A MAIORIDADE PENAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E A POSSIBILIDADE DE SUA REDUÇÃO

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1. RESUMO

A presente monografia é resultado da pesquisa bibliográfica acerca da maioridade penal no ordenamento jurídico brasileiro. A fim de agregar conhecimento acerca do tema, que atualmente é motivo de grande discussão, pelo atual momento que vive a sociedade brasileira. A metodologia empregada foi a análise de diferentes doutrinas e obras independentes, assim como, introdução de dados provenientes de pesquisas de campo. Em suma, foi realizado um breve levantamento histórico acerca da maioridade penal no Brasil, posteriormente análise dos critérios que determinam a inimputabilidade do menor, juntamente com as causas de delinquência e, por fim, a Proposta de Emenda à Constituição 171 de 1993, com seus posicionamentos favoráveis e contrários.

Palavras-Chave: PEC 171/93. Redução da maioridade penal. Inimputabilidade do menor.

ABSTRACT

This monograph is the result of bibliographic research about the legal age in the Brazilian legal system. In order to add knowledge on the subject, which is currently subject of much discussion at the moment that lives the Brazilian society. The methodology used was the analysis of different doctrines and independent works, as well as introduction of data from research area. In short, there was a brief historical survey about the legal age in Brazil, further analysis of the criteria that determine the unaccountability of the minor, along with the causes of delinquency and , finally, the Proposed Amendment to the Constitution 171 of 1993 with its pro and con positions .

Keywords: PAC 171/93. Reduction of legal age. Minor unimputability.

2. INTRODUÇÃO

A presente pesquisa tem por objetivo analisar os aspectos presentes na imposição da maioridade penal no ordenamento brasileiro, sendo abordado os aspectos históricos, sociais e políticos que envolvem o tema.

Assim, no capítulo inaugural, faz-se necessário realizar um breve levantamento histórico acerca da legislação penal brasileira, a começar das Ordenações Filipinas (1603) – onde os que possuíam entre 07 e 17 eram reconhecidos como penalmente imputáveis, mas, com direito a atenuação da pena caso o crime fosse punido com morte natural – até chegarmos aos tempos atuais, onde são inimputáveis aqueles que não possuem 18 anos completos.

Posteriormente, os conceitos de imputabilidade e inimputabilidade serão analisados, com o objetivo de estabelecer os critérios utilizados pelo legislador de 1940 ao estabelecer o marco temporal para que o indivíduo fosse capaz de responder por possíveis atos delituosos. Ainda no mesmo capítulo, analisaremos os motivos mais frequentes que ocasionam o florescimento da criminalidade entre as crianças e os adolescentes, entretanto, constatar-se-á que os menores infratores contemporâneos se diferenciam daqueles que viviam na década de 1940, por terem acesso irrestrito e quase ilimitado ao conhecimento, tornando-os insensíveis às possíveis consequências de seus atos por se resguardarem na ilusão da impunidade que a legislação menorista lhes fornece, encerrando este capítulo com a resposta do Estado ao cometimento dos atos infracionais, as medidas socioeducativas.

No ultimo capítulo torna-se necessária a abordagem da Proposta de Emenda à Constituição 171 de 1993, que propõe a alteração do art. 228 da CF/88, tornando penalmente inimputáveis aqueles que possuem 16 anos completos, sendo constado que os anseios da sociedade foram o motivo central para o desarquivamento da referida PEC. Encerrado o presente trabalho monográfico com a análise dos posicionamentos favoráveis e contra a antecipação da maioridade penal.

3. Breve Histórico da maioridade penal na legislação brasileira

3.1. Ordenações Filipinas

O Brasil, enquanto império da coroa portuguesa, não possuía legislação penal própria, de modo que todos os conceitos de delitos e crimes eram advindos do Código Filipino, ou Ordenações Filipinas. Código este que foi assinado no auge da ocupação espanhola nos territórios de Portugal e tinha como propósito a criação de uma legislação criminal única para os reinos de Portugal e Espanha, até então um só.

Após a separação dos aludidos impérios, a coroa portuguesa passou a adotar tais consolidações jurídicas em seus territórios, consequentemente em sua maior conquista territorial, que hoje é chamada de República Federativa do Brasil.

Tais Ordenações consideravam penalmente imputáveis aqueles que possuíam entre 07 e 17 anos, recebendo tratamento semelhante aos adultos, entretanto, caso este infante cometa crime que tenha como consequência a pena de morte natural, havia a possibilidade de atenuação da pena, porém, a pena atenuada a ser cumprida seria determinada à critério do Julgador, no caso o Juiz, como demonstra o texto transcrito - à maneira como foi editado na época - do TÍTULO CXXXV das Ordenações Filipinas:

Quando os menores serão punidos por os delictos, que fizerem:
[...]
E quando o delinquente fòr menor de dezasete annos cumpridos, postoque o delicto mereça morte natural, em nenhum caso lhe será dada, mas ficará em arbitrio do Julgador dar-lhe outra menor pena.

Andréa Rodrigues Amin, uma das autoras da obra Curso de Direito da Criança e do Adolescente, aspectos teóricos e práticos, coordenada por Kátia Regina Ferreira Lobo Andrade Maciel (2014, p. 45) ao parafrasear José Farias Tavares (2001) considera aqueles com idade entre 17 e 211 anos, jovens adultos à luz das Ordenações Filipinas, podendo ser submetidos à pena de morte natural como consta no TÍTULO CXXXXV do referido código, a ser transcrito na linguagem qual foi editado à época:

E se fòr de idade de dezasete annos até vinte, fica em abitrio dos Julgadores dar-lhe pena total, ou diminuir-lha.
E em este caso olhará o Julgador o modo, com que o delicto foi commettido, e as circumstancias delle, e a pessoa do menor; e se o achar em tanta malícia, que lhe pareá que merece total pena, dar-lhe-ha, posto que seja de morte natural!

Entretanto, os com idade mínima de 14 anos poderiam ser submetidos a pena supratranscrita, caso cometessem o crime de falsificação de moeda. (TAVARES, 2001 apud MACIEL, 2014, p. 45).

3.2. Código Criminal do Império do Brasil

Em 1830, após aproximadamente 235 de vigência das Ordenações Filipinas, fora assinado por D. Pedro I o Código Criminal do Império do Brasil, sendo esta a primeira legislação penal autônoma da América Latina (FRAGOSO, 1993 apud CAVAGNINI, 2014, p. 33). O que de fato representou a evolução histórica do ordenamento jurídico brasileiro. Com o advento do referido código, priorizou-se a humanização das penas, erradicando-se as penalidades cruéis como as mortes consequentes de tortura, as decapitações e os enforcamentos. O foco da pena foi direcionado ao condenado que, por sua vez, passou a ser o único que poderia cumpri-la, sendo sanção penal intransferível a terceiros, já que no Código Filipino havia a possibilidade de transferência da pena aos familiares.

Não obstante, o Código Penal do Império estabeleceu que os menores de 14 anos eram inimputáveis, entretanto, os que praticavam atos delituosos e possuíam entre 7 e 14 anos, poderiam ser encaminhados às casas de correção, caso estes possuíssem discernimento suficiente acerca dos atos que cometera. Tal capacidade era constatada em seu julgamento por meio do “exame da capacidade de discernimento para aplicação da pena” citado por Kátia Regina em sua obra, deste modo poderiam permanecer nestes institutos correcionais até completarem 17 anos de idade, (MACIEL, 2014, p. 45-46).

3.3. Código Penal dos Estados Unidos do Brasil e o Código de Menores de 1926

Em 1890 foi promulgado o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil que, por sua vez, não manteve afastamento considerável em relação aos princípios e entendimentos do antigo Código Penal do Império, continuando assim com a verificação de discernimento dos menores infratores que possuíam entre 9 e 14 anos de idade, sendo que, os que ainda não tivessem alcançado a idade mínima para o juízo de discernimento eram considerados inimputáveis perante o então novo código. Mudança significativa houve quanto aos que possuíam entre 14 e 17 anos de idade que, no Código anterior deveriam ser encaminhados às casas de correção, no novo Código, caso fossem culpados dos crimes cometidos, seriam obrigados a cumprir 2/3 da pena de um adulto, logo maior de 17 anos, (MACIEL, 2014, p. 46). Neste diapasão convém transcrever os arts. 27 §§ 1º e 2º e art. 30 do Código Penal dos Estados Unidos do Brasil da maneira como foram editados:

Art. 27. Não são criminosos:
§ 1º. Os menores de 9 annos completos;
§ 2º. Os maiores de 9 e menores de 14, que obrarem2 sem discernimento.
[...]
Art. 30. Os maiores de 9 annos e menores de 14, que tiverem obrado2 com discernimento, serão recolhidos a estabelecimentos disciplinares industriaes3, pelo tempo que ao juiz parecer, comtanto que o recolhimento não exceda á idade de 17 annos.

Posteriormente, com a revolução industrial ocorrendo no continente europeu e se alastrando pelo mundo, juntamente com o surgimento das grandes fábricas de inúmeros setores, os adultos de desentranharam do átrio familiar e passaram a se dedicar às atividades fabris para que assim pudessem prover o sustento do lar, alterando deste modo a rotina das famílias.

Consequentemente os filhos – exceto os que não acompanhavam os pais nas fábricas – restaram-se desamparados por seus genitores, e pelo Estado, que até então não se preocupava em desenvolver medidas de proteção ao menor. Deste modo, as famílias passaram a viver à margem da sociedade que, por sua vez, sofria com o avançar da pobreza e da miséria mundial.

Por repercussão dos acontecimentos europeus, juntamente com o clamor da sociedade brasileira por amparo do Estado às suas crianças e adolescentes, os governantes e doutrinadores voltaram seus olhos à situação em que se encontravam os menores, pois a marginalização da criança e do adolescente emergia e se alastrava com grande propriedade, o que convém citar:

A influência externa e as discussões internas levaram a construção de uma Doutrina do Direito do Menor, fundada no binômio carência-delinquência. Era uma fase da criminalização da infância pobre, havia uma consciência geral que o Estado teria o dever de proteger os menores, mesmo que suprindo suas garantias. Delineava-se assim a doutrina da situação irregular. (MACIEL, 2014, p. 47).

Assim, a situação do menor passou a ter novo direcionamento no ordenamento jurídico brasileiro, deixando de ser subtópico do Direito Penal e passando a ser denominado Direito do Menor que, por sua vez, atribuiu à família e ao Estado o dever de cuidar e proteger as crianças e os adolescentes. Deste modo, um marco evolutivo da justiça surgiu, o Código de Menores, que passou a legislar acerca das situações que envolviam o menor em geral, não somente sobre os menores infratores, como já legislava o Código Penal dos Estados Unidos do Brasil. Neste sentido:

Em um inevitável desenrolar dos fatos, em 1926 foi publicado o decreto n. 5.083, primeiro Código de Menores do Brasil que cuidava dos infantes expostos e menores abandonados, cerca de um ano depois, em 12 de outubro de 1927, veio a ser substituído pelo decreto n. 17.943-A, mais conhecido como Código Mello Mattos. De acordo com a nova lei, caberia ao Juiz de Menores decidir-lhes o destino. A família, independentemente da situação econômica, tinha o dever de suprir adequadamanete as necessidades básicas das crianças e dos jovens, de acordo com o modelo idealizado pelo Estado. Medidas assistenciais e preventivas foram previstas com o objetivo de minimizar a infância na rua. (MACIEL, 2014, p. 47).

O Código de Menores foi decisivo na evolução do Direito da Criança e do Adolescente, pois, passou a considerar que os menores de 14 anos, caso violassem norma penal, não deveriam cumprir pena restritiva de liberdade junto aos adultos e sim medidas de caráter punitivo que objetivassem sua reintegração social por meio da educação. Nesse sentido, José Idelfonso Bizatto e Rosana Maria Bizatto (2014, p. 27) elucidam através dos apontamentos de Oliveira (2003):

Em 1926 passou a vigorar o Código instituído pelo Decreto Legislativo de 1º de dezembro do mesmo ano, prevendo a impossibilidade de recolhimento do menor de 18 anos que houvesse praticado ato infracional passível de prisão comum. Em relação aos menores de 14 anos consoante fosse a sua condição peculiar de abandonado ou pervertido, ou nenhuma dessas características, seria abrigado em casa de educação ou preservação, ou ainda, confiado à guarda de pessoa idônea até a idade de 21 anos. Poderia ficar igualmente, sob a custódia dos pais, tutor ou outro responsável, se a sua periculosidade não reclamasse medida mais assecuratória.

Com isso, o idealismo da medida sócio-educativa começou a surgir, embora ainda não possuir essa denominação, o fato dos menores infratores cumprirem sua pena (educativa) em apartado dos adultos foi marco evolutivo para época. Ao passo que, ainda sem força e quase sempre resultando na restrição da liberdade dos infantes, o referido código reforçou a ideia de que os menores infratores na verdade eram crianças e adolescentes em situação de risco, merecendo então tratamento diferenciado.

3.4. Código Penal de 1940 e o novo Código de Menores

Após a promulgação da Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1937 – que foi marcada pela ideia latente da busca pelos direitos humanos – uma nova legislação criminal surgira, o Código Penal de 1940, com ele novos princípios e conceitos também afloraram. Neste novo Código, restou estabelecido que estariam sujeitos às suas sanções todos aqueles com 18 anos completos, logo, adultos.

O art. 23. Do aludido Código estabelecia que “os menores de dezoito anos são penalmente irresponsáveis”. Por outro lado, os que não possuíssem a idade supracitada não estariam sujeitos às normas impostas no referido código, sequer poderiam ser penalizados, uma vez que, eram considerados irresponsáveis pelos seus atos “ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial”.

Desta forma, restou estabelecido pelo novo código o critério puramente biológico como sendo o fator diferenciador entre crianças, adolescentes e adultos. Por este critério, acreditava-se que aqueles que não possuíssem 18 anos completos não haviam exaurido o desenvolvimento racional do discernimento. Neste entendimento:

Segundo as normas do Código Penal Brasileiro de 1940, os menores de 18 anos que infringissem a lei penal não poderiam ser submetidos ao processo criminal comum, isto porque baseava-se na presunção absoluta de falta de discernimento.O legislador entendeu que para punir é necessário ter esclarecimentos acerca da infração e como a personalidade do menor ainda não estava concluída, não era possível puni-lo.
Aliás, é da essência da lógica e da razão que para ser punido é preciso ter entendimento. (BIZATTO, José; BIZATTO, Rosana, 2014, p. 27).

Assim, a lógica direcionou ao entendimento de que estes infantes que não haviam alcançado o desenvolvimento pleno do senso penal comum – que em tese só estava presente nos adultos – não poderiam dividir a mesma punição daqueles que o possuíam, logo restou estabelecido pelo novo código que aqueles que não haviam atingido a idade mínima citada, deveriam ser regidos por legislação especifica.

Deste modo, tem-se que o Código Penal de 1940 e suas inúmeras alterações foram o marco inicial dos debates políticos, legislativos e judiciais acerca da criação ou alteração de uma legislação que cuidasse de todos interesses do menor, desde políticas sócio-educativas, poderes, deveres, direitos, sanções e a dinâmica processual penal envolvendo o menor. Entretanto, apesar dos inúmeros debates, pouco progresso foi feito, a promulgação da Lei n. 6.697 de 10 de outubro de 1979 criou o novo Código de Menores, que, “sem pretender surpreender ou verdadeiramente inovar”, apenas “consolidou a doutrina da Situação Irregular” do menor. (MACIEL, 2014, p. 48).

Seguindo o mesmo raciocínio, porém tecendo criticas mais brandas acerca do novo Código de Menores, José Bizatto e Rosana Bizatto (2014, p.28) demonstram em suas palavras:

Tal legislação tinha presente a assistência e a proteção integral do menor, buscando corrigir seus desvios e adaptando-o às novas exigências sociais. Todavia, nenhuma lei é perfeita em seu sentido amplo e, por conseguinte, a nova legislação deixava muito a desejar em que pese seu caráter educativo.

Durante a vigência do novo Código de Menores, demonstrou-se que intenção pretendida não era reintegrar o jovem à sociedade, mas sim retirá-los das ruas discriminadamente, pois de acordo com o Código, os menores com desvio de conduta poderiam ser encaminhados à internação, vejamos:

Art. 40. A internação somente será determinada se for inviável ou malograr a aplicação das demais medidas.
Art. 41. O menor com desvio de conduta ou autor de infração penal poderá ser internado em estabelecimento adequado, até que a autoridade judiciária, em despacho fundamentado, determine o desligamento, podendo, conforme a natureza do caso, requisitar parecer técnico do serviço competente e ouvir o Ministério Público. (grifo nosso).

Nota-se a facilidade que era dada ao exercício dessa medida que, a princípio, deveria ser tomada em último caso. Ora, o desvio de conduta citado no art. 41 não tem definição no mesmo código, é de caráter totalmente subjetivo, podendo ser todos os menores que não se encontrassem em estado de flagrância infracional ser taxados com desvio de conduta. Ademais, o mesmo artigo determinava que o menor permaneceria internado até que a autoridade judiciária determinasse seu desligamento.

Logo, notou-se a intenção do Estado em “maquiar” o problema da marginalidade dos menores, pois, amparado pela nova legislação menorista de 1979, o Estado poderia utilizar seu poder para retirar da do meio social todos aqueles jovens e crianças que não se adaptavam aos ditames da sociedade da época, não sendo visado a ressocialização desse infante marginalizado pelo próprio meio em que vivia. “Durante todo esse período, a cultura da internação, para carentes e delinquentes foi a tônica, a segregação era vista, na maioria dos casos como única solução”. (MACIEL, 2014, p 49)

Consequentemente, a situação tomou proporções inimagináveis, posto que, todos aqueles infantes que eram recolhidos aos centros de internação, sendo ou não delinquentes, estavam lá realizando curso intensivo para tal comportamento. Nos próprios centros de internações estavam sendo formados os novos criminosos.

3.5. A Constituição Federal de 1988

A promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 foi um divisor de águas em nossa sociedade, um marco histórico na evolução do ordenamento jurídico brasileiro. A nova Carta Magna gerou impacto tamanho que, costuma-se usar a expressão “pré-constituição de 1988” e “pós-Costituição de 1988”, pois as inovações com ela trazidas mudariam todo ordenamento jurídico existente.

A nova Constituição surgiu no momento em que a sociedade apresentava carência de princípios fraternais, pois até então, a principal preocupação do ordenamento vigente era como os anseios patrimoniais e não sociais, como leciona:

No campo das relações privadas se fazia imprescindível atender aos anseios de uma sociedade mais justa e fraterna, menos patrimonialista e liberal, movimentos europeus pós-guerra influenciaram o legislador constituinte na busca de um direito funcional, pró-sociedade. De um sistema normativo garantidor do patrimônio do individuo passamos para um novo modelo que prima pelo resguardo da dignidade da pessoa humana. O binômio individual-patrimonial é substituído pelo coletivo-social. (grifo nosso) (MACIEL, 2014, p. 49).

Entretanto, o legislador constitucional manteve sem alterações o instituto jurídico da criança e do adolescente, que até então só eram amparados quando se encontravam em situação de delinquência ou abandono. (MACIEL, 2014, p. 49).

Notando que a carência do ordenamento com o trato às crianças e aos adolescentes ainda existia, a sociedade se mobilizou em prol de um sistema jurídico que o amparasse desde o nascimento até o limite do sua faixa etária juvenil de modo que inúmeros movimentos governamentais e não governamentais surgiram em prol dos direitos da criança e do adolescente surgiram como demonstra:

A intensa mobilização de organizações populares e nacionais de atores da área da infância e juventude, acrescida da pressão de organismos internacionais, como Unicef, foi essencial para que o legislador constituinte se tornasse sensível a uma causa já reconhecida como primordial em diversos documentos internacionais, como a Declaração de Genebra, de 1924; a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas (paris 1948); a Convenção Americana Sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1969) e Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude – Regras Mínimas de Beijing (res.40/33 da Assembleia-Geral, de 29 de novembro de 1985). A nova ordem rompeu, assim com o já consolidado modelo da situação irregular e adotou a doutrina da proteção integral. (MACIEL, 2014, p. 49).

Em consequência da pressão da sociedade unificada a um interesse comum, em 13 de julho de 1990 foi promulgada Lei. 8.069, que criou o Estatuto da Criança e do Adolescente, elevando o Brasil ao patamar das “nações mais avançadas na defesa dos interesses infatojuvenis”, as quais defendiam o idealismo de que “crianças e jovens são sujeitos de direito, titulares de direitos fundamentais”, sendo adotado o “sistema garantista da doutrina da proteção integral”, (MACIEL, 2014, p. 50).

3.6. O Estatuto da Criança e do Adolescente

A Lei 8069/90, como já elucidado, surgiu em resultado da pressão imposta pela sociedade juntamente com organizações governamentais e não governamentais aos legisladores que, por sua vez, ao promulgar o referido Estatuto, preencheram as lacunas deixadas pela Constituição Federal de 1988. Deste modo as crianças e os adolescentes passaram a ser considerados como pessoas em desenvolvimento, biológico e psíquico e, sobretudo em desenvolvimento de personalidade, motivos pelos quais não possibilitaria atribuir-lhes imputabilidade penal.

O novo código menorista introduziu à sociedade a premissa de que a criança e o adolescente não carecem exclusivamente de medidas assistenciais, pois, são detentores de direitos e garantias, passando a ser adotado como política pública a Doutrina de Proteção integral da Criança e do Adolescente.

Deste modo, verifica-se que o Estatuto da Criança e do Adolescente buscou em primeiro plano a proteção integral de crianças e adolescentes, sem descurar, em caso de infrações, a aplicação das medidas sócioeducativas.(BIZATTO, José; BIZATTO Rosana, 2014, p. 29)

Assim, o direito da criança e do adolescente deixa de ter caráter assistencial e corretivo, e passa a ter caráter protetivo, participativo, preventivo e educativo. Tornou-se um sistema de normas que buscam a integralização da responsabilidade para com o menor, atribuindo esta responsabilidade à família, ao Estado e à sociedade como um todo, como e elucidado:

Trata-se de um novo modelo, democrático e participativo, no qual a família, sociedade e Estado são cogestores do sistema de garantias que não se restringe à infância e juventude pobres, protagonistas da doutrina da situação irregular, ma sim de todas as crianças e adolescentes, pobres ou ricos, lesados em seus direitos fundamentais de pessoas em desenvolvimento. (grifo do autor) (MACIEL, 2014, p. 51).

O Estatuto da Criança e do Adolescente, como demonstrado, é a materialização dos anseios de uma sociedade que buscava amparo àqueles que estavam desprotegidos, à mercer da própria sorte. Entretanto as conquistas englobaram toda uma classe de cidadãos, a criança e o adolescente, que passaram a ser sujeitos de direitos e garantias. Os objetivos almejados à época foral alcançados, todavia, os tempos são outros, o homem e a sociedade encontram-se em constante evolução, o que leva a crença de que os anseios da sociedade também sofreram alterações, algumas das medidas alcançadas em 1990 podem não atender as necessidades atuais. É o que será estudado a seguir.

4. O MENOR INFRATOR

4.1. A Imputabilidade

A imputabilidade é tema de discussão constante no ordenamento jurídico brasileiro, quer seja quando ela começa ou quando ela deixa de existir, acerca da imputabilidade leciona Toledo (1994, p. 313) ao citar Petrocelli (1962):

Imputabilidade é sinônimo de atribuibilidade, imputar é atribuir algo a alguém, quando se diz que determinado fato é imputável a certa pessoa, está-se atribuindo a essa pessoa ter sido a causa eficiente e voluntária desse mesmo fato, Mais ainda: está-se afirmando ser essa pessoa, no plano jurídico, responsável pelo fato e, consequentemente, passível de sofrer os efeitos, decorrentes dessa responsabilidade, previstos pelo ordenamento vigente. O termo imputabilidade contem assim, uma certa carga valorativa, pois, conforme salienta Petrocelli, “viene dal verbo latino imputare, che significa attribuire, ascrivere, però nel senso di attribuire in male, addebitare, far carico”. Pode, entretanto a imputabilidade estar referida não ao fato, mas diretamente ao agente. Nesta última hipótese, significa aptidão para ser culpável. Quando se afirma que certa pessoa é imputável, está-se dizendo ser ela dotada de capacidade para ser um agente penalmente responsável.(grifos do autor).

À luz de sua sabedoria, o autor conceitua a imputabilidade como sendo a atribuição de punibilidade a alguém, ou seja, é a rotulação da capacidade punitiva à pessoa que comete ato que não é permitido. Deste modo, conclui autor que a imputabilidade está diretamente ligada ao agente.

Assim sendo, pode-se afirmar que a imputabilidade é intitulável, entretanto para que determinado agente possa ser classificado como imputável deve-se levar em consideração alguns aspectos. O principal aspecto a ser considerado é a capacidade do agente de compreender que os atos que está a praticar são ilícitos, com lecionam Mirabete e Fabbrini (2010, p. 196) ao parafrasearem Maurach (1962):

Há imputabilidade quando o sujeito é capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento4. Só é reprovável a conduta se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permita compreender a antijuricidade do fato e também a de adequar essa conduta a sua consciência. Quem não tem essa capacidade de entendimento e de determinação é inimputável, eliminando-se a culpabilidade.

Observados os ensinamentos, conclui-se que o agente deve ter plena capacidade de compreender quando determinado ato praticado é ilícito, caso possua em sua consciência o discernimento acerca da antijuridicidade do ato e sua conduta o leva a praticá-lo, este então torna-se culpável. Neste sentido, Damásio de Jesus (2014, p. 513) reitera afirmando: “Imputável é o sujeito que mentalmente são e desenvolvido que possui capacidade de saber que sua conduta contraria mandamentos da ordem jurídica”.

Logo, conclui-se que, em regra, todas as pessoas são abrangidas pela capacidade punitiva da lei, são imputáveis, entretanto, excepcionalmente, há casos em que o agente possui enfermidade cognitiva, perturbação da mente ou os dois casos, devendo assim, ser considerado inimputável.

4.2. Inimputabilidade

Sabe-se que a imputabilidade está baseada na capacidade do agente em determinar a ilicitude de sua conduta, tornando-o culpável, logo, os que não possuem esta capacidade são denominados inimputáveis. Segundo Fernando Díaz Palos (1965) parafraseado por Damásio de Jesus (2014, p. 515), “inimputabilidade é a incapacidade para apreciar o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com essa apreciação”.

Ademais, existem critérios que determinam em que momento a imputabilidade do agente será excluída, tornando-o inimputável e o isentando das penalidades impostas pela legislação (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 196), são estes: cirtério biológico, psicológico e biopsicológico.

O critério biológico ou etiológico estabelece que a responsabilidade do agente está condicionada a sua saúde mental, ou seja leva em consideração o desenvolvimento natural e completo do órgão pensante, o cérebro. Ademais, por este critério, é considerado inimputável o agente portador de enfermidade ou deficiência mental grave, independentemente deste possui conhecimento e vontade delitiva no momento do fato tipificado como crime. (TOLEDO, 1994, p. 314).

O critério psicológico considera apenas as “condições psíquicas do autor no momento do fato” para que o considere inimputável, “afastada qualquer preocupação a respeito da existência ou não de doença mental ou distúrbio psico patológico”. (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 196). Deste modo, deixava-se de averiguar os motivos da inexistência da vontade e da percepção delitiva do agente.

O critério biopsicológico, deixando de lado sua sugestividade literal, é a junção dos dois critérios anteriormente elucidados. O Código Penal de 1940 adota tal critério ao excluir a imputabilidade daqueles que “possuem desenvolvimento mental incompleto ou retardado (art. 26)”; dos menores, “caso de desenvolvimento mental incompleto presumido; e a embriaguez fortuita completa (art. 28, § 1º)”. (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 196).

O art. 26 destaca claramente o critério biopsicológico utilizado pelo legislador quando estabelece a verificação primária da condição cognitiva do agente, se este possui doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Caso ele não possua essas características não será inimputável, entretanto, caso seja mentalmente enfermo deve-se então constatar se possuía capacidade de entender o caráter ilícito do fato, caso for isento deste entendimento, será então inimputável. (MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 196).

Tal artigo é usado como base no estabelecimento das demais causas de inimputabilidade, concluindo o legislador que, não basta o agente ter desenvolvimento mental incompleto ou incapacidade de percepção delitiva no momento do fato, há de se provar a relação entre um e outro. Entretanto, podemos mencionar como exceção nos casos de inimputabilidade, a embriaguez fortuita completa, pois leva em consideração somente o estado mental do agente no momento do fato.

Em relação a menoridade, convém citar os comentários de José Alberto Cavagnini (2014, p. 64):

[...] o legislador nacional adotou o critério biológico para demarcar a esfera da inimputabilidade, visto que levou em conta, exclusivamente o fator idade, não considerando para tanto o fator psicológico do individuo, ou seja, o menor de 18 anos será sempre inimputável, por absoluta presunção legal, mesmo que tenha discernimento sobre a conduta ilícita praticada. (grifo do autor).

O autor é incisivo em suas palavras ao mencionar que somente o critério biológico foi adotado na rotulação da inimputabilidade ao menor, presumindo que o que não possui 18 anos completos é portador de desenvolvimento mental inacabado, independentemente de sua capacidade de percepção delitiva no momento do fato.

4.3. Causas de delinquência do menor

Ao analisarmos a evolução da sociedade, notamos que, está diretamente relacionada a esta, a segregação social, de modo que, à medida que a sociedade evolui, a segregação social aumenta, tendo como consequência o crescimento da criminalidade. Isto se dá pelo fato de que, aqueles que não conseguem acompanhar a evolução social, deslocam-se para a margem da sociedade, onde, por sua maioria, não são alcançados por políticas sociais.

Inúmeros são os estudos que mostram que as pessoas que moram em zonas críticas de desenvolvimento social são mais vulneráveis à criminalidade, uma vez que, a falta de estrutura básica para o desenvolvimento social (saúde, moradia e educação), levam-nos a procurar meios alternativos para manter sua subsistência. Nestas pessoas que estão à deriva, os profissionais do crime encontram seus novos recrutas, que serão moldados à sua vontade.

Pesquisas sociais também demonstram que as famílias que vivem nestes meios, têm maior tendência a se desestruturar, seja pelo fato dos pais estarem inseridos no mundo do crime, por se dedicarem exclusivamente ao trabalho para o sustento familiar ou pelo fato dos pais serem desprovidos de princípios fraternais, o que os levam ao descaso para com seus filhos. Entretanto, independentemente do motivo, os menores sempre irão se encontrar em situação de vulnerabilidade maior do que os adultos nesses meios, pois, caso os pais se dediquem exclusivamente ao trabalho ou sejam naturalmente despreocupados com a criação e educação dos filhos, estes restarão desamparados pelo seio familiar.

A família é a base do desenvolvimento humano, pois nos pais (sendo estes genitores ou não) está presente o espelho do qual os filhos seguirão o reflexo. Como mencionam José Bizatto e Rosana Bizatto (2014, p. 34) ao citar Hoyos (2007):

A família é a pedra angular que molda o desenvolvimento psíquico do adolescente e sedimenta a troca de emoções e experiências. No pensamento de Hoyos “o aconchego familiar envolve troca de conhecimentos, sonhos, ambições e aprimoramento da personalidade. Nesse processo todos cooperam mutuamente”5. (grifo do autor).

Sendo o ser humano extremamente adaptável ao meio, caso a criança ou adolescente não encontre em sua família o norte para direcionar o caminho do seu desenvolvimento social, este infante desenvolverá, inconscientemente, outra maneira de inserir-se no meio social e buscará uma forma de preencher o vazio causado pela ausência do amparo familiar.

Em reflexo a esta ausência, este jovem sofrerá crises de personalidade que o levará ao desenvolvimento natural da violência como modo de chamar atenção ao meio em que vive e, consequentemente, sua vida pessoal, escolar e/ou profissional será afetada por esse desvio de personalidade. Assim, os princípios e os bons costumes serão estranhos à seu ver, levando-o a busca de um meio social em que suas novas condutas sejam aceitas, deste modo:

[...] a inserção do jovem no mundo infracional [...]6 se inicia na família através de práticas parentais abusivas e deficientes afetivamente, com concomitante fracasso acadêmico e subsequente evasão escolar e inserção em grupos desviantes [...]. (ROVINSKI e CRUZ, org. 2009, p. 174).

Como mencionado, estando este jovem afastado do seio familiar e do âmbito acadêmico, as más companhias se tornarão atraentes aos seus anseios de modo que, seu comportamento inapropriado o aproximará companhias impróprias em meios sociais desfavoráveis ao desenvolvimento sociológico, a exemplo das organizações criminosas. Tais companhias transparecem a falsa impressão de amparo para com estes jovens, pois, ao se inserirem nestes meios, as crianças e os adolescentes se sentem parte de um grupo que, em sua maioria, estabelecem a união como ponto central para o sucesso no mundo do crime.

Uma vez inseridos em grupos criminosos, atos delituosos passarão a fazer parte da rotina deste infanto-juvenil, que por sua vez, assimilará isto à normalidade de sua rotina. Consequentemente, haverá o direcionamento do foco à constante busca de ascensão em seu grupo e, para tal, crimes de maior potencialidade ofensiva passarão a ser cometidos.

4.4. O penalmente inimputável no mundo atual

A grande discussão da sociedade atual encontra-se direcionada na criminalidade, onde crimes cada vez mais bárbaros fazem com que indivíduos idôneos sejam acompanhados pelo medo constante em ser vitima de atos criminosos, sendo que, uma das causas deste temor está contida na delinquência de crianças e adolescentes recrutados pelo crime.

Como fora abordado no presente estudo, o critério utilizado pelo legislador para atribuir a idade mínima à imputabilidade foi meramente biológico, levando a crer que aquele que não possui 18 anos completos é portador de desenvolvimento mental inconcluso presumido, independentemente de possuir ou não discernimento acerca do caráter ilícito de possíveis atos cometidos, como mencionam Mirabete e Fabbrini (2010, p.202):

Adotou-se no dispositivo um critério puramente biológico (idade do autor do fato)7 não se levando em conta o desenvolvimento mental do menor, que não está sujeito a sanção penal ainda que plenamente capaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento. Trata-se de uma presunção absoluta de inimputabilidade que faz com que o menor seja considerado como tendo desenvolvimento mental incompleto em recorrência de um critério de política criminal. Implicitamente a lei estabelece que o menor de 18 anos não é capaz de entender as normas da vida social e de agir conforme esse entendimento.

Entretanto, desenvolvimento mental do individuo sofreu grandes alterações evolutivas, em acompanhamento à evolução da sociedade. Sabe-se que à época vivida pelo legislador, o acesso à informação era limitado aos ensinamentos dos pais, dos livros e das escolas, de modo que, havia clara separação nas fases de vida de cada indivíduo em infância, adolescência e fase adulta. Todavia, esta evolução sociológica acarretou em uma busca constante do indivíduo em atingir maturidade antes do tempo necessário alcança-la naturalmente.

Isto se justifica por ser as fases de vida do indivíduo cada vez mais difíceis de ser identificadas, pois, a criança dos anos 90 – a qual foi motivo da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – que deveria dedicar seu tempo aos estudos, ao lazer e ao esporte diários, hoje direciona seu foco à busca incessante por conhecimento, abrindo mão do que a tornava criança e por excelência, o lazer. Por consequência, os infantes do mundo contemporâneo alcançam o desenvolvimento cognitivo acerca do mundo precocemente, pois o acesso à informação tornou-se praticamente inevitável com a democratização da internet e o advento dos smartphones.

Esta facilidade no acesso à informação, fez com que jovens infratores tomassem conhecimento acerca de seus direitos e, como a legislação menorista visa a proteção integral da criança e do adolescente, independentemente da situação em que se encontre, este quando desviado ao mundo do crime, acredita estar protegido pela lei, o que o leva a praticas infracionais reincidentes com maior frequência e maior gravidade. Logo, seja qual for a maneira como esse jovem foi inserido no mundo da delinquência, este prefere lá se manter pela falsa aparência de proteção que a lei causa.

Isto ocorre porque a legislação brasileira, no que diz respeito a criminalidade infanto juvenil, não acompanhou a evolução da sociedade como leciona:

Ora, é sabido que o mundo evoluiu e que as crianças e jovens, cada vez mais precoces, bem como, tendo acesso a muitas informações e experiências que antes eram restritas aos adultos, evoluíram também e atingem um grau de desenvolvimento mental muito antes do que pregam os arcaicos comandos legais. Assim, os menores gozam de uma situação relativamente privilegiada quando praticam um ato criminoso, visto que o legislador os veem como vítimas e não como agressores. (BIZATTO, José; BIZATTO, Rosana, 2014, p. 91-92).

Em consequência, a criminalidade toma proporções cada vez mais alarmantes e a sociedade por sua vez, se sente refém daqueles que se debruçam na impunidade por não terem alcançado a maioridade. O cansaço da população se torna explícito quando uma vítima de ato infracional prefere não registrar Boletim de Ocorrência acreditando que este de nada adiantará, pois a única certeza que a vítima tem é que este infrator retornará às ruas.

4.5. Resposta do Estado aos atos infracionais: medidas socioeducativas

Como é sabido, o Código Penal de 1940, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990) estabeleceram como marco inicial da fase adulta da vida do individuo o momento em que ele completa 18 anos, tornando-o assim penalmente imputável. Logo, pela lógica, os que ainda não alcançaram esta faixa etária restam conceituados como penalmente inimputáveis, de modo que, caso pratiquem ato descrito como crime ou contravenção penal, estarão cometendo ato infracional, devendo assim, ser julgados e processados à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente, como narra os arts. 103 e 104 do mesmo Estatuto:

Art. 103, Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.
Art. 104. São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta lei.

Logo, por ser o ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal, deve este obedecer ao princípio da legalidade, ou seja, o ato infracional deve ser caracterizado por um fato típico, antijurídico e culpável. (MACIEL, 2014, p. 971). Entretanto, a criança menor de 12 anos, caso pratique algum destes atos, será submetida às medidas protetivas impostas pelo art. 101 do Estatuto (art.105), ao passo que, aqueles que possuem entre 12 e 18 anos, caso cometam ato infracional, serão sujeitos às medidas socioeducativas previstas nesta legislação menorista, logicamente, após cumprido o devido processo legal estabelecido pelo próprio Estatuto.

As medidas socioeducativas são a resposta do Estado àqueles que praticam condutas previstas como crime, mas que não atingiram a capacidade penal para serem processados e julgados como adultos. Tais medidas estão previstas no art. 112 do referido Estatuto e são detalhadas nos artigos subsequentes até o art. 125, sendo conveniente citar o art. 112 do ECA onde estão enumeradas:

Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I – advertência;
II – obrigação de reparar o dano;
III – prestação de serviços à comunidade;
IV – liberdade assistida;
V – inserção em regime de semiliberdade;
VI – internação em estabelecimento
VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

À respeito ultimo inciso acima transcrito, impõe o Estatuto:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II – orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III – matrícula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental;
IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente;
V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial;
VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxilio, orientação, tratamento de alcoólatras e toxicômanos;
[...]

As medidas presentes no art. 112 do Estatuto, não foram enumeradas pelo legislador de maneira aleatória ou exemplificativa, mas sim ordenadas sequencialmente, de acordo com o caráter punitivo da medida. A intenção do legislador torna-se perceptível ao alocar primeiramente no rol das medidas socioeducativas a advertência e, em penúltimo lugar, a internação em estabelecimento, interpretando-se que a medida prevista no inciso VI do art. 112 deve ser adotada em ultimo caso, pois esta impõe maior severidade por se tratar de medida restritiva de liberdade imposta ao menor infrator que preencha os requisitos necessários para tal.

Nota-se que o principal objetivo do legislador é impor sanções que visem reintegrar o jovem à sociedade e quitar o débito do qual o adolescente é devedor para com ela. Deste modo, conclui-se que tais medidas são possuidoras de “natureza hibrida”, pois são compostas por “dois elementos que se conjugam para alcançar os propósitos de reeducação e de adimplência social do jovem”. (MACIEL, 2014, p. 1011).

A fim de dar maior entendimento ao tema, convém transcrever os ensinamentos de Liberati (2006):

A medida socioeducativa é a manifestação do Estado, em resposta ao ato infracional, praticado por menores de 18 anos, de natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, desenvolvida com a finalidade pedagógico-educativa. Tem caráter impositivo, porque a medida é aplicada independente da vontade do infrator ̶ com exceção daquelas aplicadas em sede de remissão, que tem a finalidade transacional. Além de impositiva, as medidas socioeducativas têm cunho sancionatório, porque, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. E, por fim, ela pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, na medida em que é uma resposta do Estado à pratica do ato infracional praticado. (apud MACIEL, 2014, p. 1011).

Entretanto, tais sanções são inaplicáveis de maneira discricionária por parte do Estado, ao passo que, a aplicabilidade das medidas socioeducativas está diretamente condicionada aos princípios contidos nos arts. 99 e 100 do ECA, assim como, à capacidade do menor infrator em cumpri-las, as circunstâncias e a gravidade da infração (ECA, art.112, § 1º), não havendo a possibilidade da inobservância de ao menos uma destas condições ou de um dos princípios enumerados nos arts. 99 e 100, pois assim existirá o risco da medida socioafetiva perder seu caráter finalístico, que é a reintegração social do menor infrator, de modo que:

Tais critérios são os parâmetros legais oferecidos pelo Estatuto ao juízo infantojuvenil, sendo imprescindíveis à correta avaliação da medida a ser aplicada a fim de atingir, a um só tempo, os objetivos da ressocializaçao e da prevenção da reincidência. (KONZEN, 2005, apud MACIEL, 2014, p. 1012).

Nota-se que o legislador absteve-se de qualificar e quantificar as medidas a serem impostas a cada caso, ao contrário do Código Penal, onde cada fato tipificado como crime possui uma pena a ser aplicada, o ECA condiciona a aplicabilidade de suas medidas aos critérios previstos no § 1º do art. 112 e os princípios previstos no art. 100 do mesmo Estatuto (MACIEL, 2014, p. 1012), sendo conveniente citar os comentários de Murillo Diácomo e Ildeara Diácomo ao § 1º do art. 112 do Estatuto da criança e do Adolescente (2013, p. 166-167):

A disposição visa assegurar que haja uma proporcionalidade entre a infração praticada e a medida a ser aplicada, não significando, no entanto, que para todo ato de natureza grave deverão corresponder medidas privativas de liberdade. Mesmo em tais casos, somente deverá ocorrer a privação da liberdade quando não restar outra alternativa sociopedagógica (art. 227, §3º, inciso V, da CF e arts. 121, caput c/c 122, §2º, ambos do ECA). Por outro lado, diante da pequena gravidade da conduta infracional é admissível, inclusive a aplicação do princípio da insignificância, de modo a excluir a aplicação de qualquer medida socioeducativa, sem prejuízo da possibilidade de aplicação de medidas de cunho unicamente protetivo.[...]
[...]Vale lembrar que, mesmo diante da prática de atos infracionais de natureza grave, a aplicação de medidas privativas de liberdade somente deverá ocorrer em última instância, cabendo à autoridade, neste caso, à luz da análise criteriosa dos parâmetros contidos nos arts. 112, §1º e 122, incisos I a III e §2º, do ECA, demonstrar que não é viável, no caso, a aplicação de medidas em meio aberto. (grifos do autor).

Deste modo, deve o magistrado da infância e da juventude impor a medida necessária ao adolescente somente após análise prévia do caso concreto isoladamente em obediência aos critérios e princípios anteriormente elucidados. Consequentemente, o juiz estabelecerá qual medida socioeducativa se adequará ao caso em suas mãos, podendo ser:

a)Advertência (art. 115): consiste em uma repreensão verbal feita ao adolescente em audiência onde é informado sobre a ilicitude do ato praticado e as consequências da eventual reincidência, posteriormente, é reduzida a termo, homologada pelo Juiz, pelo Ministério Público, depois recebida e assinada pelo menor e por seus pais ou responsáveis ali presentes. É a medida socioeducativa mais branda contida no Estatuto. De acordo com o parágrafo único do art. 114, não necessita da certeza da autoria do ato infracional, meros indícios de autoria somados à materialidade do fato são suficientes para que seja aplicada. É imposta em casos de atos infracionais de natureza leve, sem grave ameaça e aos casos de primeira passagem do jovem infrator por ato infracional. (MACIEL, 2014, p.1022).

b)Obrigação de reparar dano (art. 116): medida com caráter patrimonial, devendo ser aplicada somente quando o ato praticado acarreta em dano ao patrimônio de outrem. Pode ser cumprida pela restituição da coisa, pelo ressarcimento do valor do dano em dinheiro ou, caso não seja possível as alternativas anteriores, pela entrega de coisa equivalente, de modo que o prejuízo causado a vítima seja compensado.

c)Prestação de serviços à comunidade (art. 117): dada a definição contida no caput do artigo ser extremamente autoexplicativa, convém cita-lo:

Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistências, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

A referida medida deve ser aplicada ao adolescente que dela necessite, ou seja, deve-se levar em consideração os critérios presentes no §1º do art. 112 do mesmo código antes de aplica-la. As tarefas explanadas neste artigo jamais devem fugir ao caráter pedagógico da medida, assim como, não devem interferir na jornada de trabalho ou na frequência escolar do adolescente.

d)Liberdade assistida (art. 118 e 119): é a medida socioeducativa com maior efetividade presente no Estatuto, deve ser aplicada por no mínimo 6 meses, possui caráter intervencionista, onde o adolescente não é submetido à restrição de liberdade ou à alguma sanção, mas sim, é posto aos cuidados de um orientador, sendo este governamental ou não. Deste modo, o menor passará a ter uma espécie de mentor, o qual irá acompanha-lo e orientá-lo e auxilia-lo, como menciona o art. 119:

Art. 119. Incube ao orientador, com apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:
I – promover socialmente o adolescente a sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social;
II – supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;
III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;
IV – apresentar relatório do caso.

O rol apresentado pelo citado artigo é meramente exemplificativo, podendo ser atribuído ao orientador outras obrigações inerentes ao cumprimento da medida. Cabe ressaltar que o orientador não deve substituir o papel da família, mas sim deve orienta-la e impulsioná-la a assumir suas atribuições para com esse adolescente. (DIÁCOMO, Murilo; DIÁCOMO, Ildeara, 2013, p. 187).

e)Regime de semiliberdade (art. 120): pode ser comparado ao regime semiaberto do Código Penal, porém, com resalvas: há a opção de ser aplicado como medida inicial ou como meio de transição para o meio aberto, não há certo rigor em estabelecer qual o período que o menor permanecerá no estabelecimento de internação ou em convívio familiar, mas é obrigatório que durante o dia, o adolescente submetido à medida permaneça ocupado com os estudos, cursos profissionalizantes, esportes, lazer e, na medida do possível, ser encaminhado ao convívio com sua família no período noturno. Devendo ser submetido a monitoramento de equipe multidisciplinar, que o supervisionará em suas atividades diurnas e acompanhará seu desenvolvimento junto à família e à comunidade. (ISHIDA, 2006, p. 184-185).

f)Internação (art. 121): A internação é a medida que possui maior caráter punitivo dentre as medidas de socioeducativas, pois, nela a liberdade do menor é restringida. Sua aplicabilidade é sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e ao respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. De acordo com o princípio da brevidade, a medida de internação deve durar o menor tempo possível para que se alcance a ressocialização do menor, por se tratar de medida deveras impactante8. Pelo princípio da excepcionalidade, a internação deve ser a ultima medida imposta ao menor, quando não houver a possibilidade de aplicação de medida mais branda8, como leciona o § 2º do art. 122 do ECA:

Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:
I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa;
II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;
III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta;
[...]
§ 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. (grifo nosso)

O princípio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento estabelece que, durante o cumprimento da medida de internação, deve ser garantido ao jovem condições para que continue seu desenvolvimento físico e mental, de modo que, este tenha acesso à educação e lazer por exemplo8. Ou seja, o caráter pedagógico da medida deve sempre se sobressair em relação ao punitivo visando sempre o retorno do jovem à sociedade.

O art. 121 do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece em seus parágrafos certos critérios a serem considerados durante o cumprimento da medida de internação, de modo que, o §1º estabelece que o menor poderá, salvo disposição judicial em contrário, realizar atividades externas, caso a equipe técnica da entidade de internação assim o permita. O §2º dispõe que não há prazo fixo para a internação ser cumprida, “devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses”. Todavia, a internação não poderá, em hipótese alguma, perdurar por mais de 3 anos e, caso o cumprimento da medida atinja este limite, o menor será posto em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida, devendo a liberdade ser compulsória aos 21 anos de idade (§§ 3º, 4º e 5º). Assim, em qualquer caso que haja a possibilidade da desinternação, esta “será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público” (§6º).

Deste modo, apesar de inimputável perante todo ordenamento jurídico, o menor infrator obtém a resposta do Estado caso cometa algum ato ilícito, tipificado e culpável na medida socioeducativa. Malgrado o legislador ter optado por não quantificar ou qualificar as medidas socioeducativas de acordo com cada ato infracional cometido, o adolescente infrator é submetido às medidas de acordo com a gravidade, as circunstâncias do ato e com a capacidade do menor em cumprir tais medidas.

Destarte, as medidas socioeducativas caracterizam-se por seu duplo objetivo, ressocializar e quitar o débito do menor infrator ante a sociedade. Assim sendo, pode-se afirmar que os danos causados à sociedade, à moral e aos bons costumes são retribuídos à esta por meio do cumprimento das medidas socioeducativas.

Entretanto, apesar das medidas serem a resposta aos menores infratores por seus atos cometidos, estas não possuem a capacidade de inibir o cometimento de novos atos infracionais, seja pela ineficiência do Estado em garantir o cumprimento das medidas ou por não possuírem caráter punitivo –mas sim puramente pedagógico – o que, aos olhos da sociedade não diminui a criminalidade infantojuvenil, gerando insatisfação desta perante o Estado, acarretando no surgimento de movimentos sociais e políticos que visam a redução da maioridade penal, acreditando assim a criminalidade dos infantes diminuirá, o que será estudado adiante.

5. A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL

5.1. A Proposta de Emenda à Constituição 171 de 1993

O questionamento acerca da inimputabilidade daqueles que não possuem 18 anos foi levantado anteriormente à promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), uma vez que, juntamente à Constituição Federal de 1988, baseou-se no Código Penal de 1940 para estabelecer tal parâmetro. Ocorre que, o critério adotado pelo legislador criminal de 1940 foi puramente biológico, o que, de certa forma, era compatível com a realidade da época.

Entretanto, o Poder Constituinte de 1988, juntamente com o legislador menorista de 1990 ao absorverem tal critério, provocaram o surgimento de questionamentos acerca da capacidade do menor 18 anos em ser responsabilizado por atos tipificados como crime. Consequentemente, os que acreditavam nesta capacidade punitiva, deram início a movimentos sociais e políticos em prol da redução da maioridade penal.

Em meio a este cenário, o Deputado Federal Benedito Domingos (PP/DF) apresentou em 19 de agosto de 1993 a Proposta de Emenda à Constituição 171 (PEC 171/93), objetivando alterar a redação do art. 228 da CF/88 de modo que, a imputabilidade penal passaria a ser imposta a todos maiores de 16 anos, pois, o “pai” da Proposta acreditava que naquela época (1993) os jovens já possuíam diferença evolutiva em relação à mentalidade dos juvenis viventes em 1940, apresentando assim em um dos trechos de sua Exposição de Motivos para a Proposta de Emenda à Constituição:

Observadas através dos tempos, resta evidente que a idade cronológica não corresponde à idade mental. O menor de dezoito anos, considerado irresponsável e, consequentemente, inimputável, sob o prisma do ordenamento penal brasileiro vigente desde 1940, quando foi editado o Estatuto Criminal, possuía um desenvolvimento mental inferior aos jovens de hoje da mesma idade9.

Ademais, acreditava que caso a maioridade penal fosse reduzida, os adolescentes passariam a adquirir responsabilidade e consciência acerca da possível punição em caso de prática delitiva, o que foi apresentado em outro momento de sua exposição de motivos:

A presente Proposta de Emenda à Constituição tem por finalidade dar ao adolescente consciência de sua participação social, da importância e da necessidade mesmo do cumprimento da lei, desde cedo, como forma de obter a cidadania, começando pelo respeito à ordem jurídica, enfim, o que se pretende com a redução da idade penalmente imputável para os menores de dezesseis anos é dar-lhes direitos e consequentemente responsabilidade, e não puni-los ou mandá-los para cadeia.10

Porém, a PEC 171/93 de autoria do Deputado Federal Benedito Domingos não avançou ao Senado Federal, assim como, caiu no esquecimento dos parlamentares, sendo arquivada e desarquivada inúmeras vezes, até que a temática ganhou força novamente com a repercussão gerada por crimes bárbaros cometidos por menores na atualidade, como veremos.

5.2. Pesquisa Datafolha acerca da redução da maioridade penal

Todos os dados e gráficos que serão apresentados neste tópico são oriundos de uma única pesquisa realizada pelo Instituto Data Folha nos dias 09 e 10 de abril de 2015, com 2.834 entrevistas em 171 municípios e margem de erro de 2%. Deste modo, o primeiro gráfico ilustra a resposta da população acerca da redução da maioridade penal:

Como está explicito no gráfico, em 2003, 13 anos após a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando o referido instituto iniciou as pesquisas acerca do tema, 84% da população já se posicionavam à favor da redução da maioridade penal, assim como em 2006, onde foi obtido o mesmo índice. Em 2015, 87% da população se mostrou a favor da redução da faixa etária da imputabilidade. Percentuais tão expressivos acerca do tema demonstram certo desespero da sociedade que, por sua vez, acredita estar à mercê da impunidade que aparentemente resguarda os menores.

Dos que se mostraram favoráveis, a maioria defende a antecipação da maioridade penal para qualquer tipo de crime desde a primeira pesquisa, como demonstra:

Nota-se que houve crescimento expressivo dos que são a favor da antecipação da imputabilidade ao cometimento de qualquer tipo de transgressão penal, de modo que, em 2003 o percentual dos favoráveis era de 62% e em 2015 alcançou o patamar de 74%, o que pode ser interpretado como intolerância da sociedade aos crimes cometidos por adolescentes. Consequentemente, os que se posicionam a favor da redução apenas em casos específicos, diminuíram de 37% em 2003 para 26% em 2015.

Destes que afirmaram ser a favor da redução da maioridade penal apenas para determinados casos, a grande maioria se mostrou a favor da antecipação da imputabilidade nos casos de homicídio, como mostra o gráfico a seguir:

A representação gráfica demonstra que os crimes de homicídio, art. 121, estupro, art. 213, e os crimes de furto e roubo, arts 155 e 157, ambos do Código Penal, são os crimes mais votados pelos entrevistados como sendo merecedores da redução (75%, 41% e 40% respectivamente), acompanhados pelos crimes de estupro qualificado por morte (art. 213, § 2º do CP), tráfico de entorpecentes (art. 33 da Lei n, 11.343/06), extorsão mediante sequestro qualificado por morte (art. 159, § 3º do CP). Deste modo, os índices acima apresentados podem ceder à interpretação de que os crimes mais votados como possíveis casos passíveis de redução da maioridade penal são os que mais preocupam a sociedade.

Não obstante, a maioria dos entrevistados favoráveis à redução da maioridade penal elegeram como sendo de 16 a 17 anos a idade mínima para um indivíduo ser considerado imputável, como externa o gráfico a seguir:

O gráfico externa que até os 12 anos, apenas 11% são favoráveis à redução para esta idade, ao passo que, 28% dos entrevistados acreditam que a maioridade penal deve ser reduzida dos 13 aos 15 anos de idade e 45% acreditam que deve ser imputável aquele que tiver a idade mínima de 16 a 17 anos.

A pesquisa demonstrou que a sociedade desistiu de aguardar providências políticas acerca da problemática que envolve a criminalidade infantojuvenil, pois esta se sente impotente diante dos menores infratores. Assim exige alterações legislativas que possam submeter os infantes criminosos às mesmas sanções que os adultos, o que acarretou no “desengavetamento” da PEC 171/93 e, consequentemente, eclodiu vertentes favoráveis e contra a alteração do art. 228 (reduz a maioridade penal de 18 para 16 anos) da Constituição Federal de 1988, de modo que, será explanado a seguir os posicionamentos acerca desta redução.

5.3. Entendimentos favoráveis à redução11

Apesar da maioria esmagadora da população brasileira ser a favor da redução da maioridade penal, poucos são os estudiosos e doutrinadores que seguem esta linha. Ao passo que, os que se posicionam a favor da redução da maioridade penal, justificam tal medida em detrimento da evolução cognitiva do individuo na atualidade, pois de acordo com estes pensadores, as pessoas que viviam à época da promulgação do Código Penal de 1940, da Constituição Federal de 1988 e do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), não são as mesmas que vivem no mundo atual, pois, o individuo atual possui maior acesso as informações acerca do mundo e, consequentemente, maior capacidade de absolvição de conhecimento.

Assim, afirmam os doutrinadores favoráveis à redução, que a legislação brasileira não acompanhou a evolução da sociedade, pois, é nítido que os adolescentes de 16 e 17 anos de idade que vivem no mundo atual, possuem grau de conhecimento acima dos adultos de 20 anos de idade que viviam na década de 90, essa comparação se torna discrepante quando feita com os jovens de 1940, época da promulgação do Código Penal. Deste modo, acreditam que há a necessidade de se alterar a legislação para que esta se equipare ao momento que vive a sociedade, pois, sabe-se que a criança e o adolescente que vivia em meados dos anos de 1990, objeto central do desenvolvimento do Estatuto da Criança e do Adolescente, não é mais a mesma, uma vez que, vivemos em uma sociedade onde a informação está cada vez mais acessível a todos, deste modo, o jovem infrator é cada vez mais conhecedor das normas que o favorecem como leciona:

[...] O menor de 18 anos já não é o mesmo do início do século, não merecendo continuar sendo tratado como uma pessoa que não tem noção do caráter ilícito do que faz ou deixa de fazer, sem poder conduzir-se de acordo com esse entendimento. (NUCCI, 2014, p. 261).

Destarte, acreditam que o critério puramente biológico, utilizado em 1940 para determinar que aqueles que não possuem 18 anos completos são penalmente inimputáveis, não é mais suficiente para estabelecer a capacidade que um indivíduo tem em ser punido por possíveis atos criminosos cometidos, como comenta Barros, acerca de tal critério:

Há ai uma presunção absoluta, a de que os menores de 18 anos não reúnem a capacidade de autodeterminação. Trata-se, porém, de mera ficção, pois nenhum critério científico pode demarcar o exato momento em que se da o pleno desenvolvimento de sua personalidade moral. (2011, p. 381).

O autor ao mencionar “critério científico”, está na verdade fazendo remissão ao critério biológico (que pode ser auferido por meio de experimentos científicos, como a estagnação do desenvolvimento da altura corporal), afirmando que não é possível através deste, determinar o momento em que o “pleno desenvolvimento da personalidade moral” do indivíduo é atingido.

Deste modo, uma possível solução seria adotar o critério biopsicológico para determinar a imputabilidade daqueles que, no caso da PEC 171/93, possuem idade superior a 16 anos, como segue:

A redução é uma imposição natural, podendo-se, como ocorre em outros países, estabelecer uma nítida separação entre o local do cumprimento da pena para os maiores de 18 anos e para os menores que forem considerados penalmente imputáveis, e mais: cremos que o melhor seria adotar um critério misto, e não puramente cronológico. Do mesmo modo que se verifica a sanidade de alguém por intermédio de perícia, poder-se-ía fazer o mesmo quanto aos maiores de 14 ou 16 anos. Se fosse considerados aptos a compreender o ilícito, deveriam ser declarados imputáveis, ainda que tenham tratamento especial em jurisdição específica, se for preciso. (NUCCI, 2014, p. 261).

Como leciona o autor citado anteriormente, uma possibilidade mais coerente para os tempos atuais, seria a realização de perícia técnica, a fim de estabelecer a capacidade do indivíduo em compreender o caráter ilícito do ato no momento em que foi cometido (critério psicológico), como é realizado com adultos em caso de dúvidas acerca da sanidade mental do agente, assim, caso esta capacidade fosse constatada, poderia o indivíduo ser considerado penalmente imputável a partir dos 16 anos (critério biológico).

Esta tese se justifica por acreditarem os defensores que a capacidade de compreensão de ilicitude é atingida mais cedo atualmente, tornando o individuo que alcança a plenitude cognitiva precocemente, capaz de ser responsabilizado penalmente por seus atos, como corrobora:

Apesar de se observar que, na pratica, menores com 16 ou 17 anos, por exemplo, têm plenas condições de compreender o caráter ilícito do que praticam, tendo em vista que o desenvolvimento mental acompanha, como é natural, a evolução dos tempos, tornando a pessoa mais precocemente preparada para a compreensão integral dos fatos da vida, o Brasil ainda mantém a fronteira fixada nos 18 anos. (NUCCI, 2014, p. 260).

Esta corrente acredita que tamanho é o discernimento alcançado pelos jovens que estes se debruçam sobre o seio da impunidade apoiados pela interpretação deturpada do princípio doutrinário da proteção integral à criança e ao adolescente, pois se apoiam na crença de que a legislação brasileira os protegem, o que os induz ao cometimento reiterado de crimes, como se vê em programas jornalísticos de televisão, jovens apreendidos pela força policial afirmando que nenhuma sanção penal sofrerão por serem “de menor”.

Outra justificativa dos que têm posicionamento favorável à redução da maioridade penal, se apoia na tese de que, caso menores de 18 anos possam responder penalmente por seus atos, estes serão inibidos de cometer crimes, pois teriam a certeza de que caso fossem apreendidos, seriam processados, julgados e, consequentemente penalizados como adultos. De acordo com a tese de inibição da conduta ilícita, a antecipação da imputabilidade penal também inibiria os aliciadores do crime, que, por sua vez, deixariam de utilizar “mão de obra” infantojuvenil para manter suas organizações criminosas, pois, ao contrário do que acontece, estes jovens infratores não retornariam às ruas tão facilmente.

Não obstante, os que defendem a redução da maioridade penal, acreditam que, caso a PEC 171/93 seja aprovada, haveria certa equiparação do ordenamento jurídico brasileiro com o de países desenvolvidos, como os Estados Unidos da América, onde cada Estado determina em que momento o indivíduo pode ser responsabilizado penalmente por seus atos, existindo casos de crianças com 10 anos de idade condenadas à prisão perpétua. Entretanto, a proposta que ainda está em discussão visa estabelecer que aqueles com idade entre 16 e 18 anos incompletos possam ser submetidos às normas contidas no Código Penal e no Código de Processo Penal, entretanto com ressalvas. De modo que, caso condenados, devam cumprir pena em apartado dos adultos, seja em estabelecimento próprio ou em estabelecimento comum aos outros internos, porém de maneira que não haja contato entre os adultos e os jovens ali presentes.

Há alguns defensores da antecipação da imputabilidade que alegam que aquele jovem que tem capacidade para votar e se emancipar, também tem capacidade para ser responsabilizado criminalmente. Entretanto, este argumento não ganha muita força por motivos óbvios, a emancipação e o direito a voto para os que possuem entre 16 e 18 anos incompletos são facultativos, ao contrário da imputabilidade, onde o indivíduo não escolhe se é imputável ou não, a legislação impõe isto a ele, independente de sua vontade, o que é analisado hoje pelo código penal para determinar a imputabilidade são os critérios biológico (maiores de 18 anos) e biopsicológico (sanidade mental e capacidade delitiva no momento do ato). Deste modo, concluímos que comparar imputabilidade penal com capacidade civil não é de muita sapiência.

Entretanto, apesar de todos argumentos apresentados pelos estudiosos que se posicionam à favor da redução da idade para que o indivíduo se torne penalmente imputável, o que realmente impulsiona esta proposta é o clamor da sociedade, como foi visto, atualmente 87% da população é a favor da PEC 171/93, o que pode ser interpretado como certa impaciência dos cidadãos em relação a criminalidade infantojuvenil. Porem, a maioria dos doutrinadores, criminalistas, antropólogos, sociólogos e, principalmente, psicólogos, não acreditam que a redução da maioridade penal teria efeitos positivos, assim se posicionam contra esta proposta, como veremos.

5.4. Entendimentos contra a redução12

Como já foi apontado no presente estudo, atualmente com a evolução sociológica, é notável a diferença entre o adolescente do passado e o do pressente, uma vez que, a atualidade possibilita que este tenha acesso irrestrito, e praticamente infinito a todo tipo de informação, seja por televisão, computador ou celular. Tornando assim, o adolescente de 16 anos de hoje, mais evoluído do que o da mesma idade que viveu nos anos 1990. Deste modo, com a facilidade do acesso a informação, é possível saber cada vez mais cedo o que é certo ou errado, ou o que é crime, ou não por exemplo.

Consequentemente, o grande questionamento levantado é: “estes infantes que alcançam o conhecimento acerca do mundo cada vez mais cedo, adquirindo inclusive discernimento entre o certo e o errado, não são na verdade jovens adultos capazes de responder criminalmente por seus atos?”.

A maioria esmagadora dos estudiosos respondem a esta pergunta de forma negativa, pois, de acordo com o entendimento destes, apesar do conhecimento acerca do mundo ser atingido precocemente, o adolescente ainda encontra-se em pleno desenvolvimento psíquico e biológico e, principalmente de personalidade, mas, como já foi apontado, por muitas vezes as crises presentes na frase de transição entre a adolescência e a fase adulta são fatores presentes no cometimento de atos infracionais, como elucida:

Na puberdade tem-se o aparecimento da consciência de novas sensações, derivadas do florescimento dos órgãos genitais até então silenciosos. O indivíduo se descobre aos poucos e dentro dele começa a pulsar sensações estranhas, que se não forem controladas, levam-no para o caminho do mal. Por outro lado, nesta fase estão presentes as mais diversas e significativas modificações e alterações, de cunho físico e psicológico. Nasce no indivíduo desejos e inclinações, cujos fenômenos mais ou menos diferenciados, constroem um núcleo intelectual com afinidades e repulsões próprias, ora permitindo, ora impedindo a associação de novos estados de vontade.

De outra parte, a puberdade é uma fase única, que deve ser respeitada e orientada. Não se trata de aresta puramente psicológica, mas sim psicofisiológica, onde o jovem sofre transformações que refletem no seu comportamento. (BIZATTO, José; BIZATTO, Rosana, 2014, p. 90-91).

Destarte, de acordo com os estudiosos que se posicionam contrariamente a redução da maioridade penal, o indivíduo que se encontra nesta fase de transformações físicas e psíquicas, não pode ser simplesmente punidos por crimes que venham a cometer, mas devem ser orientados e tratados para que possam ser reinseridos na sociedade, nesse entendimento:

A punição faz parte do processo educativo, desde que aplicada à luz da lógica e da razão. Pelo fato de o jovem estar em fase de desenvolvimento não se deve puni-lo, sem antes orientá-lo e explicar-lhes as consequências de seus atos.
Se a punição pura e simples fosse a solução, a sociedade seria perfeita.Ora, a punição não funciona nem com os adultos, imagine com os adolescentes que estão em fase de compreensão dos conteúdos da vida. Ainda mais, com o modelo prisional vivido pelo Brasil, que mais parece escola do crime e depósito de seres humanos, a crise educacional só se agravaria. (BIZATTO, José; BIZATTO, Rosana, 2014, p. 93).

Como foi elucidado, além da punição pura e simples ser ineficiente ao infrator, esta também agravaria o desvio de personalidade dos adolescentes, pois, nesses meios estariam na verdade matriculados em escolas do crime, deste modo:

[...]com a redução da menoridade penal, “explodiremos” a capacidade das penitenciarias (já superlotadas) e somente teremos bandidos mais jovens e delinquindo por mais tempo; esses menores farão o aperfeiçoamento da delinquência no interior das prisões (verdadeiras fábricas de criminosos)[...](grifos do autor) (BITENCOURT, 2012, p. 469).

Há coerência nas palavras do autor supracitado, pois os estabelecimentos prisionais brasileiros quase nunca alcançam o objetivo da ressocialização, pelo contrário, agravam a capacidade delitiva dos indivíduos ali confinados, de modo que, aqueles que cometem crimes de menor potencial ofensivo, ao conviverem com os verdadeiros profissionais do crime (assassinos, narcotraficantes, sequestradores, etc.) acabam, mesmo que involuntariamente, se aperfeiçoando na criminalidade e, ao serem libertos, voltam a delinquir.

Ademais, acreditam os estudiosos que se posicionam contra a antecipação do marco temporal para a imputabilidade penal, que, as crianças e os adolescentes infratores não são os culpados por se encontrarem nestas condições, pois, inúmeras são as causas de desvio de conduta, como desestruturação familiar, ausência escolar, falta de condições mínimas para subsistência, dentre outros. Ou seja, para estes estudiosos, a criminalidade infantojuvenil é consequência da omissão do estado e da sociedade, que ao invés de auxiliar os jovens que se encontram em situação precária, os ignoram e, posteriormente, quando se tornam criminosos, são subjulgados e postos à margem do meio social. Assim, não pode o adolescente ser punido por aquilo que não deu causa, neste sentido:

Reduzir a maioridade penal, no Brasil, significa punir os jovens, vítimas dos problemas sociais, pela omissão e ineficiência do Estado, o qual não lhes ofereceu educação de qualidade, moradia, saneamento básico, emprego, alimentação, transporte publico...
[...]
A sociedade por sua vez, em sua postura individualista e alheia às feridas sociais cuja responsabilidade de sanar também é sua, defende um maior rigorismo penal, como se assim fosse proteger seus bens. As pessoas estão tão ocupadas com a luta pelo “pão de cada dia”, desacreditadas em relação à figura do Estado que só lhes tira, não lhes dando nada em troca, bem como atemorizadas e cada vez mais distantes do que parece ser uma utópica sociedade pacífica, segura, que se eximem de enfrentar o problema.
Nossos legisladores aproveitam-se da fragilidade dos cidadãos, de seus medos, para buscar reconhecimento defendendo o aumento da repressão penal. (grifos do autor) (SÁ; SHECARIA org. 2008, p. 46-47).

Desta forma, tais autores acreditam que, caso a maioridade penal seja antecipada, as consequências se voltarão à sociedade e ao Estado, como menciona:

Esquecem-se todos que esses adolescentes um dia sairão de suas jaulas e, tendo em vista as condições atuais das penitenciárias, certamente muito pior de que entraram. Todos querem se livrar deles, mas com eles voltarão a conviver e conhecerão sua revolta contra o Estado e contra a Sociedade que não lhes ofertou qualquer oportunidade, apenas os aprisionou. (SÁ; SHECARIA, org. 2008, p 47).

Em suma, os contrários a redução da maioridade penal, acreditam que está jamais será a solução ao problema da criminalidade que tanto assombra a sociedade, mas sim será o agravante desta adversidade, de modo que, acreditam ser necessário maior investimento em infraestrutura, emprego, moradia, educação, saúde, lazer, dentre outras coisas, pois, deste modo, estariam combatendo a criminalidade “gerando” cidadãos idôneos, com respeito à moral e aos bons costumes. Entretanto, aqueles adolescentes que insistissem em desvirtuar seus caminhos à criminalidade, necessitariam cumprir as medidas socioeducativas impostas em estabelecimentos adequados, primando realmente pela reintegração, não pelo caráter punitivo somente, nesse sentido concluem Mirabete e Fabrini:

Ninguém pode negar que o jovem de 16 a 17 anos, de qualquer meio social, tem hoje amplo conhecimento do mundo e condições de discernimento sobre a ilicitude de seus atos. Entretanto, a redução do limite de idade no direito penal comum representaria um retrocesso na política penal e penitenciária brasileira e criaria a promiscuidade dos jovens com delinquentes contumazes. O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, aliás, instrumentos potencialmente eficazes para impedir a prática reiterada de atos ilícitos por pessoa com menos de 18 anos [...]. (2010, p. 202).

Deste modo, os que são contra a Proposta de Emenda à Constituição 171/93, acreditam que, o menor infrator não é absolutamente inimputável, mas sim, sofre as sanções impostas a ele por meio das medidas socioeducativas estabelecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente que, com foi elucidado, alem de objetivar a correção do jovem, também é uma forma de retribuição à sociedade. Ademais acreditam que a criminalidade jamais será erradicada com a antecipação da menoridade, pelo contrário, aumentará, pois os menores serão postos junto aos profissionais do crime. Logo, a delinquência juvenil não deve ser combatida com a redução do lapso temporal que torna o individuo imputável, mas sim deve ser combatida com a prevenção, dando condições mínimas de subsistências aos necessitados, educação, moradia, saúde, emprego, lazer, dentre outras medidas que visem à estruturação familiar da sociedade como um todo, pois, oriundo de família estruturada, com educação, saúde, emprego e moradia adequada, as possibilidades do jovem desviar seu caminho ao mundo do crime seriam quase demasiadamente menores.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa teve por objetivo analisar os principais aspectos que envolvem a imposição da imputabilidade aos maiores de 18 anos no Brasil.

Para tal, fez-se necessário abordar a evolução histórica da legislação penal brasileira desde 1603 até os tempos atuais, onde o marco temporal que torna o individuo penalmente imputável foi estabelecido aos 18 anos de idade.

No segundo capitulo, antes de abordarmos as causas de delinquência do menor, necessário se fez conceituarmos a imputabilidade e a inimputabilidade. Concluímos então, que a inimputabilidade é exceção à regra, visto que, no geral, todos somos penalmente imputáveis. Ato contínuo, constatou-se que a principal causa da delinquência infantojuvenil é a desestruturação familiar, somada a inúmeros fatores como a segregação social. Posteriormente, notou-se que o critério utilizado pelo legislador para estabelecer a maioridade penal (puramente biológico), não atende mais à realidade vivida pelos menores infratores, que cada vez mais precocemente atingem cognição plena acerca do mundo em que vivem.

Consequentemente, no ultimo capítulo, abordamos a proposta de redução da maioridade penal que tramita no congresso, a PEC 171/93. Notamos que atualmente a sociedade se encontra impaciente em relação à criminalidade infantojuvenil, acarretando no surgimento de grandes discussões acerca da antecipação da imputabilidade penal, dividindo doutrinadores, sociólogos, psicólogos e políticos.

Destarte, podemos concluir que, realmente a sociedade evoluiu a ponto dos jovens atingirem a capacidade cognitiva plena precocemente e, não obstante, alcançarem discernimento acerca do que é ou não ilícito antes de completarem 18 anos. Sabemos que o adolescente de 16 anos que vive no mundo atual não é o mesmo que vivia nos anos 1990, ou, principalmente, nos anos 1940 (promulgação do Código Penal) e sim, é capaz de ser responsabilizado por seus atos delituosos cometidos, e sim, se sentiria inibido em cometer novos crimes.

Entretanto, a realidade do judiciário brasileiro não atenderia a demanda de jovens infratores condenados como adultos, seja pela falta de preparo dos técnicos dos estabelecimentos prisionais, ou pela falta de estrutura dos presídios, que se encontram superlotados. Seria necessário a construção de novos estabelecimentos para que os jovens de 16 e 17 anos pudessem cumprir sua pena em apartado dos adultos e dos demais adolescentes enquanto tivessem esta idade, o que sabemos que na atual situação do país, tal investimento é quase impossível.

Deste modo, após a análise dos posicionamentos favoráveis e contrários à redução da maioridade penal, este singelo estudo conclui que, a antecipação da imputabilidade penal é necessária sim, mas ainda não se encontra viável em um país que não proporciona ensino de qualidade, emprego, lazer, moradia, dentre outras coisas mínimas necessárias para que se possa ter qualidade de vida.

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7.1. Notas

1 A autora citada apresenta como passíveis de morte natural aqueles que possuem entre 17 e 21 anos, entretanto, o texto das Ordenações Filipinas possibilita essa pena aos que possuem entre 17 e 20.

2 “Obrar” no texto do referido Código corresponde a fazer, logo:

“Que obrarem” = que o fizerem

“Que tiverem obrado” = que o tiverem feito

3 “Estabelecimento disciplinares industriaes” correspondem às casas de correção.

4 MAURACH, (1962) apud MIRABETE; FABBRINI (2010, p. 198).

5 HOYOS, 2007 apud BIZATTO, José; BIZATTO Rosana, 2014, p. 34.

6 O termo gramatical “que” deixou de ser transcrito do texto original, a fim de dar melhor entendimento à citação.

7 MASSA, Revista Brasileira de Ciências Criminais n° 4, apud MIRABETE; FABBRINI, 2010, p. 202.

8 ISHIDA, 2006, p. 186.

9 Diário do Congresso Nacional, ano XLVIII - nº 179, 27 de outubro de 1993, p. 10.

10 Diário do Congresso Nacional, ano XLVIII - nº 179, 27 de outubro de 1993, p. 11.

11 O Jornal Folha de São Paulo, apresentou em reportagem entitulada “Apreensão de menores cresce 38% em 5 anos; numero chega a 23mil”, exibida em 14 de abril de 2015, os entendimentos favoráveis à redução da maioridade penal como sendo: a capacidade do jovem de 16 anos em entender e evitar conditas criminosas; inibição do aliciamento de menores por organizações criminosas; equiparação da legislação brasileira com a de países desenvolvidos.

12 O Jornal Folha de São Paulo, apresentou em reportagem entitulada “Apreensão de menores cresce 38% em 5 anos; numero chega a 23mil”, exibida em 14 de abril de 2015, os entendimentos contrários a redução da maioridade penal como sendo: caso fossem submetidos ao cumprimento de pena igual aos adultos, os jovens teriam contato com organizações criminosas precocemente; os infantojuvenis não são os responsáveis pela criminalidade no país; a resolução vai de encontro ao princípio fundamental da proteção integral à criança e ao adolescente.


Publicado por: LUIZ HENRIQUE DA SILVA

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