A Nova Ordem Dos Créditos na Lei de Falências e a Priorização do Interesse Econômico em Detrimento do Interesse Social

índice

  1. 1. RESUMO
  2. 2. INTRODUÇÃO
  3. 3. DA FALÊNCIA
    1. 3.1 Origem Etimológica de “Falência”
    2. 3.2 Breve Histórico
      1. 3.2.1 Direito romano
      2. 3.2.2 ​​​​​​​Direito medieval
      3. 3.2.3 Direito moderno
      4. 3.2.4 Direito contemporâneo
    3. 3.3 ​​​​​​​A Evolução Histórica da Falência no Brasil
      1. 3.3.1 ​​​​​​​​​​​​​​Fase do direito português
      2. 3.3.2 ​​​​​​​​​​​​​​A fase do Império
      3. 3.3.3 ​​​​​​​​​​​​​​Fase da república
      4. 3.3.4 ​​​​​​​​​​​​​​A fase do Decreto-Lei n. 7.661/45
      5. 3.3.5 A Lei n. 11.101/05
    4. 3.4 Os Princípios que Regem a Falência
      1. 3.4.1 ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da viabilidade da empresa
      2. 3.4.2 Princípio da proteção aos trabalhadores
      3. 3.4.3 Princípio da Celeridade do processo falimentar
      4. 3.4.4 ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da publicidade
      5. 3.4.5 ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da par conditio creditorum
      6. 3.4.6 ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da maximização dos ativos
  4. 4. DA LIQUIDAÇÃO CONCURSAL
    1. 4.1 Da Administração da Falência
    2. 4.2 Do Ministério Público na Falência
    3. 4.3 ​​​​​​​Do Comitê de Credores
    4. 4.4 ​​​​​​​Da Assembleia-Geral de Credores
    5. 4.5 Do Juiz na Falência
    6. 4.6 ​​​​​​​Fase da Arrecadação dos Bens
    7. 4.7 Da Liquidação Propriamente Dita
      1. 4.7.1 Das formas de liquidação do ativo do devedor determinadas pela lei 11.101/05
      2. 4.7.2 ​​​​​​​​​​​​​​A sucessão na alienação
      3. 4.7.3 ​​​​​​​​​​​​​​Das modalidades de realização do ativo
      4. 4.7.4 Da impugnação da alienação dos bens
      5. 4.7.5 ​​​​​​​Da possibilidade de modalidades diversas de alienação do ativo
      6. 4.7.6 ​​​​​​​​​​​​​Das condições inerentes à alienação
  5. 5. OS CRÉDITOS FALIMENTARES E A NOVA ORDEM ESTABELECIDA
    1. 5.1 Da Pena Capital
    2. 5.2 Do Período Repressivo
    3. 5.3 Do Período Satisfativo
    4. 5.4 ​​​​​​​Nova Ordem dos Créditos na Falência em Decorrência da Lei 11.101/05
      1. 5.4.1 ​​​​​​​Da ordem dos créditos no Decreto-Lei n. 7.661/45
      2. 5.4.2 Da ordem dos créditos na lei 11.101/05
    5. 5.5  A Ordem de Pagamento Estabelecida pelo Decreto-Lei n. 7.661/45 e a Inversão em Decorrência da Lei n. 11.101/05
    6. 5.6 Da Natureza dos Créditos com Garantia Real e dos Créditos Tributários
      1. 5.6.1 ​​​​​​​Dos créditos com garantia real
      2. 5.6.2 Dos créditos tributários
    7. 5.7 Do Projeto de Lei n. 71 de 2003 e as Justificativas Acerca da Nova Ordem dos Créditos na Falência
    8. 5.8 Dos Aspectos Políticos e Econômicos da Mudança Ocorrida na Ordem dos Créditos na Falência
    9. 5.9 ​​​​​​​A Situação Econômica Brasileira Após a Lei n. 11.101/05 no que Tange aos seus Objetivos Econômicos
  6. 6. CONCLUSÃO
  7. 7. NOTAS DE RODAPÉ
  8. 8. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO

O tratamento histórico dado ao crédito, no que diz respeito ao seu pagamento, sofreu várias modificações com o passar do tempo. Nos primórdios, era possível a disposição do próprio corpo ou da própria liberdade para fins de saldar dívida existente. Posteriormente, fundou-se a ingerência no patrimônio do devedor com o mesmo objetivo, noção esta que perdura até os nossos dias. A insolvência e falência empresarial é detentora do mesmo histórico, o que demonstra que atualmente, há tão somente a utilização do patrimônio do empresário ou da sociedade empresária para pagar os créditos devidos. No Brasil, a legislação atual criou, em modificação à legislação anterior, limitações e preferências aos créditos devidos, os quais dependerão do pagamento dos créditos anteriores para que o seu saldar seja efetivado. Ocorre que, com a modificação na ordem e preferência de pagamento, mais precisamente dos créditos com garantia real e créditos tributários, estes, cuja natureza é essencialmente social, passaram a ser superados por aqueles, cuja natureza é estritamente econômica e totalmente interligados aos interesses das instituições financeiras, visando garantir os mesmos. Assim, evidencia-se o imperar dos interesses econômicos, quando da elaboração e modificação da ordem dos créditos na falência, e a diminuição do valor que é devido aos interesses sociais existentes no conteúdo dos créditos sociais, ou seja, os tributários.  

 Palavras-chave: Direito empresarial. Falência. Nova ordem dos créditos. Interesse econômico e social.

 ABSTRACT

 "The historical treatment given the credit, with regard to the payment, has suffered several modifications over time. In the early days, it was possible the disposition of own body or liberty for the purpose of payments of existing debt. Thereafter, started the interference on the debtor's assets with the same objective, a concept that continues to this day. The corporate insolvency and bankruptcy holds the same history, which shows that currently there is only use of the patrimony of the entrepreneur or entrepreneurial company to pay the claims owed. In Brazil, the current legislation created, in modification to the previous legislation, limitations and preferences to credits, which depend of the payment of previous credits so the pay is finalized. It happens that, with the change in the payment order and preferences, more precisely of secured credits and tax credits, those, whose nature is essentially social, began overcome by those whose nature is strictly and fully interconnected economically to the interests of financial institutions in order to ensure the same. Therefore is evidenced the economic interests reigning, when preparing and modifying the order of claims in bankruptcy, and the decrease of value is due to the social interests in the content of social credits, ie, the taxes."

Keyword: Business law. Bankruptcy. New order of credits. Economic and social interest.

2. INTRODUÇÃO

O crédito, desde o nascimento do Direito Comercial, e até mesmo antes deste, sempre se mostrou ser o objeto principal nas relações comerciais entre os indivíduos. Desde os primórdios, as legislações e civilizações sempre buscaram a satisfação dos créditos de diversas formas, para que o pagamento fosse efetuado. Várias foram às leis que surgiram, às quais determinavam os procedimentos de se alcançar o pagamento dos créditos e o tratamento que deveria ser dado em face daquele que se encontrava em situação de devedor.

Nos dias atuais, no Brasil, o empresário ou a sociedade empresária que se encontre em situação de insolvência e que não possua condições de pagar as suas dívidas, é atendido pela Lei 11.101 de 2005, conhecida como a Lei de Recuperação de Empresas, a qual elenca o instituto da Falência, instituto este destinado aos devedores não mais passíveis de se reerguerem e retomarem suas atividades.

A nova lei de falência, ou lei de recuperação de empresas, trata dos créditos no instituto da falência, no que diz respeito à ordem de pagamento, em razão da natureza e do valor do crédito, em seu artigo 83. Esta ordem determinada foi considerada como uma das principais mudanças ocorridas com a entrada em vigor da nova lei em comparação com a lei anterior. A mudança propriamente dita está localizada na inversão ocorrida nos créditos com garantia real no valor do bem gravado e nos créditos tributários.

O período no qual ocorreu a modificação da lei também se tornou fator importante para fins de entendimento das motivações e para a constatação dos fatores propulsores da análise e conclusão de que o melhor era a inversão dos créditos falimentares. A situação política do período de modificação e aprovação da lei de recuperação e falência exerceu papel essencial e determinante para que as preferências fossem estabelecidas na letra da lei, fato este que se mostra importante para fins de conhecimento dos motivos e prioridades atendidas pelo legislativo e executivo do período.

Em sede de projeto de lei, vários foram os fundamentos apresentados para justificar a determinação da nova ordem de pagamento dos créditos na falência, fundamentos estes econômicos e sociais, aos quais dividiram os doutrinadores naqueles que entendiam pela correta colocação dos créditos e naqueles que não concordavam com a modificação por razões sociais.

Em razão da grande importância que tem a legislação no âmbito empresarial para a sociedade, tendo em vista ser a atividade econômica a escolha de vários cidadãos para a sua sobrevivência e, ainda, a importância do atendimento, por parte do poder legislativo e suas atribuições, do interesse social, justifica-se a necessidade de um estudo acerca das reais intenções, influências e prioridades que desencadearam os novos ditames legais em sede de falência na preferência no pagamento dos créditos.

Como objetivo geral, a presente tese tem por fim traçar um detalhado estudo jurídico acerca da nova ordem dos créditos na lei de falência e a priorização do interesse econômico em detrimento do interesse social, tendo o foco em três objetivos específicos, quais sejam: o aspecto histórico da falência e seus princípios norteadores; a forma de liquidação concursal em vigor na nova lei falimentar brasileira; e, por fim, a forma de execução dos créditos durante a transformação legislativa falimentar e a nova ordem de preferência de pagamento dos créditos na falência sob o ponto de vista da real priorização exercida quando da elaboração e modificação da lei, tendo em vista ser necessário e obrigatório o atendimento dos interesses sociais quando da elaboração de leis pelo Poder Legislativo.

O método científico utilizado no presente trabalho foi o dedutivo, tendo em vista a utilização e a confrontação de várias informações já existentes acerca do tema, com o fim de se alcançar conclusões a partir da análise de teorias maiores consideradas verídicas e teorias menores. A pesquisa feita foi a bibliográfica, embasada em materiais já publicados como livros, artigos e documentos retirados da internet.

3. DA FALÊNCIA

3.1. Origem Etimológica de “Falência”

Segundo Requião (1995, p. 3 apud CAMPOS FILHO, 2006, p. 321) o vocábulo falência tem sua origem etimológica no verbo falir, o qual proveio do verbo latino fallere, o qual significa faltar, enganar.

Plácido e Silva (1998, p. 345 apud NEGRÃO, 2004, p. 6) declaram ser a falência, em consonância com a etimologia da palavra, “a falta de cumprimento à obrigação assumida, ou o engano do devedor ao credor pelo inadimplemento da obrigação em seu vencimento”.

No mesmo sentido, o dicionarista Aurélio (FERREIRA, 2008, p. 395) define a falência como “ato de falir; quebra” e o verbo falir como a condição de “1. Não ter com que pagar aos credores; quebrar. 2. Malograr-se, fracassar. 3. Desfalecer”.

Ainda, nas palavras de Borba (1991, apud NEGRÃO, 2004, p. 6):

[...] (1) com sujeito paciente expresso por nome humano, significa ficar sem recursos para pagar os credores, perder os bens (...); (2) com sujeito paciente expresso por nome designativo de instituição humana não- econômica ou nome abstrato significa malograr, fracassar (...); (3) com sujeito paciente expresso por nome abstrato e com complemento da forma “a” mais nome humano, significa diminuir, minguar (...)

Da leitura dos conceitos supracitados, observa-se que a ideia de falir sempre esteve intimamente ligada com a escassez de recursos para o fim de pagamento de obrigações que outrora foram contraídas e também, com a possível má-fé exercida em face daquele que espera ter seu valor recebido.

A ideia da existência de uma ligação entre a má-fe é a quebra de uma atividade econômica persiste até os dias atuais, bem como o pensamento de que se um empresário ou sociedade empresária enfrenta dificuldades em manter suas portas abertas, significa dizer que em sua administração foram cometidos atos eivados de ilegalidade e intenções de se sobressair, em detrimento dos demais envolvidos nos seus negócios.

É possível perceber que nos dias atuais, com o crescimento da economia e com o surgimento de novas atividades econômicas, o soerguimento de novos desafios para os empreendedores. Estes, com frequência, enfrentam dificuldades de se manterem, em razão da concorrência ou da constante exigência do mundo globalizado de ser sempre um gerador de novidades e diferenciais.

Diante da situação de fracasso e desordem que muitas vezes atinge os empresários e sociedades empresárias, o que enseja o não pagamento de suas obrigações contraídas ao longo da atividade, tem-se a formação do fenômeno da falência, que é o fim da atividade econômica.

3.2. Breve Histórico

3.2.1. Direito romano

O histórico da falência tem início no Direito Romano. Neste período o devedor era passível de responder por suas dívidas com o seu próprio corpo, o qual poderia sofrer com a escravidão e cárcere privado ou até mesmo com a retirada de partes para fins de saldar a dívida. Nas palavras de Fazzio Júnior (2008, p. 7): “No Direito Romano mais antigo, a execução incidia sobre a pessoa do devedor, do que é exemplo significativo a manus in jectio, que autorizava ao credor manter o devedor em cárcere privado ou escravizá-lo”.

Após a fase de sofrimentos físicos objetivando o saneamento de dívidas, deu- se início à fase de atos de constrição sobre o patrimônio do devedor, com a edição da lei Paetelia Papiria, no mesmo Direito Romano, na qual era admissível “a execução forçada das condenações em dinheiro por meio da venditio bonorum”. (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 7).

Por fim, neste mesmo período, deu-se início a uma última fase onde, segundo o autor supracitado (2008, p. 7) houve o surgimento da “administração da massa, a assembleia de credores, a classificação dos créditos, a revogação dos atos fraudulentos do devedor e, sobretudo, a regra essencial da par conditio omnium creditorum”.

3.2.2. ​​​​​​​Direito medieval

A fase do Direito Medieval tem por característica marcante o crescimento do poder de mando do Estado e, em contrapartida, a retirada do controle da execução das mãos dos particulares.

Caminhou-se, gradativamente, para a supressão do teor privado da execução, a qual se tornou monopólio do Estado. O que não quer dizer que desapareceram de todo as medidas coativas sobre a pessoa para constrangerem o devedor a pagar (ABRÃO, 1993, p. 18).

Denota-se que apesar de transformações terem ocorrido, a visão de pagamento de dívidas com o próprio corpo ainda deixava resquícios no meio social, tendo em vista ser, enganosamente, o meio mais rápido e eficaz de se alcançar o crédito devido.

No que diz respeito às normas adstritas à falência, nasceram, em meados do século XIII os Estatutos medievais das cidades italianas, importantes no estudo do surgimento da falência, a partir dos quais surgiram modificações, para o fim de aperfeiçoamento da falência ao meio social, o que perdura até os dias atuais (ABRÃO, 1993, p. 19).

Importante dizer que a falência, neste momento histórico, era estabelecida a partir do instante em que o devedor fugia, desaparecia sem deixar patrimônio suficiente para saldar suas dívidas. Nas palavras de Abrão (1993, p. 18): “A fuga ou a ocultação do devedor, de molde a que se tornasse praticamente impossível sua localização, não tendo deixado bens suficientes para pagar, gerava a presunção da insolvência”.

Em síntese, a falência, no período medieval, pode ser definida nas seguintes palavras:

Do exposto, verificamos que a falência surgiu dos estatutos medievais das cidades italianas com o escopo de, por meio de um processo expropriatório global dos bens do devedor, comerciante ou artesão, fugitivo, ou que se ocultava, presumindo-se, por isso, sua insolvência, lograr-se um resultado solutório, isto é, o pagamento dos credores (ABRÃO, 1993, p. 18).

3.2.3. Direito moderno

A legislação italiana exerceu grande influência sobre a falência no direito moderno, posterior à idade média. Países como Alemanha, Holanda e França foram os que mais sentiram o reflexo dessa nova legislação. Neste período, na França, houve o regulamento da falência e da chamada bancarrota pela Ordenação Savary, codificando o Direito Consuetudinário. A falência era prevista não somente para os comerciantes, mas também para os devedores em geral (ABRÃO 1993, p. 22).

Somente a partir da edição do Código Civil e Código Comercial por Napoleão Bonaparte, na primeira década do século XIX é que se concretizou o objetivo de se alcançar um número maior de devedores incluídos na falência (FAZZIO, JÚNIOR, 2008, p. 10).

Mudanças consideráveis ocorreram nesse período, ainda, no que diz respeito à regência das situações de falência. Fazzio Júnior (2008, p. 9) afirma que, nesse período, o Estado passou a se revestir de ingerência política e jurídica nas relações de crédito, incluindo-se os casos de insolvência. As sanções inerentes ao processo falimentar passaram a ser aplicadas tão somente pelos Estados e as causas falimentares se tornaram objeto de análise jurisdicional. Os organismos jurisdicionais passaram a garantir a liquidação patrimonial do devedor, e também aplicavam a lei.

Ainda, nas palavras de Fazzio Júnior (2008, p. 9), “No século XVII, as Ordenações Filipinas trataram das quebras dos mercadores, e o Alvará Real de 1756, em Lisboa, estabeleceu um processo peculiar para os negociantes falidos”.

Por fim, entende-se por Direito Moderno Falimentar como a fase de transformações concernentes à regência de situações de falência. Esta passou a estar, tão somente, nas mãos do Estado, o qual passou a exercer o papel de gerente político e econômico, não mais existindo o controle dos devedores e sua situação de dificuldade pelos credores insatisfeitos com a inadimplência.

3.2.4. Direito contemporâneo

Em razão das grandes guerras, crises industriais e desastres financeiros que ocorreram na primeira metade do século XX, um novo sentido de valorização foi sendo estruturado. O que antes era o objetivo do direito falimentar, a saber, o pagamento de dividas em detrimento da continuidade da atividade econômica, passou a ser visto como algo ineficaz e insuficiente para a nova realidade social. Nesse momento, cresce a importância dada às antigas concordatas, instrumentos para se evitar o estado da liquidação (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 10).

A dissonância que começava a surgir entre o estado de liquidação e a nova realidade social gerava a necessidade de se obter um sistema novo, no qual predominasse a ideia de restauração de devedores em situação de quase falência. Fazzio Júnior (2008, p. 10) afirma que a situação de crise alcançou também as empresas públicas, sociedades estatais e instituições financeiras. Neste período, o caráter social das empresas começou a ser considerado.

Nesse período, a importância das empresas para o crescimento econômico e social começou a surgir. Diante de uma regência que determinava a insolvência do devedor e a valorização somente do pagamento dos créditos devidos, o meio social clamava por mudanças no direito concursal. A real necessidade girava em torno da determinação de meios de recuperação empresarial.

Fazzio Júnior (2008, p. 10) esclarece uma importante mudança ocorrida neste período, a saber:

A crescente unificação do direito privado e a interpenetração do direito público e do direito privado e, ainda, a valorização do direito fiscal, do direito do consumidor, do direito previdenciário e do direito financeiro praticamente obrigaram à procura de desfechos mais construtivos e menos radicais para as crises econômico-financeiras das empresas, principalmente das maiores.

Verifica-se que o passar dos anos e as mudanças sociais transformaram a visão que outrora comandava as relações econômicas, a saber, a preponderância do interesse particular e a quase inexistência do valor concedido ao interesse social que sempre esteve presente no âmbito de uma atividade econômica. A sociedade, como um todo, seus interesses e suas necessidades – passaram a ocupar o lugar de consideração, tendo em vista tornar-se clara a real necessidade do atendimento, por parte do Estado, dos interesses da coletividade, e não somente o que os credores determinavam ser importante.

Diante da real necessidade de mudanças na legislação falimentar, no sentido de criação de mecanismos de continuação empresarial, começam a ser criadas leis com esse objetivo.

Abrão (1993, p. 23) elenca que, entre as grandes guerras mundiais, legislações surgiram, no intuito de se consagrar uma tutela ao devedor, outrora inexistente:

[...] destacando-se o Vergleichverfahren alemão de 1935, igual à concordata preventiva italiana de 1942, que tramita a pedido do devedor, como também os “deedsofarrangement”, do Direito inglês e a legislação francesa anterior a 1955. Desta fase é, também, o “Chandler Act” norte americano, de 1938, que acrescentou ao “National BankruptcyAct” os capítulos X (reorganização das sociedades anônimas), XI (Acordos) e XII-XIII (Plano para os assalariados), estabelecendo a reabilitação do devedor como uma alternativa para liquidação.

Fazzio Júnior (2008, p. 12) traça alguns países que acompanharam as mudanças legislativas em sede de direito concursal. No Japão, as mudanças ocorreram a partir da edição da lei de reorganização das sociedades por ações, do ano de 1952, substituída pela Lei n. 72/1992, cuja natureza é de recuperação. A França inovou com a edição da Lei n. 84/148, de 1984, que regulamentava uma amigável prevenção e composição das dificuldades empresariais, e a lei de redressement et liquidation judiciaires, de 1985. Na mesma França, determinando a prevenção da insolvência, facilitando os procedimentos, melhorando os costumes dos planos de recuperação e determinando medidas eficazes para assegurar os direitos dos credores, é editada a lei 94-475/94.

Na Itália, ainda nas palavras de Fazzio Júnior (2008, p. 13), no ano de 1991, a Lei n. 223 foi editada com o principal objetivo de preservar a empresa e, em consonância, o Decreto legislativo n. 270 de 1999 traz em seu texto mecanismos inerentes à administração extraordinária de grandes empresas. Em Portugal, criando a recuperação judicial de empresas e a falência, surge o Decreto-lei n. 132 de 1993. Na Alemanha cria-se o Insolvenzortnung em 1999, que tinha por objetivo o pagamento dos credores através da conservação da empresa. Por fim, na Espanha, a Lei n. 22 de 9 de julho de 2003, venceu as diferenças que existiam entre as instituições concursais para comerciantes e não comerciantes, fundando convênio entre credores e devedores, tudo fundamentado na exequibilidade.

Diante dos clamores sociais de prevalência do interesse social e da não gerência da situação de insolvência por credores, as mudanças no âmbito legal concursal se mostraram inevitáveis e totalmente viáveis, pois, o valor social da atividade econômica, no ponto de vista mais amplo possível, está ligado não somente ao pagamento de dívidas, o que não é de nenhuma forma o menos importante, mas também à mantença de empregos e ao crescimento da economia do local onde se encontra o empreendimento.

Importante dizer que a solidificação de uma legislação protetora dos direitos e deveres inerentes ao devedor e aos credores torna os nossos dias imunes à volta dos tempos em que a busca da justiça com as próprias mãos e o pagamento de dívidas com o próprio corpo e liberdade era a regra do sistema econômico.

3.3. ​​​​​​​A Evolução Histórica da Falência no Brasil

3.3.1. ​​​​​​​​​​​​​​Fase do direito português

O instituto da falência, no Brasil, de acordo com Negrão (2004), pode ser divido em fases. A primeira é caracterizada pela aplicação das Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas e Alvarás Reais:

[...] A primeira representa o período português, caracterizado pela aplicação da legislação do reino em matéria falencial, na qual têm destaque, por primazia, as Ordenações Afonsinas, consideradas o primeiro código europeu, e que vigoraram até 1521, com a publicação das Ordenações Manuelinas (NEGRÃO, 2004, p. 9).

No que diz respeito às Ordenações Afonsinas, estas eram caracterizadas por uma junção do Direito Civil e do Direito Comercial (NEGRÃO, 2004, p. 9). Tais ordenações traziam em seu texto a cessio bonorum, admitindo, ainda, a moratória (MAMEDE, 2009, p. 13).

As Ordenações Manuelinas, nos dizeres de Negrão (2004, p. 10), traziam poucas normas acerca da execução em razão de dívidas individuais ou coletivas:

[...] E, porém, quando alguém quebrar, queremos que dentro de um mês inteiro do dia que quebrar não aproveite diligência alguma, que qualquer credor fizer no dito mês, assim acerca de qualquer sentença, como de fazer primeiro a penhora, e execução no dito mês, para poder preceder aos outros, somente se dará valor para a precedência segundo for a qualidade da obrigação; e passado o dito mês então dará lugar a disposição desta lei, segundo nela está contido (MANUELINAS, TÍTULO LXXIV, ALÍNEA 3, LIVRO III, apud Negrão, 2004, p. 10).

Negrão (2004, p. 10), no que concerne às Ordenações Filipinas, afirma que sua decretação ocorreu em 1603 e vigorou até 1916, ano que surgiu o Código Civil brasileiro. Nesse momento foram revogadas as disposições restantes que ainda estavam em vigor no Livro IV. As regras concernentes à falência estavam presentes no Livro V, onde havia a distinção entre falência culposa, dolosa e a sem culpa. Mamede (2009, p. 13) também afirma que as Ordenações Filipinas possuíam uma visão penalista acerca da insolvência, concedendo aos falidos em razão de fraudes a característica de públicos ladrões.

No século XVIII, Alvarás Reais eram aplicados desde o período colonial até, depois da independência, o advento do Código Comercial de 1850, os quais tratavam da insolvência comercial e da defesa dos direitos dos credores (MAMEDE, 2009, p. 13).

3.3.2. ​​​​​​​​​​​​​​A fase do Império

O início da fase imperial da falência no Brasil se deu juntamente com o surgimento do Código Comercial de 1850, o qual, na Parte III de seu texto, tratava “Das Quebras”, sendo que seu processo era regulado pelo Decreto n. 697 de 25 de novembro de 1850. O critério utilizado para a caracterização da falência era o não pagamento das obrigações (NEGRÃO, 2004, p. 12).

No que tange ao processo de falência, neste período, Abrão (1993, p. 40) afirma que o Decreto 738 de 25 de novembro de 1950 elencava sobre o mesmo, apesar de não se mostrar eficaz em suas finalidades, em razão dos passos lentos e complexos caracterizadores da falência nesses dias.

3.3.3. ​​​​​​​​​​​​​​Fase da república

Esta fase foi marcada pela primeira legislação extravagante a respeito da falência, qual seja, o Decreto 917 de 24 de outubro de 1940, o qual determinava como característica principal da falência a falta de pagamento de obrigações mercantis líquidas e certas contraídas, no seu vencimento, o que a partir de então passou a ser marca determinante da falência no direito brasileiro (ABRÃO, 1993, p. 40).

Segundo Ramos (2012, p. 609), o Decreto n. 917 fez cessar a noção de falência adstrita à interrupção de pagamentos e considerou como fator principal a impontualidade dos pagamentos e, em razão disto, ocasionou grandes mudanças na parte terceira do Código Comercial.

3.3.4. ​​​​​​​​​​​​​​A fase do Decreto-Lei n. 7.661/45

Após o Decreto supracitado, várias foram as modificações ocorridas na legislação falimentar, o que só cessou com a edição do Decreto-Lei 7.661/45.

[...] reforçou os poderes do magistrado, diminuiu os poderes dos credores – abolindo a assembleia que os reunia para deliberar sobre assuntos do procedimento falimentar – e transformou a concordata (preventiva ou suspensiva) num benefício, em lugar de um acordo de vontades [...] (MAMEDE, 2009, p. 14).

No ano de 1939, a apresentação de um projeto de Lei de Falências tornou-se responsabilidade de Trajano de Miranda Valverde, papel este incumbido pelo Ministro da Justiça Francisco Campos. Em 31 de outubro do mesmo ano, o projeto foi feito. Em razão da assunção como ministro interno de Alexandre Marcondes Filho, novo Projeto de Lei foi requerido e publicado no dia 04 de dezembro de 1943, traçando características do texto de Valverde. Em face disto, nasce o Decreto-Lei n. 7.661/45.

A respeito do Decreto-Lei 7.661/45, Fazzio Júnior (2008, p. 1) afirma o seguinte:

O Decreto-Lei nº 7.661/45, produzido logo após a guerra mundial concluída em 1945, concebia um modelo de empresa próprio da economia nacional defasada que refletia as coordenadas da ordem capitalista instaurada, em 1944, a partir da Conferência de Bretton Woods. Concebia o crédito como, simplesmente, mais uma espécie de relação obrigacional, desconsiderava a repercussão da insolvência no mercado e concentrava-se no ajustamento das relações entre os credores e o ativo do devedor.

Assim, denota-se que o decreto de 1945 não era detentor de preocupação com as consequências sociais e econômicas que eram geradas quando do fim de um devedor em situação de crise.

3.3.5. A Lei n. 11.101/05

A Lei 11.101/05, intitulada Lei de Recuperação de Empresas (LRE), inovou em alguns aspectos. A priori, trouxe em seu texto os institutos da Recuperação Judicial e Extrajudicial, cujo objetivo maior é a busca de instrumentos e processos eficazes no soerguimento da empresa e, ao mesmo tempo, no pagamento dos créditos devidos, determinando a falência como sendo o último caso, a situação de fim da sociedade empresária ou empresário em dificuldades.

A respeito de sua tramitação, seguem as palavras de Ramos (2012, p. 609-610):

Diante desse contexto, o Poder Executivo federal apresentou, em 1993, na gestão de Itamar Franco como Presidente da República e de Maurício Corrêa como Ministro da Justiça, projeto de lei que alterava, sensivelmente, o regime jurídico falimentar brasileiro. Após mais de dez anos de tramitação no Congresso Nacional – mais de 400 emendas foram propostas e 5 substitutivos foram apresentados –, o referido projeto foi aprovado, dando origem à Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, com vigência desde 9 de junho do mesmo ano, após o período de vacatio legis estabelecido pelo seu art. 201.

Da leitura dos artigos da nova lei de recuperação de empresas, é possível observar a grande consideração e importância que foi dada à manutenção destas. Tal situação evidencia a presença do princípio da preservação da empresa, que busca sempre a sua existência e não o fim da atividade econômica.

Ainda, em se tratando de princípios, é imperioso ressaltar que a função social da empresa também foi levada em consideração, tendo em vista ser o fim de uma empresa o fato criador de desempregos e paralisação da economia, nos limites estabelecidos pela empresa e o ramo a que pertence.​​​​​​​

3.4. Os Princípios que Regem a Falência

Os princípios, em se tratando de Direito, podem ser considerados como os meios utilizados para se entender os objetivos mais importantes que se busca com as normas editadas.

Na falência, alguns princípios são utilizados, com o fim de aplicação eficaz da legislação aos casos concretos, tais como:

  • O princípio da viabilidade da empresa;

  • O princípio da proteção aos trabalhadores;

  • O princípio da celeridade do processo falimentar;

  • O princípio da publicidade;

  • O princípio da par conditio creditorum;

  • O princípio da maximização dos ativos.

3.4.1. ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da viabilidade da empresa

O princípio da viabilidade da empresa tem grande importância na falência. A partir de sua aplicação é possível avaliar e concluir se uma empresa se encontra em condições de buscar sua reestruturação por meio dos planos de recuperação elencados na lei de falência e recuperação de empresas, ou se a única saída é a decretação de sua falência.

A viabilidade da empresa está adstrita à sua condição econômica, ou seja, sua capacidade de arcar com as obrigações que foram contraídas no decorrer de

suas atividades. Fazzio Júnior (2008, p. 16) esclarece que a verificação dessa viabilidade se dá a partir da análise de “fatores endógenos (ativo e passivo, faturamento anual, nível de endividamento, tempo de constituição e outras características da empresa) e exógenos (relevância socioeconômica da atividade)”.

Além disso, as perguntas devem ser feitas e respondidas para que seja dado um diagnóstico da viabilidade empresarial, quais sejam: se há a existência de um plano de recuperação; quais os critérios que devem ser escolhidos para sua avaliação; se a avaliação feita permite a expectativa de dar certo esse plano e como custodiar a concretização do plano (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 16).

Sendo certa a ineficácia do plano de recuperação adotado para o soerguimento da empresa, pertinente é a decretação da falência empresarial, uma vez inviável a continuação de suas atividades.

3.4.2. Princípio da proteção aos trabalhadores

A Lei 11.101/05, em seu artigo 83, determinou ordem de prioridade no pagamento de créditos devidos pela empresa. O inciso I determina ser prioridade o pagamento de créditos trabalhistas até o limite de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos. Vale dizer que os créditos devidos em razão de acidente laboral, por culpa ou dolo do empregador, terão o maior privilégio.

Não é errado afirmar que esse privilégio concedido aos créditos trabalhistas foi corretamente estabelecido, apesar de ser contestável o limite estipulado em 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, tornando-se quirografário o crédito laboral acima desse valor.

A natureza alimentar dos créditos trabalhistas mostra a urgência e grande necessidade de serem atendidos com rapidez. A ausência de pagamento gera desemprego e corte na fonte de renda de muitas famílias que tiram do trabalho em empresas o seu sustento diário.

3.4.3. Princípio da Celeridade do processo falimentar

Segundo Salomão e Santos (2012, p. 18), várias modificações foram feitas no processo falimentar, com o intuito de se criar um processo de soerguimento de empresa não moroso, mas rápido e incisivo em suas funções.

A sociedade atual se encontra em constante e rápidas mudanças. Existe uma necessidade e até certa obrigatoriedade de a lei estar em consonância com as novas formas e situações, em todos os aspectos sociais.

Assim, diante da necessidade social, a falência tem como um de seus princípios regentes a celeridade em seu processo, situação difícil de ser encontrada no ramo do Direito, pois, o que se observa é a demora na resolução de processos. Como já foi dito, essa falta de celeridade é uma espécie de legado histórico, visto que o instituto da falência possui um histórico de morosidade em processos, os quais muitas vezes perduravam por anos sem conclusão alguma.

3.4.4. ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da publicidade

Meirelles (2005, p. 94) conceitua a publicidade como sendo “a divulgação oficial do ato para conhecimento público e início de seus efeitos externos”.

A publicidade de atos e decisões dentro de um processo faz gerar uma segurança jurídica, na qual há a certeza de que interesses particulares não exercerão influência no andamento e nas decisões que vierem a ocorrer dentro deste mesmo processo.

Acerca da falência, Fazzio Júnior (2008, p. 18) diz que nos processos de insolvência, devem existir sempre a transparência, o que não quer dizer tão somente a publicidade strictu sensu de atos processuais, mas, também, o total entendimento do que vem a ser os diversos atos dentro do processo.

Por envolver créditos e obrigações contraídas, a falência necessita da total transparência em todas as suas fases, por tratar de situações que envolvem desde créditos de natureza alimentar, até créditos de interesse e caráter social.

3.4.5. ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da par conditio creditorum

O princípio da par conditio creditorum está intimamente ligada ao tratamento dado aos credores da empresa em situação de falência. As condições e tratamento devem ser no mínimo, proporcionais, tendo em vista ser situação de quase

inexistência da justiça o tratamento diferenciado, dotado de privilégios não concedidos pela lei para uns, e o esquecimento de outros.

Nas palavras de Fazzio Júnior (2008, p. 19):

A equidade é um princípio geral de Direito que, aqui, se manifesta em toda a sua intensidade. O tratamento equitativo dos créditos é a máxima regente de todos os processos concursais, considerando o mérito das pretensões antes que a celeridade na sua dedução.

Assim, verifica-se que o presente princípio tem grande valor na falência. Isto se dá em razão da existência de vários credores em face do patrimônio da empresa, ainda existente, o que requer a concessão de mesmo tratamento, mesmos direitos e deveres para todos, sem diferenças, salvo aquelas estipuladas pela legislação falimentar como, por exemplo, a prioridade de pagamento dos créditos trabalhistas, elencada no artigo 83, inciso I.

3.4.6. ​​​​​​​​​​​​​​Princípio da maximização dos ativos

Os ativos, bens e direitos pertencentes à empresa em estado de falência, precisam ser valorizados e conservados, pois, com eles serão pagos os créditos devidos.

Nas palavras de Fazzio Júnior (2008, p. 20):

Sobretudo na falência, estágio em que os titulares da empresa devedora perdem sua capacidade de gestão, a fiscalização da massa de bens é atitude indispensável no sentido de salvaguardar a garantia comum dos credores e assegurar que seja, se não suficiente, ao menos apta a resolver a maior faixa possível de créditos.

Imperioso dizer que, na situação de não concessão da importância devida aos ativos restantes da empresa, por meio de má administração, a chance de serem atendidos os créditos falimentares se torna pequena e, dependendo da situação, até inexistente, uma vez que não existem outros meios para que empresa devedora responda pelo o que deve e pague os valores.

Assim, verifica-se que o princípio da maximização dos ativos tem como premissa a conservação dos ativos, dos bens da empresa para que futuramente o pagamento dos créditos devidos não saia prejudicado.

4. DA LIQUIDAÇÃO CONCURSAL

Fazzio Júnior (2008, p. 343) diz que todos os atos processuais ocorridos a partir da sentença que decreta a falência têm por fim único a liquidação dos bens, documentos e pertences da empresa para que ocorra o pagamento dos créditos devidos. Esta é a razão de existência da falência, realizar o ativo e pagar as dívidas.

A falência pode ser caracterizada pela presença de alguns órgãos, uns obrigatórios e outros facultativos. São reconhecidos como órgãos obrigatórios: o juiz, o administrador judicial e o representante do Ministério Público (MP). Por órgãos facultativos, o Comitê e a Assembleia Geral de Credores (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 328).

4.1. Da Administração da Falência

Sabe-se que, ao ser decretada a falência, a administração dos bens outrora nas mãos do devedor, passará para as mãos do administrador judicial, o qual, nos ditames da LRE exercerá suas funções no regime falimentar.

Vale dizer que esse administrador judicial, no âmbito da legislação falimentar, recebe várias denominações, a saber, síndico, liquidante, supervisor, comissário ou curador (FAZZIO JUNIOR, 2008, p. 327).

O administrador judicial é tido como auxiliar principal do juiz no processo falimentar. Sua escolha parte do pressuposto de total inexistência de interesse e pessoalidade na execução de seus atos, tanto em prol do devedor como dos credores.

Quando de sua administração, aplicáveis são os princípios administrativos, a saber, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, esculpidos no artigo 37 da Constituição Federal (FÁZIO JÚNIOR, 2008, p. 328).

Não é errôneo afirmar que, inclusive em casos de processo falimentar, a observância do que se encontra estipulado na legislação aplicável se faz requisito de suma importância, tendo em vista ser necessária a atuação dos sujeitos envolvidos em conformidade com a lei.

No que concerne à impessoalidade do administrador judicial em sua gerência, a sua ocorrência impede a concretização de atos, como pagamento de valores e a

verdadeira compra de administrações em prol de interesses, maculando o processo falimentar, o que ensejaria a total desvalorização do procedimento e ineficácia nos seus objetivos.

Quanto à moralidade, esta decorre da observância dos bons costumes por parte do administrador judicial, quando da execução de atos adstritos à sua administração no âmbito falimentar, observando o que é moral em seus atos.

Por fim, a publicidade e a eficiência se aplicam em razão da necessidade de cometimento de atos, por parte do administrador, que necessariamente precisam ser de conhecimento daqueles que são parte na falência e, ainda, da atenção dada pelo administrador, da eficiência de seus atos em prol do fim colimado na falência, qual seja, a reunião de todos os ativos do devedor em favor dos credores que esperam ter seus créditos atendidos.

Traçando a diferença existente entre a antiga Lei de Falência e Concordata (LFC) e a presente Lei de Falência e Recuperação de Empresa, no que diz respeito ao administrador judicial, Fazzio Júnior (2008, p. 329) elenca os antigos critérios estipulados pela LFC, quais sejam: estar o administrador entre os maiores credores do falido; residência ou domicílio no foro onde tramitasse a falência e idoneidade moral e financeira.

Na legislação atual, mais precisamente no artigo 21, têm-se novos requisitos para a nomeação do administrador da falência.

[...] pessoa física como a pessoa jurídica especializada. Se pessoa natural, o administrador judicial deve ser, preferencialmente, advogado ou economista ou administrador de empresas ou contador. Se pessoa jurídica, deve ser declarado no termo de compromisso o nome do profissional da empresa que será o responsável pela condução do processo falitário [...] (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 330).

O administrador judicial é detentor de deveres que devem ser observados durante a falência. O artigo 22 da LRE cuidou, de forma exemplificativa, e não exaustiva, de elencar os deveres do administrador, o que não impede a criação de outros em razão da necessidade e conveniência.

Doutrinariamente, as atribuições do administrador podem ser divididas em atribuições judiciárias e administrativas. Dentre as funções judiciárias está a arrecadação dos bens e documentos do devedor, e também a sua guarda e exame. Ainda, o ato de indicar peritos, avaliadores e contadores, o fornecimento e a

exigência de informações, a classificação dos créditos e o ato de representar a massa em juízo como autora, ré e assistente (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 331).

Os atos do administrador, de natureza administrativa, vêm a ser: os atos considerados conservatórios de direito e ações, comunicações e representações ao juiz; efetivação de garantias que possam ser oferecidas; apresentação de contas demonstrativas e a conservação das correspondências da massa (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 331).

Assim, verifica-se que o administrador possui um grande número de atribuições elencadas por lei, o que não impede que outras possam surgir, e que, ainda, existe uma forte ligação dos atos praticados com a lei, ou seja, há uma mínima autorização de que atos eivados de discricionariedade sejam cometidos.

Em se tratando de remuneração do administrador judicial, alguns critérios devem ser observados.

A partir da leitura do artigo 24 da LRE, verifica-se que para a fixação da remuneração, a qual é feita pelo juiz, acontece a partir da análise dos trabalhos que foram feitos por este administrador, no que diz respeito às complicações e complexidades do caso.

Tomada como objeto de observação para fins de fixação de valores será a capacidade e possibilidade de pagamento por parte dos devedores, tendo em vista ser inviável a fixação de valor que exceda ao montante possível a ser pago pela massa.

Por fim, se faz como requisito, como norte, os valores que usualmente são fixados para indivíduos que de certa forma exercem as mesmas atribuições que um administrador judicial em âmbito falimentar. Os valores de mercado serão utilizados para fins de pagamento.

O artigo 84, inciso I, da LRE classifica a remuneração do administrador judicial como crédito extraconcursal, o qual será apresentado ao juiz no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a conclusão da realização de todo o ativo, conforme elencado no artigo 154, caput, da LRE.

Ramos (2012, p. 747) informa que será pago 60% (sessenta por cento) do valor quando forem pagos os créditos extraconcursais e 40% (quarenta por cento) após a aprovação das contas que o administrador apresentou ao juiz.

A substituição do administrador judicial não é tratada pela LRE. No entanto, com base em seus critérios e a qualquer tempo, poderá o magistrado determinar a

substituição quando o administrador não assinar o termo de nomeação, quando houver a não aceitação do cargo, a renúncia, o falecimento do administrador ou o mesmo se encontrar interditado (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 334).

A destituição do cargo ocorrerá quando o administrador incorrer nas condutas elencadas nos artigos 23, 24, § 3º, parte final e 31, todos da LRE, as quais estão ligadas, em síntese, aos prazos, descumprimento de obrigações e à inobservância dos preceitos legais.

4.2. Do Ministério Público na Falência

Coelho (2009, p. 266) lembra que a atuação do Ministério Público (MP), na LRE não possui caráter obrigatório. Aduz que a atuação do MP se mostra plausível a partir do instante em que há a instauração do concurso de credores, momento em que há instaurado, de fato, conflitos de interesse entre credores de todas as espécies e características. A atuação do MP, quando do pedido de falência, na prática se dá por meio da feitura de pareceres opinativos.

No entanto, Fazzio Júnior (2008, p. 337) esclarece que é dever da LRE proporcionar ao MP a sua total participação no processo de falência, no papel de fiscalizador, devendo colocar à sua disposição o tempo necessário para que os demais atos do processo sejam intimados por ele, sendo sua intervenção apta sempre que possível.

Importante dizer que o MP tem papel fundamental no âmbito processual, independente do ramo do direito que está sendo analisado, em razão de sua natureza de fiscal da lei, sendo certo que, na administração da falência, um dos princípios basilares é a legalidade, a observância da lei.

4.3. ​​​​​​​Do Comitê de Credores

O Comitê de Credores encontra previsão no artigo 26 da LRE. Sua constituição poderá ocorrer a partir de decisão de qualquer dos credores na assembleia-geral, o qual será composto por um representante que será indicado pelos credores trabalhistas, um indicado pelos credores com direitos reais de

garantia ou privilégios especiais e um indicado pelos credores quirografários com privilégios gerais, todos com dois suplentes.

Apesar de o artigo elencar minuciosamente todos os participantes do Comitê de Credores, o § 1º faz ressalva no sentido de, se caso não tenha havido a indicação de representantes por todas as classes de credores, o Comitê poderá funcionar da mesma forma, não sendo considerado prejudicial o número menor de componentes.

Ainda, o § 2º do mesmo artigo elenca que o juiz, por meio de requerimento da maioria dos credores de uma categoria de créditos, determinará a nomeação do representante e dos respectivos suplentes de categoria ainda não representada ou a substituição dos mesmos, independentemente de assembleia-geral.

No que concerne às atribuições dadas ao Comitê de Credores, o artigo 27 da LRE estipula, de forma exemplificativa, tendo em vista serem possíveis outras atribuições dadas por lei.

Art. 27. O Comitê de Credores terá as seguintes atribuições, além de outras previstas nesta Lei:
I – na recuperação judicial e na falência:​​​​​​​
a) fiscalizar as atividades e examinar as contas do administrador judicial;
b) zelar pelo bom andamento do processo e pelo cumprimento da lei;
c) comunicar ao juiz, caso detecte violação dos direitos ou prejuízo ais interesses dos credores;
d) apurar e emitir parecer sobre quaisquer reclamações dos interessados;
e) requerer ao juiz a convocação da assembleia-geral de credores;
f) manifestar-se nas hipóteses previstas nesta Lei; [...] (BRASIL, 2005).

4.4. ​​​​​​​Da Assembleia-Geral de Credores

A Assembleia-Geral de Credores, órgão da falência, se encontra disposta no artigo 35 da LRE, o qual tratou de suas funções no decorrer do processo falimentar e na recuperação judicial:

Art. 35. A assembleia-geral de credores terá por atribuições deliberar sobre: [...]
II – na falência:
a)VETADO;
b) a constituição do Comitê de credores, a escolha de seus membros e sua substituição;
c) a adoção de outras modalidades de realização do ativo, na forma do art. 145 desta lei;
d) qualquer outra matéria que possa afetar os interesses dos credores (BRASIL, 2005).

4.5. Do Juiz na Falência

A competência do juiz é fixada de acordo com a localização do principal estabelecimento do devedor, para fins de decretação da falência. O juiz irá presidir e dirigir os atos e trabalhos administrativos e judiciais referente ao processo (CAMPINHO, 2008, p. 48).

Irá o magistrado exercer tarefas de cunho administrativo e judicial. Administrativas quando em atos que se encontram intimamente ligados aos interesses materiais da massa. Ainda, exercerá o juiz uma função penal, pois, quedando-se certamente comprovada prática de atos considerados crimes falimentares por parte dos envolvidos no processo, poderá, na sentença declaratória de falência, ordenar a prisão preventiva do devedor (ALMEIDA, 2012, p. 219).

4.6. ​​​​​​​Fase da Arrecadação dos Bens

O artigo 108 da lei falimentar dá início à fase doutrinariamente conhecida como fase de arrecadação dos bens. Uma vez que se encontra o empresário afastado da administração de seu negócio, o administrador judicial será o responsável pela arrecadação do ativo da empresa.

A arrecadação poderá ser feita de forma separada ou em bloco, no local onde se encontram os bens, podendo o administrador requerer em juízo as medidas necessárias para este fim.

Em razão da natureza do período de arrecadação, qual seja, a introdução de um auxiliar da justiça no controle de bens pertencentes a particulares, esta fase precisa ser fiscalizada de forma contundente e eficaz e, ainda, ser característica marcante do administrador judicial a imparcialidade e impessoalidade (FAZZIO JÚNIOR, 2008, p. 345).

Será realizado um auto de arrecadação, no qual constará o inventário, ou seja, a descrição minuciosa de todos os bens, documentos e outros pertences da empresa, o qual será assinado pelo administrador judicial, pelo devedor e outros indivíduos que por ventura auxiliarem no ato. No caso de haver resistência no que concerne à arrecadação, poderá estar presente um oficial de justiça (FAZZIO JUNIOR, 2008, p. 346).

O artigo 110, § 2º, da lei falimentar, elenca os documentos que deverão estar presentes no inventário.

Art. 110. [...]
§ 2º Serão referidos no inventário:
I – os livros obrigatórios e os auxiliares ou facultativos do devedor, designando-se o estado em que se acham, número e denominação de cada um, páginas escrituradas, data do início da escrituração e do último lançamento, e se os livros obrigatórios estão revestidos das formalidades legais;
II – dinheiro, papéis, títulos de crédito, documentos e outros bens da massa falida;
III – os bens da massa falida em poder de terceiro, a título de guarda, depósito, penhor ou retenção;
IV – os bens indicados como propriedade de terceiros ou reclamados por estes, mencionando-se essa circunstância (BRASIL 2005).

4.7. Da Liquidação Propriamente Dita

Os doutrinadores da matéria falimentar buscam sempre, para início de estudos sobre a matéria liquidação concursal, conceituar o que seria a liquidação. Vários conceitos, que se encaixam, são colocados à disposição com o intuito de melhor entendimento do que seria essa fase da falência.

Liquidação, etimologicamente falando, significa ação ou efeito de liquidar, ajuste ou apuramento de contas. Na acepção jurídica tem significados diversos, ora designando o procedimento pelo qual se apura o quantum da condenação, ora indicando o ato que segue a dissolução da sociedade (ALMEIDA, 2012, p. 285).

O Decreto-Lei n. 7.661/45, ora revogado, bem separava a falência em duas fases, a primeira conhecida como fase de informação e a segunda conhecida como fase de liquidação.

A primeira fase tinha por característica a busca pela formação do ativo e do passivo, massa objetiva e subjetiva da falência e, ainda, o proceder de atos que visavam à arrecadação do patrimônio do devedor e à apuração de seus débitos. A segunda fase detinha por ponto principal a liquidação do ativo para a satisfação do passivo, convertendo-o em valores para fins de pagamento dos credores (CAMPINHO, 2008, p. 423).

Na LRE, nas palavras de Campinho (2008, p. 424), as fases outrora bem identificadas passaram a não ser mais assim evidenciadas. A realização do ativo é

imediatamente iniciado após a arrecadação dos bens, não havendo mais a necessidade de formação inicial da massa falida. A modificação tem por objetivo dois fatores: primeiro, o não cabimento da suspensão da falência, seguindo esta o seu curso normal até o fim e; segundo, o objetivo central da falência de liquidar o patrimônio do devedor para fins de preservação do valor do ativo e sua utilização de forma proveitosa para o pagamento dos créditos devidos pela empresa falida.

Assim, a liquidação concursal terá início, independentemente de conclusão ou não da verificação dos créditos adstritos ao devedor e da formação do quadro-geral de credores. Vale dizer que o artigo 140 da LRE contempla as formas de liquidação concursal e seus procedimentos.

Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência:
I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;
II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente;
III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor;
IV – alienação dos bens individualmente considerados
§ 1º Se convier à realização do ativo, ou em razão de oportunidade, podem ser adotadas mais de uma forma de alienação.
§ 2º A realização do ativo terá início independentemente da formação do quadro-geral de credores.
§ 3º A alienação da empresa terá por objeto o conjunto de determinados bens necessários à operação rentável da unidade de produção, que poderá compreender a transferência de contratos específicos.
§4º Nas transmissões de bens alienados na forma deste artigo que dependam de registro público, a este servirá como título aquisitivo suficiente o mandado judicial respectivo (BRASIL, 2005).

4.7.1. Das formas de liquidação do ativo do devedor determinadas pela lei 11.101/05

A LRE, em seu artigo 140, elenca as quatro possíveis formas de se buscar a realização do ativo, sendo certa a ordem determinada em razão da preferência existente para uma forma em detrimento de outra.

As formas foram expostas na sequência que estão em razão da busca de sempre realizar o ato de maneira mais proveitosa e eficaz, no que diz respeito ao patrimônio do devedor, conservando o mesmo para as sua finalidade principal, que é o atendimento necessário dos créditos devidos.

​​​​​​​1. A venda dos estabelecimentos da empresa em bloco

O legislador determinou, de forma primeira e preferencial, a alienação dos estabelecimentos da empresa em bloco. Essa venda em bloco vem a ser a venda conjunta dos vários estabelecimentos que porventura a empresa devedora venha a possuir.

Nas palavras de Campinho (2008, p. 427) o objetivo da lei com a determinação da venda dos estabelecimentos em bloco é a otimização do patrimônio. Há o firme pensamento de que a alienação de uma empresa por completo, ou seja, em sua forma completa de funcionamento, faltando apenas alguém para administrá-la, a torna mais atrativa e interessante para aqueles que estão em situação de adquiri-la. Ainda, com a venda de totalidade da empresa, há chances maiores de se obter valores maiores em sua venda, o que determina a obtenção de mais recursos para saldar as dívidas adquiridas pelo devedor falido.

Pacheco (2009, p. 400) trata da alienação dos estabelecimentos do devedor como sendo “[...] venda global, ensejadora da preservação da empresa com novo empresário ou sociedade empresária, com as vantagens e benefícios decorrentes aos mercados de trabalho, de fatores de produção, e da coletividade em geral”.

É evidente que a venda de uma empresa, em sua totalidade, com maquinários, edifício e todos os instrumentos necessários para a execução de sua atividade fim é mais atrativa e concede um maior valor para a mesma, o que pode tornar possível o pagamento de valor maior do que aquele que normalmente, por outra forma de venda, não poderia ser alcançado.

​​​​​​​2. ​​​​​​​A venda dos estabelecimentos da empresa de forma individualizada

Como segunda forma de realização do ativo, a lei estipula a venda dos estabelecimentos do devedor falido de forma individualizada, sendo o segundo meio, na ordem de preferência, elencada pela LRE.

A venda dos estabelecimentos do devedor de forma individualizada parte do pressuposto de se obter um rendimento maior com a separação das unidades de produção, tendo em vista as condições que se encontram cada uma, em sua particularidade, sendo consideradas de forma isolada (Campinho, 2008, p. 427).

[...] seria o caso, por exemplo, de uma indústria, composta por cinco estabelecimentos físicos nos quais desenvolve suas atividades, situados em localidades distintas. Dentre eles encontram-se duas unidades superavitárias, com aparelhagem e tecnologias de última geração empregadas na criação de seus produtos, localizadas em um distrito industrial próspero, com infra-estrutura de escoamento da produção adequada, ao passo que as outras três fábricas mostram-se situadas em áreas decadentes ou de risco, com sistema de produção a demandar reestruturação e modernização. Será, em princípio, mais lucrativo proceder à venda daquelas duas unidades, de forma autônoma, evitando seja o preço final contaminado pelas outras unidades de pouca ou nenhuma valia para o novo empreendedor [...].

Assim, a partir da análise em concreto da situação do devedor, a melhor solução, quando da existência de vários estabelecimentos com situações econômicas distintas, é a venda em separado de todos, tendo em vista a possibilidade de se ter o valor de um prejudicado em razão da situação de risco de outro.

​​​​​​​3. ​​​​​​​Da ​​​​​​​alienação em bloco dos bens do devedor

Como terceira forma para a realização do ativo em sede falência está a venda dos bens pertencentes ao devedor de maneira conjunta, quando demonstrar ser inviável para fins de obtenção de valores a venda dos estabelecimentos do devedor.

Os bens que ora possam ser vendidos serão aqueles pertencentes aos estabelecimentos do devedor. Dentre eles podem estar máquinas, equipamentos ou qualquer outro instrumento utilizado para o exercício das atividades da empresa, que se mostrem, de certa forma, atraentes para o comprador. A disposição em blocos tem por fim a identificação daqueles de maior valor em comparação a outros. (CAMPINHO, 2008, p. 427-428).

Verifica-se que a lei elencou a alienação em bloco dos bens do devedor como forma de realização do ativo somente quando a venda dos estabelecimentos do devedor se mostrar inviável para tanto. Assim, mostra-se que a preservação da atividade econômica, até mesmo em sede falimentar, mesmo que administrada por outros, não deixou de ser alvo da LRE.

​​​​​​​4. ​​​​​​​Da alienação individual dos bens do devedor

Por fim, como quarta e última forma de realização do ativo, está a venda individualizada dos bens pertencentes ao devedor, de acordo com o artigo 140, inciso IV, da LRE.

De acordo com Campinho (2008, p. 428) os bens serão apresentados de forma individualizada, retirados do estabelecimento ao qual outrora pertenciam, para que sejam colocados à disposição dos compradores interessados em adquiri-los.

A partir da leitura da doutrina e da legislação, torna-se claro o objetivo de sempre conduzir a venda dos estabelecimentos e bens do devedor de forma proveitosa, no sentido de buscar mecanismos que possam aumentar o valor dos bens do devedor e a consequente satisfação dos créditos que são devidos.

Por fim, é importante ressaltar que o artigo 140, § 1º diz ser possível, por conveniência ou oportunidade no procedimento, a adoção de mais de uma forma de alienação.

4.7.2. ​​​​​​​​​​​​​​A sucessão na alienação

As questões relacionadas à sucessão na alienação dos bens do devedor encontram-se elencadas e resolvidas no artigo 141 da LRE, o qual determinou as possibilidades de ausência de sucessão e quando esta obrigatoriamente ocorrerá.

O legislador, a princípio, determinou a ausência de sucessão, em face do arrematante, nas obrigações pertencentes ao devedor, não se excetuando as de natureza tributária as que possuírem natureza trabalhista e advindas de acidentes laborais.

Pacheco (2009, p. 402) afirma que o objetivo do legislador, quando da determinação da ausência de sucessão como via de regra, era transformar os bens do devedor em algo atrativo para os interessados na alienação.

No que concerne às obrigações de natureza tributária, com a determinação da LRE, houve mudança imediata do CTN, para que houvesse compatibilidade com o texto do artigo 141, II, da LRE. No que diz respeito às obrigações de natureza trabalhista, existe a possibilidade de que o alienante passe a contratar os empregados, por meio de novos contratos de trabalho, todavia, não havendo que se falar em responsabilidade por dívidas anteriores (PACHECO, 2009, p. 402).

Posteriormente, no mesmo artigo, já no § 1º, o legislador trouxe ao rol casos em que a ausência de sucessão não será aplicada:

§ 1º O disposto no inciso II do caput deste artigo não se aplica quando o arrematante for:
I – sócio da sociedade falida, ou sociedade controlada pelo falido;
II – parente, em linha reta ou colateral até o 4º (quarto) grau, consanguíneo ou afim, do falido ou de sócio da sociedade falida; ou
III– identificado como agente do falido com o objetivo de fraudar a sucessão (BRASIL, 2005).

Quando do não atendimento dos requisitos necessários para que não ocorra a sucessão do arrematante de todas as pendências outrora deixadas pelo devedor, a mesma certamente ocorrerá, inclusive em casos de arrematante detentor de interesses além dos adstritos à falência e à alienação para fins de saldar dividas.

4.7.3. ​​​​​​​​​​​​​​Das modalidades de realização do ativo

Nas palavras de Pacheco (2009, p. 404), o artigo 142 traz previsão de modalidades de alienação do ativo do devedor, onde a empresa, seus bens, seus estabelecimentos e outros objetos pertencentes ao devedor serão alienados.

As modalidades trazidas pela legislação para a realização do ativo são: o leilão, por meio de lances orais, as propostas fechadas e o pregão, dentre os quais, conforme artigo 142 da LRE poderá ser determinado pelo juiz aquele que, ouvido o administrador judicial e o Comitê, se caso existir, for de escolha desses.

Vale dizer que, independente da modalidade escolhida para a realização do ativo, há a necessidade de publicação de sua ocorrência. Em se tratando de alienação de bens móveis, a sua realização deverá ser publicada em jornal de grande circulação ou outros meios de comunicação que ajudem no conhecimento da alienação, com 15 (quinze) dias de antecedência e, em se tratando de bens imóveis ou estabelecimentos do devedor, com 30 (trinta) dias de antecedência à venda.

1. Do leilão por lances orais

O termo leilão significa venda, o qual, sob um ponto de vista jurídico, é a venda em hasta pública. Nos tempos do direito romano, o leilão se demonstrava por

meio da venda ocorrida em locais públicos onde estava fincada a lança, que outrora tinha por finalidade ser o símbolo do poder (ALMEIDA, 2012, p. 286)

O leilão deverá ser procedido de forma a observar, naquilo que não for contrário ao estabelecido na LRE, as regras estabelecidas pelo Código de Processo Civil (CPC), concernentes aos prazos e às formas de publicação em edital. A venda ocorrerá quando as ofertas dos interessados começarem a ser dadas, e será vencedor aquele que tiver dado o maior lance, ou seja, maior preço a ser pago pelo bem. Vale dizer que, em se tratando de preço, é considerado preço vil, doutrinariamente, aquele inferior ao montante de 60% (sessenta por cento) do valor atualizado do bem. Caso seja caracterizado o preço vil, o juiz procederá a um novo leilão, onde poderá haver uma flexibilização do preço caracterizado como vil, a partir da necessidade demonstrada em razão das condições do mercado e da natureza do bem (CAMPINHO, 2009, p. 429).

Assim, observa-se que, em se tratando de leilão em sede de falência, prevalecerá o maior valor oferecido por qualquer um dos interessados, sendo motivo de realização de novo leilão o oferecimento de valores considerados ínfimos para a venda, o que poderá ocasionar a flexibilidade do juiz quanto ao valor, a partir de análises do caso concreto.

2. Da alienação por propostas fechadas

A alienação do ativo por meio da modalidade de propostas fechadas já se encontrava prevista no artigo 118 da lei falimentar revogada, a qual era caracterizada por sua preferência por modalidade de compra (BEZERRA FILHO, 2007, p. 331).

Esta modalidade de venda será feita em sede de juízo, de acordo com as ordenanças do § 4º do artigo 142 da LRE. O administrador judicial irá publicar um edital estipulando o prazo para que as propostas sejam entregues. A proposta deverá ser entregue em cartório, por meio de recibo, em envelopes lacrados, que serão abertos pelo juiz no dia, hora e local determinados em sede de edital. O auto será lavrado pelo escrivão e assinado pelo juiz, pelo Ministério Público, pelo administrador judicial e pelo comitê de credores, se houver (ARAÚJO, 2009, p. 291).

Por fim, após a apresentação das propostas e da aferição dos preços, será vencedor aquele que ofereceu o maior valor, sendo certa a necessidade de que as propostas sejam de valor superior ao determinado na avaliação.

Quando da assinatura do auto de venda por meio de propostas fechadas, o mesmo será juntado aos autos com as respectivas propostas.

3. Da alienação por pregão

A alienação do ativo do devedor também poderá ser feita por meio do procedimento do pregão, o qual é previsto no artigo 142, inciso III, da LRE, e regulamentado pelos parágrafos 5º e 6º do mesmo artigo.

O pregão como forma de alienação do ativo na falência é dividido pela legislação em duas fases: a primeira se caracteriza pelo recebimento das propostas, de acordo com parágrafo 3º do artigo 142 da LRE; na segunda, vê-se a ocorrência do leilão por meio de lances orais. Por ser constituído de duas fases, o pregão é considerado modalidade híbrida.

O leilão que ocorre no pregão será feito com a presença tão somente daqueles interessados que apresentaram propostas não inferiores a 90% (noventa por cento) do valor da maior oferta apresentada.

O parágrafo 6º do artigo 142 da LRE determina o procedimento a ser adotado para que seja efetuado o pregão e, consequentemente, a liquidação do ativo:

[...]
§ 6º A venda por pregão respeitará as seguintes regras:
I – recebidas e abertas as propostas na forma do § 5º deste artigo, o juiz ordenará a notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de seu inciso II, para comparecer ao leilão;
II – o valor de abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente, considerando-se esse valor como lance, ao qual ele fica obrigado;
III – caso não compareça ao leilão o ofertante da maior proposta e não seja dado lance igual ou superior ao valor por ele ofertado, fica obrigado a prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo título executivo para a cobrança dos valores pelo administrador judicial.
[...] (BRASIL, 2005).

Assim, verifica-se que o pregão se constitui modalidade diferenciada de alienação do ativo, uma vez que é detentor de duas fases em seu procedimento e, ainda, possui requisitos que deverão ser observados pelos interessados, tanto no que concerne ao valor oferecido, quanto aos atos no decorrer do pregão.

4.7.4. Da impugnação da alienação dos bens

As modalidades de alienação do ativo arroladas no artigo 142 da LRE, sem nenhuma ressalva, poderão ser impugnadas pelo devedor, pelos credores habilitados ou pelo administrador judicial.

A impugnação deverá ser feita no prazo de até 48 (quarenta e oito) horas a partir da arrematação, ou seja, a partir do leilão, da proposta ou do pregão, devendo ser feita por meio de petição, de acordo com os artigos 282 e seguintes do CPC, combinados com o artigo 143 da LRE (ARAÚJO, 2009, p. 293).

Bezerra Filho (2007, p. 334) afirma ser a impugnação uma forma de fiscalização feita posteriormente ao procedimento de arrematação. Mesmo não havendo previsão na legislação, afirma que deverá o juiz ouvir a manifestação de todos os indivíduos interessados e que participam da falência, principalmente o arrematante, que detém maior interesse na validade do ato.

O juiz terá o prazo de 5 (cinco) dias para decidir sobre a impugnação, em razão da observância do princípio da celeridade e da economia processual.​​​​​​​

4.7.5. ​​​​​​​Da possibilidade de modalidades diversas de alienação do ativo

Embora a nova lei tenha determinado modalidades de alienação do ativo, existe a possibilidade de ser determinada outra modalidade, diversa das elencadas na lei, observando-se alguns critérios.

De acordo com o art. 44: “Havendo motivos justificados, o juiz poderá autorizar, mediante requerimento fundamentado do administrador judicial ou do Comitê, modalidades de alienação judicial diversas das previstas no art. 142 desta Lei” (BRASIL, 2005).

Restando demonstrados os motivos justificadores, o requerimento fundamentado poderá ser feito pelo administrador judicial ou pelo Comitê, com o fim de determinar-se outra modalidade de alienação judicial, que não esteja no rol do artigo 142 da LRE.

Bezerra Filho (2007, p. 334-335) afirma que o artigo 144 da LRE consagrou em seu texto a denominada “cláusula geral” ou “cláusula aberta”, a qual concede ao juiz um poder discricionário na execução de seus atos, em consonância com o que pode ser visto no texto do Código Civil brasileiro.

No artigo 145 da LRE, o legislador abordou acerca da homologação de outra modalidade de alienação do ativo pelo juiz, desde que a mesma seja aprovada pela assembleia-geral de credores, podendo haver a constituição de sociedade dos credores ou dos trabalhadores, com a participação dos sócios atuais ou até de terceiros interessados. Se porventura a assembleia-geral de credores não aprovar a modalidade alternativa de alienação, o juiz irá decidir pela melhor modalidade, em atenção ao que fora falado pelo administrador judicial e pelo Comitê, se houver.

4.7.6. ​​​​​​​​​​​​​Das condições inerentes à alienação

1. Ausência de sucessão do arrematante

Conforme já exposto, salvo exceções delineadas pela LRE, a regra é não acontecer a sucessão pelo arrematante quanto às obrigações do devedor, em razão da desvalorização e diminuição de interessados na alienação dos ativos, uma vez que já se encontram onerados.

2. Das certidões negativas e sua inexigibilidade

O artigo 146 da LRE desonera a massa falida da apresentação de certidões negativas, independentemente da modalidade de alienação escolhida ou determinada para os devidos fins.

Art. 146: “Em qualquer modalidade de realização do ativo adotada, fica a massa falida dispensada da apresentação de certidões negativas” (BRASIL, 2005).

De acordo com Campos Filho (2007, p. 282): “A dispensa de apresentação de certidões tem por objetivo possibilitar, de forma ágil, a alienação dos ativos, pois que, de outro modo, exigir as certidões poderia mesmo inviabilizar a iniciativa [...]”.

Em observância ao princípio da celeridade e da economia processual, aplicáveis e sempre procurados em sede de falência, o legislador dispensou a massa falida da apresentação de certidões negativas, tendo em vista o risco de haver demora no início dos trabalhos relacionados à alienação.

5. OS CRÉDITOS FALIMENTARES E A NOVA ORDEM ESTABELECIDA

Os créditos na falência possuem um histórico de tratamento bastante importante para o estudo da falência e suas transformações. O crédito sempre se mostrou como fator determinante para as mudanças no instituto falimentar, juntamente com as transformações histórico-sociais, as quais não podem jamais ser ignoradas pela legislação, tendo em vista a necessidade de adequação e harmonia entre ambas.

A busca pela satisfação do crédito devido pode ser determinada em fases, as quais possuem características próprias e diferenciadoras, caminhando de um caráter de aplicação de pena capital, posteriormente eminentemente repressivo para o fim maior de se alcançar a satisfação dos credores do empresário ou sociedade empresária devedora.

O tratamento especial dado ao crédito na lei falimentar ocorre em razão de sua importância no meio econômico, desde os primórdios. Cremasco (2006, p. 5) informa que a circulação das riquezas sempre se deu em razão da função do crédito como fator de propulsão desta circulação, o que acarreta a evolução e o desenvolvimento comercial.

A partir do instante em que se coloca em circulação ou à disposição de outrem certa quantia em dinheiro em face do recebimento de algo, nasce juntamente a isto a necessidade de se tutelar legalmente a situação, uma vez sendo possível o descumprimento de obrigações contraídas por diversas razões.

Pode-se dizer, assim, que o tratamento dado aos créditos pela legislação falimentar atual, e até mesmo a própria existência dos créditos, visam a garantia contra o mau pagador, ou seja, o empresário em situação de inadimplência, criando mecanismos de defesa para que os créditos e seu pagamento sejam garantidos, por meio do alcance do patrimônio restante e em disposição para arrecadação em sede de falência.

Em decorrência da existência de dois ou mais credores em face do patrimônio do devedor, a LRE criou uma ordem a ser observada no instituto da falência. O direito concursal instaurado na falência se dá em razão da execução simultânea de vários credores em face de tão somente um devedor. Por consequência, ocorrerá uma liquidação concursal, que será feita sob a direção da nova ordem estabelecida.

Ramos (2011, p. 589) adverte que a falência, na situação de execução concursal do devedor, tem por fim a reunião da massa falida subjetiva, que são os credores, e a arrecadação de toda a massa falida objetiva, que vem a ser todos os bens pertencentes ao devedor.

Em busca da justiça no pagamento dos credores, evitando-se o privilégio de um ou alguns credores em face de outros, criando as mesmas oportunidades para a satisfação dos créditos de mesma natureza, a nova lei de falência criou a execução concursal, afastando a execução de forma individualizada, quando da inexistência de patrimônio suficiente para o atendimento de todos os créditos (COELHO, 2009, p. 243).

Apesar de mostrar-se bem solidificada a situação dos créditos na LRE, os quais são garantidos em detrimento somente do patrimônio existente do devedor, a história mostra que nos tempos passados a busca da satisfação dos créditos se dava de outras formas, contexto histórico este que será objeto do presente capítulo.

5.1. Da Pena Capital

Como já foi dito, nos tempos primórdios, o indivíduo que se encontrasse em situação de devedor era passível de responder com o seu próprio corpo, sua morte ou perda de partes do mesmo.

No Direito Romano, a garantia do atendimento ao crédito devido era alcançada, de acordo com a Lei das Doze Tábuas, por meio da execução corpórea, de caráter pessoal e sem o alcance do patrimônio do devedor (ABRÃO, 1993, p. 15). É importante destacar os motivos que levaram a sociedade, nos tempos antigos, a considerar a pena corporal como meio eficaz para a garantia dos créditos

outrora devidos:

I– a organização do regime de propriedade em forma coletiva, o que levava o credor insatisfeito a forçar a intervenção do grupo ligado ao devedor por laços de parentesco para livrá-lo da vindita, pagando;
II– a punição contra o inadimplemento, isto é, a falta de pagamento em dia, que era considerada ofensa, donde emana o aspecto penal da execução, ao lado do civil. [...] (ABRÃO, 1993, p. 15).

Nos ensinamentos de Ramos (2011, p. 509), na mesma Roma antiga, este período era caracterizado pela responsabilidade das obrigações por meio do próprio

corpo, própria vida ou liberdade. A garantia era o próprio devedor, e não aquilo que lhe pertencia. Assim, havia a possibilidade de o devedor tornar-se escravo por algum tempo ou entregar parte de seu corpo como adimplemento da dívida.

Apesar de existirem afirmações de ser o direito romano a origem do instituto da falência, nos primórdios as características da forma de execução e busca pelo pagamento das dívidas se dava de forma bastante diferente.

A execução, denominada manus iniectio, na teoria, era feita em detrimento do próprio corpo do devedor, o qual sofria um esquartejamento, com a destinação de cada parte do corpo para cada devedor, em número suficiente para ter-se atendido o valor devido:

Tal execução era feita da seguinte forma: se o devedor não cumprisse a condenação judicial, em trinta dias, e ninguém o afiançasse em igual prazo, estaria sujeito ao cárcere privado, executado pelo credor, por sessenta dias e, durante a prisão, estaria disponível a trabalho escravo ou à apregoação em feiras públicas. Se, depois de levado a pregão por três vezes, a dívida fosse paga ou ninguém a solvesse para o devedor (parentes, ou amigos), seria condenado à pena de morte. Caso houvesse pluralidade de credores, o insolvente seria esquartejado (FILARDI, 2008, p. 13).

Outras civilizações e sociedades também adotavam o caráter punitivo sobre o devedor para fins de saldar a dívida. Na Índia, com a outrora aplicação do Código de Manu, existia a possibilidade de o devedor vir a se tornar escravo e responder com sua própria vida e liberdade em razão de existência de dívida. Vale dizer que apesar de admitir a possibilidade de se tornar escravo o devedor, a própria lei proibia excessos e castigos excessivamente brutais em face do mesmo.

Posteriormente, tinha-se como sistema de caráter punitivo em face do próprio devedor o direito egípcio, o qual, a princípio, aceitava a escravidão como forma de atendimento das dívidas existentes. Posteriormente, o mesmo direito egípcio começou a afastar de seu sistema a escravidão, dando início ao atendimento da dívida por meio do patrimônio do devedor, o que, infelizmente, não afastou por completo a escravidão do devedor.

Ainda, na Grécia, era possível a visualização do caráter punitivo corporal do devedor, tendo em vista a possibilidade de escravidão em face do devedor, para fins de saldar a dívida existente.

Nas palavras de Requião (1998 apud FILARDI, 2008, p.12-13), no que concerne ao sistema judaico, não havia a caracterização de coação física em face

do devedor, tendo em vista a existência da caridade por parte dos mais abastados por aqueles que se encontravam em situação de dificuldades financeiras. Apesar desta característica, o próprio devedor, em consonância com o que se encontra elencado no trecho de Deuteronômio 15:12 da Bíblia, se sujeitava ao credor no período de seis anos, com a sua liberação da dívida no sétimo ano.

O direito falimentar possui uma origem cuja característica é predominantemente punitiva e pouco misericordiosa com o devedor. O pensamento que imperava era a de pagamento das dívidas por meio do castigo corporal de diversas formas, desde a escravidão, venda, retirada de partes do corpo e até mesmo a morte do devedor.

As leis que regiam a inadimplência não se limitavam a poucas punições. Desmembramentos corporais, castigos severos e escravidões sem fim eram comuns e faziam parte de uma visão que, de forma geral, não observavam o patrimônio do devedor como forma principal ou até mesmo secundária para que a dívida fosse saldada.

Apesar do caráter punitivo da falência, em sua origem, com o passar do tempo percebeu-se que os castigos corporais não eram capazes de satisfazer as dívidas e não proporcionava o acréscimo patrimonial almejado. Ainda, com a prisão do devedor, quedou-se demonstrado o insuficiente atendimento aos anseios do credor, o que poderia ser diferente com trabalhos e obrigações de outra natureza para que a dívida fosse atendida.

A constatação de ineficácia da pena capital sobre o devedor mudou os rumos e pensamentos em se tratando de dívidas e suas respectivas execuções, quando as mesmas se encontrassem não atendidas e inadimplidas.

5.2. Do Período Repressivo

A proibição e inibição da pena corporal se deu concomitantemente com a edição, em 428 a. C. da chamada Lex Poetelia Papira, na qual o patrimônio do devedor passou a ter importância para fins de saldar dívidas, uma vez que houve a busca do valor do crédito devido por meio da execução patrimonial no direito romano:

Somente com a edição da Lex Poetelia Papira em 428 a.C., a qual proibiu o encarceramento, a venda como escravo e a morte do devedor, o direito romano passou a conter regras que consagravam a sua responsabilidade patrimonial, em contraposição às regras de outrora, que o puniam com a pena de responsabilidade pessoal por suas dívidas (RAMOS, 2011, p. 509).

Com a edição da Lex Poetelia Papira, a punição corporal passou a ser desvalorizada e retirada dos ordenamentos, de uma forma geral, e passou-se a dar atenção ao patrimônio do devedor, para fins de lançar mão ao que correspondia ao valor devido.

Em atenção à possibilidade de existência de vários credores em face de um mesmo devedor, neste período, criou-se o denominado bonorum venditio, o qual era responsável pela venda dos bens do devedor, em atenção a requisitos estabelecidos e formalidades para a venda, ocorrendo, em seguida, a divisão igualitária daquilo que foi arrecadado para todos os credores (NEGRÃO, 2004, p. 8).

Em seguida, no Código de Justiniano, era prevista a chamada missio in possessio bonorum, na qual o crédito era garantido por meio da aquisição da posse comum, por parte dos credores, de todos os bens pertencentes ao devedor, administrados estes pelo chamado curator bonorum. A partir desta situação, surgia o direito dos credores de alienar os bens para que os créditos fossem atendidos e as dívidas saldadas (RAMOS, 2011, p. 510).

Em busca, não somente da satisfação dos créditos devidos, mas também pela punição e castigos em face do devedor, a falência no período Justiniano se demonstrava repressiva e punitiva.

Ramos (2011, p. 510) demonstra que neste período, a execução elencada pelo Código de Justiniano era direcionada para todo e qualquer devedor, independentemente de ser este envolvido com alguma atividade econômica ou não. Afirma, ainda, ser este marco histórico o início do direito falimentar, o qual passou pela fase de punição corporal e que estava adentrando no período de atenção patrimonial.

O caráter repressivo na busca dos créditos devidos também era evidenciado no período da Idade Média. Apesar da grande evolução no processo de execução, no qual preponderava a gerência estatal e o afastamento do total controle privado dos bens do devedor, eram aplicadas em face do mesmo sanções penais severas e o pagamento do que devia era feito em detrimento, se necessário, da totalidade do patrimônio do indivíduo devedor (ABRÃO, 1993, p. 18).

Neste momento, uma nova visão foi estabelecida quando se tratava de devedor insolvente. Este era tratado como réu. Era negativamente observado e considerado errante e um péssimo administrador. Seu patrimônio era desconsiderado quando do pagamento de dívidas. Existia somente um objetivo, que era o adimplemento das obrigações contraídas, nem que para tanto fosse necessário o total empobrecimento do indivíduo em favor dos credores.

O interesse que preponderava era o do credor, ou dos credores quando fossem dois ou mais. Não era levada em consideração a sobrevivência posterior do devedor ou a possível continuidade de suas atividades, tendo em vista que a aplicação das regras não se restringia tão somente para comerciantes, mas para todo e qualquer devedor.

Na Idade Média, quando o direito comercial começou a ser construído a partir da compilação dos usos e práticas mercantis, sobretudo nas cidades italianas, a doutrina também identificou regras especiais para a execução dos devedores insolventes que podiam ser vistas como precursoras do atual direito falimentar. Todavia, ainda se tratava de regras que se aplicavam indistintamente a qualquer espécie de devedor, comerciante ou não, e que mantinham seu caráter extremamente repressivo (RAMOS, 2011, p. 510).

Ramos (2011, p. 510-511) esclarece que, apesar de ter sido criado tratamento diferenciado para os devedores adstritos às atividades comerciais a partir do Code de Commerce de Napoleão, não houve a mudança na natureza do tratamento, ou seja, o caráter repressivo continuou reinando no regramento, o que só veio a mudar a partir das grandes mudanças econômicas e sociais ocorridas, as quais tiveram suas consequências aplicadas em diversos países.​​​​​​​

5.3. Do Período Satisfativo

O devedor praticante de atividade comercial, ao longo da história, recebeu vários tratamentos totalmente divergentes entre si, no que diz respeito à forma de pagamento das dívidas contraídas em razão de suas atividades comerciais.

A princípio, prevalecia o entendimento de que seu corpo ou sua liberdade eram passíveis de sofrerem e pagarem as dívidas por meio de sua total disposição ou restrição, respectivamente.

Posteriormente, entendeu-se pela resposta do devedor por meio de seu patrimônio, em abandono ao pensamento da punição corporal do próprio devedor, o que, no entanto, não foi suficiente para a descaracterização da punição, só que agora no âmbito patrimonial, daquele que devia.

As mudanças sociais, o crescimento econômico e os novos anseios da sociedade tornaram necessário o surgimento de um novo conceito de empresário, uma nova visão daquele que se encontra endividado e uma nova proposta de tratamento, pela legislação, com a adoção de novas formas de execução deste devedor.

Na legislação brasileira, a insolvência de um empresário ou sociedade empresária passou a não ser mais observada com maus olhos. A falência deixou de ter um caráter eminentemente punitivo para ter um fim satisfativo, ou seja, construiu- se o pensamento de utilização do patrimônio que ainda resta do devedor para que os objetivos e créditos sejam alcançados e observados no procedimento da falência.

Em atenção ao princípio da maximização dos ativos do devedor, busca-se com a nova lei de recuperação e falência, no que diz respeito à garantia dos créditos, uma valorização maior do patrimônio do devedor, ou seja, uma maior atenção no que diz respeito aos bens pertencentes ao devedor, a fim de que nenhum se perca ao longo do procedimento falimentar, prejudicando, assim, o efetivo pagamento dos créditos devidos, efetuando, tão logo, a venda dos ativos do devedor. É o que se encontra elencado no artigo 113 da LRE:

Art. 113. Os bens perecíveis, deterioráveis, sujeitos à considerável desvalorização ou que sejam de conservação arriscada ou dispendiosa, poderão ser vendidos antecipadamente, após a arrecadação e a avaliação, mediante autorização judicial, ouvidos o Comitê e o falido no prazo de 48 (quarenta e oito) horas (BRASIL, 2005).

Em busca da efetiva satisfação dos créditos devidos a partir da utilização do patrimônio do devedor, a nova lei procura garantir a proteção sobre a porcentagem do patrimônio passível de destruição com o tempo, o que pode vir a torná-lo inutilizável para o pagamento e satisfação dos créditos.

Como já foi considerado, os créditos na falência são cobrados por meio da liquidação concursal, na qual há o recebimento do valor do crédito de forma igualitária entre todos os credores, alcançando o fim maior de satisfação dos credores naquilo que lhe é de direito receber.

Com o fim da escravidão e controle pelo particular dos meios de busca do pagamento das dívidas do empresário ou sociedade empresária, surge o período do auxílio do Poder Judiciário ao devedor, o qual tornará disponível o seu patrimônio para que as suas dívidas sejam saldadas. O surgimento da execução concursal, ou seja, com a formação de grupos em razão da natureza dos créditos, para o pagamento de forma igualitária, se deu em razão da situação de desigualdade e preferência daqueles que não se submetiam ao procedimento falimentar, prosseguindo com a execução de seus créditos nas justiças especializadas correspondentes:

Como forma de evitar essa injustiça, proporcionando a todos os credores as mesmas chances de satisfação de seus créditos, o direito afasta a regra da individualidade da execução e prevê a obrigatoriedade da execução concursal, anteriormente denominada de execução “coletiva”, a qual o autor entende por par conditio creditorum, que é o princípio básico do direito falimentar (PESSI, 2012).

Todos os créditos executados em face da empresa devedora terão suas averiguações nas respectivas justiças especializadas e passarão para o juízo universal ou da recuperação para que sejam executados. Não há mais a figura da execução individual, mas sim, coletiva ou concursal.

Tendo em vista a reunião de vários credores no procedimento falimentar em face de somente um devedor e a necessidade de ocorrência de tratamento igualitário para todos os integrantes da falência, a nova lei de recuperação e falência elencou passos para que este tratamento fosse possível. Além da adoção de princípios auxiliadores na interpretação dos artigos de lei em prol da igualdade de tratamento de credores e a reunião de todos em um só juízo, a lei estipulou uma ordem de preferência de pagamento dos créditos. Esta ordem resguarda a organização e combate a morosidade do procedimento falimentar e, ainda, atende à liquidação concursal estipulada pela nova legislação falimentar.

Os Tribunais brasileiros têm exarado decisões, em se tratando de procedimentos falimentares em curso, baseados na igualdade entre os credores e na ordem estabelecida, dando condições iguais de tratamento aos credores da mesma natureza de crédito.

DIREITO COMERCIAL. HABILITAÇÃO DE CRÉDITO. OBSERVÂNCIA À PAR CONDITIO CREDITORUM. PEDIDO PARCIALMENTE ACOLHIDO. SENTENÇA MANTIDA.
I – Sob pena de ofensa ao basilar princípio da igualdade de condições entre os credores do falido, não se pode admitir que um credor quirografário tenha seu crédito corrigido pela TBF, mais juros moratórios de 1% a.m. e acrescido de multa de 10% sobre o total encontrado, enquanto os demais credores terão seus créditos atualizados nos limites legais.
II – O princípio par conditio creditorum prevalece cobre o princípio pacta sunt servanda porque mitigados os interesses individuais dos contratantes pelo interesse público.
III – Recurso conhecido e não-provido. Unânime (Acórdão n. 187382, 19990110188236APC, Relator WALDIR LEÔNCIO LOPES JÚNIOR, 1ª Turma Cível, julgado em 15/09/2003, DJ 16/03/2004, p. 80)1.
FALÊNCIA – Sentença que reconhece o crédito do ora apelado – Alegação de violação aos arts. 6º, 76 e 124 da Lei nº 11.101/05 – Desrespeito ao princípio do “par conditio creditorum” não evidenciada – Autorizado o prosseguimento das ações que discutem dívida ilíquida – Crédito que deverá ser regularmente habilitado na falência, respeitando-se, quanto aos juros, o que dispuser a legislação falimentar – Não incidência sobre a correção monetária que se destina tão somente a manter o valor real do débito – Recurso provido em parte2.

Os questionamentos apresentados pelas partes em processos cujo objeto vem a ser a falência e a situação dos créditos são apreciados em conformidade com os princípios estabelecidos pela lei falimentar e estudados pela doutrina do Direito Comercial, reinando a linha de pensamento de que deve prevalecer em todos os atos processuais falimentares a igualdade de tratamento entre os credores, em atenção ao equilíbrio na execução.

Há de se ressaltar que o tratamento igualitário requer a utilização de mecanismos de tratamento que trata de forma desigual os créditos para que haja a tão almejada igualdade, em razão da natureza de cada crédito e do que se mostra necessário para que o pagamento certamente ocorra.

A busca dos créditos, na legislação atual, se dá por meio da busca dos ativos do devedor. Será alcançado tão somente o patrimônio do devedor, com o fim tão somente de satisfazer os credores, diferentemente da legislação anterior revogada, a qual castigava o devedor, lançando mão sobre seu patrimônio objetivando o seu encerramento e punição em razão de ser devedor. Ainda, haverá a reunião desses créditos, no intuito de se alcançar o equilíbrio de tratamento entre os credores de diversas naturezas.

5.4. ​​​​​​​Nova Ordem dos Créditos na Falência em Decorrência da Lei 11.101/05

Inserido em um novo contexto histórico acerca da inadimplência do devedor comerciante e após sessenta anos de vigência, o Decreto-Lei n. 7.661/45 não mais correspondia às expectativas e mudanças que vinham ocorrendo no meio social e econômico. Seu texto era totalmente adequado a uma realidade de pós-guerra, na qual não figurava a importância econômica e social de uma empresa.

Dentre as várias modificações importantes ocorridas com as novas regras, está a nova ordem estabelecida para fins de pagamento, dos créditos na falência, a qual deverá ser observada quando do procedimento falimentar.

O artigo 83 da nova lei de falência elenca a nova ordem estabelecida, para fins de preferência quando do recebimento dos créditos.

Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II – os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III– créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as multas tributárias;
[...] (BRASIL, 2005).

Para fins de classificação desses créditos, foi tomada por direção a natureza e os privilégios concedidos pela Lei, determinando-se uma gama de direitos parecidos entre os créditos pertencentes à mesma classe. Em atenção à ordem estabelecida, os credores de uma determinada classe somente poderão lançar mão no ativo do devedor quando os créditos de classes precedentes forem atendidos (SOUZA JUNIOR e PITOMBO, 2005, p. 356).

5.4.1. ​​​​​​​Da ordem dos créditos no Decreto-Lei n. 7.661/45

Na lei anterior, a saber, o Decreto-Lei n. 7.661/45, o artigo 102 elencava a ordem dos créditos na falência:

Art. 102. Ressalvada a partir de 2 de janeiro de 1958, a preferência dos créditos dos empregados, por salários e indenizações trabalhistas, sobre cuja legitimidade não haja dúvida, ou quando houver, em conformidade com a decisão que for proferida na Justiça do Trabalho, e, depois deles a preferência dos credores por encargos ou dívidas da massa (art. 124), a classificação dos créditos, na falência, obedece à seguinte ordem:
I – créditos com direitos reais de garantia;
II– créditos com privilégio especial sobre determinados bens;
III – créditos com privilégio geral;
IV – créditos quirografários.
§ 1º Preferem a todos os créditos admitidos à falência a indenização por acidente do trabalho e os outros créditos que, por lei especial, gozarem essa prioridade.
§ 2º Têm o privilégio especial:
I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos por aluguer de prédio locado ao falido para seu estabelecimento comercial ou industrial, sobre o mobiliário respectivo;
III – os créditos a cujos titulares a lei confere o direito de retenção, sobre a coisa retida, o credor goza, ainda do direito de retenção sobre os bens móveis que se acharem em seu poder por consentimento do devedor, embora não esteja vencida a dívida, sempre que haja conexidade entre esta e a coisa retida, presumindo-se que tal conexidade entre comerciantes resulta de suas relações de negócios.
§ 3º Têm privilégio geral:
I – os créditos a que o atribuírem as leis civis e comerciais, salvo disposição contrária desta lei;
II – os créditos dos Institutos ou Caixas de Aposentadoria e pensões, pelas contribuições que o falido dever.
§ 4º São quirografários os créditos que, por esta lei, ou por lei especial, não entram nas classes I, II e III deste artigo e os saldos dos créditos não cobertos pelo produto dos bens ao seu pagamento (BRASIL, 1945).

Em se tratando de créditos na falência, Coelho (2011, p. 296-297) indica terem sido as principais modificações a concorrência dos credores em razão de acidentes laborais com aqueles credores trabalhistas e equiparados e a preferência dos créditos com garantia real em detrimento dos créditos fiscais. Ainda, a criação de duas classes de credores subquirografários referentes aos créditos de multa contratual e penas em dinheiro por infração penal ou administrativa e relacionadas aos credores subordinados.

A mudança na ordem dos créditos se deu quando da inversão de posições dos créditos com garantia real e dos créditos tributários. Na LFC, os créditos tributários eram estabelecidos em segunda posição, logo após os créditos de natureza trabalhista.

No que concerne aos créditos com garantia real, os mesmos se mostravam em terceira posição, após os créditos de natureza trabalhista e os créditos fiscais. Assim, verifica-se ter sido objeto de modificações legislativas a ordem dos créditos outrora estabelecida.

Em se tratando de preferência concedida pela revogada LFC, o artigo 102 demonstrava a mesma, na ordem seguida em sede de procedimento falimentar. A

preferência iniciava com os créditos de natureza laboral. Posteriormente, mais precisamente no § 1º do artigo 102 da LFC, era objeto de preferência os créditos que preferiam aos demais, quais sejam, os créditos tributários. O CTN ratificava tal entendimento, a partir da leitura do artigo 186, o qual determinava ser o crédito tributário preferencial aos demais, independentemente da natureza e do tempo de constituição destes, exceto os créditos laborais (ANDRADE, 1996, p. 166).

Importante se faz colacionar julgado do período em que essa ordem prevalecia, no qual foi a decisão em conformidade com o que se encontrava estipulado na lei de falências:

Falência – Crédito hipotecário – Rateio – Arrecadação – Recurso – Agravo de instrumento – LF, artigo 70 – Lei nº 3.726/60 – Decreto-lei nº 192/67 – Código tributário nacional – O crédito hipotecário, depois do advento da Lei nº 3.726/60 com as modificações do Decreto-lei nº 192/67 e do Código Tributário Nacional, passou a ser sujeito a rateio, visto como a ele preferem os créditos trabalhistas, por salários e indenizações e os tributários (TJSP – Agravo de instrumento 252.595 – Capital – Rel. Des. Oliveira Andrade – j. em 19-8-1976) (ANDRADE, 1996, p. 170).

Não é errôneo afirmar que a ordem que reinava na antiga lei de falência era objeto de muitas discussões a respeito da pertinência e eficácia da mesma. A preocupação dos doutrinadores era a respeito do pagamento desses créditos e sua garantia, o que foi objeto de muito estudo pelos doutrinadores (ANDRADE, 1996, p. 169).

Nas palavras de Castro (2004, p. 91), os pagamentos que aconteciam na vigência da revogada LFC se limitavam, na grande maioria dos processos falimentares, ao pagamento dos créditos de natureza trabalhista e aos créditos fiscais, quando para estes restavam recursos, o que ocasionava, muitas vezes, o esquecimento dos demais créditos devidos. Afirma que essa sistemática de pagamento se deu em razão da negligência do legislador, tendo em vista ter se dedicado à normatização dos créditos trabalhistas e tributários tão somente, esquecendo-se das outras funções da lei de falência.

Assim, diante de vários questionamentos a respeito da ordem dos créditos estabelecida pela LFC, a alteração se tornou inevitável quando da promulgação de nova lei para fins de regência do procedimento falimentar.

5.4.2. Da ordem dos créditos na lei 11.101/05

Conforme já visto no decorrer do trabalho, a nova Lei de Recuperação de Empresa trata, em seu artigo 83, a respeito da ordem de preferência de pagamento dos créditos devidos pela empresa em falência.

A partir da leitura e análise do artigo supracitado, vê-se que a preferência dos créditos trabalhistas e equiparados se manteve em primeiro lugar, tendo em vista sua natureza alimentar, juntamente com os créditos decorrentes de acidentes laborais.

Vale dizer que os créditos advindos de acidentes laborais se mostram como a classe mais privilegiada do procedimento da falência, tendo o acidentado direito ao recebimento de seu valor, independentemente da forma ou situação que ocorreu o acidente (COELHO, 2011, p. 82).

Os créditos trabalhistas, nas palavras de Coelho (2011, p. 83), são todas as verbas trabalhistas devidas pelo empregador, sem exceção, independentemente de sua origem ou causa.

O legislador, diferentemente do que ocorria na antiga LFC, determinou limite que deverá ser observado no procedimento falimentar, que vem a ser o pagamento de créditos trabalhistas, de forma preferencial, até o valor de 150 (cento e cinquenta) salários mínimos, sendo certa a transformação em quirografários daqueles que extrapolarem esse limite legal.

No que diz respeito ao limite estipulado pela LRE, Oliveira (2005, p. 5) destaca ser perda aos trabalhadores o mesmo, tendo em vista a outrora inexistência deste limite quando da vigência da LFC, o que ocasionará a transformação de um crédito, ainda de natureza alimentícia, em crédito sem garantia alguma, ou seja, crédito quirografário.

A perda ou limitação dos direitos dos trabalhadores vai de encontro com as circunstâncias políticas do período em que a nova lei passou a vigorar. Não pode ser esquecido que o presidente da república no período era Luiz Inácio Lula da Silva, o qual sempre deixou saltar aos olhos ser advindo da classe de trabalhadores, sempre lutando pelos seus ideais. E vale ressaltar, ainda, o partido ao qual o ora presidente pertencia, qual seja, Partido dos Trabalhadores (PT).

A aprovação da limitação dos créditos laborais deveria ter sido objeto de veto por parte do então presidente, tendo em vista ser contrária aos objetivos

supostamente seguidos pelo governo, e intimamente pelo próprio presidente. Esta situação gera dúvidas a respeito do que seria realmente o fim maior colimado pelo governo a partir da modificação legislativa na valoração dos créditos para que se tornem ou não eminentemente trabalhistas dotados da preferência na ordem de recebimento.

O que se observa é a manutenção dos créditos trabalhistas no primeiro lugar para fins de pagamento, logicamente após o pagamento dos créditos extraconcursais, de acordo com o artigo 84 da LRE, e a limitação do valor do crédito para que esta preferência seja exercida pelo credor trabalhista.

5.5.  A Ordem de Pagamento Estabelecida pelo Decreto-Lei n. 7.661/45 e a Inversão em Decorrência da Lei n. 11.101/05

Após os créditos trabalhistas, a LRE determina como segundo na ordem de preferência para pagamento os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado.

Os direitos reais se encontram elencados no artigo 1.225 do Código Civil brasileiro (CCB), que são a propriedade, as servidões, as superfícies, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca e a anticrese. Ainda, no artigo 1.419 do CCB, estão elencadas as possibilidades das garantias reais por penhor, anticrese ou hipoteca, determinado estar o bem que foi dado em garantia, sujeito ao cumprimento da obrigação contraída (BEZERRA FILHO, 2005, p. 204).

Segue a letra da lei do artigo 1.225 do CCB:

Art. 1225. São direitos reais:
I – a propriedade;
II – a superfície;
III – as servidões;
IV – o usufruto;
V– o uso;
VI– a habitação;
VII – o direito do promitente comprador do imóvel;
VIII – o penhor;
IX – a hipoteca;
X – a anticrese;
XI – a concessão do uso especial para fins de moradia;
XII – a concessão do direito real de uso (BRASIL, 2002).

A propósito o texto do art. 1.419 diz que “nas dívidas garantidas por penhor, anticrese ou hipoteca, o bem dado em garantia fica sujeito, por vínculo real, ao cumprimento da obrigação” (BRASIL, 2002).

Vale ressaltar que o valor que será recebido pelo credor será adstrito ao valor do bem que se encontra gravado, o que demonstra não ser possível o recebimento do bem gravado propriamente dito. O bem gravado servirá como direção para fins de estipulação da classificação do crédito (BEZERRA FILHO, 2005, p. 204).

Seguindo a letra do texto legal, após os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado, se encontram os créditos tributários na ordem de preferência para fins de pagamento.

Os créditos tributários, doutrinariamente falando, nascem a partir da ocorrência de uma situação de fato no cotidiano do indivíduo, da qual surge uma obrigação tributária, ensejando, assim, o nascimento de um crédito tributário.

A situação ocorrida tem por denominação legal fato gerador, o qual é conceituado pelos artigos 114 e 115 do Código Tributário Nacional (CTN), diferenciando o fato gerador da chamada obrigação principal e da obrigação acessória.

O artigo 114 do CTN determina que o “fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente à sua ocorrência” (BRASIL, 1966).

O artigo 115 do CTN trata a respeito da obrigação acessória e de seu fato gerador nas seguintes palavras: “Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal” (BRASIL, 1966).

Vê-se, pois, que para fins de surgimento da obrigação tributária e do crédito tributário, necessária se faz a consideração dos fatos ocorridos com os indivíduos no meio social, sendo certa a grande importância dos fatos ocorridos capazes de criar uma obrigação.

Considerando o breve estudo do que vem a ser os créditos com garantia real e os créditos tributários, objetos da mudança ocorrida na lei falimentar no que diz respeito ao pagamento dos créditos e sua preferência e ordem, imperioso se faz um estudo sobre da natureza de ambos os créditos outrora invertidos em sua ordem para fins de entendimento dos motivos que ocasionaram a mudança na ordem de pagamento dos créditos na LRE.

5.6. Da Natureza dos Créditos com Garantia Real e dos Créditos Tributários

Para a obtenção do entendimento dos motivos que levaram o legislador à inversão da ordem de pagamento dos créditos com garantia real e créditos tributários no procedimento falimentar, se faz necessário um estudo sobre a natureza de ambos os créditos invertidos.

Vale ressaltar que a natureza dos créditos, tanto os que se tornaram objeto de mudança quanto os demais, é analisada e considerada na fixação de valores e preferências, o que pode ser claramente observado na letra da lei quando determinou prioridade aos créditos trabalhistas, considerados de natureza alimentar, imprescindíveis para o sustento e sobrevivência dos trabalhadores que por ventura estejam aguardando o recebimento dos seus respectivos créditos.

5.6.1. ​​​​​​​Dos créditos com garantia real

Os créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado estão em segundo lugar na ordem de preferência de pagamento dos créditos sujeitos ao concurso, após o pagamento dos créditos trabalhistas.

Os créditos com garantia real são aqueles cuja garantia de seu adimplemento se dá por meio da concessão de um bem real como garantia. Em casos de inadimplementos e não pagamento da dívida de acordo com o que fora pactuado, haverá um bem adstrito ao crédito, para fins de seu atendimento e saldamento da dívida contraída pelo empresário devedor.

Em razão da ligação existente entre o crédito e o bem gravado, não há que se falar em divisão de forma igualitária do valor do bem para os demais credores. O valor obtido com a venda do bem será utilizado tão somente para o pagamento do crédito restante garantido com o mesmo. A possibilidade de se estender os valores para os demais créditos será em caso de valor superior à dívida. Nesta hipótese, o restante será distribuído para o pagamento dos demais créditos (RAMOS, 2011, p. 603).

Com a venda do bem adstrito ao crédito, caso o produto da mesma não seja em valor suficiente para saldá-la, o valor não alcançado se tornará crédito

quirografário, o qual não se faz detentor de preferência ou privilégio algum em sede de falência (RAMOS, 2011, p. 603).

São exemplos de créditos com garantia real os créditos pignoratícios, créditos hipotecários, créditos caucionados, créditos de debêntures com garantia real e os créditos advindos de instituições financeiras em razão de cédulas de crédito rural (RAMOS, 2011, p. 603).

A partir da leitura do artigo 1.419 do Código Civil brasileiro (CCB), verifica-se que o mesmo determinou a garantia tão somente do crédito, e não daquele que se mostra titular do mesmo. Assim, não há que se falar em vinculação com o indivíduo que se encontra em situação de titular do crédito, mas sim vinculação à dívida garantida de forma real, independentemente daquele que se mostre como titular da obrigação (MAMEDE, 2009, p. 563).

Em se tratando de direitos reais, há uma diferenciação em direitos reais sobre coisa própria, jus in re própria, e direitos reais sobre coisa de outrem ou alheia, jus in re aliena, os quais são elencados pelo CCB. Inserem-se no grupo dos direitos reais de garantia sobre coisa alheia alguns grupos diferenciados. A princípio, tem-se o grupo daqueles cujo fim é conceder ao titular a garantia de cumprimento de uma obrigação como a hipoteca, o penhor e a anticrese. Um segundo grupo é constituído dos direitos reais de aquisição, os quais são observados em casos de promitente comprador de um imóvel, o qual detém o direito real de aquisição da coisa. Por fim, em um terceiro grupo, estão os direitos de fruição ou gozo, que concedem ao titular o direito de participação sobre a coisa (CARVALINHO, 2005).

A partir da breve análise do que seriam os créditos com garantia real, vê-se que há em relação aos mesmos algumas garantias, que vão de uma natureza de concessão até a fruição de um direito sobre algo, que são determinadas pelo CCB.

A coisa dada para a garantia de uma obrigação estará ligada tão somente à dívida, não sendo relevante qual seja o titular da mesma no momento em que a garantia tiver de ser observada para fins de saldo da dívida.

Os doutrinadores, ao tratar dos créditos com garantia real, em sede de falência, têm relacionado os mesmo às instituições financeiras, entendendo os doutrinadores ter havido, por parte do legislador, uma valoração distinta da que era concedida na LFC, ora revogada pela lei em vigor atualmente, valoração esta objeto de muitos questionamentos a partir da vigência da LRE.

5.6.2. Dos créditos tributários

O CTN, em seu artigo 139, declara ser o crédito tributário advindo de uma obrigação tributária, tendo por característica a mesma natureza desta.

Hack (2008, p. 254) informa ser o crédito tributário um direito pertencente ao sujeito ativo de exigir de um sujeito passivo certa quantia em dinheiro, em razão da existência de uma obrigação tributária. As obrigações são determinadas como crédito pertencente ao sujeito ativo, que é o credor, o qual detém a prerrogativa de exigir um débito do sujeito passivo, que vem a ser o devedor. A partir da obrigação existe – o crédito tributário.

Normalmente, quando os tributos se transformam em objeto de críticas, somente os impostos são citados e levados em consideração. Ocorre que, para fins de tributo, entende-se não somente os impostos, mas as contribuições de melhoria, as taxas, demais contribuições e os empréstimos compulsórios, que são modalidades de tributos (HACK, 2008, p. 219).

O artigo 3º do CTN determina o que vem a ser o tributo, a possibilidade de sua criação e a forma proibida de constituição. Nos ditames do artigo mencionado, o tributo é toda prestação pecuniária compulsória, que deverá ser em moeda ou cujo valor nela possa se exprimir. Não poderá o tributo ter natureza de sanção em razão de ato ilícito. A prestação pecuniária deverá ser estipulada pela legislação e a sua cobrança deverá se dar por meio de atividade administrativa totalmente vinculada.

Os tributos, em suas modalidades, estão vinculados a diferentes situações capazes de ensejar sua criação. As taxas, de acordo com o artigo 77 do CTN decorrem do exercício de forma regular do poder de polícia ou da utilização, em potencial ou efetiva, ou seja, da utilização propriamente dita ou da disponibilidade do serviço publico sem sua efetiva utilização, devendo ser esse serviço público específico e divisível.

No que diz respeito às contribuições de melhoria, ocorrerão quando forem feitas, pela União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, obras públicas, para fins de custeios destas, quando em razão das obras verificar-se a valorização de imóveis. O valor da contribuição de melhoria deverá ser fixado em observância de alguns requisitos determinados pelo artigo 81 do CTN. O valor máximo será determinado em consonância com o que foi gasto em toda a execução da obra pública. No que concerne ao valor individual, ou seja, aquele ligado a cada imóvel

que se beneficiou da obra, será determinado em consonância com o valor que foi acrescido ao valor do imóvel, individualmente considerado.

Os empréstimos compulsórios estão elencados no artigo 15 do Código Tributário Nacional:

Art. 15. Somente a União, nos seguintes casos excepcionais, pode instituir empréstimos compulsórios:
I – guerra externa, ou sua iminência;
II – calamidade pública que exija auxílio federal impossível de atender com os recursos orçamentários disponíveis;
III – conjuntura que exija a absorção temporária de poder aquisitivo. Parágrafo único. A lei fixará obrigatoriamente o prazo do empréstimo e as condições de seu resgate, observando, no que for aplicável, o disposto nesta Lei (BRASIL, 1966).

A partir da leitura do artigo supramencionado, vê-se que os empréstimos compulsórios somente serão possíveis em casos muito excepcionais. Ainda, no que diz respeito à sua constituição, esta será possível tão somente pela União. Os empréstimos compulsórios não serão por prazo indeterminado, tendo em vista estipular como função da lei a fixação, de forma obrigatória, de prazo para o empréstimo, ainda, a fixação das condições para o seu resgate.

Em se tratando dos impostos, os mesmos são conceituados pelo elencado no artigo 16 do CTN, o qual determina ser o imposto “o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte” (BRASIL, 1966).

O imposto, ao ser pago, não gera para o contribuinte o direito de uma contraprestação vinculada a alguma atividade específica do Estado. A situação fática que ocasionou o surgimento do imposto, ou seja, o fato gerador, não possui ligação direta com algo que o Estado exerça especificamente.

Assim, percebe-se que os créditos tributários, em uma visão geral, estão ligados às situações vivenciadas pelos sujeitos ativos, ou seja, os contribuintes. Esta característica evidencia a natureza social dos créditos tributários, os quais decorrerão necessariamente de fatos sociais, corriqueiros, denominados fatos geradores do tributo.

5.7. Do Projeto de Lei n. 71 de 2003 e as Justificativas Acerca da Nova Ordem dos Créditos na Falência

A aprovação da nova lei de falência e recuperação de empresas, de uma forma geral, gerou grandes discussões no que diz respeito às modificações e inovações trazidas pela lei.

A nova ordem estabelecida tornou-se objeto de vários questionamentos no que diz respeito à sua correta colocação, se a nova ordem condiz com o que a sociedade brasileira precisa e tem por prioridade quando da aplicação da lei, dentre outros questionamentos.

Com o fim de ter-se revogado o Decreto-Lei n. 7.661/45, antiga lei de falência, foi apresentado pelo Poder Executivo o Projeto de Lei n. 4.376 do ano de 1993, período caracterizado pelo governo de Itamar Franco. Foram longos dez anos de tramitação para que a votação ocorresse e o projeto fosse aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Foram feitas 484 emendas e 5 substitutivos durante os dez anos. No Senado Federal, o projeto de lei (PL) passou a ser de n. 71 do ano de 2003 (TEBET, 2004, p. 1).

A proposta de modificação na ordem de recebimento dos créditos foi apresentada pela senadora Lúcia Vânia, opinando pela preferência dos créditos com garantia real em face dos créditos tributários3.

Após longo relatório a respeito da situação econômica de pós-guerra evidenciada no período de vigência da LFC e a fim de destacar os objetivos primordiais da nova lei que estava para surgir, quais sejam, o aumento da eficiência econômica e a construção de um pensamento social ligado à lei, o relator senador passou a analisar minuciosamente cada emenda apresentada pelos participantes da modificação do texto do projeto de lei.

Vários grupos da sociedade participaram e opinaram acerca das mudanças que estavam sendo feitas para que a nova lei surgisse. Estiveram presentes representantes de associações e confederações comerciais, bancos e empresas de todas as estruturas. Ainda, representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e do próprio Poder Público e, também, pessoas especializadas na área do direito falimentar (TEBET, 2004, p. 12-13).

Antes dos comentários e decisão a respeito da modificação na ordem dos créditos na falência, o relator destacou, em sede de princípios que regem a falência, o princípio da redução do custo do crédito no Brasil, o qual preconiza a concessão de uma segurança jurídica para aqueles que são detentores do capital, com a finalidade de que sejam preservadas as garantias e normas que tratam a respeito da ordem de classificação dos créditos na falência, para se alcançar o fim de incentivos de aplicação nos recursos financeiros com um menor custo nas atividades produtivas, para um fim maior que é o crescimento da economia (TEBET, 2004, p. 20).

A partir da leitura do princípio supramencionado, verifica-se a partir do mesmo a importância dada, pelo legislador, ao tratamento dos créditos existentes na falência como créditos concursais, sob um ponto de vista econômico, ou seja, o crescimento da economia e a supervalorização do crédito se iniciam como os próprios princípios basilares da nova lei de recuperação e falência, o que torna inevitável a mesma supervalorização e sua aplicação no texto legal propriamente dito.

O texto advindo da Câmara dos Deputados foi mantido pelo projeto de lei n. 71 de 2003 no que diz respeito ao tratamento dado aos créditos com garantia real e créditos tributários. Ambos eram considerados de forma igualitária, ou seja, a concorrência era em situação de igualdade, tanto em suas condições quanto no recebimento e em suas proporções (TEBET, 2004, p. 44).

Ocorre que, em consideração aos objetivos principais da lei, quais sejam, a recuperação da empresa e o baixo valor dado ao custo do crédito, achou por bem o relator considerar o enunciado da emenda n. 82 proposta e entendeu que, por não serem atingidos os créditos tributários pela recuperação judicial e extrajudicial, constatou ter o Poder Público a obrigação de contribuir para que as empresas tivessem a oportunidade de se reerguer por meio da desvalorização dos créditos tributários (TEBET, 2004, p. 44).

Com a devida vênia ao relato do senador, considerar de tal forma que foi considerado o crédito com garantia real em total detrimento aos créditos tributários se mostra um tanto quanto arriscado para a mantença dos objetivos maiores da nova lei. Passa-se de um objetivo de soerguimento e consideração social de uma empresa em crise para um fim maior de tão somente valorizar-se o crédito, nem que

para tanto seja necessária a macula do valor, de fato existente no âmbito dos demais créditos, para a sociedade.

Em comparação com países desenvolvidos, o relator Tebet (2004, p. 44) evidenciou a importância de se conceder a efetivação da garantia real do crédito no Brasil tendo em vista ser desencadeador de estímulos para a ocorrência de financiamentos e, por consequência, o investimento financeiro nas atividades econômicas produtivas, o crescimento do acesso ao crédito e o seu menor custo, reduzindo-se, assim, o denominado spread bancário.

Seguem as palavras que finalizaram o relatório a respeito da mudança na ordem dos créditos na lei falimentar e que decidiram pela mesma.

Por isso, preconizamos a necessidade de modificação da ordem de recebimento na falência, posicionando-se os créditos com garantia real à frente dos créditos tributários. Com isso, entendemos que não há prejuízo ao fisco, pois, em virtude da dificuldade na venda dos bens, da excessiva burocracia e da morosidade do atual processo falimentar, pouco ou nada é amealhado, a ponto de nem mesmo os créditos trabalhistas e tributários – que hoje têm preferência absoluta – serem pagos na falência. Tanto isso é verdade que, no ano passado, o recebimento de tributos nas falências não superou a casa dos R$ 16 milhões, valor insignificante se comparado ao total arrecadado. Estamos convictos de que o maior acesso e o menor custo do crédito no Brasil contribuirão para o aquecimento da economia, com impacto positivo sobre emprego, renda e arrecadação tributária (TEBET, 2004, p. 44).

Denota-se, pois, que para a modificação ocorrida na ordem dos créditos falimentares, em sede de projeto de lei, foi fator essencial para tanto a importância do crédito na economia brasileira. O fácil acesso e o barateamento deste mesmo crédito se tornaram alvos maiores e determinantes para a modificação, hoje localizadas no artigo 83 da lei de recuperação e falência de empresas.

Importante ressaltar que da leitura do relatório já estudado, evidencia-se a quase exclusão da importância dos demais créditos, no âmbito de preferência para fins de pagamento. Essa característica, de certa forma, ofusca os demais objetivos da nova lei tão defendidos e aparecidos quando da análise dos princípios regentes da nova lei como, por exemplo, o seu estudo sob o ponto de vista da importância da empresa no meio social em todos os seus aspectos, não tão somente no que diz respeito ao seu acesso ao crédito e o seu consequente barateamento, o que não o torna, por sua vez, de nenhum valor.

5.8. Dos Aspectos Políticos e Econômicos da Mudança Ocorrida na Ordem dos Créditos na Falência

A nova ordem dos créditos no procedimento da falência, estipulada na nova lei de recuperação e falência, deve ser analisada sob um ponto de vista político e econômico, a partir dos quais é possível entender as causas e o que se deu por motivação para que as mudanças ocorressem no que diz respeito aos agentes políticos e econômicos envolvidos na modificação.

A nova lei de falência foi sancionada pelo então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva no dia 09 de fevereiro do ano de 2005. O governo de Luiz Inácio Lula da Silva foi marcado pela busca de um maior crescimento econômico, por meio da concessão de uma proteção maior ao crédito. E não poderia ser outra a motivação maior para que a mudança na ordem dos créditos falimentares viesse a ocorrer.

O poder legislativo, no momento da feitura das modificações legislativas falimentares, quedou-se influenciado pela visão governamental que predominava no momento. A busca pelo barateamento, facilidade e superproteção ao crédito e sua acessibilidade tornou-se princípio norteador do texto legal.

A votação do projeto da nova lei foi amplamente debatida e dividida, no que diz respeito às motivações e reflexos da legislação no meio social. Miranda (2008, p.

1) destaca o voto de alguns deputados e suas conclusões a respeito dos créditos na nova lei falimentar. O voto do deputado Tarcísio Zimmermann do Partido dos Trabalhadores (PT) foi evidenciado, o qual concluiu ter sido mantido pela nova lei os privilégios do Sistema Financeiro Nacional no que concerne ao recebimento dos créditos das empresas em situação de falência e, ainda, não garantiu avanços para os trabalhadores. Em contrapartida, foi contraria a constatação do deputado Osvaldo Biolchi, o qual entendeu que a nova lei de recuperação e falência “constitui um instituto ímpar [...]. A concordata e a falência, como estão sendo aplicadas, causam fraudes aos credores, trabalhadores e empresários”.

Como já foi estudado, várias foram as classes que participaram e opinaram no projeto da nova lei de falências. E não poderia ser diferente, tendo em vista ser adotado pelo Brasil o regime político da democracia, no qual se evidencia o exercício do poder pelo povo, por meio da eleição de representantes. A democracia brasileira é caracterizada como democracia semidireta, ou seja, o povo elege seus

representantes, e estes irão exercer o Poder Político por meio de suas decisões (PIMENTA, 2007, p. 31-32).

Apesar da possível e correta participação de grupos ligados às modificações que ocorreram na lei de falência e recuperação de empresas, mais precisamente à nova ordem estabelecida dos créditos, o que se percebe, a partir da leitura de trabalhos e doutrinas, é a total ingerência e influência dos interesses de instituições financeiras, detentoras da maioria dos créditos com garantia real.

Muitos doutrinadores, em defesa à nova ordem dos créditos, afirmaram ser a nova ordem fator que desencadearia o barateamento dos juros em concessões de crédito. Oliveira (2005, p. 5) em discordância total do pensamento supramencionado, afirma ser muito mais ampla a análise dos fatores desencadeadores de juros exorbitantes e créditos muito caros na economia brasileira, fato este não resolúvel por meio da supervalorização do crédito com garantia real em detrimento dos créditos tributários:

Discordo veementemente desses autores, porquanto essa questão passa pela análise de outras variáveis do modelo econômico adotado pelo Brasil, que prejudicam a produção e o trabalho, e favorecem o capital. Além disso, boa parte do crédito disponível nos bancos é captada pelo próprio Estado para rolar a dívida pública, aliado ao fato de que, sob o pretexto de conter o consumo e controlar o regime de metas de inflação, o Banco Central aumenta os juros simplesmente para captar mais capital especulativo. A questão dos juros bancários envolve, portanto, a combinação de outras variáveis macroeconômicas, e não simplesmente a questão das garantias que serão dadas a esses tipos de créditos.

O que se percebe, por um lado, é a luta pela diminuição dos juros e barateamento dos créditos para que a população brasileira tenha acesso aos mesmos e, por outro, a atividade nociva e irresponsável dos bancos, em atenção ao seu fim único que é a aferição de lucros e mais lucros em detrimento dos interesses dos demais envolvidos em suas relações.

O que mais levanta questionamentos e indagações é a clara intervenção e influência de instituições que, por meio de suas atividades, buscam somente o lucro, por meio dos denominados e bastante conhecidos spreads bancários, que vêm a ser as diferenças gritantes e exorbitantes entre o que gastam as instituições financeiras e o valor cobrado em face de créditos concedidos a pessoas físicas ou jurídicas, tendo em vista ser claro o fim, que deveria ser principal, da nova lei de falência e recuperação, que é o fim social da empresa e tudo aquilo que lhe diz respeito.

A inversão feita na ordem dos créditos, dando-se preferência aos créditos com garantia real em detrimento dos créditos tributários, demonstra a influência que era exercida pelas instituições financeiras no período em que foi promulgada a nova lei, no governo Lula. O interesse econômico e particular das instituições financeiras se sobrepôs ao interesse social, tendo em vista ter sido diminuída a importância dos créditos tributários (OLIVEIRA, 2005, p. 5).

No que diz respeito aos créditos tributários, a partir do instante em que seu valor se faz diminuído, existe concomitantemente a desvalorização do interesse social. Isto se dá em razão de ter o crédito tributário a mesma natureza da obrigação tributária, que é totalmente em prol do interesse público (OLIVEIRA, 2005, p. 5).

A arrecadação tributária é fonte financeira de que usufrui o Estado para fins de por em prática as políticas públicas. A responsabilidade do Estado para com a sociedade, no que concerne à execução de suas funções é garantida através da receita fiscal advinda da arrecadação com os tributos (SILVA, 2010, p. 40).

A natureza eminentemente pública dos créditos tributários é motivo mais que suficiente para o surgimento de questionamentos a respeito da inversão dos mesmos com relação aos créditos com garantia real, tendo em vista que os primeiros, na antiga lei falimentar estavam em segunda posição e, na atual legislação, estão em terceira posição.

Muitos são os anseios da sociedade quando se fala em melhorias na qualidade de vida em casos de atitudes que devem advir do governo. A receita, ou seja, os créditos tributários arrecadados são os responsáveis por garantir aos indivíduos essa qualidade de vida tão almejada.

O que se mostra questionável não são valores econômicos, mas sim importâncias que se mostram deturpadas, invertidas. Os fins sociais que tanto são citados em sede de princípios falimentares passam a ser esquecidos no decorrer dos artigos da lei e totalmente ignorados quando se trata de ordem de preferência nos pagamentos dos credores falimentares.

Sabe-se que a natureza dos créditos se mostra como base para fins de pagamento, classificação e concessão de preferências a um crédito no procedimento falimentar.

Os créditos com garantia real no valor do bem gravado e os créditos tributários são detentores de natureza totalmente divergentes e diferentes. Aqueles são detentores de natureza eminentemente econômica, relacionados, em sua

grande maioria, às instituições financeiras. Por sua vez, os créditos tributários possuem natureza social e se destinam aos custos relacionados às obras públicas em prol da sociedade.

A inversão na ordem desses créditos evidencia a priorização do interesse econômico e individual daqueles que se beneficiam com a mesma, em detrimento do interesse social, invertendo os valores que se mostraram princípios norteadores da nova lei falimentar.

A revogada lei de falências determinava a igualdade de tratamento aos créditos tributários e aos créditos com garantia real. Esta igualdade determinava a total regência do princípio da função social, em atenção aos anseios da sociedade, e impedia a inversão dos valores, que devem ser sociais e econômicos, respectivamente, em se tratando de ordem de recebimento dos créditos.

5.9. ​​​​​​​A Situação Econômica Brasileira Após a Lei n. 11.101/05 no que Tange aos seus Objetivos Econômicos

A nova lei de recuperação e falência foi elaborada em atendimento a vários objetivos, os quais podem ser diferenciados em objetivos sociais e econômicos. Mostra-se importante a análise da lei no que se refere ao alcance dos fins econômicos colimados, diferenciando a situação pré e pós-legislação falimentar, tendo em vista ser necessária a adequação da letra da lei com a sociedade, sua realidade e necessidades.

O principal objetivo econômico da nova lei de recuperação e falência, quando de sua elaboração, era a redução dos chamados spreads bancários, que vêm a ser a diferença existente entre a taxa de empréstimo da instituição bancária e o valor de captação. É o valor bruto daquilo que é considerado ganho pelos bancos. O Brasil é o país detentor do spread bancário mais elevado do mundo. Em razão disto, tem-se uma taxa de juros de crédito e de empréstimo considerada alta (DIEESE, 2006, p. 2).

Não é nova a busca, no Brasil, por juros mais baixos e uma facilidade maior de acesso ao crédito, uma vez ser benéfico para o crescimento econômico do país. É bem verdade que nos últimos anos, um maior número de brasileiros tem logrado êxito quando da tentativa de acesso ao crédito e aos recursos bancários como

cartão de crédito e empréstimo. Ocorre que, em concomitância com esse fácil acesso, há também a onerosidade e crescimento de juros bancários, de forma que chegam a ser considerados abusivos e nocivos para a população e economia brasileiras. A partir desta situação, poderia ser certo afirmar que, na realidade, o que houve foi o crescimento do poder aquisitivo do brasileiro, e não a flexibilidade de taxas e condições bancárias.

No que diz respeito ao ramo empresarial e à falência, a mantença de juros elevados e condições nocivas para fins de acesso ao crédito desencadeiam a impossibilidade de se alcançar o crescimento de uma empresa e gera dificuldades para que uma atividade econômica continue a existir. Há sempre o impedimento do crescimento de uma empresa que precise de crédito, uma vez que a mesma se depara com situação dificultosa e nada colaboradora com a manutenção da atividade.

Quando de sua criação, a lei de recuperação de empresas foi modificada e sancionada como meio de alcance de um barateamento e facilitação no acesso ao crédito, com a diminuição dos chamados spreads bancários. No entanto, o que se percebe na economia brasileira, mesmo após a lei e de outros meios com o mesmo fim, é a mesma situação de dificuldade e atividade nociva dos bancos em detrimento daqueles que procuram as instituições financeiras fornecedoras de crédito, existente anteriormente às medidas adotadas.

O juro brasileiro é considerado o mais alto do mundo. Países desenvolvidos têm procurado chegar ao valor zero ou diminuir o máximo possível suas taxas, o que não é visto no Brasil. O próprio Ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou, no mês de maio deste ano, serem os spreads bancários uma anomalia brasileira, a qual precisa ser detida e aniquilada. Afirmou o Ministro ser necessária a diminuição desses spreads pelos bancos privados, tendo em vista os trabalhos de ampliação do acesso ao crédito por parte dos bancos públicos, situação esta desencadeadora da perda de clientes por parte destes mesmos bancos privados (CARNEIRO, 2012).

Seria por demais ingenuidade afirmar que com a vigência da nova lei de recuperação de empresas, a queda dos spreads bancários e dos juros aplicados seria imediata. No entanto, o que se percebe é a ocorrência de uma diminuição não considerável, insuficiente para que os objetivos do novo texto legal sejam alcançados. Vale dizer que para tanto, várias outras modalidades e meios de se

alcançar o barateamento, diminuição de juros e spreads bancários foram criados, o que não se mostrou suficiente.

A sociedade brasileira continua a conviver com altos juros, longe de ter um juro que seja característica de um país desenvolvido, que realmente vise e conceda de fato condições para que as empresas mantenham suas atividades, nem que para tanto tenha que recorrer aos meios fornecidos pelas instituições financeiras, o que não traria insegurança para o empreendedor. As empresas brasileiras continuam a sofrer com a alta taxa de juros.

O que se tem a respeito da diminuição dos spreads bancários é o que foi afirmado pelo presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, quando de sua participação em uma audiência pública na Comissão de Assuntos Econômicos, no Senado Federal. Afirmou Tombini que a redução dos spreads bancários vem acontecendo, mas que está no início. Esta diminuição se deu em razão de pressões feitas pelos bancos públicos e pelo governo, mais precisamente pela presidente Dilma Rousseff e pelo Ministro Guido Mantega, em suas declarações, afirmando ser de extrema necessidade a redução dos spreads bancários. Vale dizer, ainda, que apesar da diminuição dessas taxas, tarifas bancárias têm sido cobradas em valor maior, fato este passível de questionamentos, no que diz respeito a real diminuição de taxas bancárias ou tão somente a troca de fonte de lucros por parte dos bancos (MARTELLO, 2012).

A realidade brasileira no que diz respeito ao acesso ao crédito e ao que é exigido pelas instituições financeiras nos dias atuais, onera por demais as empresas brasileiras e impossibilitam o crescimento almejado. A alteração da lei de recuperação de empresas, mais precisamente no que diz respeito à inversão dos créditos com garantia real e créditos tributários, concedendo prioridade aqueles em detrimento destes, não foi eficaz nos seus objetivos e, ainda, desencadeou uma diminuição da importância dos créditos tributários, que são considerados sociais em sua natureza.

Tendo em vista não ter alcançado a lei seus objetivos econômicos, e ter sido toda a fundamentação da modificação na ordem dos créditos falimentares desprezada pelas circunstâncias econômicas brasileira, necessária ser faz a adoção de outros meios para que a situação econômica se transforme. Pressões devem ser feitas sobre as instituições financeiras e, ainda, garantias devem ser estabelecidas para as mesmas, garantindo que é possível a sua manutenção e sobrevivência com

juros menores e créditos mais acessíveis. Por fim, em atenção ao interesse social da lei de recuperação, pertinente se mostra a reforma da lei, no que diz respeito à ordem que foi modificada em sede de projeto de lei, uma vez que a modificação ocorrida não alcançou sua razão de ser e perdeu por completo o seu objeto.

6. CONCLUSÃO

A partir da análise feita da problemática abordada, quedaram-se observadas algumas conclusões a respeito, fundamentais para o entendimento do objeto e do fim colimado com a elaboração do presente trabalho acadêmico.

Quanto à análise feita das formas de execução ocorridas durante toda a transformação da legislação falimentar, notou-se que a execução dos créditos devidos se dava, a princípio, com caráter punitivo, na forma de castigar aquele que devia. No início, o corpo e a liberdade do devedor respondiam pelas obrigações contraídas e não pagas, de forma que poderia haver a divisão do corpo do devedor em tantas partes quanto fossem necessárias para que todas as dívidas fossem atendidas. Posteriormente, o patrimônio do devedor começou a ser considerado para fins de pagamento, no denominado período repressivo.

A execução patrimonial passou a ser o meio utilizado para alcançar o valor devido. Ocorre que, juntamente com a utilização do patrimônio do devedor, se manteve o caráter punitivo da execução, mas agora sobre o patrimônio, de forma a retirar tudo aquilo que pertencia ao devedor, deixando-o em situação de quase impossibilidade de se reerguer financeiramente. Após o período repressivo, em razão de necessidade social e econômica, começou a surgir o caráter satisfativo da execução falimentar, no qual há a busca da satisfação dos créditos, normatizando até mesmo sobre a proteção dos ativos do devedor para este fim, sem pensar no devedor como um indivíduo que merecia uma punição por ter contraído dívidas.

No que diz respeito à nova ordem de preferência de pagamento dos créditos na falência e a priorização que foi concedida, descortinou-se que, diferentemente da ordem que era estabelecida no Decreto-Lei n. 7.661/45, a saber, créditos trabalhistas, créditos tributários e créditos com garantia real, respectivamente, a nova Lei n. 11.101/05 modificou o artigo que tratava a respeito da ordem de pagamento, invertendo os créditos tributários e os créditos com garantia real, ficando estes garantidos em segundo lugar e aqueles em terceiro lugar. Verificou-se que, em sede de projeto de lei, a fundamentação para que a ordem fosse modificada era a valorização do crédito com garantia real e o consequente aumento do acesso ao crédito e o barateamento do mesmo, com a efetiva redução dos spreads bancários.

A nova ordem de preferência de pagamento dos créditos na falência foi estabelecida em total desatendimento à natureza dos créditos tributários e tão

somente levou em consideração o interesse das instituições financeiras, tendo em vista serem estas as beneficiadas com a priorização dos créditos com garantia real, por serem as credoras de créditos dessa natureza e, ainda, com a limitação dos créditos trabalhistas a 150 (cento e cinquenta) salários mínimos. A aprovação da lei se deu em um momento cujo objetivo principal do governo era o crescimento econômico por meio da proteção do crédito a partir da criação de meios para que os spreads bancários fossem diminuídos. Dentre essas modalidades estava a Lei n. 11.101/05.

A Lei 11.101/05 se resume a um meio pelo qual se busca a diminuição dos spreads bancários. Todo o seu texto está voltado para o atendimento dos interesses das instituições financeiras, através de preferências concedidas, não mais se sobressaindo, no que diz respeito ao pagamento dos créditos na falência, o interesse social da lei, tendo em vista serem os créditos tributários de natureza estritamente social, voltados para o atendimento dos anseios, uma vez serem a fonte do Estado para que haja a execução das políticas públicas, o que torna questionável a inversão ocorrida.

Ante o estudo realizado, conclui-se que o objetivo do legislador da nova lei de falências, no que diz respeito aos créditos no instituto da falência, concedeu preferência exorbitante para os créditos ligados às instituições financeiras, o que ocasionou mácula total aos créditos de natureza social, a saber, tributários e até mesmo trabalhistas, em atenção ao barateamento dos créditos concedidos pelos bancos e a diminuição dos spreads bancários, o que, de fato, não foi eficaz, tendo em vista ser a realidade brasileira, nesse aspecto, a mesma que ocorria anteriormente à lei, ou seja, juros altos e ausência de mecanismos que facilitem o acesso ao crédito e seu barateamento.

7. NOTAS DE RODAPÉ

1 Disponível em: <http://tjdf19.tjdft.jus.br/cgi- bin/tjcgi1?COMMAND=ok&NXTPGM=jrhtm02&l=2 0&pq4=&pq5=&pq6=&pq7=&pq1=fal%EAncia+cr%E9ditos+igualdade&pq2=&pq3=&ORIGEM=INTER&pq8=&pq9=> Acesso em: 18 out. 2012.

2 Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta. do;jsessionid=FD439212CF55A814 9627110737047057> Acesso em: 18 out. 2012.

3 A princípio, a proposta se direcionava à alteração do artigo 11, incisos II e III do texto que havia sido aprovado na Câmara dos Deputados.

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Publicado por: Déborah de Melo Gonçalves

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