A IGUALDADE JURÍDICA DOS CÔNJUGES

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1. RESUMO

O tema desta pesquisa é a igualdade jurídica dos cônjuges. Através de pesquisa bibliográfica, qualitativa e exploratória o estudo tem como enfoque a igualdade do homem e da mulher na chefia familiar. No Brasil, que sofreu influência do Direito Canônico, Romano e Germânico, a família tinha estrutura patriarcal e hierarquizada. Porém, esta estrutura começou a ruir a partir da revolução industrial. Com a Revolução Industrial aumentou-se a necessidade de mão de obra, fazendo com que a mulher ingressasse no mercado de trabalho. O homem, portanto, não é mais o único provedor da família, que teve sua estrutura alterada a partir daí, tornando-se nuclear, cingida ao casal e aos filhos. Ao mesmo tempo, as funções econômicas, religiosas e procracionais que eram conferidas à família desaparecem. A família passa a ser mais unida, valorizando-se o afeto entre seus membros. Assim, a família passa a ser entendida como a comunidade formada por laços afetivos de carinho, de amor. Com todas essas mudanças, os papeis dentro da família não são mais os mesmos, nem são mais imutáveis. Tanto o homem quanto a mulher trabalham e, juntos, cuidam dos filhos. A Constituição Federal de 1988, consagrando as conquistas dos últimos séculos, trouxe em seu corpo o reconhecimento de diversas formas de composição familiar além do casamento, estendendo a proteção do Estado à união estável e demais entidades familiares, a igualdade jurídica entre todos os filhos, o livre planejamento familiar, o afeto com valor jurídico e, dentre outras, a igualdade jurídica entre o homem e a mulher. Atualmente, não há mais distinção no ordenamento jurídico entre o homem e a mulher, sendo os dois iguais em direitos e obrigações, inclusive no que tange à chefia da sociedade conjugal. Não há mais prevalência masculina quando o assunto é a criação dos filhos, sendo as decisões sobre este assunto também direito e dever da mulher e qualquer discordância será resolvida em juízo, de acordo com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

Palavras-Chave: Direito de Família; Princípio da Igualdade Jurídica; Princípio da Solidariedade;  

2. INTRODUÇÃO

Durante muito tempo o homem e mulher foram tratados de maneira diferente pelo Direito, sendo o homem privilegiado pela ordem jurídica. Entretanto, com muita luta por parte principalmente das mulheres, a igualdade jurídica foi alcançada.

Se antigamente a mulher ficava restrita ao lar e sua função era apenas o cuidado doméstico e a criação dos filhos, hoje não existem mais papeis pré-definidos, sendo o homem e a mulher companheiros, dividindo-se no sustento da casa e no cuidado dos filhos.

Todas essas mudanças refletiram na família, que se transformou e teve seus objetivos alterados. A realização pessoal como forma de garantir a dignidade da pessoa humana é o principal objetivo da família moderna.

Apesar de todos os avanços, ainda nos dias atuais, é possível notar a diferença de tratamento, a discriminação e o preconceito com relação à mulher, perante a sociedade.

A presente monografia analisa a igualdade jurídica dos cônjuges. Para cumprir esta objetivo partem-se de objetivos específicos, que são tratados em capítulos, para proporcionar uma melhor compreensão acerca do tema.

No primeiro capítulo realiza-se uma abordagem histórica acerca da família, discorrendo sobre seu conceito e evolução, explanando-se ainda sobre a composição familiar e a diversidade de sexos, a possibilidade de repúdio feminino no Direito Hebreu e pater familias romano e prevalência masculina.

O segundo capítulo estuda o princípio da igualdade jurídica, abordando o conceito de princípios, a diferença entre princípios e regras e os três conceitos de igualdade.

Por fim, no terceiro capítulo analisa-se a igualdade jurídica dos cônjuges, partindo-se do estudo da alteração da formação familiar, a dignidade humana e intervenção mínima estatal com enfoque na igualdade do homem e da mulher na chefia familiar.

3. FAMÍLIA: CONCEITO E EVOLUÇÃO

3.1. DEFINIÇÃO JURÍDICA DE FAMÍLIA

É consenso na doutrina pátria que não há um conceito exclusivo para o vocábulo família. Ademais, além da plurivalência semântica, o conceito do termo família varia de acordo com a evolução da sociedade e do ramo do Direito pelo qual é estudado.

Nas palavras de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 39) não é possível apresentar um conceito único e absoluto de Família, apto a aprioristicamente delimitar a complexa e multifacetária gama de relações socioafetivas que vinculam as pessoas, tipificando modelos e estabelecendo categorias.

Pereira (apud Diniz, 2014, p. 23) explica que inúmeros são os sentidos do termo família, pois a plurivalência semântica é fenômeno normal no vocabulário jurídico.

Outrossim, Giorgis (2010, p. 45) afirma que a acepção de família é plurivalente ou polissêmica, acolhendo-se, até hoje, que habite o domicílio dos conceitos vagos ou indeterminados, hoje tão ao gosto dos legisladores, e com boa presença no direito de família.

Assim, Venosa (2008, p. 02) explica que:

A conceituação de família oferece, de plano, um paradoxo para sua compreensão. O Código Civil não a define. Por outro lado, não existe identidade de conceitos para o Direito, para a Sociologia e para a Antropologia. Não bastasse ainda a flutuação de seu conceito, como todo fenômeno social, no tempo e no espaço, a extensão dessa compreensão não é coincidente no direito penal e fiscal, por exemplo. Nos diversos direitos positivos dos povos e mesmo em diferentes ramos do direito de um mesmo ordenamento podem coexistir diversos significados de família. Por vezes, no mesmo sistema, a noção de família sofre um alargamento de natureza econômica, como ocorre na Lei do Inquilinato (Lei nº 8.245/91), ao proteger como sucessores do locatário as pessoas residentes no imóvel que viviam na dependência econômica do falecido (art. 11, I); em outras oportunidades, a lei restringe o alcance do conceito familiar apenas a pais e filhos (art. 47, III).

A palavra família, segundo Giorgis (2010, p. 45) deriva do latim famulus, famulia e daí famel, usada pelos oscos, povo que habitava o centro da Itália, e que segundo opinião majoritária, constituía um conjunto de pessoas obediente aos patriarca, incluindo-se os servos e os bens, da maneira que ocorreria nos grupos romanos (chefes, parentes consanguíneos, adotados, recepcionados pelo casamento religioso, escravos).

Diniz (2014, p. 24) explica que na seara jurídica existem três acepções fundamentais para do vocábulo família: a) amplíssima; b) a lata e c) a restrita, sendo que:

no sentido amplíssimo o termo abrange todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos, como no caso do art. 1.412, §2º, do Código Civil, em que as necessidades da família do usuário compreendem também as das pessoas de seu serviço doméstico. A Lei n. 8.112/90, Estatuto dos Servidores Públicos Civis da União, n. 241, considera como família do funcionário público além do cônjuge e da prole, quaisquer pessoas que vivam às suas expensas e constem de seu assentamento individual.

Venosa (2008, p. 03) afirma que em conceito amplo, importa considerar a família como parentesco, ou seja, o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar.

Nesse sentido, Venosa (2008, p. 03) explica que a família abrange os ascendentes, os descendentes e colaterais de uma linhagem, incluindo-se os ascendentes, descendentes e colaterais do cônjuge, que são chamados de parentes por afinidade ou afins. Nessa compreensão, inclui-se o cônjuge, que não é considerado parente.

Nas palavras de Gonçalves (2012, p. 15):

Lato sensu, o vocábulo família abrange todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como as unidas pela afinidade e pela adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, os parentes e os afins.

De acordo com Diniz (2014, p. 25):

na acepção "lata", além dos cônjuges ou companheiros, e de seus filhos, abrange os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes da linha reta ou colateral, bem como os afins (os parentes do outro cônjuge ou companheiro), como a concebem os arts. 1.591 e s. do Código Civil, o Decreto-Lei n. 3.200/41 e a Lei n. 8.069/90, art. 25, parágrafo único, acrescentado pela Lei n. 12.010/2009.

Consoante Venosa (2008, p. 03) em sentido restrito, a família compreende somente o núcleo formado por pais e filhos, que vivem sob o pátrio poder ou poder familiar.

Por fim, Diniz (2014, p. 25) aduz que:

na significação restrita é a família (CF, art. 226, §§1º e 2º) o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole (CC, arts. 1.567 e 1.716), e entidade familiar a comunidade formada pelos pais, que vivem em união estável, ou por qualquer dos descendentes, como prescreve o art. 226, §§ 3º e 4º, da Constituição Federal, independentemente de existir o vínculo conjugal, que a originou (...).

Nesse feitio, segundo Giorgis (2010, p. 45):

a ideia de família não é unívoca, pois entendida ora como célula da sociedade, ou conjunto de indivíduos ligados pela consaguinidade/afinidade; ou indivíduos unidos pelo casamento e pela filiação; mas também comunidade formada pelos pais e seus filhos; ou agrupamento natural vinculado por elemento espiritual; ou nicho que realiza o sentido material, intelectual e espiritual da pessoa; ou finalmente espaço de realização do afeto.

Venosa (2008, p. 02) sustenta que como regra geral, o Direito Civil moderno apresenta uma definição de família mais restrita, considerando membros de uma família as pessoas unidas por relação conjugal ou parentesco.

De acordo com Rocha (2003, p. 17) a família pode ser formada pelo casamento, pela união estável entre homem e mulher, pela procriação natural e artificial e pela adoção.

Ainda consoante Rocha (2003, p. 18):

Estes fatos, casamento, união estável entre homem mulher, procriação natural e artificial e adoção, escolhidos pelo legislador, dão origem à família e às relações familiares e disciplinadas pelo Direito. O casamento, por exemplo, cria sociedade a entre cônjuges e o vínculo de afinidade que irá unir cada um dos cônjuges aos parentes do outro (parentesco por afinidade). A união estável, isto é, a convivência estável e duradoura entre homem mulher que se comportam como se fossem marido e mulher, também dá origem a uma relação familiar protegida pelo Direito, na medida em que direitos e deveres são reconhecidos a cada um dos conviventes. A procriação natural e artificial e ainda o ato jurídico da adoção criam um parentesco consanguíneo nos dois primeiros casos e civil no último, estabelecendo relações entre pessoas que descendem umas das outras, como pai filho, ou então que provém de um ancestral comum, como irmãos. A família pode ser definida como a comunidade de pessoas ligadas entre si pelo casamento, união estável e parentesco.

Assim, a família abrange todas as pessoas que possuem ligação sanguínea, ou que são unidas pelo casamento, união estável ou parentesco.

3.2. O CASAMENTO E A DIVERSIDADE DE SEXOS

O casamento, sendo um ato jurídico, exige determinados requisitos para que tenha validade. Do estudo de seu conceito é possível que se extraia esses pressupostos.

Lôbo (2011, p. 99) conceitua o casamento como um ato jurídico negocial solene, público e complexo,  mediante o qual um homem e uma mulher constituem família, pela livre manifestação de vontade e pelo reconhecimento do Estado.

Portalis (apud Gonçalves, 2012, p. 28) um dos elaboradores do Código Civil francês, pretendendo ser objetivo, assim definiu o casamento: É a sociedade do homem e da mulher, que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos a carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino.

Na concepção de Diniz (2014, p. 51) o casamento é, legal e tecnicamente, o vínculo entre o homem e a mulher que visa o auxílio mútuo e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e constituição de uma família.

Nas palavras de Venosa (2008, p. 27) o casamento estabelece um vínculo jurídico entre o homem e a mulher, objetivando uma convivência de auxílio e de integração físico-psíquica, além da criação e do amparo da prole.

Para Beviláqua (apud Gonçalves, 2012, p. 28):

O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher se unem indissoluvelmente, legalizando por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida e de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de ambos nascer.

Nos termos do art. 1.511 do Código Civil "O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges".

Mais a frente, em seu art. 1.514 o Código Civil estabelece que "O casamento se realiza no momento em que o homem e a mulher manifestam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal, e o juiz os declara casados".

O § 3º do art. 226 da Constituição Federal tem a seguinte redação "Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento".

Consoante o art. 1.723 do Código Civil "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

De todos os conceitos e artigos expostos, conclui-se que um dos pressupostos do casamento é a diversidade de sexos.

Segundo Rocha (2003, p. 17) o enquadramento das relações homossexuais no âmbito do direito de Família é bastante discutível:

Duas orientações controvertem. A primeira, considerada conservadora, insiste em negar à relação homossexual abrigo no Direito de Família, localizando-a no campo do Direito das Obrigações ao classificá-la como pura sociedade de fato. Provada a existência de uma sociedade de fato, caberia apenas regular o destino dos bens adquiridos na constância da sociedade, por ocasião de sua dissolução. A segunda, considerada progressista, relega a segundo plano a diversidade de sexos e inclui a relação homossexual no campo do Direito de Família. O novo Código Civil não incluiu no campo do Direito de Família as relações homossexuais.

De acordo com Gonçalves (2012, p. 32):

A Constituição Federal, com efeito, só admite casamento entre homem e mulher. Esse posicionamento é tradicional e já era salientado nos textos clássicos romanos. A diferença de sexos constitui requisito natural do casamento, a ponto de serem consideradas inexistentes as uniões homossexuais. A Lei Maior veda, inclusive, a união estável entre pessoas do mesmo sexo, só a admitindo entre homem e mulher.

Não obstante, no ano de 2011, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277 e da Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 132 reconheceu como entidade familiar a união entre pessoas do mesmo sexo, concedendo a proteção do Estado como entidade familiar à união estável homoafetiva.

O julgamento da ADI 4.277 teve a seguinte ementa:

EMENTA: 1. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF). PERDA PARCIAL DE OBJETO. RECEBIMENTO, NA PARTE REMANESCENTE, COMO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. UNIÃO HOMOAFETIVA E SEU RECONHECIMENTO COMO INSTITUTO JURÍDICO. CONVERGÊNCIA DE OBJETOS ENTRE AÇÕES DE NATUREZA ABSTRATA. JULGAMENTO CONJUNTO. Encampação dos fundamentos da ADPF nº 132-RJ pela ADI nº 4.277-DF, com a finalidade de conferir “interpretação conforme à Constituição” ao art. 1.723 do Código Civil. Atendimento das condições da ação. 2. PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO DAS PESSOAS EM RAZÃO DO SEXO, SEJA NO PLANO DA DICOTOMIA HOMEM/MULHER (GÊNERO), SEJA NO PLANO DA ORIENTAÇÃO SEXUAL DE CADA QUAL DELES. A PROIBIÇÃO DO PRECONCEITO COMO CAPÍTULO DO CONSTITUCIONALISMO FRATERNAL. HOMENAGEM AO PLURALISMO COMO VALOR SÓCIO-POLÍTICO-CULTURAL. LIBERDADE PARA DISPOR DA PRÓPRIA SEXUALIDADE, INSERIDA NA CATEGORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DO INDIVÍDUO, EXPRESSÃO QUE É DA AUTONOMIA DE VONTADE. DIREITO À INTIMIDADE E À VIDA PRIVADA. CLÁUSULA PÉTREA. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. Silêncio normativo da Carta Magna a respeito do concreto uso do sexo dos indivíduos como saque da kelseniana “norma geral negativa”, segundo a qual “o que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está juridicamente permitido”. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. Direito à busca da felicidade. Salto normativo da proibição do preconceito para a proclamação do direito à liberdade sexual. O concreto uso da sexualidade faz parte da autonomia da vontade das pessoas naturais. Empírico uso da sexualidade nos planos da intimidade e da privacidade constitucionalmente tuteladas. Autonomia da vontade. Cláusula pétrea. 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃO-REDUCIONISTA. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar- se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos nem a formalidade cartorária, celebração civil ou liturgia religiosa. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. Família como figura central ou continente, de que tudo o mais é conteúdo. Imperiosidade da interpretação não-reducionista do conceito de família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. UNIÃO ESTÁVEL. NORMAÇÃO CONSTITUCIONAL REFERIDA A HOMEM E MULHER, MAS APENAS PARA ESPECIAL PROTEÇÃO DESTA ÚLTIMA. FOCADO PROPÓSITO CONSTITUCIONAL DE ESTABELECER RELAÇÕES JURÍDICAS HORIZONTAIS OU SEM HIERARQUIA ENTRE AS DUAS TIPOLOGIAS DO GÊNERO HUMANO. IDENTIDADE CONSTITUCIONAL DOS CONCEITOS DE “ENTIDADE FAMILIAR” E “FAMÍLIA”. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. Reforço normativo a um mais eficiente combate à renitência patriarcal dos costumes brasileiros. Impossibilidade de uso da letra da Constituição para ressuscitar o art. 175 da Carta de 1967/1969. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. Dispositivo que, ao utilizar da terminologia “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá-la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. DIVERGÊNCIAS LATERAIS QUANTO À FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO. Anotação de que os Ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Cezar Peluso convergiram no particular entendimento da impossibilidade de ortodoxo enquadramento da união homoafetiva nas espécies de família constitucionalmente estabelecidas. Sem embargo, reconheceram a união entre parceiros do mesmo sexo como uma nova forma de entidade familiar. Matéria aberta à conformação legislativa, sem prejuízo do reconhecimento da imediata auto-aplicabilidade da Constituição. 6. INTERPRETAÇÃO DO ART. 1.723 DO CÓDIGO CIVIL EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL (TÉCNICA DA “INTERPRETAÇÃO CONFORME”). RECONHECIMENTO DA UNIÃO HOMOAFETIVA COMO FAMÍLIA. PROCEDÊNCIA DAS AÇÕES. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

Frise-se que não houve alteração do texto da Constituição Federal ou do Código Civil, determinou-se apenas sua interpretação conforme a Constituição Federal, no que tange à não discriminação, para reconhecer a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar e estender-lhe a proteção do Estado.

Posteriormente, em maio de 2015 o Conselho Nacional de Justiça aprovou a Resolução n. 175, de 14 de maio de 2013, com a seguinte reação:

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis.

Portanto, pessoas do mesmo sexo podem se casar ou converter sua união estável em casamento e, ainda que não tenham sido alterados os textos do Código Civil e da Constituição Federal, é reconhecida como entidade familiar a união homoafetiva.

3.3. POSSIBILIDADE DE REPÚDIO FEMININO NO DIREITO HEBREU

O homem e mulher durante muito tempo, tiveram tratamento muito diferenciado pelo Direito e, ainda hoje, é notável a diferença de tratamento, a discriminação com relação à mulher, perante a sociedade.

Essa diferenciação, quase na maioria das vezes negativa para a mulher, pode ser constatada com bastante clareza nas sociedades antigas.

Em conformidade com Verucci (apud Dias, 2007, p. 94) a presença da mulher é a história de uma ausência. Era subordinada ao marido, a quem devia obediência. Sempre esteve excluída do poder e dos negócios jurídicos, econômicos e científicos.

Dias (2007, p. 94) sustenta que o lugar dado pelo direito à mulher sempre foi um não-lugar. Relegada da cena pública e política, sua força produtiva sempre foi desconsiderada, não sendo reconhecido o valor econômico dos afazeres domésticos.

Pena (2008, p. 63) explica que a desigualdade de gênero alcança datas remotas e ainda permanece nos dias atuais, em várias culturas, em maior ou menor grau, quer no oriente, quer no ocidente, e em variadas profissões de fé.

A desigualdade de gêneros, embasava, nos tempos antigos e em diversas civilizações, o tratamento da mulher como um objeto.

Tubert (apud Cunha et. al., 2008) destaca que alguns textos bíblicos mostram benção e fertilidade como palavras sinônimas, assim como maldição e esterilidade. Neles, nem adultério nem incesto são considerados crimes quando sua finalidade é remediar a esterilidade.

Nesse sentido, Palmas (2009, p. 109) elucida que a Legislação Hebraica prescrevia uma forma de casamento conhecida pelo termo “levir ato”.

De acordo com Leão (apud Palmas, 2009, p. 109):

O casamento por levirato (“yibbum”) consiste na obrigação do irmão do homem falecido sem deixar filhos de casar-se com a cunhada com a finalidade de geral um filho, que será considerado filho do irmão falecido, para perpetuar o nome do irmão entre o povo judeu. O irmão do homem falecido é denominado “yavam” ou “levir”, e esta obrigação só lhe cabe se ele for nascido antes da morte do irmão, preferindo-se o irmão mais velho do falecido. Deve-se ressaltar que esta regra só se aplica aos irmãos paternos, e que, antigamente, quando era admitida a poligamia, o casamento com uma das esposas era suficiente para o cumprimento da obrigação, mas se, porventura, houvesse por parte de todas as esposas algum impedimento matrimonial (ex. consangüinidade) para o levirato, extinguia-se a obrigação.

Palmas (2009, p. 79) destaca que deve-se ter sempre em mente que o levirato somente se justificava tendo em vista um único propósito: a perpetuação do nome do irmão falecido.

Leão (apud Palmas, 2009, p. 80) esclarece que na Lei Hebraica, mesmo o casamento por levirato, se não cumprido unicamente pelo propósito de gerar um descendente do falecido, é considerado incesto.

Coulanges (2006, p. 44) esclarece que no direito romano o casamento era obrigatório. Sua finalidade não era o prazer e objetivo fundamental não era a união de duas criaturas que se convinham e que desejavam unir-se para a felicidade ou sofrimentos da vida, mas de perpetuação do culto doméstico. Para a religião e as leis, o efeito do casamento, era que com a união de dois seres no mesmo culto doméstico se desse origem a um terceiro, apto a perpetuar esse culto. Para a religião a família não podia extinguir-se e toda afeição e direito natural devia ceder diante dessa regra absoluta.

Assim, da mesma maneira que no Direito Hebraico, em Roma havia a previsão do casamento por levirato.

Nesse sentido, Coulanges (2006, p. 44) explica:

Se o casamento era estéril por causa do marido, nem assim a família podia deixar de continuar. Nesse caso, um irmão ou parente do marido devia substituí-lo, e a mulher era impedida de se divorciar. A criança nascida dessa união era considerada filha do marido, e continuava seu culto. Tais eram as regras entre os antigos hindus; tornamos a encontrá-las nas leis de Atenas e de Esparta. Tal era a força imperiosa da religião! Tal a importância do dever religioso, que passava à frente de todos os outros!

Destaca-se que a mulher não poderia negar-se, era obrigada a aceitar o homem que substituísse seu marido. A esterilidade do homem, portanto, dava-lhe o direito de submeter a mulher ao casamento com outro homem, sendo impedida de se divorciar.

Além disso, Coulanges (2006, p. 44) aduz que:

Com muito mais razão as legislações antigas prescreviam o casamento da viúva, quando não tivesse filhos com o parente mais próximo do marido. O filho desse matrimônio era considerado filho do marido defunto. O nascimento de uma menina não satisfazia o objetivo do casamento. Com efeito, a filha não podia continuar o culto, porque, no dia em que se casasse renunciaria à família e ao culto do pai, e passava a pertencer à família e religião do marido. A família, como o culto, não continuava senão pelos varões (...).

Portanto, Coulanges (2006, p. 44) conclui que o filho é que era esperado, é que era necessário; era ele que os antepassados, a família e o lar reclamavam.

Cordeiro et. al. (apud Cunha et. al., 2008) explica que:

Os povos antigos viam na fecundidade da terra e de todas as espécies um único fenômeno, regido pela vontade divina. A fecundidade eterna da terra e das diversas espécies representava esperança para os povos da Antigüidade. A esterilidade se apresentava como imagem da morte.

Morice et. al. (apud Cunha et. al., 2008) esclarece que desde os tempos pré-históricos, pinturas rupestres retratavam mulheres representando fertilidade e prosperidade. Em diversas civilizações, as mulheres têm sido símbolo da fertilidade.

Era, portanto, bem clara a função de procriação da mulher dentro da família. Uma mulher infértil não tinha utilidade para seu marido e, consequentemente para a perpetuação do culto doméstico.

Coulanges (2006, p. 44) explica que tendo em vista que o casamento não era contratado senão para perpetuar a família, parece justo que podia ser anulado se a mulher fosse estéril. Nesses casos, o divórcio sempre constituiu direito entre os antigos; é até possível que tenha sido uma obrigação.

Consoante Coulanges (2006, p. 44):

Na Índia, a religião prescrevia que “a mulher estéril fosse substituída depois de oito anos.” — Nenhum texto formal prova que esse dever fosse idêntico tanto na Grécia quanto em Roma. Contudo, Heródoto cita dois reis de Esparta que foram constrangidos a repudiar as mulheres, porque eram estéreis. Quanto a Roma, é bastante conhecida a história de Carvílio Ruga, cujo divórcio é o primeiro mencionado pelos Anais de Roma. “Carvílio Ruga — diz Aulo Gélio — homem de grande família, separou-se da mulher mediante divórcio, porque não podia ter filhos dela. Amava-a ternamente, e só podia louvar-lhe a conduta. Mas sacrificou seu amor à religião do juramento, porque havia jurado — na fórmula do casamento — que a tomava por esposa a fim de ter filhos".

Nas palavras de Badinter e Tubert (apud Cunha et. al., 2008) a mulher infecunda é excluída de uma ordem cultural que identifica feminilidade com maternidade e maternidade com reprodução biológica.

Castro (2007, p. 37) esclarece que todos os povos da Antiguidade prevêem o divórcio. Este somente começou a ser proibido a partir do cristianismo.

Sobre o divórcio no Direito Hebraico, Palmas (2009, p. 109) explica que a Lei de Moisés mostrava-se extremamente permissiva. Entretanto, somente o marido poderia requerê-lo.

Segundo Palmas (2009, p. 109) a dissolução do casamento era cabível adotando-se um procedimento muito simples, dizia a Lei de Moisés que quando:

“um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio, mas esta logo depois não encontra mais graça a seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente, ele lhe escreverá então uma ata de divórcio e a entregará, deixando-a sair de sua casa em liberdade”. (Dt 24,1)

Destaca Palmas (2009, p. 109) que a vagueza da condição enunciada pelo legislador hebreu, o qual, em momento nenhum, especifica as razões que aventam o rechaço à esposa.

Castro (2007, p. 37) sustenta que teria que haver algo vergonhoso (o que pode ser interpretado de várias maneira) na esposa, para que o esposo pudesse repudiá-la.

Sendo assim, para alguns povos antigos a mulher somente tinha valor se fosse fértil, seu papel na família era de procriação, cabendo ao homem a chefia e a continuidade do culto familiar.

3.4. PATER FAMILIAS ROMANO E A PREVALÊNCIA MASCULINA

Atualmente, a família é unida pelo afeto, destacando-se a importância da solidariedade entre seus membros, entretanto, na Antiguidade outro era o elo entre os membros da família.

De acordo com Venosa (2008, p. 04) os membros da família antiga eram unidos por vínculo mais poderoso que o nascimento: a religião doméstica e o culto aos antepassados. Esse culto era dirigido pelo pater.

Meira (apud Elias, 1999, p. 10) esclarece:

No que tange à patria potestas, suas fontes eram o nascimento proveniente de justae nuptiae, a adoptio e adrogatio, a legitimação. Legítimo era o filho concebido na constância do casamento e, também, quando o nascimento ocorria depois de seis da data do matrimônio ou até dez meses após sua dissolução. A adoptio referia-se a um alieni iuris integrante de outra família, que passava para o poder de outro pater. A adrogatio era a adoção de um paterfamilias, que ficava sob a patria potestas de um sui iuris. Tal relação atingia os que lhe estavam subordinados. A legitimação outorgava a qualidade de filho legítimo ao nascido fora do matrimônio.

Segundo Marky (1995, p. 153) a organização familiar romana repousava na autoridade incontestada do paterfamilias em sua casa e na disciplina férrea que nela existia.

No mesmo sentido, Rodrigues (apud Dias 2007, p. 376) esclarece que o pater potestas constituía o direito absoluto e ilimitado conferido ao chefe da organização familiar sobre a pessoa dos filhos.

Igualmente, May (apud Elias, 1999, p. 10) afirma que no período do jus civile, no Direito Civil antigo, o poder paternal era absoluto, tendo o pai sobre os filhos o direito de vida e morte, entre outros.

Este poder, entretanto, não era exercido somente com relação à pessoa dos filhos, mas também da mulher e dos escravos, em outras palavras, de todo o grupo familiar.

Giorgis (2010, p. 56) aduz que faziam parte da sociedade familiar os descendentes, a mulher, os libertos, os escravos, todos os bens imóveis ou móveis, vale dizer, os entes livres, os servos, o patrimônio, o patrono e seus libertos; posteriormente o conceito se desdobra para envolver pessoas unidas pela agnação (parentesco civil) ou cognação (parentesco biológico).

Consoante Venosa (2008, p. 295):

o pater familias, é o condutor da religião doméstica, o que explica seu aparente excesso de rigor. O pai romano não apenas conduzia a religião, como todo o grupo familiar, que podia ser numeroso, com muitos agregados e escravos. Sua autoridade era fundamental, portanto, para manter unido e sólido o grupo como célula importante do Estado. De fato, sua autoridade não tinha limites e, com frequência, os textos referem-se ao direito de vida e morte com relação aos membros de seu clã (...)

Marky (1995, p. 153) elucida:

O caráter arcaico do poder que o paterfamilias tinha sobre seus descendentes era revelado pela total, completa e duradoura sujeição destes àquele, sujeição esta que tornava a situação dos descendentes semelhante à dos escravos, enquanto o paterfamilias vivesse.

Lôbo (2011, p. 297) afirma que o patria potestas dos romanos antigos era muito extenso, ao início, pois abrangia o poder de vida ou morte.

Monteiro (2010 p. 496) aponta que:

Primitivamente, no direito romano, a patria potestas visava tão somente ao exclusivo interesse do chefe de família. Nos primeiros tempos, os poderes que enfeixavam na autoridade do pai, tanto os de ordem pessoal como os de ordem patrimonial, caracterizavam-se pela sua larga extensão.

Acerca dos poderes relativos ao pater Coulanges (2006, pp. 74-75) explica que podem ser catalogados em três categorias, segundo se considera o pai de família como chefe religioso, como senhor da propriedade ou como juiz.

Assim, como chefe religioso Coulanges (2006, pp. 74-75) sustenta que o pater tem o dever de perpetuar o culto e deste dever deriva uma série de direitos:

Direito de reconhecer a criança no ato do nascimento, ou de rejeitá-la. Esse direito é atribuído ao pai tanto pelas leis gregas, quanto pelas leis romanas. Por mais bárbaro que seja, não está em contradição com os princípios básicos da família. A filiação, mesmo incontestada, não basta para ingressar no círculo da família; é necessário o consentimento do chefe, e a iniciação ao culto. Enquanto a criança não for associada à religião doméstica, nada representa para o pai. Direito de repudiar a mulher, quer em caso de esterilidade, porque a família não se deve extinguir; quer em caso de adultério, porque a família e a descendência devem ficar isentas de toda e qualquer alteração. Direito de casar a filha, isto é, de ceder a outro o poder que tem sobre ela. Direito de casar o filho: o casamento do filho interessa à perpetuação da família. Direito de emancipar, isto é, de excluir um filho da família e do culto. Direito de adotar, isto é, de introduzir um estranho junto ao lar doméstico. Direito de designar, ao morrer, um tutor para a mulher e os filhos. É necessário notar que todos esses direitos eram atribuídos somente ao pai, com exclusão de todos os outros membros da família. A mulher não tinha o direito de divorciar, pelo menos nas épocas mais antigas. Mesmo quando viúva, não podia nem emancipar, nem adotar. Jamais podia ser tutora, mesmo de seus filhos. Em caso de divórcio, os filhos ficavam com o pai, assim como as filhas. Jamais tinha os filhos sob seu poder. Para o casamento da filha, não lhe pediam seu consentimento.

Com relação ao patrimônio Monteiro (2010, p. 496) explica o filho, que era como um escravo, não possuía bens próprios, pois, tudo o que chegava a adquirir, adquiria para seu pai, a não ser dívidas.

Segundo Venosa (2008, p. 295) no direito romano, os filhos não tinham capacidade de direito, eram alieni juris. O patrimônio era integralmente do pai. Os filhos não tinham bens próprios.

A despeito dos autores referirem-se somente aos filhos, tais disposições aplicam-se também à mulher. Nesse sentido Coulanges (2006, pp. 78-79):

Como a propriedade era indivisível, e repousava por completo sobre a cabeça do pai. nem a mulher, nem o filho tinham nada de próprio. O regime dotal era então desconhecido, e teria sido impraticável. O dote da mulher pertencia sem reserva ao marido, que exercia sobre os bens dotais não somente direitos de administrador, mas de proprietário. Tudo o que a mulher podia adquirir durante o casamento caía nas mãos do marido. Mesmo tornando-se viúva, não readquiria direitos sobre seu próprio dote.

O filho estava nas mesmas condições que a mulher: não possuía coisa alguma. Nenhuma doação feita por ele era válida, pela mesma razão que nada possuía de próprio. Não podia adquirir coisa alguma; os frutos de seu trabalho, os lucros de seu comércio eram devidos ao pai. Se um testamento era feito em seu favor por algum estranho, o pai, e não ele, recebia o legado. Por aí se explica o texto do direito romano que proíbe qualquer contrato de venda entre pai e filho. Se o pai vendesse algo ao filho, vendia para si mesmo, porque o filho só podia adquirir por intermédio do pai.

Esclarece Marky (1995, p. 154) que do ponto de vista patrimonial, o pátrio poder implicava a centralização de todos os direitos patrimoniais na pessoa do paterfamilias. No direito clássico, o pater era a única pessoa capaz de ter direitos e obrigações. As pessoas sujeitas ao pátrio poder não tinham plena capacidade de gozo e portanto, não podiam ser os alieni juris sujeitos de direito.

Plutarco (apud Coulanges, 2006, p. 79) nos informa que em Roma as mulheres não podiam comparecer perante a justiça, mesmo como testemunhas.

Gaio (apud Coulanges, 2006, p. 79) sustenta:

É necessário que se saiba que não se pode ceder, nada em justiça às pessoas que estão sob poder de outras, isto é, à mulher, ao filho, ao escravo. Porque, desde que essas pessoas nada podiam possuir de próprio, concluiu-se com razão que igualmente nada podiam reivindicar em justiça. Se vosso filho, submetido a vosso poder, cometeu um crime, a ação em justiça é movida contra vós. O crime cometido por um filho contra o pai não dá lugar a nenhuma ação em justiça.

Pelo exposto, Coulanges (2006, p. 79) sustenta que claramente mulher e filho não podiam ser nem demandistas, nem defensores, nem acusadores, nem acusados, nem testemunhas. De toda a família, apenas o pater podia apresentar-se diante do tribunal da cidade; a justiça pública não existia senão para ele. Assim, o delito cometido pelos membros da família era de responsabilidade do pater.

Sobre a posição do homem como chefe da sociedade familiar Coulanges (2006, pp. 74-75) destaca:

O pai é o primeiro junto ao lar: ele o alumia e conserva; é seu pontífice. Em todos os atos religiosos, ele exerce a mais alta função; degola a vítima; sua boca pronuncia a fórmula de oração, que deve atrair para si e para os seus a proteção dos deuses. A família e o culto se perpetuam por seu intermédio; representa, sozinho, toda a série dos descendentes. Sobre ele repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o hindu: “Eu sou o deus.” — Quando a morte chegar, será um ser divino, que os descendentes invocarão. A religião não coloca a mulher em posição tão elevada. É verdade que ela toma parte em todos os atos religiosos, mas ela não é a senhora do lar. Sua religião não lhe vem do nascimento; nela foi iniciada somente por ocasião do casamento; ela aprendeu do marido a prece que pronuncia. Não representa os antepassados, porque não descende deles. Não se tornará um deles, porque, sepultada, não receberá nenhum culto especial. Na morte, como na vida, ela não é considerada mais que um membro do esposo.

Coulanges (2006, pp. 74-75) esclarece ainda que o direito grego, o direito romano, o direito hindu, que se originam dessas crenças religiosas, todos concordam em considerar a mulher como menor.

De acordo com esses direitos, consoante Coulanges (2006, p. 75), a mulher jamais pode ter seu próprio lar, jamais seria chefe de um culto:

Em Roma recebe o título de mater familias, mas perde-o por morte do marido. Não tendo nunca um lar que lhe pertença, nada possui que lhe dê autoridade na casa. Jamais dá ordens, jamais é livre, ou senhora de si mesma, sui juris. Sempre está ao lado do lar de outro, repetindo a oração de outro; para todos os atos da vida religiosa é-lhe necessário um chefe, e para todos os atos da vida civil um tutor. A lei de Manu diz: “A mulher, durante a infância, depende do pai; durante a juventude, do marido; por morte do marido, depende dos filhos; se não tem filhos, depende dos parentes próximos do marido, porque uma mulher jamais se deve governar à sua vontade.” — As leis gregas e romanas dizem o mesmo. Filha, é submetida ao pai; morto o pai, fica submissa aos irmãos e aos agnados; casada, fica sob a tutela do marido; morto o marido, não volta para a própria família, porque renunciou para sempre a ela com o casamento sagrado; a viúva continua submissa à tutela dos agnados do marido, isto é, a seus próprios filhos, se os tem, ou, caso contrário, dos parentes mais próximos. O marido tem tal autoridade sobre ela, que pode, antes de morrer, designar-lhe um tutor, ou mesmo escolher-lhe novo marido.

Assim, a mulher submetia-se ao pater familias, era tratada como propriedade deste, que poderia inclusive decidir sobre sua morte. Era patente a prevalência masculina, a mulher era considera inferior não poderia opinar sobre o seu futuro, tampouco dos filhos.

4. O PRINCÍPIO DA IGUALDADE JURÍDICA

4.1. DEFINIÇÃO DE PRINCÍPIO

Os princípios desempenham importante papel no cumprimento das tarefas de proteção aos direitos fundamentais e são como garantias fundamentais dos indivíduos, seja em face do Estado, seja em face dos demais cidadãos.

Ávila (2001, pp. 5-6) seleciona as definições dadas por alguns doutrinadores a respeito de princípio e deixa claro que tanto os doutrinadores, quanto os Tribunais Pátrios entendem que as normas jurídicas mais relevantes de um ordenamento jurídico são os princípios.

De acordo com Ávila (2001, pp. 5-6) na tradição inglesa os princípios são fundamentos de validade que contribuem para as decisões tomadas pelo Estado:

A definição de princípio (‘’Grundsatz’’) foi elaborada por ESSER já em 1956. Para ele os princípios, ao contrário das normas (regras), não contêm diretamente ordens, mas apenas fundamentos, critérios para justificação de uma ordem. A distinção entre princípios e regras não seria portanto, apenas com base no grau de abstração e generalidade da prescrição normativa relativamente aos caso aos quais elas devem ser aplicadas: a distinção seria de ‘’qualitat’’. Os princípios não possuem uma ordem vinculada estabelecida de maneira direta, senão que apenas fundamentos para que essa seja determinada.Segundo critério do fundamento de validade adotado por WOLLF-BACHOF e FORSTHOFF, os princípios seriam diferentes das regras por serem dedutíveis objetivamente do princípio do Estado de Direito ou do princípio da justiça. Eles funcionam como fundamentos jurídicos para as decisões, ainda que com caráter normativo, não possuíram a qualidade de normas de comportamento, dada a sua falta de determinação. LARENZ define os princípios como normas de grande relevância para o ordenamento jurídico, na medida em que estabelecem fundamentos normativos para a interpretação e aplicação do Direito, deles decorrendo, direta ou indiretamente, normas de comportamento.

Dantas (apud Greco, 2010, p. 558) entende que "‘’princípio’’, no singular, indica o início, a origem, o começo, a causa primária."

É o que também afirma Espíndola (apud Greco, 2010, p. 558):

Pode-se concluir que a ideia de princípio ou sua conceituação, seja lá qual for o campo do saber que se tenhaem mente, designa a estruturação de um sistema de ideias, pensamentos ou normas por uma ideia mestra, por um pensamento-chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais ideias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Dantas (apud Greco, 2010, p. 558) sustenta ainda que os princípios refletem a estrutura de um Estado no que tange aos valores que a sociedade consagra:

Princípios são categoria lógica e, tanto quanto possível, universal, muito embora não possamos esquecer que, antes de tudo, quando incorporados a um sistema jurídico-constitucional-positivo, refletem a própria estrutura ideológica do Estado, como tal, representativa dos valores consagrados por uma determinada sociedade.

Canotilho (2003, p. 1255) preleciona que os princípios possibilitam ou exigem algo entre tudo ou nada:

Princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de <>; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a <>, fática ou jurídica.

Lôbo (2011, p. 37) explica que os princípios constitucionais são expressos ou implícitos. Estes últimos podem derivar da interpretação do sistema constitucional adotado ou podem brotar da interpretação harmonizadora de normas constitucionais específicas (por exemplo, o princípio da afetividade).

Consoante Lôbo (2011, p. 37) no Capítulo VII do Título VIII da Constituição há ambas as espécies, particularmente pela especificação dos princípios mais gerais às peculiaridades das relações de família.

4.2. DISTINÇÃO ENTRE PRINCÍPIO E REGRA

A despeito de serem tratadas algumas vezes como sinônimos, os princípios e as regras possuem algumas distinções.

Lôbo (2011, p. 37) aduz que as normas constitucionais, todas com força normativa própria, classificam-se em princípios e regras, distinguindo-se por seu, pelo modo de incidência e aplicação.

Dias (2007, p. 55) esclarece que o ordenamento jurídico positivo compõe-se de princípios e regras cuja diferença não é apenas de grau de importância.

Gonet (2013, pp. 73-75), em sua obra traz a diferença entre princípios e regras segundo Ronald Dworkin e Robert Alexy.

Gonet (2013, pp. 73-75) explica que para Ronald Dworkin, se os fatos que uma regra estipula ocorrem, então ou a regra é válida, e a solução que resulta deve ser aceita, ou não é válida, e não contribuirá em nada para decisão. E havendo um conflito entre regras, a solução haverá de se ajustar conforme os critérios de hierarquia, de especialidade e cronológico. E para os princípios, explica que possuem uma dimensão que as regras não têm: a questão de peso. Pois, havendo um conflito entre princípios, deve-se resolver considerando o peso de cada. Portanto, não é realizada os critérios para solucionar os conflitos, mas sim, sobre qual princípio tem o peso maior em uma dada situação.

Já para Robert Alexy, Gonet (2013, pp. 73-75) esclarece que a distinção é ‘a chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais’. Os princípios, ‘são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes’. Ocorrendo a colisão de princípios, há que se apurar o peso, utilizando-se a ponderação. As regras determinam algo, ’se uma regra é valida, então há de ser fazer exatamente o que ela exige, sem mais nem menos’. Já as regras, quando entram em conflito, são solucionadas usando a cláusula de exceção da outra, que é o critério cronológico e o de especialidade, ou então, declarando uma delas sendo inválidas.

Silva (2010, pp. 4-5) confirma tal explicação de Dworkin e Alexy, com as seguintes palavras:

Dworkin argumenta que, ao lado das regras jurídicas, há também os princípios. Estes ao contrário daquelas, que possuem apenas a dimensão da validade, possuem também outra dimensão: o peso. Assim, as regras ou valem, e são por isso, aplicáveis em sua inteireza, ou não valem, e portanto, não são aplicáveis. No caso dos princípios, essa indagação acerca da validade não faz sentido. No caso de colisão entre princípios, não que se indagar sobe problemas de validade, mas somente de peso. Tem prevalência aquele princípio que for, para o caso concreto, mais importante, ou, em sentido figurado, aquele que tiver maior peso. Importante é ter em mente que o princípio que não tiver prevalência não deixa de valer ou de pertencer ao ordenamento jurídico, ele apenas não terá tido peso suficiente para ser decisivo naquele caso concreto. Em outros casos, porém, a situação pode inverter-se. Segundo Alexy, princípios são normas que estabelecem que algo deve ser realizado na maior medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas presentes.  Por isso são eles chamados de mandamentos de otimização. Importante, nesse ponto, é a ideia de que a realização completa de um determinado princípio pode ser – e frequentemente é – obstada pela realização de outro princípio. Essa ideia é traduzida pela metáfora de colisão entre princípios, que deve ser resolvida por meio de um sopesamento, para que se possa chegar a um resultado ótimo. Esse resultado ótimo vai sempre depender das variáveis do caso concreto e é por isso que não se pode falar que um princípio P1 sempre prevalecerá sobre princípio P2 – (P1 P P2) -, devendo-se sempre falar em prevalência do princípio P1 sobre princípio P2 diante das condições C – (P1 P P2) C. Visto que para se chegar a um resultado ótimo é necessário, muitas vezes, limitar a realização de um ou de ambos os princípios, fala-se que os princípios expressam os deveres e direitos prima facie, que poderão revelar-se menos amplos após o sopesamento com princípios colidentes. Diante disso, a diferença entre princípios e regras fica ainda mais clara. As regras, ao contrário dos princípios, expressam deveres e direitos definitivos, ou seja, se uma regra é válida, então deve se realizar exatamente aquilo que ela prescreve, nem mais, nem menos. No caso dos princípios, o grau de realização pode, como visto, variar. 

Piovesan (apud Dias, 2007, p. 55) explica que acima das regras legais, existem princípios que incorporam as exigências de justiça e de valores ético que constituem o suporte axiológico, conferindo coerência interna e estrutura harmônica a todo o sistema jurídico.

Alexy na obra Teoria dos Direitos Fundamentais traduzida por Silva (2008, pp. 103-104) traz importantes características em relação a princípios e regras:

Princípios exigem que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Nesse sentido, eles não contêm um mandamento definitivo, mas apenas prima facie. Da relevância de um princípio em um determinado caso não decorre que o resultado seja aquilo que o princípio exige para esse caso. Princípios representam razões que podem ser afastadas por razões antagônicas. A forma pela qual deve ser determinada a relação de razão e contra razão não é algo determinado pelo próprio princípio. Os princípios, portanto, não dispõem da extensão de seu conteúdo em face dos princípios colidentes e das possibilidades fáticas.

O caso das regras é totalmente diverso. Como as regras exigem que seja feito exatamente aquilo que elas ordenam, elas têm uma determinação de extensão de seu conteúdo no âmbito das possibilidades jurídicas e fáticas. Essa determinação pode falhar diante de impossibilidades jurídicas e fáticas; mas, se isso não ocorrer, então, vale definitivamente aquilo que a regra prescreve. Diante disso, alguém poderia imaginar que os princípios têm sempre um mesmo caráter prima facie, e as regras um mesmo caráter definitivo. Um tal modelo parece estar presente em Dworkin, quando ele afirma que regras, se válidas, devem ser aplicadas de forma tudo-ou-nada, enquanto os princípios apenas contêm razões que indicam uma direção, mas não tem como consequência necessária uma determinada decisão. 

Nesta senda manifesta-se Ávila (2001, pp.18-20) explicando que deve-se definir os princípios como normas que estabelecem diretamente fins, para que estabeleça com menor exatidão qual o comportamento devido e com isso dependem mais intensamente da sua relação com normas e de atos legítimos de interpretação para determinação da conduta devida:

Primeiro, os princípios jurídicos não se identificam com valores, na medida em que eles não determinam o que deve ser, mas o que é melhor. Da mesma forma, no caso de uma colisão entre valores, a solução não determina o que é devido, apenas indica o que é melhor. Em vez do caráter deontológico dos princípios, os valores possuem tão só axiológico.  Segundo, os princípios jurídicos não se confundem com o mero estabelecimento de fins: os fins apenas indicam um estado almejado, sem que seja estabelecido um dever ser. O estabelecimento de fins, quando motivados por meio de um dever ser, passa a constituir um princípio como será analisado. Terceiro, os princípios jurídicos não se confundem com os axiomas. Axioma denota uma proposição cuja veracidade é aceita por todos, dado que não é nem possível nem necessário prova-lá. Por isso mesmo são os axiomas aplicáveis exclusivamente por meio da lógica, e deduzidos sem a intervenção de pontos de vista materiais. A veracidade dos axiomas é demostrada pela sua própria e mera afirmação, como se o fossem auto evidentes. Não se encontram, portanto, no mundo jurídico do dever ser, cuja concretização é sempre prático-institucional. Quarto, os princípios jurídicos não se confundem com postulados. Postulado, no sentido kantiano, significa uma condição de possibilidade do conhecimento de determinado objeto, de tal sorte que ele não pode ser apreendido sem que essa condição seja preenchida no próprio processo de conhecimento. Os postulados variam conforme o objeto cuja compreensão condicionam. Quinto, os princípios jurídicos não se confundem com critérios. O critério responde à seguinte pergunta: como/mediante que/por quê se deve entre dois ou mais elementos envolvidos ser escolhido um deles ou como/mediante  o que se pode distinguir dois elementos? Um critério normativo, segundo a definição de princípio aqui estipulada, consubstancia não um princípio, mas uma meta-regra de aplicação de outras normas. Os chamados princípios de solução de antinomias (hierarquia, cronologia e especialidade), podem ser melhor definidos como critérios normativos ou meta regras de aplicação normativa, na medida em que explicam e determinam como e por que entre duas normas aplicáveis às mesmas circunstâncias fáticas  deve ser escolhida uma delas (a hierarquicamente superior, a editada posteriormente ou a que regula mais especificamente à situação, p. ex.), sem serem cumpridos em vários graus mediante ligação com fins. [...] Diante do exposto, pode-se definir os princípios como normas que estabelecem diretamente fins, para cuja concretização estabelecem com menor exatidão qual o comportamento devido (menor grau de determinação da ordem e maior generalidade dos destinatários), e por isso dependem mais intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para determinação da conduta devida. As regras podem ser definidas como normas que estabelece indiretamente fins, para cuja concretização estabelecem com maior exatidão qual o comportamento devido (maior grau de determinação da ordem e maior especificação dos destinatários), e por isso dependem menos intensamente da sua relação com outras normas e de atos institucionalmente legitimados de interpretação para a determinação da conduta devida.

De acordo com Lôbo (2011, p. 37) a regra sugere suporte fático hipotético (ou hipótese de incidência) mais determinado e fechado, cuja concretização na realidade da vida leva à sua incidência, confirmando-a o intérprete mediante o meio tradicional da subsunção. Como exemplo, temos o § 4º, do art. 226 da Constituição Federal, segundo o qual "Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”; isso quer dizer que, toda vez que uma pessoa passar a conviver com um filho, seja ele biológico ou não, ainda que sem a companhia de cônjuge ou companheiro, a regra será aplicada para assegurar a constituição de uma entidade familiar; em outras palavras, a norma constitucional incidirá sobre esse suporte fático concreto e o converterá no fato jurídico por ela previsto, que passará a produzir os efeitos jurídicos por ela tutelados).

Lôbo (2011, p. 37) esclarece que depende do aplicador ao ver o caso concreto indicar a solução utilizando-se da ponderação decidir qual principio apresentaria a real e atual justiça:

O princípio, por seu turno, indica suporte fático hipotético necessariamente indeterminado e aberto, dependendo a incidência dele da mediação concretizadora do intérprete, por sua vez orientado pela regra instrumental da equidade, entendida segundo formulação grega clássica, sempre atual, de justiça do caso concreto. Tome-se o exemplo do princípio da dignidade da pessoa humana, referido expressamente no § 7º do art. 226 da Constituição: o casal é livre para escolher seu planejamento familiar, mas deve fazê-lo em obediência ao princípio da dignidade da pessoa humana, cuja observância confirmará o intérprete apenas em cada situação concreta, de acordo com a equidade, que leva em conta a ponderação dos interesses legítimos e valores adotados pela comunidade em geral. No exemplo citado um princípio constitucional (a dignidade) está a limitar e a conformar outro princípio constitucional (a liberdade de escolha). Todavia, quase sempre os princípios são dotados de mesma força normativa, sem qualquer hierarquia entre eles. Quando um entra em colisão com outro (e.g.: dignidade de uma pessoa versus integridade física de outra), para que um seja prevalecente, resolvendo-se a aparente antinomia, o caso concreto é que indicará a solução, mediante a utilização pelo intérprete do instrumento hermenêutico de ponderação dos valores em causa, ou do peso que o caso concreto provocar em cada princípio.

Lôbo (2011, p. 37) elucida:

Ilustrem-se os instigantes temas da força normativa e da colisão dos princípios com o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o exame compulsório do DNA, ocorrido em 1996 (HC 71.373-RS). As autoras ajuizaram ação de investigação de paternidade, imputando-a ao réu, que se recusou a submeter-se ao exame. Houve decisão de primeira instância, confirmada pela segunda, no sentido de ser conduzido “debaixo de vara” a um laboratório para ser extraído seu material genético. Contra essa decisão, o réu interpôs habeas corpus no STF, que lhe foi concedido. A orientação adotada pela maioria considerou que a decisão de submissão compulsória ao exame genético violou os princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade, da integridade física, da vida privada, todos de valor constitucional e que a recusa é um direito inviolável, devendo o julgador levá-la em conta juntamente com as demais provas indiciárias. A minoria, por seu turno, também se fundamentou em princípios constitucionais, inclusive o da dignidade da pessoa humana, que para a maioria pesou mais em favor do réu.

Como se vê, segundo Lôbo (2011, p. 37) os princípios não oferecem solução única (tudo ou nada), segundo o modelo das regras. Sua força está nessa aparente fragilidade, vez que, sem mudança ou revogação de normas jurídicas, os princípios permitem adaptação do direito à evolução dos valores da sociedade. Por certo, o mesmo princípio, observando-se o catálogo das decisões nos casos concretos, em cada momento histórico, vai tendo seu conteúdo ajustado, em permanente processo de adaptação e transformação. A estabilidade jurídica não sai comprometida, tendo em vista que esse processo de adaptação contínua evita a obsolescência tão frequente das regras jurídicas, ante o advento de novos valores sociais.

Barcellos (apud Greco, 2010, pp. 560-561), elenca sete critérios sobre a distinção entre princípios e regras:

a) O conteúdo. Os princípios estão mais próximos da ideia de valor e de direito. Eles forma uma exigência da justiça, da equidade ou da moralidade, ao passo que as regras tem um conteúdo diversificado e não necessariamente moral. Ainda no que diz respeito ao conteúdo, Rodolfo L. Vigo chega a identificar determinados princípios, que denomina de ‘fortes’, com os direitos humanos.

 b) Origem e validade. A validade dos princípios decorre de seu próprio conteúdo, ao passo que as regras derivam de outras regras ou dos princípios. Assim, é possível identificar o momento e a forma como determinada regra tornou-se norma jurídica, perquirição essa que será inútil no que diz respeito aos princípios.

c) Compromisso histórico. Os princípios são para muitos (ainda que não todos), em maior ou menos medida, universais, absolutos, objetivos e permanentes, ao passo que as regras caracterizam-se de forma bastante evidente pela contingencia e relatividade de seus conteúdos, dependendo do tempo e lugar.

d) Função no ordenamento. Os princípios têm uma função explicadora e justificadora em relação às regras. Ao modo dos axiomas e leis científicas, os princípios sintetizam uma grande quantidade de informação de um setor ou de todo o ordenamento jurídico, conferindo-lhe unidade e ordenação. 

e) Estrutura linguística. Os princípios são mais abstratos que a regras, em geral não descrevem as condições necessárias para sua aplicação e, por isso mesmo, aplicam-se a um numero indeterminado de situações. Em relação a regras, diferentemente, é possível identificar, com maior ou menor trabalho, suas hipóteses de aplicação.

f) Esforço interpretativo exigido. Os princípios exigem uma atividade argumentativa muito mais intensa, não apenas para precisar seu sentido, como também para inferir a solução que ele propõe para o caso, ao passo que as regras demandam apenas uma aplicabilidade, na expressão de Josef Esse, ‘burocrática e técnica’.

g) Aplicação. As regras tem estrutura biunívoca, aplicando-se de acordo com o modelo do ‘’tudo ou nada’‘, popularizado por Ronald Dworkin. Isto é, dado seu substrato fático típico, as regras só admitem duas espécies de situação: ou são válidas e se aplicam ou não se aplicam por inválidas. Não são admitidas gradações. Como registra Robert Alexy, ao contrário das regras, os princípios determinam que algo seja realizado na maior medida possível, admitindo uma aplicação mais ou menos ampla de acordo com as possibilidades físicas e jurídicas existentes.

Diante do exposto, entende-se que os princípios e regras se diferem por diversos critérios, assim possibilitam diversas formas para sua aplicação e efetividade nas decisões judiciais.

4.3. CONCEITO DE IGUALDADE

O artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 prevê que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.

Lenza (2010, p. 751) explica sobre esse ponto que:

deve-se, contudo, buscar não somente essa aparente igualdade formal (consagrada no liberalismo clássico), mas, principalmente, a igualdade material, uma vez que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades’.

Lenza (2010, p. 751) comenta com base a Oração aos Moços, de Rui Barbosa, inspirada na lição secular de Aristóteles, deve-se tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais na medida de suas desigualdades, buscando assim por uma igualdade substancial.

É valido esclarecer que com a adoção da política do Estado Democrático de Direito pela CF/88, o principio da igualdade assumiu uma nova dimensão política no sentido de buscar a igualdade considerando que a lei deverá tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Moraes (2004, p. 66) assevera que com a Constituição Federal de 1998 adotou-se o principio da igualdade de direitos, nos seguintes termos: ‘’todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico’’.

Salienta ainda Moraes (2004, p. 66) que:

Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrarias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o principio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo  a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal.

Não há óbice à diferenciações, o que o ordenamento jurídico veda são discriminações sem motivação válida, diferenciações arbitrárias. Se a diferenciação for feita de maneira a igualar partes naturalmente desiguais, esta diferenciação é válida, na medida em que este é o verdadeiro sentido do princípio da igualdade.

Sobre o principio da igualdade Dantas (apud Moraes, 2004, pp. 67-68):

Quanto mais progridem e se organizam as coletividades, maior é o grau de diferenciação a que atinge o seu sistema legislativo. A lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos, quase sempre atende a diferença de sexo, de profissão , de atividade, de situação econômica, de posição jurídica, de direito anterior; raramente regula do mesmo modo a situação de todos os bens, quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos; raramente qualifica de um modo único as múltiplas ocorrências de um mesmo fato, quase sempre os distingue conforme as circunstâncias em que se produzem, ou conforme a repercussão que tem no interesse geral. Todas essas situações, inspiradas no agrupamento natural e racional dos indivíduos e dos fatos, são essenciais ao processo legislativo, e não ferem o principio da igualdade. Servem, porém, para indicar a necessidade de uma construção teórica, que permita distinguiras leis arbitrarias das leis conforme o direito, e eleve até esta alta triagem a tarefa do órgão do Poder Judiciário.

Na concepção de Araújo (2008, p. 99) alguns grupos devem ser tratados de maneiras diversas, em razão de uma realidade histórica que depende de vários fatores:

Na disciplina do princípio da igualdade, o constituinte tratou de proteger certos grupos que, a seu entender, mereciam tratamento diverso. Enfocando-se a partir de uma realidade histórica de marginalização social ou de hipossuficiência decorrente de outros fatores, cuidou de estabelecer medidas de compensação, buscando concretizar, ao menos em parte, uma igualdade de oportunidades com os demais indivíduos, que não sofreram as mesmas espécies de restrições.

Na concepção de Silva (2008, p. 211), a igualdade não pode admitir vantagens e nem diferenciação:

A igualdade constitui o signo fundamental da democracia. Não admite privilégios e distinções que um regime simplesmente liberal consagra. Por isso é que a burguesia, cônscia de seu privilegio de classe, jamais postulou um regime de igualdade tanto quanto reivindicara o de liberdade.

O aludido princípio constitucional, no que diz respeito as pessoas abrange: a igualdade perante a justiça; a igualdade concernente à tributação; a igualdade perante a lei penal; a igualdade quanto à orientação sexual, raça, origem, cor, idade, religião, crença religiosa e convicção filosófica. Conferiu-se a todos os indivíduos, tantos brasileiros quanto estrangeiros, que estejam em solo brasileiro, a legitimidade para a propositura de ações constitucionais para garantir o livre exercício desses direitos.

Cunha (2013, p. 92) entende que:

O principio da igualdade pressupõe não somente a igualdade formal, mas também a igualdade material, ou seja, ‘’para todos os indivíduos com as mesmas características devem prever-se, através da lei, iguais situações ou resultados jurídicos’’ ou, ainda, deve-se tratar de forma ‘’igual o que é igual e desigualmente o que é desigual’’.

Desta maneira, resta claro que é necessário entender os diferentes aspectos da igualdade, a formal, a material e por fim, a igualdade jurídica.

4.3.1. Igualdade Formal

A igualdade formal é aquela prevista na Carta Magna, no caput do art. 5º, que dispõe que todos os seres humanos tem os mesmos direitos, independente de etnia, sexo, crença ou distinção de natureza.

Para Silva (2008, p. 211):

As constituições só tem reconhecido a igualdade formal: igualdade perante a lei. A constituição de 1988 abre o capitulo dos direitos individuais com o principio de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza (art. 5º, caput). Reforça o princípio com muitas outras normas sobre igualdade ou buscando a igualização dos desiguais pelo outorga de direitos sociais substanciais. Assim é que, já no mesmo art. 5º, I, declara que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.

Acontece que nem todos passam pelas mesmas coisas, detém das mesmas oportunidades, e desta forma, tratar todo como iguais só iria aumentar a distância que já existe. Assim, a igualdade formal tem como fundamento equilibrar os indivíduos perante a lei.

Portanto, existe mais de uma esfera além da igualdade formal, a da igualdade material.

4.3.2. Igualdade Material

Nesta esfera de igualdade, o individuo deve ser tratado de forma isolada, deverão ser verificadas suas necessidades, devendo o Estado garanti-las.

 Silva (2008, p. 211) apresenta alguns dos exemplos acerca da igualdade material:

No art. 7º,XXX e XXXI, vêm regras de igualdade material, regras que proíbem distinções fundadas em certos fatores, ao vedarem diferença de salários, de exercício de funções e de critérios de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil e qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência. A previsão, ainda que programática, de que a República Federativa do Brasil tem como seus objetivos fundamentais reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, III), veemente repulsa a qualquer forma de discriminação (art. 3º, IV), a universalidade da seguridade social, a garantia ao direito à saúde, à educação baseada em princípios democráticos e de igualdade de condições para o acesso e permanência na escola, enfim a preocupação com a justiça social como objetivo das ordens econômica e social (arts.170, 193, 196 e 205) constituem reais promessas de busca da igualdade material. 

Lenza (2010, pp. 751-752) destaca que de diversas formas a própria Carta Magna aprofunda a regra da igualdade material, sendo elas:a) art. 3.º, I, III e IV; b) art. 4.º, VIII; c) art. 5.º, I, XXXVII, XLI e XLII; d) art.7.º, XX, XXX, XXXI, XXXII e XXXIV; e) art. 12, §§ 2.º e 3.º; f) art. 14, caput; g) art.19, III; h) art. 23, II e X; i) art.24, XIV; j) art. 37, I e VIII; k) art. 43, caput; l) art. 146, III, “d” (EC n. 42/2003 — Reforma Tributária); m) art. 150,II; n) art.183,§1.º,e art.189, parágrafo único; o) art. 203, IV e V; p) art. 206, I; q) art. 208, III; r) art. 226, § 5.º;s)art. 231, § 2.º etc.

4.3.3. Igualdade Jurídica

Em razão da igualdade jurídica não se pode entender que somente se faz necessária a imposição do tratamento igualitário aos indivíduos, deve ainda ser observada a efetivação das normas na sociedade.

Ventura (2013, p. 30) explanou muito bem sobre esta igualdade utilizando-se das seguintes palavras:

Almejando-se aplicar a igualdade, não se pode restringi-la à abstração, fazendo-se mister sua apreciação frente à realidade, às circunstâncias fáticas nas quais seus destinatários – ou seja, todos os indivíduos – se encontram. Logo, ao que parece, volta-se para o consagrado pensamento aristotélico de que a igualdade reside no tratamento desigual conferido aos desiguais – ou melhor, no equilíbrio advindo da semelhança de tratamento dos semelhantes, como já explicitado neste trabalho.

Desta forma, com a aplicação do principio da igualdade jurídica para efetivação das normas constitucionais serão alcançadas as condições verdadeiras dos indivíduos tratando-os de maneira igualitária, proporcionando paridades, condições, oportunidades por meio de uma atuação do Estado Democrático de Direito, buscando uma justiça real, concreta ou material.

O princípio da Igualdade Jurídica merece destaque com relação ao homem e à mulher, à igualdade jurídica dos Cônjuges na Chefia da Família, assunto que será estudado adiante.

5. A IGUALDADE JURÍDICA DOS CÔNJUGES

5.1. ALTERAÇÃO DA FORMAÇÃO FAMILIAR

A estrutura família sofreu inúmeras alterações, acompanhando as mudanças pelas quais a sociedade passou.

Segundo Venosa (2013, p. 03) entre os vários organismos sociais e jurídicos, o conceito, a compreensão e a extensão de família são os que mais se alteraram no curso dos tempos.

Engels (1984, p. 31) esclarece que o estudo da história primitiva revela um estado de coisas em que os homens praticam a poligamia e suas mulheres a poliandria, e em que, por consequência, os filhos de uns e outros tinham que ser considerados comuns. É esse estado das coisas, por seu lado, que, passando por uma série de transformações, resulta na monogamia.

Reconstituindo retrospectivamente e história da família, Morgan (apud Engels, 1984, p. 31) chega à conclusão de que existiu uma época primitiva em que imperava, no seio da tribo, o comércio sexual promíscuo, de modo que cada mulher pertencia igualmente a todos os homens e cada homem a todas as mulheres.

Discorrendo sobre a obra de Engels, Venosa (2013, p. 03) sustenta que:

no estado primitivo das civilizações o grupo familiar não se assentava em relações individuais. As relações sexuais ocorriam entre todos os membros que integravam a tribo (endogamia). Disso decorria que sempre a mãe era conhecida, mas se desconhecia o pai, o que permite afirmar que a família teve de início um caráter matriarcal, porque a criança ficava sempre junto à mãe, que a alimentava e a educava.

Pereira (apud Venosa, 2014, p. 03) aponta que essa posição antropológica que sustenta a promiscuidade não é isenta de dúvidas, entendendo ser pouco provável que essa estrutura fosse homogênea em todos os povos.

Entretanto, Engels (1984, p. 32) afirma que ultimamente, passou a ser moda negar esse período na vida sexual do homem. Pretendem poupar à humanidade essa "vergonha".

A despeito da discordância acerca da poligamia e da poliandria nas civilizações primitivas, sabe-se que o homem caminhou para as relações monogâmicas.

Assim, Pereira (apud Venosa, 2014, p. 03) preleciona:

Posteriormente, na vida primitiva, as guerras, a carência de mulheres e talvez uma inclinação natural levaram os homens a buscar relações com mulheres de outras tribos, antes do que em seu próprio grupo. Os historiadores fixam nesse fenômeno a primeira manifestação contra o incesto no meio social (exogamia). Nesse diapasão, no curso da história, o homem marcha para relações individuais, com caráter de exclusividade, embora algumas civilizações mantivessem concomitantemente situações de poligamia, como ocorre até o presente. Desse modo, atinge-se a organização atual de inspiração monogâmica.

Aos poucos as civilizações evoluíram, passando-se a não mais aceitar a poligamia e a poliandria. De acordo com Engels (1984, p. 48) a crescente complicação das proibições de casamento, tornaram-se cada vez mais impossíveis as uniões por grupos, que foram substituídas pela família sindiásmica:

Neste estágio, um homem vive com uma mulher, mas de maneira tal que a poligamia e a infidelidade ocasional continuaram a ser um direito dos homes, embora a poligamia seja raramente observada, por causas econômicas; ao mesmo tempo, exige-se a mais rigorosa fidelidades das mulheres, enquanto dure a vida em comum, sendo o adultério destas cruelmente castigado. O vínculo conjugal, todavia, dissolve-se com facilidade por uma ou por outra parte, e depois, como antes, os filhos pertencem exclusivamente à mãe.

Na concepção de Venosa (2014, p. 03) a monogamia desempenhou um papel de impulso social em benefício da prole, ensejando o exercício do poder paterno.

Lôbo (2011, p. 18) esclarece que, ao longo da história, sempre se atribuiu à família, funções variadas, de acordo com a evolução que sofreu, a saber, religiosa, política, econômica e procracional.

Conforme dito anteriormente e replicado por Lôbo (2011, p. 18) a estrutura da família antiga era patriarcal, legitimando o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher — poder marital, e sobre os filhos — pátrio poder.

Consoante Venosa (2013, p. 03) no curso das primeiras civilizações de importância, tais como a assíria, hindu, egípcia, grega e romana, o conceito de família foi de uma entidade ampla e hierarquizada.

No direito romano, segundo Gonçalves (2012, p. 24) a família era organizada sob o princípio da autoridade. O pater familias exercia sobre os filhos direito de vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia, desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à autoridade marital e podia ser repudiada por ato unilateral do marido.

Explica ainda Gonçalves (2012, p. 24):

Em matéria de casamento, entendiam os romanos necessária a affectio não só no momento de sua celebração, mas enquanto perdurasse. A ausência de convivência, o desaparecimento da afeição era, assim, causa necessária para a dissolução do casamento pelo divórcio. Os canonistas, no entanto, opuseram-se à dissolução do vínculo, pois consideravam o casamento um sacramento, não podendo os homens dissolver a união realizada por Deus: quod Deus conjunxit homo non separet.

Nas palavras de Venosa (2013, p. 06) o Cristianismo condenou as uniões livres e instituiu o casamento como sacramento, pondo em relevo a comunhão espiritual entre os nubentes cercando-a de solenidades perante a autoridade religiosa.

Prossegue Gonçalves (2012, p. 24):

Durante a Idade Média as relações de família regiam-se exclusivamente pelo direito canônico, sendo o casamento religioso o único conhecido. Embora as normas romanas continuassem a exercer bastante influência no tocante ao pátrio poder e às relações patrimoniais entre os cônjuges, observava-se também a crescente importância de diversas regras de origem germânica.

Só recentemente, segundo Gonçalves (2012, p. 24) em função das grandes transformações históricas, culturais e sociais, o direito de família passou a seguir rumos próprios, com as adaptações à nossa realidade.

Venosa (2013, p. 03) sustenta que:

Nesse alvorecer de mais um século, a sociedade de mentalidade urbanizada, embora não necessariamente urbana, cada vez mais globalizada pelos meios  de comunicação, pressupõe e define uma modalidade conceitual de família bastante distante das civilizações do passado.

De acordo com Dias (2015, p. 30):

Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. A família tinha uma formação extensiva, verdadeira comunidade rural, integrada por todos os parentes, formando unidade de produção, com amplo incentivo à procriação. Era uma entidade patrimonializada, cujos membros representavam força de trabalho. O crescimento da família ensejava melhores condições de sobrevivência a todos. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal.

Dias (2015, p. 30) esclarece que esse quadro não resistiu à revolução industrial, que fez aumentar a necessidade de mão de obra, principalmente para desempenhar atividades terciárias. Nesse período, a mulher ingressou no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família. A estrutura da família se alterou, tornou-se nuclear, restrita ao casal e a sua prole. As funções de produção e reprodução desapareceram. A família migrou do campo para as cidades e passou a conviver em espaços menores, o que fez com que seus membros se aproximassem, sendo mais prestigiado o vínculo afetivo que envolve seus integrantes.

No mesmo sentido, Venosa (2013, p. 05) manifesta-se:

A passagem da economia agrária à economia industrial atingiu irremediavelmente a família. A industrialização transforma drasticamente a composição da família, restringindo o número de nascimentos nos países mais desenvolvidos. A família deixa de ser uma unidade de produção na qual todos trabalhavam sob a autoridade de um chefe. O homem vai para a fábrica e a mulher lança-se para o mercado de trabalho. No século XX, o papel da mulher transforma-se profundamente, com sensíveis efeitos no meio familiar. Na maioria das legislações, a mulher, não sem superar enormes resistências, alcança os mesmos direitos do marido. Com isso, transfigura-se a convivência entre pais e filhos. Estes passam mais tempo na escola e em atividades fora do lar. A longevidade maior decorrente de melhores condições de vida permite que várias gerações diversas convivam. Em futuro próximo, será comum a convivência de pais, avós, netos, bisnetos, o que gerará igualmente problemas sociais e previdenciários nunca antes enfrentados. Os conflitos sociais gerados pela nova posição social dos cônjuges, as pressões econômicas, a desatenção e o desgaste das religiões tradicionais fazem aumentar o número de divórcios. As uniões sem casamento, apesar de serem muito comuns em muitas civilizações do passado, passam a ser regularmente aceitas pela sociedade e pela legislação. A unidade familiar, sob o prisma social e jurídico, não mais tem como baluarte exclusivo o matrimônio. A nova família estrutura-se independentemente das núpcias. Coube à ciência jurídica acompanhar legislativamente essas transformações sociais, que se fizeram sentir mais acentuadamente em nosso país na segunda metade do século XX, após a Segunda Guerra.

Complementa Lôbo (2011, p. 18) aduzindo que  as funções religiosa e política praticamente não deixaram traços na família atual, mantendo apenas interesse histórico, na medida em que a rígida estrutura hierárquica foi substituída pela coordenação e comunhão de interesses e de vida.

De acordo com Lôbo (2011, p. 18):

A família atual busca sua identificação na solidariedade (art. 3º, I, da Constituição), como um dos fundamentos da afetividade, após o individualismo triunfante dos dois últimos séculos, ainda que não retome o papel predominante que exerceu no mundo antigo. (...) Por seu turno, a função econômica perdeu o sentido, pois a família — para o que era necessário o maior número de membros, principalmente filhos — não é mais unidade produtiva nem seguro contra a velhice, cuja atribuição foi transferida para a previdência social. Contribuiu para a perda dessa função a progressiva emancipação econômica, social e jurídica feminina e a drástica redução do número médio de filhos das entidades familiares. Ao final do século XX, o censo de 2000 do IBGE indicava a média de 3,5 membros por família, no Brasil. A doutrina estrangeira também destaca que a família perdeu seu papel de “comunidade de produção”; a sociedade conjugal de trabalhadores é muito mais caracterizada pelo consumo conjunto e não mais pelo ganha-pão conjunto (como na sociedade agrária). A função procracional, fortemente influenciada pela tradição religiosa, também foi desmentida pelo grande número de casais sem filhos, por livre escolha, ou em razão da primazia da vida profissional, ou em razão de infertilidade (em 2008, 40% do total na faixa entre 24 e 35 anos de idade não tinham filhos), ou pela impressionante redução da taxa de fecundidade das brasileiras, que em 1960 foi de 6,3 nascimentos/mulher e em 2008 foi de 1,89, menor que a taxa mínima de reposição populacional. O direito contempla essas uniões familiares, para as quais a pro criação não é essencial. O favorecimento constitucional da adoção fortalece a natureza socioafetiva da família, para a qual a procriação não é imprescindível. Nessa direção encaminha-se a crescente aceitação da natureza familiar das uniões homossexuais.

Pereira (apud Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 37) a partir do momento em que a família deixou de ser o núcleo econômico e de reprodução para ser o espaço do afeto e do amor, surgiram novas e várias representações sociais para ela.

Nas palavras de Dias (2015, p. 30):

Surge a concepção da família formada por laços afetivos de carinho, de amor. A valorização do afeto nas relações familiares deixou de se limitar apenas ao momento de celebração do matrimônio, devendo perdurar por toda a relação. Disso resulta que, cessado o afeto, está ruída a base de sustentação da família, e a dissolução do vínculo do casamento é o único modo de garantir a dignidade da pessoa.

Igualmente, Lôbo (2011, p. 19) destaca:

A realização pessoal da afetividade, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções feneceram, desapareceram ou desempenharam papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua.

Não existem mais papeis pré-definidos, homem e mulher dividem-se no sustento e no cuidado do filho, a família se transformou, seus objetivos mudaram. A realização pessoal como forma de garantir a dignidade da pessoa humana é o principal objetivo da família moderna.

5.2. DIGNIDADE HUMANA

Consoante Gonçalves (2012, p. 18) a evolução do conhecimento científico, os movimentos políticos e sociais do século XX e o fenômeno da globalização provocaram mudanças profundas na estrutura da família e nos ordenamentos jurídicos de todo o mundo.

Nas palavras de Pereira (apud Gonçalves, 2012, p. 18):

Todas essas mudanças trouxeram novos ideais, provocaram um ‘declínio do patriarcalismo’ e lançaram as bases de sustentação e compreensão dos Direitos Humanos, a partir da noção da dignidade da pessoa humana, hoje insculpida em quase todas as constituições democráticas

O art. 1º da Constituição Federal de 1988 enumera os fundamentos República Federativa do Brasil, sendo eles a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.

Nas palavras de Dias (2015, p. 44) a preocupação com a promoção dos direitos humanos e da justiça social levou o constituinte a consagrar a dignidade da pessoa humana como valor nuclear da ordem constitucional.

Tepedino (apud Gonçalves, 2012, p. 18) sustenta que:

a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, dá lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.

A dignidade da pessoa humana, segundo Lôbo (2011, p. 60) é o núcleo existencial que é essencialmente comum a todas as pessoas humanas, como membros iguais do gênero humano, impondo-se um dever geral de respeito, proteção e intocabilidade.

Segundo Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 74):

a noção jurídica de dignidade traduz um valor fundamental de respeito à existência humana. segundo as suas possibilidades e expectativas patrimoniais e afetivas indispensáveis à sua realização pessoal e à busca da felicidade. Mais do que garantir a simples sobrevivência, esse principio assegura o direito de se viver plenamente, sem quaisquer intervenções espúrias - estatais ou particulares - na realização dessa finalidade.

De acordo com Pereira (apud Dias, 2015, p. 44) o princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios, é um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos.

Nas palavras de Dias (2015, p. 45):

O direito das famílias está umbilicalmente ligado aos direitos humanos, que têm por base o princípio da dignidade da pessoa humana, versão axiológica da natureza humana. O princípio da dignidade humana significa, em última análise, igual dignidade para todas as entidades familiares. Assim, é indigno dar tratamento diferenciado às várias formas de filiação ou aos vários tipos de constituição de família, com o que se consegue visualizar a dimensão do espectro desse princípio, que tem contornos cada vez mais amplos. A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares - o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum -, permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideais pluralistas, solidaristas, democráticos e humanistas.

Gonçalves (2011, p. 18) conclui que o princípio do respeito à dignidade da pessoa humana constitui base da comunidade familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a realização de todos os seus membros, principalmente da criança e do adolescente (CF, art. 227).

Na concepção de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 73) o princípio da dignidade da pessoa humana, é inequivocamente, a maior conquista do Direito brasileiro nos últimos anos.

Portanto, o Princípio da Dignidade da pessoa humana é a base do Direito de Família moderno porque a função e objetivo desta é o desenvolvimento pleno, saudável de seus membros, num ambiente que lhe propicie realização pessoal, uma vida digna e feliz.

5.3. INTERVENÇÃO MÍNIMA ESTATAL NA FORMAÇÃO FAMILIAR

Para entender de que maneira se dá a intervenção estatal na formação familiar, necessário que se analise as mudanças legislativas no direito de família brasileiro.

Para Gonçalves (2012, p. 24) a família brasileira, como hoje é conceituada, sofreu influência da família romana, da família canônica e da família germânica.

Nas palavras de Dias (2007, p. 30):

O antigo Código Civil, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em sua versão original, trazia estreita e discriminatória visão d a família, limitando-a a o casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinções entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos havidos dessas relações. As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos, na vã tentativa da preservação do casamento.

Sobre a família nas Constituições Brasileiras, Lôbo (apud Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 61) preleciona:

As Constituições brasileiras reproduzem as fases históricas que o pais viveu, em relação á família, no trânsito do Estado liberal para o Estado social. As constituições de 1824 e 1891 são marcadamente liberais e individualistas, não tutelando as relações familiares. Na constituição de 1891 há um único dispositivo (art. 72, parágrafo 4º) com o seguinte enunciado: 'A República só reconhece o casamento Civil cuja celebração será gratuita'. Compreende-se a exclusividade do casamento Civil, pois os republicanos desejavam concretizar a política de secularização da vida privada, mantida sob o controle da igreja  oficial e do direito canônico durante a Colônia e o Império. Em contrapartida, as Constituições do Estado social brasileiro (de 1934 a 1988) democrático ou autoritário destinaram à família normas explícitas. A Constituição democrática de 1934 dedica todo um capítulo á família, aparecendo pela primeira vez a referência expressa à proteção especial do Estado, que será repetida nas constituições subseqüentes. Na Constituição autoritária de 1937 a educação surge como dever dos pais, os filhos naturais são equiparados aos legítimos e o Estado assume a tutela das crianças em caso de abandono pelos pais. A Constituição democrática de 1946 estimula a prole numerosa e assegura assistência a maternidade, à infância e à adolescência.

Dias (2015, p. 30) explica que a evolução pela qual passou a família acabou forçando sucessivas alterações legislativas, sendo a mais expressiva o Estatuto da Mulher Casada (L 4.121/62), que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados à assegurar-lhe a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho. Além disso, houve a instituição do divórcio (EC 9/77 e L 6.515/77) que acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia da família como instituição sacralizada.

Apesar de todas as mudanças trazidas pela ordem infraconstitucional, Venosa (2013, p. 23) entende que em nosso país, a Constituição de 1988 representou, sem dúvida, o grande divisor de águas do direito privado, especialmente, mas não exclusivamente, nas normas de direito de família.

Veloso (apud Dias, 2015, p. ) sustenta que a Constituição de 1988:

num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico.

Nos termos do art. 226, caput, da Constituição Federal:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.

§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio.

§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Além das mudanças elencadas no art. 226, temos ainda a igualdade jurídica entre os filhos, trazida no art. 227, § 6º da Constituição Federal, nos seguintes termos: "Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação".

Consoante Lôbo (2011, p. 35) a Constituição de 1988 expande a proteção do Estado à família, promovendo a mais profunda transformação de que se tem notícia, entre as constituições mais recentes de outros países.

Lôbo (2011, p. 35) traz alguns aspectos merecem ser salientados:

a) a proteção do Estado alcança qualquer entidade familiar, sem restrições;

b) a família, entendida como entidade, assume claramente a posição de sujeito de direitos e obrigações;

c) os interesses das pessoas humanas, integrantes da família, recebem primazia sobre os interesses patrimonializantes;

d) a natureza socioafetiva da filiação torna-se gênero, abrangente das espécies biológica e não biológica;

e) consuma-se a igualdade entre os gêneros e entre os filhos;

f) reafirma-se a liberdade de constituir, manter e extinguir entidade familiar e a liberdade de planejamento familiar, sem imposição estatal;

g) a família configura-se no espaço de realização pessoal e da dignidade humana de seus membros.

Percebe-se que, em razão da importância da formação familiar para a sociedade, a família foi erigida como base da sociedade, cabendo ao estado dar-lhe especial proteção. Isso significa que o Estado poderá impor deveres, regular condutas e até mesmo cominar sanções aos membros da família caso descumpram com suas obrigações.

Nas palavras de Prado (2011):

A Constituição foi extremamente protetiva, pois saíamos de um período negro de nossa história, e o povo necessitava de ações que resgatassem sua auto estima e os defendessem de arbítrios governamentais. O Estado passou a tutelar e intervir na vida pessoal o que hoje gera uma publicização do direito privado, a Constituição passou a irradiar seus princípios sobre a vida privada e o Estado passou a intervir cada vez mais na vida privada. Porém, até que ponto deve o Estado intervir na vida de seus cidadãos?

Na concepção de Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 103) embora se reconheça o caráter muitas vezes publicístico das normas de Direito de Família, não se deve concluir, no entanto, que o Estado deva interferir na ambiência familiar.

Pereira (apud Gagliano e Pamplona Filho (2012, p. 103) acentua:

O Estado abandonou a sua figura de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-assistencialista, cuja tônica não é de uma total ingerência, mas, em algumas vezes, até mesmo de substituição a eventual lacuna deixada pela própria família como, por exemplo, no que concerne à educação e saúde dos filhos (cf. art. 227 da Constituição Federal). A intervenção do Estado deve apenas e tão somente ter o condão de tutelar a família e dar-lhe garantias, inclusive de ampla manifestação de vontade e de que seus membros vivam em condições propícias a manutenção do núcleo afetivo. Essa tendência vem-se acentuando cada vez mais e tem como marco histórico a Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pela ONU em 10 de dezembro de 1948, quando estabeleceu em seu art. 16.3: A família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.

Consoante o art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988 é garantido a todos a igualdade perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e aos  brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade.

Além disso, garante ainda a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º, inciso X e XII, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação e o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual.

Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 assegura a preservação da dignidade humana, a intimidade, a intangibilidade dos direitos da personalidade, garantindo a reparação dos prejuízos morais e materiais causados ao ser humano em virtude da violação desses direitos.

O Brasil, sendo um Estado Democrático, garante aos cidadãos autonomia face ao Estado e, portanto, tem como uma de suas características a não-interferência do Estado na vida íntima dos cidadãos.

Sendo assim, não compete ao Estado ditar o que cada pessoa deve ou não fazer no âmbito de sua vida privada, desde que os atos sejam legais, não diz respeito ao Estado o que cada indivíduo faz em sua intimidade.  Seu papel, no que se refere à família é de tutela e não de intervenção.

Assim, no que tange à formação familiar o Estado sofre restrições pela Constituição conforme se depreende do §7º do art. 226 da Constituição Federal, anteriormente colacionado, que determina ser do casal o planejamento familiar, devendo o Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

Corroborando, o art. 1.513 do Código Civil de 2002 estatui que "é defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família".

Destaca-se que, ainda que o Estado deva atuar em prol do interesse da coletividade e observando o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado - o que, nas relações familiares manifesta-se através da proteção da entidade familiar-, entretanto, não pode, sob este pretexto, desrespeitar os direitos fundamentais do cidadão.

5.3.1. O princípio da solidariedade

Com a inauguração de uma nova ordem jurídica, instaurada pela Constituição Federal de 1988, o Direito de Família passou a ser regido por princípios específicos, além dos princípios constitucionais que já lhe eram aplicáveis, sendo um deles o princípio da solidariedade.

Nas palavras de Denniger (apud Lôbo, 2011, p. 62):

A solidariedade, como categoria ética e moral que se projetou para o mundo jurídico, significa um vínculo de sentimento racionalmente guiado, limitado e autodeterminado que compele à oferta de ajuda, apoiando-se em uma mínima similitude de certos interesses e objetivos, de forma a manter a diferença entre os parceiros na solidariedade.

De acordo com Dias (2015, p. 48):

Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio, que tem origem nos vínculos afetivos, dispõe de acentuado conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe enquanto coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional, tanto que seu preâmbulo assegura uma sociedade fraterna.

Atualmente se reconhece que o indivíduo necessita conviver e com seus semelhantes. Superou-se o individualismo jurídico, o predomínio dos interesses individuais, para que  tome seu lugar o direito subjetivo. Dessa forma, Lôbo (2011, p. 63) sustenta:

O princípio jurídico da solidariedade resulta da superação do individualismo jurídico, que por sua vez é a superação do modo de pensar e viver a sociedade a partir do predomínio dos interesses individuais, que marcou os primeiros séculos da modernidade, com reflexos até a atualidade. Na evolução dos direitos humanos, aos direitos individuais vieram concorrer os direitos sociais, nos quais se enquadra o direito de família, e os direitos econômicos. No mundo antigo, o indivíduo era concebido apenas como parte do todo social; daí ser impensável a ideia de direito subjetivo. No mundo moderno liberal, o indivíduo era o centro de emanação e destinação do direito; daí ter o direito subjetivo assumido a centralidade jurídica. No mundo contemporâneo, busca-se o equilíbrio entre os espaços privados e públicos e a interação necessária entre os sujeitos, despontando a solidariedade como elemento conformador dos direitos subjetivos.

Segundo Lôbo (2011, p. 63) a solidariedade do núcleo familiar deve entender-se como solidariedade recíproca dos cônjuges e companheiros, principalmente quanto à assistência moral e material.

A solidariedade em relação aos filhos, conforme Lôbo (2011, p. 63), corresponde à exigência da pessoa de ser cuidada até atingir a idade adulta, ou seja, de ser mantida, instruída e educada para sua plena formação social. A Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança inclui a solidariedade entre os princípios a serem observados, o que se reproduz no ECA (art. 4º).

Conforme Diniz (2015, p. 49):

Aproveita-se a lei da solidariedade no âmbito das relações familiares. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa-se o Estado do encargo de prover toda a gama d e direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que, em se tratando de crianças e de adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação (CF 227). Impor aos pais o dever de assistência aos filhos decorre do princípio da solidariedade (CF 229). O dever de amparo às pessoas idosas dispõe do mesmo conteúdo solidário (CF 230). A lei civil igualmente consagra o princípio da solidariedade ao prever que o casamento estabelece plena comunhão de vidas (CC 1.511). Também a obrigação alimentar dispõe deste conteúdo (CC 1. 694).

O princípio da solidariedade familiar é aplicável a todos os membros da família, dispondo a Constituição Federal em seu art. 229 ser dever dos pais educar, criar e assistir os filhos e que, por outro lado, e dos filhos maiores de amparar seus pais na velhice, carência ou enfermidade.

5.3.2. O princípio da paternidade responsável

O princípio da paternidade responsável encontra-se previsto no art. 226, § 7º da Constituição Federal, já colacionado.

Na concepção de Pires (2013) o princípio da paternidade responsável constitui o princípio base, ao lado do princípio da dignidade da pessoa humana, para a formação da família hodiernamente e significa uma idéia de responsabilidade que deve ser observada tanto na formação como na manutenção da família.

Dias (2015, p. 456) assevera que pai é pai desde a concepção do filho, e é preciso dar efetividade ao princípio da paternidade responsável. O simples fato ele não assumir o genitor a responsabilidade parental não pode desonerá-lo de todos os ônus, encargos e deveres decorrentes do poder familiar.

Consoante Pires (2013):

O princípio da paternidade responsável significa RESPONSABILIDADE e esta começa na concepção e se estende até que seja necessário e justificável o acompanhamento dos filhos pelos pais, respeitando-se assim, o mandamento constitucional do art. 227, que nada mais é do que uma garantia fundamental.

Conforme o art. 227 da Constituição Federal:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Em razão do princípio da paternidade responsável, Dias (2015, p. 456) explica que a convivência dos filhos com os pais não é um direito, é um dever. Não há direito de visitá-lo, há obrigação de conviver com ele.

De acordo com o paternidade responsável o homem e a mulher, que são livres para decidir sobre o planejamento familiar, devem responsabilizar-se pela decisão no sentido de criação dos filhos. A paternidade inicia-se com a concepção e estende-se por quanto tempo os filhos necessitarem.

5.3.3. O Princípio da Igualdade dos cônjuges na Chefia Familiar

A igualdade entre o homem e a mulher e, por consequência dos cônjuges na Chefia Familiar, está estritamente ligada à história da família, da emancipação feminina, e das conquistas das mulheres nos últimos séculos.

Silva (apud Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 77) sustenta que o sexo sempre foi um fator de discriminação. O sexo feminino sempre esteve inferiorizado na ordem Jurídica.

Nas palavras de Dias (2015, p. 100) embora de modo acanhado e vagarosamente, os textos legais retratam a trajetória ela mulher.

A condição da mulher no direito brasileiro, na vigência do Código Civil de 1916 era de relativamente incapaz, conforme se constata da redação do art. 242, in verbis:

Art. 242 - A mulher não pode, sem o consentimento do marido:

I. Praticar atos que este não poderia sem o consentimento da mulher

II. Alienar, ou gravar de ônus real, os imóveis do seu domínio particular, qualquer que seja o regime dos bens.

III. Alienar os seus direitos reais sobre imóveis de outrem.

IV. Aceitar ou repudiar herança ou legado.

V. Aceitar tutela, curatela ou outro múnus públicos.

VI. Litigar em juízo civil ou comercial, a não ser nos casos indicados nos arts. 248 e 251.

VII. Exercer profissão.

VIII. Contrair obrigações, que possam importar em alheação de bens do casal.

IX. Aceitar mandato.

Silva (apud Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 77) afirma que só mais recentemente a mulher vem, a duras penas, conquistando posição paritária, na vida social e jurídica à do homem.

De acordo com Dias (2015, p. 101) o primeiro grande marco para romper a hegemonia masculina foi o chamado Estatuto da Mulher Casada (L 4.121/62) que:

Devolveu a plena capacidade à mulher, que passou à condição de colaboradora do marido na administração ela sociedade conjugal. Foi reconhecido à mãe o direito de ficar com a guarda dos filhos menores no caso de serem ambos os cônjuges culpados pela separação. Porém, sua posição ainda era subalterna, pois persistia o elenco diferenciado ele direitos e deveres, sempre em desfavor da mulher. Não mais havia a necessidade da autorização marital para o trabalho. Foi instituído o que se chamou de bens reservados: o patrimônio adquirido pela esposa com o produto de seu trabalho. Esses bens não respondiam pelas dívidas do marido, ainda que presumivelmente contraídas em benefício ela família.

Para Dias (2015, p. 101) o passo seguinte - e muito significativo - para o reconhecimento da igualdade jurídica entre homem e mulher, veio com a aprovação do divórcio. A Lei do Divórcio (L 6.515/77) tornou facultativa a adoção do nome do cônjuge, estendeu ao marido o direito de ele pedir alimentos, que antes só era assegurado à mulher "honesta e pobre " e determinou que no silêncio dos noivos, em vez da comunhão universal passou a vigorar o regime da comunhão parcial de bens.

Foram citadas legislações infraconstitucionais que contribuíram para o reconhecimento da igualdade entre homem e mulher, entretanto, foi a Constituição Federal de 1988 o grande marco neste reconhecimento.

Silva (apud Gagliano e Pamplona Filho, 2012, p. 77) destaca que a Constituição Federal de 1988, deu largo passo na superação do tratamento desigualdade fundado no sexo, ao equiparar os direitos e obrigações de homens e mulheres.

Consoante o art. 5ª, inciso I, da Constituição Federal:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Nos termos, do art. 226, § 5º,  da Constituição Federal “Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”.

De acordo com Gonçalves (2012, p. 19):

A regulamentação instituída no aludido dispositivo acaba com o poder marital e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e à procriação. O patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais está diretamente vinculada às funções da mulher na família e referenda a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução no campo social.

Dias (2015, p. 47) destaca que:

A organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges (CC 1.511), tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração (CC 1.567). São estabelecidos deveres recíprocos e atribuídos igualitariamente tanto ao marido quanto à mulher (CC 1.566). Também em nome da igualdade é permitido a qualquer dos nubentes adotar o sobrenome do outro (CC 1.565 § 1.º ). É acentuada a paridade de direitos e deveres do pai e da mãe no respeitante à pessoa (CC 1.631) e aos bens dos filhos.

A questão da chefia da sociedade familiar envolve o exercício do poder familiar que, na vigência do Código Civil de 1916, era exercido pelo homem com colaboração da mulher, consoante art. 380, in verbis:

Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores passará o outro a exercê-lo com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os progenitores, quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz para solução da divergência.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 que igualou homens e mulheres em direitos e deveres e, posteriormente, com a promulgação do Estatuto da Criança e do adolescente (Lei nº 8.069/90) e do Código Civil de 2002, a mulher passou a exercer o poder familiar em conjunto com o homem, conforme art. 1.631 do Código Civil de 2002 e art. 21 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis:

Art. 1.631. Durante o casamento e a união estável, compete o poder familiar aos pais; na falta ou impedimento de um deles, o outro o exercerá com exclusividade.

Parágrafo único. Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo.

Art. 21 O pátrio poder será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.

A despeito de ter sido reconhecida a igualdade jurídica entre o homem e a mulher, a discriminação e o preconceito ainda se fazem presentes na sociedade brasileira.

Nas palavras de Lôbo (2011, p. 69):

Por que será que o juiz brasileiro, na quase totalidade dos casos de separação de casais, prefere a mãe ao pai para guardião dos filhos? O senso comum atribui à mulher o papel de dona de casa (espaço privado) e ao homem o de provedor (espaço público). Essa diferença é negativamente discriminatória, ou seja, é juízo de valor negativo do papel da mulher. A escolha pode estar fundamentada em dado de ciência que demonstre, no geral, estar a mulher mais apta biológica ou psicologicamente para exercer esse papel, quando os pais estejam separados, salvo se em situação concreta tal não ocorrer. Essa diferença decorre de juízo de valor positivo, e atende melhor ao estágio atual do direito que determina seja observado o benefício do menor.

Dessa maneira, atualmente prevalece não a decisão do homem ou a situação que se mostre mais benéfica aos pais, mas aquela que melhor atenda às necessidades da criança e do adolescente.

Assim, temos os seguintes julgados:

EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE DISSOLUÇÃO DE MODIFICAÇÃO DE GUARDA CUMULADA COM REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. GUARDA COMPARTILHADA. CONFLITO ENTRE OS GENITORES. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA. PREVALÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Apesar de a guarda compartilhada o modelo ideal almejado, pois ambos os genitores se sentem igualmente responsáveis por decidir o rumo da vida dos seus filhos, ela não é recomendável se não houver consciência parental da necessidade de cooperação e diálogo, bem como se o nível de animosidade for alto a ponto de prejudicar o interesse da criança. 2. Indicando o acervo probatório dos autos, em especial o parecer do psicossocial que o modelo compartilhado poderá não ser benéfico para a menor, supera-se a redação literal do artigo 1584, § 2º do Código Civil e aplica-se o modelo unilateral da guarda. 3. O genitor que permanece sem a guarda do filho permanece com o direito de visitas, bem como com o dever de supervisionar o interesse do menor, podendo solicitar informações e prestação de contas em assuntos relacionados à saúde física, psicológica e a interesses concernentes à sua educação. 4. Recurso conhecido, mas não provido. (TJ-DF - EIC: 20120110811689  , Relator: J.J. COSTA CARVALHO, Data de Julgamento: 05/10/2015, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 22/10/2015 . Pág.: 203)

PROCESSO CIVIL E CIVIL. FAMÍLIA. CONEXÃO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E OFERTA DE ALIMENTOS. GENITORES. DIVERGÊNCIA ACERCA DA INSTITUIÇÃO EDUCACIONAL EM QUE OS FILHOS DEVEM SER MATRICULADOS. PREVALÊNCIA DO MELHOR INTERESSE. ALIENAÇÃO PARENTAL. LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ. I - NAS AÇÕES DE OBRIGAÇÃO DE FAZER E OFERTA DE ALIMENTOS TANTO A CAUSA DE PEDIR QUANTO O PEDIDO SÃO DIVERSOS E NÃO EXISTE PERIGO DE DECISÕES DIVERGENTES, RAZÃO DA REGRA DE MODIFICAÇÃO DE COMPETÊNCIA PRECONIZADA NO ART. 105 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. II - EM CASO DE PAIS SEPARADOS, EMBORA A TITULARIDADE DO PODER FAMILIAR CONTINUE A PERTENCER A AMBOS OS GENITORES, O EXERCÍCIO EFETIVO É CINDIDO, DIVIDINDO-SE AS ATRIBUIÇÕES, DE MODO QUE É DIRECIONADO AO QUE DETÉM A GUARDA, MESMO QUE DE FATO, SENDO ASSEGURADO ÀQUELE QUE NÃO TEM OS FILHOS EM SUA COMPANHIA O DIREITO DE FISCALIZAR O DESEMPENHO DA OUTRA, PODENDO REQUERER A INTERVENÇÃO JUDICIAL PARA SOLUCIONAR EVENTUAIS DESAVENÇAS OU COIBIR ABUSOS (CC, ART. 1.631, PARÁGRAFO ÚNICO, E ART. 21 DA LEI Nº 8.069/90). III - A AGRAVANTE TEM OS FILHOS EM SUA COMPANHIA. PORTANTO, CABE A ELA ADOTAR TODAS AS PROVIDÊNCIAS PARA QUE AS CRIANÇAS FREQUENTEM REGULARMENTE A ESCOLA, ESTAR ATENTA AOS HORÁRIOS, CUIDAR DOS LANCHES E REFEIÇÕES, FISCALIZAR OS ESTUDOS, EM ESPECIAL SE ESTÃO SENDO FEITOS OS DEVERES DE CASA, PARTICIPAR DE EVENTOS E REUNIÕES PARA ACOMPANHAR O DESENVOLVIMENTO ESCOLAR. ASSIM SENDO, EM LINHA DE PRINCÍPIO, DEVE PREVALECER A SUA DECISÃO ACERCA DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO ESCOLHIDA, UMA VEZ QUE, NO CASO CONCRETO, TAMBÉM ATENDE AOS INTERESSES DOS FILHOS, MAS A TRANSFERÊNCIA DEVE SER EFETIVADA APÓS O ENCERRAMENTO DO ANO LETIVO. IV - A ALIENAÇÃO PARENTAL OCORRE QUANDO HÁ O PROPÓSITO DE INVIABILIZAR OU OBSTRUIR A CONVIVÊNCIA FAMILIAR (LEI Nº 12.318/2010, ART. 6º, PARÁGRAFO ÚNICO), O QUE NÃO SE VERIFICA NA HIPÓTESE EM APREÇO. V - NÃO TEM CABIMENTO A PRETENSÃO DE CONDENAR O AGRAVADO POR LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ, POIS A CONDUTA IMPUTADA NÃO SE ENQUADRA EM QUALQUER DAS HIPÓTESES DESCRITAS NO ART. 17 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. VI - DEU-SE PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. (TJ-DF - AGI: 20130020206713 DF 0021571-07.2013.8.07.0000, Relator: JAIR SOARES, Data de Julgamento: 30/10/2013, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 12/11/2013 . Pág.: 128)

Por fim, Dias (2015, p. 101) ressalta:

Para pensar a cidadania há que se substituir o discurso da igualdade pelo discurso da diferença. Homens e mulheres são diferentes, mas são iguais em direitos. Alcançada a igualdade jurídica, não há como afastar as diferenças. Desconhecê-las acaba por levar à eliminação das características femininas. Certas discriminações são positivas, pois, na verdade, constituem preceitos compensatórios como solução para superar as diferenças. Mesmo que o tratamento isonômico já esteja na lei, ainda é preciso percorrer um longo caminho para que a família se transforme em espaço de igualdade. O grande desafio é compatibilizar as diferenças com o princípio da igualdade jurídica, para que não se retroceda à discriminação em razão do sexo, o que a Constituição veda.

Não há dúvidas, portanto, do reconhecimento da igualdade jurídica entre o homem e a mulher, sendo ambos responsáveis na mesma medida pelas decisões a serem tomadas quanto ao casamento, à família e aos filhos.

6. CONCLUSÃO

Nas sociedades antigas, como a Romana e a Hebraica, a mulher era tratada como propriedade do homem, que tinha o poder de repudiá-la e poderia inclusive decidir sobre sua morte.

Nesta época, era clara a prevalência masculina, sendo que a mulher era considera inferior, não tinha a faculdade de decidir sobre si, nem sobre seus filhos. Durante muito tempo essa situação persistiu, restringindo-se, aos poucos os poderes do homem com relação à mulher.

No Brasil, que sofreu influência do Direito Canônico, Romano e Germânico, a família tinha estrutura patriarcal e hierarquizada. Porém, esta estrutura começou a ruir a partir da revolução industrial.

Com a Revolução Industrial aumentou-se a necessidade de mão de obra, fazendo com que a mulher ingressasse no mercado de trabalho. O homem, portanto, não é mais o único provedor da família, que teve sua estrutura alterada a partir daí, tornando-se nuclear, cingida ao casal e aos filhos.

Ao mesmo tempo, as funções econômicas, religiosas e procracionais que eram conferidas à família desaparecem. A família passa a ser mais unida, valorizando-se o afeto entre seus membros.

Assim, a família passa a ser entendida como a comunidade formada por laços afetivos de carinho, de amor.

Com todas essas mudanças, os papeis dentro da família não são mais os mesmos, nem são mais imutáveis. Tanto o homem quanto a mulher trabalham e, juntos, cuidam dos filhos.

O legislador deve incorporar às leis, os avanços e as mudanças sociais. Tornou-se imprescindível que o ordenamento jurídico pátrio reconhecesse as mudanças da família, de maneira a lhe proteger.

Dessa forma, a Constituição Federal de 1988, consagrando as conquistas dos últimos séculos, trouxe em seu corpo o reconhecimento de diversas formas de composição familiar além do casamento, estendendo a proteção do Estado à união estável e demais entidades familiares, a igualdade jurídica entre todos os filhos, o livre planejamento familiar, o afeto com valor jurídico e, dentre outras, a igualdade jurídica entre o homem e a mulher.

Atualmente, não há mais distinção no ordenamento jurídico entre o homem e a mulher, sendo os dois iguais em direitos e obrigações, inclusive no que tange à chefia da sociedade conjugal.

Não há mais prevalência masculina quando o assunto é a criação dos filhos, sendo as decisões sobre este assunto também direito e dever da mulher e qualquer discordância será resolvida em juízo, de acordo com o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.

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Publicado por: Amabille Emirella Peres Damasceno

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