A INCONSTITUCIONALIDADE DA APREENSÃO VEICULAR NAS FISCALIZAÇÕES DE TRÂNSITO (BLITS) EM VIRTUDE DE INADIMPLEMENTO DO IPVA
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. IMPOSTO SOBRE VEÍCULO AUTOMOTOR (IPVA)
- 3.1 VEÍCULO AUTOMOTOR – SUJEITO ATIVO – SUJEITO PASSIVO – FATO GERADOR
- 3.2 PODER DE POLÍCIA
- 3.2.1 Poder de Polícia dos Órgãos de Trânsito
- 3.2.2 Auto Executoriedade do Poder de Polícia
- 3.2.3 Coercibilidade do Poder de Polícia
- 3.2.4 Restrições ao Poder de Polícia
- 3.3 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO PODER DE POLÍCIA
- 4. INCONSTITUCIONALIDADE DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
- 4.1 EFEITO MERAMENTE CONFISCATÓRIO
- 4.2 Princípio da Vedação ao Confisco
- 4.3 DAS SÚMULAS 70,323 e 547 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
- 4.3.1 Competência Tributária
- 5. PROCESSO TRIBUTÁRIO
- 5.1 O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E O PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO
- 5.2 O PROCESSO JUDICIAL NA ESFERA TRIBUTÁRIA
- 5.3 O PROCESSO ADMINISTRATIVO NA ESFERA TRIBUTÁRIA
- 6. PRINCÍPIOS
- 7. EXECUÇÃO FISCAL E DÍVIDA ATIVA
- 8. CONCLUSÃO
- 9. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
O presente trabalho monográfico tem como principal escopo abordar a inconstitucionalidade, fruto da arbitrariedade perpetrada pelos órgãos de trânsito brasileiro, especificamente os baianos, em torno da cobrança do Imposto Sobre Veículo Automotor.
A abordagem da presente leitura terá como ponto de partida o Poder de Polícia destes órgãos, versus a Auto executoriedade da cobrança do imposto em referência praticada diuturnamente de forma inconstitucional e extremamente arbitrária.
Para melhor elucidação será necessário adentrar no conceito de IPVA, Poder de Polícia, Blitz, Inconstitucionalidade, Arbitrariedade, Auto executoriedade, Execução, Processo Tributário, conceitos que estão intimamente ligados ao escopo do presente trabalho e que serão salutares para enxergar o verdadeiro “crime tributário” que os cidadãos enfrentam diariamente.
A importância de compreender as falhas perpetradas pelos órgãos de trânsito que, tornam os motoristas/proprietários de veículos automotor, verdadeiras vítimas de um Poder de Polícia aplicado de forma desarrazoada e autocrático, muitas vezes até ameaçador.
Por fim, será necessário apresentar (relembrar) aos leitores da presente pesquisa, os meios legais cabíveis para cobrança e execução de tributos, fazendo um link com a ausência de procedimento experimentado diuturnamente pelos órgãos de trânsito.
Palavras-chave: IPVA, Execução, Arbitrariedade, Poder de Polícia, Procedimento, Processo Tributário, Blitz.
2. INTRODUÇÃO
Atualmente o Estado se ver diante da necessidade de obter receita proveniente da tributação relacionada ao veículo automotor, isso motivado pela integração do automóvel na vida social, bem como a participação efetiva deste meio de transporte na economia das famílias e, por óbvio, do País, em virtude da implantação e expansão industrial automobilística.
O salutar e gritante crescimento e constante presença dos automóveis, conforme referido alhures, na vida em sociedade e na economia, foi determinante para o aumento da demanda de diversos serviços públicos, sejam eles ligados ao âmbito administrativo ou das construções e manutenções e, por fim, construção de novas e conservações das já existentes rodovias.
O fenômeno em epígrafe motivou a instituição de taxas, federais, estaduais e municipais relativas ao registro e licenciamento de veículos automotores, o que hoje se conhece por CRLV e IPVA.
Entretanto, o tributo que antecedia o IPVA era uma taxa, cuja arrecadação era compartilhada entre a União, Estados, Município, além de incluir o DNER (Departamento Nacional de Rodagem) na respectiva partilha do montante arrecadado ao final.
Conforme observação feita por Sacha Calmon Navarro Coêlho:
A sua origem remonta a uma estranha Taxa Rodoviária Única, que curiosamente não era taxa, pois gravava a propriedade de veículos automotores pelo valor dos mesmos e sua procedência (importados pagavam mais). Ademais, tinha efeito extrafiscal, favorecendo os veículos movidos a álcool carburante, e a receita era partilhada entre a União e os estados, destinando-se a sua arrecadação à manutenção das rodovias. Era cobrada anualmente por ocasião da vistoria e licenciamento dos veículos pelos DETRANS. ( COELHO, 2006, p. 523) 1
Diz-se que a TRU antecedeu o IPVA, tendo em vista que a Emenda Constitucional nº 27 de 1967 transformou a Taxa Rodoviária Única em Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores.
Oportuno mencionar, aliás, que reside na transformação do TRU em IPVA o fato do Código Tributário Nacional (CTN) não o disciplinar, tendo em vista o Código ter sido editado no ano de 1966 e o IPVA, por sua vez, instituído após Emenda à Constituição Federal editada no ano de 1967.
3. IMPOSTO SOBRE VEÍCULO AUTOMOTOR (IPVA)
O imposto sobre veículo automotor, antiga TRU, com o advento da CF de 88 permaneceu figurando no rol dos impostos de competência estatual, sendo disciplinado pela CF em seu artigo 155, inciso III2.
Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
I. transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos;
II. operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
III. propriedade de veículos automotores.
Trata-se de um imposto que incide sobre o patrimônio, neste caso, especificamente sobre a propriedade de “veículo automotor”.
Imposto de competência Estadual, tem a sua receita repartida entre os Munícipios.
Incide sobre a propriedade de veículo automotor, e tem o seu fato gerador, normalmente, acontecendo todo dia primeiro de cada ano, mas isso pode variar de Estado para Estado.
O IPVA é tributo sujeito a lançamento de ofício, previsto no artigo 149 do CTN. Nesta modalidade de lançamento o sujeito passivo não participa, ou quase não participa da atividade.
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine;
II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
O lançamento de é dividido em duas modalidades: lançamento de ofício propriamente dito (inciso I) e lançamento em face da revisão efetuada pelo Fisco (incisos II a IX).
O lançamento de ofício propriamente dito recebe este nome tendo em vista os casos em que o Fisco detém elementos suficientes para efetuar o lançamento, por exemplo, via de regra, os lançamentos do IPTU, IPVA, contribuição de iluminação pública e a maioria das taxas, todos originariamente lançados de ofício ou originariamente, notificando o contribuinte sobre o valor do tributo devido.
Já no lançamento em face da revisão efetuada pelo Fisco, nos casos descritos nos incisos II a IX, a administração tributária está solucionando problemas decorrentes de omissões (declarações não prestadas), erros (declarações prestadas com equívocos) ou fraudes (tanto do sujeito passivo quanto da própria autoridade fiscal), justificando assim, o lançamento de ofício, seja para substituir, seja para corrigir lançamento não feito ou feito incorretamente em outra modalidade, porém, somente pode ser efetuado enquanto não estiver extinto o crédito tributário.
O IPVA é cobrado anualmente pela Receita Estadual, metade do montante arrecadado fica no Município no qual o veículo foi emplacado, a outra metade vai para os cofres públicos para ser aplicado em diversas áreas, como saúde e educação.
O valor cobrado por esse imposto é calculado a partir do valor do veículo, sendo 1% para veículos destinados à locação e para os que utilizam Gás Natural Veicular (GNV), e 2,5% para os demais veículos.
O IPVA é tributo sujeito a lançamento de oficio propriamente dito, ou seja, o contribuinte é apenas notificado do valor que irá pagar, não tendo qualquer participação na formação do seu valor.
É de extrema importância salientar que não há qualquer norma geral no direito pátrio que determine qual deve ser a modalidade de lançamento de determinado tributo, podendo, para tanto, que legislação local preveja de forma diferente a forma de lançamento, considerando a forma que melhor lhe convir, garantindo-se, dessa forma, a autonomia dos entes federados, desde que respeitado os limites constitucionais existentes, o que não ocorre com a forma como o IPVA vem sendo cobrado pelos entes responsáveis.
3.1. VEÍCULO AUTOMOTOR – SUJEITO ATIVO – SUJEITO PASSIVO – FATO GERADOR
Existe dificuldade em definir precisamente o que abrange o conceito de veículo automotor, visto que as legislações estaduais tratam o assunto de maneira variada, suscitando demandas judiciais e posições doutrinárias divergentes.
Para fins de regulamentação do IPVA, especificamente no que concerne ao conceito da expressão “veículo automotor” utilizada em seu critério material, seria necessário a edição de uma lei complementar para dirimir toda e qualquer dúvida conceitual unificando-o. Entretanto, não existe previsão legal que tratam sobre o tema, havendo a necessidade de muitas questões polêmicas serem decididas de maneira diversas em cada Estado, o que fere de forma latente o princípio da isonomia.
O conceito de “veículo automotor” gera muitas controvérsias entre os contribuintes e os Estados, visto que há interesse dos entes federativos em tributar além dos veículos terrestres as embarcações e as aeronaves motorizadas, por exemplo e, por outro lado, os sujeitos passivos do tributo desejam restringir o conceito da aludida expressão, a fim de que o imposto incida somente sobre os veículos terrestres, de fato.
Segundo Mamede (2002, p. 52)3, a palavra veículo procede do latim vehiculo, de vehere, que significa transportar por terra ou por mar, por meio de qualquer veículo, a cavalo, em navio, levar às costas. Portanto, veículo é o aparelho ou o instrumento que possui capacidade de transportar pessoas ou coisas, de um local para outro. A ideia de veículo está ligada à ideia de movimento. Em alguns veículos o movimento é gerado por uma força externa que os impulsionam, como o equino que puxa a carroça. Outros veículos se “auto movimentam”, ou seja, são puxados por si mesmos através de um motor e por isso são chamados de veículos automotores.
Conforme Anexo I, do Código de Trânsito Brasileiro4 veículo automotor é:
Todo veículo a motor de propulsão que circule por seus próprios meios, e que serve normalmente A extensão da expressão veículo automotor para fins de incidência do IPVA para o transporte viário de pessoas e coisas, ou para a tração viária de veículos utilizados para o transporte de pessoas e coisas.
Tendo vista a inexistência de lei de caráter nacional, unificando tais conceitos, incumbe às legislações estaduais definir o conceito de veículo automotor sujeito à incidência fiscal do IPVA. Os Estados-membros se amparam no artigo 24, § 3º da Constituição Federal5 que diz que inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender as suas peculiaridades, cumulado com o quanto disposto no artigo 34, § 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias6, do qual se subtrai que promulgada a Constituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão editar as leis necessárias à aplicação do sistema tributário nacional nela previsto.
Para Ichihara7 , veículo automotor é qualquer veículo com propulsão por meio de motor, com fabricação e circulação autorizada e destinada ao transporte de mercadorias, pessoas ou bens.
Importante salientar que o IPVA é um imposto de natureza real, ou seja, para fins de tributação, importa somente o bem considerado em sua forma individualizada, não sendo observada a pessoa do sujeito passivo, qual seja, o proprietário do veículo automotor em questão, muito menos a totalidade do seu patrimônio ou renda.8
Portanto, se sabe que aos Estados e DF, por força do comando constitucional, cabe o papel de sujeito ativo do referido imposto. Já no que diz respeito ao sujeito passivo, conforme leciona Sabbag9, é o proprietário do veículo, tanto pessoa jurídica quanto a pessoa física, em nome do qual o veículo está licenciado.
Sobre o fato gerador do IPVA não existe maiores celeumas, em se tratando de imposto de natureza real, o seu fato gerador é, simplesmente, ser proprietário de veículo automotor. Toda e qualquer pessoa, física ou jurídica, que tenha um veículo automotor, cujo CRLV esteja em seu nome, será agente passivo do IPVA, quer possua CNH ou não, bastando, tão somente ser proprietário de veículo.
Logo, a mera utilização de veículo automotor não enseja a obrigação ao pagamento do IPVA, o mero detentor, ou aquele a quem o veículo fora emprestado, não poderá figurar como sujeito passivo na cobrança do IPVA. É a relação de propriedade mantida entre o dono e o bem, que faz com que ocorra a hipótese de incidência tributária.
Levando em consideração a análise dos aspectos gerais sobre o IPVA, o fato é que o mesmo conta com um elemento temporal do fato gerador, isto é, ocorrendo o fato gerador de ano em ano, sendo, geralmente, iniciado a partir de 1º de janeiro de todo ano, ressalvadas as hipóteses em que a Legislação estadual estabelece datas fixas. A base de cálculo do IPVA, conforme Eduardo Sabbag, é calculada da seguinte forma:
É o valor venal ou comercial com base em tabela predeterminada, na qual se observa o chamado “valor de mercado”. É que para esse fim são utilizadas as tabelas anuais, feitas e publicadas pelo Fisco, que são baseadas em publicações especializadas;
No caso de veículos novos, utiliza-se o valor da nota fiscal, e, no dos importados, o preço CIF, constante na nota fiscal ou na documentação relativa ao desembaraço.
Para obter o valor do imposto a ser pago, utiliza-se a proporção em percentual (%), sendo que a alíquota mínima é fixada em lei, não havendo imposição de limite máximo para a alíquota, desde que o valor não exceda o critério da razoabilidade e, por conseguinte, viole o princípio da vedação ao confisco.
Uma vez mencionado que o valor do IPVA não pode ultrapassar critérios razoáveis sob pena de violar o princípio constituição da vedação ao confisco, é importante ressaltar que, instituído em nosso ordenamento jurídico, o Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores sujeita-se, sem restrições, aos princípios que norteiam o sistema tributário nacional.
Sobre os princípios, Carlos Rene leciona: “Esse imposto se sujeita a todos os princípios constitucionais aplicados ao direito tributário, não comportando nenhuma exceção”[17].
Inicialmente, antes de adentrarmos na problemática do presente estudo, imperioso, ainda que em apertada síntese, discorrer acerca dos aspectos gerais do Imposto Sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA.
3.2. PODER DE POLÍCIA
Trazendo à tona o conceito clássico, ligado à concepção liberal do século XVIII, o poder de polícia consiste na atividade estatal que limita o exercício dos direitos individuais de cada cidadão em nome da segurança.
O Direito Brasileiro adota um conceito moderno, tratando o poder de polícia como a atividade do Estado que consiste em limitar o exercício do direito individual de cada cidadão em benefício do interesse público, deixando claro que o interesse público subsiste em relação ao interesse individual de cada membro.
Entretanto, este interesse público diz respeito a vários setores da sociedade, tais como: segurança, ordem social, moralidade, saúde, educação, propriedade, dentre outros. Em virtude desta subdivisão que assiste ao conceito de interesse público, surgiu, então, a necessidade de compartimentalização da polícia administrativa em vários setores, como, por exemplo: polícia florestal, de trânsito, segurança pública, para que se tenha uma fiscalização e atuação efetiva deste chamado poder de polícia.
Para o Código de Trânsito Brasileiro10, o poder de polícia está descrito no seu artigo 78, in verbis:
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.11
No âmbito Estadual, especificamente no Estado da Bahia, o órgão que detêm o Poder de Polícia administrativo é o DETRAN, e em seu regimento interno prevê:
Compete ao DETRAN:
I - executar as atividades previstas no art. 22 do Código de Trânsito Brasileiro;
II - desenvolver programas de segurança do trânsito, visando educar condutores de veículos e pedestres no uso das vias públicas;
III - promover campanhas de segurança no trânsito, objetivando a redução dos índices de acidentes de trânsito;
IV - exercer o poder de polícia de trânsito, em sua área de competência;
V - relacionar-se com os órgãos de trânsito da União, do Estado, do Distrito Federal e dos Municípios, para obtenção de recíproca cooperação técnica;
VI - exercer outras atividades correlatas.
§1º - Para a consecução de sua finalidade, poderá o DETRAN celebrar convênios, contratos e ajustes com instituições públicas e privadas nacionais e internacionais, observada a legislação pertinente.
§2º - Para execução das atividades de fiscalização, disciplina e orientação do trânsito, inerentes ao poder de polícia de trânsito, poderá o Departamento Estadual de Trânsito celebrar convênio específico com a Polícia Militar do Estado, definindo a natureza, condições e extensão da colaboração a ser prestada.12
Para Maria Sylvia Di Pietro13, é a faculdade que tem o Estado de limitar, condicionar o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a propriedade, por exemplo, tendo como objetivo a instauração do bem-estar coletivo, do interesse público.
O Estado dispõe de ferramentas para fazer valer a supremacia do interesse público sobre o privado, com a intenção única de garantir os direitos individuais dos cidadãos e exigir o cumprimento dos seus deveres. Sendo assim, o Estado fiscaliza os atos individuais dos seus administrados para que estes não prejudiquem os interesses sociais-coletivos.
É através do Poder de Polícia que o Estado tem de intervir nas ações ou omissões dos indivíduos em prol do bem coletivo, é o chamado direito-dever, exercido através do conhecido Poder de Polícia. É ele que possibilita a limitação do exercício dos direitos e garantias individuais de cada cidadão frente à necessidade de tutelar interesse maior, o coletivo.
No caso da blitz de IPVA, há um flagrante abuso do uso do poder de polícia por parte dos prepostos do órgão de trânsito, que se valem da sua autoridade para, de forma coercitiva, desapropriar o cidadão.
3.2.1. Poder de Polícia dos Órgãos de Trânsito
O Poder de Polícia da Administração Pública está presente nas mais diversas ramificações sociais e dentre elas, destaca-se o trânsito de pedestres e veículos.
O Estado exerce o seu Poder de Polícia de Trânsito através de seus agentes, que devem ter legitimidade para a execução desse poder.
Inicialmente cumpre esclarecer o que vem a ser “trânsito”. O artigo 1º do Código de Trânsito Brasileiro (CTB)14 define trânsito como a utilização das vias por pessoas, veículos e animais, isolados ou em grupos, conduzidos ou não, para fins de circulação, parada, estacionamento e operação de carga ou descarga.
E continua no § 2º do mesmo artigo que o trânsito, em condições seguras, é um direito de todos e dever dos órgãos e entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito, a estes cabendo, no âmbito das respectivas competências, adotar as medidas destinadas a assegurar esse direito.
Paula do Canto Teixeira15 afirma que o poder de polícia de trânsito tem por objetivo disciplinar, controlar e fiscalizar o trânsito dos veículos em geral, coibindo a ocorrência de infrações de trânsito, ora de forma preventiva ora de forma repressiva, através dos seus agentes fiscalizadores.
A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Bahia, foi muito feliz ao perpetrar ação em face das blitzs do IPVA, versando exatamente sobre o que diz essa monografia. Na referida ação a Ordem afirma que o procedimento das blitzs e as consequentes apreensões veiculares em situação de inadimplência configura o exercício ilegal do poder de polícia da Administração Pública, em flagrante desrespeito aos princípios constitucionais, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da propriedade privada, da razoabilidade e da proporcionalidade, com prejuízos de ordem moral e material aos cidadãos. A OAB-BA afirma ainda que deve ser ofertado ao proprietário do veículo discutir a cobrança do imposto citado sem ser privado dos seus direitos de propriedade, ou seja, o que a OAB/BA deseja ver na sua demanda judicial, nada mais é do que aquilo que é utilizado para a cobrança de todo e qualquer imposto. Porque haveria de ter um tratamento diferenciado por parte dos Estados para recebimento dos valores de IPVA nos cofres públicos estaduais?
3.2.2. Auto Executoriedade do Poder de Polícia
Nas palavras de Maffini citadas por Teixeira16, o poder de polícia é concretizável independentemente de qualquer participação (autorização, permissão, deferimento e etc) do Poder Judiciário ou de qualquer outro órgão estatal que não seja a própria Administração Pública.
Nesse mesmo diapasão, Carlin ao referir-se à auto executoriedade esclarece que:
O poder que a Administração tem de executar suas decisões sem consentimento prévio, lançando mão de meios próprios para executar o ato, considerando-se a proporcionalidade, o que significa a exigência de uma relação de limites entre o direito individual e o prejuízo a ser evitado.
Corroborando com o assunto, prevê Gasparini17:
A Administração Pública pode promover, por seus próprios meios, humanos e materiais, a submissão do administrado às determinações editadas, para vê-lo conformado à legislação a que deve obediência, sem necessidade de recorrer a qualquer outro poder.
E Meirelles18 esclarece que para garantir a proteção dos administrados, a Administração pode efetuar diretamente os atos de seu poder de polícia sem necessitar da autorização de outro poder.
Desta forma, há a previsão expressa da auto executoriedade do poder de polícia advindo dos órgãos público de trânsito.
3.2.3. Coercibilidade do Poder de Polícia
Para Mello19, a utilização de meios coativos por parte da Administração Pública, conforme o indicado, é uma necessidade imposta em nome da defesa dos interesses públicos.
Conforme ensina Meirelles20:
A coercibilidade, isto é, a imposição coativa das medidas adotadas pela Administração, constitui também atributo do poder de polícia. Realmente, todo ato de polícia é imperativo (obrigatório para seu destinatário), admitindo até o emprego da força pública para seu cumprimento, quando resistido pelo administrado.
Nesse sentido, Maffini citado por Teixeira explica:
Além disso, se os policiados opuserem indevida resistência à atuação de polícia administrativa, poderá a Administração Pública valer-se de força pública, para a efetivação das medidas cabíveis, desde que sejam tais mecanismos de força pública legalmente previstos e proporcionais à resistência que buscam ultrapassar. Não se admite, por certo, qualquer manifestação de violência gratuita, mesmo que em nome do interesse público inerente ao poder de polícia.
Por fim, tem-se que o atributo da coercibilidade do poder de polícia é indispensável para a Administração pública, já que esta pode e deve atuar com autoridade protegendo o interesse público em detrimento do particular.
3.2.4. Restrições ao Poder de Polícia
A atribuição do poder de polícia está demarcada por dois limites:
O primeiro se encontra no pleno desempenho da atribuição, isto é, no amplo interesse de impor limitações ao exercício da liberdade e ao uso, gozo e disposição da propriedade; o segundo reside na observância dos direitos assegurados aos administrados pelo ordenamento positivo. É na conciliação da necessidade de limitar ou restringir o desfrute da liberdade individual e da propriedade particular com os direitos fundamentais, reconhecidos a favor dos administrados, que se encontram os limites dessa atribuição. 21
Segundo Di Pietro, como todo ato da Administração Pública, o Poder de Polícia não poderia ser diferente, ainda que seja discricionário, se confronta com restrições estabelecidas pelo ordenamento jurídico.22
Vale ressaltar que os limites do poder de polícia administrativa são demarcados pelo interesse social em conciliação com os direitos fundamentais do indivíduo assegurados na CF em seu artigo 5º.
Do absolutismo individual evoluímos para o relativismo social. Os Estados Democráticos, como o nosso, inspiram-se nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana. Daí o equilíbrio a ser procurado entre a fruição dos direitos de cada um e os interesses da coletividade, em favor do bem comum, leciona Hely Lopes Meirelles.23
Assim sendo, o exercício do poder de polícia deve ter amparo legal, do qual derivam seus limites, sobressaindo o direito ou interesse público em detrimento do individual.
Mesmo que a pretexto do exercício do poder de polícia, não se podem aniquilar os direitos individuais e constitucionais de cada indivíduo. Desta forma, qualquer abuso é passível de intervenção judicial. Por óbvio, seria totalmente incompatível o interesse público sempre prevalecer sobre o interesse privado, uma vez que há direitos individuais expressamente assegurados pela nossa Carta Magna e o particular deve lutar pelos seus direitos.
3.3. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE NO PODER DE POLÍCIA
O princípio da proporcionalidade e o princípio da razoabilidade estabelecem limites ao exercício do poder de polícia, exigindo que seja cumprida sua finalidade estabelecida em lei, em vista da qual foi criada.
Para os doutrinadores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino24, o princípio de proporcionalidade é:
Entendido como a necessidade de adequação entre a restrição imposta pela administração e o benefício coletivo que se tem em vista com a medida, também consubstancia um limite inarredável sem vantagem correspondente para a coletividade invalida o fundamento do interesse público do ato de polícia, por ofensa ao princípio da proporcionalidade. Da mesma forma, não pode a administração – sob o pretexto de condicionar o uso de um bem – aniquilar a propriedade individual, em razão da desproporcionalidade da medida.
A utilização de meios coativos pela Administração Pública que interfira individualmente na liberdade e propriedade do particular deve ser realizada com cuidado para evitar maus resultados, nunca devendo aplicar meios mais energéticos que os necessários a obtenção do resultado pretendido pela legislação, sob pena vício que levará a invalidação do ato sob responsabilidade da Administração Pública.
3.3.1. Conforme o Prof. José dos Santos Carvalho Filho:
Se a conduta administrativa é desproporcional, a conclusão inevitável é a de que um ou alguns indivíduos estão sendo prejudicados por excesso de poder, revelando-se ausente o verdadeiro interesse coletivo a ser perseguido e configurando-se, sem duvida, ilegalidade que merece correção.
Tem que haver proporcionalidade entre a medida adotada pela Administração Pública e a finalidade legal que deve ser atingida, havendo ainda proporcionalidade entre a intensidade e a extensão da medida aplicada. Os doutrinadores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino[3] consideram, por exemplo, que
[...] o Poder Público tenha decidido empregar a violência para dissolver uma reunião não autorizada, no entanto pacífica, causando uma desproporcionalidade na intensidade da medida. Ou ainda, que tenha decidido apreender toda a edição de uma revista, por ser ela prejudicial a uma determinada região.
Nesse caso, a medida também é desproporcional em razão da extensão, porque bastava proibir a distribuição naquela determinada região. Nos dois exemplos, a medida será ilegal por violar o princípio constitucional da proporcionalidade.
As sanções impostas pela polícia administrativa devem ser aplicadas de acordo com o devido processo legal, deste modo, dando direito ao particular à ampla defesa, conforme art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal (CF).
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
O Princípio da proporcionalidade deriva, de certo modo, do poder de coerção de que dispõe a Administração ao praticar atos de polícia. Realmente, não se pode conceber que a coerção seja utilizada indevidamente pelos agentes administrativos, o que ocorreria, por exemplo, se usada onde não houvesse necessidade. (CARVALHO FILHO, 2009, p. 87)
Desse modo, ressalva Mello citado por Teixeira (2012, p. 26), que:
No caso da utilização de meios coativos, que, bem por isso, interferem energicamente com a liberdade individual, é preciso que a Administração se comporte com extrema cautela, nunca se servindo de meios enérgicos que os necessários à obtenção do resultado pretendido pela lei, sob pena de vício jurídico que acarretará responsabilidade da Administração. Importa que haja proporcionalidade entre a medida adotada e a finalidade legal a ser atingida.
Di Pietro (2010)25 entende que o poder de polícia não deve ir além do necessário para a satisfação do interesse público que visa proteger; a sua finalidade não é destruir os direitos individuais, mas, ao contrário, assegurar o seu exercício.
As prerrogativas que são conferidas à administração pública têm o intuito, exclusivo, de visar o interesse coletivo, tais prerrogativas devem atender às demandas e necessidades como um todo.
A conduta administrativa não pode ser desproporcional, pois isso traz uma conclusão inevitável, que um ou mais de um indivíduo estariam sendo prejudicados por excesso de poder, revelando-se totalmente desvirtuado o conceito de “prerrogativas”, despindo-se, pois, do interesse coletivo que deveria ser perseguido, culminando numa ilegalidade sem precedente que merece correção.26
Hely Lopes (2004)27 diz que sacrificar um direito ou uma liberdade do indivíduo sem vantagem para a coletividade invalida o fundamento social do ato de polícia, pela desproporcionalidade da medida.
Viegas (2012)28 conclui afirmando que o princípio da supremacia do interesse público deve ter uma aplicação limitada, bem como deve ser pautado no princípio da razoabilidade e proporcionalidade, incumbindo ao administrador ponderar os interesses em jogo, uma vez que o particular deve ser reconhecido como um ser social possuindo legítimas prerrogativas individuais.
O poder de polícia deve ser exercitado com a finalidade determinar critérios de limitação para as diversas esferas do Poder Público.
Deve haver equilíbrio nas decisões e atitudes tomadas pelo poder público, não pode o agente público, se valendo do funcionalismo público para adotar providências mais intensas do que aquelas necessárias ao caso concreto, sob pena de invalidação, por violação à legalidade, e consequentemente aos direitos individuais do cidadão, tendo como subterfúgio o atendimento ao interesse público.
Os atos praticados pelos agentes de trânsito, precisam, necessariamente, estar de acordo com os princípios da Administração, elidindo qualquer abusividade nos atos perpetrados por eles, rechaçando a abusividade e arbitrariedade por ventura existente. A moralidade administrativa e o interesse coletivo condicionam a legalidade.
Ressalte-se que o desempenho da função administrativa deve estar norteado em medidas menos onerosas para o alcance dos seus fins, sendo ações mais adequadas e proporcionais aos fins, sob pena de viciar o ato por ferir princípios administrativos.
O poder de polícia dentro da Administração Pública deve sempre observar a finalidade do interesse público em detrimento ao interesse particular, vez que cumpre o seu papel de “publico”, entretanto, os atos devem ser exercidos com extrema cautela, para que os mesmos não ultrapassem o que a lei permite, sempre observando os princípios constitucionais. Sendo assim, o princípio da proporcionalidade atua como limitador quando a Administração estiver no exercício do poder de polícia administrativo. Conclui-se que, como todo ato da Administração Pública, a polícia administrativa mesmo discricionária, sempre terá limite imposto pela lei e observando sempre o princípio da proporcionalidade.
4. INCONSTITUCIONALIDADE DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO
O Código de Trânsito Brasileiro29 é claro ao falar da apreensão do veículo no caso de não ter o licenciamento atual:
Artigo 230: Conduzir o veículo:
V – que não esteja registrado e devidamente licenciado.
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e apreensão do veículo
Medida Administrativa – remoção do veículo
Art. 269. A autoridade de trânsito ou seus agentes, na esfera das competências estabelecidas neste Código e dentro de sua circunscrição, deverá adotar as seguintes medidas administrativas:
I – retenção do veículo;
II – remoção do veículo;
A grande diferença entre retenção e remoção do veículo é que a primeira medida é apenas uma imobilização do veículo para sanar a irregularidade. Já a remoção prevê o deslocamento do veículo, por meio de um guincho, para depósito fixado pela autoridade de trânsito. Após a remoção, o veículo só é restituído ao proprietário depois do pagamento de multas, taxas e despesas com remoção e estada. Além, é claro, do “reparo de qualquer componente ou equipamento obrigatório que não esteja em perfeito estado de funcionamento” (parágrafo 2º do artigo 271).
Frise-se para a informação de que, além de ser compelido de forma arbitrária ao pagamento do imposto sem que a autoridade competente se utilize do trâmite regular para punir aquele cidadão, agente passivo do tributo ainda terá que arcar com as despesas do “pátio” para o qual o seu veículo, de maneira inconstitucional, foi encaminhado.
Imagine a seguinte situação: Em 10 de julho de 2018, um cidadão transitando pela cidade, dirigindo o seu veículo Ford Ka 2017/2017, em uma tarde ensolarada de domingo, indo a uma praça local, passar uma tarde em família, levando sua esposa e filho. Ambos com o cinto de segurança, o bebe devidamente seguro na sua cadeirinha. O motorista avista uma blitz e é solicitado que o mesmo encoste o seu veículo – a autoridade de trânsito, muito atentamente, observou o final da numeração da placa do carro e visualizou naquele veículo um potencial arrecadotorio (IPVA “atrasado” + taxas de pátio e guincho). Ao cidadão é solicitada a sua CNH, a mesma encontra-se valida, ao consultar remotamente o sistema, o cidadão não possui qualquer pontuação na sua carteira, ou multas pendentes de pagamento, não se encontra infringindo nenhuma regra de trânsito, vamos imaginar que o teste de alcoolemia foi solicitado, e o mesmo passou ileso. Por fim, ao verificar o CRLV o agente de trânsito repara que, estando em Julho de 2018, o sujeito está com o CRLV datado de 2017, e a sua placa é final 01, ou seja, a sua cota única do IPVA venceu em janeiro, ou, na melhor das hipóteses, a última parcela do licenciamento + IPVA venceu em abril de 2018, logo, o cidadão encontra-se inadimplente com o Estado há 3 meses e trafegando com o seu veículo com pouco mais de 1 ano de comprado, ou seja, em perfeito estado e condições de tráfego, é compelido a sair do seu veículo, com sua esposa e filho de um pouco mais de 8 meses, e verá o seu veículo ser guinchado e levado a um “pátio mais próximo”, terá que, neste momento, buscar ajuda de um familiar/amigo/taxi/uber, para se locomover com a sua família e “ir atrás do seu carro”, para saber em qual pátio ele deverá se dirigir apenas na segunda-feira, dentro do expediente do órgão de trânsito, para retirar o boleto com o valor do IPVA + Licenciamento + Taxas, ir ao Banco conveniado mais próximo, realizar o pagamento, retornar ao órgão de trânsito (se locomovendo, a pé, ou de táxi, ou de ônibus), comprovar o pagamento e, por fim, conseguir retirar o seu veículo (e todos os lacres inconvenientes que são colocados nele).
Diante dessa narrativa, só resta a certeza de que, se não é apenas com efeito meramente arrecadatório e “transtornotório” (licença poética), qual seria o objetivo precípuo dos órgãos de trânsito de se utilizar deste “trâmite processual à Brasileira”, para ver adimplido o IPVA?
Como visto acima, o problema maior é que, atualmente, não existe a possibilidade de ter o licenciamento do veículo sem o pagamento do IPVA, taxas e demais multas registradas naquele veículo durante o exercício anterior.
Além de todo o exposto, tal atitude dos entes públicos de trânsito, fere, ainda, o direito a dignidade, tendo em vista que o Estado não pode se utilizar de conduta para imprimir sofrimento, dor e angustia ao administrado, única e exclusivamente com o objetivo de coagi-lo a adimplir com tributos. Destarte tal situação, vislumbra-se um horrível afronta à dignidade da pessoa humana.
Rizzatto Nunes considera, ainda, que tal princípio seria supra constitucional, como se houvesse uma hierarquia entre princípios e este estivesse no topo da pirâmide, sendo, portanto, o principio mais importante, além mesmo daqueles que a CF dispõe.
Art. 1º- A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana.
Para Rizatto, todo ordenamento é sustentado por esse princípio, não podendo o Estado utilizar-se de qualquer meio que venha a afligir esse conceito.
Apreender um veículo por ausência de pagamento do tributo correlato é, sem dúvida, o retrato da ofensa à dignidade humana, é humilhante, degradante, é uma violência sem precedentes.
Assim, em virtude do quanto disposto no próprio CTB, o Estado acha que está legalmente amparado para promover aquilo que deveria ser considerado como abuso de poder de polícia: a apreensão do veículo por atraso no pagamento de tributos, o qual é ilegal, abusivo, imoral e, por isso, deve ser combatido.
Visivelmente inconstitucional esse dispositivo do Código de Trânsito Brasileiro, o que pode ser proferido por qualquer juiz de primeiro grau. Sendo assim, obviamente o Estado não pode utilizar a apreensão do veículo por falta do pagamento do Licenciamento, do IPVA, ou de qualquer outro tributo, pois trata-se de um ato abusivo de poder de polícia do Estado.
O ato da apreensão veicular configura conduta arbitrária e ilegal com o intuito coercitivo de cobrança do tributo, sendo meramente confiscatório, com base nos princípios constitucionais.
De forma equivocada, o Estado condiciona a liberação do Licenciamento à quitação de todos os débitos do veículo. Desta forma, surge, então, as blitz para apreensão de veículos não pelo atraso do IPVA, mas sim pela ausência de licenciamento. Entretanto, a junção dessas duas obrigações fez surgir uma disposição inconstitucional e que viola direitos basilares dos cidadãos proprietários de veículos automotores, ao respaldar a administração pública a auto executar a cobrança de um tributo que, em verdade, possui meios para ser exigido pelo Estado. O vínculo entre licenciamento e IPVA, fez surgir uma “falsa legalidade” nas apreensões de veículos, respaldadas na falta de licenciamento, mas que acaba por obrigar o contribuinte a adimplir, de forma imediata, o IPVA para ter o seu bem devolvido para a sua esfera pessoal.
Tal dispositivo ao ser interpretado dessa forma preenche de ferramentas inconstitucionais o Estado que, de forma extremamente “fácil” e rápida, e no exercício do seu poder de polícia, apreende veículos que não estejam licenciados, propiciando o rápido pagamento de um tributo em atraso, fazendo gerar receita aos cofres públicos de forma extremamente mais célere acaso se utilizasse do meio legal apto à cobrar tributos em atraso (Execução Fiscal). Entretanto, transvestido de uma ferramenta inconstitucional que viola a esfera pessoal do contribuinte demonstrando a sua intenção meramente confiscatória e desarrazoada.
Tal entendimento já foi exarado pela Justiça Baiana através de Decisão proferida pela juíza de Direito Maria Verônica Moreira Ramiro, da 11ª Vara da Fazenda Pública, ao acolher o pedido da OAB-BA. A Magistrada determinou que o governo do estado da Bahia deve que cobrar o imposto utilizando meios previstos na legislação, abstendo-se de apreender os automóveis dos contribuintes baianos em razão do não pagamento do IPVA, sob pena de multa de R$ 50 mil por operação de blitz.
Essa decisão, porém, não impede que o motorista pego em flagrante receba uma multa de R$ 191,53 e sete pontos na Carteira Nacional de Habilitação, decorrente da falta do Certificado de Registro e de Licenciamento de Veículo (CRLV), documento gerado apenas para quem está com o imposto em dia, o que deve ser considerado totalmente legítimo, do ponto de vista da sanção administrativa-educativa, mas jamais a apreensão do bem que originou o débito do IPVA em comento. O Estado deve se valer de meios aptos à efetivação da cobrança, como todo e qualquer ente Federativo.
O Estado para cobrar o IPVA inscreve o nome do contribuinte no CADIN, na Dívida Ativa, no Serasa, pode protestar o contribuinte e deve utilizar-se das vias judiciais para receber o imposto que lhe é devido, mas em hipótese alguma pode determinar o recolhimento do veículo pela falta do pagamento, tal ato é confisco.
Dentre os comandos legais dispostos, estão os de caráter sancionador. Ou seja, a lei deve prever punição a quem não cumpra com os deveres decorrentes da constituição do critério material de hipótese tributária. No caso do IPVA, o contribuinte deve estar atento às obrigações documentais e de segurança que o Estado institui, para que possa se locomover com o seu veículo automotor de maneira regular pelas vias públicas.
As punições vão das de caráter pecuniário e administrativo, às de viés restritivo de circulação, não do contribuinte, mas sim do veículo que o mesmo possui.
Uma delas é a proibição de licenciamento ou transferência de propriedade de veículos automotores, em caso de pendência de quitação integral do imposto devido nos exercícios anteriores e do exercício corrente.
Assim, a falta de pagamento do IPVA impede que o proprietário do veículo, ainda que novo, em decorrência de transferência de propriedade de outrem, realize o registro do veículo em seu nome. O reflexo prático é o de que, no banco de dados do DETRAN, o antigo dono irá permanecer como proprietário do veículo até que sejam pagos todos os impostos e demais obrigações tributárias pendentes.
Outra punição ao proprietário de veículo automotor que não cumpra com os deveres instrumentais a ele ligados, ou seja, que não cumpra os procedimentos administrativos previstos à regulamentação da propriedade desse bem, é a da apreensão do veículo.
O Código de Trânsito Brasileiro considera falta gravíssima do proprietário, conduzir ou deixar que conduzam seu veículo automotor sem o devido registro e licenciamento. A natureza da falta se revela nas suas punições: imposição multa, sete pontos na carteira nacional de habilitação, apreensão e remoção do veículo para o DETRAN, ou outro órgão competente.
Desta forma, resta claro que o comando constante do CTB traz uma sanção inconstitucional, ao retirar da esfera do contribuinte o seu bem, usurpando-o da utilização do seu veículo em virtude da falta de pagamento de um tributo, sendo que há, enquanto Poder Público, formas legais e efetivas de ver cumprida a obrigação de pagar o imposto. A conduta trazida pelo CTB demonstra o efeito meramente confiscatório que se deseja empregar ao comando legal, cumulado com o enriquecimento ilícito por parte do órgão fiscalizados, pois além da multa, dos pontos na CNH, da remoção do veículo, o motorista inadimplente ainda se vê obrigado a arcar com a diária do pátio no qual o seu veículo esteve, o que não denota qualquer razoabilidade.
4.1. EFEITO MERAMENTE CONFISCATÓRIO
O artigo 150 da Constituição Federal é claro ao dispor que sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, utilizar o tributo com efeito de confisco.30
Ao determinar o recolhimento do veículo cujo pagamento do IPVA não estiver em dia, o Estado age com intuito confiscatório, determinando no primeiro momento a perda do bem, que somente será restituído com o pagamento do tributo.
O Instituto de Estudos Tributários pronunciou-se no sentido de considerar a medida inconstitucional e coercitiva, uma vez que ninguém pode ter o veículo apreendido por débito de imposto, justamente, porque ninguém poderá ser cobrado de forma coercitiva.
Esse posicionamento foi acatado pela 11ª Vara da Fazenda Pública da Bahia. A Juíza ao conceder a liminar em ação proposta pela OAB baiana suspendeu no Estado as operações intituladas Blitz do IPVA, realizada pelo Fisco Estadual que determinava a seus agentes o recolhimento do veículo pego na operação. Ao fundamentar a decisão foi entendido que não há forma de se ilidir ou desafiar o Direito de Propriedade em razão do atraso no pagamento de Imposto, sobretudo, do IPVA. O Estado dispõe de meios coercitivos próprios e legítimos para cobrança de tributos, como é o caso da inscrição em dívida ativa e execução fiscal, sendo inadmissível o recolhimento do veículo para que o proprietário se veja obrigado e coagido a pagar o tributo. O recolhimento do veículo é utilizado para intimidar o contribuinte, um meio indireto e violento para forçá-lo ao pagamento. A inconstitucionalidade dessa sanção política-administrativa é patente e não subsiste se confrontada com os Direitos Fundamentais do contribuinte, que são severamente violados com a conduta de recolhimento do veículo por atraso no pagamento do tributo.
A violação aos direitos e garantias fundamentais do cidadão é gritante e devemos ficar muito atentos às arbitrariedades cometidas em nome da lei e da ganância de arrecadação por parte do ente público.
Entender como legitima a apreensão de veículo com o IPVA atrasado é aceitar ato meramente confiscatório vindo do Estado, e a condição de vítima do contribuinte ao ter o seu bem usurpado da sua esfera pessoal e de utilização, enquanto que, deveria figurar como réu (executado) de uma ação apta a exigir o pagamento do imposto em comento, juntamente com o principal e juros do valor que deveria ter sido pago na data do fato gerador do tributo.
Deve-se compreender que existem alguns strong>princípios norteadores à aplicação do Direito e limitadores, especialmente, à atuação de órgãos administrativos, que servem como condão basilares à conservação dos direitos e deveres dos cidadãos.
O STF, através do entendimento exarado pela Súmula 323 manifesta o mesmo entendimento ao dizer que é inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos. Ou seja, a interpretação que se é dada ao dispositivo contido no CTB é, nada mais nada menos, do que contrário ao que prega a Constituição Federal e os nossos Tribunais Pátrios.
Não qualquer outro sentido na apreensão veicular do cidadão que se encontra com o IPVA atrasado a não ser usurpa-lo do direito de utilizar o seu bem de forma plena, não havendo qualquer respaldo legal para que o CTB tenha em seu bojo tal determinação. A apreensão do veículo não irá propiciar ao cidadão que cumpra com as suas obrigações e passe a adimplir com o IPVA, a apropriação do veículo nada mais representa do que uma atitude meramente confiscatória por parte do ente público Estatal, não fazendo qualquer sentido, ou guardando qualquer relevância com o razoável, tal medida.
Aplicar para o não pagamento do IPVA a mesma medida que se adota para o motorista que é flagrado conduzindo o veículo sem CNH ou embriagado, qual seja, limitar a sua locomoção, seja removendo o automóvel, seja exigindo que somente com outro condutor habilitado e devidamente consciente seja possível sair do local já mostra o quão sem nexo e coerência é a penalidade prevista no CTB para os motoristas que inadimplirem com o licenciamento anual do veículo e consequentemente com o pagamento do IPVA.
Isso porque, o motorista inadimplente, diferente daquele que não possui habilitação para conduzir o veiculo, ou aquele que está sob efeito de álcool e/ou outras drogas, não apresenta qualquer risco para a sociedade, saúde e integridade física de outros motoristas e pedestres, ou seja, corroborando, assim, com o entendimento exarado neste trabalho de que a conduta fixada no artigo 230 do CTB trata-se, então, realmente de efeito meramente confiscatório, não havendo, portanto, qualquer outro intuito nesta penalidade.
4.2. Princípio da Vedação ao Confisco
Confisco, ou confiscação, é o ato pelo qual se apreendem e se adjudicam ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença judicial, fundada em lei.
A Constituição Federal impõe o seguinte:
Art. 150: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – Utilizar tributo com efeito confiscatório31
Dessa forma, percebemos que o princípio do não confisco diz que o Estado não pode utilizar os tributos para retirar os bens do cidadão e incorporá-los ao tesouro estadual, ou repassá-lo a outros.
A Constituição impõe um limite ao poder do Estado de tributar e da forma de cobrar esses tributos. Em alguns estados, como a Bahia, por exemplo, já houve suspensão desse tipo de blitz para apreensão de veículos.
O referido princípio determina que não haverá cobrança de tributo que venha a acarretar perda total do patrimônio do contribuinte.
O CTN32, determina que a imposição de um determinado tributo não pode ter por consequência o desaparecimento total de um determinado bem. Sendo assim, o valor de uma exação deve ser razoável e deve observar a capacidade contributiva do sujeito passivo do tributo. Tem-se como exemplos de condutas vedadas o tributo sobre patrimônio que acarreta a inutilização de uma propriedade e o imposto sobre a renda que impossibilite o sujeito passivo de auferi-la.
Configura-se, do mesmo modo que outros princípios tributários, uma limitação ao poder de tributar do Estado, e que, por conseguinte, estabelece uma garantia fundamental ao sujeito passivo.
A Constituição Federal impõe o seguinte:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
IV – utilizar tributo com efeito de confisco.33
Dessa forma, percebemos que o princípio do não confisco diz que o Estado não pode utilizar os tributos para retirar os bens do cidadão e incorporá-los ao tesouro estadual, ou repassá-lo a outros.A Constituição impõe um limite ao poder do Estado de tributar e da forma de cobrar esses tributos. Em alguns estados, como a Bahia, por exemplo, já houve suspensão desse tipo de blitz para apreensão de veículos.
Diante do quanto exposto neste capitulo, cumulado com o entendimento exarado em relação ao efeito meramente confiscatório, o objetivo precípuo de se identificar e estabelecer a inconstitucionalidade do dispositivo do CTB é para evitar o efeito meramente confiscatório e tentar perpetrar um diploma que esteja em consonância com a vedação ao confisco que é o que se deseja rebater a todo momento.
4.2.1. Princípio da Capacidade Contributiva
Há no ordenamento jurídico o Princípio da Capacidade Contributiva, que versa, como o próprio nome sugere, sobre a capacidade que cada indivíduo tem de contribuir para o herário. Aqui a “contribuição” diz respeito a condição socioeconômica de cada indivíduo.
Contemplado, também, pela CF/88 em seu artigo 14534:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Além de estar previsto na Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de 178935:
Art. 13º. Para a manutenção da força pública e para as despesas de administração é indispensável uma contribuição comum que deve ser dividida entre os cidadãos de acordo com suas possibilidades.
Art. 14º. Todos os cidadãos têm direito de verificar, por si ou pelos seus representantes, da necessidade da contribuição pública, de consenti-la livremente, de observar o seu emprego e de lhe fixar a repartição, a coleta, a cobrança e a duração.
Apenas em um dado momento haveria de ser ter tratamento igual aos desiguais, como dizia o grande Rui Barbosa, em matéria tributária: Se cada qual tivesse de contribuir com o imposto, de acordo com a sua capacidade contributiva.36
O legislador deve considerar tais disparidades, a juridicidade da capacidade contributiva resulta do lado positivo do princípio da igualdade: o dever imposto ao legislador de distinguir disparidades. A isonomia é aceita como igualdade de direito e deveres entre os indivíduos, e o tributo é um dever, um dever obrigacional, cuja principal característica é ser patrimonial, levar dinheiro aos cofres públicos.
O que se quer, ao final, é simplesmente que esse dever seja igual para todos, importando em sacrifícios iguais para todos os cidadãos. Seria, senão, infratora a norma que determinasse o pagamento, por todos os cidadãos, de forma indiscriminada, um imposto de valor fixo sobre a renda auferida por todos os brasileiros no exercício anterior.
Logo, o que se tem, consagrando o princípio da isonomia cumulado com o princípio da capacidade contributiva são alíquotas diferentes para diferentes rendimentos auferidos ao final de cada ano. O mesmo entendimento se aplica aos impostos que incidem sobre bens moveis e imóveis, alíquotas iguais (valor venal do bem), mas cada indivíduo, na medida da sua capacidade, seja aquele que mora em uma mansão, ou aquele que mora na periferia da cidade, serão alvos da mesma alíquota, porém, possuindo “bases de cálculos” (iguais por ser o valor venal do bem), porém diferentes, na medida das suas diferenças, em virtude da diferença monetária do próprio bem de cada uma delas.
Sendo assim, o lado positivo da igualdade, enquanto o dever de distinguir a desigualdade, impõe-se seja o tributo quantificado segundo a capacidade contributiva de cada indivíduo, que é diferente de um cidadão para o outro, e o lado negativo do princípio, enquanto dever de não discriminar, tem o condão de constranger o legislador ordinário a criar os mesmos deveres tributários para aqueles que manifestarem idêntica capacidade econômica, configura, pois, os requisitos de generalidade e proporcionalidade da norma tributária.37
Desta forma, fica evidente que no sistema jurídico todos os impostos, em princípio, devem ser progressivos, as leis que os criam devem estruturá-los de tal modo que suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de cálculo.
Importante salientar que progressividade não se confunde com proporcionalidade, esta limitada ao princípio da capacidade contributiva, já que faz com que pessoas economicamente fracas e pessoas economicamente fortes paguem impostos com as mesmas alíquotas. A progressividade das alíquotas no Direito tributário, está longe de criar atrito com o sistema jurídico, é o meio mais eficaz de afastar as injustiças do ponto de vista tributário, já que vedados pela Constituição Federativa do Brasil. Se não existissem os impostos progressivos não haveria como atingir a igualdade tributária tão ventilada pela CF. Desta forma, o sistema de impostos, no Brasil, deve ser seguido pelo critério da progressividade.
Caso existissem impostos com alíquotas fixas, isso traria um agravamento das diferenças sociais já existentes, já que o ordenamento jurídico trataria de maneira idêntica contribuintes que, do aspecto da capacidade contributiva (econômica), são absolutamente diferentes, sendo, portanto, inconstitucional por ofensa ao princípio da capacidade contributiva que determina que cada contribuinte deve ser tributado de acordo com as suas manifestações objetivas de patrimônio e riqueza.
O princípio da igualdade exige que a lei: a) não discrimine aos contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente, b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente.
A capacidade contributiva o qual menciona a Constituição recai sobre impostos de competência objetiva e não subjetiva. Objetiva porque se refere, não às condições econômicas reais de cada contribuinte, mas as suas manifestações objetivas de riqueza. Assim atende ao princípio da capacidade contributiva a lei que, ao criar o imposto, coloca em sua hipótese de incidência fatos desse tipo. Com efeito a hipótese de incidência dos impostos deve descrever fatos que façam presumir que quem os pratica, ou por eles é alcançado, possui capacidade econômica para tanto.
Assim, o legislador tem o dever, enquanto descreve a hipótese de incidência e a base de cálculo dos impostos, de escolher fatos que denotem riqueza, que tragam o verdadeiro poderio econômico, devendo ser atual, nem se referir a época passada, e nem à situação econômica que venha a ser alcançada no futuro, deve tratar do presente.
A lei que cria em abstrato o imposto não precisa, no entanto, atender às desigualdades individuais do contribuinte, ao passo em que, o Poder Judiciário, quando provocado, não pode deixar de aplicar a legislação existente alegando em virtude das condições pessoais do contribuinte.
Pode-se perceber a influência do princípio da capacidade contributiva em outras normas constitucionais tributárias. É o caso da que declara imune a tributação por via de Imposto Territorial Rural os proprietários de glebas rurais (art.153, parágrafo 4º, II, da Constituição Federal); da que protege da tributação por via de Imposto de Renda os rendimentos provenientes de aposentadorias e pensões recebidos por pessoas com idade superior a 65 anos (art. 153, parágrafo 2º, II, da CF) e das que obrigam o legislador a tornar seletivos o Imposto de Produtos Industrializados, em função da essencialidade dos produtos industrializados (art. 153, parágrafo 3º, I, da CF) e o Imposto de Circulação, Mercadorias e Serviços, em função da essencialidade das mercadorias ou dos serviços (art. 155, parágrafo 2º, III, da CF).38
Em relação às duas últimas normas constitucionais, tem-se que eles exigem que as operações com os produtos ou gêneros de primeira necessidade venham receber tratamento tributário mais brando do que o dispensado às operações com produtos ou gêneros menos essenciais. Quando possível, todos os impostos devem atender ao princípio da capacidade contributiva.
4.2.2. Princípio da Proporcionalidade e Razoabilidade
O princípio da proporcionalidade deve ser tratado ao estudar o tema em comento, uma vez que, fazendo um pequeno link entre o título do presente trabalho e a atitude que se deseja rechaçar dos prepostos dos órgãos de trânsito, tem-se o princípio da proporcionalidade e razoabilidade como principal “vítima” da arbitrariedade contida no Código de Trânsito Brasileiro.
O princípio da proporcionalidade (que em inúmeras oportunidades é tratado como princípio contido no âmbito da razoabilidade) tem por finalidade precípua equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade.
Na seara administrativa, segundo o mestre Dirley da Cunha Júnior, a proporcionalidade “é um importante princípio constitucional que limita a atuação e a discricionariedade dos poderes públicos e, em especial, veda que a Administração Pública aja com excesso ou valendo-se de atos inúteis, desvantajosos, desarrazoados e desproporcionais”.39
Complementando, a professora Fernanda Marinela assevera que embora referido princípio não esteja expresso no texto constitucional, alguns dispositivos podem ser utilizados como paradigmas para o seu reconhecimento, como, por exemplo, o artigo 37 combinado com o artigo 5º, inciso II e o artigo 84, inciso IV, todas da Magna Carta40, o que demonstra de forma enfática o desrespeito ao dispositivo constitucional encontrado no CTB ao tratar sobre a matéria em comento.
Foge o razoável e aceitável o entendimento do legislador de trânsito ao fixar a medida de remoção veicular para casos de inadimplemento do IPVA, não se fazendo valer das medidas mormente legais e conhecidas pelos demais entes federativos e o próprio estado quando da cobrança de diversos outros tributos (ICMS, por exemplo).
4.3. DAS SÚMULAS 70,323 e 547 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O STF já tratou dessa questão e impede de forma sumular, ou seja, quando demonstra o seu entendimento reiterado, que é inconstitucional o Estado apreender bens com o fim de receber tributos.
SÚMULA 70 É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
SÚMULA 323 É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
SÚMULA 547 Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Pelas súmulas apresentadas, percebe-se que o entendimento do STF é totalmente contrário à blitz que apreende o veículo, por ser cabalmente inconstitucional. O direito à propriedade também é um direito amplamente ferido com a prática em questão. A Constituição federal consagra o direito à propriedade, concedendo o poder ao cidadão:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XXII – é garantido o direito de propriedade.
Veja bem, um cidadão não pode ter o seu bem arrancado de suas mãos sem se defender, porque o direito de possuir bens é assegurado pela constituição. A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. O Estado é limitado ao exercer desapropriação e proibido de realizar confisco através de impostos.
Caso o Estado queira receber os tributos, que procure os meios legais, fazendo uso do devido processo legal, e não através de um descarado abuso de poder de polícia. O Código Civil regula como a pessoa pode fazer uso de sua propriedade.
Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.41
O direito à propriedade é sagrado, não podendo ser usurpado por ninguém, nem mesmo pela administração pública.
4.3.1. Competência Tributária
A definição e atribuição da competência tributária é dada pela Carta Magna de 88 aos entes políticos do Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), dando-lhes a prerrogativa principal de instituir/criar tributos.
Em verdade, a competência tributária é conceito muito mais amplo, e, pode-se dizer muito mais importante do que a capacidade tributária ativa. Trata-se, portanto, a primeira, de matéria que mereceu relevância constitucional e que emana diretamente da própria soberania estatal, no seu legítimo “poder de tributar”.
Assim, para que possamos entender o conceito de competência, mister se faz a análise primária do próprio Estado enquanto entidade soberana.
Nesse sentido, o professor Hugo de Brito Machado42, estabelece os contornos de soberania e nos ensina:
(...) o Estado é entidade soberana. No plano interno tem o poder de governar todos os indivíduos que se encontrem no seu território. Caracteriza-se a soberania como a vontade superior às vontades individuais, como um poder que não reconhece superior.
Apenas complementando os conceitos anteriores, vale citar os importantes comentários do professor Sacha Calmon Navarro Coelho:
O poder de tributar é exercido pelo Estado por delegação do povo. O Estado, ente constitucional é produto da Assembleia Constituinte, expressão básica e fundamental da vontade coletiva. A Constituição, estatuto fundante, cria juridicamente o Estado, determina-lhe a estrutura básica, institui poderes, fixa competências, discrimina e estatui os direitos e garantias das pessoas, protegendo a sociedade civil.(COELHO, pág. 39) 43
Enfim, pode-se dizer que a Competência Tributária é o poder atribuído aos entes políticos estatais pela Constituição Federal, para que os mesmos possam instituir tributo:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos (...)3.
Temos assim a competência tributária — ou seja, a aptidão para criar tributos — da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Todos têm, dentro de certos limites, o poder de criar determinados tributos e definir o seu alcance, obedecidos os critérios de três
partilha de competência estabelecidos pela Constituição. A competência engloba, portanto, um amplo poder político no que respeita a decisões sobre a própria criação do tributo e sobre a amplitude da incidência, não obstante o legislador esteja submetido a vários balizamentos. A competência tributária também se encontra amplamente conceituada no CTN – Código Tributário Nacional, incluindo, aqui, a competência legislativa correspondente, observando as limitações pertinentes:
Art. 6º A atribuição constitucional de competência tributária compreende a competência legislativa plena, ressalvadas as limitações contidas na Constituição Federal, nas Constituições dos Estados e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, e observado o disposto nesta Lei. Como demonstrado, no direito tributário, a competência é outorgada pela Constituição Federal que se incumbe de “reparti-la” entre os entes políticos da Federação. 44
Todavia, conforme se verifica do próprio CTN, “repartição” de competências não é sinônimo de “delegação”, já que a Competência Tributária tem caráter indelegável.
Segundo o Professor Dalmiro Camanducaia45, a competência pode ser classificada da seguinte forma:
A) PRIVATIVA: é a relativa aos impostos, ou seja, os impostos previstos na Constituição foram divididos entre as 04 (quatro) pessoas políticas. Se uma pessoa é competente para a instituição de determinado imposto, por exclusão, as demais não o são.
B) COMUM: é a relativa à imposição de taxas e contribuições de melhoria. Qualquer das pessoas políticas que preste os serviços descritos no art. 145 da CF ou que realize obras públicas das quais resulte valorização imobiliária terá legitimidade a exigir, respectivamente, taxas e contribuição de melhoria.
C) ESPECIAL: é a que outorga à União (e só à União) o poder de instituir empréstimo compulsório. Também é aquela que permite aos Estados e Municípios exigirem, de seus funcionários, contribuições sociais nos termos do previsto no § 1O do art. 149.
D) RESIDUAL: é a que outorga à União (e só à União) o poder de instituir novos impostos, distintos dos já previstos na constituição.
E) EXTRAORDINÁRIA: é a que outorga à União (e só à União) o poder de instituir impostos extraordinários, nas situações previstas no art. 154, II da Constituição.
F) CUMULATIVA: é a que permite a uma determinada pessoa política exigir tributos relativos a pessoas distintas (CF, art. 147).
5. PROCESSO TRIBUTÁRIO
O processo administrativo tributário (ou processo administrativo fiscal, como muitas vezes é referido) caracterizado como um meio do direito material tributário exercido por intermédio dos órgãos competentes em todo o território nacional: a Administração Pública federal, estadual e municipal.
Pode-se entender que o processo administrativo tributário se compreende como todos os atos administrativos da situação jurídica, tendo a presença do fisco e do contribuinte, enquanto em caráter estrito podemos compreende-lo como uma espécie de processo cuja finalidade é a determinação e exigência do crédito tributário. Em regra, o conteúdo do mesmo é de natureza administrativa, embora seja admitida a natureza jurisdicional em alguns casos.
Por outro lado, na esfera do processo judicial tributário encontramos a instauração de um processo judicial propriamente dito, de iniciativa de particulares ou da fazenda pública. O mesmo é caracterizado por meio do concretismo do direito material tributário e realizado no âmbito do Poder Judiciário.
Destaca-se que sempre que estudamos material processual tributário encontramos divergências e falhas próprias da legislação processual tributária “latu sensu”, visto a ausência de uma legislação própria para a esfera processual tributário. Nesse sentido MACHADO (2001)46 defende:
Não há um direito processual tributário próprio nem um Código de Processo Tributário. Há um direito processual aplicável às relações tributárias. O direito tributário está tutelado por ações previstas no Código de Processo Civil e na legislação processual esparsa, especialmente na Lei n. 6.830, de 22 de novembro de 1980.
Mesmo com essa carência de uma legislação específica, não podemos descartar a importância dos processos administrativo tributário e judicial tributário (esse último o qual é prejudicado pela ausência de um código de processo tributário). O processo administrativo tributário, por exemplo, mostra-se um instrumento valioso para a resolução de conflitos, de maneira mais acelerada e menos burocrática tanto para o contribuinte quanto para o Fisco no âmbito da justiça fiscal.
A fim de verificarmos que existe, no Direito, vias legais, corretas e dentro do âmbito dos princípios fazer com que o contribuinte inadimplente cumpra a sua obrigação de pagar os seus tributos.
Tem-se, portanto, que o procedimento administrativo tributário é conjunto de atos administrativos ou procedimentos aplicados às normas materiais de direito tributário em face da relação jurídica entre o fisco e o contribuinte. É aquele destinado à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, tendo a finalidade de resolver possíveis divergências existentes entre tais sujeitos (ativo e passivo).
Havendo divergência jurídica entre fisco e sujeito passivo tributário, as partes têm duas possibilidades de recorrência para resolver o conflito: o processo administrativo tributário ou o processo judicial.
Tais processos têm seu fundamento de validade no artigo 5º, inciso LV da CF/8847 que elucida:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
Sendo certo que, no processo judicial e no processo administrativo, à luz dos princípios que permeiam o Direito, são assegurados ao contribuinte o contraditório e ampla defesa, inclusive os recursos inerentes ao processo, o que diverge totalmente da conduta adotada pelos órgãos fiscalizadores que, corrompendo tais princípios, detectam o inadimplemento, executam e sentenciam o “processo” ao procederem com a retenção veicular.
5.1. O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO E O PROCESSO JUDICIAL TRIBUTÁRIO
Diante de todo o exposto e a demonstração da contra mão utilizada pelos órgãos de trânsito quando se utilizam da apreensão veicular por falta de pagamento do IPVA, no que diz respeito à observância do procedimento processual, passamos à necessária análise e compreensão do andamento do processo tributário que consiste, basicamente, no conjunto de atos administrativo ou judicial, este último com cunho aplicativo das normas materiais e processuais do direito tributário em face da relação entre fisco e contribuinte.
O procedimento administrativo tributário é aquele destinado precipuamente à determinação, exigência ou dispensa de algum crédito fiscal, tendo como finalidade principal resolver possíveis divergências de entendimento entre os sujeitos do processo administrativo, quais sejam: fisco e contribuinte.
Havendo uma divergência de natureza jurídica entre os polos contrários do processo, as partes têm sempre duas opções distintas de resolução do conflito: recorrer ao processo administrativo tributário ou para o processo judicial tributário em si.
Ambas modalidades têm seus fundamentos de validade no artigo 5º, inciso LV da CRFB/88 e no CTN, que elucidam, respectivamente:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Como é sabido e esperado, em ambas modalidades processuais o contribuinte tem assegurado o seu direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como todos os meios e recursos inerentes aos processos correlatos. Como já tratado no presente trabalho, a ampla defesa, em apertada síntese, consiste no direito do acusado de representar todos os meios legais necessários para que prove sua inocência (como documentos, testemunhas e outros recursos). Já o direito ao Contraditório assegura ao contribuinte inadimplente a possibilidade de refutar a acusação de que se vale o Estado (fisco).
De tal modo, por fim, pela incidência do princípio da igualdade compreendemos que nem a acusação e nem a defesa pode possuir nenhum tipo de privilégio sem que seja dada uma justa razão para tal fim.
O processo administrativo tributário (ou processo administrativo fiscal, como muitas vezes é referido) é caracterizado como um meio do direito material tributário exercido por intermédio dos órgãos competentes em todo o território nacional: a Administração Pública federal, estadual e municipal.
Em sentido amplo podemos compreendê-lo como todos os atos administrativos da situação jurídica com a presença do fisco e do contribuinte, enquanto em caráter estrito podemos compreendê-lo como uma espécie de processo administrativo cuja finalidade é a determinação e exigência do crédito tributário. Via de regra o conteúdo do mesmo é de natureza administrativa, embora seja admitida a natureza jurisdicional em alguns casos.
Por outro lado, na esfera do processo judicial tributário encontramos a instauração de um processo judicial propriamente dito, de iniciativa de particulares ou da fazenda pública. O mesmo é caracterizado por meio do concretismo do direito material tributário e realizado no âmbito do Poder Judiciário.
Destaca-se que sempre que estudamos material processual tributário encontramos divergências e falhas próprias da legislação processual tributária “latu sensu”, visto a ausência de uma legislação própria para a esfera processual tributário. Nesse sentido MACHADO (2001) defende:
“Não há um direito processual tributário próprio nem um Código de Processo Tributário. Há um direito processual aplicável às relações tributárias. O direito tributário está tutelado por ações previstas no Código de Processo Civil e na legislação processual esparsa, especialmente na Lei n. 6.830, de 22 de novembro de 1980”. (grifos do autor do presente artigo)
Mesmo com essa carência de uma legislação específica, não podemos descartar a importância dos processos administrativo tributário e judicial tributário (esse último o qual é prejudicado pela ausência de um código de processo tributário). O processo administrativo tributário, por exemplo, mostra-se um instrumento valioso para a resolução de conflitos, de maneira mais acelerada e menos burocrática tanto para o contribuinte quanto para o Fisco no âmbito da justiça fiscal.
Faz-se necessária inicialmente a compreensão acerca do procedimento administrativo tributário, que se consiste basicamente no conjunto de atos administrativos ou procedimentos de cunho aplicativo às normas materiais de direito tributário em face da relação jurídica entre o fisco e o contribuinte. Ora, o procedimento administrativo tributário é aquele destinado à determinação, exigência ou dispensa do crédito fiscal, tendo a finalidade de resolver possíveis divergências existentes entre tais sujeitos (fisco e contribuinte).
Uma vez que existe uma divergência de natureza jurídica entre o fisco e o sujeito passivo tributário, as partes têm duas possibilidades de recorrência para resolver o conflito: podem recorrer ou para o processo administrativo tributário ou para o processo judicial em si.
Tais processos têm seu fundamento de validade no artigo 5º, inciso LV da CRFB/88 (Código Tributário Nacional), que elucida:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.48
Ora, tanto no processo judicial quanto no administrativo são assegurados o contraditório e a ampla defesa, bem como todos os meios e recursos inerentes aos mesmos. A ampla defesa consiste no direito do acusado de representar todos os meios legais necessários para que prove sua inocência (como documentos, testemunhas e outros recursos) enquanto o Contraditório apresenta a possibilidade de refutar a tal acusação. De tal modo, pela incidência do princípio da igualdade compreendemos que nem a acusação e nem a defesa pode possuir nenhum tipo de privilégio sem que seja dada uma justa razão para tal fim.
O processo administrativo tributário (ou processo administrativo fiscal, como muitas vezes é referido) é caracterizado como um meio do direito material tributário exercido por intermédio dos órgãos competentes em todo o território nacional: a Administração Pública federal, estadual e municipal.
Em sentido amplo podemos compreendê-lo como todos os atos administrativos da situação jurídica com a presença do fisco e do contribuinte, enquanto em caráter estrito podemos compreendê-lo como uma espécie de processo administrativo cuja finalidade é a determinação e exigência do crédito tributário. Via de regra o conteúdo do mesmo é de natureza administrativa, embora seja admitida a natureza jurisdicional em alguns casos.
Por outro lado, na esfera do processo judicial tributário encontramos a instauração de um processo judicial propriamente dito, de iniciativa de particulares ou da fazenda pública. O mesmo é caracterizado por meio do concretismo do direito material tributário e realizado no âmbito do Poder Judiciário.
Destaca-se que sempre que estudamos material processual tributário encontramos divergências e falhas próprias da legislação processual tributária “latu sensu”, visto a ausência de uma legislação própria para a esfera processual tributário. Nesse sentido MACHADO (2001) defende:
Não há um direito processual tributário próprio nem um Código de Processo Tributário. Há um direito processual aplicável às relações tributárias. O direito tributário está tutelado por ações previstas no Código de Processo Civil e na legislação processual esparsa, especialmente na Lei n. 6.830, de 22 de novembro de 1980.49
Mesmo com essa carência de uma legislação específica, não podemos descartar a importância dos processos administrativo tributário e judicial tributário (esse último o qual é prejudicado pela ausência de um código de processo tributário). O processo administrativo tributário, por exemplo, mostra-se um instrumento valioso para a resolução de conflitos, de maneira mais acelerada e menos burocrática tanto para o contribuinte quanto para o Fisco no âmbito da justiça fiscal.
5.2. O PROCESSO JUDICIAL NA ESFERA TRIBUTÁRIA
Como não existe um código de processo tributário no ordenamento jurídico brasileiro, deve ser utilizado o Código de Processo Civil para o processo judicial tributário. As exceções são as ações de execução fiscal e cautelar tributária que são reguladas por diplomas legais específicos, de modo que o CPC é utilizado de forma subsidiária. Por conseguinte compreendemos que não existem leis específicas para que se resolvam os conflitos entre o sujeito ativo tributário e o sujeito passivo tributário.
Todavia, devemos compreender que a limitação tributária não existe somente na ausência de um Código Processual Tributário. É justamente nesse sentido que BALEEIRO (2010) defende que:
“Na Constituição Federal de 1988, as medidas provisórias são absolutamente incompatíveis com a regulação de matéria tributária, em especial, instituição e majoração de tributos. [...] Entretanto, a segurança jurídica, o princípio da anterioridade e da não surpresa são de tal forma reforçados no Direito Tributário, que o procedimento legislativo, desencadeado pelas Medidas Provisórias, é incompatível com a regulação de tributos. Assim já o era o Decreto-Lei, em parte, nas Constituições de 1967/69. Mas como o art. 55 do Texto anterior, de forma literal e expressa, assentia na edição de normas tributárias por meio de decretos-lei, havia pelo menos um setor - dos empréstimos compulsórios, instituí ;dos em caso de guerra, calamidade pública e absorção do poder aquisitivo - que era exceção à rigidez do regime constitucional tributário”. 50
De tal modo, embora alguns autores de matéria tributária caracterizem apenas o processo judicial tributário como carente de regulamentação específica, existem diversas áreas tributárias que carecem de normas específicas em questão, como o caso exemplificado acima na obra de Baleeiro, “Limitações constitucionais ao poder de tributar”.
Assim, o contribuinte pode se dirigir ao Poder Judiciário para tratar de matéria tributária sem que sejam esgotadas (ou sequer utilizadas) as vias administrativas tributárias para a resolução de conflitos. Ora, o processo judicial tributário consiste no instrumento de realização concreta das abstrações do direito material tributário por intermédio de STF, STJ, TRFs, juízes federais, TJs e juízes estaduais. Nesses casos, devem ser observadas com atenção as garantias processuais fundamentais da inafastabilidade do Poder Judiciário e do devido processo contraditório (além do contraditório e da ampla defesa, como já vimos no presente trabalho).
5.3. O PROCESSO ADMINISTRATIVO NA ESFERA TRIBUTÁRIA
Quando tratamos do processo administrativo tributário devemos nos ater a uma série de fatores, uma vez que o objetivo do mesmo é que seja assegurado ao contribuinte todo o direito de desconstituir a dívida mediante a utilização do mesmo que é regido por uma legislação específica. Cabe o destaque que quando tratamos dessa legislação específica, cada ente federativo adota uma própria legislação específica no ordenamento jurídico brasileiro.
Dessa forma, o artigo 37 de nosso Diploma Constitucional dispõe acerca dos princípios da administração pública que são utilizados no processo administrativo tributário: “a administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, de impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. Além de tais princípios também são admitidos os princípios da supremacia do interesse público, hierarquia, continuidade do serviço público, presunção da legalidade, além de outros já apresentados no presente artigo como o da ampla defesa e do contraditório.
De maneira resumida podemos definir tais princípios da seguinte forma:
{C}· Legalidade: o administrador público está sujeito ao que determina a lei e às exigências do bem-comum, não podendo se desviar ou se afastar dos mesmos, sob pena da prática de um ato inválido e se expor à responsabilidade de ordem disciplinar, civil e criminal;
Moralidade: a atividade do administrador público deve corresponder à vontade honesta e não prejudicar outrem, dando a cada um o que lhe pertence;
Finalidade: todo ato praticado pelo administrador púbico deve atender a finalidade de interesse público e aos objetivos da lei;
Publicidade: a divulgação do ato realizado para conhecimento público e disseminação de seus efeitos externos;
Hierarquia: uns órgãos do executivo são subordinados a outros, sendo a autoridade de cada um graduada por essa coordenação;
Fiscalização: para que seja assegurada a legitimidade e conveniência, a atividade dos órgãos administrativos é realizada sobre constante vigilância;
Diante de tais princípios compreendemos que a Administração Pública deve funcionar e atingir os seus objetivos de acordo com o que determina a lei, ou seja, de acordo com o que o direito positivo confere à administração pública, de modo que a prática de qualquer ato já vem com prescrição legal.
Devem ser considerados também os deveres de eficiência, de prestação de contas e de poder e dever de agir, uma vez que o administrador público não pode deixar de agir (omissão) no exercício de suas funções.
As funções dos órgãos, bem como a ordenação e atuação dos seus agentes pelo Poder Executivo são exercidas através do poder hierárquico, que estabelece a subordinação entre servidores de seu quadro. O poder disciplinar, por outro lado, caracteriza-se pela faculdade de punição interna às infrações dos servidores e demais pessoas ligadas à disciplina dos órgãos e serviços. Além disso, temos o poder regulamentar, através do qual os chefes do Executivo podem explicitar a lei através de medidas provisórias, poder de polícia e outros, a fim de poder regular a matéria.
Nesse sentido, discursa PAULSEN (2006):
Toda a temática dos atos administrativas, do exercício do poder de polícia e, ainda, do processo administrativo se projeta para o Direito Tributário com tratamento específico. O Direito Financeiro, por sua vez, guarda relação estreita com o Direito Tributário. E isso principalmente em razão da funcionalização da tributação, a exigir a análise da finalidade quando da instituição das contribuições e empréstimos compulsórios, bem como da efetiva destinação do seu produto, como critério de validação constitucional de tais tributos.51
Por conseguinte, todos esses atos devem ser exercidos com cautela, em observância aos direitos individuais assegurados pela nossa Carta Magna. O uso e abuso do poder são constituídos pela prerrogativa da autoridade, porém quando tal poder concedido é utilizado de maneira abusiva tal autoridade extrapola os limites de suas atribuições, desviando-se de suas finalidades administrativas. Esses seriam os poderes e deveres dados ao administrador público para que o processo administrativo tributário atenda ao seu propósito.
6. PRINCÍPIOS
Além dos já citados princípios que, invariavelmente, foram citados no decorrer deste trabalho, pois guardam estreita relação com o tema, como já é sabido, existem princípios que, de fato, norteiam a atuação dos operadores do Direito e merecem ser lembrados aqui, já que norteiam a utilização do Direito em si. O que se pretende analisar ao trazer à tona o processo tributário e os princípios aplicáveis, dentro do presente tema (inconstitucionalidade da retenção dos veículos nas blits de IPVA) é justamente demonstrar o caráter confiscatório e arbitrário com o qual é utilizado o dispositivo constante do Código de Trânsito. Não se pode interpretá-lo da forma isolada e inconstitucional, ou seja, exatamente sem fazer o efetivo link com o dispositivo constitucional. Isso enseja um dispositivo arbitrário e fora da realidade do Direito, que deve ser balizado e baseado nos Princípios norteadores do Direito e no que diz respeito ao tema em apreço tais princípios são fundamentais à real aplicação.
6.1. Princípio do Devido Processo Legal
O princípio do devido processo legal é visto como o princípio maior, fundamental, que norteia o ordenamento jurídico brasileiro, haja vista englobar, de certa maneira, os demais princípios processuais, a exemplo dos princípios do acesso à justiça, da ampla defesa e do contraditório. É o princípio segundo o qual o processo deve observar necessária e impreterivelmente a legalidade, pressuposto de qualquer Estado de Direito. É o “due process of law” dos americanos. É o inafastável princípio do direito processual que preceitua a proteção aos bens jurídicos que, direta ou indiretamente, se referem à vida, à liberdade e à propriedade, amplamente consideradas.
Salienta-se a magnitude do princípio do devido processo legal na contemporaneidade do Direito Processual, e, em especial, levando-se em conta a realidade do Brasil, na qual se vê que a sociedade espera uma jurisdição deveras atuante e o respeito devido tanto à legalidade quanto à legitimidade, pois, em terras onde a lei muitas vezes é descumprida, espera-se, ao menos, o respeito e obediência ao quanto perpetrado pela constituição.
O tema referido maltrata o princípio do devido processo legal, ao passo em que fere de forma latente a continuação legal do processo, vez que os cidadãos que se encontram inadimplentes em relação ao IPVA vê-se compelidos a adimplir de forma imediata o tributo, sob pena de não devolução do seu bem (veículo) imediatamente apreendido, sem que para isso tenha havido a instauração de um processo, sem que para isso tenha sido possível a propositura e andamento legal da lide.
Estar-se-á diante de um flagrante desrespeito a esse princípio que tanto representa dentro do ordenamento jurídico brasileiro.
6.2. Princípio da Ampla Defesa e Contraditório
O princípio em questão é totalmente usurpado do contribuinte, ao ser aplicado o dispositivo do CTB da forma como encontra-se previsto52:
Artigo 230: Conduzir o veículo:
V – que não esteja registrado e devidamente licenciado.
Infração – gravíssima;
Penalidade – multa e apreensão do veículo
Medida Administrativa – remoção do veículo
Uma vez que, ao ter o seu veículo apreendido o contribuinte é “processado, julgado e executado” em minutos e, pior, além de não ter sido submetido ao devido processo legal, tal conduta “processual” desvirtuada é conduzida por autoridade que não detêm a competência para tanto, uma vez que a atuação do Agente de Trânsito se dá de forma arbitrária, de forma coercitiva e confiscatória. O contribuinte se ver usurpado da utilização do seu bem, o qual é devido proprietário, em virtude da ausência de pagamento de um tributo, que deveria ter sido exigido pela via adequada à sua cobrança.
Isso porque, a ampla defesa consiste no direito do acusado de representar todos os meios legais necessários para que prove sua inocência (como documentos, testemunhas e outros recursos), tal fase é “excluída” do processo de retenção veicular existente nas blitz de trânsito.
O contraditório é um direito que assiste a todas as pessoas que, porventura, venham a ser parte em determinada lide, dando a este a possibilidade de refutar a tal acusação. Deste modo, nem a acusação e nem a defesa pode possuir qualquer privilégio sem que seja dada uma justa razão para isso, o que consiste especialmente na aplicabilidade no princípio da igualdade.
Por fim, fazendo um apanhado geral de todos os princípios trazidos até aqui, ver-se que a medida legalizada pela Legislação de Trânsito mostra-se bastante prejudicial ao respeito à legalidade, ao processo, à equidade, à razoabilidade. Enfim, pondo em cheque todos os princípios concernentes ao fiel e bom andamento da demanda judicial e do processo instaurador para resolução de conflitos.
7. EXECUÇÃO FISCAL E DÍVIDA ATIVA
A Lei 6.830 de 1980 rege a Execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, Estados, Distrito Federal e Municípios e respectivas autarquias, sendo subsidiariamente aplicado do Código de Processo Civil.53
Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil.
A Execução Fiscal é, portanto, o meio legitimo que os entes federativos possuem para cobrar determinado tributo daquele contribuinte que se encontra inadimplente. Tal execução, assim como qualquer outro processo judicial, está adstrita à incidência dos princípios constitucionais e processuais, devendo atentar a um rito e um procedimento que deve respeitar as fases processuais e as suas providencias ao tempo de cada uma das etapas.
O ente federativo deve apresentar a sua inicial que, conforme elencado no artigo 2º, §5º:
§5º: O Termo de Inscrição de Dívida Ativa deverá conter:
I - o nome do devedor, dos co-responsáveis e, sempre que conhecido, o domicílio ou residência de um e de outros;
II - o valor originário da dívida, bem como o termo inicial e a forma de calcular os juros de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato;
III - a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida;
IV - a indicação, se for o caso, de estar a dívida sujeita à atualização monetária, bem como o respectivo fundamento legal e o termo inicial para o cálculo;
V - a data e o número da inscrição, no Registro de Dívida Ativa; e
VI - o número do processo administrativo ou do auto de infração, se neles estiver apurado o valor da dívida.
A Execução Fiscal nada mais é, o meio legítimo para que, respeitando os princípios e o andamento regular das demandas judiciais, o cidadão seja compelido, de forma legal, a adimplir com o tributo, mais precisamente com o IPVA. Não se tem, atualmente, demandas de EF (Execução Fiscal) que versem sobre a cobrança do referido imposto, uma vez que os órgãos de trânsito brasileiro são legitimados e autorizados pela legislação complementar a atuar de forma arbitrária e desarrazoada. Jamais se terá Execução Fiscal versando sobre tal cobrança enquanto houver uma legislação vigente que legitima a irregularidade e a falta de procedimento regular para se obter o pagamento de determinado tributo.
Tem-se, neste caso, um comodismo por parte dos Estados, sujeito ativo da cobrança do imposto, que recebem o pagamento do IPVA por parte dos contribuintes inadimplentes, de forma mais do que imediata, já que o cidadão, ao se ver compelido de utilizar o seu próprio bem, arcará com o ônus do pagamento do imposto para poder se utilizar do seu veículo de forma regular.
A Dívida Ativa dos Estados jamais vira qualquer CDA tratando acerca do Imposto sobre a propriedade de Veículos, uma vez que a utilização do poder de polícia de forma desenfreada por parte dos órgãos, proporciona o recebimento da quantia equivalente ao imposto inadimplido.
A não existência de procedimento não confere ao cidadão, se quer, possibilidade de renegociar a sua dívida com o Estado, ou sequer, lhe confere a opção de requerer, em juízo, um parcelamento do débito, ou o oferecimento de qualquer garantia para que a exigibilidade do crédito seja suspensa, tal qual acontece com qualquer cobrança relativa a tributos. O cidadão somente se ver obrigado ao pagamento do imposto nos moldes em que lhe é imposto pelos órgãos que, sequer são legitimados para tanto.
A Ordem dos Advogados do Brasil, seccional Bahia, foi muito feliz ao perpetrar ação em face das blitz do IPVA, versando exatamente sobre o que diz essa monografia. Na referida ação a Ordem afirma que o procedimento das blitz e as consequentes apreensões veiculares em situação de inadimplência configura o exercício ilegal do poder de polícia da Administração Pública, em flagrante desrespeito aos princípios constitucionais, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório, da propriedade privada, da razoabilidade e da proporcionalidade, com prejuízos de ordem moral e material aos cidadãos. A OAB-BA afirma ainda que deve ser ofertado ao proprietário do veículo discutir a cobrança do imposto citado sem ser privado dos seus direitos de propriedade, ou seja, o que a OAB/BA deseja ver na sua demanda judicial, nada mais é do que aquilo que é utilizado para a cobrança de todo e qualquer imposto. Porque haveria de ter um tratamento diferenciado por parte dos Estados para recebimento dos valores de IPVA nos cofres públicos estaduais? O que se deseja ver são Execuções Fiscais que versem sobre a matéria e que propicie ao contribuinte inadimplente o direito à defesa, sem que tenha seu patrimônio invadido pelo Estado, pois, além de todos os princípios consoantes atingidos, tem-se, ainda, o limite estatal perante a vida privada de cada um dos cidadãos.
Gritante os equívocos cometidos pelo legislador do Código de Trânsito Brasileiro, ao condicionar a emissão da Certidão de Registro e Licenciamento do Veículo ao pagamento integral do IPVA. Flagrante a violação ao princípio tributário do não confisco, bem como a violação do princípio do contraditório e da ampla defesa.
Seguindo por este caminho, mostra-se que o Estado se utiliza de meios incorretos para cobrar suas dívidas tributárias referentes ao IPVA, desrespeitando princípios constitucionais inerentes a todos os cidadãos de um Estado democrático de direito.
8. CONCLUSÃO
Entender como legal a atitude do ente estatal ao retirar o veículo do contribuinte de circulação é chancelar a inconstitucionalidade de um ato meramente confiscatório. Proibir o cidadão de circular com o seu bem em virtude de falta de pagamento de imposto, quando se tem meios aptos a exigir o pagamento do tributo, é o mesmo que rasgar a Lei de Execução Fiscal e reduzir o procedimento do judiciário à “força bruta”, no qual se vê a utilização do poder como ferramenta para ver cumprida as obrigações enquanto cidadão.
Enxergar como legal e coerente a medida da tomada do automóvel do contribuinte inadimplente com o seu IPVA, é o mesmo que tornar válido a retirada do cidadão de dentro da sua casa por falta de pagamento do IPTU, ou confiscar a renda daquele cidadão ou os lucros da empresa que não declarou o IR, ou seria, ainda, o mesmo que ver o Estado tomar para si todas as mercadorias inadimplidas da PJ que não pagar os ICMS.
Não faz qualquer sentido, nem do aspecto legal, processual ou mesmo lógico utilizar ferramentas que não devem compor o arcabouço legal/processual, em detrimento das ferramentas que são dadas pelo Estado para ver cumpridas as obrigações tributárias por todos os cidadãos.
A conclusão que se tira diante do presente estudo é de que precisa haver uma adequação da conduta dos agentes de trânsito dos Estados para, imediatamente, passarem a não mais agir se utilizando do ato confiscatório da apreensão veicular e sim passando a inserir, para a cobrança efetiva e legal do IPVA, os trâmites processuais tributários adequados à percepção do valor de tal imposto nos cofres públicos, qual seja, autuação, intimação, defesa até o fim da lide e julgamento.
Não se pode, sob a justificativa de “descongestionamento” do judiciário, lançar mão de uma medida tão célere quanto arbitrária como a retenção veicular em virtude de falta de pagamento do imposto devido.
O fato de não haver possibilidade de ter o licenciamento sem pagar o Imposto sobre Veiculo, as taxas e todas as multas porventura existentes e vinculadas àquele veículo, tornam as coisas ainda mais difíceis e aumenta a magnitude do problema trazido por este estudo.
Já que, desta forma, o Estado entende estar legalmente amparado para se valer do abuso de poder e promove-lo através da apreensão do veículo por atraso no pagamento de tributos, o que ora se pretende rechaçar, por ser ilegal, abusivo, mormente, imoral e por isso deve ser combatido.
Visivelmente, flagrantemente inconstitucional o dispositivo do CTB, inconstitucionalidade esta que pode ser proferida por qualquer Juiz de primeiro grau. Portanto, o Estado não poderia e valer desta prática por falta do pagamento do IPVA ou de qualquer outro imposto, como já amplamente defendido.
9. REFERÊNCIAS
Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 2ª ed, Rio de Janeiro, Forense, p. 280.
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1 COELHO, Sacsha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 523.
2 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
3 MAMEDE, Gladston. IPVA: imposto sobre a propriedade de veículos automotores; colaboração Eduarda Cotta Mamede. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
4 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Lei Nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 2007.
5 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
6 BRASIL. Atos das Disposições Transitórias. . Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
7 ICHIHARA, Yoshiaki. Direito Tributário na nova Constituição. São Paulo: Atlas, 1989, p. 144.
8 MARTINS, Rogério Lindenmeyer Vidal Gandra da Silva. O perfil do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. Curso de Direito Tributário. 7. ed. São Paulo. Saraiva. 2000, p. 625.
9 SABBAG, Eduardo. Direito Tributário Essencial. 3. ed. São Paulo: Método, 2015. p. 204.
10 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Lei Nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 2007.
12 BRASIL. Portaria DETRAN nº 580 de 02/05/2017. Publicado no DOE em 3 mai 2017. Altera dispositivo do Regulamento de Credenciamento, aprovado pela Portaria DETRAN Nº 2.222, de 22 de dezembro de 2010. Disponível em: <https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=342945>
13 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 30. ed. re., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 160.
14 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Lei Nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 2007.
15 TEIXEIRA, Paula do Canto. O Poder de Polícia de Trânsito: o uso do “bom senso” pelo agente público. 2012, p. 89. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade do Extremo Sul Catarinense, Criciúma. Disponível em: <http://repositorio.unesc.net/
16 Ibidem, p. 90.
17 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. Cap. IV, p. 134.
18 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.135.
19 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2009, p. 836.
20 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p.136.
21 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 14. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2009. Cap. IV, p. 132.
22 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, P. 122.
23 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004, p. 133.
24 PAULO, Vicente & ALEXANDRINO, Marcelo. Direito Administrativo. 16ª ed. São Paulo: Método, 2008, p.245.
25 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 122.
26 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. rev., amp. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. Cap. III, p. 71-90.
27 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2004.
28 VIEGAS, Cláudia Mara de Almeida Rabelo. O princípio da supremacia do interesse público: uma visão crítica da sua devida conformação e aplicação. Juris Síntese, [S.l.], n. 93, jan./fev. 2012. Disponível em: <http://investidura.com.br/biblioteca-juridica/artigos/direito-administrativo/178767-o-principio-da-supremacia-do-interesse-publico-uma-visao-critica-da-sua-devida-conformacao-e-aplicacao>
29 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Lei Nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 2007.
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31 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
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34 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituição.htm>.
35 FRANÇA. Declaração dos Direitos dos Homens e dos Cidadãos de 1789. Promulgada em 26 de agosto de 1789. Disponível em
36 Barbosa, Rui apud Ataliba, Geraldo. Do Sistema Constitucional Trbituário. São Paulo. Tribunal de Impostos e Taxas, 1975, p. 251.
37 Baleeiro, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, 2ª ed, Rio de Janeiro, Forense, p. 280.
38 CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 28º edição. São Paulo: Editora Malheiros.
39 CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. Podium, 2009, p. 50.
40 MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. 4ª ed. Impetus, 2010, p. 51.
41 BRASIL. LEI 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002. Código Civil. Disponivel em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 out. 2017.
42 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19º Edição. São Paulo: Malheiros, 2001. P. 32-33
43 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 8º Edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005. P. 39
44 BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm> Acesso em 18 de outubro de 2017.
45 CAMANDUCAIA, Dalmiro. Apostila de Direito Tributário dos cursos Pró-Labore. 7º Edição. Belo Horizonte: Editora Pró-Labore, 2006.
46 MACHADO, Rubens Approbato. Processo Tributário – Administrativo e Judicial. In Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 8 ed., 2001, p. 810.
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49 MACHADO, Rubens Approbato. Processo Tributário – Administrativo e Judicial. In Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 8 ed., 2001, p. 810.
50 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
51 PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 8 ed. rev. e atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado; ESMAFE, 2006.
52 BRASIL. Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Lei Nº 9.503, de 23 de Setembro de 1997 que institui o Código de Trânsito Brasileiro. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Brasília: 2007.
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Publicado por: Milaila Bezerra de Almeida Neiva
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