A IMPORTÂNCIA DO JUIZ DAS GARANTIAS NO SISTEMA ACUSATÓRIO

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1. RESUMO

A presente artigo científico aborda o instituto do juiz das garantias, com atuação na fase de investigações, instituído pela lei nº13.964/19,e sua adequação frente ao sistema acusatório e aos princípios constitucionais, principalmente na imparcialidade objetiva e subjetiva do juiz. Para tanto, será feito um estudo de caráter multidisciplinar, com elementos do Direito Constitucional e do Direito Processual Penal. Serão expostos os sistemas processuais clássicos, constatando o sistema acusatório diante do ordenamento jurídico proclamado pelo texto constitucional. Depois, falaremos dos tipos de imparcialidade do juiz advinda da regra processual da prevenção e dos dispositivos legais que concedem poderes investigatórios ao julgador. Por fim será apresentada a figura do juiz de garantias, suas atribuições, efeitos jurídicos e posições contrárias à inovação e será reconhecida a compatibilidade do instituto com a Constituição Federal, de modo a garantir a atuação imparcial do juiz na fase processual no Estado Democrático de Direito e com isso a efetivação do processo penal justo.

Palavras-chave: Sistema acusatório. Imparcialidade. Processo Penal. Juiz de Garantias

2. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo mostrar a importância do instituto de juiz de garantias para um julgamento mais justo afastando assim possíveis parcialidades pela contaminação do juiz julgador e sua importância e para o sistema acusatório constitucional.

Assim presente trabalho irá passará pelo breve histórico do processo penal brasileiro, os sistemas processuais penais existentes e suas particularidades, mostraremos também o sistema acusatório a luz da constituição Federal a necessidade de separação dos órgãos jurisdicionais e de controle de investigação preliminar o julgamento iremos falar da imparcialidade subjetiva e objetiva

Mostraremos como funciona o instituto do juiz de garantias e institutos semelhantes pelo mundo em alguns países da Europa e da América do Sul, necessidade da implantação do instituto no sistema penal brasileiro e suas funcionalidades e como irá funcionar com base na lei 13.964/19 mais conhecida como pacote de anticrime

Também falaremos das divergências sobre a implantação do instituto em nosso sistema processual penal e da suspensão da eficácia do instituto por tempo determinado através da liminar monocrática do então presidente do STF o ministro Luiz Fux com base, em algumas ações diretas de inconstitucionalidade

A metodologia utilizada foi  a análise documental, consistente no levantamento exploratório de artigos proposições que resultaram na criação do instituto juiz das garantias, dirigido às repercussões práticas da adoção do juiz das garantias em nosso ordenamento jurídico

3. DESENVOLVIMENTO

3.1. BREVE HISTÓRICO DO PROCESSO PENAL BRASILEIRO

Código de processo penal brasileiro foi promulgado em 1941 em um momento da nossa história conhecida como estado novo, e ele foi fruto dos ideais políticos e ideológicos daquela época, sendo assim criado com base no chamado Códice Rocco[1] de 1930 o código de processo penal da Itália fascista de Mussolini, tendo assim uma maior eficiência e energia da ação repressiva do Estado contra os que “delinquem”, deste modo o nosso código de processo penal mostra-se o seu viés repressivo 

Desta forma o nosso  Código de Processo Penal dá plenos poderes repressivo ao magistrado na fase pré-processual permitindo-lhe decidir se aceita ou não o material pesquisado, assim ordenando diligências quando o mesmo não estiver satisfeito ou não achar validas aquelas já realizadas e, podendo também , ordenar de oficio a instauração de inquérito em crime de ação pública incondicionada, assim interferindo diretamente na competência de atuação do Ministério Público em busca da formação da opinio delicti.

Mostrando seu viés inquisitório e autoritário na fase pré-processual o código de processo penal acolhe o princípio da livre convicção do magistrado, onde ele irá formar seu convencimento através da sua livre apreciação tendo como base comente as provas que constam nos autos

Com a promulgação da constituição federal de 1988 é a implementação do Estado Democrático de Direito o sistema acusatório foi consagrado para assim salvaguardar os direitos e garantias fundamentais de todos os cidadãos assegurando assim o contraditório e a ampla defesa ao decorrer do processo.

3.2. POR QUE UM MESMO JUIZ NÃO PODE FAZER TUDO

Para falarmos da função do juiz no processo penal devemos primeiramente conhecer os sistemas penais existentes , onde em cada um deles o juiz tem papeis destintos na condução processual, tais sistemas foram se modificando ao longo dos séculos, o sistema acusatório foi o predominante até meados do século XII e gradativamente foi sendo substituído pelo sistema inquisitório prevalecendo assim até o final século XVIII,  com o crescimento dos movimentos políticos e sociais  o sistema acusatório foi resgatado em alguns países levando a nova mudança, antes do advento da lei 13.964/2019 onde inseriu os artigos 3ªA ao 3ªF o sistema brasileiro era apontado pela doutrina brasileira como o sistema misto (predomina o inquisitório na fase pré-processual e o acusatório, na processual)

3.3. SISTEMAS PROCESSUIAS E SUAS PARTICULARIDADES

São três os sistemas processuais existentes, e vejamos como são classificados conforme as análises do grande Doutor Aury Lopes Jr.

Sistema Processual Inquisitório

O sistema inquisitório ou inquisitivo caracteriza-se por concentrar todos as funções no estado juiz representado pelo magistrado, sendo assim há poder excessivo do magistrado, onde ele acumula as funções de acusar, defender e julgar, assim versa Aury Lopes Jr. sobre o sistema inquisitório:

O sistema inquisitório, na sua pureza, é um modelo histórico. Até o século XII, predominava o sistema acusatório, não existindo processos sem acusador legítimo e idôneo. As transformações ocorrem ao longo do século XII até o XIV, quando o sistema acusatório vai sendo, paulatinamente, substituído pelo inquisitório. (Lopes Jr., Aury 2020, p.55)[2]

É da essência do sistema inquisitório a aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador, senhor soberano do processo. Portanto, não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória. Não existe imparcialidade, pois uma mesma pessoa (juiz ator) busca a prova (iniciativa e gestão) e decide a partir da prova que ela mesma produziu. (Lopes Jr., Aury 2020, p.56)[3]

Sistema Processual Acusatório

No sistema acusatório caracteriza-se por estar presente o contraditório, presunção de inocência e a ampla defesa no curso do processo, e por haver papeis destintos entre os sujeitos do processo, assim temo o estado juiz que será o julgador na figura do magistrado devendo manter-se imparcial, o órgão estatal de acusação que é o Ministério Público como titular da ação penal pública e por fim temos a figura do defensor que poderá ser um advogado ou defensor público.

 Desta forma Aury Lopes Jr. discorre sobre as características do sistema acusatório:

Na atualidade – e a luz do sistema constitucional vigente – pode-se afirmar que a forma acusatória se caracteriza por:

a) clara distinção entre as atividades de acusar e julgar;

b) a iniciativa probatória deve ser das partes (decorrência lógica da distinção entre as atividades);

c) mantém-se o juiz como um terceiro imparcial, alheio a labor de investigação e passivo no que se refere à coleta da prova, tanto de imputação como de descargo;

d) tratamento igualitário das partes (igualdade de oportunidades no processo);

e) procedimento é em regra oral (ou predominantemente);

f) plena publicidade de todo o procedimento (ou de sua maior parte);

g) contraditório e possibilidade de resistência (defesa);

h) ausência de uma tarifa probatória, sustentando-se a sentença pelo livre convencimento motivado do órgão jurisdicional;

i) instituição, atendendo a critérios de segurança jurídica (e social) da coisa julgada;

j) possibilidade de impugnar as decisões e o duplo grau de jurisdição.

É importante destacar que a posição do “juiz” é fundante da estrutura processual. Quando o sistema aplicado mantém o juiz afastado da iniciativa probatória (da busca de ofício da prova), fortalece-se a estrutura dialética e, acima de tudo, assegura-se a imparcialidade do julgador. (Lopes Jr., Aury 2020, p.58)[4]

Sistema Processual Misto e sua Insuficiência Conceitual

Nas palavras de Aury Lopes Jr. sobre o sistema processual misto ele discorre que:

O chamado “Sistema Misto” nasce com o Código Napoleônico de 1808 e a divisão do processo em duas fases: fase pré-processual e fase processual, sendo a primeira de caráter inquisitório e a segunda acusatória. É a definição geralmente feita do sistema brasileiro (misto), pois muitos entendem que o inquérito é inquisitório e a fase processual acusatória (pois o MP acusa). (Lopes Jr., Aury 2020, p.61)[5]

Sendo assim a fase inicial da persecução penal, o inquérito policial é inquisitorial pois o investigado não tem o direito ao contraditório e a ampla defesa, entretanto ao se iniciar o processo propriamente dito inicia-se a fase acusatória, e com a promulgação da Constituição Federal a mesma trouxe de maneira expressa que as funções de acusar, defender e julgar, estão separadas, assegurando assim o contraditório e a ampla defesa, também estando expresso o princípio da presunção de inocência, caracterizando assim o sistema acusatório.

3.4. SISTEMA ACUSATÓRIO A LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

No âmbito da Constituição Federal de 1988 o que prevalece é o sistema acusatório, podemos ver diversas garantias sendo asseguradas em favor da pessoa/acusado, como o princípio do juiz natural art. 5º, LIII ; devido processo legal art. 5º, LIV, o  contraditório e a ampla defesa art. 5º, LV e a presunção de inocência art. 5º, LVII, assim a nossa carta magna assinala que o nosso direito processual penal é um sistema acusatório, em seu art.129, inciso I a nossa carta magna mostra que o Ministério Público é o órgão estatal encarregado de exercer a ação penal pública assim sinalizando que sua estrutura em dois níveis distintos, o primeiro onde o Ministério Público investiga e acusa e o outro onde o juiz natural julga, e o advogado/defensor público como defensor, estando consagrado esse último no art.261 do código de processo penal onde se lê:

Art. 261.  Nenhum acusado, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor.

Parágrafo único. A defesa técnica, quando realizada por defensor público ou dativo, será sempre exercida através de manifestação fundamentada.[6]

Assim a Constituição Federal de 1988 consagrou que nosso processo penal é o sistema acusatório, atribuindo funções destintas de acusação e julgamento a órgãos diferentes, para que com isso o julgador não tome qualquer juízo de valor para com as partes, seja da acusação (Ministério Público) ou da defesa (advogado/defensor público) assim mantendo sua imparcialidade no julgamento.

Em sintase Aury Lopes Jr. destaca a necessidade do juiz das garantias no sistema processual penal brasileiro para com isso ficar alinhado a função acusatória que consta em nossa constituição

É da essência do sistema inquisitório a aglutinação de funções na mão do juiz e atribuição de poderes instrutórios ao julgador, senhor soberano do processo. Portanto, não há uma estrutura dialética e tampouco contraditória. Não existe imparcialidade, pois uma mesma pessoa (juiz ator) busca a prova (iniciativa e gestão) e decide a partir da prova que ela mesma produziu. Portanto, incompatível com a matriz acusatória constitucional" (Lopes Jr., Aury 2020, p.188)

[...de que uma mesma pessoa atue na fase de investigação e depois seja um julgador imparcial no processo...]  (Lopes Jr., Aury 2020, p.192)[7]

3.5. A NECESSIDADE DA SEPARAÇÃO ENTRE OS ORGÃOS JURISDICIONAIS DE CONTROLE DE INVESTIGAÇÃO PREMILINAR DE JULGAMENTO

Para se manter a imparcialidade no julgamento se faz necessário a separação entre os órgãos jurisdicionais e de investigação, a imparcialidade do órgão julgador é de fundamental importância do início ao fim da relação jurídica na fase de investigação e na fase processual, pois a parcialidade do juiz poderá ocorrer após a instauração da fase de investigação e/ou na fase processual, caso ocorra tal parcialidade juiz deverá abandonar tal relação.

A inercia do juiz é a maior garantia que a parcialidade do órgão julgador não ocorrerá durante o curso dos procedimentos, seja na fase pré-processual quando houver a provocação do Ministério Público ou da autoridade policial, e na fase processual havendo provocação do ministério público ou do advogado/defensor público do réu, pois no sistema acusatório caberá as partes na fase processual decidirem quais provas pretendem produzir, assegurando assim que o juiz irá ficar afastado de contrair pré-juízos ou pré-conceitos em relação ao caso penal que irá julgar , assegurando assim a sua imparcialidade, pois para que a jurisdição possa ser exercida é necessário que haja a provocação (ne procedat judex ex officio), pois o juiz não é parte.

Assim se faz necessário a separação entre os órgãos jurisdicionais de controle de investigação preliminar e de julgamento para manter a imparcialidade do órgão julgador pois ela é a garantia constitucional do devido processo legal.

3.6. IMPARCIALIDADE SUBJETIVA E IMPARCIALIDADE OBJETIVA

A imparcialidade é imprescindível para o processo penal a luz da constituição de federal de 1988, e podemos definir a imparcialidade no processo penal onde o juiz está afastado de qualquer juízo de valor ou pré-conceitos que esteja pré-formado em respeito ao caso concreto que está julgando, estando assim na posição de Estado-juiz, abstendo-se de opiniões subjetivas que assim possam influenciar em suas decisões.

A convenção americana sobre os direitos humanos tratado também chamado de pacto de São José da Costa Rica em seu Artigo 8º item 1 versa sobre as garantias judiciais de todas as pessoas, independente de nacionalidade, credo ou raça.

Artigo 8º

Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.[8]

A imparcialidade subjetiva

A imparcialidade é imprescindível para o processo penal a luz da constituição federal de 1988, entende-se como subjetiva aquela que diz respeito a convicção pessoal, quando há ausência de um pré-julgamento do juiz em relação ao caso concreto e seu autor, assim a imparcialidade subjetiva está relacionada diretamente ao um vínculo do magistrado com as partes.

Imparcialidade objetiva

A imparcialidade objetiva, baseia-se na aparência da imparcialidade do magistrado, assim oferecendo garantias suficientes, não apresentando sinais de que possa ter algum juízo ou conceitos preestabelecidos, para que não fique dúvidas alguma da sua atuação, como discorre Aury Lopes Jr. 

A imparcialidade objetiva diz respeito a se tal juiz se encontra em uma situação dotada de garantias bastantes para dissipar qualquer dúvida razoável acerca de sua imparcialidade. Em ambos os casos, a parcialidade cria a desconfiança e a incerteza na comunidade e nas suas instituições. Não basta estar subjetivamente protegido; é importante que se encontre em uma situação jurídica objetivamente imparcial (é a visibilidade ou estética de imparcialidade a seguir tratada). (Lopes Jr., Aury 2020, p.93)[9]

3.7. O JUIZ DE GARANTIAS PELO MUNDO

O instituto do juiz de garantias existe em várias partes do mundo, a Alemanha foi o primeiro pais a adotar um instituto semelhante o chamado juiz da investigação (der Ermittlungsrichter) do Código Processual Penal alemão (StPO, §§ 162 e 169) em 1974, após as criação de tal instituto na Alemanha outros países da Europa também implantaram institutos semelhantes em seus ordenamentos jurídicos criminais , como Portugal que criou em 1987 juiz de instrução criminal (JIC), a Itália em 1988 o “giudice per le indagini preliminari” (GIP) e posteriormente a França em 2000 do “juge des libertés et de la détention” (JLD) ,assim fortalecendo o sistema acusatório desta forma outros países europeus passaram a implantar tal instituto.

Veremos agora brevemente como funciona os institutos semelhantes ao juiz das garantias na Alemanha e em Portugal:

Na Alemanha o juiz de investigação ou "Ermittlungsrichter", é o magistrado que na fase preliminar do processo terá a competência para tomar as decisões, que poderá afetar os direitos fundamentais dos investigados, assim o juiz investigador também terá a função não só de controlar todas as atividades que possam macular os direitos fundamentais dos investigados como também fiscalizar os demais órgãos de investigação.

Em Portugal, a figura do juiz de garantias foi criada em 1987, na legislação lusitana o juiz das garantias exercer todas as funções jurisdicionais na fase de investigação, como quebra de sigilo de comunicações e dados fiscais, busca e apreensão , prisões provisórias e o recebimento da acusação, a partir desse ponto deixará de ser competente quanto a jurisdição e o caso são remetidos ao juiz que terá competência para julgar, assim como acontecerá no Brasil.

Em se falando de américa latina, ao longo dos anos 1990, a maioria dos países adotaram o “juez de garantías”, países como o Chile, Paraguai e Argentina fizeram reformas em seu processo penal visando a alteração de modelo inquisitivo para o modelo acusatório adotando assim figuras semelhantes ao nosso o juiz das garantias.

Na Argentina o instituto do "juez de las garantías" passou a ser implantado em 1991 de forma gradual e ainda não está totalmente implantado, em províncias que já existe o instituto funciona de forma semelhante ao nosso instituto, a única diferença é que o "juez de las garantías" não recebem a denúncia como o nosso instituto, visto que quando a investigação termina, os promotores do Ministério Público os chamados "fiscales" que enviam a denúncia à Justiça, e então ele sai de cena e não participa do processo, e outros juízes decidem se irão receber a denúncia da acusação e irão  julgar caso o processo se inicie.

Na fase processual o julgamento poderá ocorrer com um único juiz dependendo do caso, por uma turma com três magistrados ou um júri misto tendo como integrantes pessoas da comunidade e magistrados de formação, com a acusação sendo aceita, inicia-se o processo criminal e esses novos juízes é que irão julgar o acusado.

O Chile na américa latina tornou-se referência em se falando de reformas processuais penais, houve a recriação do Ministério Público extinto no país na década de 1920, assim abolindo o modelo processual inquisitorial e implantando o modelo acusatório.

O novo Código de Processo Penal que entrou em vigor no ano de 2000 foi estruturado nos princípios de oralidade e de publicidade, assim o processo é pautado na oralidade, no exercício do contraditório e ampla defesa, paridade de armas e na presunção de inocência, a competência do juiz de garantias é a tutela dos direitos dos investigados e a legalidade da investigação criminal, também cabe a ele a decisão a respeito do encerramento das investigações e o início do processo, fazendo a admissibilidade das provas indicadas pelas partes.

3.8. FUNÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS NO SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO E A SUA NECESSIDADE

O juiz das garantias irá cuidar das decisões durante o inquérito policial ou seja antes do início do processo, é no inquérito policial que poderá ocorrer os pedidos de medidas mais invasivas por parte da polícia e do Ministério Público, como a decretação de prisão preventiva, interceptação telefônica, de mensagens de celulares e e-mails, arquivos armazenados em nuvem, de dados bancários e fiscais, como movimentações financeiras e declarações de imposto e de faturamento prestadas à receita ,expedição de mandado de busca e apreensão, entre outras questões relacionadas para obtenção de provas, e todos esses atos precisam de autorização do Judiciário para ser feito.

O juiz de garantias irá se manter inerte e só irá atuar apenas quando for provocado a tomar uma decisão, sendo então vedado o ativismo judicial e a atuação do magistrado, durante a ação penal agora nem mesmo medidas cautelares diversas da prisão muito menos a própria prisão poderá ser decretada sem o requerimento das partes, o juiz deverá aguardar um requerimento de autoridade policial ou do ministério público para então tomar uma decisão quanto a decretação ou não da medida cautelar

Quando a acusação criminal (denuncia ou queixa crime) for apresentada à Justiça, o juiz das garantias sairá de cena, assim visando assegurar a imparcialidade do juiz julgador que irá atual no processo penal propriamente dito.

É fundamental ressaltar que antes das alterações feitas pela lei 13.964/19 o mesmo juiz que decidia sobre tais ações, era  o mesmo juiz que depois caso o inquérito se transformar em processo que iria julgar os acusados que eram alvo da investigação, estando assim já "contaminado" antes do oferecimento da denúncia pelo Ministério Público.

3.9. COMO IRÁ FUNCIONAR O JUIZ DAS GARANTIAS

O juiz das garantias foi uma das mais importantes modificações trazidas ao código de processo penal pela lei 13.964/19 também conhecida como pacote "anticrime" entre outras mudanças inseriu no código de processo penal os art.3°A ao 3°F que tratam sobre o juiz das garantias, assim o artigo 3°A veio confirmar o modelo processual penal adotado no Brasil conforme a constituição federal como modelo acusatório, antes da inclusão dos art.3°A pela lei 13.964/19 tínhamos dúvida quanto ao modelo processual se era inquisitorial, acusatório ou misto agora no próprio código de processo penal temos a especificação do modelo processual penal adotado, assim não haverá mais dúvidas que temos um modelo acusatório.

Conforme o art.3°B da lei 13.963/19 conhecida como pacote anticrime o juiz das garantias é responsável pelo controle da legalidade da investigação e pela salvaguarda dos direitos individuais, assim suas atribuições são:

I - Receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal;

II - Receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 deste Código;

III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo;

IV - Ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal;

V - Decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar, observado o disposto no § 1º deste artigo;

VI - Prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto neste Código ou em legislação especial pertinente;

VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral;

VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial e observado o disposto no § 2º deste artigo;

IX - Determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento;

X - Requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação;

XI - decidir sobre os requerimentos de:

a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação;

b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico;

c) busca e apreensão domiciliar;

d) acesso a informações sigilosas;

e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado;

XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia;

XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental;

XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código;

XV - Assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento;

XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia;

XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação;

XVIII - outras matérias inerentes às atribuições definidas no caput deste artigo.[10]

Os art.3B ao 3°F são os dispositivos que introduziram a figura do juiz das garantias disciplinando assim o papel do acusador na produção de prova, detalha o funcionamento do juiz as garantias e os atos que ele deverá praticar e os atos que serão a ele direcionados.

3.10. DIVERGÊNCIAS SOBRE A IMPLANTAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS

Com o advento da lei 13.964 surgiram vários argumentos sobre a figura do juiz das garantias, tanto contra quanto a favor ,podemos citar como exemplo de argumentos contra a Associação dos Magistrados Brasileiros (Amb) e a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) onde os mesmos ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6298 no Supremo Tribunal Federal (STF) com pedido de medida cautelar para suspensão dos artigo 3-A, 3-B, 3-C, 3-D, 3-E e 3-F, introduzidos pelo art.3 da referida lei que cria a figura do juiz das garantias até o julgamento do mérito.

 Em um dos pontos da ação direta de inconstitucionalidade no item VI as associações alegam que o parágrafo único do art.3-D viola o art.169 da CF onde o argumento usado é que haverá aumento de despesas para o funcionamento do Juiz das Garantias, já que mesmo com a implementação de um “rodízio de magistrados” em comarca que tenha apenas 1 magistrado implicara no aumento de gastos, com o deslocamento do magistrado, para assim permitir o exercício da jurisdição fora comarca de sua residência, sem que tivesse havido previsão orçamentária.

Já entre tantos argumentos a favor iremos citar a nota técnica do Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (Condege) ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), sendo um contraponto ao item VI da ação direta de inconstitucionalidade no item VI acima citado onde versa sobre a orientação aos tribunais “um sistema de rodízio de magistrados”, com o objetivo do cumprimento da função de juiz de garantias.

Observando que tal "rodízio de magistrado" deverá ocorrer segundo cada peculiaridade das unidades da federação utilizando também caso necessário a distribuição cruzada como método (regra de organização judiciária prevendo que os procedimentos criminais pré-processuais de competência do órgão judicial A serão analisados até o recebimento da denúncia pelo órgão judicial B, sendo encaminhados para o juiz natural – órgão judicial A – após o juízo positivo de admissibilidade da ação penal).

A nota técnica cita também o modelo semelhante e já existentes em funcionamento a mais de 30 anos no estado de são Paulo, o Departamento de Inquéritos Policiais no Estado de São Paulo (DIPO), no caso dos gastos com o aumento da remuneração dos magistrados, deverá seguir as regras de investidura do magistrado, e o modelo preconizado deverá respeitar os parâmetros constitucionais do “sistema de remuneração, promoção e remoção dos juízes” como assentado no julgamento da ADI.º 4.414/AL:

o princípio do Juiz natural obsta ‘qualquer escolha do juiz ou colegiado a que as causas são confiadas’, de modo a se afastar o ‘perigo de prejudiciais condicionamentos dos processos através da designação hierárquica dos magistrados competentes para apreciá-los’ (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 545)[11], devendo-se condicionar a nomeação do juiz substituto, nos casos de afastamento do titular, por designação do Presidente do Tribunal de Justiça, à observância de critérios impessoais, objetivos e apriorísticos. Doutrina (LLOBREGAT, José Garberí. Constitución y Derecho Procesal – Los fundamentos constitucionales del Derecho Procesal. Navarra: Civitas/Thomson Reuters, 2009. p. 65-66)[12] (nota técnica p.5)[13]

Um outro ponto a ser considerado é o Sistema de Processo Judicial Eletrônico (PJe) dos órgãos do Poder Judiciário, utilizando de tal sistema não terá a necessidade dos magistrados se deslocarem para comarcas onde não residem, podendo assim praticar os atos processuais de competência do juiz das garantias, e atualizando o módulo criminal de forma eletrônica de onde estiverem.

3.11. SUSPENSÃO DA CRIAÇÃO DO JUIZ DAS GARANTIAS POR TEMPO INDETERMINADO

O ministro Luiz Fux, (há época da liminar era o vice-presidente do Supremo Tribunal Federal), de forma monocrática suspendeu por tempo indeterminado a eficácia dos Artigos 3º-A ao 3º-F do Código de Processo Penal, que inseriam a figura do juiz de garantias através da Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), tal decisão cautelar, foi proferida com base nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6298, 6299, 6300 e 6305, que serão submetidas ao referendo do plenário da nossa corte suprema.

Antes de tal decisão o ministro Dias Toffoli já tinha suspendido a vacatio legis da figura do juiz as garantias por 180 dias para que assim os tribunais de justiça de todos os estados pudessem se adaptar a tal novidade.

Com a concessão da liminar ficou suspenso o sistema acusatório e a figura do juiz de garantias com isso seguem da mesma forma, onde o mesmo juiz que iniciou o acompanhamento na prisão em flagrante irá poder ir até a sentença, assim não teremos o impedimento de que o mesmo juiz faça tudo, seguindo exatamente o modelo anterior mesmo o juiz fazendo tudo, dos autos do inquérito adentrando integralmente para processo e mantendo assim a estrutura inquisitorial no processo penal brasileiro.

Tais artigos que foram suspensos seriam talvez os melhores e o maiores avanços do sistema processual penal brasileiro inserido pelo pacote anticrime, pois em seu o art.3°A expressa claramente que no processo penal está sendo adotado o sistema acusatório, é de suma importância que esteja expresso no código de processo penal o sistema acusatório assim estando em concordância com o que já consta expresso na constituição federal.

Destacando as palavras de Aury Lopes Jr. sobre a liminar concedida pelo ministro Luiz Fux:

Sua liminar não suspendeu apenas artigos, suspendeu a evolução, a democratização do processo penal. Lamento profundamente a decisão do Ministro, que espero seja urgentemente revista pelo plenário do STF, para que finalmente o processo penal se liberte da matriz fascista e inquisitória do Código de Rocco. (Lopes Jr., Aury 2020, p.40)[14]

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme a nossa carta magna nosso ordenamento jurídico penal adotado pela Constituição federal de 1988 é o sistema acusatório, porém sempre houve o debate de qual realmente era o sistema processual penal adotado no Brasil, com a entrada em vigor da lei 13.964/2019 consolidou-se de forma expressa no Art.3°A que o sistema processual penal adotado no Brasil é o acusatório.

Para que o sistema acusatório brasileiro possa assegurar que terá um juiz imparcial na demanda a ser julgada o juiz das garantias é de suma importância para que essa imparcialidade do magistrado possa ocorrer , visto que com o instituído do juiz das garantias assegurará  que magistrados destintos participarão da fase pré processual e da fase processual assegurando assim  a imparcialidade do juiz julgador.

Portanto, com a entrada em vigor da lei 13.964/2019, no sentido de retirar do juiz as prerrogativas que comprometam a sua neutralidade no processo penal, é imperativa para que se possa garantir a todos os cidadãos um juiz efetivamente imparcial, que assume o papel de um verdadeiro moderador, e, assim, podendo conferir ao processo penal uma maior legitimidade para sua atuação.

Entende-se como um juiz imparcial aquele que deve fiscalizar e assegurar o cumprimento das garantias constitucionais e processuais, a paridade de armas e oferecimento de iguais oportunidades para às partes

O instituto do “juiz das garantias”, permitirá o fortalecimento da imparcialidade do magistrado conforme o sistema acusatório e a nossa constituição cidadã, o juiz das garantias mostra-se necessário e de suma importância para maior transparência e celeridade do processo penal assegurando assim um julgamento mais justo e com todas as garantias processuais e constitucionais.

5. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

Aras, Vladimir. Os prós e contras do juiz de garantias: Sem as correções de prazo, forma e rumo, instituto será um juiz de fantasia produtor de nulidades de verdade. [S. l.], 14 fev. 2020. Professor de processo penal, direito penal, políticas de compliance, e cooperação internacional. Membro do MPF. Mestre e Doutorando em Direito. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/os-pros-e-contras-do-juiz-de-garantias-14022020. Acesso em: 18 abr. 2020.

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[1] EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. [S. l.], 8 set. 1941. Disponível em: https://honoriscausa.weebly.com/uploads/1/7/4/2/17427811/exmcpp_processo_penal.pdf. Acesso em: 5 abr. 2021.

[2] Lopes Junior, Aury Direito processual penal / Aury Lopes Junior. – 17. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.

[3] LOPES, Op.cit.

[4] LOPES, Op.cit.

[5] LOPES, Op.cit

[6] Código de Processo Penal BRASIL, Código de Processo Penal DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941. Disponível em :http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689Compilado.htm acesso em 05/04/2021

[7] LOPES, Op.cit

[8] , ONU ,Pacto de São José da Costa Rica Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678.htm acesso em 05/04/2021

[9] LOPES, Op.cit

[10] Pacote Anticrime Planalto Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2019-2022/2019/Lei/L13964.htm acesso em 05/04/2021

[11] FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. 2ª ed. São Paulo: RT, 2006. p. 545

[12] LLOBREGAT, José Garberí. Constitución y Derecho Procesal – Los fundamentos constitucionales del Derecho Procesal. Navarra: Civitas/Thomson Reuters, 2009. p. 65-66

[13] Defensores Públicos-Gerais: juiz de garantias é "avanço civilizatório" Disponível em: http://www.condege.org.br/publicacoes/noticias/defensores-publicos-gerais-juiz-de-garantias-e-avanco-civilizatorio acesso em 05/04/2021

[14] LOPES, Op.cit.


Publicado por: Faber Costa Lopes

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