A INTERVENÇÃO DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU) NA VIOLÊNCIA DE GÊNERO: A (in)eficácia dos mecanismos utilizados para a proteção da integridade física e moral da mulher.
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 2.1 A manifestação das desigualdades entre homens e mulheres
- 2.2 Elementos que sustentam a violência
- 2.3 O ciclo da violência
- 2.4 A invisibilidade da violência de gênero pelos movimentos feministas
- 3. CRÍTICA À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
- 4. Proposta de Emenda à Constituição nº 246 de 16 de junho de 2016
- 4.1 A Lei que descriminaliza a violência doméstica na Rússia
- 4.2 Retratos da violência de gênero na Europa
- 4.3 Retratos da violência de gênero na África
- 4.4 Retratos da violência de gênero nas Américas
- 5. OS MECANISMOS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO DA ONU
- 6. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará
- 7. Eficácia ou ineficácia?
- 8. Empoderamento feminino
- 9. CONCLUSÃO
- 10. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O presente trabalho refere-se à intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU) na violência de gênero e a (in)eficácia dos mecanismos utilizados para a proteção dos direitos das mulheres e a erradicação da violência neste contexto. A violência de gênero, como será demonstrada, não é um fato novo e pode estar relacionada a outros fatores de desigualdade como, por exemplo, a orientação sexual, a etnia, idade, classe social e etc. Nos últimos tempos, o número de feminicídios registrados no Brasil e no mundo, têm-se elevado de maneira abrupta, ocasionando uma forte preocupação com a prevenção e erradicação dessa violência de forma a construir uma sociedade mais justa e igualitária. A violência de gênero é um fato antigo, porém tem tido mais visibilidade atualmente em decorrência das crescentes divulgações, inclusive nas redes sociais, o que dá forças, mas ainda não é suficiente para a total erradicação. O tema gera preocupações, tendo em vista que a cada dia mais mulheres se tornam vítimas, sem elencar os casos não registrados, e também a postura de alguns países no tratamento destas vítimas. Nesse sentido, o presente trabalho visa abranger a violência de gênero sofrida pelas mulheres, na intenção de conscientizar a sociedade, sem provocar o esgotamento do referido tema, nem tampouco menosprezar os demais casos.
Palavras-Chave: Violência de Gênero. Feminicídio. ONU. Erradicação. Empoderamento.
ABSTRACT
The present work refers to the intervention in gender-based violence and the (in) effectiveness of the mechanisms used to protect women's rights and to eradicate violence in this context. Gender violence, as will be demonstrated, is not a new fact and may be related to other factors of inequality, such as sexual orientation, ethnicity, age, social class and so on. In recent times, the number of registered femicides in Brazil and in the world has risen sharply, causing a strong concern with the prevention and eradication of such violence in order to build a more just and egalitarian society. Gender violence is an old fact, but it has been more visible nowadays as a result of increasing disclosures, including in social networks, which gives strength, but is not yet sufficient for total eradication. The issue raises concerns, given that more and more women become victims, without listing unregistered cases, as well as the posture of some countries in the treatment of these victims. In this sense, the present work aims to cover gender violence suffered by women, in an attempt to make society aware, without provoking the exhaustion of this theme, nor to disparage other cases.
Keywords: Gender Violence. Feminicide. UN. Eradication. Empowerment.
2. INTRODUÇÃO
O termo violência vem do latim “violentĭa”, e está relacionado à conduta bruta e intencional de um indivíduo para provocar malefício a outrem sem o seu consentimento. No caso da violência de gênero, um indivíduo de um determinado sexo pratica tal conduta contra o sexo oposto pelo fato de menosprezar a sua condição biológica; o que geralmente acontece nos casos de violência contra a mulher, pois diante de seus agressores e de boa parte da população, são consideradas como um ser vulnerável, desvalido e com inteligência racional inferior ao homem. A intervenção da Organização das Nações Unidas (ONU) na violência de gênero é um tema que necessita ser analisado e discutido na esfera global, pois esse fenômeno verídico e de natureza gravíssima não pode ser tratado com um único ponto de vista; fazem-se necessárias as ações de proteção e cuidados das vítimas, de forma a contribuir para a erradicação da violência.
[...] ditados como “não sei porque estou batendo, mas ela sabe porque está apanhando”, demonstram que é permitido ao homem utilizar atos violentos como forma de “correção” por comportamentos que ora não condizem com sua masculinidade, ora não estão de acordo com o “papel” da mulher. (CAMPOS, 2011, p. 27)
Muitas famílias, segundo Laidines Azambuja Rodrigues, vivem esse drama desde os primórdios dos tempos, pois a cultura machista continua sendo disseminada dentro dos lares, de pai para filho, e, às vezes, também de mãe para filha ou filho, posto que o machismo, infelizmente, não é um fenômeno apenas masculino. A Presidente do Tribunal do Júri da Comarca de Belo Horizonte e Juíza do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Marixa Rodrigues, afirmou na palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, que muitos homens acham que são donos de suas mulheres, e com isso pensam que podem usar, dar ordens, bater e até matá-las, caso sejam contrariados. O agressor agride sem saber que está praticando violência, porque ele acredita que é amor, devido à cultura machista e patriarcal da nossa sociedade.
A construção histórico-ideológica da superioridade do homem em relação à mulher fornece dados que proporcionaram uma compreensão do aspecto evolutivo relacional dentro do quadro de agressão marital. Essa submissão ocorre, como registro histórico, há pelo menos 2500 anos. Nas civilizações gregas, a mulher era vista como uma criatura subumana, submissa ao homem. Era diminuída moralmente e socialmente e não tinha direito algum. (MORAIS, RODRIGUES, 2016, p. 91)
De acordo com a Advogada e Ativista das causas feministas, membro da Associação Brasileira das Mulheres da Carreira Jurídica (ABMCJ/MG), Sandra Peixoto, as duas principais questões que fazem com que a mulher agredida permaneça em relacionamentos abusivos é o medo e a questão financeira, ou seja, a violência perdura na maioria dos casos, porque as mulheres têm medo ou dependem financeiramente de seus companheiros.
Quando há uma dependência financeira da mulher em relação ao homem, seja pelo fato de ter se submetido à proibição de trabalhar imposta por ele, ou mesmo pela dificuldade ou comodidade de não ter um emprego, esta se torna obrigada a recorrer ao marido, sempre que necessitar de dinheiro, situação que favorece a violência, pois, em muitos casos, o homem utiliza seu poder econômico como forma de ameaçá-la e humilhá-la. (FONSECA, LUCAS, 2006, p. 13)
Nas palavras de Dalila Reis, assessora da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Município de Contagem e da Superintendência de Políticas Públicas para Mulheres, no VIII Seminário de Pesquisa, Extensão e Pastoral- Mesa Redonda: Violência Doméstica: a mulher, o idoso, a criança e o adolescente em situação de violência, promovido pela PUC Minas Contagem em 17 set 2018, os relacionamentos abusivos começam no início do namoro, onde o homem já manda “recados” antes de casar, então, pode-se ter certeza que ele vai cometer esses crimes. Reis exemplificou como violência contra a mulher, as agressões físicas e psicológicas, ameaças, humilhações, insulto, chantagens, posse dos documentos para impedir que essa mulher consiga resolver ou fazer qualquer coisa que tenha necessidade destes, violência sexual e moral. “Além de roubarem nosso celular, nós mulheres temos medo de sermos estupradas”[10]. Ela também afirma que normalmente o agressor das mulheres usa a mesma aliança que elas, e que é muito difícil nascer menina no Brasil, porque as crianças ainda são educadas de forma machista, portanto, precisamos empoderar essas meninas, mostrar que elas podem fazer tudo que elas quiserem; discutir os papéis do homem e da mulher de forma igualitária, promover debates e denunciar toda e qualquer forma de violência contra as mulheres.
Para que a violência possa perdurar é preciso isolar progressivamente a mulher de sua família, de seus amigos, impedi-la de trabalhar, de ter uma vida social. Isolando sua mulher, o homem faz com que sua vida fique voltada unicamente para si. Ele precisa que ela se ocupe dele, que só pense nele. Age de modo a que ela não seja demasiadamente independente, para que não escape a seu controle. As mulheres dizem muitas vezes que se sentem prisioneiras. (HIRIGOYEN, 2006, p. 31-32)
Em entrevista a Instituto Humanitas Unisinos (revista online), Marlene Neves Strey, doutora em psicologia, afirma que muitas pessoas ainda pensam que a violência sofrida pela mulher, principalmente no âmbito doméstico, é algo normal na tentativa da não destruição da harmonia estrutural familiar; e que essas pessoas acreditam que foi para isso que os homens foram criados, ou seja, para ser o provedor da família e o “dono” de sua mulher, incumbidos de educá-las a sua maneira justificando assim todo e qualquer tipo de violência. Strey afirma também que algumas mulheres imaginam que é natural viver dessa forma, já que cresceram vendo isso acontecer dentro de seu ambiente familiar sem que medidas fossem tomadas para a cessação da violência, e que tais fatos podem tornar essas mulheres incapazes de contrapor-se, uma vez que sua dignidade e potencial de recuperação podem ficar sensibilizados ou até mesmo paralisados.
Com o presente estudo pretende-se sumarizar e metodizar a questão da violência de gênero para compreender e evidenciar suas características, percepções e tratamentos, e para tanto serão analisadas as legislações nacionais e Internacionais, como por exemplo, a Lei do Feminicídio, Lei Maria da Penha; retratos da violência de gênero e outros mecanismos internacionais acerca do tema, abrangendo a violência com base em questões jurídicas, morais e sociais, ressaltando a sua relevância no entendimento da sociedade e da ONU, focalizando na ineficácia da atuação organizacional para a erradicação da violência e proteção dos direitos das mulheres.
Muitas vezes, ouço mulheres dizerem que o abuso psicológico é pior que qualquer abuso físico e, embora pareça difícil de acreditar, descobri que esse é o caso da maioria das mulheres. Os jogos mentais, a capacidade de distorcer as coisas, a falta de responsabilidade ou de transparência, a depreciação e as constantes táticas bate/assopra de um abusador deixam a maioria das mulheres confusa, magoada, irritada, envergonhada e cheia de remorso. Esses sentimentos muitas vezes perduram muito além do relacionamento com o abusador, e é por isso que tão ardentemente quero discutir como se curar após um relacionamento abusivo. (NEAL, 2018, p. 18)
A escolha do tema foi baseada principalmente nos acontecimentos atuais, onde a violência contra a mulher acontece rotineiramente e os agressores não têm medo das consequências de seus atos, pois conforme informou a Delegada da Mulher, Joana D’arc de Oliveira em entrevista ao jornal da Record, exibido em 10/09/2018, os homens não acreditavam que podiam ser punidos por descumprimento das medidas protetivas, mas neste ano de 2018 houve uma mudança na lei que regulamenta a Medida Protetiva, e o homem que descumpri-la poderá ser preso por até 3 (três) anos. Oliveira informou que a família, os amigos e/ou vizinhos que percebam a relação abusiva tem papel fundamental para denunciar, inclusive podem fazer uma denúncia anônima.
A centralização do presente trabalho será baseada no seguinte questionamento: Será que a ONU realmente tem feito todos os esforços para prevenir e punir a violência de gênero, ou será que ainda estamos na cultura do machismo, onde o homem pode tudo e a mulher tem que sofrer em silêncio?
Para finalizar, será analisada a eficácia ou ineficácia dos mecanismos utilizados para a proteção dos direitos das mulheres e a erradicação da violência, assim como a Lei Russa que descriminalizou alguns tipos de violência doméstica, intitulada como “Lei do tapa”.
De acordo com a Promotora Ana Lara Camargo de Castro, da Promotoria de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Ministério Público de Mato Grosso do Sul, em Campo Grande, a violência de gênero tem como causa os fatores mais avivados como alcoolismo, questões financeiras e toxicodependência, assim como o machismo e o patriarcado que são outras formas de dominação do gênero feminino, ou seja, motivos frívolos que na maioria dos casos é proveniente da discriminação e da desigualdade entre homens e mulheres, e está presente nas diversas classes e culturas, podendo ocorrer no trabalho, na escola, em casa, instituições públicas e etc, transpassando toda e qualquer ideologia. Também pode ser determinada como um problema social profundamente consolidado em relações de poder diferentes entre homens e mulheres e afetando principalmente as mulheres.
Alvo de uma opressão específica, as mulheres constituem uma unidade formada pelo recorte de gênero. Assim, a opressão e a violência exercidas sobre a mulher atravessam as referências de classe e etnicidade, constituindo-se, pois, em um fenômeno transversal, embora assuma feições particulares tendo em vista a condição de classe e/ ou raça/etnia a que pertence a mulher. (SILVA, 1992, p. 60 e 61)
A ativista das causas das mulheres, Lidiane Chagas, disse que as pessoas vão querer tirar a sua vida, acabar com você psicologicamente, ou de todas as formas possíveis, mas não deixarão de viver por você, então não se deve deixar de viver por ninguém. Ela contou que tinha entre 14 e 15 anos quando começou a namorar um rapaz, até então fora de qualquer suspeita, bom moço, bom filho, bom genro, mas que demonstrava sinais sutis de ciúme, então ela decidiu pôr fim ao relacionamento. Após 6 (seis) meses do término, esse ex namorado lhe deu 2 tiros, sendo um na nuca perto do crânio e um na perna esquerda, deixando-a tetraplégica. Nas famílias mais ricas, onde há pessoas com grau de instrução superior a maioria da população, eles geralmente enfrentam o problema da violência mais discretamente, seja fazendo terapias ou procurando ajuda em locais mais eficazes, assim o fato é desconhecido pelos vizinhos e/ou autoridades policiais. “A violência de gênero é um dos fenômenos mais democráticos que existem. Às vezes pode ficar parecendo que é um problema apenas de pessoas socialmente vulneráveis, mas isso não é verdade”. (STREY, 2017)
Segundo a Convenção de Belém do Pará em seu artigo 1º “entender-se-á por violência contra a mulher qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”. (BRASIL, 1994). A violência de gênero pode ser representada através de abuso físico, sexual, emocional e patrimonial, onde os homens destroem a autoestima e a saúde das mulheres, além de imobilizá-las em relação ao desenvolvimento interpessoal, e em último caso, causar a morte das mesmas.
Quando a mulher, em geral o pólo dominado desta relação, não aceita como natural o lugar e o papel a ela impostos pela sociedade, os homens recorrem a artifícios mais ou menos sutis para fazer valer seus privilégios - a violência simbólica (moral e/ou psicológica) e a física, que se manifesta nos espaços lacunares em que a ideologização da violência simbólica não se fez garantir. (SILVA, 1992, p. 58)
Como exemplos de violência de gênero, podemos citar a mutilação genital feminina, o casamento precoce ou casamento forçado, a violência doméstica e diversos outros que atingem meninas e mulheres por todo o mundo. Segundo Chagas, enquanto você está em sua casa com sua família, tem mulheres morrendo psicologicamente, sendo chamadas de lixo, ouvindo que é pra calar a boca porque não querem nem ouvir sua voz. “O agressor grita, fala aos berros e diz que ela não vai mais sair de casa, e a vítima não sabe o que fazer, ou então pede socorro através das redes sociais para alguém que ela imaginou ser sua (seu) amiga (o), e a pessoa responde que não vai deixar seu namorado e sua família por causa dela. Às vezes essa vítima só precisa ser ouvida, amparada e apoiada para ter forças para se livrar da situação”[11].
Apesar de haver violência de gênero da mulher contra o homem, e de nós não minimizarmos a dor de tais vítimas, este trabalho, por delimitação do tema, focará na violência de gênero tendo o homem como agressor, o que nada obsta que, em pesquisas futuras, venhamos a estudar e sistematizar o outro lado, não menos relevante, dessa modalidade de violência que, deixamos claros, condenamos veementemente.
Na maioria dos casos é o homem que sustenta a casa, e por causa disso, age como se a mulher fosse uma mercadoria comprada para satisfazer seus desejos e vontades. Sendo assim, quando a mulher procede de forma a rebater, contrariar ou quando esse homem se sente ou é traído, ele se dá o direito de adverti-la violentamente.
Embora a violência esteja presente na relação, não sendo um fenômeno de um único vetor, mas sim um fenômeno de mão dupla, as práticas de violência, sobretudo de violência física, da mulher em relação ao homem não são muito comuns. Quando estas ocorrem, geralmente, a situação de tensão na relação já está num nível insuportável ou ela agride seu companheiro para se defender. (SILVA, 1992, p. 73)
Milhares de mulheres, de várias idades, sofrem os mais diversos abusos durante a sua infância e adolescência, ou durante toda a sua vida, onde outras mulheres são condescendentes com os abusos, por não conhecerem outro prisma de vida além do que herdaram de seus antepassados, ou seja, a submissão à exploração masculina. Para a advogada Fabiana Leite, por se tratar de uma violência que se dá no interior do grupo familiar, é quase sempre disfarçada pelos envolvidos.
A violência contra a mulher é um fenômeno com raízes profundas, que atinge todos os grupos sociais, instituições e faixas etárias, de forma multifacetada. As mulheres adolescentes e jovens são igualmente ou mais expostas às violências de gênero do que as mulheres mais velhas, porque estão num contexto de maior vulnerabilidade, considerando a baixa idade, a dependência econômica, a restrição dos mecanismos de proteção e o poder instituído na representação simbólica masculina. Esta violência sofrida pelas mulheres na juventude, adolescência e mesmo na infância permanece invisível por dois motivos: por ser uma violência de gênero e por ocorrer, na maioria dos casos, em ambiente familiar pela ação de pais, padrastos, tios, parceiros. (LEITE, 2014, p. 40)
A professora e socióloga Eva Blay afirma que muitos homens não conseguem enxergar a mulher como igual, só às olham como se fossem um objeto sexual, criado com a finalidade de satisfazer os seus desejos, e se assim não acontecer, ficam agressivos e usam da força para sujeitá-las ao seu controle.
Esse problema não diz respeito somente às vítimas, é um problema social construído para inferiorizar e subjugar as mulheres, conjecturando sua aparência e/ou desempenho sexual, como se outros aspectos de sua vida não importassem.
2.1. A manifestação das desigualdades entre homens e mulheres
Segundo o Índice global sobre as disparidades de gênero de 2017, em um total de 144 países, em relação à atuação feminina quanto à execução da cidadania, o Brasil ocupa a 90ª posição com 0,684 pontos na circunstância de desigualdade entre homens e mulheres, onde 0 (zero) significa desigualdade e 1 (um) igualdade, enquanto a Islândia ocupa o 1º lugar com 0,878 e Ruanda ocupa a 4º posição com 0,822. Esse índice foi criado em 2006, para coletar componentes relacionados com as desigualdades de gênero e monitorar seu progresso ao longo dos anos. O Relatório de Desigualdade Global de Gênero 2017 calculou que para conquistar a igualdade de gêneros serão necessários em média 100 anos de trabalho duro e conscientização da população mundial, e em média 217 anos no que diz respeito ao mercado de trabalho.
A sociedade é a maior culpada pela criação da desigualdade de gênero, pois historicamente tem permitido comportamentos abusivos dos homens sobre as mulheres, limitando os papéis de ambos de acordo com estereótipos ultrapassados que subordinam a mulher ao homem, e delimitam eventuais demonstrações de sentimentos masculinos como choro, delicadeza, cuidados com a casa ou com filhos e etc; e ainda há a atribuição da culpa da violência à vítima e a minoração do problema por parte dos agentes públicos nas delegacias.
As mulheres casadas são avaliadas pelo seu desempenho como mãe, esposa, dona de casa, assim como sua fidelidade e submissão. E, se solteira, o que valerá será seu comportamento sexual, como ser virgem e recatada. A exigência desses “comportamentos corretos” permeiam o imaginário social e os discursos jurídicos e estão presentes nos processos-crime sendo utilizados das mais diferentes maneiras, pois além de a vítima passar a ser a ré, acusada de ter causado a agressão, sua vida é avaliada por atitudes que devem estar dentro das normas impostas, o que será avaliado no decorrer do processo. (SOUZA, 2009, p.43)
De acordo com o Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), a desigualdade entre homens e mulheres se reflete na dimensão da saúde reprodutiva, da capacitação e do mercado de trabalho, entre outros. No local de trabalho as mulheres enfrentam preconceito desde o assédio sexual a pagamentos mais baixos, e, portanto, o risco de pobreza é maior para elas do que para os homens, principalmente após a aposentadoria.
A participação escassa ou marginal das mulheres no mercado de trabalho ou o não reconhecimento de sua atividade como digna se coloca a todas como um obstáculo para que adquiram direitos e deveres. A falta de reconhecimento faz com que se tornem dependentes da “boa vontade” dos indivíduos com os quais se relacionam, perdendo sua autonomia. (BARRETO, 2013, p. 144)
A atuação das mulheres nos meios públicos tem se elevado consideravelmente, seja nos âmbito político, cultural, na saúde, educação ou no trabalho, porém, apesar dos avanços no assentamento dos direitos da mulher, ainda não é possível afirmar que estas estão em pé de igualdade diante dos homens.
2.2. Elementos que sustentam a violência
Atualmente, mesmo com toda a sensibilização da sociedade a respeito da violência de gênero, esse fenômeno tem se agravado cada vez mais, deixando claro que há muito que se fazer para a erradicação do problema. Maisa Campos Guimarães e Regina Lúcia Sucupira Pedroza confirmam que o patriarcado (controle dos machos sobre as fêmeas) e o domínio masculino são alguns dos elementos que sustentam a violência contra a mulher, porém, para explicar esse fenômeno é necessário analisar outros elementos em conjunto com estes.
Para Peixoto, a violência doméstica é uma questão cultural no Brasil, e tem toda uma história de desvalorização da mulher, que era tratada como um objeto até pouco tempo atrás. É necessário que a violência doméstica seja vista através do aspecto da educação e de capacitação das mulheres vítimas, porque o que chega ao tribunal de Justiça e para o acolhimento no espaço Bem Me Quero, é porque já aconteceu, já virou estatística.
Diversos estudos têm demonstrado o quanto, de fato, os valores culturais machistas e patriarcais (ainda) estruturantes em nossa sociedade estão associados à grave recorrência das violências cometidas contra as mulheres e às sérias desigualdades de poder e de direitos (ainda) enfrentados por elas em nossa sociedade. (GUIMARÃES, PEDROZA, 2015, p. 257)
O machismo exercido pela sociedade como um todo, inclusive por mulheres, tem contribuído para a proliferação da violência. Reis esclarece que por ano acontecem 500.000 estupros em nosso país, e em 2017 houve um aumento de 325% nos casos de cárcere privado, incluindo a cidade de Contagem, portanto, há a necessidade de leis para coibir esses tipos de violência. Segundo ela, 503 mulheres sofrem violência doméstica no Brasil; 164 mulheres são estupradas todos os dias, na rua ou em casa, pois toda relação ainda que com o seu namorado/marido ou companheiro, se te machuca, se não te dá prazer, se você disse não reiteradas vezes, é estupro. As mulheres que não cumprem o papel imposto pela sociedade, seja não cuidando da casa e dos filhos como deveria, seja se negando a ter relações sexuais com o marido ou até mesmo se dedicando a cuidar do seu corpo e intelecto, são consideradas provocadoras da ira dos homens e portanto merecem ser violentadas.
A mulher é tida como afetiva, mas assexuada, devendo ocupar os papéis de mãe, esposa, dona-de-casa, realizando-se através dos outros. É convencida de sua vocação materna natural e conduzida ao território da vida doméstica. Aquelas que não agissem dessa forma eram vistas como anormais, pecadoras, criminosas, desobedecendo à ordem natural das coisas e pondo em risco todo o futuro da nação. (BARRETO, 2013, p. 75 e 76)
Chagas chama a atenção dizendo que precisamos ficar atentos aos sinais que essas vítimas nos apresentam, sem deixar nos influenciar pelas aparências, pois a pessoa que agride se mostra completamente diferente do que é realmente, e esse fato de o agressor ter um comportamento diferenciado com as outras pessoas faz com que as vítimas tenham medo de denunciá-los, pois na maioria das vezes não há testemunhas das agressões, e também há o fato do despreparo no atendimento por parte dos agentes incumbidos da resolução do problema, quando uma mulher se dirige aos órgãos públicos para fazer a denúncia. Advogadas e psicólogas relatam que quando estão acompanhando as vítimas para fazer a denúncia, ainda hoje, se deparam com agentes públicos despreparados e machistas que passam a questionar as vítimas sobre o seu papel como mulher, sobre suas vestimentas, seu comportamento, enfim, como se fossem as responsáveis pelos abusos sofridos.
Neste sentido, a atuação de todas as Delegacias de polícia que atendam as mulheres em situação de violência, deve estar pautada no respeito aos direitos humanos, na perspectiva de que essas mulheres em situação de violência de gênero devem ser consideradas sujeitas de direitos e merecedoras de atenção. (BOBADILLA, 2016, p. 30)
Segundo a Organização de Apoio à Vítima (APAV Violência Doméstica) também há os casos das mulheres que tem esperanças de que o agressor mude e que não haja mais agressões, o que na verdade faz parte de um ciclo, onde os agressores se mostram arrependidos, mas voltam a agredir cada vez com mais violência, até que se rompa esse ciclo ou as vítimas venham a óbito. A maioria das vítimas permanece em relações violentas por medo, insegurança e desamparo, afinal, já suportaram tantas agressões de diversas formas que passam a acreditar que não são capazes de viver em outra perspectiva, que não há nada melhor para se almejar, e se há, não são dignas de merecimento, ou seja, passam a crer em tudo que ouviram de seus agressores e não tem forças para sair dessa situação.
Ainda segundo a APAV, “A violência doméstica não pode ser vista como um destino que a mulher tem que aceitar passivamente. O destino sobre a sua própria vida pertence-lhe, deve ser ela a decidi-lo, sem ter que aceitar resignadamente a violência que não a realiza enquanto pessoa”. Enquanto houver essa distinção de papéis na sociedade, homens e mulheres não serão vistos como iguais e a violência perdurará sob os olhos da sociedade como fato normal.
2.3. O ciclo da violência
De acordo com Milene Oliveira Morais e Thais Ferreira Rodrigues, no início do relacionamento o homem busca conquistar a confiança da mulher se mostrando uma pessoa compreensível, educado e cheio de aspectos positivos, fazendo com que ela construa planos de um relacionamento saudável com ele, e possibilidades de uma vida feliz em família. Raramente o agressor usa de violência nos primeiros dias, e quando esta ocorre, a relação de confiança se rompe e deixa a mulher confusa, pensando que ela fez algo de errado, o que acaba gerando depressão e ansiedade. “Há uma dificuldade de comunicação, pois a primeira agressão rompe uma relação de confiança, atingindo uma relação que era satisfatória. Muitas mulheres chegam a se perguntar: O que fizeram de errado? “(MORAIS, RODRIGUES, 2016, p. 94).
Para a pesquisadora e psicóloga Norte-Americana Lenore Walker, é necessário entender que a violência contra a mulher ocorre dentro de um ciclo que geralmente se apresenta em três fases, estabelecendo uma espécie de vínculo entre agressor e vítima. Primeiramente há o aumento das tensões acumuladas no dia-a-dia e essa fase não tem uma duração definida. O agressor muda de humor bruscamente, fica tenso e se irrita por coisas totalmente sem sentido, podendo ameaçar a vítima, cometer injúrias e outras agressões verbais que causam pressentimentos de perigo, uma sensação que algo pior está prestes a acontecer.
Não é incomum, na arte produzida por mulheres, alusões a dores, medos, violências, o que em grande medida é reflexo direto de nossas vidas, tal como se pode confirmar por pesquisas que denunciam a amplitude do fenômeno da violência contra mulheres. (LUCENA, 2017, p. 307)
Conforme explicita Walker, a mulher acredita que para acabar com a tensão do homem ela é que tem que mudar seus comportamentos, então passa a agir de forma a não alterar o humor dele, mas quando ele percebe que não está conseguindo atingi-la com a mesma intensidade, se sente incitado a ser ainda mais violento.
A segunda fase, apesar de ser a mais curta das três fases nas palavras de Walker, é marcada principalmente pelos ataques de violência física, patrimonial, moral e sexual, além dos ataques psicológicos já ocorridos desde a primeira fase. Essas agressões geram ansiedade e descrença na vítima, e ela se sente impotente para lidar com a situação ou pedir ajuda. Diante desse sentimento, a mulher se acostuma a viver com a situação de violência, fica imóvel e adota para si o pensamento doentio de seu agressor.
E falar sobre a violência exercida contra nós é ir atrás também de “onde o medo dói”, e, mais ainda, de como lutar contra esse medo.
A luta contra a violência, que consiste na passagem da posição de mera vítima para a de combatente, é hoje a tônica de parte significativa da produção artística de mulheres que, por meio de palavras de ação, tanto manifestam a dor e a revolta como conclamam para a luta. (LUCENA, 2017, p.307 e 308)
Dá-se o nome de ”Síndrome da Mulher Espancada” (battering syndrome), quando juntamente com a violência há o aumento dos problemas de saúde, inclusive problemas psicológico-emocionais como tristeza, raiva, falta de esperança e de amor próprio, os quais fazem perdurar a dor e o sofrimento desta mulher. Esta síndrome é semelhante a “Síndrome de Estocolmo”, onde a vítima de um sequestro passa a enxergar o sequestrador como sua fonte de segurança (podendo até se apaixonar por ele) e o mundo exterior ao cárcere se transforma em ameaça.
A partir do isolamento e sem ajuda e/ou medidas para enfrentar o problema, a mulher tende a se conformar com a situação para não contrariar o homem, afinal ela não sabe e nem conhece nada capaz de lhe dar a segurança necessária nestes casos, então o que passa na mente dela é que o seu agressor é a única segurança que ela pode ter; ela acaba se tornando dependente dele e para não o perder, se sujeita as mais horrendas situações, inclusive o defende de tudo e de todos.
Apesar de nossa sociedade ser avançada, observa-se, no concernente à ordem social, que ela continua sendo dominada pelo machismo e autoritarismo masculino, pretendendo o homem também o controle do espaço doméstico. Muitas mudanças foram realizadas no decorrer dos anos, mas ainda há um grande número de homens que limitam o espaço das mulheres, que, por sua vez, concordam e se sujeitam às mais diversas situações que lhes são impostas. (MORAIS, RODRIGUES, 2016, p. 93)
A terceira fase é denominada de fase de lua de mel ou fase de reconciliação, pois é nesta fase que o homem agressor se desculpa e pede perdão pelas agressões, e usa de artifícios para manipular afetivamente a mulher agredida, dando presentes, tratando bem os filhos e os animais de estimação, coisas que antes ele usava para martirizar a vítima.
De acordo com a psicóloga Taís Costa Bento, nesta terceira fase também há casos em que o agressor não demonstra condutas amorosas, mas consegue convencer a vítima de que tem autocontrole e que jamais voltará a agredi-la. A primeira e a segunda fase desaparecem por um tempo, até que ele recomeça com as mudanças bruscas de humor, fazendo acusações descabidas e inúmeras agressões verbais até chegar novamente na violência física, patrimonial e etc.
É preciso garantir que as mulheres, desde a infância, tenham o seu percurso respeitado. É preciso romper com o silêncio que oprime, mascara e perpetua gerações de mulheres subjugadas. É preciso garantir a integridade física e a autonomia da mulher no exercício da sexualidade e da liberdade. (LEITE, 2014, p. 41)
Ainda de acordo com Dalila Reis, para erradicar a violência contra a mulher, é necessário que o Estado aprove orçamentos em políticas públicas para mulheres, como por exemplo, o investimento em cursos superiores, empregos para capacitar a autonomia dessas mulheres, cumprimento das leis vigentes e ampliação e capacitação das redes de proteção, pois a DEAM é só uma porta de entrada; agilizar a apuração dos fatos, porque estes crimes não podem cair na Vara comum dos outros crimes. Reis acentua que sem a devida compreensão dos fatos e sem se dar conta do quanto isso pode ser destrutivo para sua saúde física e mental, muitas mulheres se tornam prisioneiras deste ciclo de violência. Por se tratar de um tema complexo, faz-se necessário uma abordagem mais coesa e mais astuta no sentido de conscientização e erradicação do referido tema, e de qualquer outro tipo de violência que assole as mulheres.
2.4. A invisibilidade da violência de gênero pelos movimentos feministas
Para Sandra Peixoto “ser feminista é lutar pela igualdade de direitos entre homens e mulheres, e não para lutar contra os homens ou caminhar sozinhas. Precisamos sim de homens, e homens que se interessam pelos assuntos femininos”.[12]
“Por movimento feminista definia-se àqueles que lutavam contra a opressão e pela liberdade das mulheres, pautando questões como sexualidade, aborto, violência, autonomia, direitos civis e políticos.” (CISNE, 2015, p. 104)
Reis alerta que as diversas formas de violência contra a mulher advêm de uma cultura patriarcal cuidada e legislada pelos homens e para os homens, ou seja, é uma violência instituída na nossa sociedade, onde as formas mais nefastas que arruínam a autoestima da mulher, muita das vezes não são percebidas pelas vítimas, tampouco pelo judiciário.
A maioria absoluta das mulheres que passam pelo espaço Bem-Me-Quero, sofreram violência na infância, suas mães e avós também sofreram violência, então passam a banalizar a violência sofrida, achando que tudo isso é normal; vivem uma vida medíocre porque não conhecem uma vida diferente. O espaço Bem Me Quero faz parte da Superintendência de Políticas Públicas para Mulheres, e está localizado no centro de Contagem. Atendem cerca de 80 mulheres por mês, entre a 1ª vez e o retorno; tendo em vista que na cidade de Contagem existem cerca de 350.000 mulheres e que no total de atendimentos entre as delegacias e o espaço Bem Me Quero, são 200 mulheres por mês, é um número assombroso, diz Reis. Isso significa que muitas mulheres ainda sofrem violência, infelizmente. (REIS, 2018)
O feminismo começou a ganhar forças aproximadamente nas últimas décadas do século XIX, mas, no decorrer da história, muitas mulheres que insurgiram contra as condições as quais foram impostas e brigaram por liberdades e direitos, acabaram perdendo a vida. A igreja católica foi uma das responsáveis por estes acontecidos, já que não tinha compaixão com as mulheres que não seguiam seus princípios, tidos como indiscutíveis.
Na Inglaterra, as feministas ficaram conhecidas como sufragetes, depois de grandes manifestações, prisões, e greves de fome na luta pelo direito ao voto, que foi conquistado em 1918 no Reino Unido. O filme Britânico “As Sufragistas”, lançado no Brasil em dezembro de 2015, narra a história e a luta de Maud Watts, Edith New, Violet Miller, Emmeline Pankhurst e muitas outras mulheres que no início do século XX, em um movimento feminista lutavam pelo direito ao voto, para que a partir dele conseguissem melhores condições de trabalho, igualdade e dignidade, e não mais precisassem aceitar os diversos abusos e violências dos quais sofriam. Elas foram presas e torturadas para que entregassem a líder do movimento, para que assim as autoridades pudessem acabar com o movimento, mas resistiram bravamente.
No filme também mostra que alguns homens eram solidários a causa das mulheres, mas a grande maioria acreditava que os maridos deviam dar um “corretivo” em suas esposas para que elas pudessem parar de violar a paz que eles tinham quando elas estavam quietas e submissas em casa.
Algumas mulheres perderam o emprego, o marido, filhos e a própria vida, ficaram mal vistas diante da lei e também diante da maioria da população, mas permaneceram na luta. Uma dessas mulheres decidiu se sacrificar se jogando na frente de um dos cavalos de um campeonato, ao qual o rei estava presente assistindo, e toda a imprensa estava a postos, e somente após a morte dela, é que a história do movimento das sufragistas teve seu reconhecimento, e conquistaram o direito ao voto.
Percebe-se que esses movimentos de contestação que estavam no auge nos países do hemisfério norte, também influenciaram as brasileiras e os brasileiros, levando-os a questionar o lugar das mulheres numa sociedade culturalmente escravagista e patriarcal, ou seja, se apropriaram desses movimentos que emergiram internacionalmente, para elencar questões próprias para o caso brasileiro. (FÉLIX, 2016, p. 32)
As sufragetes brasileiras lideradas pela bióloga e importante cientista Bertha Lutz, que também foi uma das fundadoras da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, iniciaram a luta pelo voto em 1910, quando Bertha voltou para o Brasil depois de estudar no exterior.
Essa situação vivida pelas/os brasileiras/os ficou expressa no Congresso Nacional Constituinte em 15 de novembro de 1890, para a elaboração da nova Constituição Republicana. Nesse Congresso diversas discussões foram colocadas em pauta, inclusive o voto feminino. As discussões foram intensas, a favor e contra estender esse direito político às mulheres, contudo, os deputados contrários ao voto feminino saíram vencedores. (FÉLIX, 2016, p. 24)
O direito das mulheres Brasileiras ao voto foi conquistado em 1932, quando foi promulgado o Novo Código Eleitoral brasileiro. Em 1917 houve também o movimento das operárias anarquistas, denominado "União das Costureiras, Chapeleiras e Classes Anexas", porém, na década de 30 os movimentos feministas perderam forças e só retornaram com força total a partir da década de 60, quando as mulheres na Europa e nos Estados Unidos, falaram abertamente sobre as relações de poder entre homens e mulheres, reivindicando espaços iguais na educação, no trabalho, na vida pública, além de independência para deliberar sobre sua vida e seu corpo.
Com a redemocratização dos anos 1980, o feminismo no Brasil entra em uma fase de grande efervescência na luta pelos direitos das mulheres: há inúmeros grupos e coletivos em todas as regiões tratando de uma gama muito ampla de temas– violência, sexualidade, direito ao trabalho, igualdade no casamento, direito à terra, direito à saúde materno-infantil, luta contra o racismo, opções sexuais. (PINTO, 2010, p. 17)
As feministas americanas já denunciavam a violência sexual contra a mulher desde o começo de 1970, porém, só na década de 80 é que esse fato foi apontado na esfera sociológica e investigativa, cuja nomenclatura mais empregada foi violência contra a mulher e se identificou como o tema principal dos movimentos feministas. A militância feminista e as solicitações dos diversos movimentos sociais geraram condições necessárias à visibilidade e ratificação da seriedade da matéria, concedendo novas amplitudes às políticas públicas.
As lutas feministas por reformas legais na década de 1980 nos Estados Unidos focaram dois conjuntos de preocupações. O primeiro desafiou a definição legal do estupro para incluir o estupro marital, excluir a necessidade do uso da força na definição do crime e da demonstração da resistência como ausência de consentimento. O segundo concentrou-se em alterar o processo de reparação jurídica, buscando proteger as mulheres de revitimização e ameaças e sensibilizar os profissionais da área jurídica quando as mulheres denunciavam um estupro. (CAMPOS, et al., 2017, p. 986)
Para abordar esse problema, uma das primeiras técnicas utilizadas pelos movimentos feministas foi a criação de grupos de combate e atendimento às mulheres em situação de violência, sendo precursor o SOS mulher no início dos anos 80, nas cidades de São Paulo, Campinas, Belo Horizonte, Recife e algumas outras capitais do país. Tais grupos agiam nas instâncias públicas, colaborando para a conscientização das violências de gênero habituais e exigindo uma resolução por parte do Estado, já que a lentidão tanto do judiciário quanto dos outros poderes, acaba dando margem à impunidade, e em consequência, agravando os casos de violência.
A Lei Maria da Penha foi fruto do processo democrático e deve ser compreendida como um caso exemplar bem-sucedido de articulação política entre a sociedade civil, representada pelos movimentos de mulheres e feministas brasileiros, e os poderes Executivo e Legislativo.
Mais recentemente, foi aprovada a Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015, que altera o artigo 121 do Código Penal brasileiro para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e a Lei de Crimes Hediondos, para incluir o feminicídio no rol destes crimes. (SANTOS, MEDEIROS, 2017, p. 7)
O Estado, atendendo as reivindicações dos movimentos sociais e das feministas, criou as Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (Deam's), no ano de 1985, a Lei Maria da Penha em 2006 e recentemente, em 2015, foi criada a Lei do feminicídio no Brasil. A partir da conscientização da gravidade do problema, aumenta a responsabilidade do Estado para criar mecanismos de prevenção e proteção das mulheres em situação de violência, objetivando fomentar a trajetória do país para um nível mais elevado de igualdade de gêneros. Reis também afirma que enquanto uma mulher estiver sendo estuprada, espancada, morta e abusada, todas as outras estarão em risco, e que quando se fala de estupro, não tem nada a ver com desejo sexual ou tesão, tem a ver com submissão. “Menos da metade dos estupradores usam seu órgão genital para estuprar, a maioria usa um objeto qualquer que se pareça com o seu faro para estuprar, portanto a castração química não seria uma opção para acabar com o estupro”.
As organizações feministas que apresentam uma estrutura formal e contam com a liderança de figuras históricas tendem a possuir grande capacidade de articulação nacional e de desenvolver estratégias conjuntas de longo prazo, em especial influenciando decisões dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. (RANGEL, 2012, p. 52)
Nesse sentido, as Instituições de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, a Lei Maria da Penha e as Delegacias de Defesa da Mulher são exemplos dos mecanismos utilizados para dar visibilidade ao problema da violência de gênero e para legalizar os suplícios e os protestos das vítimas, evitando assim a perpetuidade dos ataques agressivos.
3. CRÍTICA À LEGISLAÇÃO BRASILEIRA
No dia 14/09/18, na palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, a Desembargadora Superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar do TJMG (COMSIV), Alice Birchal, explicou aos presentes que o papel do judiciário é punir o infrator de um crime que ele já cometeu; tentar solucionar um problema já ocorrido. O Legislativo e o Executivo têm a função de criar leis e políticas para prevenção e para evitar o cometimento do feminicídio.
Examinar como o Poder Judiciário se manifesta gerencialmente frente a uma lei que exige em seus termos não só medidas estritamente legais, mas administrativas e sociais, necessitando um caráter multidisciplinar, com arranjos institucionais em todos os âmbitos e participação efetiva da sociedade com a atenção à proteção às famílias, é também examinar como o órgão público administra áreas de gestão que não são de sua natureza primária. No caso, o judiciário que tem como função primordial: solucionar conflitos, administrando políticas públicas de contexto social como a violência contra a mulher. (CHERUBINI, 2016, p. 8 e 9)
De acordo com Birchal, o Tribunal de Justiça acrescenta às suas funções jurisdicionais, ações que contribuem para diminuir a violência, ou seja, ajuda/colabora sempre com a rede de enfrentamento à violência doméstica através de informações a população sobre os locais onde devem ir para cada “coisa” que existe para se proteger, e vários projetos durante o ano para tentar amenizar esses problemas, como por exemplo, ações eventualmente na semana do dia da mulher, aniversário da Lei Maria da Penha e etc. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) dita um calendário mínimo extrajudicial para tentar amenizar essas questões. Ainda segundo ela, é necessário criar meios de dirimir as questões financeiras, apoiar e estruturar as comarcas, construir estratégias para chegar a todos. Com os novos contratos sobre as tornozeleiras eletrônicas que serão ampliadas para 5.000 unidades no Estado de Minas Gerais; o agressor que recebe a tornozeleira alivia não só uma vítima, mas uma família inteira que pode estar sofrendo ameaças com a situação.
“Note-se que o judiciário em sua atividade finalística já exige, hodiernamente, do magistrado, uma visão mais complexa ao decidir uma questão que está positivada em um regramento legal objetivo.” (CHERUBINI, 2016, p. 6)
Sandra Reis relatou que há a necessidade de criação de juizados especiais de violência doméstica em Contagem, para que as mulheres possam decidir todos os aspectos em um só lugar, como pensão alimentícia, partilha de bens, guarda dos filhos e etc, para que não voltem para a situação de violência. Atualmente esses procedimentos são decididos em varas distintas e a mulher agredida não pode aguardar a lentidão da justiça que só resolve uma parte do problema. As mulheres precisam estar representadas para que se criem leis e políticas para mulheres, e a sociedade precisa abrir portas para a conscientização e discussão desse tema.
A desigualdade de gênero na política é um obstáculo ao alcance da igualdade real de gênero na sociedade, ainda tão permeada por exclusões, preconceitos e violência contra as mulheres. A edição das leis de cotas nas eleições é uma forma de atacar esse problema e promover uma sociedade mais democrática tendo em vista a participação das mulheres, que correspondem à metade da população, nos ambientes de tomada de decisões. (VERAS, 2013, p. 19)
Segundo a Defensora Pública, Dra. Isabel, presente na palestra supra, tanto o Ministério Público quanto a Defensoria não conseguem ter uma visão ampla da situação nos casos em que não há juizados especiais de violência doméstica, pois eles trabalham na esfera criminal, enquanto a guarda, partilha, visitas e etc, tramitam nas varas de família. “Todos devemos ter consciência da importância dessa luta e a união de esforços deve ser feita através de voluntários, pessoas que queiram se envolver, passando pela educação, pois o rol da Lei Maria da Penha é um rol exemplificativo, e é essa união de esforços que vai ajudar essa mulher a dar a volta por cima”[13].
É importante perceber que a questão da violência de gênero em âmbito familiar e doméstico não é unicamente criminal. Envolvendo relações pessoais, íntimas e familiares, o conflito se mostra muito mais complexo e particular, não se encaixando no modelo de respostas uniformizadas e de escala industrial, formatadas num padrão de ritualística processual frio e cartesiano.
Nesse sentido, parece que a proposta mais favorável é aquela que busca oferecer enfoques multidisciplinares, atentos a realidades socioeconômicas díspares, bem como à violência das instituições carcerárias e do sistema de justiça criminal como um todo. Nesta visão conglobada, podem-se buscar, em outras áreas, reflexões para diagnosticar e ultrapassar os obstáculos encontrados nos trâmites e na própria legislação, já que nem sempre a solução encontrada pelos poderes legislativo e judiciário é a mesma que as mulheres desejam ao procurarem a assistência judiciária. (SECRETARIA DE ASSUNTOS LEGISLATIVOS, 2015, p. 26)
Peixoto comunicou que a OAB de Contagem encaminhou pedido para abertura de Juizado Especial de Violência Doméstica no Município, mas ainda esbarra nas questões orçamentárias; porém o Tribunal ficou de analisar o pedido com “carinho”. De acordo com ela, temos que procurar montar a união das instituições como Tribunal de Justiça, Ordem dos Advogados do Brasil, Defensoria Pública e redes de apoio para criar meios de quebrar esse ciclo de violência. Nesse seguimento, percebe-se a indispensabilidade de leis que possam elencar o respeito, a obrigatoriedade de proteção dos direitos e a incorporação das mulheres na sociedade como pessoa passível de se estabelecer entre os homens no mesmo nível de igualdade.
3.1. Lei Maria da Penha
Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006
Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. (NUCCI, 2014, p. 685)
A Lei nº 11.340 de 07 de agosto de 2006 intitulada como Lei Maria da Penha, foi criada visando punir a violência doméstica e familiar contra a mulher, resguardando seus direitos. O Portal Educação, acentua que anteriormente a criação desta lei, os homens agressores não recebiam as devidas punições por agredir suas mulheres/companheiras; contavam com o apoio cultural e o histórico machista enraizado na população desde o início dos séculos. Essa lei preconiza que as violências contra a mulher, são espécies de violação aos direitos humanos. Vejamos o estabelecido em seu artigo 1º:
Art. 1o Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do§ 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar. (BRASIL, 2006).
Ainda segundo o Portal Educação, esse tipo de violência era processado e julgado da mesma forma que qualquer outro crime na justiça comum, e quando a mulher agredida procurava a delegacia para fazer a denúncia, ainda sofria violência institucional por parte dos agentes de segurança pública, que totalmente desqualificados, atendiam essa mulher com olhares desacreditados e/ou minimizavam a dor que estavam sentindo, fazendo com que elas se sentissem culpadas pelo acontecido. Nessa época, a própria vítima era responsável por entregar a intimação para o agressor, que irritado por ter sido denunciado por ela, a agredia ainda mais, e se o caso fosse a julgamento, o agressor era condenado com pena máxima de um ano nos casos de lesões graves, com o benefício de poder cumprir a pena através de prestações pecuniárias, como multas ou pagamento de cestas básicas.
Diante dos dados apresentados, não houve redução da mortalidade, mas uma estabilidade das taxas de óbitos. É importante salientar que essa Lei afetou o comportamento dos agressores a partir do momento que houve o aumento da pena para os mesmos, aumento do empoderamento e das condições para a denúncia por parte da mulher, sistema judicial mais efetivo nos casos de violência doméstica, principalmente quando a Lei entrou em vigor. (SILVA, 2017)
De acordo com o Portal Educação, após a Lei Maria da Penha, a violência doméstica passou a ser tipificada no Código Penal Brasileiro (CPB), e não pode mais ser julgada como os crimes de menor potencial ofensivo. A ofendida não será mais responsável pela entrega da intimação ao seu agressor e a pena não mais poderá ser convertida em prestação pecuniária. Dentre as variadas mudanças advindas com essa lei, também poderá ser declarada a prisão preventiva do agressor tendo a finalidade de proteger a integridade física da vítima e a acusação somente poderá ser retirada em audiência perante o juiz. Em relação à denúncia, o Ministério Público também poderá oferecer denúncia em desfavor do agressor, e o juiz em sua decisão poderá estipular penas que variam de três meses a três anos de detenção.
A Juíza Maria Daniella Binato de Castro explica que em 20 de agosto de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), recebeu uma denúncia apresentada por Maria da Penha Maia Fernandes, enviada através do Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e do Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM), relatando a violência doméstica que ela sofrera do seu marido Marco Antônio Vieira Heredia Viveiros na década de 1980, durante os muitos anos de convivência conjugal, e a tolerância da Justiça Brasileira, que até aquela data, não resolvera a situação adequadamente. A partir disso, a CIDH entendeu que o Brasil violara a Convenção Americana sobre Direitos Humanos e recomendou ao Estado Brasileiro, a criação de uma lei com o propósito de proteger as mulheres.
A Comissão Interestadual recomendou ao Brasil, dentre outras medidas, prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no país. Diante de tais recomendações, o governo brasileiro promulgou a Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, chamada (em homenagem àquela postulante) de Lei Maria da Penha. (CASTRO, 2015, p. 8)
Maria da Penha, bioquímica, foi torturada pelo pai de suas três filhas, seu então marido, onde sofreu duas tentativas de homicídio, a primeira vez ele disparou um tiro contra ela enquanto ela dormia, atingindo suas costas e deixando-a paraplégica, e depois ele tentou eletrocutá-la durante o banho. Segundo Castro, as investigações desse caso foram iniciadas em meados de 83, mas somente em setembro de 84 é que o relatório foi apresentado ao Ministério Público Estadual. Decorridos 8 (oito) anos, Viveiros foi condenado a 8 (oito) anos de prisão, mas conseguiu retardar o cumprimento da pena, através de recursos jurídicos.
Castro esclarece ainda que após a criação da Lei Maria da Penha, houve inúmeras mudanças no ordenamento jurídico Brasileiro, como exemplo ela citou a proteção policial e o acompanhamento da vítima quando da retirada de seus pertences do local da ocorrência, encaminhamento da vítima aos setores de saúde ou Instituto Médico Legal (IML) e transporte desta e seus dependentes para abrigo ou local seguro nos casos de risco de vida, proibição do induzimento ao acordo ou aplicação de pena de multa diária ou ainda entrega de cesta básica. Do mesmo modo, nas palavras de Castro a vítima sempre será assistida por defensor e caso deseje, será ouvida sem a presença do agressor. “Também será comunicada pessoalmente quando ele for preso ou posto em liberdade”. (CASTRO, 2015, p. 9)
No âmbito das garantias, foram estabelecidas as chamadas medidas protetivas, que podem ser aplicadas ao agressor quando constatada a prática de violência doméstica. Há a previsão de “suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei 10.826/03”; “afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida”; proibição de determinadas condutas, entre as quais “aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas”, fixando o limite mínimo de distância entre tais pessoas com a ofendida, seus familiares e testemunhas por quaisquer meios de comunicação; “proibição de frequência a determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida”; “restrição ou suspensão de visitas a dependentes menores”, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar, e a prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
Além disso, ainda há a previsão de decretação da prisão preventiva do agressor, ressaltando que se trata de medida excepcional, aplicada quando presentes os seus requisitos. (CASTRO, 2015, p. 9)
Guilherme de Souza Nucci entende que o fato de a mulher ser vítima, não significa que a sua palavra nos casos de violência doméstica não possa ser questionada, pois mesmo nestes casos, deve-se usar a presunção de inocência do réu, e caso haja dúvidas, este deve ser absolvido. A Defensora Pública Dra. Isabel, diz que a mulher vítima de violência doméstica é comparada ao consumidor no Código de Defesa do Consumidor, onde a palavra dela tem uma maior valoração por ser a parte mais “fraca” da relação, pois muitas mulheres saem de casa com a roupa do corpo e não tem testemunhas das agressões. De acordo com ela, o Estado não consegue amparar essa mulher nesse primeiro momento, pois nem todas as comarcas têm Defensoria Pública, e em alguns Estados, o defensor Público é instado a defender o agressor, pois todos têm direito a defesa, e com isso a mulher fica prejudicada, pois o Defensor não pode atuar nos dois polos. “Em Minas Gerais existem somente 8 (oito) núcleos da Defensoria nas DEAM’s”[14].
O fato de ser a mulher vítima de agressão, no contexto dessa Lei de Violência Doméstica, não torna a sua versão dos fatos inatacável, de modo a subverter as regras do processo. Em primeiro lugar, deve-se dar sentido ao princípio constitucional da presunção de inocência; em caso de dúvida, absolve-se o réu. Em segundo, toda e qualquer vítima é parte interessada no feito em que se apura a agressão por ela sofrida, tanto que não é testemunha, nem se submete ao compromisso de dizer a verdade. Em terceiro a palavra da vítima deve ser sopesada como qualquer outra e ser confrontada com as demais provas do processo. Em suma tem valor, mas não é absoluto. (NUCCI, 2014, p. 701)
O MG Record exibido em 24 de agosto de 2018, às 19:41 horas, informou que diariamente 897 mineiras sofrem violência contra a mulher, através de domínio e controle obsessivo como controle de amizades e roupas, posse e etc. No Centro Risoleta Neves de Atendimento à Mulher (CERNA), que inclusive faz parte da rede de enfrentamento à violência contra a mulher de Minas Gerais, são feitos 400 atendimentos por mês, onde são oferecidos acolhimento, escuta, direcionamento que as mulheres precisam, atendimento psicológico e encaminhamento às DEAM’s para o registro do boletim de ocorrência ou solicitar Medidas Protetivas.
Flávia Teixeira Ortega explica que há previsão na Lei Maria da Penha de duas espécies de medidas protetivas de urgência; as medidas que obrigam o agressor a não praticar certas ações e as medidas direcionadas à mulher e aos seus dependentes, visando salvaguardá-los. Estas medidas visam erradicar a violência doméstica, e sempre que uma mulher estiver em situação de violência, poderá solicitá-las no intuito de se proteger de novas agressões.
Diante dessas situações, então, a Lei Maria da Penha obriga o Estado a proteger essas mulheres. É o que se chamou de medidas protetivas de urgência. Essas medidas têm o intuito de fazer com que essa mulher saia da situação de risco até que as investigações policiais terminem e a ação penal se inicie. A depender da gravidade da situação, é possível que seja determinada prisão preventiva. (ORTEGA, 2018)
Ortega explica que as medidas que obrigam o agressor são aquelas que o proíbem de se aproximar da mulher agredida e de seus filhos, manter qualquer tipo de contato com estes e com testemunhas, até mesmo por redes sociais, podem diminuir as visitas aos filhos menores, ou então podem proibir o agressor de visitá-los; proibição de frequentar os mesmos lugares que essa mulher; ele pode ser afastado do lar, ser obrigado a pagar pensão alimentícia para a agredida, ter restrição da posse de armas, quando o agressor é policial, e caso o juiz julgue necessário, poderá aplicar outras medidas de acordo com cada caso. “Essas medidas podem ser aplicadas tanto isolada como cumulativamente”. (ORTEGA, 2018)
Já as medidas direcionadas à mulher e aos seus dependentes, de acordo com Ortega, servem para proteger a integridade física e psicológica da mulher vítima de violência doméstica. São elas: O encaminhamento da mulher e de seus dependentes para casas-abrigo e redes de enfrentamento à violência, proteção policial para que a mulher retorne ao seu lar, caso o agressor lá permaneça, ou para que ela retire seus pertences do domicílio conjugal, devolução dos bens que foram tomados pelo agressor, ordem de separação de corpos e aqui também o juiz poderá conceder outras medidas caso julgue necessário. Também podem ser cumuladas.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a doutrina majoritária, em decisão julgada em março de 2014, haviam se posicionado que não configuraria crime de desobediência o descumprimento de medida protetiva de urgência prevista no art. 22 da Lei Maria da Penha. A Lei nº 13.641, publicada em 04 de abril de 2018, em seu artigo art. 1o, “altera a Lei no 11.340, de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), para tipificar o crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência”. Atualmente, de acordo com o art. 24- A da Lei Maria da Penha, acrescido pela Lei 13.641/18, é crime descumprir medida protetiva de urgência, e a punição é detenção de três meses a dois anos:
Art. 24-A. Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas nesta Lei: (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 1o A configuração do crime independe da competência civil ou criminal do juiz que deferiu as medidas. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 2o Na hipótese de prisão em flagrante, apenas a autoridade judicial poderá conceder fiança. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018)
§ 3o O disposto neste artigo não exclui a aplicação de outras sanções cabíveis. (Incluído pela Lei nº 13.641, de 2018) (BRASIL, 2018).
Maria Teresa Cruz, afirma que a criação da Lei Maria da Penha ocasionou mudanças muito relevantes no CPB e acelerou o processo de deferimento das medidas protetivas para as vítimas, tornando as mulheres mais visíveis diante da sociedade e das autoridades, porém ainda há muito a se alcançar.
3.2. Feminicídio (Lei 13.104/2015)
De acordo com Victor Eduardo Rios Gonçalves, o feminicídio foi inserido no art. 121, § 2º, VI do CPB através da Lei n. 13.104/2015, entretanto, essa denominação discorre sobre uma nova qualificadora do homicídio cometido contra mulheres, simplesmente pela condição do gênero feminino. Vejamos o que diz o artigo 121, § 2º-A do Código Penal:
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (BRASIL, 1940).
Para Gonçalves, o feminicídio é uma qualificadora de caráter subjetivo, tendo em vista que para ser caracterizado, além da vítima ser mulher, o crime tem que acontecer pela condição do gênero feminino, não sendo suficiente ser esposa, namorada ou companheira do agressor, ou seja, se a finalidade do crime é de receber uma herança ou seguro de vida, não será classificado como feminicídio, e sim homicídio qualificado pelo motivo torpe. O autor diz ser necessário atrelar os motivos do crime ao art. 5º da Lei Maria da Penha, que diz: “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial”: (BRASIL, 2006)
Gonçalves explica que o crime de feminicídio é motivado pelo desprezo e preconceito à condição de mulher, portanto, as vítimas são exclusivamente as mulheres. Pode ocorrer nos casos em que um pai ao ver sua filha sair sozinha com o namorado, ou sair de roupa curta, a agride até a morte, ou nos casos de mulheres desconhecidas, quando seus agressores entendem que elas estão desempenhando funções “exclusivas” dos homens, ou estão se inserindo nos meios acadêmicos, buscando conhecimento e etc.
De acordo com Marixa Rodrigues, juíza titular do 1º tribunal do júri de Belo Horizonte, o mais importante é falar sobre o assunto, dando voz às pessoas que não estão mais aqui e aos familiares das vítimas sobreviventes que não tem quem as ouça, e que as pessoas que pensam que a criação do feminicídio é puro “mimimi” ou é um assunto simplista, são pessoas que não compreendem a extensão do dano da violência doméstica na sua esfera mais extrema.
Diana Russel, estudiosa de crimes contra a mulher quis criar um nome que todo mundo falasse sobre ele, e então foi criado o termo Feminicídio. As vítimas deste crime não são somente as mulheres que foram mortas, mas também os filhos e toda a família. A população deve ser conscientizada porque qualquer mulher pode ser vítima dessa violência, pode ser uma filha, mãe, avó, prima e etc. (RODRIGUES, 2018)[15]
Segundo Rodrigues, a princípio tentou-se criar o feminicídio como um tipo penal autônomo, mas não foi aprovado; então se criou a qualificadora do feminícidio no art. 121 do CPB. De acordo com Rodrigues, para compreender o feminicídio e tirar todo o preconceito sobre o tema, é preciso entender antes sua trajetória. Ela explica que esse termo foi usado pela primeira vez em 1976, no Tribunal Internacional de crimes contra mulheres em Bruxelas, devido aos assassinatos, estupros e outras atrocidades que estavam acontecendo com as mulheres. Rodrigues narrou que em Ciudad Juarez, em 2001, 8 corpos foram encontrados em uma plantação de algodão, sendo que somente 3 deles foram identificados, 2 outros eram de meninas de 13/14 anos, e os outros 3 nem sequer foram identificados. As famílias que identificaram os 3 corpos levaram o caso a Corte Interamericana de Direitos Humanos por falta de autuação de autoria desses crimes. O México foi condenado em 2009 por falta de meios de proteção às vítimas, falta de prevenção dos crimes, falta de respostas das autoridades, falta da devida diligência nas investigações, inobstante as autoridades policiais soubessem daquele padrão de crime de gênero que envolvia morte de mais de 500 meninas e mulheres. Em virtude dessa condenação, o México abrigou em sua legislação o tipo penal autônomo do feminicídio, com pena de 40 a 60 anos, em 2012.
Durante quase duas décadas, o olhar mundial voltou-se a Ciudad Juárez (México) pela sua característica de capital mundial do feminicído. Desde o ápice do ativismo antifeminicida radical, em 2003-2004, o assassinato de mulheres não apenas cresceu, mas o fez de forma exponencial. Apesar disso, o ativismo diminuiu. Desde 2010, com o início de uma “segunda onda” de atenção na fronteira mexicana, mostrou-se importante esclarecer algumas definições e avaliar estratégias de mudança. (STAUDT, 2011, p. 194)
No Brasil, nas palavras de Rodrigues, matam-se mais mulheres nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, onde 29% dos feminicídios entre 2001 e 2011 ocorreram nos domicílios, 36% em via pública e 25% em estabelecimentos de saúde; pois muitas vezes o feminicídio era tentado, a vítima era socorrida e acabava de morrer no hospital. “O feminicídio é um crime evitável, e a melhor prevenção é a educação. A educação é a principal forma de prevenção desta grave, drástica e pandêmica violência que é o feminicídio”[16].
Em entrevista ao jornal da Record, exibido no dia 10/09/2018 às 22h47min, Keila, vítima de violência doméstica, contou que levou 22 facadas e se fingiu de morta para sobreviver; foi salva pela vizinha, que nas palavras dela, se “intrometeu” no problema e chamou ajuda.
A família de Fernanda relatou que ela foi agredida e morta por não querer continuar o relacionamento, pois vinha sofrendo ameaças, ciúmes excessivos e outros tipos de violência; se separou, mudou de cidade, e ainda assim continuou sendo perseguida pelo ex-marido, e depois de ter sido negada a Medida Protetiva, Fernanda morreu vítima de Feminicídio.
No experimento social promovido por essa reportagem, somente cinco pessoas num total de setenta, interviram em uma situação de violência contra a mulher ocorrida no meio das ruas de São Paulo, o que prova que os Brasileiros ainda acreditam que “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.
Conforme preceitua o §7º do art. 121 do CPB, também inserido pela Lei do feminicídio, a pena nos crimes de feminicídio será aumentada de um terço até a metade se o crime for praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de 14 anos, maior de 60 anos ou com deficiência física ou mental e na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
A variação de 1/3 à metade deve ser aplicada conforme cada caso concreto. Compete ao juiz valorar cada situação concreta para dosar proporcionalmente o aumento. No caso da gestação, quanto mais próximo do parto, mais aumento; quando mais perto do parto já feito, mais aumento (até o limite dos 3 meses); quanto menos idade, mais aumento; quanto mais idosa a mulher, mais aumento; na deficiência, compete ao juiz valorar o grau da deficiência etc. (BIANCHINI, GOMES, 2015)
O art. 2º da Lei 13.104/15 alterou o artigo 1º da Lei 8.072/90, para incluir o feminicídio no rol dos crimes hediondos “quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º. I, II, III, IV, V e VI)”. (BRASIL, 2015). Bianchini e Gomes dizem que não se deve confundir o feminicídio como crime equiparado a hediondo, como nos casos de tortura, tráfico de drogas e terrorismo; o feminicídio é genuinamente um crime hediondo, porém, essa regra só vale para crimes cometidos a partir de 10 de março de 2015, que foi quando essa lei entrou em vigor, e por ser uma lei mais gravosa não pode retroagir em desfavor do agente.
A rigor, o feminicídio já poderia (e, em alguns casos, já era) classificado como crime hediondo (homicídio por motivo torpe, fútil etc.). Afinal, não há como negar torpeza na ação de matar uma mulher por discriminação de gênero (matar uma mulher porque usa minissaia ou porque não limpou corretamente a casa ou porque deixou queimar o feijão ou porque quer se separar ou porque depois de separada encontrou outro namorado etc.). Mas esse entendimento não era uniforme. Daí a pertinência da nova lei, para dizer que todas essas situações configura indiscutivelmente crime hediondo. Nos crimes anteriores a 10/3/15 o motivo torpe continua sendo possível. O que não se pode é aplicar a lei nova (13.104/15) para fatos anteriores a ela (lei nova maléfica não retroage). (BIANCHINI, GOMES, 2015)
Rodrigues afirma também que não houve redução das mortes de mulheres em decorrência da qualificadora do feminicídio, mas não se deve pensar que por isso a lei foi inoperante, pois nestes três anos da sua criação, que nas palavras dela, ainda é um período pequeno, temos um ponto positivo que é a ajuda da imprensa na divulgação do assunto da forma correta que ele deve ser tratado, promovendo o debate sobre ele, e os maiores ganhos do feminicídio são que antes o réu era denunciado por um homicídio qualificado praticado contra a sua esposa, com a qualificadora do motivo fútil, por exemplo, onde o agressor tinha uma mera discussão com a vítima e atirava na mesma; a defesa invertia os papéis chamando a vítima de vagabunda, dizendo que ela não cozinhava direito, não cuidava dos filhos e etc. Transformava em causa social de diminuição de pena, tendo em vista que o motivo fútil é de natureza subjetiva e, portanto era tombado pelo privilégio, transformando a condenação em homicídio simples privilegiado, com pena máxima de quatro anos, e o réu saía do plenário sorrindo e “dando tchau” para a família da vítima. “Com a qualificadora do feminicídio, isso acabou, porque ela é de natureza punitiva. Se ainda assim, tiver o motivo fútil que é compatível com o feminicídio, e a defesa e o conselho de sentença sustentarem o privilégio, cai o motivo fútil, mas não cai o feminicídio que como foi dito, é de natureza punitiva”.[17]
4. Proposta de Emenda à Constituição nº 246 de 16 de junho de 2016
Em 16 de junho de 2016, a Senadora Marta Suplicy do Partido dos Trabalhadores (PT) de São Paulo, apresentou à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de nº 246/16, originária da PEC 43/2012, que “Altera o art. 203 da Constituição Federal para incluir o amparo à mulher vítima de violência entre os objetivos da assistência social”. (BRASIL, 2016)
Hoje a Constituição prevê, como objetivos da assistência social, a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; o amparo às crianças e adolescentes carentes; a promoção da integração ao mercado de trabalho; a habilitação e a reabilitação das pessoas com deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária. Para a senadora, a mulher vítima de violência também merece proteção do Estado. (BRASIL, 2016)
A tramitação se deu em regime especial, de acordo com o artigo 202 c/c 191, I, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD). Vejamos:
Art. 191. Além das regras contidas nos arts. 159 e 163, serão obedecidas ainda na votação as seguintes normas de precedência ou preferência e prejudicialidade: I – a proposta de emenda à Constituição tem preferência na votação em relação às proposições em tramitação ordinária; (BRASIL. 1989, p. 155).
Art. 202. A proposta de emenda à Constituição será despachada pelo Presidente da Câmara à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que se pronunciará sobre sua admissibilidade, no prazo de cinco sessões, devolvendo-a à Mesa com o respectivo parecer. (BRASIL. 1989, p. 170).
Através do Deputado Luiz Couto (Partido dos Trabalhadores (PT) de Pernambuco (PE)), Deputado Delegado Edson Moreira (Partido da República (PR) de Minas Gerais (MG)) e do Deputado José Fogaça (Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) do Rio Grande do Sul (RS)), a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) aprovou o parecer da Relatora Deputada Soraya Santos, a qual votou pela admissibilidade da PEC 246, em 20 de setembro de 2016.
A relatora da matéria, Deputada Soraya Santos (PMDB-RJ), apresentou parecer pela admissibilidade da PEC 246/16, que pretende expandir a prestação da assistência social também para o amparo à mulher vítima de violência, além das crianças e adolescentes carentes cuja assistência social já era assegurada no inciso II do art. 203. A PEC contribui para o movimento já existente no Congresso Nacional de fortalecer o apoio à mulher vítima de violência, além da busca pela maior punição aos agressores e pela implementação de políticas públicas que diminuam os casos de violência doméstica no Brasil. (GOEDERT, 2016)
Em 21 de setembro de 2016, a Coordenação de Comissões Permanentes (CCP), recebeu o parecer da CCJC, favorável à admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição nº 246/2016, nos termos do Parecer da Relatora, Deputada Soraya Santos, e o enviou para a publicação no Diário da Câmara dos Deputados, efetivada em 22 de setembro de 2016, nas páginas 104 e 105 do referido diário.
Atualmente a PEC 246/16 está aguardando a criação de uma Comissão Temporária pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, para ser apreciada em Plenário.
De acordo com Laura Aguiar, após o surgimento da Revolução Industrial, a maioria das mulheres ingressou nos meios acadêmicos, no mercado de trabalho, e a invenção das pílulas anticoncepcionais concedeu a elas liberdade de escolha sobre ter ou não ter filhos, e se sim, a quantidade desejada por cada uma. Aguiar diz que têm se falado abundantemente sobre as conquistas das mulheres na sociedade, mas ainda assim, existem mulheres sendo absurdamente agredidas e violadas em seus direitos, e quando as autoridades competentes do seu Estado não as resguardam destas violações, a Proteção Internacional dos Direitos Humanos necessita ser acionada.
A Declaração Universal dos Direitos dos Humanos de 1948 é um diploma que pertence ao movimento de internacionalização dos Direitos Humanos.
Ela é o reconhecimento universal dos valores da igualdade, fraternidade e liberdade. Entretanto, tal diploma carece de executividade, pois a violação de suas regras não trás como penalidade a aplicação de normas internacionais, portanto, é apenas uma recomendação de princípios, e não um tratado internacional. (AGUIAR, 2016)
Aguiar discorre que a Proteção Internacional dos Direitos Humanos surgiu na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 (DUDH), após o choque da Segunda Guerra Mundial, em detrimento das violações advindas desse período e que motivou as Nações Unidas a tomarem uma posição em relação à dignidade da pessoa humana, denominados Direitos Humanos de Terceira Geração, pois anteriormente a isso, os métodos existentes não eram suficientes para tratar do assunto. A DUDH reconhece universalmente os valores da igualdade, fraternidade e liberdade, no entanto, essa declaração não aplica as normas internacionais como penalidade na violação de suas regras/princípios, o que faz pensar que suas regras são apenas recomendações.
Segundo Desirée Evangelista, a Comissão Interamericana sobre as Mulheres (CIM), elaborada em 1928 para a América Latina, foi o primeiro órgão internacional a se encarregar dos direitos humanos das mulheres. Através da CIM é que se realizou o projeto da Convenção Interamericana sobre a Nacionalidade das Mulheres, o qual foi aderido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), no ano de 1933. Olympe de Gouges foi uma das mais famosas propositoras do movimento das mulheres a favor da libertação e igualdade; foi ela quem criou a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, e por tal motivo foi condenada à guilhotina juntamente com muitas de suas partidárias.
Em 1979, foi adotada a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher, homologada por 186 Estados (2010). Esta apresenta um elevado índice de reconhecimento por parte dos países envolvidos apenas perdendo para a Convenção sobre os Direitos da Criança, que, por sua vez, conta com 193 Estados-partes (2010). (EVANGELISTA, 2016)
Conforme afirma Evangelista, apenas na década de 70 é que as diversas desigualdades praticadas diariamente, a miséria entre mulheres e o preconceito contra meninas fez com que as Nações Unidas decidissem dar início a Década para as Mulheres das Nações Unidas: Igualdade, Desenvolvimento e Paz, ocorrida entre 1976 a 1985, resultando na adoção da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW).
A CEDAW é o resultado das súplicas do movimento das mulheres, desde a primeira Conferência Mundial sobre a Mulher, que se realizou no ano de 1975, no México, e foi a Convenção que mais obteve ponderações dos Estados subscritores, sobretudo em temas relacionados à igualdade entre homens e mulheres na esfera doméstica. Os países de tradição dominadora, afirmam que o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, exerce dominação cultural e incomplacência religiosa, ao instituir seu ponto de vista em relação a igualdade entre homens e mulheres, principalmente dentro do convívio familiar.
Tal argumento fortifica o quanto a implementação dos direitos humanos das mulheres está sujeita à separação entre os espaços público e privado, que, em muitas realidades, estabelece a mulher ao espaço exclusivamente doméstico da casa e da família. Entretanto essa questão está sendo solucionada com a entrada da mulher em várias áreas antes consideradas espaço apenas para homens, como o mercado de trabalho e política, bastando apenas a democratização no espaço privado. (EVANGELISTA, 2016)
O Comitê CEDAW evidencia que a violência doméstica é uma das mais traiçoeiras formas de violência contra mulher, e está instituída em todas as sociedades sem distinção. Evidencia ainda que mulheres de todas as idades vêm sofrendo deste mal nas suas mais diversas formas, seja violência física, sexual, psicológica e outras mais naturalizadas culturalmente. Evangelista relata que a dependência financeira é um dos motivos que faz com que certas mulheres permaneçam nesse tormento. Tais violências expõem essas mulheres a problemas e riscos de saúde, além de impedir que elas atuem com igualdade na vida pública e até mesmo nas decisões familiares.
Evangelista salienta que tanto a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra a Mulher, de 1993, quanto a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, denominada Convenção de Belém do Pará, aprovada em 1994 pela Organização dos Estados Americanos (OEA), sustentam que a violação dos direitos da mulher, seja no âmbito público ou privado, concebe uma transgressão dos direitos humanos, restringindo a prática dos outros direitos fundamentais à vida humana.
Ainda conforme explicita Evangelista, a Conferência Mundial de Direitos Humanos em Viena, em 1992, também identifica que os direitos das mulheres são caracterizados como direitos humanos. Na Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, aprovada pela Resolução da ONU 48/104 de 1993, a violência psicológica foi instituída como forma de violência contra a mulher; a Convenção para prevenir, punir e erradicar a violência contra mulher da OEA, diferenciou a violência psicológica da violência física e sexual.
A Organização Pan-Americana de Saúde define a violência psicológica como “Toda conduta que ocasione dano emocional, diminua a autoestima, prejudique ou perturbe o sadio desenvolvimento da mulher ou outro integrante da família (...)”. Alguns países deram definições parecidas para a violência psicológica, são os casos do México na Ley General de Acceso de Las Mujeres a una vida libre de Violencia, de 2007; Argentina nos artigos 4° e 5° da Ley de Protección Integral a Las Mujeres, de 2009, Uruguai, Bolívia, Panamá, Honduras, Venezuela e outros mais.
4.1. A Lei que descriminaliza a violência doméstica na Rússia
Consoante relata Carol Castro, Margarita Gracheva, uma cidadã russa de 25 anos, foi maltratada e ameaçada pelo marido e ligou para a polícia na ânsia de ser protegida, porém, além de nenhum policial ter se deslocado até a sua residência, só obteve uma resposta das autoridades depois de 18 dias de sua ligação, e somente propuseram conversar com o agressor sobre o fato, mas sem lhe dar nenhum tipo de proteção. O resultado disso é que depois de dois meses da conversa com a polícia russa, o marido de Gracheva cortou as duas mãos dela com um machado.
Gracheva é só uma das 16 milhões de russas que sofrem violência doméstica por ano no país da Copa do Mundo – a cada hora, 1.370 delas apanham de seus maridos. No Brasil, a estatística é quase três vezes menor, ainda que seja alto: cerca de 500 brasileiras são agredidas por hora, de acordo com pesquisa do Datafolha. (CASTRO, 2018)
Castro denuncia também que quase não ocorrem manifestações na Rússia, devido ao fato de estas necessitarem de autorização prévia e poucas vezes estas autorizações são concedidas. Ela assegura que as mulheres e meninas russas têm mais risco de sofrer violências em casa e não na rua, e que a realidade delas parece ser ainda mais difícil do que a realidade das brasileiras, no quesito violência contra as mulheres. Castro explica que a questão de gênero na Rússia, não tem sido de relevância para muitos dos governantes, inclusive, para os mais rigorosos deve-se valorizar o respeito à família acima de qualquer coisa.
Foi no encalço desse posicionamento que Yelena Mizulina, que há mais de 20 anos é membra do Parlamento Russo, e apesar de mulher, criou em conjunto com a deputada Olga Batálina, a polêmica Lei denominada pela população como “Lei do Tapa”, a qual descriminaliza alguns tipos de violência doméstica, permitindo ao homens usarem de violência para com sua esposa, desde que as vítimas não precisem ser hospitalizadas, nem tenham partes do corpo quebrada/deformada, e desde que essa agressão aconteça só uma vez por ano; o mesmo vale para a violência com os filhos. A polícia só irá prender o agressor nos casos gravíssimos de agressão física; os casos de violência psicológica, moral, patrimonial e até mesmo violência física mais branda, não serão objeto de resolução pelas autoridades.
Nos casos de agressões repetidas os acusados enfrentam uma multa até 40 mil rublos (621 euros), serviço comunitário obrigatório até seis meses ou uma pena de prisão até três meses. O delito administrativo para agressões físicas pela primeira vez prevê uma multa de até 30 mil rublos (466), prisão até 15 dias ou serviço comunitário obrigatório até 120 horas. (TOMÁS, 2017)
O porta voz do Parlamento Russo (Duma), Vyacheslav Volodin, revelou aos jornalistas da agência Tass que em sondagem a população Russa, 59% dos interrogados na sondagem revelaram ser contra aplicação de penas severas nos casos de conflitos familiares que não deixassem seqüelas danosas ou lesões de maior gravidade. Diante disso é que o Parlamento Russo aprovou a descriminalização da violência doméstica com 380 votos contra três.
Esta lei faz com que a Rússia se torne no país da Europa com a legislação sobre a violência doméstica mais permissiva. E isto acontece à revelia das sugestões da ONU e do Centro Anti-Discriminação “Memorial”, que classificam os esforços para acabar com as práticas tradicionais de violência doméstica como “insuficientes”. (TOMÁS, 2017)
Alena Popova explica que nos casos em que o agressor tenha conta conjunta com a vítima, e ele não pagar a multa judicial, é a vítima quem acaba pagando, pois a justiça envia a cobrança pra ela. O dinheiro das multas é direcionado para um fundo, que segundo Popova, não se sabe com o que o judiciário gasta. Ela afirma ainda que casos em que a mulher paga a dívida judicial do agressor, são casos bem comuns, tendo em vista que 20 milhões de pessoas estão em situação de pobreza na Rússia, sendo que a maioria desse total, são mulheres, o que faz com que muitas delas não cogitem o divórcio, já que uma boa parte dos homens russos, nos casos de separação, deixam a família em desamparo sem pagar pensão.
Para mudar o cenário de violência da Rússia, garantindo que as mulheres tenham seus direitos protegidos, evitando mais casos de feminicídio e violações como o de Gracheva, o que nas palavras de Popova não será fácil, visto que as mídias Estatais que dominam a Rússia conseguem convencer a população de que o feminismo e a luta das mulheres por igualdade são os culpados de todos os problemas, inclusive pelos divórcios, Popova ajudou a escrever o Projeto de Lei para proteger as vítimas de violência doméstica, com o apoio de Oxana Pushkina, membra do Parlamento Russo. Ela explica que atualmente as leis russas protegem os agressores, enquanto as mulheres precisam provar que são vítimas, para tentarem conseguir alguma proteção.
As poucas mulheres que se uniram contra a lei sofreram retaliações. O movimento feminista na Rússia é recente e não tem força como no Brasil. As leis só permitem protestos individuais. Grupos podem protestar, mas só podem ser feitos com a autorização do governo. A ativista Alyona Popova foi presa seis vezes. (PRADELLA, NEVES, 2018)
As mulheres russas ainda vivem em uma sociedade conservadorista, onde acreditam que o homem que bate é porque ama. Débora Pradella e Alice Bastos Neves revelam que 14 mil mulheres morrem por ano na Rússia através de violência doméstica, e a cada 40 minutos, uma mulher russa morre assassinada. Pradella e Neves contam que mesmo a legítima defesa não tem perdão na Rússia, e ao tentar se defender a mulher vítima pode acabar machucando o agressor e sofrendo as penalidades, como demonstrado no caso de Alina Katarava que após ser agredida pelo marido que tentou enforcá-la, ela acabou matando-o na tentativa de defesa, o que foi comprovado em seu julgamento, mas ainda assim Katarava ficou presa por três anos. Vítimas idosas de aproximadamente 90 anos, também foram condenadas porque foram julgadas culpadas das agressões sofridas de seus filhos.
Em entrevista a Débora Pradella e Alice Bastos Neves, Ksenia Motina disse que o governo Russo não tem meios oficiais para defender as mulheres quando elas se divorciam, então elas têm que arcar com as conseqüências da separação, caso ocorra.
Com tanta violência, uma das únicas formas de amparo são os centros de acolhimento. O pequeno Kitezh fica no subúrbio de Moscou e funciona junto a um monastério. Em quatro anos, já recebeu 300 mulheres e crianças que sofreram violência. Hoje, tem apoio de empresas privadas e presta auxílio médico, jurídico e psicológico para mulheres. (PRADELLA, NEVES, 2018)
De acordo com Pradella e Neves, o Centro Kitezh conta com apenas cinco funcionários, mas desenvolve um trabalho fundamental no acolhimento das vítimas. O endereço não é divulgado para manter a segurança das vítimas e também dos funcionários, já que uma funcionária de um centro na Sibéria foi assassinada, e um dos maridos agrediu uma freira do monastério em Kitezh. Infelizmente algumas dessas vítimas abrigadas quando melhoram voltam para os maridos agressores, recomeçando o ciclo de violência.
4.2. Retratos da violência de gênero na Europa
Álvaro Sánchez revela que na União Européia (UE), mais ou menos 27% dos cidadãos Europeus julgam que em alguns casos, o abuso sexual é justificável. Segundo ele, para cada três europeus, quase um deles entende que o fato de uma mulher fazer uso de drogas ou bebidas em excesso ou se vestir de uma maneira, que segundo eles é evocativa ao sexo, isso poderia justificar o sexo sem consentimento; acreditam ainda que se elas convidarem o homem que as está acompanhando para irem até suas casas, não resistirem fisicamente ou não disserem “não” de forma clara, também é justificável o ato.
A pesquisa, que está baseada em 27.818 respostas obtidas pessoalmente nos 28 países da UE em junho passado, e que foi publicada na véspera do Dia Internacional pela Eliminação da Violência contra as Mulheres também mostra que, apesar de que a percepção em relação à violência de gênero é cada vez mais negativa, o problema não desaparece. Assim, embora 96% dos europeus afirmem que a violência doméstica é inaceitável em qualquer caso, 22% revela que sofreu agressões físicas ou sexuais em casa cometidas por seu parceiro. (SÁNCHEZ, 2016)
Sánchez conta que 95% dos entrevistados entendem que de forma alguma deve haver contatos inapropriados em colegas de trabalho, porém, a pesquisa revelou que três de cada quatro mulheres no cargo de direção de empresas passaram por essas situações em algum momento. Apesar da maioria dos homens entrevistados dizerem que se opõem a fazer comentários sexuais com as mulheres na rua, em torno de 24% das Europeias afirmam já ter passado por isso alguma vez. Sánchez relata que apesar de meninas e mulheres afirmarem já ter sido vítimas de violência sexual ou psicológica, 15% dos homens entrevistados pensam que esse infortúnio deve ser tratado dentro das relações familiares, sem publicidade. “Uma opinião que tem mais adeptos nos países do Leste”. (SÁNCHEZ, 2016)
Os europeus não são estranhos à existência desses atos em seu ambiente imediato: um em cada quatro afirma conhecer uma mulher vítima de abuso, mas dos 71% que decidem discutir isso com alguém, só uma minoria entra em contato com a polícia, e preferem resolver o tema com amigos ou parentes. (SÁNCHEZ, 2016)
O Instituto Europeu para Igualdade de Gênero calcula que a violência contra as mulheres, no que diz respeito à saúde, a justiça, as horas de trabalho perdidas e as benesses sociais, traz um gasto econômico em torno de 226 bilhões de euros por ano. “En 2004, la france comptait environ 53 000 femmes adultes qui avaient subi une mutilation sexuelle (hypothèse moyenne). neuf victimes sur dix ont été excisées avant l'âge de 10 ans.” (FRANCE, 2018)[18]
Gabriela Cañas afirma que os dados oficiais de 2014 divulgaram que a cada três dias uma mulher Francesa é morta em decorrência da violência de gênero, e que 143.000 crianças residem em casas juntamente com mulheres que sofrem esse tipo de violência. “Todo ano, estima-se que em média 223.000 mulheres sejam vítimas das formas mais graves de violência conjugal”. (CAÑAS, 2016). Os casos de estupros tentados e consumados somam 84.000 vítimas por ano.
A sensibilidade diante da violência machista é muito alta na França. A porcentagem de mulheres que consideram ter sido vítimas de violência física é de 44%, a quinta mais alta da União Européia, segundo a Agência de Direitos Fundamentais da UE. Os primeiros postos são ocupados por Dinamarca, Finlândia, Suécia e Holanda. A média Européia é de 33%. Cerca de 13% das Européias sofreram assédio sexual no último ano. Na França, 18%. (CAÑAS, 2016)
Segundo Cañas, na França no ano de 2014, o número de mulheres vítimas de violência doméstica foi quase cinco vezes mais alto que o número de homens; enquanto 134 mulheres foram mortas por seus maridos ou ex-maridos, 31 homens morreram vítimas de violência doméstica, o que também é inaceitável, mas essa diferença exorbitante só elucida a cultura social machista da França. Como exemplo ela cita o caso de Jacqueline Sauvage que matou o marido com três tiros após ter suportado 47 anos de constantes violências, além de vê-lo abusar também das filhas e do filho do casal. Jacqueline foi condenada em primeira e segunda instâncias pelas Leis Francesas, pois não consideraram o crime como legítima defesa.
Cañas também relata que a sociedade francesa clama por mudanças nas legislações, para que possam incorporar a síndrome da mulher maltratada como atenuante do crime. “36 legisladoras são a favor de revisar a lei”. (CAÑAS, 2016).
[...] mas a França quer ir mais longe e inserir na legislação atenuantes para as mulheres maltratadas.
Essa legislatura termina em apenas seis meses. É provável que o projeto de lei apresentado em março fique para outro momento, mas a ideia já se instalou na Assembleia Nacional. Trata-se de considerar como atenuante a síndrome da mulher maltratada, como ocorreu no Canadá. A síndrome é a incapacidade da pessoa de sair por si só da situação. Por causa dela, tantas maltratadas não denunciam seus agressores, paralisadas pelo medo e a dominação do outro. São incapazes de reagir, enterradas pela depressão e a falta de autoestima. (CAÑAS, 2016)
Cañas afirma ainda que todos do povoado de Selle-sur-le-Bied, onde Jacqueline e a família moravam, conheciam os atos violentos de seu marido Norbert Marot, inclusive os vizinhos tinham medo dele. “Jacqueline Sauvage afirmou no tribunal que apanhava de Norbert em média três vezes por semana e que ignorava que, ao empunhar a carabina, seu filho Pascal, que havia fugido de casa, tinha acabado de se suicidar”. (CAÑAS, 2016).
Nos últimos cinco anos de relacionamento conjugal, Jacqueline foi parar no hospital por quatro vezes devido às agressões sofridas de Norbert, mas conforme explica Cañas, ela nunca fez uma denúncia formal contra o marido, o que acabou prejudicando-a em seu julgamento no tribunal, além do fato que as leis Francesas consideram que a legítima defesa é praticada no momento do ato agressivo, no calor da emoção de maneira proporcional, o que não aconteceu no caso de Jacqueline Sauvage, resultando em uma pena de 10 anos de prisão. Inconformada com a decisão dos tribunais, uma parte da sociedade francesa conseguiu cerca de 400.000 assinaturas pedindo o perdão judicial para Sauvage. Com isso o presidente da França, François Hollande, foi obrigado a receber a família de Jacqueline Sauvage e outorgou um perdão parcial para ela; infelizmente isso não a colocou em liberdade automaticamente.
Cañas cita as palavras do porta voz do site Osezle Féminisme, Raphaëlle Rémy-Leleu, o qual disse que “A França deve reconhecer o feminicídio e aplicar a presunção de legítima defesa no caso de uma mulher maltratada, já que essa mulher está em perigo de morte iminente”. Ela conta ainda que o movimento de apoio a Jacqueline Sauvage arrastou políticos de todas as convicções, entre eles estão Daniel Cohn-Bendit e Jean-Luc Mélenchon que são esquerdistas, Anne Hidalgo, prefeita do partido socialista, e Nathalie Kosciusko-Morizet, candidata da direita que inclusive visitou Sauvage na prisão. Apesar da França ser um país onde mais de 130 mulheres morrem por ano e outras 200.000 passam pela mesma situação de Sauvage, a violência de gênero não é muito debatida pela população, porém, segundo Cañas, o caso de Sauvage abriu espaço para o entendimento e o debate sobre o assunto.
De acordo com Elisa Castillo, o único país da União Europeia que não pune o assédio sexual é a Hungria. A Bulgária não tem leis para condenar o estupro conjugal e apesar de não pertencer ao continente Europeu, o Líbano (Ásia), a Tunísia (África) e a Jordânia (Ásia) já não concedem mais perdão aos estupradores que se casam com suas vítimas. Nas palavras de Castillo, apesar de a Europa ser o continente que mais penaliza a violência de gênero, a Rússia se tornou o país mais perigoso para as mulheres após aprovar a Lei do tapa, descriminalizando a violência de gênero. Em regra, a África Subsaariana, denominada como África Negra pelos povos ocidentais, a Ásia Meridional ou Sul Asiático, e o Oriente Médio são os continentes com menos garantias de direitos para as mulheres.
Este ano, dois casos se destacam especialmente: o russo e o tunisiano, ainda que por motivos opostos. A Rússia, um país onde uma mulher é assassinada a cada 40 minutos, descriminalizou a violência de gênero no início deste ano, reduzindo a pena a uma mera sanção econômica. Já o Parlamento da Tunísia, ao contrário, adotou neste verão a lei contra a violência de gênero mais ambiciosa do mundo árabe, que pune todos os tipos de agressões sexistas e o assédio sexual. (CASTILLO 2017)
O Instituto Europeu de Igualdade de Gênero, a agência da União Européia responsável por informar com precisão os dados sobre igualdade de gênero, passou a medir a violência contra as mulheres em cada país através da preponderância, da inflexibilidade e de sua externação, e atribuiu uma pontuação para cada país. De acordo com a pontuação de 2017, Portugal é um dos Estados membros da UE onde menos ocorre esse tipo de violência.
A agência, com sede em Vilnius, Lituânia, quis encontrar “uma imagem mais matizada da violência contra as mulheres”. A escala vai de um a cem: quem obtém um ponto está livre de violência contra as mulheres, quem obtém 100 está recheado.
A média da União Europeia é 27,5, conforme o relatório divulgado esta terça-feira, a antecipar o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que se celebra no dia 25 de Novembro. Portugal obteve uma pontuação de 24,5. Mais baixo só a Polónia (22,1), a Eslovénia (22,4) e a Croácia (23,2). A pior pontuação foi obtida pela Bulgária (44,2), sobretudo, pela elevada percentagem de mulheres que nunca se atrevera a contar o que lhe acontecera (48,6). (PEREIRA, 2017)
Ana Cristina Pereira explica que de acordo com Sofia Fernandes, da Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres, é preciso analisar estes números com certo acautelamento, afinal foram baseados também na inquirição de populares, pela Agência dos Direitos Fundamentais em 2012, o que significa que é uma análise subjetiva dependente da percepção cultural/social que cada inquirido tem sobre o que é violência ou não. Como exemplo ela cita a pontuação da Suécia, 29,7%, que apesar de ser uma pontuação elevada, não significa que há mais violência no país, e sim pelo fato de existir mais igualdade de gênero e um maior discernimento sobre o que é ou o que não é violência.
O novo indicador de violência contra as mulheres não faz parte do índice de igualdade de gênero. É um satélite. "A violência contra as mulheres é tanto uma causa como uma consequência da desigualdade de gênero”, diz Virginija Langbakk, directora do Instituto Europeu de Igualdade de Gênero, no relatório. (PEREIRA, 2017)
Pereira expõe que uma em cada quatro Portuguesas confessou já ter sofrido algum tipo de violência de gênero, após completar seus 15 anos, e os agressores eram na maioria das vezes, seus parceiros e/ou ex-parceiros. Pereira relata que 66% das vítimas tiveram problemas de saúde/bem-estar, em decorrência disso, e ainda assim, 13,4% revelaram nunca ter contado sobre a violência pra ninguém, nem ter procurado a polícia para denunciar.
4.3. Retratos da violência de gênero na África
Elisa Castillo relata que particularmente na África Subsaariana e na Ásia, as mulheres casadas que sofrem violência sexual de seus maridos, ficam completamente desamparadas, pois o estupro conjugal não é criminalizado, e que a Suprema Corte Indiana decidiu que as relações sexuais sem consentimento entre marido e mulher, serão consideradas como estupro somente nos casos em que a mulher for menor de idade.
Kulingana na Wanawake wa Umoja wa Mataifa, ingawa Afrika imeundwa na nchi zote za kipato cha chini na katikati, viwango vya umasikini bado viko juu. Wanawake wengi hufanya kazi kwa salama, na mishahara ya chini na nafasi chache za maendeleo. Uchaguzi wa Kidemokrasia unaongezeka na idadi ya rekodi za wanawake imeweza kupata viti. Lakini vurugu inayohusiana na uchaguzi ni ya wasiwasi mkubwa.
Mtaalam wa maendeleo ya kujitegemea Mabel Chiluba, mji mkuu wa mji mkuu wa Lusaka wa Zambia, anasema mgogoro unaowakabili wanawake na wasichana wa Afrika ambao wamekuwa wakiteswa wanahitaji tahadhari ya haraka kutoka kwa viongozi wa bara. (MOYO, 2018)[19]
Julia Braun explica que Ruanda é o país que mais representa as mulheres na política; 61,3% dos componentes de seu Congresso Legislativo são mulheres. Após o genocídio de milhares de pessoas na guerra civil ocorridos na década de 90 entre os Hutus e os Tutsis, muitos homens Ruandeses morreram assassinados, outros fugiram do país ou foram presos no conflito. Segundo Braun, por este motivo e pela necessidade de reconstruir o país, a mulheres que até então não ocupavam mais que 15% do parlamento, passaram a ocupar posições de liderança não só na política, mas em variadas áreas. O governo Ruandês aprovou leis de cotas que obrigavam os distritos a elegerem duas mulheres para legislar, e ainda há uma segunda cota que obriga os partidos a nomearem uma candidata mulher para cada três candidatos do sexo masculino. “Ruanda alcançou um feito histórico: elegeu mais deputadas do que deputados nas últimas eleições parlamentares de 2013”. (BRAUN, 2018). Em 2008, Rose Mukantabana foi a primeira mulher eleita presidente da Câmara dos Deputados em Ruanda, explica Braun.
O modelo de cotas é implantado em muitas outras nações africanas que possuem um sistema político de lista fechada. A igualdade no Legislativo, contudo, não significa necessariamente o fim da discriminação e do machismo. Em Ruanda, por exemplo, os dados mais recentes indicam que apenas 37% das mulheres completaram os primeiros anos do ensino secundário. Porém, ainda é difícil medir o impacto da representação política feminina na qualidade de vida das cidadãs, já que as mudanças aconteceram apenas recentemente. (BRAUN, 2018)
Edna de Fátima Gonçalves Alves do Nascimento, Adalgisa Peixoto Ribeiro e Edinilsa Ramos de Souza afirmam que os serviços de saúde de Angola raramente identificam os casos de violência conjugal, e grande parte dos profissionais da saúde tratam somente das lesões físicas que estão aparentes nas vítimas, e em alguns casos as aconselham a denunciar o agressor. Na triagem de alguns hospitais angolanos, a mulher é examinada e se houver suspeita de agressão, é feita uma investigação para a confirmação e para descobrir o motivo desta ocorrência. Quando o atendimento é superficial, sem que a vítima seja encaminhada aos locais de acolhimento psicológico e social, a prevenção e o rompimento do ciclo da violência ficam automaticamente dificultados.
Em Angola, no período pós-guerra, a reintegração dos ex-combatentes foi um processo complexo, pois eles regressaram às suas comunidades sem emprego e com a família liderada, protegida e sustentada economicamente pelas mulheres. O fato de o homem não satisfazer às expectativas como provedor da família e de a mulher ter uma condição salarial superior pode constituir um risco para a violência, levando-o a impor sua autoridade pela força física, pois essa situação é uma ameaça à sua identidade masculina e representa uma quebra das regras e crenças de que o homem não deve ser sustentado pela mulher. (NASCIMENTO, RIBEIRO, SOUZA, 2014)
Os motivos para as agressões conjugais do homem contra a mulher são decorrentes da negação da mulher em ter relações sexuais, desobediência e infidelidade, mal cuidado para com os filhos, estresse, uso de álcool e outros entorpecentes, questionamento financeiro ou questionamento sobre a infidelidade do parceiro. Entretanto, Nascimento, Ribeiro e Souza relatam que os motivos mais acentuados nas situações de violência contra a mulher, são os cenários envolvendo o ciúme, onde a agressão física é comumente usada para solucionar os problemas conjugais. As autoras explicam que a manifestação da violência conjugal contra a mulher na Angola se dá fisicamente, através de queimaduras e diversos tipos de espancamento, violação sexual como coerção do homem contra a mulher, violência econômica, psicológica e, inclusive violência espiritual.
As consequências mais mencionadas do ponto de vista físico foram: traumatismos, hipertensão, queimaduras e morte. Em termos psicológicos ressaltaram: depressão, negligência na procura de serviços médicos, fobias, tentativas e tendência ao suicídio, consumo abusivo de álcool e estresse pós-traumático. Citaram ainda os transtornos psíquicos ao longo da gravidez, as ameaças à saúde do bebê, aborto, partos prematuros e até mesmo a morte da mulher. (NASCIMENTO, RIBEIRO, SOUZA, 2014)
De acordo com o Diagnóstico de Gênero de Angola (DGA), o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU) é o responsável por instituir políticas públicas para garantir a proteção dos direitos da mulher na sociedade e no âmbito familiar, porém este Ministério além de ter um quadro de funcionários bem reduzido e sem as devidas formações sobre a igualdade de gênero e promoção das mulheres, tem tido também inconvenientes financeiros, visto que é o Ministério com o menor benefício orçamentário do governo. Segundo o DGA, uma importante conquista em relação à igualdade de gênero na Angola, foi a outorga da Lei nº 25/11, que é a Lei Contra a Violência Doméstica, onde ainda há a necessidade de executar os dispositivos jurídicos e institucionais para que a implementação da lei seja completa. Ainda conforme o DGA houve grandes avanços nos órgãos governamentais, mas há pouca representatividade das mulheres na Assembleia Nacional e nos governos das províncias.
Os acordos e convenções adoptados por Angola, bem como a aprovação da Lei Contra a Violência Doméstica, permitem a crescente equiparação, em termos legais, entre homens e mulheres. O direito consuetudinário é, no entanto, frequentemente discriminatório em prejuízo da mulher. Cumpre ter atenção para que a aprovação dos instrumentos legais e políticos não encubra as clivagens entre homens e mulheres em termos económicos e sociais. (DIAGNÓSTICO DE GÊNERO DE ANGOLA, 2015, p. 20 e 21)
O Relatório Analítico de Gênero de Angola de 2017, atesta que em 2013 foi autorizado o Decreto de nº 222/13, que trata da Política Nacional para Igualdade e Equidade de Género (PNIEG), e da Estratégia de Advocacia e Mobilização de Recursos para a sua Implementação e Monitorização. A PNIEG acompanha os princípios constitucionais para impulsionar a igualdade de gênero, determinando um posicionamento dirigente para amoldar as leis, políticas e programas já existentes e criação de novos mecanismos de acordo com a necessidade.
A PNIEG representa um compromisso político para a promoção da paridade de género, assente na acção sobre cinco domínios específico relativos ao i) acesso a serviços sociais básicos, como saúde reprodutiva e cuidados para VIH/SIDA, educação primária, técnica e superior, saneamento, água energia; ii) acesso a recursos económicos e oportunidades de emprego formal, garantias de protecção social para as mulheres na economia informal; iii) aumento da participação e representação das mulheres nas instituições governativa locais e nacionais; iv) reforço de mecanismos legais e jurídicos de protecção contra a violência doméstica, e intervenção sob disposições culturais opostas aos direitos das mulheres; finalmente, v) a educação da família e comunidade para minimizar os desequilíbrios de benefícios entre meninos e meninas, e casamentos e gravidezes precoces. (RELATÓRIO ANALÍTICO DE GÉNERO DE ANGOLA, 2017, p. 28)
Sílvia Roque relata que há uma elevada aceitação da violência doméstica na Guiné-Bissau, e que os jovens Canchungo e Bubaque entendem que bater na mulher é uma forma de educá-la, principalmente se não houver diálogo, e que ainda que o homem não tenha razão, dependendo do problema que a mulher causou, pois segundo eles é a mulher quem provoca, esse castigo é justificável. Os jovens Quinhamel entendem que os homens são superiores às mulheres e, portanto podem bater nelas; já os Bissorãs entendem que isso não é educação, mas muitos homens fazem isso quando estão com raiva. Um grupo de jovens mulheres Canchungo disse ser propenso a aceitar apanhar do marido, pois entendem que casamento significa castigo.
Ser mulher não pode ser desligado dos deveres de respeito, obediência, abnegação, fidelidade e de segredo. “As mulheres são humildes, submissas, dóceis”, refere um jovem. Devem “aceitar tudo, todo o sofrimento”, a “mulher deve baixar-se sempre [em relação ao homem] para ter a família unida”, “a mulher deve ter respeito, ser obediente, não fazer desavença pública”: são algumas das prescrições avançadas pelas mulheres, que se autodefinem desta forma. (ROQUE, 2011, p. 29)
Roque afirma ainda que as gerações mais jovens não estão mais aceitando este sofrimento, pois há indícios de novos entendimentos sobre as consequências da violência contra a mulher, inclusive, homens e mulheres afirmaram que os filhos que crescem vendo a mãe apanhar, ficam com ódio de seus pais e/ou podem até ser mais agressivos na fase adulta.
De acordo com Gleyma Lima e Polyanna Rocha, 62% dos meninos Sul-Africanos com mais de onze anos de idade acreditam ser normal fazer sexo com uma mulher sem o consentimento, pois são criados de forma machista e patriarcal, portanto, de cada três Sul-Africanas, ao menos uma irá sofrer o crime de estupro ao menos uma vez em sua vida, sendo que um quarto delas passará por esta horrenda experiência antes de completar 16 anos de idade.
A ONG Philisa Abafazi Bethu, que atua com a prevenção dos abusos sexuais por meio de orientação nas escolas, igrejas das periferias e favelas, concorda que a mulher precisa de mais informação e saber que existem outros meios de recomeçar a vida. “Nosso foco é mostrar para as mulheres e crianças vítimas de abuso sexual e violência doméstica que isso é errado. Elas, na maioria das vezes, nem sabem que isso não é correto, apenas tem noção que é ruim. (LIMA, ROCHA, 2012)
Lima e Rocha afirmam que o agressor, na maioria das vezes, é alguém que convive com a vítima, e que devido ao descaso da polícia Sul-Africana, os agressores acabam ficando impunes, o que gera mais violência. Lima e Rocha dizem que a origem destes estupros, além do machismo, é a pobreza, marginalização dos homens, desemprego e o menosprezo da sociedade.
Ida Jacobs, 37 anos é colaboradora da associação Labour Rights Programme Officer - Women on Farms Project, uma ONG que protege mulheres que sofrem qualquer tipo de abuso nas fazendas da África do Sul. Ela também foi vítima de violência doméstica e estupro, que muitas vezes estão relacionados. Ela conta que várias mulheres não denunciam os agressores porque geralmente existe uma dependência emocional e financeira e também por conta da falta de aceitação da família em relação ao divórcio. (LIMA, ROCHA, 2012)
Segundo explicam Lima e Rocha, desde 1998 existe na África do Sul uma lei para combater a violência doméstica e o estupro, e existe também um banco de dados de DNA no departamento de polícia, mas é necessário uma boa quantidade de material genético como sangue, esperma, saliva e etc, para que a polícia tenha as provas necessárias para análise do estupro.
As sul-africanas vítimas de violência doméstica e estupro contam com órgãos públicos de proteção, Comissão de Direitos Humanos, outra comissão que promove a igualdade entre sexos e até mesmo várias organizações sem fins lucrativos existentes no país. “É comum encontrar anúncios, folhetos e campanhas em lugares públicos ou em comerciais na televisão, rádio que reforçam o compromisso das entidades em oferecer o suporte necessário”. (LIMA, ROCHA, 2012)
O departamento de polícia da África do Sul esclarece que para provar que foi estuprada, a mulher necessita de uma perícia médica, exame de DNA em no máximo seis horas após o ocorrido, permanecer com as mesmas roupas sem tomar banho, manter o cenário de agressão com o máximo de detalhes, além de denunciar o agressor, porém na maioria das vezes, as vítimas têm dificuldade para juntar essas provas.
4.4. Retratos da violência de gênero nas Américas
Anna Willats em entrevista ao Portal do Governo Brasileiro Mulheres Mil, explica que apesar de o Canadá ter leis e ser um país revolucionário, é um país cheio de imigrantes que levam a sua cultura patriarcal junto com eles, e muitas mulheres têm o costume de não denunciar seus agressores, se tornando ainda mais vulneráveis. Ela acredita que a metade das mulheres Canadenses já sofreu violências físicas, verbais, psicológicas e até mesmo racismo, ainda que disfarçado. “É muito difícil estabelecer números, porque cerca de 80% das mulheres que sofre violência nunca denunciou o caso”.
Existem muitos motivos para que as pessoas não falem sobre isso na nossa sociedade. Temos muitas canadenses à margem da sociedade, estão distantes do leito principal. Elas têm medo de relatar para a polícia com o receio de serem deportadas ou são muito jovens e se sentem culpados pelo fato. E tem ainda aquelas com idade mais avançada que cresceram numa época em que as pessoas não costumavam falar sobre tais coisas. (WILLATS, 2009)
Willats explica que em 1983, o estupro conjugal se tornou crime no Canadá e que o governo Canadense tem investido de forma abundante para garantir a proteção das mulheres vítimas de qualquer tipo de violência, conscientizando-as de que podem viver sem ser violentadas. “Outro avanço é a prioridade para as vítimas de abuso. Temos listas extensas esperando abrigos sociais, mas se alguma mulher sofreu uma violência, se houve abuso sexual, ela pode saltar na lista, se tornar prioridade e ir lá para os primeiros lugares”. (WILLATS, 2009). Além disso, Willats afirma que a maioria das universidades Canadenses oferta cursos relacionados à questão de gênero.
As principais vítimas das violências segundo Anna Willats, são aquelas mulheres pobres e marginalizadas, como as indígenas e/ou aborígenes. Estas passam por aterrorizantes problemas de violência no seio familiar e também através de estranhos, pois residem em regiões muito distantes e dependem de carona; situações onde são violentadas ou mortas no trajeto. Tudo isso contribui para que elas tenham outros problemas, como por exemplo, os vícios.
Nos últimos 20 a 30 anos, mais de 500 mulheres indígenas estão perdidas, não se sabe os seus paradeiros ou se foram mortas, estão desaparecidas, sem contato com seus familiares. É uma questão muito séria o desaparecimento dessas mulheres, mas a polícia não leva a sério, não abraça a causa como se fosse algo sério. Simplesmente afirmam que elas estão bêbadas ou fugiram de casa. (WILLATS, 2009)
Willats também relatou que a polícia em Toronto mantém o foco nas pessoas mais pobres, e, portanto, essa mesma polícia pratica violência com as pessoas desabrigadas, que moram nas ruas. O governo Canadense gasta muito dinheiro com solução de crimes ao invés de fazer um trabalho preventivo. Ela relatou o caso de uma mulher que procurou a polícia para denunciar o marido que estava tentando matá-la, inclusive ela entregou para os policiais o revólver com o qual foi ameaçada. Disseram que iriam conversar com o marido e que ela não deveria voltar para casa até então, mas depois de aproximadamente cinco horas de espera sem que nada fosse feito, ela precisou retornar já que havia deixado uma filha deficiente em casa e precisava dispensar a pessoa que estava cuidando dela. Chegando em casa a mulher foi agredida pelo marido com um machado e um martelo, e apesar de sobreviver, ficou muito machucada e com cicatrizes, o que demandou muito tempo até sua recuperação. “Trabalhamos efetivamente para que a polícia tomasse medidas e corrigisse este tipo de conduta, protegendo as pessoas contra a violência. Formatamos um lobby, protestamos para que as autoridades transformassem a violência doméstica em uma prioridade e também exigimos que eles se desculpassem com essa mulher e estabelecessem uma recompensa financeira pelo descaso”. (WILLATS, 2009).
Por ser um país que acolhe imigrantes de todo o mundo, é normal que cada cultural traga suas tradições e que essas tradições não sejam bem vistas por todas as pessoas, mas o respeito e a integridade da mulher estão acima de qualquer cultura. Por isso, em meio às denúncias de assédio sexual na indústria do cinema em 2017, Montreal abriu uma linha telefônica temporária para receber denúncias de assédio sexual na cidade. Entre os dias 19 de Outubro e 6 de Novembro de 2017, foram recebidas 463 ligações. Dessas, 98 se tornaram casos policiais, com boletim de ocorrência. A linha foi fechada devido ao baixo número de ligações recebidas depois de um tempo, mas ainda existem diversos outros canais onde mulheres podem buscar apoio e suporte no país, além do 911 que é a linha telefônica para casos emergenciais em geral. (HI BONJOUR, 2018)
O site da agência Brasileira e Canadense Hi Bonjour, afirma que concernente ao respeito às mulheres, o Canadá é bem mais evoluído que o Brasil, mas ainda há muito que se fazer para melhorar a questão. Em relação à igualdade no trabalho, o governo Canadense tem buscado formas para tratar do assunto e dar suporte às mulheres, já que elas costumam receber menos da metade do salário dos homens, ainda que exerçam a mesma função. “O primeiro ministro do Canadá, Justin Trudeau, dá o exemplo e, ao fazer as nomeações do seu gabinete fez questão de contratar o mesmo número de homens e mulheres, além de dar visibilidade para imigrantes no governo”. (HI BONJOUR, 2018).
Segundo Katherine Baldwin, entre as maiores economias mundiais o Canadá foi considerado em 2012, o lugar mais favorável para ser mulher, devido à criação de leis que promovem a igualdade de gênero e leis contra a violência e a exploração, juntamente com o acesso a saúde e educação de qualidade. De acordo com a Hi Bonjour, o Canadá é classificado como um dos países que mais acolhe mulheres que buscam asilo, em razão de violência doméstica, sexual, casamentos forçados e outros motivos. ”Dentre os países com maior número de requisições estão a Nigéria, o Haiti e o Afeganistão”. (BALDWIN, 2018).
Canada now has a self-proclaimed feminist Prime Minister at the helm of a self-proclaimed feminist government that has conducted gender-based analysis of the federal budget, adopted a Feminist International Assistance Policy , created a Women, Peace and Security National Action Plan , developed a National Housing Strategy , and created the Promising Practices to Support Survivors and their Families funding initiative. These are all very welcome announcements, policies and programs that have been broadly and warmly embraced by civil society. In June 2017 the federal government enacted the Federal Strategy to Prevent and Address Gender-Based Violence , and this was also welcomed by civil society as a step in the right direction. (HANSEN, 2018)[20]
A Canadian Women’s Foundation juntamente com as províncias Canadenses, trabalha com o objetivo de gerar meios para amparar mulheres vítimas de assédio sexual familiar ou no ambiente de trabalho e promover a igualdade de gênero nos diversos setores. “Além dessa fundação, diversas outras apóiam a causa e também buscam dar apoio a mulheres imigrantes, indígenas e LGBT”.
A revista Azmina conta que assim como no Brasil, a cultura machista e patriarcal está enraizada na Argentina e em toda a América Latina, o que resultou na tipificação do assassinato de mulheres pelo fato de gênero como feminicídio em 16 países.
Uma líder indígena está presa há dois anos e meio por participar de um protesto pacífico. A ex-presidente até hoje é chamada por muitos de yegua (que quer dizer égua, mas que significa mesmo é “vaca”.) Uma amiga magrela minha ouvia do namorado que não era bonita porque não era magra como as modelos. Eu sofri violência obstétrica no meu primeiro parto. A namorada de um amigo fugiu de dois homens que tentaram raptá-la em um bairro de classe média alta. Uma amiga foi abordada por uma possível rede de tráfico de mulheres na fila de um banco. A amiga de uma amiga foi drogada no banheiro de uma boate por mulheres também provavelmente ligadas a redes de tráfico. Uma mulher foi condenada por homicídio por ter sofrido um aborto espontâneo em um hospital. Uma menina de 13 anos foi abusada sexualmente quando voltava da escola, de novo em um bairro de classe média alta. Uma menina de 10 anos foi estuprada, engravidou e lhe foi negado o direito de interromper a gravidez. Uma deputada declarou, em sessão, que a mulher não deve ter plenos direitos sobre seu corpo. Eu já ajudei a dar suporte a três mulheres vítimas de violência física – uma delas tinha sido desaconselhada a fazer B.O. pelos próprios policiais que atenderam a ocorrência. Uma mulher que matou o namorado há oito meses já foi condenada – a prisão perpétua. No dia da condenação dela, o assassino de uma menina de 15 anos foi solto – por um tecnicismo. Nos primeiros 5 meses deste ano, houve 114 feminicídios no país. (SOUZA, 2018)
Tanto Brasil como Argentina incluíram o feminicídio como qualificadora do crime de homicídio, porém, enquanto no Brasil a pena é de reclusão de 12 a 30 anos com agravante em situações específicas, na Argentina o feminicídio é punido com prisão perpétua.
O assassinato brutal da jovem argentina, Lucía Pérez, de 16 anos, chocou não apenas seus conterrâneos como também toda comunidade internacional. A jovem foi drogada e estuprada e, segundo a polícia, Lucía faleceu em virtude do empalamento sofrido – um objeto pontiagudo foi inserido na sua vagina e no seu ânus. A barbárie contra Lucía provocou a comoção das argentinas que, na última quarta-feira, 19/10, organizaram uma manifestação para pedir justiça e para que não haja mais Lucías no país. A greve das mulheres foi chamada de #Ni Una Menos, hashtag que alcançou o status de mais comentada mundialmente, às 16h, no dia da mobilização. (MAGALHÃES, 2016)
O movimento “Ni Una Menos” se iniciou em 2015 após as divulgações e protestos em desfavor da violência contra as mulheres, ganhando cada vez mais adeptos da causa. Patrícia Souza revela que desde o ano de 1986, acontece anualmente o Encontro Nacional de Mulheres nos diversos distritos Argentinos. “A 33ª edição do encontro vai ser em outubro, na cidade de Trelew, na Patagônia”.
A confluência desses movimentos e das reivindicações das mulheres ganhou um impulso forte e vem mobilizando cada vez mais pessoas, de cada vez mais setores da sociedade. Nos últimos meses, Buenos Aires foi tomada pela “maré verde”, assim chamada por causa do lenço triangular verde que identifica as mulheres (e homens) a favor do direito de interromper uma gravidez. A Campanha Nacional pelo Direito ao Aborto Legal, Seguro e Gratuito engajou uma parcela enorme da população no debate pelos direitos reprodutivos das mulheres e pelo fim dos abortos clandestinos. (SOUZA, 2018)
Segundo Souza, na Argentina a cada 30 horas uma mulher é vítima de feminicídio. “Talvez os números percentuais sejam semelhantes ou até inferiores aos do Brasil, mas de alguma forma os feminicídios na Argentina parecem se multiplicar com uma velocidade aterradora”. (SOUZA, 2018). Ela afirma que quando há mulheres desaparecidas, conclui-se que elas foram mortas ou traficadas como escravas sexuais, devido às redes de tráfico existentes no país vizinho. Em 2002, Marita Verón de 23 anos foi sequestrada e vendida na Argentina, e apesar de nunca ter sido encontrada, sua mãe Susana Trimarco nunca deixou de lutar para dar visibilidade ao problema e salvar outras mulheres de situações como a de Marita.
De acordo com o Instituto Humanitas Unisinos, todos os dias na Argentina ao menos 50 mulheres sofram algum tipo de violência só pelo fato de serem mulheres e que a cada 1.000 habitantes, 8,7 são vítimas de estupros. Para que a mulher deixe de ser considerada como simples objeto e acabar com os padrões de beleza pré-estabelecidos, algumas cidades Argentinas baniram os concursos de beleza de suas programações.
Como la estadísticas permiten hacer seguimientos de casos, pudo establecerse la frecuencia y la duración de las agresiones. El 23,8% de las mujeres dijo que su maltrato duró más de 10 años y el 40,5% entre 1 y 5 años. La mayor parte de los actos de violencia fueron psicológicos (86,9%), seguidos por los físicos, con el 67,4%. La violencia de género no se resuelve en Argentina, pese a la visibilidad que ha alcanzado en los últimos años. (MOLINA, 2018)[21]
Federico Rivas Molina narra que em 2017, 86.700 mulheres expuseram algum caso de violência física ou psicológica, segundo pesquisas realizadas nos tribunais e nas delegacias da Argentina através do Instituto Nacional de Estatística e Censos (INDEC). Em comparação com 2013 onde os dados coletados, apesar de se basearem em dados parciais, somaram 22.577, ou seja, teve um aumento enormemente significativo. Devido a esses dados todos, a Argentina criou o Cadastro Único de Casos de Violência Contra a Mulher (RUCVM), para divulgar os dados anuais e futuramente possibilitar o confronto das estatísticas. Molina explica que o rastreamento destes números era feitos através de organizações não governamentais, principalmente a ONG Casa Del Encuentro, que se concentra mais quanto ao número de femicídios.
Segundo o último relatório desta ONG, entre janeiro e dezembro do ano passado, 295 mulheres foram mortas por homens, com uma média de uma a cada 30 horas. O número foi o pior desde a primeira inscrição, em 2008, e igualou o recorde de 2013. 51% morreram em casa e 83% a vítima conheceu seu agressor. Os femicídios deixaram, além disso, 3.378 crianças sem seus pais, 66% menores. (MOLINA, 2018)
De acordo com Molina, com o intuito de relatar a violência de gênero em todos os seus aspectos, o Indec coleta os dados gerais da violência, inclusive apurou que 60,2% dos casos noticiados, são representados pelas mulheres com idades de 20 a 39 anos e que 36,9% das agressões foram por parte de seus ex-companheiros. Ele explica ainda que o Indec apurou que 23,8% das mulheres conviveram com a violência por mais de 10 anos e outras 40,5% permaneceu neste cenário por menos de 5 anos. “A maioria dos atos de violência foram psicológicos (86,9%), seguidos pelos físicos, com 67,4%. A violência de gênero não é resolvida na Argentina, apesar da visibilidade que alcançou nos últimos anos”.
Estudiosos afirmam que o feminicídio não é um fato isolado na vida das mulheres, mas é o ponto final da continuidade de um terror, que inclui agressões verbais, físicas e várias manifestações de violência a que as mulheres são submetidas ao longo de suas vidas. Portanto, o assassinato de mulheres não apenas por parceiros íntimos, mas também por parceiros não íntimos, que tenha sido motivado por razão de gênero, é considerado feminicídio. (MAGALHÃES, 2016)
Magalhães afirma que além de criar leis, é necessário a punição adequada dos agressores e trabalhos voltados também para a prevenção destes crimes, para que assim não haja mais nenhuma mulher nestas situações horrendas, que só demonstram o desrespeito dos homens agressores e de parte da sociedade com as mulheres.
São necessários instrumentos para a boa aplicação da lei. Para que não haja mais Lucías Pérez, Eloás Cristina e Daniellas Perez, são necessárias a capacitação cotidiana dos operadores da justiça e dos policiais para que os procedimentos sejam realizados com a devida seriedade, assim como políticas públicas preventivas que privilegiem a proteção da mulher. À nós, mulheres, resta gritar, lutar e sonhar que um dia todo esse pesadelo de violência inaceitável irá acabar. (MAGALHÃES, 2016)
De acordo com David Pereira, a Secretaria do Governo Mexicano relatou que no primeiro semestre de 2018, ocorreram 402 homicídio de mulheres no México, entretanto, a ONU acredita que na realidade os números são bem superiores a isso. O assassinato de Ana Lizbeth, uma menina de oito anos de idade no México foi o fator decisivo para que a ONU, através do Comitê CEDAW elaborasse um relatório requisitando que o governo Mexicano urgentemente adote mecanismos de investigação dos desaparecimentos de mulheres, da prevenção e dos julgamentos dos assassinatos.
No México, segundo o OCNF, o termo representa o "assassinato violento de mulheres cometido por misoginia, discriminação e ódio contra este gênero, em que familiares ou desconhecidos realizam atos de extrema violência brutalidade sobre os corpos das vítimas, em um contexto de permissividade do Estado que, por ação ou omissão, não cumpre com sua responsabilidade a vida e a segurança das mulheres". (MODELLI, 2016)
O Comitê também impôs a prioridade na tramitação dos casos e o devido processamento dos culpados, além de incluir o feminicídio como crime em todos os estados mexicanos e executar políticas públicas para conter o tráfico de mulheres. “A organização internacional apela ainda que as próprias mulheres sejam sensibilizadas sobre os seus direitos e a importância de denunciar qualquer violência de gênero”.
Segundo o último relatório do Observatório do Feminicídio, a maioria das vítimas foram brutalmente assassinadas com recurso a espancamentos, estrangulamento, sufocamento, queimaduras, envenenamentos e ferimentos. Entre 2014 e 2017, cerca de 8.904 mulheres foram assassinadas no México, mas apenas 30 por cento dos casos foram investigados no âmbito do feminicídio. (PEREIRA, 2018)
Lais Modelli conta que em Ciudad Juarez na fronteira com os Estados Unidos desde 1993 começaram a ocorrer assassinatos extremamente violentos de mulheres, cujos corpos eram dilacerados na maioria das vezes e jogados pelas ruas da cidade. “Em quase todos os casos, não se encontram os criminosos, e, por não saberem a quem atribuir os crimes, os jornais os noticiam como "as mortas de Juárez". As mortes são retratadas apenas como homicídios simples”. (MODELLI, 2016). Modelli relata que no ano de 1998, Marcela Lagarde y de Los Ríos, antropóloga da Universidade Nacional Autónoma do México (UNAM), empregou o termo feminicídio pela primeira vez para retratar os assassinatos ocorridos em Ciudad Juárez.
Lagarde estudou a série de mortes na cidade como um fenômeno social e identificou semelhanças entre os casos: eles começavam com um cativeiro prolongado, em que a vítima sofria sadismo sexual, mutilação e morria por asfixia. Em seguida, seus corpos eram abandonados em espaços públicos. (MODELLI, 2016)
Segundo Modelli, a antropóloga atribuía à importância da denominação de feminicídio ao fato de que era necessário colocar em evidência que os assassinatos, ao contrário do que diziam, não eram casos de homicídios simples, mas se tratavam de crimes de ódio contra o gênero feminino. Lagarde se tornou deputada federal no México em 2003 e implementou a Comissão Especial do Feminicídio, para averiguar os crimes contra mulheres em Juárez, transformando o feminicídio em um termo conhecido em todo o México, e em 2007 sugeriu a criação da Lei do Feminicídio no país.
Com base nos estudos da comissão, a antropóloga concluiu que, apesar dos assassinatos em Ciudad Juárez terem características próprias do contexto social local - uma região localizada na fronteira com Estado do Texas onde vivem estrangeiros ilegais de muitos países e há uma disputa constante por poder entre latifundiários e cartéis de drogas - o feminicídio acontece em todo o México e outros países da América Latina. (MODELLI, 2016)
Apesar de a princípio os casos de violência contra mulheres em Ciudad Juárez terem ocasionado uma inquietação na população somente daquelas regiões, a Costa Rica, a Guatemala e a Colômbia, alguns meses depois, também instituíram suas versões da Lei do Feminicídio, sendo seguidas por outros países. “Atualmente, 16 países latinos tipificam o feminicídio: Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Colômbia, Costa Rica, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, Peru, República Dominicana e Venezuela. O Brasil foi o último a fazê-lo, em 9 de março de 2015”. (MODELLI, 2016). Ainda segundo Modelli, o Observatório Cidadão Nacional do Feminicídio (OCNF) considera que desde 2008 em Ciudad Juarez, foram assassinadas mais de mil mulheres, enquanto a Promotoria Especializada em Investigação e Perseguição de Crimes Zona Norte relatou que, entre 1993 a 2013, aproximadamente 1.818 mulheres desapareceram.
Nos Estados Unidos, o Escritório sobre Violência Contra a Mulher (OVW) é líder federal em relação ao incremento da competência nacional para diminuir a violência contra as mulheres, no desenvolvimento da administração da justiça Norte-Americana e na corroboração dos serviços assistenciais às vítimas de violência doméstica. “Em 7 de março de 2013, o presidente Obama sancionou a Lei de Reautorização da Violência Contra as Mulheres de 2013, ou "VAWA 2013". A VAWA 2013 reconhece o poder inerente das tribos de exercer “jurisdição criminal especial de violência doméstica” (SDVCJ) sobre certos réus, independentemente de sua condição de indianos ou não indígenas, que cometerem atos de violência doméstica ou namoro ou violarem determinadas ordens de proteção no país indiano”. Neste ano de 2018, através do programa “Melhorando a Resposta da Justiça Criminal aos Programas de Agressão Sexual, Violência Doméstica, Violência no Namoro e Perseguição”, o OVW divulgou a criação de 54 benefícios para ajudar as vítimas e punir os agressores adequadamente, a fim de combater a violência doméstica. Tais benefícios somam o valor de 32 milhões de dólares americanos.
A OVW também concedeu mais de US $ 35 milhões em subsídios através do Programa de Governos Tribais Indígenas (Tribal Governments Program) em apoio às comunidades de índios americanos e nativos do Alasca para aumentar a capacidade tribal de responder à violência doméstica. O programa da Procuradoria Especial Tribal dos EUA (Tribais SAUSAs) também está sendo relançado, o qual, quando testado, viu sucessos que incluíram maior responsabilidade por crimes relacionados à violência contra mulheres no país indiano. (DEPARTAMENTO DE JUSTIÇA DOS ESTADOS UNIDOS, 2018)
A Norte-Americana Ludy Green criou uma agência de empregos denominada Second Chance, que tem por objetivo atender e auxiliar mulheres em situação de violência doméstica e vítimas de tráfico humano nos Estados Unidos. Em entrevista à revista Época no ano de 2016, ela disse que no momento em que as mulheres conseguem trabalhar e ter seu próprio dinheiro, começam a ter objetivos de um futuro melhor, se dão o devido valor e conseguem enxergar que podem viver sem depender de seus agressores, e por isso, é de suma importância que o governo promova meios de ajudar as vítimas a conseguirem independência financeira, como forma de empoderamento feminino e erradicação do ciclo de violência. “É muito crucial o papel do empoderamento econômico”.
Quando tinha 19 anos e estagiava no Congresso, comecei a voluntariar em um abrigo para mulheres vítimas de violência. Ali eu percebi: se antes houvesse um lugar como esse, minha mãe nunca teria morrido, ela estaria a salvo, porque era um lar seguro. E não só isso: depois de semanas e meses que estava lá, percebi também que a maioria das mulheres que estavam no abrigo ficava ali algumas semanas e voltava para seu abusador. Eu pensava: como isso pode acontecer? Por que elas voltam para seu abusador? Elas deveriam ir para outro lugar, porque o abuso continuará, vi acontecer quando era criança. Foi então quando caiu a ficha e decidi entrevistar essas mulheres, fiz uma pesquisa para tentar descobrir porque elas voltavam para seus abusadores. E a vasta maioria das respostas dizia que eram totalmente dependentes dos homens, seus abusadores. Era o mesmo caso da minha mãe, elas eram financeiramente dependentes, sentiam que não podiam trabalhar e gerar renda, elas sentiam que não eram educadas o suficiente, então continuavam com seus abusadores, para tomar conta de si e de suas crianças. (GREEN, 2016)
Conforme explica Green, a cada quatro mulheres Norte-Americanas, uma delas sofre violência doméstica, no entanto, os Estados Unidos estão despertando para a averiguação dos abusos de cunho econômico e na importância do emprego para as mulheres vítimas de violência, mas apesar de o país ter leis relevantes sobre a violência contra a mulher, há uma grande dificuldade para a implantação de um sistema devido ao fato de que cada Estado tem sua própria lei e fazer seus próprios recortes. “Por exemplo, um caso em Maryland e outro caso em Virgínia, a forma como os juízes lidam é totalmente diferente. Há casos de homens que escondem seu dinheiro, manipulam os juízes e, no fim, há casos de mulheres que são obrigadas a pagar para seus ex-maridos, é uma loucura”. (GREEN, 2016).
Por exemplo, agora eu tenho um caso federal no distrito de Columbia (Washington DC). Trata-se de uma mulher de origem muito rica, cujo marido tirou tudo dela. Essa mulher está na rua, e não temos um abrigo para encaminhá-la. Nos Estados Unidos, com todo esse dinheiro, não há um abrigo ali. Tive de procurar por um de nossos patrocinadores e doadores e pedir que compartilhasse seu porão ou um quarto para ajudá-la. Finalmente consegui, mas é difícil, somos apenas uma agência de empregos. (GREEN, 2016)
Green afirma que busca demonstrar ao Congresso e ao Senado Norte-Americano que em muitos dos Estados as leis não respaldam as mulheres vítimas da violência. Ela afirma ainda que a Califórnia e a Virgínia são os Estados que melhor cumprem com as necessidades de investigação dos casos, já que em muitos outros Estados a investigação não é feita devidamente.
O site de informações jurídicas HG.org, explica que ainda que haja dificuldade em alguns Estados Norte-Americanos de qualificar a violência doméstica juridicamente, é notável o seu crescente aumento em todo o país. “É frequentemente definido como as ações de um infrator através de uma conduta violenta ou agressiva em relação àqueles que estão em casa. Esses indivíduos em casa podem ser membros da família, cônjuge, filhos ou pessoas que residem na casa”. Muitos Estados já haviam promulgado leis de proteção às vítimas de violência doméstica, mas só após a promulgação da lei nº 9262, denominada Lei da República, e conhecida como “Ato de Anti-Violência Contra as Mulheres e Seus Filhos de 2004" (Anti-Violence Against Women and Their Children Act of 2004 (VAWC), que a violência contra as mulheres e crianças teve seu significado definido.
Conhecida como a VAWC, esta Lei da República permitiu que as mulheres tivessem igualdade com os maridos que abusavam delas. Ajudou a proteger os direitos dessas pessoas como mulheres, esposas e pessoas. Incluía crianças, uma vez que muitas vezes se tornam vítimas de crimes de violência doméstica, quer sejam diretamente envolvidas por meio de ações violentas ou indiretamente tendo que testemunhá-las. (HG.ORG LEGAL RESOURCES, 2018)
A seção 3 a da Lei da República declara que “Violência contra mulheres e seus filhos refere-se a qualquer ato ou uma série de atos cometidos por qualquer pessoa contra uma mulher que seja sua esposa, ex-esposa ou contra uma mulher com quem a pessoa tenha ou tenha tido relações sexuais ou namoradas; relacionamento, ou com quem ele tem um filho comum, ou contra seu filho, seja legítimo ou ilegítimo, dentro ou fora da residência da família, que resulte em ou possa resultar em dano físico, sexual, psicológico ou sofrimento, ou abuso econômico incluindo ameaças de tais atos, bateria, agressão, coerção, assédio ou privação arbitrária de liberdade”. Segundo o HG.org, a Lei da República visa a conscientização e a ajuda às mulheres sobre seus direitos diante de uma relação abusiva, a proteção das crianças contra abusos, e se necessário, apoio financeiro para as vítimas. “Estes são direitos autorizados e previstos por lei”.
5. OS MECANISMOS DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA DE GÊNERO DA ONU
Segundo Eduardo Luiz Santos Cabette, a ONU estimula aos países o desenvolvimento de Leis e políticas relacionadas aos direitos das mulheres, de forma que conscientizem suas populações quanto à importância da erradicação do problema.
A discriminação contra a mulher viola o princípio da igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, dificulta a participação da mulher nas mesmas condições que o homem, na vida política social, econômica e cultural de seu país, constitui um obstáculo ao ameno o bem-estar da sociedade e da família dificulta o pleno desenvolvimento das potencialidades da mulher para prestar serviços a seu país e a humanidade. (SILVA, 2015)
Cabette explica que o Sistema Especial de Proteção dos Direitos da Mulher é constituído por diplomas internacionais que visam proteger novos direitos que venham a surgir, e também visam proteger os grupos mais vulneráveis. Como exemplo destes diplomas, Cabette cita a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher; admitida em 1979 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, mediante a Resolução de nº 34/180. “A Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres foi elaborada com duplo fundamento: eliminar a discriminação e assegurar a igualdade”. A Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher (Declaração e Plataforma de Ação de Beijing), adotada em 1995 em Pequim, e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), admitida em 1994, através da Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).
As Nações Unidas têm desempenhado papel fundamental na promoção da situação e dos direitos da mulher em todo o mundo. Essa contribuição assume várias formas, desde a promoção do debate à negociação de instrumentos juridicamente vinculantes. A criação de espaços de diálogo tem ampliado a visibilidade do tema e a conscientização sobre a situação de discriminação e inferioridade em que se encontram as mulheres em várias esferas da vida social, em quase todos os países. (VIOTTI, 1995)
De acordo com a Diplomata, Ministra e Diretora-geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Ministério das Relações Exteriores, Maria Luiza Ribeiro Viotti, a Conferência de Pequim foi denominada como “Ação para a Igualdade, o Desenvolvimento e a Paz”, surgindo após as análises dos avanços alcançados com as conferências ocorridas em 1975 no México, 1980 em Copenhague e em 1985 em Nairóbi. Viotti relata que também foram considerados todos os obstáculos que ainda estavam impedindo as mulheres do pleno exercício de seus direitos e desenvolvimento pessoal.
A Assembleia Geral da ONU em unanimidade, no dia 2 de julho de 2010, julgou a favor da concepção de um órgão que fosse o único responsável da ONU a agilizar os desenvolvimentos alcançados, a fim de promover a igualdade de gênero e consolidar a liberdade e independência das mulheres. A ONU Mulheres é sediada em Nova Iorque, nos Estados Unidos (EUA), e conta com escritórios na Europa, Ásia, África e Américas, além de escritórios regionais. No Brasil, o escritório está localizado em Brasília. A ONU Mulheres protege as obrigações internacionais (tratados e convenções) relacionadas com os direitos humanos das mulheres, obrigações estas acatadas pelos países membros da ONU, e para tanto, conta com o apoio de universidades, empresas, dos três poderes da República, do sistema das Nações Unidas e da sociedade.
A nova Entidade da ONU para a Igualdade de Gênero e o Empoderamento das Mulheres – ou ONU Mulheres – reúne quatro agências e escritórios da Organização: o Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM), a Divisão para o Avanço das Mulheres (DAW), o Escritório de Assessoria Especial em Questões de Gênero e o Instituto Internacional de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher (INSTRAW). (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2018)
Ban Ki-moon, o Secretário Geral da ONU, nomeou em fevereiro de 2010, Margot Wallström da Suécia, como Representante Especial para Violência Sexual em Conflito, e Michelle Bachelet, a ex Presidente do Chile, em setembro de 2010, como a Subsecretária Geral para a ONU Mulheres, que começou seu funcionamento no primeiro dia do ano de 2011. Com a nomeação, Wallström requereu que os culpados pelas violações em massa ocorridas no Congo, fossem devidamente responsabilizados, pois o Conselho de Segurança, nas palavras dela, tinha o dever de lutar contra as impunidades.
Em outubro de 2000, o Conselho de Segurança adotou por unanimidade uma resolução inovadora sobre mulheres, paz e segurança. A Resolução 1325 pedia aos Estados-Membros que aumentassem a representação das mulheres em todos os níveis de tomada de decisão para a prevenção, gestão e resolução de conflito. Ela pedia ao Secretário-Geral que nomeasse mais mulheres para os cargos de representantes especiais e enviados, e para expandir o papel e a contribuição das mulheres nas operações de paz da ONU. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2018)
Segundo a ONU Mulheres no Brasil, além dos diplomas já citados, podemos citar a Declaração e Programa de Ação da 2ª Conferência Internacional de Direitos Humanos, adotada em Viena em 1993: “destacada pelo reconhecimento dos direitos humanos das mulheres e meninas como parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais”; a Declaração e Plano de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, adotada no Cairo em 1994, a qual define o que é saúde reprodutiva e impõe metas para diminuir com as mortes das mulheres e crianças, e a Declaração e Plano de Ação de Durban, adotada em 2001, como mecanismo internacional de combate ao racismo e preconceito racial, repúdio aos estrangeiros e demais discriminações similares.
6. A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher e a Convenção de Belém do Pará
Conforme afirma Rafael De Tilio, a Organização das Nações Unidas (ONU) juntamente com outras organizações internacionais na década de 1940, sugeriram diplomas para nortear as políticas internacionais e para se fixar como Leis de combate às diversas formas de violências contra as mulheres. Diante disto, muitos países adotaram o princípio da dignidade às suas Constituições, transformando o direito nacional e o internacional em partes do sistema de proteção jurídica dos Direitos Humanos, de forma que toda violação ao princípio da dignidade e as Direitos Humanos fossem devidamente reparadas. “Contudo, a Declaração Universal dos Direitos dos Homens não é formalmente uma legislação obrigatória de ser seguida pelos países signatários, mas sim uma orientação de princípios e de monitoramento sobre o que se considera desejável de ser executado”.
Por isso, a fim de melhor precisar as obrigações dos países signatários desse tratado internacional que visava o enfrentamento da opressão dos direitos humanos, em 1966 foram produzidos dois importantes documentos em conferências internacionais da ONU: o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que, devido a demora dos países membros da ONU em ratificá-los, passaram a vigorar apenas em 1976. (TILIO, 2012, p. 73)
Tilio explica que os tratados estipulam princípios de orientação e valores universais, já os pactos estipulam metas e propósitos detalhando quais os atos fundamentais ao cumprimento do que foi estipulado nos tratados. Consoante explica a advogada Marianna Montebello, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979, é o instrumento Internacional primordial à proteção aos direitos da mulher. O Brasil introduziu esta convenção em seu ordenamento jurídico por intermédio do Decreto Lei 93/1983, e a sua promulgação se deu no ano seguinte através do Decreto de n.º 89.406.
Com sua integração normativa ao direito interno, a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher situa-se no mesmo plano de validade e eficácia das normas infraconstitucionais, conforme entendimento pacificado pela jurisprudência pátria. Importa observar, contudo, que parte da doutrina especializada tem defendido a tese de que o § 2º do art. 5º da Constituição de 1988 vislumbra regime jurídico diferenciado a ser aplicado aos tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, que seriam incorporados imediatamente pelo direito brasileiro e apresentariam status de norma constitucional, diversamente dos tratados tradicionais, os quais se sujeitam à sistemática da incorporação legislativa e ostentam hierarquia infraconstitucional. (MONTEBELLO, 2000, P. 160)
Montebello explica que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher tem como objetivo a extinção da discriminação e garantir a igualdade de gênero em todos os continentes. O artigo 1º da Convenção diz que a “discriminação contra a mulher significará toda distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício pela mulher, independentemente de seu estado civil, com base na igualdade do homem e da mulher, dos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo”. Segundo Montebello, ao homologar esta convenção, o Brasil concordou em providenciar estratégias para eliminar a desigualdade de gênero no país tanto nos espaços públicos, quanto nos espaços privados.
A Convenção da ONU sobre a Mulher apresenta uma série de dispositivos tutelares dos direitos das mulheres à participação na vida pública e política do país, às mesmas oportunidades de emprego e igual remuneração, à influência decisiva nos assuntos relativos ao casamento e às relações familiares, assim como outros direitos civis, políticos, econômicos e sociais. (MONTEBELLO, 2000, P. 162)
A Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, Convenção de Belém do Pará, em vigor no Brasil desde 1996, de acordo com Anna Caroline Lopes de Oliveira, afirma que toda violência contra a mulher, além de afrontar a dignidade humana, significa violência de natureza grave aos direitos humanos. Oliveira conta que qualquer pessoa ou organização pode denunciar peticionando à Comissão Interamericana de Direitos Humanos sobre os casos de violação ao art. 7º.
Art. 7º. “Os Estados Partes condenam todas as formas de violência contra a mulher e convêm em adotar, por todos os meios apropriados e sem demora, políticas destinadas a prevenir, punir e erradicar tal violência e a empenhar-se em: a) abster-se de qualquer ato ou prática de violência contra a mulher e velar por que as autoridades, seus funcionários e pessoal, bem como agentes e instituições públicos ajam de conformidade com essa obrigação; b) agir com o devido zelo para prevenir, investigar e punir a violência contra a mulher; c) incorporar na sua legislação interna normas penais, civis, administrativas e de outra natureza, que sejam necessárias para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher, bem como adotar as medidas administrativas adequadas que forem aplicáveis; d) adotar medidas jurídicas que exijam do agressor que se abstenha de perseguir, intimidar e ameaçar a mulher ou de fazer uso de qualquer método que danifique ou ponha em perigo sua vida ou integridade ou danifique sua propriedade; e) tomar todas as medidas adequadas, inclusive legislativas, para modificar ou abolir leis e regulamentos vigentes ou modificar práticas jurídicas ou consuetudinárias que respaldem a persistência e a tolerância da violência contra a mulher; f) estabelecer procedimentos jurídicos justos e eficazes para a mulher sujeitada a violência, inclusive, entre outros, medidas de proteção, juízo oportuno e efetivo acesso a tais processos; g) estabelecer mecanismos judiciais e administrativos necessários para assegurar que a mulher sujeitada a violência tenha efetivo acesso a restituição, reparação do dano e outros meios de compensação justos e eficazes; h) adotar as medidas legislativas ou de outra natureza necessárias à vigência desta Convenção. (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS, 1994).
Lourdes Maria Bandeira e Tânia Mara Campos de Almeida explicam que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará) é a base original da Lei Maria da Penha, e permanece como referência de entendimento no que diz respeito às ações sociais e jurídicas concernentes a referida lei, assim como estimar sua efetividade.
A Convenção de Belém do Pará estabeleceu, pela primeira vez, o direito das mulheres viverem uma vida livre de violência, ao tratar a violência contra elas como uma violação aos direitos humanos. Nesse sentido, adotou um novo paradigma na luta internacional da concepção e de direitos humanos, considerando que o privado é público e, por consequência, cabe aos Estados assumirem a responsabilidade e o dever indelegável de erradicar e sancionar as situações de violência contra as mulheres. (BANDEIRA, ALMEIDA, 2015, p. 506)
Oliveira afirma que para ativar o procedimento de denúncia da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não é necessário obter o consentimento da vítima e nem necessita ser o seu representante legal, basta que sua interferência no caso seja fundamental. “Portanto, a violência contra a mulher pode ser punida, mesmo sem a atuação do Estado, e mesmo sem que a vítima tenha que denunciar o agressor no âmbito internacional, qualquer pessoa ou grupo pode fazer a denúncia, facilitando a punição dos agressores”. A Convenção de Belém do Pará conjectura a obrigação dos Estados membros de informar quais as providências legais e administrativas foram tomadas a fim de satisfazer o que foi acordado na convenção, as providências para prevenir e erradicar a violência contra a mulher, para assessorar as vítimas da violência, além de informar quais os impedimentos para que as leis sejam eficazes, e quais motivos cooperam com o fator da violência.
No caso do Brasil, o cumprimento à legislação específica e própria, ancorada na Convenção de Belém do Pará, veio com a condenação do país pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da OEA, em abril de 2001. Após anos da denúncia a ela encaminhada em agosto de 1998, apresentada por Maria da Penha Fernandes e enviada conjuntamente pelo Centro de Justiça e Direito Internacional (Cejil) e pelo Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). A denúncia alegava a situação de extrema tolerância do Brasil com a violência cometida contra Maria da Penha pelo seu ex-esposo, que culminou com a tentativa de assassinato. (BANDEIRA, ALMEIDA, 2015, p. 506)
A Convenção de Belém do Pará, segundo Bandeira e Almeida, reconhece que as relações de desigualdade entre homens e mulheres advindas de um histórico social patriarcal, manifestado na sociedade e até mesmo no poder público, de diversas formas, é a causa predominante da violência contra a mulher.
As mulheres devem ter os seus direitos humanos garantidos, bem como o direito à liberdade, autonomia, segurança e dignidade, sem agressões físicas, psicológicas ou morais. Nenhuma mulher deve ser ameaçada, desrespeitada ou torturada. A integridade física remete à integridade psíquica – seu contrário compromete também as condições de saúde, incidindo, profundamente, sobre seus direitos sexuais e reprodutivos. Por fim, o direito à vida reveste-se de caráter essencial aos diversos níveis de desenvolvimento, uma vez que se constituem em um núcleo único e indissociável, devendo a mulher ser protegida pelos demais direitos previstos em todos os instrumentos regionais e internacionais relativos aos direitos humanos. (BANDEIRA, ALMEIDA, 2015, p. 509)
As autoras afirmam que as diversas violências contra as mulheres convergem entre a submissão apoiada no gênero e outras desigualdades sofridas pelas mulheres na sociedade e em certas instituições público/privadas. Isto torna a atuação da Convenção imprescindível no enfrentamento da violência em todos os campos, de forma que os Estados-membros adotem meios para a proteção dos direitos das mulheres, principalmente o direito de viver sem violência. “Portanto, as questões relativas à condição de gênero devem constituir-se em prioridade nas agendas nacionais, deixando de ser destinadas a um lugar secundário e residual, como habitualmente têm sido tratadas”.
7. Eficácia ou ineficácia?
Rafael De Tílio relata que o Tribunal Penal Internacional (TPI) estabeleceu a criação de centros de assistência e suporte às vítimas e testemunhas, assim como supervisão psicológica das vítimas de crimes sexuais.
Em 1997 a Organização Mundial da Saúde (OMS) organizou a Conferência Internacional Sobre Saúde com ministros dos países integrantes da ONU que redimensionou o fenômeno da violência contra as mulheres como um problema de saúde social e coletiva e, em 1998, o Tribunal Penal Internacional por meio do Estatuto de Roma reconheceu como sendo crime contra a humanidade a violação, a gravidez forçada (inclusive a que visava o etnocídio, prática comum na guerra da Bósnia), a escravatura sexual, a esterilização à força ou qualquer outro tipo de violência no campo sexual de gravidade comparável independente de estar em tempo de guerra ou de paz. ((TILIO, 2012, p. 76)
No entanto, segundo Tilio, essas medidas adotadas pelo TPI não foram capazes de eliminar as diversas formas de violência de gênero, e, portanto, no ano de 1999, a ONU elaborou o Protocolo Facultativo à Convenção de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres (CEDAW de 1979) e promoveu uma sessão especial para Avaliação da Plataforma de Pequim (Pequim +5); no ano de 2000, com o propósito de confirmar os compromissos declarados, assim como os compromissos vigentes nos documentos citados, além de se esforçar para harmonizar a pauta universal no tocante à proteção dos direitos das mulheres, com as diversas pautas nacionais, objetivando a homologação de seus países membros.
A compreensão do enfrentamento da violência como uma questão de saúde pública também se justifica porque, por definição, a saúde pública não diz respeito aos indivíduos, mas sim à melhoria das condições de vida para o maior número de pessoas, sendo que sua preocupação é a prevenção dos problemas de saúde e a ampliação de melhores cuidados e segurança para as populações, atuando por meio da ação coletiva de maneira intersetorial (saúde, direitos e justiça, segurança, educação e assistência social, etc.). (TILIO, 2012, p. 77)
Segundo Oliveira, além da criação das leis, a sociedade precisa deixar de lado a cultura machista e fiscalizar se o Estado tem cumprido seu papel na defesa e proteção das mulheres. Algumas leis como a Lei do Feminicídio no Brasil, ainda são muito jovens para se avaliar com toda clareza seus resultados. “Entretanto, não se sabe com precisão se os casos de violência realmente aumentaram ou se agora com as leis as mulheres se sentem mais encorajadas a denunciar o agressor”.
A educação é o melhor meio de ensinar sobre a importância dos direitos humanos, da igualdade de gênero. É dever de o Estado implementar programas de educação para acabar com a violência cultural que impede que muitos dos meios criados para erradicar a violência contra a mulher sejam eficazes. Somente com a educação e mudança de pensamento da população é que a violência contra a mulher diminuirá. (OLIVEIRA, 2017, p. 57 e 58 )
Bandeira e Almeida afirmam que a Convenção de Belém do Pará simboliza um enorme avanço em relação à proteção dos direitos humanos das mulheres, pois apesar de ter sido instituída no continente sul-americano, seus efeitos estão se reproduzindo no mundo inteiro. Segundo elas, a América Latina foi quem mais criou meios de combater a violência contra a mulher, tanto meios sociais quanto meios jurídicos, ou seja, é a localidade do planeta com mais avanços neste quesito. “Foi a Convenção de Belém do Pará que abriu espaço formal para os países engajarem-se no combate à violência contra a mulher, assim como é ela que demarca uma nova fase na ordem jurídica internacional, contraditória ao poder político patriarcal”. (BANDEIRA, ALMEIDA). Os avanços proporcionam o aumento dos entendimentos referentes ao Direito Internacional, o que favorece a criação de novas leis nos países signatários, assim como coopera com a eliminação da impunidade.
8. Empoderamento feminino
A sociedade e as mídias dizem que uma mulher bonita, magra, loira, alta, com dentes perfeitos e roupas de grife é o retrato da perfeição, não importa o que ela pensa ou se ela pensa. É o que retrata a canção Pretty Hurts da Norte-Americana Beyoncé Knowles. As modelos precisam fazer inúmeros sacrifícios se quiserem chegar ao topo do que é julgado padrão de beleza mundial, e conforme narra a canção, a nação está doente atrás da perfeição e se você não é a ganhadora do concurso de beleza, que não mostra o que há de melhor em você, você é descartável. Os padrões impostos fazem com que a beleza exterior cause dores na alma, até que o sofrimento se torne insuportável. A canção retrata o cotidiano de muitas meninas e mulheres, que quando estão sozinhas, e o único público é o espelho, se perguntam se estão felizes consigo mesmas, e até quando vai durar toda aquela falsa felicidade. “Sorrisos de plástico e negação só te carregam até um certo ponto, mas você quebrará quando a fachada de mentira te abandonar no escuro. Você é deixada com um espelho quebrado e os cacos de um belo passado”.
Historicamente, desigualdades em poder e autoridade fizeram das mulheres uma maioria oprimida, em posição de subordinação aos homens. Em eras pré-industriais, o tamanho, a força física e a isenção da gravidez permitiram que os homens as dominassem fisicamente. Embora nos dias atuais esses fatores não tenham mais tanta importância, crenças sobre os sexos há muito estabelecidas ainda estão presentes e dão suporte a estruturas sociais que fazem dos homens maioria em posições de controle. (CAVAZOTTE, OLIVEIRA, 2018, p.245)
Júlia Steuernagel Assis afirma que empoderamento feminino advém de uma compreensão coletiva, onde são feitas ações e movimentos que dêem forças às mulheres e promovam a equidade de gênero. “É uma consequência do movimento feminista e, mesmo estando interligados, são coisas diferentes. Empoderar-se é o ato de tomar poder sobre si”. As pessoas/mulheres que estão à margem da sociedade ou estão com a auto estima abalada, não conseguem enxergar o seu potencial, o seu poder, e, portanto, o empoderamento nasce para mostrar para estas mulheres que elas têm condições de serem donas delas mesmo, e que podem mudar tudo o quiserem em suas vidas. Segundo a ONU Mulheres Brasil, para empoderar as mulheres é necessário viabilizar a equidade de gênero em todos os setores sociais, assim como nos meios jurídicos e econômicos.
Em 2010, a ONU lançou os princípios de empoderamento das mulheres, a fim de pôr em prática seus propósitos para um mundo melhor. São eles:
1. Estabelecer liderança corporativa sensível à igualdade de gênero, no mais alto nível.
2. Tratar todas as mulheres e homens de forma justa no trabalho, respeitando e apoiando os direitos humanos e a não-discriminação.
3. Garantir a saúde, segurança e bem-estar de todas as mulheres e homens que trabalham na empresa.
4. Promover educação, capacitação e desenvolvimento profissional para as mulheres.
5. Apoiar empreendedorismo de mulheres e promover políticas de empoderamento das mulheres através das cadeias de suprimentos e marketing.
6. Promover a igualdade de gênero através de iniciativas voltadas à comunidade e ao ativismo social.
7. Medir, documentar e publicar os progressos da empresa na promoção da igualdade de gênero. (ASSIS, 2018)
Na letra da música Flawless também da cantora Norte-Americana Beyoncé Knowles, Chimamanda Ngozi Adichie declara que a sociedade ensina para as meninas que elas devem ser retraídas, pois são inferiores, que não devem ter demasiadas ambição, nem devem ser tão bem-sucedidas para não ameaçar os homens. Segundo Adichie, a sociedade diz para as mulheres que elas devem tomar suas próprias decisões, desde que entendam que o casamento é a decisão mais importante de todas. “Falando sério, o casamento pode ser uma fonte de alegria, amor e apoio mútuo, mas por que ensinamos às garotas a aspirar ao casamento e não ensinamos a mesma coisa aos meninos? Educamos as garotas para se considerarem concorrentes, não por emprego ou por realizações, o que eu penso que pode ser uma coisa boa, mas pela atenção dos homens”. Ela declara também que as meninas são ensinadas que não podem exercer a sua sexualidade como fazem os meninos. Ser feminista, nas palavras de Adichie, é acreditar e lutar por igualdade de sexo em todos os setores.
Eu queria lembrar aqui que a primeira diplomata mulher, que entrou no Rio Branco, depois da criação do Rio Branco, teve o acesso bloqueado porque era mulher, simplesmente. Apesar de já ter havido outras mulheres, que no tempo dos concursos de provas de currículos, feitas pelo DASP, conseguiram o acesso à carreira e chegaram ao Nível de embaixador, mas a Sandra Vieira de Melo teve seu acesso bloqueado e ela invocou esse preceito constitucional para conseguir dar amparo à sua luta, que durou muito tempo e em 1954 ela conseguiu ser admitida e abriu a porta para todas nós. (MACHADO, 2011, p. 159)
Beatriz Rustiguel relata que muitas mulheres acolhem aquilo que a sociedade lhes impõe e acabam passando paras as próximas gerações, os comportamentos machistas que só contribuem ainda mais para as desigualdades de gênero. “Nós devemos parar de julgar e condenar umas às outras!!! O julgamento é um comportamento extremamente prejudicial para você”. Ela afirma também que independente do número de parceiros sexuais que uma mulher tenha ou possa ter isso não faz dela inferior às outras mulheres, nem dá o direito de alguém as agredir e abusar delas. Os homens, sejam pais, namorados e/ou maridos não têm propriedade sobre nenhuma mulher, afinal, não são objetos; a roupa ou comportamento não faz da vítima de estupro, a culpada pelo abuso, e não há necessidade de uma mulher ter um salário inferior ao dos homens para que eles se sintam mais homens, principalmente se desempenharem a mesma função.
Mulheres têm o direito de se sentirem seguras em qualquer lugar, a qualquer hora do dia ou da noite, e vestindo qualquer roupa.
Não permita que homens te interrompam em uma conversa e se dirijam a você de forma condescendente pelo fato de você ser mulher.
Pare de fazer piadas com a TPM ou com a “sensibilidade feminina” e não permita que façam na sua frente. Nós somos capazes de tomar decisões racionais e competentes independente do nosso ciclo hormonal.
Elimine a ideia de que existem “assuntos de homens” e “assuntos de mulheres”. Mulheres podem se interessar por tecnologia e homens podem se interessar por maquiagem. (E isso não tem a ver com o sexo ou com a opção sexual de alguém!)
Mulheres não são piores em ciências ou matemática que os homens.
Mulheres não são piores para dirigir que os homens.
Mulheres não são chefes ruins.
Elimine a ideia de que existem “trabalhos de homens” e “trabalhos de mulheres”. Mulheres podem ser mecânicas e homens podem realizar tarefas domésticas. (E isso não tem a ver com o sexo ou com a opção sexual de alguém!) (SILVA, 2018)
O fato de que a mulher pode engravidar, não deve ser usado para justificar o salário menor, e as mulheres devem ser respeitadas no ambiente de trabalho ou em qualquer local, são livres para não aceitarem ouvir piadas de conotação sexual ou preconceituosa.
O canal do YouTube Barbie Brecha Do Sonho | Barbie Brasil explica que a distância entre as meninas e o seu potencial é denominada brecha dos sonhos, e que a partir dos cinco anos de idade as meninas já não mais acreditam que podem exercer profissões, tidas como profissões masculinas, pois a cultura patriarcal faz com que os pais ao comprarem os brinquedos, não escolham brinquedos técnicos/científicos para suas filhas, o que impossibilita o contato destas meninas com outras brincadeiras além da enraizada na sociedade. O vídeo tem o propósito de conscientizar a população para reunir forças para fechar a brecha dos sonhos, empoderando as meninas desde a primeira infância, para que possam entender que não há limites para sonhar e realizar seus sonhos, assim como entender a importância da igualdade de gênero
9. CONCLUSÃO
Ao longo do trabalho em comento, vislumbrou-se que a violência de gênero é uma violência ainda enraizada e tolerada na sociedade, mantendo a cultura machista como cultura predominante, inviabilizando na maioria das vezes, que as vítimas tenham tratamento adequado para sair da situação em que se encontram. Desse modo, o presente trabalho buscou verificar os principais motivos da existência da violência de gênero no Brasil e em algumas partes das Américas, assim como em algumas partes da Europa, Ásia, Eurásia e da África; quais os mecanismos utilizados para a sua erradicação e qual a eficácia de tais mecanismos.
A Lei Maria da Penha e a Lei do feminícidio esboçam o tratamento das violências contra as mulheres, elencando as formas de punições dos agressores, além de prevê o resguardo de seus direitos. A criação das Delegacias e Instituições de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, como citado no presente trabalho, são exemplos dos mecanismos que proporcionam a visibilidade da violência de gênero.
Como foi visto, as leis supracitadas foram consideradas como eventos importantes na proteção dos direitos das mulheres, na medida em que são colocadas em prática de forma incisiva, porém a falta dos juizados especiais em todos os Estados da Federação, acaba prejudicando a devida aplicação da Lei Maria da Penha, devido ao fato da mulher ter que resolver os demais assuntos familiares em varas distintas. Essas legislações não podem ser vistas como assistentes absolutos da justiça nacional, pois conforme verificamos, os mecanismos Internacionais auxiliam nos julgamentos dos casos de violência.
As desigualdades entre homens e mulheres estão estampadas em todos os setores, a começar na educação familiar, e inclusive nos setores jurídico-estatais, e o machismo patriarcal é uma das causas de sustento da violência. As relações abusivas, as vezes são perceptíveis no início dos relacionamentos, e a grande maioria das agressões, sejam físicas, psicológicas, moral, patrimonial ou espiritual, acontecem dentro dos lares, em âmbito doméstico, e um dos principais motivos que levam uma mulher a permanecer em situação de violência é a dependência financeira, pois diante da falta de autonomia para se manter ou manter seus dependentes, muitas se obrigam a tolerar este tipo de atrocidade, ainda que estejam morrendo por dentro. Os movimentos feministas foram de grande importância para que a luta das mulheres alcançassem certos direitos e saísse da invisibilidade.
O judiciário Brasileiro vem desempenhando importantes papéis na prevenção da violência contra as mulheres, assim como na criação de meios de conscientização da sociedade e na eliminação das diversas formas de violência que as brasileiras sofrem, porém, a atuação do poder público ainda está muito aquém do necessário para a erradicação total desse tipo de prática. Os estudos empregados neste trabalho reforçam a afirmação de que somente com a união dos três poderes, das instituições públicas e privadas em conjunto com a sociedade, é que terão plena eficácia na erradicação da violência de gênero, nas suas variadas formas.
A Proteção Internacional dos Direitos Humanos é de suma importância para as mulheres de todo o mundo, pois como restou demonstrado, ela deve ser acionada sempre que os Estados não as protejam das violações. Observamos que há muitas legislações parecidas com a legislação Brasileira, outras que respaldam melhor as mulheres, assim como as que simplesmente ignoram as consequências destas violências na vida das vítimas, de seus filhos e familiares. A lei do tapa da Rússia foi uma das leis que provocou maior indignação, pelo fato de permitir que mulheres sofram determinados tipos de violência sem que seu agressor seja punido, desde que as agressões estejam em acordo com a referida lei, enquanto que as pesquisas demonstraram que Portugal é o país da União Europeia com menor taxa de violência contra as mulheres.
Enquanto Ruanda é o país que mais representa as mulheres na política, a África do Sul é considerada a capital do estupro. Em Angola, as mulheres que tem um salário superior ao dos homens, correm um grande risco de serem violentadas por seus maridos/companheiros, ou seja, enquanto na maior parte do globo terrestre as mulheres com salário menor que os dos homens, correm mais riscos de sofrer violências devido a dependência econômica, na Angola os homens se sentem “menos” homens quando suas esposas têm um salário maior, e querem exercer sua masculinidade através das violências, principalmente violência física. O Diagnóstico de Gênero de Angola relatou que apesar dos grandes avanços nos órgãos do governo, ainda são poucas as mulheres no cenário político. Algumas tribos africanas entendem que a mulher deve apanhar como forma de educação, enquanto outras já não mais aceitam a violência.
Nas Américas se destacou o caso do Canadá como um dos melhores lugares para uma mulher, já que há leis para a igualdade de gênero e leis contra a violência e a exploração, além de saúde e educação de qualidade; e no caso do México que infelizmente muitas mulheres são mutiladas e assassinadas por questão de gênero, principalmente em Ciudad Juárez. Os Estados Unidos tem criado mecanismos para proteger as mulheres, mas a existência de leis diferentes nos seus 50 (cinquenta) Estados, têm dificultado os trabalhos. É uma das questões que necessitam de melhorias no País Norte-Americano, conforme análise.
O trabalho procurou demonstrar as várias faces da violência de gênero e a importância do empoderamento feminino, ou seja, o empoderamento também é uma questão a ser realizada em todos os continentes, para que a realidade das mulheres vítimas possa tomar novos rumos, porém, o presente trabalho não exauriu o assunto, tendo em vista as proporções que podem ser alcançadas.
Finalizando, os mecanismos de prevenção da ONU têm sido de elevada importância para combater a violência de gênero contra as mulheres, mas apesar disso, muitos tratados e convenções são meras recomendações e não obrigam a todos os países signatários a cumprirem o que foi ratificado. Diante disso, o questionamento se a ONU tem feito todos os esforços para prevenir e punir a violência de gênero, ou se ainda estamos na cultura do machismo, onde o homem pode tudo e a mulher tem que sofrer em silêncio, ainda deixa dúvidas que ocasionam a incerteza dos benefícios destes mecanismos. Porém, é notável que tais mecanismos trouxeram enormes avanços nos direitos das mulheres, mas, ainda há a necessidade de se percorrer um longo caminho, a fim de se promover a total igualdade de gênero e evitar situações ainda mais prejudiciais às mulheres e aos seus familiares.
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POST-FACIO
CANÇÃO DAS MULHERES
Que o outro saiba quando estou com medo, e me tome nos braços sem fazer perguntas demais.
Que o outro note quando preciso de silêncio e não vá embora batendo a porta, mas entenda que não o amarei menos porque estou quieta.
Que o outro aceite que me preocupo com ele e não se irrite com minha solicitude, e se ela for excessiva saiba me dizer isso com delicadeza ou bom humor.
Que o outro perceba minha fragilidade e não ria de mim, nem se aproveite disso.
Que se eu faço uma bobagem, o outro goste um pouco mais de mim, porque também preciso poder fazer tolices tantas vezes.
Que se estou apenas cansada, o outro não pense logo que estou nervosa, ou doente, ou agressiva, nem diga que reclamo demais.
Que o outro sinta quanto me dói a ideia da perda, e ouse ficar comigo um pouco - em lugar de voltar logo à sua vida.
Que se estou numa fase ruim, o outro seja meu cúmplice, mas sem fazer alarde nem dizendo ''Olha que estou tendo muita paciência com você!''
Que quando sem querer eu digo uma coisa bem inadequada diante de mais pessoas, o outro não me exponha nem me ridicularize.
Que se eventualmente perco a paciência, perco a graça e perco a compostura, o outro ainda assim me ache linda e me admire.
Que o outro não me considere sempre disponível, sempre necessariamente compreensiva, mas me aceite quando não estou podendo ser nada disso.
Que, finalmente, o outro entenda que mesmo se às vezes me esforço, não sou, nem devo ser, a mulher-maravilha, mas apenas uma pessoa: vulnerável e forte, incapaz e gloriosa, assustada e audaciosa - uma mulher.
Lya Luft
[1] CEDAW- Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher
[2] Ácido Desoxirribonucléico
[3] Instituto de Treinamento e Pesquisa para a Promoção da Mulher instraw
[4]Escritório Sobre Violência contra a Mulher
[5]Registro Único de Casos de Violência Contra a Mulher
[6]Jurisdição Criminal Especial de Violência Doméstica
[7]Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para as Mulheres
[8]Ato Sobre a Violência Contra as Mulheres
[9]Ato de Anti-Violência Contra as Mulheres e seus Filhos, de2004
[10]Dalila Reis, assessora da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania do Município de Contagem e da Superintendência de Políticas Públicas para Mulheres, no VIII Seminário de Pesquisa, Extensão e Pastoral- Mesa Redonda: Violência Doméstica: a mulher, o idoso, a criança e o adolescente em situação de violência, promovido pela PUC Minas Contagem em 17 set. 2018.
[11]Palestrante CHAGAS, Lidiane. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[12] Palestrante PEIXOTO, Sandra. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[13]Defensora Pública, Isabel. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[14]Defensora Pública, Isabel. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[15]Palestrante RODRIGUES, Marixa. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[16]Palestrante RODRIGUES, Marixa. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[17]Palestrante RODRIGUES, Marixa. Palestra Roda de conversa: Violência de gênero no âmbito doméstico, promovida por Papel Iuris e ocorrida no Ministério Público de Minas Gerais em Contagem, em 14 set. 2018.
[18]Em 2004, havia aproximadamente 53.000 mulheres adultas na França que haviam sido submetidas a mutilação sexual (hipótese média). Nove em cada dez vítimas foram extirpadas antes dos 10 anos de idade.
[19]Segundo a ONU Mulheres, embora a África seja composta por todos os países de renda baixa e média, as taxas de pobreza ainda são altas. A maioria das mulheres trabalha com segurança, com salários mais baixos e menos oportunidades de desenvolvimento. As eleições democráticas estão aumentando e o número de registros femininos conseguiu garantir assentos. Mas a violência relacionada às eleições é de grande preocupação.
A especialista em desenvolvimento independente Mabel Chiluba, a capital da capital de Lusaca, Zâmbia, diz que a crise que as mulheres e as meninas africanas enfrentam, precisa de atenção imediata dos líderes continentais.
[20]Canada now has a self-proclaimed feminist Prime Minister at the helm of a self-proclaimed feminist government that has conducted gender-based analysis of the federal budget, adopted a Feminist International Assistance Policy , created a Women, Peace and Security National Action Plan , developed a National Housing Strategy , and created the Promising Practices to Support Survivors and their Families funding initiative. These are all very welcome announcements, policies and programs that have been broadly and warmly embraced by civil society. In June 2017 the federal government enacted the Federal Strategy to Prevent and Address Gender-Based Violence , and this was also welcomed by civil society as a step in the right direction.[21]Como as estatísticas permitem a criação de casos, a frequência bem estabelecida e duração das culturas. 23,8% das mulheres que maltrataram duraram mais de 10 anos e 40,5% entre 1 e 5 anos. A maioria dos atos de violência psicológica (86,9%), seguidos pelos físicos, com 67,4%. A violência de gênero não repercute na Argentina, assim como a visibilidade que tem nos últimos anos.
Publicado por: Rosimeire Maria dos Santos
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