A possibilidade de cominação de pena não privativa de liberdade, diante dos efeitos criminógenos do cárcere: um desafio necessário
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. O PARADIGMA AFLITIVO DO DIREITO PENAL NA ATUALIDADE
- 3.1 O SURGIMENTO DA PRISÃO E SUA FINALIDADE
- 3.2 A INEFICÁCIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA PREVENÇÃO ESPECIAL NEGATIVA E A ESCALADA CRIMINOSA DO DESVIANTE PRESO
- 3.3 O DESCUMPRIMENTO DA LEP E O DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA PELAS AUTORIDADES
- 4. OS EFEITOS CRIMINÓGENOS DO CÁRCERE
- 4.1 O LOCUS ARTIFICIAL DAS PENITENCIÁRIAS
- 4.2 A SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA
- 4.3 AS CONSEQUÊNCIAS DELETÉRIAS DO CÁRCERE
- 5. POSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO PELO LEGISLADOR DE SANÇÕES NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE
- 5.1 A ABOLIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS FUNDAMENTOS
- 5.2 AS PENAS ALTERNATIVAS
- 5.2.1 CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
- 5.2.2 HISTÓRICO DAS PENAS ALTERNATIVAS E REGRAS DE TÓQUIO
- 5.2.3 PREVISÃO LEGAL E POLÍTICA NACIONAL
- 5.3 POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL E NECESSIDADE DE REFORMA LEGISLATIVA PARA ALTERAÇÃO DAS PENAS
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERÊNCIAS
- 8. ANEXOS
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1. RESUMO
O trabalho acadêmico em questão traz uma análise acerca da prisão, seu surgimento, finalidade e real papel nos dias atuais. Trata da ineficácia da pena privativa de liberdade, uma vez que esta não obtém êxito na prevenção especial negativa, aprimora a escalada criminosa do desviante preso e fortalece as facções criminosas. Analisa-se o instituto do cárcere e seus pontos mais críticos, como a clausura do desviante no lócus artificial, a superlotação carcerária e as consequências deletérias advindas das penas privativas de liberdade, demonstrando que o princípio da dignidade humana e os direito mínimos dos presos são amplamente desrespeitados no Brasil. Estuda-se a possibilidade de abolição da pena privativa de liberdade, os fundamentos das teorias abolicionistas e as possíveis vantagens e desvantagens dessa supressão. Sugere-se uma maior utilização das penas alternativas, bem como maior assistência às vítimas, aos desviantes e à comunidade. Por fim, verificou-se a possibilidade constitucional de criação de novas alternativas penais, analisou-se os projetos legislativos já existentes e pertinentes ao tema, sendo constatada a urgente necessidade de reforma legislativa ordinária, bem como da maior adoção de medidas não privativas de liberdade pelos magistrados.
Palavras-chave: direito; direito processual penal; execução penal; lei 7.210; cárcere; prisão; penitenciária lemos brito; efeitos deletérios do cárcere; penas privativas de liberdade; teorias da pena; abolicionismo; penas alternativas.
ABSTRACT
The academic work in question brings an analysis about the prison, it's emergence, purpose and actual role today. Speaks of the inefficiency of the custodial sentence, since this is not successful in especial negative prevention, enhances the criminal path of the deviant arrested and strengthens criminal gangs. This work analyzes the institution of the prison and its most critical points, such as the insulation of deviant in artificial locus, the overcrowding and the harmful consequences arising from custodial sentences, demonstrating that the principle of human dignity and the rights of prisoners are widely flouted in Brazil. This monograph brings the possibility of abolition of custodial sentence, the fundamentals of the abolitionists theories and the possible advantages and disadvantages of this elimination. It is suggested greater use of alternative sanctions, as well as more assistance for victims, deviants and the community. Finally, the constitutional possibility of creating new non-custodial sentences was checked; the existing legislative projects that are relevant to the topic were analyzed, being observed the urgent need for ordinary legislative reform as well as the increased adoption of non-custodial measures by magistrates.
Keywords: law, criminal procedure, criminal enforcement, law 7,210, prison, prison deleterious effects; custodial sentence; incarceration; abolitionism; alternative sentences.
2. INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil - CRFB/88 -, bem como a Lei de Execução Penal - LEP - e demais diplomas legais nacionais e internacionais, prevêem importantes direitos e garantias fundamentais aos presos, de forma a garantir que estes vivam de forma digna durante a execução penal.
Embora formalmente haja tantas garantias aos presos, materialmente há relatos de que muitas penitenciárias abrigam detentos em condições adversas àquelas previstas na LEP e na CRFB/88, não atendendo aos direitos, garantias e princípios legais e constitucionais.
Um dos maiores paradoxos, portanto, no que tange à Execução Penal no Brasil, é a alta qualidade1 dos dispositivos legais e constitucionais que asseguram direitos mínimos aos presos e as péssimas condições em que vivem os detentos.
Outro paradoxo: o mesmo conjunto legislativo que pune severamente os indivíduos com penas privativas de liberdade em regime fechado prevê direitos básicos que, todavia, não são observados. Ou seja, por um lado há o cumprimento pontual e rigoroso da lei - quando o intuito do dispositivo é a punição - e por outro o seu total desrespeito - quando a finalidade da norma é garantir a dignidade humana.
Diante deste quadro apresentado, importante se faz a análise e reflexão acerca do sistema carcerário, das suas consequências deletérias ao indivíduo condenado e à sociedade, bem como da possibilidade de sua substituição por penas menos prejudiciais.
Para tanto, foram realizadas visitas à Penitenciária Lemos Brito - Salvador/BA -, oportunidade em que se pôde identificar, através de entrevistas e observações, o estado em que vivem os presos, as atividades (não) realizadas, a (falta de) rotina à eles imposta, bem como as "regras de conduta" criadas pela sociedade artificialmente gerada e desenvolvida dentro dos muros do cárcere.
Buscou-se, ainda, conhecer o dia-a-dia dos presos. Foram investigadas questões como: tamanho das celas; quantidade de detentos por unidade celular; características sanitárias; atividades recreativas e esportivas; atividades intelectuais e laborais; regras de conduta criadas pelos presos; índice de reincidência; dentre outros dados.
Este trabalho buscou analisar o instituto do cárcere, não apenas do ponto de vista legalista, observando a (não) aplicação da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), mas, principalmente, de um ponto de vista global, tentando aproximar o Direito da realidade social, pondo em cheque a efetividade da prisão e, principalmente, sua real função e utilidade na sociedade moderna.
As principais indagações ao longo da pesquisa foram se a Lei 7.210 é efetivamente cumprida nos estabelecimentos penais; se os presos têm seus direitos respeitados pela administração carcerária; se eles têm alguma perspectiva de futuro que não seja o retorno à criminalidade; quais são as consequências jurídicas e sociais de unir por meses/ anos pessoas que em comum têm a prática de delito(s); se é a prisão um ambiente de punição e aplicação da decisão judicial ou, em verdade, um ambiente de organização e aperfeiçoamento da criminalidade; se o cárcere traz segurança à sociedade ou apenas torna-a mais vulnerável à criminalidade e subordinada ao Estado e, principalmente, entregue ao crime organizado.
Tais questões foram consideradas, pesquisas, estudadas e analisadas durante toda a elaboração deste trabalho acadêmico e, dentro das possibilidades, cuidadosamente respondidas, uma vez que realizado com base não apenas no plano das ideias, em escritos teóricos, em posicionamentos doutrinários, mas também em dados estatístico, em observações empíricas, em análises fáticas.
3. O PARADIGMA AFLITIVO DO DIREITO PENAL NA ATUALIDADE
3.1. O SURGIMENTO DA PRISÃO E SUA FINALIDADE
Em todas as formas de sociedade as atitudes culturalmente consideradas como criminosas eram repudiadas e punidas. Ao longo da história, as penas foram modificando-se e adaptando-se às condições culturais, sociais, intelectuais, econômicas e políticas de cada conjunto social.
Segundo Antonio Carlos Wolkmer2, as sanções legais mais antigas da história do direito são as sanções rituais de caráter repressivo e restritivo presentes no direito arcaico das sociedades primitivas que puniam o indivíduo que cometeu o dano (castigo), além de trazerem a necessidade de reparação da vítima.
Os primeiros escritos jurídicos, encontrados na Mesopotâmia e no Egito, foram elaborados por volta de 3.000 a.C. Contudo, o código mais antigo - assim considerado até hoje pelos historiadores - foi o Ur-Nammu, fundado na terceira dinastia de Ur3.
O escrito antigo mais conhecido é o Código de Hammurabi - estima-se que foi escrito por volta de 1726 e 1686 a.C (datas estimadas do nascimento e morte de Hammurabi, Rei da Babilônia) que era composto de quase 300 artigos, muitos deles de teor penal.4
O Código de Hammurabi previa o talião que era a legitimação da punição na forma de conduta equivalente àquela praticada pelo criminoso; tratava-se do famoso brocardo "sangue por sangue, olho por olho, dente por dente". Previa diversas formas de punição como mutilação e pena capital. A prisão já existia, embora pouco utilizada e de menor importância, como ensina Morris e Rothman (1997)5.
Durante o período anterior a Cristo, portanto, prevaleciam as vinganças divina, privada, limitada e pública adotadas pelos povos mais primitivos. Essas normas eram transmitidas oralmente entres os povos e sustentadas por seus costumes e tradições. Nesta época da História, o Direito muito se confundia com religião e moral.
Conforme descreve Tatiana Chiaverini6, não há como se esquematizar uma ordem de sucessão entre os tipos de vingança. Entende-se que todas elas existiram entre os principais povos primitivos, cada um desenvolvendo a que mais se enquadrasse nos seus costumes.
A vingança divina sustentava-se nos totens e nos tabus. Os totens significavam a materialização das entidades divinas, enquanto que os tabus significavam vedações. A infração totêmica ou a desobediência ao tabu gerava uma vingança coletiva em que todos da tribo, do grupo social, tinham que participar, evitando assim a ira, a fúria divina.
A vingança privada, inicialmente, se manifestava através das penas de "perda da paz" que se caracterizava pelo banimento do indivíduo do grupo social e a "vingança de sangue" que, por vezes, poderia gerar guerras desordenadas entre grupos.
Posteriormente evoluiu para a justiça privada, em que a vítima ou o chefe da família ofendida por um ato criminoso poderia se rebelar contra o desviante da forma que bem desejasse, sendo, portanto, uma época marcada pela desproporcionalidade.7
Tamanha autonomia dada a cada chefe de família acabava por enfraquecer ou exterminar tribos, se fazendo necessário o surgimento de uma limitação à vingança. Foi aí que surgiu o talião e sua vingança limitada, proporcional ao mal cometido e individual, uma vez que atingia somente o infrator.8
Posteriormente, com o surgimento do Estado como organização social e detentor do poder de punir, essas vinganças foram substituídas pela vingança pública e que garantia a própria manutenção e imposição de poder do Estado.
No que tange à evolução das punições adotadas pelos Estados, a principal pena adotada era a capital, aquela que executava o criminoso, ponto termo à sua vida.9
Como ensina Michel Foucault, diversas formas de aplicação da pena de morte foram adotadas. Há relatos de que desde 4.000 anos a.C. até o século XVIII eram preferidas as execuções lentas, cruéis, torturantes, nas formas de suplícios públicos e humilhantes e inúmeros exemplos podem ser aqui listados, como: desmembramento, esquartejamento, lapidação, afogamento, morte por mil cortes, fogueira, crucificação, decapitação, inanição, serrote, esfolamento, fuzilamento, dentre muitos outros. O objetivo na época era provocar dores insuportáveis, causando mortes lentas e torturantes. 10
Foucault relata que, entre o final do século XVIII e o século XIX, a punição deixou de ser um espetáculo ao público e uma exploração da dor. Foram elaboradas formas rápidas e indolores de execução do indivíduo, como a máquina de enforcamento e a guilhotina. E diz o mesmo autor:
(...) um exército inteiro de técnicos veio substituir o carrasco, anatomista imediato do sofrimento (...) eles lhe garantem que o corpo e a dor não são os objetos últimos de sua ação punitiva11.
Desaparece, destarte, em princípios do século XIX, o grande espetáculo da punição física: o corpo suplicado é escamoteado; exclui-se do castigo a encenação da dor. Penetramos na época da sobriedade punitiva.12
Apenas em meados do séculos XIX o poder sobre o corpo deixou realmente de existir.13 As prisões que, como dito, já existiam há milênios - mesmo que secundariamente -, tornaram-se, nesta época, mais fortes e alcançaram o status de principal pena utilizada. O cárcere impunha castigos como: redução alimentar, trabalhos forçados, expiação física, privação sexual e masmorra.
Diz Michel Foucault que, embora tenham desaparecido as dores físicas, "Permanece, por conseguinte, um fundo 'suplicante' nos modernos mecanismos da justiça criminal - fundo que não está inteiramente sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade do incorporal". (1975, p. 21).
Ensina o mesmo autor que a pena privativa de liberdade já existia 3.000 a 4.000 anos a.C., mesmo que ainda secundária e pouco utilizada naquelas sociedades antigas. Nessas época primitiva, existiam prisões com fins punitivos e outras com fins corretivos. Contudo, a prisão mais utilizada à época era aquela com fim meramente de custódia, onde o sujeito era deixado aguardando julgamento ou sofrendo a aplicação de punições como torturas ou a própria pena de morte.
Não obstante o exposto, surgem as seguintes indagações: (1º) Como e por que a prisão tornou-se a pena mais utilizada de toda a sociedade ocidental moderna? (2º) Como e por que alcançou esses status de "mal necessário", de instituição indispensável à ordem da sociedade civilizada?
Como dito, a prisão existe há milênios, contudo, foi, em verdade, a Igreja Católica, durante a Idade Média, que difundiu a ideia de pena-penitência. que objetivava o remorso e o arrependimento, através do castigo. Utilizava-se das prisões de conventos em que o sujeito era confinado para, mediante a solidão e o sofrimento, redimir-se da culpa e aproximar-se de Deus.14
Na idade moderna, assim entendido o período subsequente à Revolução Industrial, a prisão foi muito utilizada como meio para se disciplinar o operário e inibir a vadiagem. "As disciplinas funcionam cada vez mais como técnicas que fabricam indivíduos úteis"15.
Atualmente, independentemente da justificativa dada à pena, seja ela considerada retributiva, preventiva, garantista etc., a pena privativa de liberdade tornou-se a principal forma de sanção penal da sociedade moderna.
A grosso modo, com a Revolução Francesa e o fim do absolutismo no século XVIII, mais precisamente com a Queda da Bastilha em 14 de julho de 1789, a população clamava por penas menos cruéis, mais proporcionais e toleráveis. Durante o mesmo século, surgia a Revolução Industrial Inglesa trazendo fábricas, máquinas, o conceito de operário e de modernidade. 16
Como defendem Foucault17 e Chiaverini18, a redução e - em algumas nações - a supressão da pena de morte tinha uma razão de ser implícita: a manutenção da massa operária.
Ora, que interesse teria o Estado e a burguesia em aplicar penas de morte, eliminando sua força de trabalho? O que a civilização moderna - silenciosamente - investia à época eram locais em que o sujeito não seria punido até a morte, mas vigiado, disciplinado e, muitas vezes, obrigado a produzir, a trabalhar.
Durante muitos anos o que mais existia nas penitenciárias européias eram homens jovens e fortes que eram lá colocados por todo e qualquer tipo de atitude delituosa e à ele eram impostos trabalhos forçados.
O que se visava à época era a movimentação de máquinas, a produção de riquezas e a imposição do silencioso poder do know-how19, dando forças ao capitalismo ainda fortemente onipresente nos dias atuais.
Pois bem, mais de dois séculos após a revolução industrial, a pena de prisão ainda permanece como a grande aliada do Estado que exerce seu poder de punir pacificamente aceito pela sociedade.
Porquê? Mais uma vez a resposta é curta e simples. Como bem retrata o Michel Foucault, "A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são importantes tanto no domínio econômico quanto no político. (...) Sem delinquência não há polícia"20.
O que Foucault traz com tanta simplicidade é que a sociedade moderna se permite ser fiscalizada, vigiada e punida por puro medo da "delinquência", do crime e do criminoso.
A sociedade não só tolera a presença da polícia, da força armada imposta pelo Estado à tudo e à todos, mas sente necessidade da sua atuação cada vez mais presente e imperativa.
O discurso político e social mais propagado pelo poder estatal mediante os instrumentos midiáticos é o da necessidade de investimento na segurança, no reforço dos estabelecimentos penais, na contratação de mais policiais, na obtenção de mais armamento e na captura e aprisionamento de criminosos.
O que a massa social ingenuamente pensa quando se fala em prisão é na segregação da criminalidade do restante da sociedade, na manutenção da segurança pública e na redução da violência e do crime.
Muitos pensam que, ao privar o traficante de sua liberdade de ir e vir, estaria o Estado pondo termo, por exemplo, ao tráfico. Ocorre que esse raciocínio, muitas vezes ingênuo e falacioso, mesmo assim, é amplamente divulgado e enxertado no íntimo dos cidadãos com o fim de legitimar o sistema carcerário e o poder punitivo do Estado.
Outro argumento utilizado para legitimar o cárcere é que o "criminoso" tem de "pagar pelo o que fez", baseado na teoria absoluta da pena que visa retribuir ao condenado o mal que ele fez à sociedade.
Segundo ensinamentos do Professor Bernardo Montalvão21, a Teoria Absoluta, uma das correntes mais clássicas sobre a finalidade da pena, foi defendida por dois grandes nomes: Kant e Hegel.
Para Kant a responsabilização do indivíduo é consequência da sua autonomia da vontade e do seu livre arbítrio. Trata-se de uma visão meramente contratualista.
Quando defendida por Hegel, esta mesma teoria tem como núcleo duro o Estado. Trata-se de uma visão organicista em que retribuir tem a função de reafirmar a autoridade da norma que foi violada pelo desviante.
Para justificar a aplicação da pena, seja ela qual for e, in casu, da pena privativa de liberdade, foram criadas e propagadas diversas outras teorias justificativas como, por exemplo, a Teoria Utilitária ou Relativa que discursa a intenção de se prevenir futuros delitos.
Esta última é subdividida pela doutrina em geral e individual. A geral é aquela que busca atingir a coletividade, enquanto que a individual tem por foco o indivíduo desviante.22
A geral positiva busca prevenir futuros delitos mediante a orientação do comportamento do restante da sociedade, defendida por Günther Jakobs. A geral negativa, em vez de orientar, ela utiliza-se da intimidação do grupo social mediante uma punição pública e desproporcional do indivíduo desviante, propagada por Mezger.23
A especial positiva traz a noção de ressocialização ou reintegração do preso, e foi trazida no caput do 1º artigo da Lei de Execução Penal de 1984 e pode ser encontrada na doutrina de Cezar Roberto Bitencourt. A especial negativa visa intimidar o criminoso para que não venha a reincidir, encontrada nos escritos de Régis Prado.24
A Teoria Mista engloba o conceito de retribuição e prevenção defendida atualmente pela maioria da Doutrina Brasileira.25
Há também a Teoria Garantista, trazida pelo italiano Luigi Ferrajoli26 que diz ser a pena uma garantia dos direitos do preso, da aplicação da pena pelo Estado de forma proporcional, razoável e de acordo com os parâmetros definidos em lei. Evitando assim a barbárie e a vingança privada.
Em suma: diversas teorias foram criadas, defendidas com fervor e propagadas com a finalidade de justificar a existência e a aplicação das penas27. Por mais divergentes e conflitantes que aparentem ser, todas se enquadram na mesma tentativa de se legitimar as penalidades impostas pelo Estado-juiz aos cidadãos e, dentre elas, a principal, a rainha: a pena de prisão.
Mas o que é a pena de prisão? Como ela funciona em termos práticos?
3.2. A INEFICÁCIA DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NA PREVENÇÃO ESPECIAL NEGATIVA E A ESCALADA CRIMINOSA DO DESVIANTE PRESO
Relembrando que a Prevenção especial negativa considera que a finalidade da pena é intimidar o indivíduo desviante para que este não volte a reincidir.
Citando um de seus principais defensores brasileiros, Luiz Régis Prado: "A prevenção especial, a seu turno, consiste na atuação sobre a pessoa do delinquente, para evitar que volte a delinquir no futuro" (2005, p. 561).
Ainda de acordo com os ensinamentos do mesmo autor, essa ramificação da teoria relativa do fim da pena busca a redução ou eliminação da periculosidade do condenado. "Sua ideia essencial é de que a pena justa é a pena necessária" (RÉGIS, 2005, p. 561).
A indagação aqui é: a pena privativa de liberdade - mais especificamente aquela executada em regime fechado - atinge o fim da prevenção especial negativa? Há efetivamente uma redução da criminalidade?
A pretensão do Estado é alimentar na sociedade o sentimento de que lugar de marginal é apodrecendo na cadeia28. Quer-se, cada vez mais, reafirmar a necessidade de se permitir ao Estado - aqui representado pela polícia armada - a imposição de poder e força com o discurso da proteção social.
O próprio Estado faz ecoar o grito da necessidade de mais investimento em segurança pública, em efetivo, em armamento, em meios e instrumentos de opressão da delinquência. Busca iludir seu povo com um discurso persuasivo que apenas o garante mais poder e força. Implanta sutilmente na mente da população a necessidade da polícia e da prisão para que se possa viver em paz e segurança.
Foucault, desmascarando a infantil estória por séculos desmedidamente propagada em todo o mundo, relata:
O fracasso (da prisão) foi imediato e registrado quase ao mesmo tempo que o próprio projeto. Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-los ainda mais na criminalidade. Foi então que houve, como sempre nos mecanismos de poder, uma utilização estratégica daquilo que era um inconveniente. A prisão fabrica delinquentes, mas os delinquentes são úteis tanto no domínio econômico como no político.29
A insegurança passada pelos criminosos à sociedade é de fundamental utilidade ao Estado que alimenta seu poder ao garantir aos brados a segurança à sociedade e a punição aos criminosos.
O autor quer dizer que a existência do sistema carcerário tem a função de manter os desviantes na criminalidade, garantir sua reincidência, além de criar novos criminosos e, com isso, manter a necessidade da segurança pública.
O Estado se utiliza da fragilidade da sociedade em face da criminalidade para legitimar seu poder de vigiar e de punir. A sociedade, ludibriada com projetos e discursos, aceita a opressão estatal, mesmo que inútil ao fim que falaciosamente se destina: a segurança pública.
A respeito da falência do sistema penal e sua falta de legitimidade em toda a América Latina, diz Zaffaroni:
Ninguém compra um apartamento impressionado com uma bela maquete apresentada por uma empresa notoriamente insolvente; no entanto, compramos a suposta segurança que o sistema penal nos vende, que é a empresa de mais notória insolvência estrutural de nossa civilização.30
De forma quase imperceptível, Percival de Souza, especialista em segurança pública e criminalidade há quase 50 anos, concorda com os autores supra citados, uma vez que reconhece no Estado a necessidade constante de forjar um controle que não tem, investido no discurso de que a prisão aniquilará ou, ao menos, abafará todos os problemas que envolvem a criminalidade.
Manter as aparências, fazer de conta que está tudo bem, não permitir que situações desagradáveis possam empanar o brilho de uma administração envolta em celofane cor-de-rosa, mantendo a antiga tradição do sistema penitenciário - que no fundo é um enorme cano de esgoto social, invisível porque corre sob a terra, despejando nos presídios os indesejáveis que desfilarão numa imaginária passarela dos mais variados tipos de comportamento humano.31
O que o Estado busca é o acúmulo e o exercício de poder. Poder é controle. Quanto mais insegura a sociedade, mais ela se submeterá ao poder estatal que se torna cada vez mais opressor e intervencionista, controlando os subordinados à sua soberania.
Ocorre que, por mais poderoso que o Estado seja, seu poder jamais superará o poder exercido por organizações criminosas. Estas, além de poderes bélico e econômico infinitamente superiores aos estatais, têm um fator determinante para superar o Estado: a falta de escrúpulos e a desobediência à lei.
O Estado não tem controle sobre o que acontece dentro e fora da prisão uma vez que o crime atualmente - o que difere, inclusive, da época descrita por Foucault - é sistematicamente organizado, assumindo o comando dentro e fora do cárcere.
O exemplo mais famoso de organização criminosa é o PCC32 que, segundo Percival de Souza, teve seu surgimento através de influências do Comando Vermelho33 e do Serpentes Negras34. Segundo William da Silva Lima - um dos principais nomes do Comando Vermelho -, o CV tratava-se não de uma organização criminosa propriamente dita, mas sim de "um comportamento, uma forma de sobreviver à adversidade"35.
Citando Percival de Souza:
Pois foi exatamente nesse espaço da quebra dos movimentos e dos contatos que nasceu o crime em forma oficial de empresa, com voz própria de comando, chamada de torre nos códigos, com ordens regularmente emitidas (os salves) chegando às faculdades (incorporando ironicamente o conceito, fora das muralhas, que chama os presídios de escolas do crime).36
A lei 11.466/2007 trouxe a proibição ao uso de telefones celulares dentro dos estabelecimentos penais alterando a LEP (art. 50, VII) e o Código Penal (art. 319-A). Além disso, a lei 10.792/2003 já previa a necessidade de equipamentos bloqueadores de telecomunicação para telefones celulares (art. 4º).
Mesmo com todas as proibições legais, os grupos criminosos atuam, principalmente, por meio do uso de telefones celulares que adentram aos estabelecimentos mediante, principalmente, as visitas que não são devidamente inspecionadas.
Muitas penitenciárias não contam com aparelhos detectores de metais e de radiografia, não sendo realizada a revista íntima de forma apta à detectar a entrada de drogas e aparelhos eletrônicos, uma vez que tal prática têm gerado inúmeros casos de indenização e, consequentemente, prejuízo ao Estado.
Em seu livro, Percival relata uma sessão reservada em Brasília a respeito do conteúdo e estrutura do PCC que teve depoimentos do diretor do DEIC37 e de um delegado. Era uma CPI sobre tráfico de armas na Câmara dos Deputados - que conseguiu, infortunadamente, ser gravada e acessada pelo PCC. Nas palavras do Diretor do DEIC:
Estamos, desde 2001, combatendo o que é mais conhecido como PCC. Na realidade, a arma que mais preocupa a polícia não é letal e se chama celular. (...) Enquanto existir essa facilidade de o celular entrar na cadeia, eles vão se comunicar, conversar e dar ordens.38
O Estado - com seu extremado poder - leva ao cárcere todo e qualquer tipo de condenado submetido à pena privativa de liberdade. Em um mesmo estabelecimento convivem todos os tipos de criminosos: dos iniciantes e inexperientes até os grandes chefes de facções criminosas; do ladrão de carro ao de banco; do estelionatário ao estuprador; do traficante ao homicida.
Abandonado pelo Estado em uma prisão, o condenado se submete às determinações da organização criminosa que comanda a penitenciária mediante o frente39 que atua sempre patrocinado por alguma facção que impõe poder de fora para dentro do presídio.
Em completo estado de abandono social, aquele que adentra à prisão só tem um caminho à seguir: se adequar ao meio - ao estabelecimento penal - para garantir a sua sobrevivência e retorno à sociedade.
Nesse enquadramento, o preso passa a seguir regras, estabelecer relações com outros presos e, principalmente, a incorporar comportamentos e atitudes característicos do grupo dominante.
Como será melhor explicado no próximo capítulo40, todo grupo social desenvolve regras e comportamentos próprios e o preso, na ânsia de alcançar o sentimento de belonging41 e a sua sobrevivência ao cárcere, se adéqua paulatina e inevitavelmente à criminalidade.
A consequência indireta disso é a reincidência. São muitos os fatores que contribuem para esse fato: (a) o Estado o abandona; (b) seus direitos mínimos são desrespeitados pela administração penitenciária; (c) o crime organizado comanda a sociedade (internum carcerem42); (d) a sociedade (extra carcerem43) o repudia e lhe nega oportunidades (de emprego, por exemplo) ao retornar à liberdade; (f) ele precisa se adequar ao meio em que se encontra (o cárcere) para garantir a sua sobrevivência e retorno à liberdade.
Retornando à liberdade - uma vez que estamos falando de pena privativa de liberdade não perpétua e, portanto, temporária - o indivíduo torna-se alvo de preconceitos e do desprezo social generalizado.
O tempo que passou recluso, geralmente, é suficiente para que perca seus contatos de trabalho. Nas palavras de um dos agentes penitenciários entrevistados na PLB: "Um pintor, por exemplo, acaba perdendo seus clientes que, por não terem mais acesso aos seus serviços, contratam outros pintores. Quando ele retorna à liberdade, já perdeu toda sua clientela e sua credibilidade".
Como se não bastasse o problema da perda dos contatos profissionais com a sociedade externa, o preso torna-se parte do meio em que estava inserido. Diz o mesmo agente: "Aqui dentro ele acaba fazendo novos contatos com os demais presos. Então a reincidência é sempre certa. De 10 que saem, 10 voltam a cometer crimes porque é isso que eles aprendem aqui dentro".
O preso, sem opções de escolha, passa a tornar-se parte da deliquência generalizada e, portanto, ao retornar à sociedade, acaba por reincidir e, muitas vezes, de forma mais grave e incisiva do que antes de ter sido condenado e aprisionado.
Reproduzindo a fala de Aury Lopes Jr. esses “animais44, um dia, saem do presídio, da cadeia e irão morder nossas filhas, mulheres, mães, familiares e amigos”45. Se o Estado e a sociedade continuar tratando os presos como bichos, como animais irracionais, eles se rebelarão e mostrarão que raciocinam sim, e de forma muito mais meticulosa e perspicaz que se possa imaginar.
A pena de prisão, na forma que é aplicada, - não só hoje, mas desde sempre - não consegue atingir o falacioso fim previsto no art. 1º da LEP da integração social do indivíduo e, menos ainda, a prevenção especial negativa do indivíduo, intimidando-o e impedindo a sua reincidência.
A prisão, ao contrário, apenas o afasta da sociedade propriamente dita e o aproxima do poderoso grupo social criado pelo crime organizado. Por isso, é necessário que se pense de forma racional: a prisão não funciona, está falida. Ela não traz segurança à sociedade e não corrige o indivíduo desviante. É preciso, portanto, que se busque outro meio de combate à criminalidade.
3.3. O DESCUMPRIMENTO DA LEP E O DESRESPEITO AO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA PELAS AUTORIDADES
Atualmente, seria inimaginável uma Constituição que não previsse o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em toda sua grandeza e amplitude, dando margem aos diversos direitos fundamentais nela previstos, bem como nos demais diplomas legais.
Como o próprio nome já diz, tal princípio, por mais redundante que a expressão pareça, ainda não é aplicado de forma isonômica à todas as pessoas humanas.
Onde houver "pessoa humana", leia-se "todo e qualquer indivíduo". Partindo desse pressuposto de igualdade absoluta, pessoas saudáveis, enfermas, sãs, deficientes mentais e físicas, estrangeiras, nacionais, escolarizadas, analfabetas, cidadãs, campesinas, reclusas, libertas, ricas e pobres têm exatamente o mesmo direito de viver de forma digna, salvo as limitações e vedações constitucionais.
As disposições da Magna Carta não são apenas critérios meramente interpretativos. Como afirma o Min. Celso de Mello que diz ainda em um de seus votos: "A Constituição não pode submeter-se à vontade dos poderes constituídos e nem ao império dos fatos e das circunstâncias"46.
Por isso que os princípios constitucionais são verdadeiras leis constitucionais, conforme preconiza Flávia Piovesan quando diz que geram "direito subjetivo ao cidadão, possibilitando-lhe exigir judicialmente a produção daqueles efeitos"47.
Ingo Wolfgang Sarlet (2011, p. 91/92) entende que o texto constitucional que dispõe a respeito da dignidade da pessoa humana contém normas que definem direitos, garantias e deveres constitucionais na medida em que representam não apenas princípios, valores e regras fundamentais, mas também posições jurídico-subjetivas48.
Os direitos fundamentais previstos na Magna Carta atendem primordialmente ao princípio da dignidade humana podendo se valer das garantias constitucionais previstas no art. 5º da CRFB/88 que são: Mandado de Segurança (5º, LXIX, LXX), Habeas Corpus (5º, LXVIII), Habeas Data (5º LXXII), Mandado de Injunção (5º, LXXI) e Ação Popular (5º, LXXIII).
Os instrumentos processuais acima citados são conhecidos como Remédios Constitucionais porque, embora cada um possua a sua destinação específica, são utilizados para salvaguardar os direitos fundamentais previstos na Constituição da República.
Com isso, se um indivíduo foi condenado a cumprir pena restritiva de liberdade em regime fechado, o direito restringido será o de ir e vir. Seus demais direitos fundamentais e sociais como, por exemplo: à vida, igualdade e segurança (5º, caput); livre exercício de cultos religiosos (5º, VI); expressão da atividade intelectual (5º, IX), intimidade e vida privada (5º, X); à educação, saúde, alimentação, trabalho, lazer e segurança (6º, caput) deverão ser devidamente preservados e assegurados pelo Estado.
Caso o Estado desrespeite qualquer direito previsto na CRFB/88, na LEP ou qualquer outro diploma legal que não tenha sido atingido direta ou indiretamente pela condenação penal, o preso poderá, mediante os meios processuais adequados (remédio constitucional ou ação ordinária), exigir judicialmente a observância ao direito que restou prejudicado.
Infortunadamente, muitos condenados não têm conhecimento dos seus direitos básicos previstos na legislação; não têm condições financeiras de contratar um advogado para que elabore a petição e acompanhe o processo; ou não têm seus pleitos considerados pela Defensoria Pública. Além de todos esses fatores, um processo judicial de tal aspecto não seria facilmente solucionado.
Se, por exemplo, um preso indignar-se com as condições sanitárias da penitenciária onde cumpre pena, o que ele deverá pleitear na justiça? Melhoria geral do aspecto sanitário da penitenciária? Cumprimento de pena em outro estabelecimento penal devidamente adequado? Indenização por danos morais?
Quanto ao pedido de Indenização por danos morais, diz o Ministro Herman Benjamin no REsp 962.934-MS, julgado em 13/4/2010 (Informativo nº 0430 Período: 12 a 16 de abril de 2010.):
Segunda Turma
DANO MORAL. PRESIDIÁRIO.
O estado-membro foi condenado a indenizar presidiário por danos morais, devido às condições do estabelecimento prisional (insalubridade e superlotação). Ressalta o Min. Relator que, no caso dos autos, não se está a averiguar se o dano moral é devido; se assim fosse, incidiria a Súm. n. 7-STJ. Explica que as teses que prevaleceram naquela decisão são equivocadas: deve haver indenização com função pedagógica para melhoria do sistema carcerário e há necessidade de apaziguar o sofrimento do recorrido de modo pecuniário. A questão não é de incidir a cláusula da reserva do possível, nem de assegurar o mínimo existencial, mas de ser urgente aprimorar as condições do sistema prisional, o que deverá ser feito com melhor planejamento e estruturação física e não mediante o pagamento pecuniário aos apenados. Assevera, ainda, que, a despeito das condições precárias do sistema prisional nacional, em nada contribuiria para sua melhoria indenizar cada detento que sentir desconforto na prisão, pois a verba orçamentária despendida seria despida de finalidade do interesse público. Por outro lado, ao permitir tal entendimento, estar-se-ia admitindo o Estado como segurador universal, ou seja, sempre que algum serviço público essencial fosse falho, caberia indenização, em vez de buscar soluções de melhoria do sistema como um todo. Também haveria um choque de entendimento se, de um lado, o Estado fosse obrigado a pagar ao delinquente quantia mensal pelo fato de suas condições de carceragem não serem as melhores e, por outro, o Estado não pagar ao cidadão que, sem ter praticado qualquer delito, é privado de um ente querido pelo fato de ele ter sido executado por um fugitivo ou ter sua integridade física e moral violada por um ex-detento. Em todas essas situações, também há falha do serviço estatal. Diante do exposto, a Turma deu provimento ao recurso do estado-membro e, quanto aos honorários da defensoria pública, aplicou a Súm. n. 421 do STJ. REsp 962.934-MS.49
O voto do Min. Herman Benjamin em desfavor da pleiteada indenização por danos morais in casu que teve como fundamento o desrespeito de diversos direitos fundamentais previstos na Carta Magna, de direitos básicos previstos na LEP e nas Regras Mínimas da ONU50 por parte do Estado - aqui representado pela Administração Penitenciária -, é permitir que o Estado saia ileso de toda a situação ilegal apresentada, fortaleça seu poder opressor, a prática de ilegalidades, o abuso de autoridade e o descaso com a dignidade humana, bem como o legitime a agir de forma ilegal, ilimitada, desproporcional e desarrazoada.
No que tange aos direitos dos presos, estes deverão ser preservados, devendo sofrer restrições apenas os direitos atingidos por lei ou sentença. Essa é a interpretação reversa que se extrai do art. 3º da LEP. Contudo, como prática constante no país, nem tudo que é previsto em lei é aplicado na prática pela autoridades.
Em 1983, nas palavras do Ministro da Justiça, à época, Ibrahim Abi-Ackel, "o princípio da legalidade domina o corpo e o espírito do Projeto, de forma a impedir que o excesso ou o desvio da execução comprometam a dignidade e a humanidade do Direito Penal." (1983, Exposição de motivos nº 213).
A preocupação do então Ministro era bastante pertinente para compor o projeto da referida lei, uma vez que havia muitos relatos de destrato de detentos em todo o país.
No registro online de artigos jornalísticos "Acervo Folha51", há digitalizadas 740 (setecentos e quarenta) notícias a respeito de maus trados aos presos entre os anos de 1946 e 1984.
Pertinente ressaltar que esses dados decorrem apenas do que foi publicado nos periódicos da Folha de São Paulo durante o período supra mencionado, não englobando todos os veículos de informação do país, menos ainda todos os casos de maus-tratos não registrados.
A maior preocupação daqueles que planejaram a LEP - pelo menos, em tese - era prever o cumprimento de pena com dignidade e humanidade de forma a reduzir o alto índice de maus-tratos apontado, justificando assim a criação da LEP.
Segundo Alexandre de Morais,
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar (...).52
Qualquer tratamento que utilize maus tratos, tortura física ou psíquica, ofensa física ou moral, ou outras métodos degradantes, fere a dignidade da pessoa humana, indo de encontro ao pretendido pela LEP - segundo o seu projeto e sua disposição normativa - e pela CRFB/88.
Em que pese a preocupação e boa intenção do legislador com o tratamento dado aos detentos, entre os anos de 1985 e 201353 foram registradas mais 1.060 (mil e sessenta) reportagens sobre maus-tratos na Folha de São Paulo, digitalizadas no mesmo endereço eletrônico infra citado do Acervo Folha.
O número crescente mostra que a LEP vem sendo - parcial ou totalmente - desrespeitada em penitenciárias de todo o país, afrontando diversos direitos dos presos e, consequentemente, o princípio da dignidade humana.
Nesse diapasão, os presos, de um modo geral, são submetidos a situações em que alguns dos seus direitos mais básicos são desrespeitados e o cumprimento da pena vai além da mera privação da liberdade.
Como se não bastasse, portanto, o domínio do cárcere por grupos e facções criminosas e a prevalência do crime organizado, há o total descaso dos Poderes Executivo e Judicial em garantir os direitos mínimos dos presos durante a execução da pena privativa de liberdade, tornando a prisão um verdadeiro martírio, tornando-a, também, alimento para a indignação e revolta do preso, bem como uma escola de criminalidade.
4. OS EFEITOS CRIMINÓGENOS DO CÁRCERE
4.1. O LOCUS ARTIFICIAL DAS PENITENCIÁRIAS
Atualmente a pena privativa de liberdade está disciplinada e deve ser executada de acordo com Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984) e, subsidiariamente, devem ser aplicados os dispositivos do Código de Processo Penal.
A referida lei - sem querer aqui fazer uma abordagem analítico-explicativa do texto legal - traz os direitos e garantias do preso, deveres e disciplina, sanções e recompensas, dispõe acerca do estabelecimento penal (tamanho e higiene das celas, por exemplo), trata das atividades à serem realizadas, das assistências que deverão ser prestadas (material, à saúde, jurídica, educacional, social, religiosa e ao egresso), além de trazer disposições próprias de direito material e outros dispositivos.
Ocorre que, em pesquisa de campo realizada na Penitenciária Lemos Brito (penitenciária masculina localizada às margens da cidade de Salvador/BA), durante o segundo semestre do ano de 2013, restou evidenciado que a LEP é quase que inteiramente descumprida pela administração do estabelecimento. Foram identificadas diversas inadequações, tais como as que se seguem.
A LEP dispõe acerca dos estabelecimentos penais orientando a Administração sobre organização dos presos dentro de cada estabelecimento. Em colônias agrícola, industrial ou similar - onde são executadas as penas privativas de liberdade em regime semi-aberto -, por exemplo, são permitidos os alojamentos coletivos.
No que tange ao regime fechado, a Lei 7.210/84 trouxe de forma clara a seguinte ordem:
Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6 m2 (seis metros quadrados).
Embora tenha o legislador sido plenamente incisivo, determinando a cela individual quando em regime fechado, a PLB apresenta celas que comportam mais de uma dúzia de presos.
A alimentação fornecida aos presos tinha odor de estragada. Não há uma orientação nutricional adequada, muito menos uma fiscalização sanitária eficiente no que tange à confecção e distribuição do alimento. Além disso, em total contrariedade com os hábitos da sociedade, o jantar é servido as 16h.
No bloco 4 - que abrigava cerca de 400 presos -, havia apenas uma turma para realização de aulas de ensino básico e que era freqüentada por uma média de 05 dos 35 alunos matriculados.
Foi relatado pelo agente penitenciário54 que o professor fica sozinho na sala de aula com os alunos. Em virtude disso, não tem autonomia suficiente para impor qualquer tipo de ordem. A maioria dos alunos apenas dão sua presença para que conste na caderneta e depois se retiram da sala.
Ao ser indagado sobre o motivo de não ter um agente acompanhando a aula, dando sensação de maior segurança ao professor, realizando as chamadas e fazendo anotações sobre o comportamento dos presos, o agente disse não ser possível pela falta de efetivo55.
Foi dito pelos agentes, além de constatado visualmente durante a pesquisa, que muitos dos presos fumam maconha durante o banho de sol. O agente entrevistado disse que o controle é feito na entrada das visitas, uma vez que são elas que levam as drogas para dentro do estabelecimento. E que, uma vez dentro das celas, é praticamente impossível, apreendê-las, novamente pela falta de estrutura carcerária, pela falta de efetivo, de equipamentos adequados, etc.
Disse que, além das drogas, entram aparelhos celulares que permitem acesso do preso com o mundo externo. Relatou que os métodos permitidos para realização das revistas íntimas das visitas são insuficientes para detectar a entrada dos objetos ilícitos.
Foi observado que há um equipamento de detecção de metais no estabelecimento, mas que nunca foi instalado e hoje encontra-se inutilizado, enferrujado e obsoleto.
O agente sugeriu que houvesse em cada bloco aparelhos de detecção de metais e de radiografia para que pudessem ser detectados quaisquer tipos de objetos ilícitos dentro dos corpos das visitas antes que estas pudessem ter contato com os presos. Sugeriu ainda mais efetivo.
As (poucas) atividades recreativas realizadas no presídio (como aulas de futebol, por exemplo) são financiadas pelos próprios presos e são objeto de comércio (só participam aqueles que têm poder ou dinheiro).
Como é natural em toda e qualquer sociedade - seja ela real ou artificial - houve a criação de um comércio próprio. A participação em jogos de futebol, por exemplo, tornou-se objeto de comércio dentro do locus artificial da penitenciária em que há várias formas de pagamento como, por exemplo, drogas e "favores" extra carcerem56.
As instalações da PLB, de um modo geral (celas, espaço para banho de sol, local para distribuição da refeição, sala para atendimento médico/ odontológico de emergência, sala para atendimento jurídico), eram inadequadas e insalubres.
Os direitos mínimos previstos na LEP são objeto de puro deboche entre os agentes penitenciários que já se encontram desacreditados desse sistema chamado por eles de falido.
Nas palavras de um dos servidores da penitenciária: "eles (presos) são o lixo do Estado". Em verdade, os presidiários são tratados - não só pelo Estado, mas também pela sociedade que já enraizou o repúdio propagado pelo poder Estatal contra os desviantes - como animais; como os dejetos da sociedade que são jogados entre quatro paredes para que lá apodreçam e não mais perturbem a paz social.
Não poderia haver uma visão mais ingênua da estrutura social do que a repetida paz social. Desde a história primitiva há conflito entre os povos e dentro de todo e qualquer grupo social. Nunca houve em toda a história da humanidade relatos de qualquer sociedade que nunca tenha tido conflitos em seu bojo.
Nas palavras do professor Davi Goldman57, "O conflito é uma condição natural da trajetória humana". Em seus ensinamentos sobre "Teoria do Conflito" cita Aristóteles que dizia: "O homem é um animal político" (A Política). Cita ainda Jean-Paul Sartre que complementando a sabedoria de Aristóteles disse: "O homem é um animal político que detesta os seus semelhantes".
O maior desafio da humanidade é a convivência não somente entre os povos ao redor do globo, mas ainda mais no bojo de cada comunidade, de cada grupo social.
O que sempre houve - não se trata de uma particularidade do período contemporâneo - foi a intolerância aos conflitos que sempre foram denominados pejorativamente de crimes, delitos, infrações, contravenções, etc.
O sentimento de vingança58 sempre esteve presente no combate aos crimes desde a pré história até a atualidade, tempo em que ainda são aplicadas as penas sem aceitáveis justificativas como, por exemplo, as privativas de liberdade.
O cárcere nada mais é do que a intolerância aos conflitos e a aplicação do sentimento mais primitivo de vingança enraizado nas leis, uma vez que não tem fundamento lógico, não tem finalidade prática e, muito menos, benefícios à coletividade.
Como dito, um dos maiores desafios da humanidade é a convivência e isso não é diferente dentro de estabelecimento penal. Qualquer penitenciária alberga centenas, milhares de presos em reduzido espaço físico. Eles convivem uns com os outros todos os dias da semana por longos meses, anos e até décadas.
Trata-se de uma sociedade artificial que é criada para afastar temporariamente da sociedade "real" pessoas que infringiram a lei; que cometeram delitos penais; que criaram algum tipo de conflito com o Estado ou com terceiros.
Além dos próprios condenados, a prisão comporta agentes penitenciários e demais funcionários da administração carcerária que são encarregados de zelar pela adequada execução da pena imposta pela sentença criminal condenatória e que - quer queiram, quer não - também compõem o locus artificial do cárcere.
Como toda e qualquer sociedade, cada bloco (desmembramento da penitenciária) tem o seu frente59. O frente é patrocinado por algum grupo criminoso de fora do presídio e, teoricamente, escolhido/ eleito pelos próprios presos. Desde que assume o comando do bloco, o frente é respeitado por todos e determina as regras locais.
Os detentos têm costumes próprios, como uma espécie de código de conduta. Na PLB, por exemplo, foram identificados alguns costumes, além de relatados pelos agentes penitenciários, como os que seguem abaixo.
Nos dias de visita dia de visita, nenhum preso pode ficar sem camisa, todos devem estar vestidos como um sinal de respeito aos familiares e demais visitantes.
O detendo "A" não pode olhar para a mulher do detento "B" e vice-versa. O preso tem que abaixar a cabeça sempre que a mulher de outro preso estiver passando.
O primeiro a sair da cela para tomar o banho de sol é sempre o frente. Após a sua saída, ele determina a abertura das demais celas. Ao término do banho de sol, antes de retornarem às celas, todos devem cumprimentar o frente.Tal prática serve para reafirmar diariamente a autoridade que o frente exerce no bloco.
Se um detento descumprir alguma "regra" ou "norma" criada por eles, ele terá de ficar durante 3 dias dentro da cela, ou seja, sem sair para tomar o banho de sol.
Caso o preso descumpra alguma regra e não permaneça na cela pelos 3 dias determinados, ele será punido de outras formas, como por exemplo, o espancamento.
Segundo o agente entrevistado, trata-se de um tipo de "punição/ castigo" criado por eles próprios, nada tendo a ver com a administração carcerária.
A criação de regras de conduta é natural em qualquer sociedade, inclusive na prisão que não passa de uma sociedade artificial. O ser humano sente necessidade de organizar-se e de exercer uma espécie de administração da vida em coletividade.
Em Vigiar e Punir, Foucault, diz que "a prisão torna possível, ou melhor, favorece a organização de um meio de delinquentes, solidários entre si, hierarquizados, prontos para todas as cumplicidades futuras".60 Dando embasamento ao seu pensamento, cita Moreau-Christophe (1839) que ensina "(...) onde houver uma prisão, há uma associação... outros tantos clubes anti-sociais"61
Como uma sociedade organizada, a prisão comporta líderes, normas, sanções, carrascos, vítimas, professores, aprendizes, comércio e todas as demais ramificações de qualquer aglomeração social.
A prisão tornou-se forte, sistematizada e, até mesmo, acadêmica. Desenvolveu o know-how do tráfico, do crime organizado, recrutando e capacitando os indivíduos que lá entravam como uma grande empresa do crime.
4.2. A SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA
A exposição de motivos à Lei de Execução Penal (Exposição de Motivos nº 213) redigida em 09 de maio de 1983 pelo então Ministro do Estado da Justiça, Ibrahim Abi-Ac, e encaminhada ao Congresso Nacional pelo Presidente do Brasil, João Figueiredo, em 29 de junho de 1983, já retratava a problemática da superlotação carcerária e suas trágicas consequências.
Na Exposição 213 consta que na CPI do Sistema Penitenciário, publicada no Diário do Congresso Nacional em 04 de junho de 1976, havia sido identificado o problema do "estupro" entre pessoas do mesmo sexo dentro das penitenciárias como consequência direta da superlotação.
Tal prática era chamada à época de "assalto sexual", uma vez que na década de 1970 o estupro era assim considerado apenas quando praticado pelo homem contra a mulher e jamais entre pessoas de mesmo sexo.
Foi dito na CPI que:
Seu aspecto mais grave está no assalto sexual, vitimador dos presos vencidos pela força de um ou mais agressores em celas superpovoadas. Trata-se de conseqüência inelutável da superlotação carcerária, já que o problema praticamente desaparece nos estabelecimentos da semi-liberdade, em que se faculta aos presos saídas periódicas. Sua existência torna imperiosa a adoção de cela individual.62
Não obstante a problemática do assalto sexual, houve menção também aos requisitos legais mínimos de aeração, insolação, condicionamento térmico adequado, salubridade e área mínima que, quando inexistentes ou insuficientes, tornam o encarceramento uma verdadeira pena cruel, torturante.
(...) prisioneiros de alta periculosidade convivem em celas superlotadas com criminosos ocasionais, de escassa ou nenhuma periculosidade, e pacientes de imposição penal prévia (...). Nestes ambientes de estufa, a ociosidade é a regra; a intimidade, inevitável e profunda. A deterioração do caráter, resultante da influência corruptora da subcultura criminal, o hábito da ociosidade, a alienação mental, a perda paulatina da aptidão para o trabalho, o comprometimento da saúde são conseqüências desse tipo de confinamento promíscuo, já definido alhures como 'sementeiras de reincidências', dados os seus efeitos criminógenos.63
Embora tenha sido reconhecido e registrado na CPI que a prisão não passa de uma sementeira de reincidência - em exata concordância com Foucault -, além de todos os demais males citados, a LEP trouxe em seu art. 1º que a finalidade da pena é a integração social do condenado.
Ora, dar à sementeira de reincidência a função de integração social, a grosso modo, é o mesmo que semear em cascalho esperando colher pêssegos. Seria esse paradoxo criado pelo legislador uma visão ingênua ou maliciosa do sistema penal brasileiro?
Manifestar-se no sentido de que a sementeira de reincidência poderia algum dia cumprir a função de integração social parece mais um discurso falacioso atrás do qual se camufla o poder-controle estatal.
Por isso fala-se tanto em prevenção especial positiva, ressocialização, integração social, políticas públicas para presos, dentre outras expressões que ouve-se em discursos, lê-se em leis, livros e programas políticos, mas nunca se concretizam na prática.
O art. 1º da LEP diz que "a execução penal tem por objetivo (...) proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado". Não se trata de uma visão ingênua da execução penal, mas sim de uma intenção maliciosa de acobertar as verdadeiras intenções do Estado.
Ora, mesmo reconhecido pela CPI os efeitos deletérios do sistema penitenciário, não foi cogitada a possibilidade de sua abolição ou, ao menos, a redução de sua utilização; a contrario sensu continuou-se propagando sua necessidade e fomentando o discurso falacioso da ressocialização e da integração social do indivíduo.
A "solução" dada pela CPI para a melhora do sistema carcerário e adotada pela LEP foi a cela individual de acordo com os requisitos mínimos elencados no artigo 88 da LEP, que são "salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana; área mínima de 6 m² (seis metros quadrados)".
Certamente que celas individuais dariam mais conforto ao preso, mas não deslegitimariam a faculdade do crime que não propaga seus ensinamentos apenas dentro de celas apertadas, mas, principalmente, nas famosas arenas onde os presos, a princípio, tomam o banho de sol, previsto no art. 52, IV da lei supra citada.
Isso não significa dizer que a LEP não tenha o seu valor. Seus dispositivos, se fossem fielmente aplicados na prática, funcionariam como um tratamento paliativo, ou seja, garantiriam ao preso o máximo de qualidade de vida possível enquanto estivesse cumprindo a pena privativa de liberdade.
Ocorre que tratamentos paliativos devem ser apenas temporariamente aplicados somente enquanto não se conhecer um tratamento curativo eficaz, tendo em vista a sua ineficácia à longo prazo.
Ora, garantir cela individual, requisitos mínimos de salubridade, banho de sol, atividades recreativas e educacionais, etc., era o mínimo que a LEP poderia fazer pelos condenados, tendo em vista que são seres humanos e merecem ser tratados com respeito e dignidade, como determina a própria Magna Carta.
Como todo tratamento paliativo, a pena de prisão não cura; não dá ao desviante a solução para a falta de oportunidades para modificar sua conduta; não dá à sociedade uma solução à criminalidade; não reduz a violência.
Por mais bem estruturada que fosse a prisão e por mais que a Administração seguisse rigorosamente todos os dispositivos legais pertinentes - o que não ocorre na prática -, o cárcere não seria menos nocivo.
Nas palavras de Foucault: "As prisões não diminuem a taxa de criminalidade: pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou pior, aumenta. (...) A detenção provoca reincidência."64
Atualmente, de acordo com pesquisa oficial publicada pelo Ministério da Justiça com dados de dezembro de 201265, constatou-se que há no Brasil 548.003 presos.
De acordo com o mesmo sítio eletrônico disponível na rede mundial de internet, dados coletados em junho de 2002 apontam que havia 239.345 presos no país. Em 10 anos houve um aumento de 308.658 presos; em outras palavras, em apenas 10 anos o número de presos aumentou em mais de 100%.
A LEP, em vigor desde a década de 1980, em quase nenhum estabelecimento penal do país, conseguiu ser obedecida no que concerne à cela individual.
Na virada do atual milênio, os estabelecimento penais já estavam irregulares - ou melhor: ilegais -, apresentando superlotação. Além disso, durante os anos seguintes, a população carcerária se multiplicou de forma espantosa. Como não haver uma grave superlotação se em apenas uma década o número de presos dobrou?
Como que profetizando, ou simplesmente desenvolvendo uma análise-crítica a partir de exemplos históricos, Foucault tinha absoluta razão ao dizer que a detenção provoca reincidência. Basta citar dados estatísticos para que reste evidenciado que a prisão não reduz a criminalidade; mas sim a alimenta, a reproduz, a fortalece.
Não seria inteligente que o Estado brasileiro, com tanto déficit em saúde e educação, investisse maciçamente na construção e reforma de estabelecimentos penais. E, por isso mesmo - ou por inércia, corrupção e demais questões -, o Estado, de fato, não investe em penitenciárias que nada passam de verdadeiros depósitos em ruínas dos dejetos sociais.
4.3. AS CONSEQUÊNCIAS DELETÉRIAS DO CÁRCERE
A visão que tem a sociedade, de um modo geral, é que a prisão tem o fim de retribuir ao preso o mal que ele fez. Para um pai que teve sua filha seqüestrada, estuprada e/ou assassinada não há outra justificativa ao cárcere a não ser: castigo e vingança.
À todas as vítimas de crimes há a necessidade da manutenção da prisão, caso contrário, como irão os condenados pagar66 pelo que fizeram, senão por meio da prisão? Alguns ainda dizem: a solução é a prisão perpétua; outros mais radicais: a pena de morte.
No que tange a pena de morte dizia BECCARIA:
Não é o grau intenso da pena que produz maior impressão sobre o espírito humano, mas sim a sua extensão, pois a sensibilidade humana e mais constantemente afetada por impressões mínimas, porém renovadas, do que por abalo intenso, mas efêmero.67
Beccaria soube bem justificar a ineficácia da pena de morte na prevenção geral e especial negativa, mas defendia a escravidão perpétua, o que na época dos seus escritos - século XVIII - era uma das alternativas à pena de morte.
Ocorre que Beccaria estava movido pelo errados motivos - pela intenção de provocar dor e sofrimento no condenado - e não exclusivamente pela finalidade preventiva da pena quando disse:
Se alguém disser que a escravidão perpétua é tão dolorosa quanto a pena de morte, e, portanto, igualmente cruel, responderei que, somados todos os momentos infelizes da escravidão, ela talvez o será mais, mas esses momentos são espalhados pela vida toda, enquanto a morte concentra toda a força num só momento.68
O que prejudica a fala de qualquer penalista é a contaminação de suas ideias pelas intenções mais intrínsecas de provocar ao desviante dor e sofrimento.
Há séculos a humanidade repete a mesma intenção que nunca teve o condão de solucionar o problema da criminalidade. O sentimento de vingança alimentou todas as legislações até hoje existentes não dando espaço para alternativas racionais, menos prejudiciais à sociedade, menos destrutivas ao condenado e mais benéficas à vítima.
Na realidade brasileira, geralmente, os criminosos são altamente resistentes a qualquer tipo de sofrimento, uma vez que nunca tiveram o que é necessário à uma vida digna, como educação, assistência à saúde, atividades recreativas, auxílio à alimentação, emprego suficiente à todos, remuneração mínima suficiente ao seu sustento e da sua família, etc.
O cárcere não os assusta, não os intimida, não os impede de buscar por meio do crime o que o Estado não providenciou. O Estado tem uma parcela de culpa a cada crime cometido por alguém em situação mais vulnerável, uma vez que não conseguiu cumprir com todas as promessas de dignidade trazidas pela Constituição da República.
A posição de vulnerabilidade trazida por Zaffaroni - ao tratar do princípio da culpabilidade -, além de ser eminentemente graduável, consiste em ser:
(...) predominantemente social (condicionada socialmente) e consiste no grau de risco ou perigo que a pessoa corre só por pertencer a uma classe, grupo, estrato social, minoria, etc., sempre mais ou menos amplo, como também por se encaixar em um estereótipo, devido às características que a pessoa recebeu.69
A vulnerabilidade significa dizer que quanto menor a assistência dada pelo Estado ao indivíduo e pior for a sua condição de vida, de menor grau será a sua culpabilidade, uma vez que ao Estado também deve ser imputada responsabilidade pelo crime em virtude da falta de assistência dada ao desviante. Explica que culpabilidade é a reprovabilidade do injusto ao autor70.
Ensina que "(...) há sujeitos que têm menor âmbito de autodeterminação, condicionado desta maneira por atos sociais. (...) Costuma-se dizer que há, aqui, uma co-culpabilidade, com a qual a própria sociedade deve arcar"71
Nas palavras de Nilo Batista, o princípio da co-culpabilidade:
Trata-se de considerar, no juízo de reprovabilidade que é a essencial da culpabilidade, a concreta experiência social dos réus, as oportunidades que se lhes depararam e a assistência que lhes foi ministrada, correlacionando sua própria responsabilidade a uma responsabilidade geral do estado que vai impor-lhes a pena.72
Zaffaroni defende que as penas carecem de racionalidade. Diz que as teorias justificativas da pena não passam da tentativa de legitimação do "exercício de poder do sistema penal"73 e que a consideração da vulnerabilidade é a forma mais razoável de se aplicar o princípio da culpabilidade74.
Ocorre que o princípio da co-culpabilidade ainda não é considerado da forma que deveria no Brasil. A título de exemplo, a reincidência significa um aumento da pena, desconsiderando por completo as circunstâncias que levaram o desviante a reincidir.
Pergunta-se: o Estado presta adequadamente a assistência ao egresso? Ajuda-o a encontrar oportunidades de emprego? Fornece lugar para morar e alimento para seu sustento uma vez que sem esses cuidados básicos não haverá outra opção ao egresso senão o cometimento de novos crimes a fim de garantir a sua sobrevivência?
Com o Estado ausente, a criminalidade torna-se cada vez mais presente. Esta comanda as periferias, presídios, escolas públicas e outras instituições e mostra a incompetência da (falta de) estratégia usada pelo governo para atacá-la.
Além de tais fatores, Beccaria, por volta de 1760, trouxe a inteligente afirmação: "A certeza de um castigo, mesmo moderado, sempre causará mais intensa impressão do que o temor de outro mais severo, unido à esperança da impunidade (...)".75
Na mesma linha de raciocínio, indaga-se: No Brasil, atualmente, quantos dos mandados de prisão são efetivamente cumpridos? Quantas das sentenças penais condenatórias são efetivamente executadas? Quantos dos presos permanecem na penitenciária o tempo previsto na sentença? Há muitos casos de impunidade? Será mesmo que o cometimento de um crime gera imediatamente ao criminoso a certeza de uma punição?
Beccaria complementa: "Para que a pena produza efeito, basta que o mal que ela inflige exceda o bem que nasce do delito e, nesse excesso de mal, deve ser calculada a infalibilidade da pena e a perda do bem que o crime deveria produzir".76
A palavra-chave utilizada por Beccaria no trecho supra citado é, sem dúvidas, infalibilidade. Com isso quer dizer que a pena deve ser certa, não dando margem a impunidade.
A certeza da punição é mais importante do que a gravidade da pena, devendo ser adotada uma legislação branda77 acompanhada de um sistema penal executório firme, legalista e eficiente, sendo inaceitáveis a incompetência Estatal e a impunidade de criminosos.
O Estado está seguindo um caminho sem volta. Seus atos têm demonstrado que - em suma -, na tentativa de atacar o crime organizado, investe nas forças policiais para que combatam o crime em morros e favelas, identificando, encontrando e aprisionando traficantes e demais criminosos.
Ao prendê-los - depois de observado, hipoteticamente, o devido processo legal - abandona-os em penitenciárias, delegacias, cadeias públicas - ou qualquer estabelecimento penal em que, teoricamente, tenha algum espaço - e parte à procura de mais criminosos.
É exatamente neste momento que está a falha: a prisão - além de não atingir à todos em virtude da impunidade impregnada no sistema penal brasileiro - não impede o cometimento de mais crimes, não para a produção e o desenvolvimento super acelerado do crime organizado, além de prejudicar o desenvolvimento social do País.
Ao contrário, o sistema carcerário apenas fortifica as organizações criminosas que, aos gritos, transfere seu know-how aos demais presos e os convoca para fazerem parte da grande empresa do crime.
A transferência desse know-how tem sempre um preço muito caro à ser pago: a adequação, a manutenção da criminalidade e, principalmente, o silêncio. O preso silencia diante da força devastadora e cruel - infinitamente superior à do Estado-juiz - exercida pelo crime organizado. A traição é paga com sangue; com a própria vida e com a vida de entes queridos.
Obviamente que - deixando de lado a micro-análise do indivíduo preso - o maior prejuízo é sempre da sociedade (extra carcerem) que torna-se mais e mais vulnerável à intolerância e violência vindas de todos os lados: não só da criminalidade, mas também do Estado.
Por que há tantos relatos de invasões violentíssimas da polícia em morros do Rio de Janeiro e São Paulo matando e ferindo diversos moradores que nada têm à ver com o tráfico e com o crime de um modo geral?
A resposta: o Estado está tonto, com medo, perdido, e, principalmente, desorganizado. Como uma criança assustada, o Estado - aqui representado, principalmente, pela força policial - muitas vezes fecha os olhos e atira sem direção; ou melhor, mira em todas as direções.
Relata Percival de Souza:
No auge das consequências dos ataques do PCC à cidade de São Paulo no mês de maio de 2006, a fragilidade do Estado e as divergências entre autoridades tornou-se patente. Policiais mortos, unidades policiais metralhadas, carros da polícia atingidos por tiros, população amedrontada. A espantosa situação dava uma amostra do poderio do PCC (...)78 (grifo nosso).
E os números apenas sobem. O número de processos penais, prisões, de reincidência, criminalidade, material ilícito circulando em todo o Brasil, vulnerabilidade e insegurança da população, mortes inexplicáveis - ou propositalmente inexplicadas - apenas aumentam, se multiplicam.
A prisão - aqui representada pela ausência do Estado e pela onipresença da criminalidade - já mostrou que seus muros não inibem, não atrapalham, não param as facções criminosas - ao contrário: as fortalecem.
Na noite de quarta feira - 09/10/2013 - houve uma rebelião no Complexo Penitenciário de Pedrinhas em São Luis do Maranhão. Foi noticiado que duas facções rivais confrontaram-se e depois a Polícia Militar invadiu o local para por termo ao tumulto.79
O governo do estado decretou estado de emergência e o secretário de segurança Pública Aloísio Mendes determinou o reforço no policiamento e a identificação e apreensão de integrantes de facções em guerra.
Mendes relatou que Pedrinhas hoje têm três mil presos - o dobro de sua capacidade - e anunciou que dentro de cem dias seriam construídos três novos presídios.
Os detentos que se rebelaram estavam munidos com armas de fogo e foi relatado que um monitor de Pedrinhas foi preso por facilitar a entrada desse material e, um dia depois, já estava solto.
Mais uma vez - de forma singela e disfarçada - ai está o maior erro, o maior deslize do Estado. Tamanha a impunidade com que esse monitor foi tratado. Ele facilitou a entrada de armamentos e não foi punido da forma que deveria.
Como ensinou Beccaria80, a certeza da punição é mais importante do que sua gravidade e intensidade. Por mais doloroso que o cárcere seja, ele foi o meio para o que aconteceu no Maranhão: a manifestação de facções criminosas, o fomento do pânico generalizado na população, a morte de mais de 10 pessoas e lesão de muitas outras, além da opressão exercida pelo poder Estatal e a promessa da criação de mais presídios.
Não se busca aqui dizer que o Estado deve se omitir, deve se esconder em situações como essas. Ele tem o dever de exercer o poder polícia sempre que necessário para garantir à população toda a segurança possível.
Ocorre que a impunidade e a corrupção dão ao brasileiro a tranquilidade de que precisa para cometer atos ilícitos. Foi divulgado em março de 2013 pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ:
(...) um levantamento que demonstra que 70% dos mandados de prisão emitidos pelas cortes do país não foram cumpridos pela força policial. Os dados são referentes ao período entre junho de 2011 e janeiro de 2013.De acordo com o Conselho, 268.358 ordens foram expedidas e somente 192.611 foram efetivadas. Outros 65.160 mandados de prisão foram cumpridos e 10.587 expiraram, ou seja, perderam a validade - desde 2009.81
De que adianta haver penas duras e cruéis se o Estado não as aplica à todos os condenados? A pior consequência da 'incompetência' estatal é a desigualdade, o favoritismo, o excesso de crueldade aos menos favorecidos, e a impunidade aos que de fato prejudicam o país: autoridades corruptas, chefes de organizações criminosas, traficantes influentes e empresários poderosos.
Indaga-se aqui o seguinte: será que o Estado tem se empenhado em evitar situações de risco? Tem investido e executado de forma adequada a fiscalização dos visitantes e a entrada de objetos dentro dos presídios? Tem processado e punido de forma infalível os servidores e funcionários que permitem a entrada dos objetos proibidos? O reforço da força policial e a construção de novos presídios resolvem a problemática da violência e da criminalidade?
Além da rebelião no Maranhão, outra informação foi divulgada recentemente pela mídia. Após investigações realizadas pelo Ministério Público, concluiu-se que uma facção criminosa, juntamente com participação da polícia, fatura 120 milhões de reais por ano. Foi divulgado pela mídia as seguintes informações:
O escritório central da facção funciona dentro da penitenciária 2 de Presidente Venceslau, no oeste do estado de São Paulo. De lá saem as ordens para 90% dos presídios paulistas, onde a organização atua, de acordo com o mapeamento feito pelos promotores.
Ao todo, são seis mil integrantes cumprindo pena. Outros 1.800 estão cometendo crimes nas ruas. Por telefone, o grupo negocia a venda de drogas em todos os estados do país; e a influência vai além das fronteiras: alcança Bolívia e Paraguai.82
Alguma atitude precisa ser tomada. Olhando de cima, de forma macroscópica, há dois caminhos opostos que poderiam ser considerados: o enrijecimento das medidas punitivas, criando penas mais duras e desumanas; ou a busca por penas alternativas que, aos poucos, tomem o espaço que o cárcere hoje ocupa.
A última hipótese, sem dúvida em maior consonância com os Direitos Humanos Internacionais e os princípios constitucionais republicanos, teria que atender o que é neste trabalho denominado "as quatro condições da pena alternativa" que são: (1ª) menos custo ao Estado; (2ª) menos sofrimento ao condenado; (3ª) menos perigo à sociedade; (4ª) mais utilidade à vítima e/ou à sociedade83.
5. POSSIBILIDADE DE COMINAÇÃO PELO LEGISLADOR DE SANÇÕES NÃO PRIVATIVAS DE LIBERDADE
5.1. A ABOLIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E SEUS FUNDAMENTOS
A abolição do cárcere é uma alternativa ao sistema penal discutida, principalmente, em países altamente desenvolvidos como, por exemplo, Dinamarca, Noruega e Finlândia.
Muitos doutrinadores latinos, por mais que reconheçam os efeitos negativos que o cárcere provoca, são contra uma política abolicionista sob o argumento de que o Estado não tem estrutura para tanto e que a América Latina apresenta uma realidade diferente da Européia. Nas palavras de Salo de Carvalho:
(...) as teorias abolicionistas foram criadas a partir de realidade totalmente distinta da realidade marginal latino-americana. É proposta gerada no interior de sociedades nas quais o Estado efetivamente cumpriu seu papel, ou seja, em países nos quais as promessas da modernidade saíram do papel e integraram o cotidiano das pessoas.84
O autor citado tenta justificar a sua opção pela manutenção do cárcere com o fundamento de que, em outras palavras, já que o Estado não dá educação, saúde, assistência, lazer e não cumpre as promessas de dignidade e modernidade, os indivíduos deste Estado omisso devem sofrer uma punição mais severa (cárcere) do que os cidadãos dos países mais modernos.
Ora, enrijecer as sanções penais com a justificativa de que o Estado não cumpre seu papel assistencial apenas agrava o problema. Tratar o sujeito que não recebe educação e assistência adequadas como um mostro sem rosto que merece responder pelos seus crimes de forma mais gravosa porque o Estado o desprezou o daria uma dupla punição.
O cárcere não supre a necessidade de educação, saúde, lazer e assistência. Ao contrário, é o mais claro exemplo da omissão e governamental e apenas piora a vida daqueles que são aprisionados, da família destes e de toda a sociedade de uma forma indireta.
(...) vivemos em estado de barbárie, sendo o cárcere o maior exemplo desta afirmação. Sustentar modelos abolicionistas, estruturas de controle social típicas de sociedades pós-modernas como sustenta Larrauri na América Latina soa devaneio irrealístico. 85
Complementa o mesmo autor que o cárcere é o maior exemplo de uma sociedade bárbara, mas se contradiz ao dizer que sua abolição seria um "devaneio irrealístico", deixando à entender que uma sociedade sub-desenvolvida deve ser punida não de outra forma senão com sua própria barbárie.
Ocorre que justificar a barbárie com a própria barbárie não apenas aniquila qualquer possibilidade de progresso social, como também ratifica o Estado omisso, legitimando-o à continuar prometendo e não cumprindo o discurso pós-moderno, bem como à punir o seu povo de forma cada vez mais agressiva.
Para que se alcance uma sociedade menos violenta, o raciocínio deve ser justamente o oposto. A barbárie estatal gera a barbárie informal. Não se corrige violência com mais violência, mas apenas a fomenta.
As dificuldades despertam a força e geram energia. Muitas vezes acontece que quanto mais reprimido eu estiver, mais crescerão minhas capacidades, até que eu acabarei destruindo todos os obstáculos erguidos pela tirania. (...)
Mas o benefício que obtiveram com esses tipo de educação foi que com ela aprenderam a encontrar, dentro de si próprios, os recursos que lhes permitiram aceitar com espírito indômito a violência utilizada contra eles. Será esta a melhor maneira de formar o homem para a prática do bem? 86
Em defesa da abolição, já em 1793 mediante suas ideias anarquistas, William Godwin trouxe a seguinte reflexão: será mesmo que a melhor forma de educar, civilizar e melhorar o ser humano é mediante a coação e a repressão?
A coação e a repressão apenas sufocam e comprimem uma força que, ao ser liberada, pode ser catastrófica. A prisão nada mais faz do que comprimir a força e os piores sentimentos dos que sofrem a pena e que, ao saírem, poderão liberar essa força da pior forma possível.
Piotr Kropotkin, em 1887, disse:
Na vida cinzenta de um prisioneiro, que corre sem paixões ou grandes emoções, logo desaparecem todos os sentimentos capazes de enobrecer o caráter dos homens. (...)
E onde irá ele encontrar forças para resistir às tentações que irão surgir diante de si, como por enquanto, quando tão logo ultrapasse os muros da prisão? (...)
E nem pode provocar espanto o fato de que esses homens, acostumados a funcionar como simples máquinas, provem não ser exatamente aqueles cidadãos de que a sociedade necessita. 87
Em outras palavras, o cárcere, além de não conseguir educar, disciplinar ou civilizar os indivíduos, os trata como máquinas. Ocorre que a pena é finita e estas "máquinas" voltarão à sociedade. Pergunta-se: voltarão melhores ou piores? Será que o tratamento dado pelo Estado tornou o encarcerado uma pessoa mais adequada ao convívio na sociedade extra carcerum ou à única forma de sociedade que abriu às portas para ele que foi a criminalidade?
As indagações trazidas por Kropotkin - no que tange à falta de exercício da força de vontade e ao retorno à sociedade - põem em cheque o real efeito que o cárcere provoca nos indivíduos. O sujeito encarcerado torna-se uma pessoa - que por não ser submetida às mesmas tentações e, principalmente, obrigações e responsabilidades do mundo externo - ainda mais inapta ao convívio social.
Kropotkin e Godwin defendiam a abolição do cárcere e dos castigos não por um enfoque isolado, mas por seguirem a ideologia do anarquismo que vê no Estado o grande mal da sociedade. Não obstante, seus ensinamentos serviram de base para que grandes estudiosos e doutrinadores pudessem defender a abolição das penas, construindo as Teorias Abolicionistas.
Da metade do século XX em diante foram surgindo os grandes nomes da crítica às penas: Nils Christie, Thomas Mathiesen, Michel Foucault, Louk Hulsman e Andrew Coyle. Nils Christie, por volta de 1952 iniciou seus trabalhos de pesquisa e defendeu que o sistema penal e as penas têm por fim a produção de sofrimento e dor nos indivíduos condenados.88
Tendo como estratégia a imposição mínima de dor e sofrimento, Christie defende a composição de estruturas de justiça participativa e comunitária, a abolição da privação de liberdade, a responsabilização mediante indenização e a criação de organismos locais informais de manejo do conflito visando o controle social.
As ideias de Christie são muito bem vindas no que tange à estratégia de imposição mínima de dor e sofrimento, abolição do cárcere e indenização à vítima. Contudo, a criação de justiça participativa e de organismos informais para solução de conflitos devem ser encarados com muita parcimônia, uma vez que podem trazer um sentimento de insegurança jurídica e de privatização do processo penal.
Órgãos informais que visassem a composição, conciliação e mediação de conflitos seriam bem vindos, desde que não afastassem, obviamente, da justiça penal a competência para conhecer, processar e julgar crimes, delitos e transgressões penais.
Thomas Mathiesen, por volta da década de 1960 em diante passou a defender a abolição do cárcere negando, inclusive, propostas substitutivas89. Ora, abolir a pena privativa de liberdade sem substituí-la por outras formas de pena significaria abolir não apenas o cárcere, mas o poder punitivo que o Estado detém.90
Radicalismos como estes gerariam uma imediata sensação de insegurança e impunidade na população. Alguns se aproveitariam da situação para realizarem toda sorte de delitos. E as vítimas - não vislumbrando uma atitude estatal concreta em face dos ilícitos penais - começariam a agir com as próprias mãos, revivendo uma fase de vingança privada e barbárie.
A abolição do cárcere é sim uma fase importante rumo à modernização do sistema penal, principalmente após analisados todos os seus efeitos deletérios. Contudo, inúmeras cautelas devem ser tomadas e, uma delas, é a adoção de penas alternativas.
Mathiesen advoga que os escudos protetores da irracionalidade do cárcere são a mídia, os agentes carcerários e os cientistas sociais91. De fato um dos grandes problemas hoje é a influência que a mídia sensacionalista provoca na população. E a mídia hoje, diferente da época à que o autor se referia, tornou-se muito mais intensa e presente da vida das pessoas. Se manifesta através de diversos instrumentos como as redes sociais e os periódicos eletrônicos.
Segundo Salo de Carvalho, Mathiesen elencou oito conclusões acerca do instituto do cárcere que são:
(a) a criminologia e a sociologia já demonstraram que o objetivo de melhora do detento (prevenção especial) é irreal, sendo constatável efeito contrário - destruição da personalidade e incitação da reincidência; (b) o efeito da prisão no que diz à prevenção geral é absolutamente incerto, sendo possível apenas estabelecer alguma relação entre a dissuasão e as políticas econômicas e sociais; (c) grande parte da população carcerária é formada por pessoas que praticaram crime contra a propriedade, ou seja, contra bens jurídicos disponíveis; (d) a construção de novos presídios é irreversível; (e) o sistema carcerário, enquanto instituição total, tem caráter expansionista, ou seja, suscita novas construções; (f) as prisões funcionam como formas institucionais e sociais desumanas; (g) o sistema carcerário produz violência e degradação dos valores culturais; e (h) o custo econômico do modelo carcerário é inaceitável. 92
Tudo que Mathiesen fala acerca do cárcere, ao contrário do que dizem os críticos ao abolicionismo, não se trata de irrealismo ou utopia; são verdades, são fatos e resumem a realidade que a prisão representa. O que há de mais relevante nas propostas trazidas por Mathiesen é a mudança da lógica do sistema penal: reduzir a punição do infrator e aumentar o apoio à vítima.
Desta forma, invertendo-se os valores, deixando de lado a barbárie e a vingança, incorporando civilidade e modernidade, deve ser dado à vítima todo o apoio e atenção que ela merece após um evento traumático e ao infrator uma pena que possa cumprir sem denegrir sua dignidade, caráter e liberdade.
Michel Foucault, embora não possa ser considerado uma abolicionista no sentido formal - assim como os demais -, traz inúmeras análises acerca do cárcere, demonstrando seus efeitos deletérios e sua real finalidade.
Além disso, como menciona Zaffaroni, Foucault "aconselha a 'técnica judoca', ou seja, quando se refere à debilidade que sofre o poder ao utilizar-se de violências, que o deixa apoiado em um só pé"93. Explicando a técnica mencionada por Foucault, Zaffaroni diz que "(...) a utilização da força do adversário, em substituição ao emprego da própria violência, é um postulado básico de qualquer tese de 'não-violência'".94
Foucault durante sua obra "Vigiar e Punir", por exemplo, menciona que a real finalidade do cárcere é a reincidência95 e que a prisão foi um fracasso desde quando começou a ser utilizada.
Louk Hulsman iniciou seus escritos por volta da década de 1980 propondo a conciliação, mediação, arbitragem, compensação, terapia, educação, dentre outros mecanismos informais de resolução de conflitos, em substituição da Justiça Penal que acredita ser incontrolável, distribuidora de sofrimento, desigual e expropriadora de direitos.96
Além disso, propõe um abolicionismo acadêmico, substituindo a denominação "crime"/ "delito", por "situações-problema". Essa alteração retiraria a carga preconceituosa que o "crime" carrega na sua própria denominação. Diz que "a consequência positiva seria a não-segregação da sociedade entre vítimas e criminosos, rompendo com a estrutura ideológica dos modelos de defesa social estruturados sob o princípio do bem e do mal".97
Defende ainda que sejam devolvidas às pessoas a legitimidade para a resolução dos próprios conflitos, retirando esse poder do Estado-juiz. Além de defender ser necessária a abolição criminal na própria sociedade, em cada cidadão, alterando percepções, comportamentos e atitudes.
As ideias de Hulsman - um dos mais radicais abolicionistas do século XX - não seriam totalmente adequadas à realidade, uma vez que a total supressão da Justiça Penal traria a insegurança jurídica, a vingança privada e, consequentemente, o caos.
O abolicionismo acadêmico não faria muita diferença prática, uma vez que a palavra "crime" carrega o preconceito de quem a profere, mas isso não significa que a palavra por si só carregue um sentido pejorativo. Além disso, a alteração da nomenclatura apenas diminuiria a gravidade que um crime carrega em seu bojo. Ocorrem inúmeras situações-problema diariamente na vida de cada indivíduo e que jamais poderiam ser consideradas como delitos e, por isso, "situação-problema" não seria uma nomenclatura adequada.
A tentativa de Hulsman é de diminuir a gravidade que os ilícitos penais aparentam ter para que estes tornem-se objetos de meros mecanismos informais de resolução de conflito, pondo termo à Justiça Penal e devolvendo à vítima a legitimidade para a solução dos mesmos.
Como a sociedade brasileira atual reagiria a tais modificações? Como se daria a solução inter partes da "situação-problema" de um estupro de vulnerável, por exemplo? Até que ponto a vítima de um crime - ou sua família - teria equilíbrio emocional para celebrar uma conciliação com o agente criminoso?
Abolir a Justiça Penal ou o poder de punir do Estado seria trazer a sensação de desespero à sociedade que se sentiria abandonada e desafiada a fazer justiça com as próprias mãos. Toda mudança radical nos costumes e hábitos da vida em sociedade traz reações populares ainda mais radicais. O povo sairia do controle do Estado que sob pressão popular e midiática cederia aos ásperos e impensados gritos das massas.
O professor Sebástian Albuquerque Melo pesquisou imagens de cartazes após as manifestações populares ocorridas em 2013 em todo o Brasil e constatou as seguintes expressões: "pela redução da menoridade penal; pena prisão perpétua; pela pena de morte; pelo fim dos recursos para os corruptos; pelo fim das regalias nos presídios; para o fim do auxílio reclusão".98
As multidões ecoam emoções e não reflexões e, por isso, muitas vezes tornam-se perigosas. Disse o palestrante: "Que Direito Penal querem as multidões? (...) Alguém aqui pediu um Direito Penal padrão FIFA? Não! O Direito Penal que se pede é um Direito Penal padrão Guantánamo."99
Por isso que o ser humano jamais se adaptaria a abolição da justiça penal. O povo sente a necessidade de saber que seus "algozes" serão punidos de alguma forma. Contudo, a forma de punir sempre varia de acordo com o momento histórico de cada povo.
Já houve na humanidade a adoção de várias espécies de pena - da tortura, à pena capital, do trabalho escravo à mutilação, da prestação de serviços à comunidade à pena perpétua, do confisco à pena privativa de liberdade que há ainda hoje. Como que sem tempo, seria aceitável uma punição menos bárbara do que a pena privativa de liberdade que desse ao povo o "conforto" do sentimento de que a justiça está sendo feita.
Andrew Coyle, doutrinador mais recente, diz ser necessário que as alternativas à prisão sejam verdadeiramente alternativas e não adicionais ou legitimadoras.100 Essa seria a mais sensata das ideias: penas verdadeiramente alternativas que tomassem o lugar da prisão. Se as penas forem adicionais, o resultado será o oposto do esperado: um agravamento da pena e a piora de todos os efeitos deletérios.
Heleno Cláudio Fragoso critica o sistema carcerário de um modo geral, mas principalmente o brasileiro ao levar em conta suas peculiaridades:
Como instituição total, a prisão necessariamente deforma a personalidade ajustando-se à subcultura prisional. O problema da prisão é a própria prisão... Aos efeitos comuns a todas as prisões, somam-se os que são comuns nas nossas: superpoulação, ociosidade e promiscuidade.101
Doutrinadores dinamarqueses, noruegueses, franceses, holandeses, dentre outros, que lidam com sistemas penitenciários infinitamente menos problemáticos e mais adequados à vida humana passam anos de suas vidas acadêmicas pesquisando, escrevendo e defendendo pela abolição carcerária.
No Brasil, como dito por Fragoso, sofre-se não apenas com os efeitos inerentes à toda e qualquer prisão, mas também com todos os demais efeitos advindos das peculiaridades das penitenciárias brasileiras dotadas das piores mazelas imagináveis.
Paradoxalmente, mesmo com estabelecimentos penais tão inadequados, há poucos doutrinadores brasileiros que defendem a abolição do cárcere. Muitos adotam a teoria garantista que justifica a pena - inclusive a pena privativa de liberdade - como a segurança jurídica dada ao próprio desviante.
Ocorre que, é possível que se adote a teoria garantista reconhecendo-se, por exemplo, que o devido processo legal, as penas cominadas, as leis e os princípios dão segurança jurídica ao indiciado ou acusado, limita o poder de punir estatal e intimida a aplicação de penas estranhas àquelas previstas nas leis penais tanto pelo Estado, quanto pela população.
Tais garantias jurídicas devem obviamente se manter e coexistir com a ideia de abolição da pena privativa de liberdade. Principalmente para garantir que o povo não busque fazer justiça com as próprias mãos. Além disso, para que ocorra a supressão do cárcere, tal modificação deve ser fruto de processos legislativos ordinários, visando a criação de leis federais que alterem o Código Penal e as demais leis pertinentes.
Se faz necessária a busca sincera pela humanização e modernização do Sistema Penal, conferindo penas eficazes, porém razoáveis e proporcionais. É necessário que se respeite a dignidade do preso, uma vez que se trata também de "pessoa humana".
E à mais previsível pergunta: "e se fosse sua filha a estuprada?" a mais sincera resposta: a mãe, o pai, os familiares estão no seu direito de luto, de dor, de indignação ao quererem a imputação da pena mais brutal ao agente criminoso. Contudo, o Direito há de buscar sempre a racionalidade e jamais se deixar influenciar por sentimentos investidos em raiva, revolta e vingança.
A vítima de um crime brutal - direta ou indireta - reage de forma natural ao querer a pior das penas ao seu algoz. Mas o Direito há de utilizar o melhor mecanismo de punição possível, com a preocupação diretamente nas consequências que esse mecanismo pode provocar no futuro ao seu povo.
Muitas vezes a vítima que quis o encarceramento do seu algoz será novamente vítima - agora de algo muito maior e mais forte. Será alvo de facções criminosas e de sujeitos que se embruteceram e se fortaleceram dentro da prisão. É necessário que se busquem formas de punir o condenado que não o torne uma pessoa mais agressiva e perigosa à sociedade. A privação da liberdade o torna ainda mais inadequado ao convívio social.
5.2. AS PENAS ALTERNATIVAS
5.2.1. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Inicialmente, 'penas alternativas' não se confundem com 'alternativas penais'. Aquelas são espécies destas. Segundo definição do professor Damásio de Jesus, as alternativas penais, também chamadas de medidas alternativas ou de substitutivos penais, "são meios de que se vale o legislador visando impedir a que o autor de uma infração penal venha a ser aplicada medida ou pena privativa de liberdade".102
Como exemplos de alternativas penais há: a liberdade provisória, a suspensão condicional do processo, a fiança, o perdão judicial, o sursis, as penas alternativas, dentre outros. Os três primeiros exemplos podem ocorrer, inclusive, antes do julgamento.
As "penas alternativas são sanções de natureza criminal diversas da prisão, como a multa, a prestação de serviço à comunidade e as interdições temporárias de direitos, pertencendo ao gênero das alternativas penais"103, conforme conceitua o mesmo autor.
Damásio elenca 'vantagens e desvantagens' das penas alternativas. Ensina que alguns doutrinadores apontam as seguintes desvantagens: não reduzem o número de encarcerados; não intimidam; "em face do aumento do rol de penas alternativas no Códigos Penais, o legislador é induzido a criar novas normas incriminadoras, aumentando o número de pessoas sob o controle penal e ampliando a rede punitiva, a chamada red widening".104
A criação e a utilização das penas alternativas tem que estar com suas finalidades muito bem definidas, uma vez que dependem de todo o arcabouço principiológico e de toda a legislação penal para atingir seu fim que pode ser de evitar o encarceramento ou, quando mal utilizado, de endurecer ainda mais as condenações penais. A grosso modo, duas situações genéricas podem ocorrer da adoção de penas alternativas: a cumulação das penas privativas de liberdade com aquelas - tornando o sistema penal mais rígido - ou a substituição de uma pela outra - tornando-o mais brando.
Ocorre que, não havendo no íntimo do legislador a busca real pela menor utilização da pena privativa de liberdade; pela modernização do sistema punitivo; pela desinflação dos estabelecimentos penais; pela manutenção do convívio familiar e social do desviante; e pela redução da reincidência, a adoção das penas alternativas pode acabar sendo um instrumento perigoso de endurecimento do sistema punitivo.
Atualmente aplica-se o art. 44 do CP para fins de substituição de pena privativa de liberdade por pena alternativa. No Brasil, portanto, as penas alternativas são consideradas e utilizadas - exceto alguns casos de cumulação de pena privativa de liberdade com multa - como medidas alternativas, não albergando a desvantagem do enrijecimento do sistema penal.
Como requisito à substituição, é necessário que a pena cominada seja de, no máximo, quatro anos. Outra desvantagem apontada ocorreria se, em decorrência disto, o legislador ordinário entendesse ser conveniente a elevação do mínimo da pena de alguns crimes, visando o não enquadramento destes no art. 44 do CP.
Isso certamente agravaria ainda mais o sistema punitivo, desviando a finalidade mais pura das penas alternativas que é a de menor utilização das penas privativas de liberdades. Contudo, tal situação iria de encontro frontalmente com o princípio de humanidade, da intervenção mínima e da dignidade da pessoa humana.
Além disso, outra 'desvantagem' apontada foi o fato de que as penas alternativas não desinflam o cárcere. Ora, evidente que estas, se tiverem seu rol de aplicabilidade ampliado, se forem maciçamente adotadas pelos juízes, aos poucos representarão uma grande queda no crescimento populacional carcerário. Apenas não desinflariam os cárceres se, ao invés de representarem opções de substituição à pena privativa de liberdade, fossem à estas cumuladas, o que, como já dito, iria de encontro à real finalidade das penas alternativas.
No que tange ao caráter intimidador da pena, há controvérsias acerca de sua influência no momento da prática de um crime, independentemente de qual seja a pena à ele destinada. Diante do crescimento desenfreado da criminalidade, impossível seria a afirmação de que a pena privativa de liberdade atualmente exerce uma força intimidadora sobre os indivíduos.
Se o caráter intimidador fosse primordial ao sistema punitivo, o Direito Penal Moderno não caminharia em direção às penas alternativas e à Justiça Restaurativa, mas sim às penas perpétuas, cruéis e capitais.
O que Damásio denomina 'desvantagens', é assim chamado de forma imprópria, uma vez que não são desvantagens inerentes às penas alternativas em si, mas são consequências trágicas decorrentes de possíveis desvios ocorridos em sua aplicação e incompatíveis com o próprio instituto.
Como citado ao final do subitem 3.3, "as quatro condições da pena alternativa" são: (1ª) menos custo ao Estado; (2ª) menos sofrimento ao condenado; (3ª) menos perigo à sociedade; (4ª) mais utilidade à vítima e/ou à sociedade. Penas alternativas adotadas em descompasso com tais condições não trariam benefício algum à sociedade, à vítima ou ao desviante, resultando em mero embrutecimento do sistema penal.
É importante que a pena aplicada seja menos custosa ao Estado, desta forma mais recursos sobrariam para investimentos em saúde, educação, segurança, e políticas públicas. O cárcere sempre representou um grande peso aos cofres públicos, enquanto que a prestação de serviços à comunidade, em contrapartida, representa benefício social e financeiro.
A real substituição de penas privativas de liberdade por penas alternativas - e não sua cumulação - reduziria o problema da superlotação carcerária, da necessidade urgente de criação de inúmeros novos estabelecimentos penais, além dos gastos inerentes à manutenção destes e à execução das penas.
A segunda condição é a menor imposição de dor e sofrimento possíveis ao condenado, assim considerada a partir dos ensinamentos do abolicionista Nils Christie. Em consonância com tal condição estão os princípios da humanidade e da dignidade da pessoa humana. O princípio de humanidade "sustenta que o poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psíquica dos condenados".105
Nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt, "nenhuma pena privativa de liberdade pode ter uma finalidade que atente contra a incolumidade da pessoa como ser social".106 O indivíduo enquanto 'ser social' não vive só. Ele necessita de relações sociais, de contato com a sociedade. Contudo, como esperar que o condenado à um pena privativa de liberdade mantenha a integridade do seu 'ser social', uma vez que se encontra alheio à sociedade e esquecido em um lócus artificial denegridor e degradante?
As penas alternativas, tanto as elencadas pela ONU107, quanto as dispostas no Código Penal108, têm intrinsecamente a busca pela redução do sofrimento, uma vez que sofrimento, dor e tortura são incompatíveis com os princípios de humanidade e de dignidade da pessoa humana.
A terceira condição traz a ideia de menor perigo à sociedade. Trata-se um ponto delicado uma vez que muitos enxergam no cárcere o isolamento da violência e da criminalidade, sendo sinônimo de segurança pública. Contudo, tal entendimento encontra-se ultrapassado, uma vez que a segurança pública está muito mais relacionada com políticas públicas, emprego para todos, escolas públicas de boa qualidade e de fácil acesso e sistema de saúde eficiente do que com presídios. Além de que já estão demonstrados os efeitos criminógenos do cárcere, o alto índice de reincidência e de crescente violência no país.
A segregação do indivíduo desviante do restante da sociedade não representa segurança, mas o seu oposto, uma vez que os segregados compartilham e aprimoram suas condutas criminosas, estabelecem contatos e vínculos entre si e se fortalecem não somente enquanto desviantes individualmente considerados, mas principalmente por meio de facções e organizações criminosas.
Obviamente que as penas alternativas não conseguirão pôr fim as facções criminosas. Contudo, ao menos o foco da segurança pública deverá ser desviado aos meios de combate ao crime à longo prazo e de alta eficiência que são os investimentos em saúde, educação, oportunidades de trabalho, lazer, cultura e esportes que elevam significativamente a qualidade de vida da população, afastando-a consideravelmente da criminalidade.
A quarta condição é a maior utilidade da pena à vítima ou à sociedade. As penas privativas de liberdade em nada contribuem ao progresso ou aprimoramento pessoal do indivíduo desviante, da vítima e, tampouco da sociedade. Uma pena de prestação de serviços à comunidade, por exemplo, tem grandes chances de ser útil não somente à sociedade - como o próprio nome já diz -, mas também ao desviante que não perderá sua liberdade, estará realizando uma atividade beneficente, exercitando sua cidadania e mantendo-se em convívio social.
No caso de utilidade à vítima, a ONU sugere a 'reparação do dano' que não se trata de uma 'pena' pertencente ao Direito Penal brasileiro atual, uma vez que, no Brasil, é apenas aplicada no âmbito civil mediante a ação ex delicto.
Em consonância com as condições da pena alternativa, Damásio de Jesus elencou as seguintes 'vantagens': reduzem o custo do sistema punitivo; permitem a adequação judicial da punição à gravidade do fato e condições pessoais do réu; evitam o encarceramento quando se tratar de infrações penais de menor potencial ofensivo; afastam o condenado do convívio com outros desviantes; reduzem a reincidência; além da manutenção do convívio familiar e social, bem como das responsabilidades e ocupações do condenado.109
As vantagens citadas nada mais são do que consequências naturais da correta e efetiva aplicação das penas alternativas como alternativas penais, substituindo as penas privativas de liberdade.
A adequação judicial, desde que lastreada em hipóteses e condições objetivas,110 representam uma maior possibilidade de aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Zelando pela não aplicação de penas exageradamente gravosas - que é sempre o caso da privativa de liberdade - em situações em que a culpabilidade for branda.
As vantagens de evitar o encarceramento e o convívio com demais desviantes são, por obviedade, as mais pertinentes à pessoa do condenado, uma vez que o cárcere alberga uma pena-castigo não isolada em si, mas em conjunto com todas as características deletérias que lhes são inerentes e agravadas no sistema penal brasileiro.
A redução da reincidência é consequência indireta do aumento de adoção das penas alternativas e menor utilização das penas privativas de liberdade. O desviante, mantendo-se em convívio social, manterá seu emprego ou ofício, suas relações sociais, seus vínculos com família e amigos, mantendo seu caráter de 'ser social' e sua humanidade.
A manutenção de suas atividades laborais e intelectuais - ou a indicação de trabalho ou estudo - exercitará sua responsabilidade, maturidade e independência, o manterá hábil ao convívio em sociedade, ao respeito às leis e à busca por uma recuperação enquanto cidadão de direitos e deveres.
5.2.2. HISTÓRICO DAS PENAS ALTERNATIVAS E REGRAS DE TÓQUIO
Foi na Rússia, em 1926, que surgiu uma das primeiras penas alternativas: a prestação de serviços à comunidade, conforme ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt111.
Em 1948 a Inglaterra passou a adotar a prisão de fim de semana, bem como a Alemanha em 1953. Em 1960, na Rússia, houve a criação da pena de trabalhos correcionais em liberdade. Em 1963 a Bélgica passou a utilizar-se do arresto de final de semana. O Principado de Mônaco, em 1967, adotou a execução fracionada que eram, basicamente, detenções semanais.112
Em 1972, segundo Bitencourt, houve a criação do "mais bem-sucedido exemplo de trabalho comunitário"113 na Inglaterra, denominado Community Service Order. Adotado entre os anos seguintes por inúmeros países como, por exemplo, Austrália (1972), Luxemburgo (1976), Canadá (1977), Dinamarca e Portugal (1982), França (1983) e Brasil (1984).
Não obstante as evoluções ocorridas ao longo do século XX nos sistemas penais de importantes países, ainda havia muitos problemas relacionados às penas privativas de liberdade preocupando os órgãos internacionais. Relatos de maus-tratos de presos, superlotação carcerária e de insalubridade dos estabelecimentos penais demonstrava o descaso das autoridades para com os direitos mínimos dos condenados.
As penas privativas de liberdade começaram a ser vistas pelas Nações Unidas como um método punitivo defasado, em descompasso com os direitos humanos de um modo geral e, principalmente, com os princípios da intervenção mínima e da dignidade da pessoa humana. Além disso, crescentes eram - e ainda são - os índices de violência urbana, de criminalidade, de reincidência e, principalmente, de (super)população carcerária.
Com isso, no final do século passado, foi editada a Resolução 45/110 da Assembléia Geral das Nações Unidas de 14 de dezembro de 1990, intitulada "Regras Mínimas Padrão das Nações Unidas para a Elaboração de Medidas Não Privativas de Liberdade", mais conhecida como "Regras de Tóquio"114.
Esse documento internacional não tem força de lei no Brasil, mas serve como fonte de princípios básicos e garantias mínimas à adoção das medidas não privativas de liberdade. Além disso, serve como incentivo às reformas necessárias ao sistema punitivo nacional e contem valiosas orientações, sugestões e instruções.
Ensina Luiz Flávio Gomes que as Regras de Tóquio buscam promover "a criação, aplicação e execução de medidas alternativas à prisão, devendo-se conceber a locução ‘medidas não privativas de liberdade’ em seu sentido lato, abrangente".115
As Regras trazem inúmeros objetivos e finalidades e a medida precípua para tanto é o uso da prisão apenas em casos extremos - como medidas de último recurso - e a adoção de medidas não privativas de liberdade como método punitivo preferencial.
Elenca as seguintes medidas: sanções verbais (censura e advertência); acompanhamento em liberdade antes da decisão do tribunal; penas privativas de direitos; sanções econômicas e pecuniárias (multas); ordem de confisco ou apreensão; ordem de restituição à vítima ou indenização desta; condenação suspensa ou suspensão da pena; regime de experiência e vigilância judiciária; imposição de prestação de serviços à comunidade; envio a um estabelecimento aberto; prisão domiciliar; qualquer outra forma de tratamento não institucional; uma combinação destas medidas.116
Primeiramente, as regras buscam que a coletividade participe tanto no processo da justiça criminal, quanto no tratamento dos infratores. Isso visa incentivar a aproximação da sociedade com os desviantes, a reabilitação e a reintegração social dos mesmos.
Mas não basta apenas a adoção e a aplicação das penas alternativas, é necessário que haja uma supervisão adequada e eficiente destas, uma vez que a fiscalização tem por objetivo reduzir as oportunidades de descumprimento das penas e de reincidência.
Fundamenta-se que as medidas não privativas de liberdade estimulam o desenvolvimento da responsabilidade do desviante que se manterá em contato com a sociedade, com sua família, com sua ocupação habitual, além de estar cumprindo a pena alternativa.
Dentro do cárcere, o senso de responsabilidade do infrator é perdido, uma vez que são poucos os presos que exercem quaisquer atividade laborais ou intelectuais. O contato com a sociedade é completamente rompido assim que o desviante passa a viver isolado no lócus artificial do cárcere. Durante o cumprimento da pena privativa de liberdade o contato com sua família e com amigos se enfraquece e, muitas vezes, desaparece diante das dificuldade financeiras ou decorrentes da distância para realização das visitas, além de perder contatos profissionais que jamais conseguirá recuperar ao retornar à liberdade.
De acordo com as Regras de Tóquio, para que a medida não privativa de liberdade seja adequada, deve ser assegurado o equilíbrio entre os direitos dos infratores e das vítimas com a segurança pública e a prevenção dos crimes. É necessário, portanto, que se observe se a pena alternativa escolhida representa uma resposta satisfatória à preocupação da sociedade com a segurança pública e com a prevenção dos crimes.
A segurança pública não se resume ao poder punitivo do Estado. Trata-se de uma rede de atividades que buscam a melhora da qualidade de vida da população, o controle do comportamento humano e a solução adequada dos conflitos, como orienta a resolução 45/110 da ONU:
Devem-se desenvolver mecanismos apropriados para os diversos níveis, de modo a fomentar a criação de vínculos entre serviços responsáveis por medidas não privativas de liberdade, outros setores do sistema de justiça criminal, desenvolvimento social e organismos do bem-estar, tanto governamentais quanto não governamentais, em áreas como saúde, moradia, educação e trabalho e os meios de comunicação.117
Defende ainda que quando uma pena alternativa fracassar em determinada circunstância, não deve automaticamente ser aplicada uma pena privativa de liberdade. A autoridade deve buscar sempre uma alternativa penal adequada ao caso, uma vez que "uma sentença de prisão só pode ser pronunciada se não existirem outras medidas adequadas"118.
O que a ONU orienta desde 1990, portanto, é a adoção, aplicação e supervisão efetivas das medidas não privativas de liberdade, bem como a utilização da pena privativa de liberdade apenas em situações extremas, como ultima ratio. Orienta, inclusive, que até mesmo as medidas não privativas de liberdade sejam "aplicadas de acordo com o princípio da intervenção mínima"119.
Ensina Luiz Luisi que o princípio da intervenção mínima:
preconiza que só se legitima a criminalização de um fato se a mesma constitui meio necessário para a proteção de um determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção se revelam suficientes para a tutela desse bem, a criminalização é incorreta. Somente se a sanção penal for instrumento indispensável de proteção jurídica é que a mesma se legitima.120
Este princípio, embora não esteja explícito na Constituição Federal e nem nos Códigos Penal e Processual Penal, tem o objetivo de deixar ao Direito Penal apenas a tutela por comportamentos que não podem ser solucionados por outros ramos do Direito. Aponta o Direito Penal como último recurso a ser considerado pelo legislador e utilizado pela autoridade judiciária competente.
5.2.3. PREVISÃO LEGAL E POLÍTICA NACIONAL
O Código Penal brasileiro, além das penas privativas de liberdade, prevê atualmente a pena de multa e as restritivas de direito. Estas últimas são (CP, art. 43 - redação dada pela lei 7.209/1984 e alterada pela lei 9.714/1998): prestação pecuniária; perda de bens e valores; prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; interdição temporária de direitos; limitação de fim de semana.
O art. 44 do CP dispõe acerca das condições para substituição da pena privativa de liberdade por uma das penas alternativas e dá outras providências com a seguinte redação:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I – aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II – o réu não for reincidente em crime doloso;
III – a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente.
§ 1o (Vetado)
§ 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por uma pena restritiva de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direitos.
§ 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime.
§ 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão.
§ 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior.
Apenas em 1987 o Brasil teve seu primeiro núcleo de aplicação de penas e medidas alternativas situado no Rio Grande do Sul. Não havia mecanismos de execução satisfatórios, o que desestimulava a adoção dessas penas e medidas pelos magistrados.
No ano de 2000 foi implantado pelo Ministério da Justiça o Programa Nacional de Penas Alternativas com duas finalidades precípuas: a criação de mecanismos que permitissem a real execução das penas e das medidas alternativas; bem como o incentivo direcionado às autoridades competentes à sua adoção e aplicação.
Em 2009 já havia 20 varas e 389 centrais ao longo do território nacional e já haviam sido aplicadas 671.078 penas e medidas alternativas. Isso demonstrou um aumento significativo nos investimento em centrais de aplicação, bem como na aceitação pelas autoridade. Assim demonstra a tabela anexa.121
Embora os números demonstrem certo avanço na adoção das penas alternativas pelos magistrados, muitos ainda se recusam a aplicar tais sanções por uma questão de descrença na real eficiência destas.
O Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre Detenção Arbitrária realizou visita a algumas penitenciárias do Brasil em março de 2013. O relatório final de pesquisa ainda não se encontra disponível e será entregue em 2014 ao Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, na Suíça.
Foram constatados alguns aspectos positivos, decorrentes da alteração do Código de Processo Penal e da LEP com a Lei 12.4013 de 2011, como, por exemplo, a determinação da prisão preventiva como ultima ratio aos que cometeram crimes com penas máximas inferiores a quatro anos de reclusão.
O Grupo de Trabalho, embora tenha frisado alguns avanços, apontou diversas questões que precisam ser trabalhadas pelo governo. "Observou que, na prática, o acesso à justiça para as pessoas presas ou detidas é muito deficiente em muitos aspectos"122.
Foi relatado ainda que
O Brasil tem uma das maiores populações de prisioneiros do mundo, com mais de 550 mil pessoas na prisão. O que é mais preocupante é que cerca de 217 mil detidos aguardam julgamento em prisão preventiva.
(...) como resultado da detenção excessiva, instalações de detenção estavam geralmente superlotadas. Em alguns casos, o número de detidos excedeu a capacidade em 100%. Além disso, um número estimado de 192 mil mandados ainda têm de ser executados.123
Não obstante todo o arcabouço legal permitindo o uso das alternativas penais, o Grupo da ONU relatou que "não houve redução significativa no uso de detenção desde a introdução desta alteração"124.
Em incidências onde medidas como fiança foram aplicadas, o detido não foi capaz de pagar o montante exigido. O Grupo de Trabalho concluiu que a privação de liberdade foi imposta, mesmo em situações em que o crime foi considerado de menor importância, como pequenos roubos não violentos ou o não pagamento de pensão alimentícia, levantando sérias preocupações sobre a aplicação do princípio da proporcionalidade.125
É evidente que a proporcionalidade e a razoabilidade têm de estar presentes em decisões judiciais, inclusive ao optar por uma alternativa penal. Ora, muitas vezes, magistrados determinam fianças absurdas para acusados de realizarem pequenos furtos. Pergunta-se: terão essas pessoas condições de arcarem com tais penalidades? Para que a pena alternativa determinada pela autoridade judicial seja eficaz é necessário, inclusive, que seja observada a condição financeira do infrator. É muito mais adequado no caso da impossibilidade financeira que o magistrado opte pela pena de prestação de serviços à comunidade e não pela fiança.
A maioria dos que estão na prisão são homens jovens e negros de famílias pobres e que não podem pagar advogados privados. O Grupo de Trabalho observou que, em geral, a maioria das pessoas em desvantagem no sistema de justiça criminal, inclusive adolescentes e mulheres, eram pobres e não podiam pagar os meios para uma defesa jurídica adequada.
A sobrecarga de trabalho dos defensores públicos também é um problema crítico. Os defensores públicos que prestam assistência jurídica gratuita pode ter de lidar com até 800 casos ao mesmo tempo. Isso impactou negativamente o direito de um detento à igualdade e julgamento justo.126
O problema do acesso à justiça e da sobrecarga de trabalho dos defensores públicos prejudica, principalmente, a parcela mais carente da sociedade. Isso acaba afetando diretamente o tempo de cumprimento de pena e o julgamento do acusados que, muitas vezes, passam meses ou anos na prisão aguardando julgamento.
No relatório final de pesquisa realizado pela ILANUD Brasil127 denominado 'Levantamento Nacional sobre Execução de Penas Alternativas', foi constatado que seria necessária "uma reforma legislativa, que ampliasse as possibilidades de substituição a aplicação de penas alternativas, seria a única maneira de produzir efeitos sobre o imenso contingente que ingressa nas prisões".128
Para que as penas alternativas representem uma queda significativa na população carcerária nacional, se faz necessária uma alteração do art. 44 do CP, flexibilizando as hipóteses de utilização das mesmas. A reforma seria ainda mais eficaz se o legislador ordinário alterasse as penas cominadas na parte especial do Código Penal. Desta forma, excluindo a possibilidade de pena privativa de liberdade de alguns crimes e cominando penas alternativas, o magistrado seria obrigado a utilizá-las, em função do princípio da legalidade.
Foi constatado também que o Poder Judiciário deveria ser mais presente durante a execução da pena. A fiscalização das medidas não privativas de liberdade ainda são insatisfatórias e ineficientes.
É imprescindível que o Poder Judiciário constituído nas unidades federativas assuma o papel que lhe foi conferido em 1984 no que diz respeito à titularidade da execução das penas alternativas, criando e provendo cargos para que o monitoramento e a fiscalização dessas modalidades penais possam se efetivar.129
Em 2011 foi elaborada a 'Política de Alternativas Penais'130 pela Coordenação Geral de Penas e Medidas Alternativas - CGPMA/DEPEN - e pela Comissão Nacional de Apoio às penas e medidas alternativas - CONAPA e publicada pelo Ministério da Justiça.
Seus principais princípios e diretrizes são exatamente aqueles norteadores das Regras de Tóquio, trazendo as orientações de: prevenção à prática de novos crimes; reconstrução das relações sociais; reparação dos danos das vítimas ou da comunidade; promoção da responsabilização do infrator mantendo sua liberdade e o vínculo com a sociedade; o respeito à dignidade e às garantias individuais; e incentivo à participação da comunidade.
Assim como a ONU, a Política Nacional orienta sua utilização de acordo com o princípio da intervenção mínima, considerando o Direito Penal como último recurso a ser utilizado para a solução de conflitos. O objeto da Política Nacional acabou por inovar ao prever conciliações, mediações e justiça restaurativa - tanto por mecanismos extrajudiciais ou informais, quanto por meio dos órgãos do sistema de justiça - para a solução de conflitos.
Na justiça restaurativa, se o crime é visto como um dano concreto, o principal foco passa a ser a visão prospectiva, centrada nas possibilidades do infrator de atuar para minorar as consequências do crime, a partir do consenso obtido pelo diálogo. A punição assume um ponto secundário e residual, portanto.131
A Justiça Restaurativa, em poucas palavras, é, sem dúvidas, uma grande inovação à realidade brasileira e representa uma esperança de maior racionalização do crime e do dano. Enfrenta o ato ilegal não com revolta e barbárie, mas com a preocupação de minorar os danos causados, de solucionar os impasses com diálogo e de preservar a dignidade humana e o respeito à vítima e ao infrator.
Além dos valiosos mecanismos de solução de conflitos mencionados na Política Nacional, esta ainda subdividiu as atribuições entre os poderes executivos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Orienta que os mesmos criem órgãos responsáveis à administração da política de alternativas penais, busquem incentivar a participação da sociedade e do governo para execução e fiscalização da política, bem como criem mecanismos quem possibilitem essa atuação participativa da comunidade.
5.3. POSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL E NECESSIDADE DE REFORMA LEGISLATIVA PARA ALTERAÇÃO DAS PENAS
As penas alternativas são fortemente incentivadas internacionalmente e já vêm sendo consideradas, estudadas e incentivadas no âmbito interno. Mas resta saber: Pode o juiz atualmente optar pela aplicação de uma pena alternativa em detrimento da privativa de liberdade? A CRFB/88 permite a criação de novas penas alternativas? Quais as medidas legislativas que devem ser tomadas?
Em resposta à primeira pergunta, o Código Penal em poucos crimes permite ao juiz maior margem de discricionariedade, quando há a opção de escolha entre pena privativa de liberdade e pena alternativa. Por exemplo, ao §3º do art. 180 comina: "Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas". Contudo, neste caso, a discricionariedade dada ao juiz é tamanha que a pena alternativa de multa pode não amenizar a situação do réu, mas agravá-la, caso seja punido de forma cumulativa.
A maioria dos crimes tipificados no CP têm a pena de multa não como uma alternativa à reclusão ou detenção, mas como mais uma pena a ser somada à condenação.
Pode o juiz utilizar-se do art. 44 do CP para substituir uma pena privativa de liberdade por uma restritiva de direitos, desde que: "aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; o réu não for reincidente em crime doloso; a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente."132
Ora, o juiz pode optar por uma pena restritiva de direitos nas hipóteses acima, todavia, trata-se de um rol ainda tímido, necessitando de um maior raio de alcance. Além disso, a opção por uma pena restritiva de direitos em detrimento da privativa de liberdade é uma decisão de grande importância, não devendo sofrer influência de critérios tão subjetivos quanto a "personalidade do condenado".
Os critérios deveriam ser o mais objetivos possíveis, evitando sentenças criminais condenatórias lastreadas em subjetivismos e favoritismos. Deixar tal decisão a cargo do poder judiciário resulta em insegurança jurídica e, muitas vezes, decisões desiguais.
Respondida a primeira pergunta, repete-se a segunda: A CRFB/88 permite a criação de novas penas alternativas? Inicialmente, necessária se faz uma breve explicação acerca dos Poderes Constituintes que se dividem em: originário e derivado.
O poder constituinte originário, de fato ou de 1º grau é inicial, ilimitado, incondicionado, autônomo, soberano, permanente e que pode criar uma nova constituição. Se subdivide em fundacional ou histórico e pós-fundacional ou revolucionário133.
O histórico é aquele que se incumbe de criar a primeira carta constitucional da nação. No Brasil se materializou mediante a criação da magna carta de 1824. O revolucionário é aquele que se manifesta durante a criação de todas as demais constituições.
Para Rousseau134, O único que pode despertar o Poder Constituinte Originário para criar uma nova constituição no país é o povo. A CRFB/88 adota o pensamento de Rousseau na exata medida em que o parágrafo único do art. 1º dispõe “todo o poder emana do povo”.
Além do poder originário, há o poder derivado, também denominado poder constituinte de direito ou de 2º grau. Este se subdivide em reformador e decorrente. O reformador é formal quando ocorre através da revisão constitucional prevista no art. 3º da ADCT e das emendas constitucionais, previstas no art. 60 da CRFB/88.
Poderá ser informal quando se manifestar mediante mutação constitucional que é a possibilidade de se alterar a interpretação do texto constitucional, sem a alteração textual. Essa ferramenta é exclusiva dos órgãos do Poder judiciário.
Há, por fim, o poder derivado constitucional decorrente que se resume no poder legislativo. Este, por sua vez, se subdivide em federal, estadual, municipal e distrital. Dadas as devidas explicações introdutórias, questiona-se: para a criação de penas alternativas e cominação destas em substituição das penas privativas de liberdade, quais poderes deverão ser provocados?
A Constituição Federal, em seu art. 5º determina:
XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes:
a) privação ou restrição da liberdade;
b) perda de bens;
c) multa;
d) prestação social alternativa;
e) suspensão ou interdição de direitos;
A CRFB/88 previu cinco diferentes formas de penas e, não obstante, deixou a criação de quaisquer outras penalidades à cargo do legislador ordinário quando disse que "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes".
Em resposta à segunda pergunta, afirma-se que para a criação de novas penas a Constituição não precisa ser modificada. Seu texto permite expressamente a criação de novas penalidades, desde que sejam observadas as seguintes vedações dispostas também no art. 5º:
XLVII - não haverá penas:
a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX;
b) de caráter perpétuo;
c) de trabalhos forçados;
d) de banimento;
e) cruéis;
O único poder que necessita ser provocado, portanto, é o poder constituinte derivado decorrente, ou seja, o poder legislativo ordinário que no âmbito federal se manifesta através das duas casas legislativas: senado federal e câmara dos deputados.
Terceira e última pergunta: Quais as medidas legislativas que devem ser tomadas? O legislador ordinário que decida propor, por exemplo, a alteração das penas cominadas ao furto (art. 155 do CP), retirando a pena privativa de liberdade e cominando uma indenização à vítima, deverá criar um projeto de lei federal que será submetido ao devido processo legislativo e votado em ambas as casas. Caso o hipotético processo seja aprovado, ele modificará o Código Penal, retirando do crime de furto a pena privativa de liberdade e cominando a indenizatória.
Há na Câmara dos Deputados alguns projetos de lei que visam a cominação de penas alternativas ou a menor utilização das penas privativas de liberdade como, por exemplo, o PL 8002/2010 de autoria do Deputado Federal Regis de Oliveira, com a proposta de implantação de Centrais de Acompanhamento de Penas Alternativas. Todavia, tal projeto foi arquivado em março de 2011 pela Mesa da câmara dos deputados.135
Há dois projetos de lei que tramitam na câmara e que visam a cominação de penas alternativas. Contudo, ambos dizem respeito apenas aos crimes de trânsito. São eles: PL 798/2007136 de autoria de Hugo Leal e PL 2246/2011 de Roberto de Lucena137.
O PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº 137 de 2007138 de autoria do Senador Demóstenes Torres busca ampliar a aplicação das penas alternativas. Contudo seu projeto propõe que o juiz tenha total liberdade para aplicação de penas alternativas, inclusive de penas não previstas em lei. Data venia, tal projeto carece de fundamentação jurídica e vai de encontro à um dos princípios mais importantes do Direito Penal que é o princípio da legalidade, neste caso representado pela anterioridade da lei e pela expressão nullum crimen, nulla poena, sine lege.
O Código Penal foi alterado em 1984 pela lei 7.209 e passou a trazer no seu art. 1º que "Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal". A CRFB/88 traz exatamente o mesmo primado no seu art 5º, inc. XXXIX.
O referido Projeto de Lei foi votado e arquivado pela Comissão de Cidadania e Justiça - CCJ - e não poderia ser diferente, uma vez que viola a anterioridade da lei e o princípio da legalidade, bem como a segurança jurídica.
Há outro projeto de lei no senado federal, PSL nº 44 de 2011139 de autoria da Senadora Ana Rita Esgario e que traz a seguinte justificação:
A intenção ao propormos esta modificação legislativa é que se alivie a pressão sobre o sistema carcerário brasileiro, já bastante inchado pelo crescente número de ingressos, deixando que apenas crimes realmente ofensivos à sociedade sejam combatidos com penas de reclusão.140
A justificativa dada pela senadora relata perfeitamente o grande problema da superlotação carcerária e a necessidade de atitude do poder legislativo na busca de soluções. A senadora propõe a cominação das seguintes penas alternativas "admoestação verbal ou; prestação de serviços à comunidade por até 1 (um) ano ou; medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo pelo prazo de até 1 (um) ano"141 ao crime de furto (art. 155) cometido por réu primário, desde que a coisa furtada seja de pequeno valor.
A imposição de penas alternativas, que possuem caráter pedagógico, tem maior efetividade na correção destes indivíduos que o puro encarceramento. Além de o condenado poder reverter a pena em benefício para a comunidade, ao invés de criar mais despesas.142
Os argumentos apontados pela senadora estão expressamente em consonância com duas das "quatro condições da pena alternativa"143 que são: "menos custo ao Estado; e mais utilidade à vítima e/ou à sociedade". Embora não esteja presente no parágrafo citado, a condição de "menor sofrimento ao condenado" também está presente no projeto, uma vez que as penas alternativas sugeridas impõem menos sofrimento e dor do que a pena privativa de liberdade.
A condição de "menos perigo à sociedade" também não estaria contrariada, uma vez que o projeto limita a alteração do art. 155 do CP à aplicação das penas alternativas aos réus primários e quando a coisa furtada for de pequeno valor. Com isso, o PL nº 44 de 2011 é um passo singelo, porém extremamente importante rumo à redução da aplicação da pena privativa de liberdade mediante a cominação de penas alternativas. Atualmente, encontra-se na relatoria do Senado Federal.144
6. CONCLUSÃO
Como foi abordado ao longo deste trabalho, o instituto do cárcere já existia por volta de três a quatro mil anos antes de Cristo, tendo alcançado o status de principal pena utilizada pelo Estado apenas no século XIX, quando o domínio sobre o corpo perdeu força.
A sociedade, desde então, tolera ser fiscalizada e punida pelo Estado por puro medo da criminalidade. Vê nas prisões formas de segregação do bem e do mal, das pessoas de bem dos criminosos. E há cada dias mais o discurso político e midiático da necessidade de uma atuação imperativa da força estatal contra a criminalidade.
Foi visto que, por mais que as Teorias Justificativas das Penas pareçam opostas e conflitantes entre si, todas buscam justificar a existência e a aplicação das penas, legitimando as penalidades impostas pelo Estado. Embora haja uma falsa necessidade do cárcere, este não obtém sucesso na prevenção especial negativa, não reduzindo os índices de criminalidade.
O Estado busca o exercício de poder e controle e o obtém cada vez mais em virtude da legitimação conferida pela sociedade. Contudo, restou demonstrado que por mais poder que o Estado detenha poder, este jamais superará o poder representado pelas organizações e facções criminosas que agem de forma totalmente inescrupulosa e desobediente às leis. O crime atualmente é sistematicamente organizado e exerce o comando dentro e fora das prisões.
Por mais que haja, por exemplo, a proibição legal da entrada e uso de aparelhos telefônicos dentro das penitenciárias, estas não são equipadas com utensílios e mecanismos de fiscalização suficientes para que sejam detectados equipamentos eletrônicos, armamentos, moedas e demais instrumentos que adentrem os estabelecimentos penais.
Na prática, o Estado segrega os condenados nos cárceres em desacordo com a LEP, abarrotados de ilegalidades e sob o domínio de organizações criminosas. Os desviantes presos, almejando a sobrevivência, buscam a qualquer preço se adequarem à cruel situação lá encontrada: um lócus artificial insalubre e degradante, com líderes e regras próprias e abandonado pela administração estatal.
O indivíduo passa, em regra, a tornar-se parte do meio em que encontra-se inserido. Ao retornar à sociedade extra carcerem não tem, em regra, mais os contatos profissionais do ofício que exercia anteriormente à condenação, não consegue ser contratado por empresas e obter emprego. Sem qualquer perspectiva de sobrevivência à sua frente, muitas vezes não lhe resta alternativa senão manter-se em contato com aqueles que se encontram na mesma situação que ele: marginalizados pela sociedade e inseridos no universo criminoso.
A prisão apenas afasta o indivíduo da sociedade extra carcerem, aproximando-o da criminalidade, sendo o cárcere uma verdadeira escola do crime e captação de membros para as facções criminosas. Trata-se de um instituto ultrapassado e falido que não traz segurança à sociedade, não beneficia a vítima e não corrige o infrator.
Restou demonstrado que o Estado desrespeita direitos básicos dos presos previstos na LEP, no que tange aos aspectos de salubridade, condições sanitárias, recreação, educação, trabalho, assistências jurídicas e à saúde. Além disso, no Brasil há a questão da superlotação carcerária que agrava ainda mais os efeitos deletérios do cárcere.
A pena privativa de liberdade é finita. Após seu cumprimento, o condenado é posto em liberdade. E volta pior, uma vez que, desprezado pela sociedade e pelo Estado, adquiriu no cárcere o know-how do crime e incorporou o sentimento de belonging à criminalidade. Portanto, os indivíduos são colocados no cárcere e de lá saem mais embrutecidos e o resultado disso é, obviamente, aumento da violência e da reincidência, bem como maior prejuízo à sociedade nos aspectos social, econômico, cultural e jurídico.
Como demonstrado, havia em março de 2013 quase 200 mil (duzentos mil) mandados de prisão aguardando cumprimento pela força policial ao longo do território nacional. Isso ocorre pelos seguintes fatores principais: favoritismos, corrupção e falta de espaço nos estabelecimentos penais. O que gera, evidentemente, impunidade e desigualdade. A maioria dos princípios norteadores da Administração Pública, previstos no art. 37 da CRFB/88, são frontalmente desrespeitados, uma vez que o Estado não tem agido com a devida: legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.
O empenho do Estado deve ser em evitar situações de risco, combater a corrupção e punir de forma branda, porém infalível. A certeza de uma punição - mesmo que leve - intimida mais do que uma pena grave acompanhada da possibilidade da impunidade.
Como solução aos problemas apontados, muitos juristas sugerem o enrijecimento do sistema punitivo. Todavia, isto iria de encontro aos princípios da CRFB/88 e à intenção do legislador constituinte de 1988, além de que não solucionaria os problemas da impunidade, da superlotação carcerária, da violência e do crime organizado.
Foram analisadas as principais ramificações das Teorias Abolicionistas e a solução conferida neste trabalho é a manutenção do sistema punitivo estatal e a abolição paulatina do cárcere - como uma medida a longo prazo a ser almejada por juristas, concretizada pelo poder legislativo e adotada pelos magistrados.
Sugere-se que sejam feitas reformas legislativas para adoção de mais penas alternativas - como as sugeridas pela ONU através das Regras de Tóquio -, alterando o art. 43 do CP e dando mais opções ao magistrado; à maior possibilidade de adoção das penas alternativas, aumentando o alcance do art. 44 do CP; à adoção da Justiça Restaurativa; e ao maior apoio à vítima e à comunidade afetada.
Em pesquisa feita pela ONU em 2013, restou demonstrado que as penas alternativas são pouco aplicadas pelos magistrados brasileiros; as prisões preventivas ainda são fortemente utilizadas; os estabelecimentos penais encontram-se hiper-saturados, em condições insalubres e degradantes e verdadeiro abandono.
Sugerem os pesquisadores da ONU a aplicação do princípio da intervenção mínima; o uso da prisão preventiva apenas em medidas extremas; a maior adoção das penas alternativas com alteração significativa do art. 44 do CP; a ampliação do acesso à justiça, principalmente por pessoas de baixa renda; e a maior atuação e fiscalização por parte do Poder Judiciário durante a execução das penas.
Poucos são os projetos legislativos existentes atualmente que versem sobre o tema. Há a necessidade de maior conscientização dos legisladores da problemática atual, para que as atitudes acima elencadas deixem de ser meras ideias e conjecturas.
Em suma, o embrutecimento do sistema punitivo seria um verdadeiro retrocesso à evolução ideológica que vem sendo construída pelo constitucionalismo brasileiro. A dignidade humana, já muito desprezada não somente nos estabelecimentos penais, como em todas as deficiências sociais brasileiras, precisa tornar-se o centro das atenções dos novos projetos legislativos.
Tirar a liberdade do infrator e tratá-lo como se um animal fosse. É tirar a autonomia de sua própria vida, a responsabilidade pelo seu próprio sustento e de família, é colocá-lo em um abismo - uma queda sem fim em que o desviante se afunda no poço da discriminação social, da criminalidade e do abandono.
Segregar um indivíduo no ambiente carcerário é puni-lo com algo muito pior do que a morte: obrigar-lhe a viver num mundo de monstros, de desesperança, de desumanidade; conferir-lhe o status de 'inferior' e 'sem valor'; garantir-lhe que jamais terá paz, emprego, respeito e dignidade; condenar-lhe à uma vida de discriminação que será muito mais cruel e penosa do que qualquer pena de morte lenta e dolorosa.
Dignidade humana é a garantia de uma vida com respeito e igualdade. Princípio constitucional que vem sendo ignorado enquanto não houver educação e saúde de qualidade à todos; saneamento básico em todo o território nacional; pessoas morrendo de fome; analfabetismo, desemprego e miséria em pleno século XXI.
O foco da Ciência do Direito deve ser em garantir a dignidade humana em todas as formas de expressão; em todo o alcance que ela pode ter; e à todos os indivíduos indistintamente. Por isso que a solução para o sistema punitivo não repousa no enrijecimento das penalidades, mas sim na preocupação sincera com a recuperação dos infratores; a assistência às vítimas; a cominação de penas que representem menos custo ao Estado, menos sofrimento ao condenado, menos perigo à sociedade e mais utilidade à vítima e/ou à sociedade.
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_________. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. / Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli - 5 ed. rev. e atual. - São paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.
8. ANEXOS
1 Assim considerados quando comparados aos documentos legais equivalentes em outros países.
2 WOLKMER, Antonio Carlos. Fundamentos de História do Direito. 7 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2012. (p. 1-12).
3 ESTEFAM, André. Direito Penal. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Saraiva. 2012, p. 54.
4 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da Pena de Prisão. 2009. 134 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 3.
5 Ibidem, p. 3.
6 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da Pena de Prisão. 2009. 134 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, passim.
7 Ibidem, p. 14-15.
8 Ibidem, p. 14-15.
9 ibidem, p. 15.
10 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, passim.
11 Ibidem, p. 16.
12 Ibidem, p. 19.
13 Ibidem, p. 19.
14 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da Pena de Prisão. 2009. 134 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 40.
15 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 199.
16 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da Pena de Prisão. 2009. 134 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 92 - 112.
17 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, passim.
18 CHIAVERINI, Tatiana. Origem da Pena de Prisão. 2009. 134 fls. Dissertação (Mestrado em Filosofia do Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, passim.
19 Expressão inglesa surgida a partir da revolução industrial que significa "conhecimento processual/ técnico" de como se resolver ou fazer algo.
20 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Org. e trad. Roberto Machado. 20 ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 2004, p. 132-138.
21 Bernardo Montalvão, em aulas ministradas em setembro de 2013 sobre as Teorias Justificativas da Pena da disciplina Direito Processual Penal III do curso de Direito da Universidade Católica de Salvador.
22 Ibidem.
23 Ibidem.
24 Bernardo Montalvão, em aulas ministradas em setembro de 2013 sobre as Teorias Justificativas da Pena da disciplina Direito Processual Penal III do curso de Direito da Universidade Católica de Salvador.
25 Ibidem.
26 FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão: teoria do garantismo penal. - Prefácio da 1 ed. italiana, Norberto Bobbio - 3 ed. rev. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, passim.
27 Este capítulo aborda apenas as teorias clássicas a respeito da finalidade da pena, não negando, todavia, a existência de diversas outras teorias existentes.
28 Expressão constantemente utilizada por instrumentos midiáticos de poder e influência.
29 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 131-132.
30 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Tradução Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2001, p. 27.
31 SOUZA, Percival de. O sindicato do crime: PCC e outros grupos. São Paulo: Ediouro, 2006, p. 9 et seq.
32 "Primeiro Comando da Capital".
33 Surgiu a partir do final da década de 1970 - mais especificamente em 1979, dentro de prisões do Estado do Rio de Janeiro.
34 Facção criminosa nascida na década de 1980 nas prisões do Estado de São Paulo.
35 SOUZA, Percival de. O sindicato do crime: PCC e outros grupos. São Paulo: Ediouro, 2006, p. 21.
36 Ibidem, p. 21.
37 Departamento Estadual de Investigações.
38 , Percival de. O sindicato do crime: PCC e outros grupos. São Paulo: Ediouro, 2006, p. 42.
39 Líder do bloco/ módulo penitenciário.
40 Subitem 3.1 - O LOCUS ARTIFICIAL DAS PENITENCIÁRIAS
41 Expressão inglesa que significa pertencer; sensação de pertencimento.
42 De dentro do cárcere.
43 Externa ao cárcere.
44 Termo utilizado por Aury Lopes Jr. para referir-se aos presos.
45 RASSI, Renato Da Cunha Lima. A falência do sistema prisional. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XII, n. 65, jun 2009. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=6355>. Acesso em set 2013;
46 STF, ADIn 293-7/600, RT, 700/221, 1994.
47 Piovesan, Flávia. Temas de direitos humanos. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 428.
48 "Norma(s) definidora(s) de direitos e garantias, mas também de deveres fundamentais" (SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais - 10ª ed. Porto Alegre, Livr. do Advogado, 2011, p. 92.
49 Disponível em < http://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19099786/recurso-especial-resp-962934-ms-2007-0145328-6/inteiro-teor-19099787 > Acesso em setembro de 2013.
50 REGRAS MÍNIMAS PARA O TRATAMENTO DE PRISIONEIROS. Adotadas pelo 1º Congresso das Nações Unidas sobre Prevenção do Crime e Tratamento de Delinqüentes, realizado em Genebra, em 1955, e aprovadas pelo Conselho Econômico e Social da ONU através da sua RESOLUÇÃO Nº 663 C I (XXIV), de 31 de julho de 1957, aditada pela RESOLUÇÃO Nº 2076 (LXII) de 13 de maio de 1977. Em 25 de maio de 1984, através da RESOLUÇÃO Nº 1984/47, o Conselho Econômico e Social aprovou treze procedimentos para a aplicação efetiva das Regras Mínimas.
51 Acervo Folha. [Registro online de artigos jornalísticos]. Maus tratos de presos. 1946-2013. Disponível em: < http://acervo.folha.com.br >. Acesso em: agosto de 2013.
52 MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 29. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 16.
53 Dados correspondentes até abril de 2013. Disponível em: < http://acervo.folha.com.br >. Acesso em 23/08/2013;
54 Nenhum dos servidores entrevistados tiveram a identidade revelada neste trabalho acadêmico. Seus dados foram mantidos em absoluto sigilo para a própria segurança dos mesmos.
55 Agentes penitenciários.
56 Do latim, fora do cárcere.
57 Vídeo-aula de Psicologia Jurídica ministrada pelo Professor Davi Goldman sobre "Teoria do Conflito", veiculada pela Rede LFG em maio de 2012. Acesso: setembro de 2013;
58 Ver subitem 2.1 O SURGIMENTO DA PRISÃO E SUA FINALDIADE.
59 Denominação dada pelos presos ao chefe/ líder do bloco penitenciário.
60 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 294.
61 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, p. 253.
62 Exposição de Motivos nº 213, 1983, p. 7.
63 Exposição de Motivos nº 213, 1983, p. 7.
64 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, p. 251.
65 Disponível em < http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-22166AD2E896%7D&Team=¶ms=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-8B16-24D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D >; Acesso: setembro de 2013.
66 No sentido de sofrer igual mal.
67 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 4. ed red. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 98.
68 Ibidem, p. 100.
69 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Tradução Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2001, p. 270.
70 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. / Eugenio Raúl Zaffaroni, José Henrique Pierangeli - 5 ed. rev. e atual. - São paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 271.
71 Ibidem, p. 580.
72 BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 10 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005, p. 104.
73 ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Tradução Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2001, p. 275.
74 Ibidem, passim.
75 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 4. ed red. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 94.
76 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 4. ed red. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, p. 95.
77 Expressão utilizada por Beccaria. Ibidem, p. 94.
78 SOUZA, Percival de. O sindicato do crime: PCC e outros grupos. São Paulo: Ediouro, 2006, p. 39.
79 GARRONE, Raimundo. Rebelião no Maranhão deixa 9 mortos e provoca boatos. out 2013. Disponível em
80 BECCARIA, Cesare Bonesana. Dos delitos e das penas. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella. 4. ed red. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, passim.
81 Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/noticias/cnj/23760:brasil-tem-mais-de-192-mil-mandados-de-prisao-aguardando-cumprimento >. Acessado em: novembro de 2013.
82 ZARA, Murilo. Facção com ajuda da polícia chegou a faturar R$ 120 milhões por ano. out 2013. Disponível em < http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2013/10/faccao-com-ajuda-da-policia-chegou-faturar-r-120-milhoes-por-ano.html>. Acesso em 14/10/2013.
83 O tema quatro condições da pena alternativa foi desenvolvido no subitem 4.2 POLÍTICA DE PENAS ALTERNATIVAS.
84 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 37.
85 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 37.
86 GODWIN, William. Sobre o castigo. WOODCOCK, George (org.). Os grandes escritos anarquistas. Tradução Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Porto Alegre, RS: L & PM Editores, 1981, p. 110.
87 KROPOTKIN, Peter. A prisão e seus efeitos. WOODCOCK, George (org.). Os grandes escritos anarquistas. Tradução Júlia Tettamanzi e Betina Becker. Porto Alegre, RS: L & PM Editores, 1981, p. 114 e 115.
88 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 13 a 14.
89 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 8
90 Ibidem, p. 12
91 Ibidem, p. 11.
92 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 10.
93 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5. ed. Tradução Vania Romano Pedrosa, Amir Lopez da Conceição. Rio de Janeiro, RJ: Revan, 2001, p. 102.
94 Ibidem, p. 102.
95 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 36 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009, passim.
96 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 14 a 17.
97 Ibidem, p. 16.
98 Sebástian Albuquerque Melo durante palestra sobre Direito Penal, multidões, manifestações populares no congresso Novas Teses das Ciências Criminais ocorridos nos dias 18 e 19 de outubro de 2013 no Fiesta Convention Center, em Salvador-BA.
99 Ibidem.
100 CARVALHO, Salo de (organizador). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, nota de rodapé nº 12.
101 FRAGOSO, Heleno Cláudio apud ROLIM, Marcos. O Labirinto, o Minotauro e o Fio de Ariadne. Os encarcerados e a Cidadania, Além do Mito. / CARVALHO, Salo de (Org.). Crítica à Execução Penal: doutrina, jurisprudência e projetos legislativos. Rio de Janeiro, RJ: Editora Lumen Juris, 2002, p. 316.
102 JESUS, Damásio E. de. Penas Alternativas: anotações à lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 29.
103 Ibidem, p. 30.
104 Ibidem, p. 31-32.
105 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas Alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 39.
106 Ibidem, p. 40.
107 Vide Subitem 4.2.2 Incentivo Internacional.
108 Vide Subitem 4.2.3 Surgimento no Brasil e Política Nacional
109 JESUS, Damásio E. de. Penas Alternativas: anotações à lei n. 9.714, de 25 de novembro de 1998. São Paulo: Saraiva, 1999, passim.
110 Acerca das condições de substituição de pena, vide subitem 4.2.3 Surgimento no Brasil e Política Nacional.
111 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas Alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, 73-77.
112 BITENCOURT, Cezar Roberto. Novas Penas Alternativas: análise político-criminal das alterações da Lei n. 9.714/98. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 73.
113 Ibidem, p. 73.
114 Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. Brasília, 2009, p. 114-123.
115 GOMES. Luiz Flávio. Penas e Medidas Alternativas à Prisão. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 25-26.
116 Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. Brasília, 2009, p. 117 e 118.
117 Brasil. Ministério da Justiça. Secretaria Nacional de Justiça. Normas e princípios das Nações Unidas sobre prevenção ao crime e justiça criminal. Brasília, 2009, p. 122 e 123.
118 Ibidem, p. 120.
119 Ibidem, p. 115.
120 LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2 ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2002, p.39.
121 Brasil. Ministério da Justiça. CONAPA. 10 anos da política nacional de penas e medidas alternativas. Brasília, 2010, p. 16-17;
122 Disponível em: < http://www.onu.org.br/grupo-de-trabalho-sobre-detencao-arbitraria-declaracao-apos-a-conclusao-de-sua-visita-ao-brasil-18-a-28-marco-de-2013/ > Acesso em novembro de 2013.
123 Disponível em: < http://www.onu.org.br/grupo-de-trabalho-sobre-detencao-arbitraria-declaracao-apos-a-conclusao-de-sua-visita-ao-brasil-18-a-28-marco-de-2013/ > Acesso em novembro de 2013.
124 Disponível em: < http://www.onu.org.br/grupo-de-trabalho-sobre-detencao-arbitraria-declaracao-apos-a-conclusao-de-sua-visita-ao-brasil-18-a-28-marco-de-2013/ > Acesso em novembro de 2013.
125 Ibidem.
126 Ibidem.
127 Instituto Latino-americano das Nações Unidas para a prevenção do Direito e tratamento do delinquente.
128 Ibidem, p. 18.
129 Brasil. ILANUD. Levantamento Nacional sobre Execução de Penas Alternativas. Relatório Final de Pesquisa. 2006, p. 21.
130 Brasil. Ministério da Justiça. DEPEN, CONAPA. Política de alternativas penais: a concepção de uma política de segurança pública e de justiça. 2011. Disponível em: < http://portal.mj.gov.br/main.asp?View={47E6462C-55C9-457C-99EC-5A46AFC02DA7}&BrowserType=NN&LangID=pt-br¶ms=itemID%3D%7B9DBD6DCA%2D4293%2D4BBE%2DB379%2D9BE849A1AE82%7D%3B&UIPartUID=%7B2868BA3C%2D1C72%2D4347%2DBE11%2DA26F70F4CB26%7D > Acesso em: novembro de 2013.
131 LUZ, Ilana Martins Luz. Justiça Restaurativa: a ascensão do intérprete e a nova racionalidade criminal. Orientadora Prof.ª. Dr.ª Selma Pereira de Santana. 205 fls. Monografia (Pós-graduação em Direito). Universidade Federal da Bahia. Salvador/ BA, 2012, p. 113.
132 Art. 44 do CP, incisos I, II e III com redação dada pela Lei 9.714 de 1998.
133 Aula presencial de Direito Constitucional ministrada pelo Professor Fábio Tavares Sobreira sobre "Poder Constituinte", ocorrida na Instituição de Ensino JusPodivm, Salvador-BA, em janeiro de 2013.
134 ROUSSEAU, Jean-Jacques. O contrato social. Trad. Rolando Roque da Silva. Edição Eletrônica: Ed. Ridendo Castigat Mores. Fonte Digital: www.jahr.org, 2002, passim.
135 Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=489532 > Acesso em: novembro de 2013;
136 Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=348984 > Acesso em: novembro de 2013;
137 Disponível em < http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=519124 > Acesso em: novembro de 2013;
138 Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=80310 > Acesso em: novembro de 2013.
139 Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99147 > Acesso em novembro de 2013;
140 Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=86897&tp=1 > Acesso em novembro de 2013;
141 ibidem.
142 Ibidem.
143 Vide subitem 3.3 in fine e 4.2.1 desde trabalho.
144 Disponível em < http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=99147 > Acesso em novembro de 2013.
Publicado por: Fernanda Pimentel Sá
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