro que poderia ser percebido a olho nu.

EMENTA: AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. CIRURGIA ESTÉTICA. ERRO MÉDICO. REQUISITOS COMPROVADOS. RESPONSABILIDADE RECONHECIDA. DANO ESTÉTICO AFASTADO. DECISÃO REFORMADA EM PARTE. O ordenamento jurídico adota a teoria subjetiva da culpa exigindo, a comprovação da conduta do agente, o dano e o nexo causal como requisitos para o dever de indenizar. A responsabilidade civil do médico está diretamente atrelada a comprovação da culpa no cometimento da lesão. Demonstrada a prática de ato ilícito indenizável, os danos dele decorrentes exigem comprovação nos autos. Não há que se falar em dano estético, decorrente de cirurgia plástica, quando não evidenciado sua ocorrência. Havendo dano moral, sua fixação deverá atender aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, levando-se em conta as dimensões do dano suportado e as condições econômicas das partes envolvidas.

(TJ-MG - AC: 10024122874043001 MG, Relator: Luiz Artur Hilário, Data de Julgamento: 06/03/2018, Data de Publicação: 23/03/2018)

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ERRO MÉDICO. CIRURGIA ESTÉTICA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL MANEJADA PELA AUTORA. CIRURGIA DE OTOPLASTIA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DO PROFISSIONAL LIBERAL. ART. 14, § 4º, DO CDC. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. PRECEDENTES DA DOUTRINA E JURISPRUDÊNCIA. AUTORA QUE SUSTENTA QUE O RESULTADO DAS CIRURGIAS NÃO FOI SATISFATÓRIO, BEM COMO QUE A CICATRIZ FICOU MUITO EXTENSA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCLUIR SE HOUVE, OU NÃO, ALTERAÇÃO ESTÉTICA APÓS AS CIRURGIAS. AFIRMAÇÃO DE QUE O MÉDICO REQUERIDO NÃO INFORMOU SOBRE OS CUIDADOS COM A CICATRIZ DECORRENTE DA CIRURGIA PLÁSTICA. DOCUMENTO COMPROBATÓRIO DE INDICAÇÃO DE APLICAÇÃO DE MEDICAMENTO JUNTADO PELA PRÓPRIA DEMANDANTE. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. (TJPR - 10ª C. Cível - 0028701-40.2016.8.16.0017 - Maringá - Rel.: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira - J. 05.09.2019)

(TJ-PR - APL: 00287014020168160017 PR 0028701-40.2016.8.16.0017 (Acórdão), Relator: Desembargador Guilherme Freire de Barros Teixeira, Data de Julgamento: 05/09/2019, 10ª Câmara Cível, Data de Publicação: 06/09/2019)

Os dois julgados elencados acima ratificam a teoria da responsabilidade subjetiva do médico, que é aquele necessidade da comprovação da culpa para que o dano seja de fato indenizado, vale destacar que, por mais que o médico cirurgião tem a responsabilide fim em sua prática laboral, deve aquele que sofreu o dano comprovar a efetiva culpa do profissional médico, para que então possa ter sua efetivação reparação do dano ora sofrido.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C REPARAÇÃO DE DANOS – SAÚDE SUPLEMENTAR – CIRURGIAS PLÁSTICAS REPARADORAS INDICADAS PARA A AUTORA EM DECORRÊNCIA DAS SEQUELAS DA REALIZAÇÃO DE CIRURGIA BARIÁTRICA – CUSTEAMENTO PELA OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE – POSSIBILIDADE – CIRURGIA REPARADORA DECORRENTE DE QUADRO DE OBESIDADE MÓRBIDA – PROCEDIMENTO QUE DEIXA DE SER MERAMENTE ESTÉTICO PARA CONSTITUIR-SE COMO TERAPÊUTICO E INDISPENSÁVEL – AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Controvérsia centrada na discussão acerca do preenchimento, ou não, dos requisitos legais para o deferimento de tutela provisória de natureza antecipada, destinada à determinação de custeio, por operadora de plano de saúde, de cirurgias plásticas reparadoras indicadas para a autora, em decorrência das sequelas da realização de cirurgia bariátrica. 2. O art. 300, do CPC/2015, prevê que a tutela de urgência, espécie de tutela provisória (art. 294, CPC/15), será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano, ou de risco ao resultado útil do processo, podendo ser de natureza cautelar ou antecipada. 3. Em sede recursal, a interposição de Agravo de Instrumento contra decisão que apreciou, na origem, pedido de tutela provisória de urgência, devolve ao Tribunal a apreciação desses requisitos (art. 299, parágrafo único, CPC/15), a fim de ser deferida, ou não, a medida liminar pleiteada. 4. Havendo expressa indicação médica, alusiva à necessidade da cirurgia reparadora, decorrente do quadro de obesidade mórbida da consumidora, não pode prevalecer a negativa de custeio da intervenção cirúrgica indicada, sob a alegação de estar abarcada por previsão contratual excludente de tratamentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, isso porque, nessa hipótese, o referido procedimento deixa de ser meramente estético para constituir-se como terapêutico e indispensável. Precedente do STJ. 5. Na espécie, verifica-se a presença de fumus boni iuris, pois há expressa indicação médica para a realização das cirurgias plásticas reparadoras, em virtude do excesso de pele e flacidez pós bariátrica. O mesmo documento médico indica que o quadro físico da autora-agravante gera infecções constantes "devido ao atrito do excesso de pele sobre o abdômen, mamas, braços e coxas", além de ensejar "constantes assaduras e odor fétido nas dobras", o que indica o periculum in mora necessário à concessão da medida liminar. 6. Corroborando tal evidência, há Laudo Psicológico que indica os abalos psicológicos suportados pela agravante, concluindo que a autora-agravante apresenta "sofrimento físico e emocional, decorrentes do excesso de pele e flacidez após a cirurgia bariátrica". 7. Contudo, embora o periculum in mora permita a antecipação da tutela recursal, para que não seja a autora submetida à longo e extenuante período de abalo psíquico (no caso de precisar aguardar sentença final de procedência do pedido), é prudente que não se ignore o estado de calamidade atual, inclusive expondo a autora a eventual risco de contágio à Covid-19, também não podendo ser ignorada a norma estadual, que vedou, por ora, a realização de tais cirurgias. Assim, embora a antecipação de tutela deva ser concedida, seus efeitos ficam postergados para tão logo a realização de cirurgias eletivas sejam liberadas pelas autoridades sanitárias locais. 8. Agravo de Instrumento conhecido e provido.

(TJ-MS - AI: 14024378720218120000 MS 1402437-87.2021.8.12.0000, Relator: Des. Paulo Alberto de Oliveira, Data de Julgamento: 15/04/2021, 3ª Câmara Cível, Data de Publicação: 19/04/2021)

AGRAVO REGIMENTAL. DECISÃO MONOCRÁTICA QUE, POR RAZÕES DE MÉRITO, NEGOU SEGUIMENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANOS DECORRENTES DE CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA MAL SUCEDIDA. CLÍNICA. CONDIÇÃO DE FORNECEDORA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. 1. A decisão regimentalmente agravada está assentada em jurisprudência pacífica do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, de que "Em se tratando da atividade do profissional médico, a responsabilidade do hospital depende de prova da culpa no ato por aquele praticado." (AgRg no AREsp 443.288/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 26/02/2014), mas isso não afasta o dever de indenizar da entidade hospitalar, "tendo ela intervindo na relação de consumo, ainda que sem falha no objeto da sua prestação", devendo "responder solidariamente, conforme a sistemática do CDC e a jurisprudência do STJ." (REsp nº 1315761/DF, Relator Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, 13/04/2015). 2. Os documentos colacionados às fls. 44-50/vol 1, em papel timbrado com o nome da agravante, comprovam que a entidade hospitalar não apenas fez a publicidade dos procedimentos cirúrgicos plásticos estéticos (fls.44-45/vol 1), como disponibilizou suas instalações e prestou serviços médicos hospitalares, pelos quais recebeu o respectivo pagamento (cf. Recibos às fls. 48-50/vol 1). Em outras palavras, a Clínica recorrente figura como fornecedora dos produtos e serviços consistentes nos procedimentos de cirurgia plástica a que submetida a agravada, daí a sua legitimidade para o pólo passivo da ação em que a paciente pleiteia indenização pelos prejuízos que alega decorrentes dos aludidos procedimentos. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. (Classe: Agravo Regimental,Número do Processo: 0008815-49.2015.8.05.0000/50000, Relator (a): Silvia Carneiro Santos Zarif, Primeira Câmara Cível, Publicado em: 26/05/2015 )

(TJ-BA - AGR: 00088154920158050000 50000, Relator: Silvia Carneiro Santos Zarif, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 26/05/2015)

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, MATERIAIS E ESTÉTICOS. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. PERDA DOS MOVIMENTOS DA MÃO ESQUERDA. CIRURGIA PLÁSTICA REPARADORA. SUPOSTO ERRO MÉDICO. IMPROCEDÊNCIA. APELAÇÃO. ALEGAÇÃO DE SURGIMENTO DE DEFORMIDADE NA MÃO APÓS A REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. PERÍCIA JUDICIAL. NATUREZA PRECIPUAMENTE REPARADORA DA CIRURGIA. RECUPERAÇÃO DOS MOVIMENTOS DA MÃO DO AUTOR. NASCIMENTO DE PÊLOS E DE NÓDULO DE CARNE DECORRENTE DA PRÓPRIA NATUREZA DO PROCEDIMENTO E DO LOCAL DA CIRURGIA. AUSÊNCIA DE CULPA E DE NEXO CAUSAL. APELO IMPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. DECISÃO UNÂNIME 1. O procedimento cirúrgico a que foi submetido o autor/apelante se enquadra na categoria de cirurgia plástica reparadora, e não de cirurgia plástica estética propriamente dita na qual a responsabilidade do médico é de resultado. Nesta última, o médico se vincula com o resultado final do procedimento, sendo passível de responsabilização acaso a cirurgia não atenda ao objetivo de embelezamento do corpo almejado pelo paciente. Naquela (cirurgia plástica reparadora), a responsabilidade do profissional da medicina é de meio, ou seja, o objetivo precípuo é a recuperação da funcionalidade do membro/órgão ou parte do corpo humano, ficando a questão da estética em plano secundário. 2. Foi o que ocorreu no caso dos autos, no qual o objetivo principal da cirurgia foi a recuperação dos movimentos da mão esquerda do autor que se encontravam totalmente comprometidos antes da realização do procedimento. 3. Pelas especificidades fisiológicas desta parte do corpo humano (mão), somado ao tipo de sequela que acometeu o autor, o aparecimento de pelos e nódulo de carne na mão esquerda do autor é consequência natural da própria intervenção cirúrgica, ainda mais se levarmos em consideração que, de acordo com o expert, o profissional médico demandado se utilizou da melhor técnica cirúrgica para sanar o problema da sequela da mão esquerda do autor que era a imobilidade de sua mão. 4. Portanto, pode-se facilmente extrair do laudo pericial acima referido que não houve o alegado erro médico. O que se constata, após acurada análise do multicitado laudo, é que o surgimento da deformidade na mão esquerda do autor decorreu de causas relacionadas à própria natureza do procedimento cirúrgico reparador. 5. Quanto à afirmação do recorrente de que o profissional médico não possuía registro no CREMEPE como cirurgião plástico, verifica-se às fls. 168 dos autos que o referido órgão de classe enviou novo ofício ao juiz da causa dando conta de que o referido profissional possui, sim, registro no conselho de classe, razão pela qual resta descaracterizada a existência de imperícia médica, tal como aventado pelo apelante. 6. Apelo improvido à unanimidade. Sentença mantida. Decisão unânime.

(TJ-PE - AC: 4848604 PE, Relator: Jovaldo Nunes Gomes, Data de Julgamento: 11/09/2019, 5ª Câmara Cível, Data de Publicação: 23/09/2019)

Em todos os julgamentos colacionados neste trecho do presente trabalho, restou clarificado a responsabilidade subjetiva do médico cirurgião na prática de sua atividade, devendo então o paciente que sofreu o dano comprovar em seu processo a culpa, o erro, bem como, o nexo causal que gerou o resultado não previsto, posto que, se não fosse necessários os requisitos aludidos geraria-se uma grande insegurança dos profissionais no desempenho de sua atividade, já que, mesmo agindo com total lizura apontando o que deve ser feito pelo paciente, o mesmo poderia chegar ao final do procedimento e simplesmente não gostar do procedimento (mesmo após explicado e demonstrado o resultado) e responsabilizar o profissional por simplesmente não gostar do resultado.

Vale a pena ainda destacar que, no ultimo julgamento jungido em linhas preteritas, o Tribunal de Pernanbumco nos demonstra a necessidade de avaliar se é uma cirurgia reparadora ou uma cirurgia plástica estética, posto que, na cirurgia reparadora o profissional médico não possui a responsabilidade fim como se fosse na cirurgia plástica estética, dado que, a sua efetiva função no caso aludido é sanar a sequela emimente e não garantir uma beleza estética satisfatória.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do exposto, pode-se concluir que a responsabilidade civil médica é a obrigação do profissional médico de reparar danos ou prejuízo que cause ao paciente no exercício de sua profissão. A responsabilidade civil do médico está de regra fundamentada ao conceito de culpa civil. Para que se configure a responsabilidade do médico devem estar presentes os requisitos do nexo causal, da conduta médica, do dano e culpa. Pode estar o médico amparado por excludentes da responsabilidade como a culpa da vítima, caso fortuito ou força maior ou fato de terceiro.

A responsabilidade civil médica irá agir no momento em que a prudência e a cautela não são observadas e, como consequência, torna-se inevitável a presença de prejuízo e dano ao paciente, o qual poderá vir a dar ensejo a uma ação de indenização objetivando o ressarcimento dos danos morais, patrimoniais e estéticos, originados do chamado erro médico.

Diante dos possíveis danos causados ao paciente, ficará o médico em posição desvantajosa, pois dessa forma o médico terá que constituir prova que venha a atestar a sua inocência, diante dos fatos alegados pela vítima. Porém é constante, atualmente, a existência danos estéticos causados por erro médico, e que causam prejuízos às vezes irreparáveis, mas que podem ser objeto de indenização nos diversos Tribunais do nosso país.

Tanto o dano estético como o dano moral constituem ofensas a dignidade humana e a personalidade e integridade física do indivíduo, pois constituem danos à saúde física e a aparência estética, o que podem causar a pessoa danos psicológicos permanentes, como também a imagem e a sua honra. Não seria mais do justo para tais vítimas a possibilidade de conseguirem indenizações que possam compensar pelo sofrimento gerado pela conduta do agente.

Embora os Tribunais ainda não tenham formado um critério para a avaliação do dano estético e moral, cumpre observar que as atuais tendências criem novos fundamentos que possam vir a servir de diretriz aos magistrados, com o escopo de garantir o justo estabelecimento de indenizações proporcionais aos prejuízos sofridos pelo paciente vitimado.

Na busca incessante por um corpo perfeito, algumas pessoas chegam a desenvolver distúrbios como a bulimia, a anorexia, enquanto outras se submetem a qualquer procedimento cirúrgico sem ao menos procurar saber sobre o profissional que irá fazer a intervenção cirúrgica, tendo que posteriormente, recorrer ao Judiciário para pleitear a reparação do dano sofrido. Assumindo com o paciente este compromisso, o médico está pactuando uma obrigação de resultado, ou seja, que possui um fim específico, que quando não é atingido gera frustração ao paciente e, possivelmente, mutilações, abalos psicológicos, distúrbios como a depressão, a rejeição do próprio corpo, dentre muitos outros problemas.

Face ao erro cometido pelo médico no paciente, o resultado de dano pode ser patrimonial ou mesmo extra-patrimonial e a responsabilidade do médico pode ser objetiva – com algumas exceções, independe da culpa do agente e/ou subjetiva, quando deve ser apurada a conduta do agente que praticou o ato, se este agiu com dolo ou culpa, com negligência, imperícia ou imprudência.

A fixação do quantum indenizatório pode variar de acordo com a extensão do dano, com parâmetro nos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, para que na reparação não haja o enriquecimento sem causa por parte do autor que pleiteia compensação/reparação do dano sofrido.

Assim, pode-se concluir que todo profissional com especialização em cirurgia plástica, quando atua em cirurgia estética reparadora, não possui uma obrigação de resultado, pois já existe uma relação preexistente, mas, quando se trata de cirurgia plástica meramente estética, o médico tem uma obrigação de resultado, devendo atingir o fim específico, para o qual tenha assumido o compromisso e, quando não atingindo, se houver comprovação do dano e nexo de causalidade, caberá pleito pela reparação, possuindo a indenização caráter compensatório.

No entanto, deve-se ter em mente que muitas vezes o erro médico é ocasionado não só por uma conduta profissional inadequada, mas também por despreparo e falta de condições mínimas de atendimento aos pacientes. A probabilidade de o paciente sofrer danos quando não há recursos disponíveis é muito maior e fogem a alçada do médico, que não pode resolver sozinho os problemas do sistema de saúde. Certamente a falta de recursos não justifica todos os erros médicos. O que se deve ter em mente é que o profissional utiliza todos os meios e recursos necessários no objetivo de proporcionar o melhor ao paciente.

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[81] BRASIL. Lei n. 10.406, 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 11 jan. 2002.  


Publicado por: Rafael Victor De Medeiros

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