A FUNÇÃO DO ESTADO E SEU PAPEL NA RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

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1. RESUMO

Esta pesquisa apresenta o problema vivenciado por nosso país em relação ao papel do Estado para evitar a reincidência do adolescente em conflito com a lei ao mundo do crime quando ele cumpre a medida socioeducativa que lhe foi aplicada, contrapondo as medidas apresentadas pelo Estado tidas como ressocializadoras e sua eficácia. O presente estudo aponta alguns deveres do Estado para com crianças e adolescentes, elencados pelo ordenamento jurídico brasileiro, abordando se de fato eles são resguardados e o que a omissão desses deveres reflete no comportamento do adolescente em conflito com a lei. Aponta, ainda, a religião, como uma medida portadora de características que em sua essência desenvolvem com exatidão o papel de ressocialização, promovendo ao adolescente uma nova chance de inserção à sociedade. Embora não se possa qualificar a religião como solução para o crescente número de adolescentes em conflito com a lei reincidentes, o presente estudo aborda a religião como um método que aplicado na execução da medida socioeducativa tem retirado adolescentes e jovens do mundo do crime.

Palavras-chave: ato infracional; adolescentes em conflito com a lei; ressocialização; Função do Estado; atuação do Estado; religião; mudança de caráter.

2. CONSIDERAÇÕES INICIAS

Atualmente muito se tem discutido a respeito da diminuição da maioridade penal, sendo possível ver vários posicionamentos, colocações e opiniões de leigos e doutores em Direito. Atente-se ao fato de que muito se discute sobre a punição ao adolescente que comete ato infracional, mas pouco se fala das medidas preventivas, medidas estas que obterão êxito em impedir que o adolescente chegue a cometer atos infracionais ou mesmo que impeça que o adolescente infrator seja agente ativo em novo ato infracional, se tornando reincidente.

O Estado pouco investe em educação, saúde, ou outros projetos sociais que sejam eficazes para a ocupação e aprendizado dos adolescentes brasileiros. Ademais, estudos psicológicos e sociais demonstram ser a baixa qualidade educacional, bem como a exacerbada falta de infraestrutura das famílias que vivem em comunidades e possuem renda totalmente inferior à que seria a mínima fundamental para que vivessem com dignidade, o motivo pelo qual adolescentes remetem-se ao mundo do crime, acreditando que conquistarão um espaço na sociedade e melhor condições de subsistência para seus familiares.

O conceito de família em nosso século vem enfrentando frequentemente modificações, onde crianças nascem todos os dias filhas de mães solteiras e cada vez mais novas, que não podem proporcionar o necessário a seus filhos sem que passem grande parte de seu dia laborando, e pais cada vez mais ausentes, que não demonstram interesse em sequer saber como anda a criação daqueles que possuem seu sangue.

Ante a inércia dos pais ausentes e mães cada vez mais ocupadas com suas atividades laborativas, tem-se firmado uma geração cada vez menos focada em obter um ensino de qualidade para posterior modificação da situação econômica e mais sensível à aceitação de formas de ganho fácil de renda.

Nota-se que posteriormente à condenação desses adolescentes que cometeram atos infracionais e cumpriram integralmente as medidas socioeducativas que lhes foram aplicadas, muitos retornam ao mundo do crime, tanto por não serem essas medidas eficazes, bem como por retornarem à comunidade totalmente sem infraestrutura e com as mesmas propostas de ganho fácil de renda.

Contudo, de acordo com as pesquisas realizadas, verifica-se que adolescentes que anteriormente cometeram atos infracionais e posteriormente resolveram se dedicar a alguma crença religiosa ou em um projeto social conseguiram ser reintegrados na sociedade, e, ainda, inseridos no mercado de trabalho.

Importante frisar não ser a religião ou o projeto social uma “mágica” em que o adolescente será transformado imediatamente e não retornará ao mundo criminoso, mas esses instrumentos têm sido peça fundamental para que estes adolescentes encontrem motivação em uma sociedade que os condena, mas não os abraça para lhes proporcionar um futuro diverso do que lhes fora anteriormente traçado.

Por fim, vale mencionar ser importante estudar o que o Estado deixa de oferecer ao adolescente, mas, ainda, ser de suma importância estudar algumas formas de ressocialização eficazes e que necessitam ser abraçadas pelo poder público para garantir uma sociedade mais justa e menos vingativa, uma sociedade em que existam mais histórias de superações e menos histórias de mães que choram incessantemente pelo triste destino de seus filhos, seja por serem internados (condenados) em instituições, ou por suas mortes precoces, tão comum no mundo do crime. Definitivamente, não é crível ser a diminuição da maioridade penal o melhor remédio para inibir que aumente a porcentagem de adolescentes que cometem ato infracional em nosso país, o que nos remete a apresentar o presente estudo.

3. A FUNÇÃO DO ESTADO E SEU PAPEL NA RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

3.1. Conceito de Estado e suas características

Antes de adentrar ao mérito no que diz respeito ao Estado e seu papel na ressocialização do adolescente em conflito com a lei, deve-se atentar para o que venha ser o Estado. De acordo com Carvalho Filho (2004), o termo “Estado” possui diversos sentidos ou significados. O autor prossegue afirmando que o Estado em sentido de sociedade política permanente surgiu no século XVI, na obra o Príncipe, de Maquiavel, definindo como “as comunidades formadas pelas cidades-estado”. Maquiavel foi o primeiro escritor político a empregar a palavra com a acepção que hoje lhe damos.

Compreende-se Estado como a unidade administrativa de um território, formado pelo conjunto de instituições públicas (governo, escolas, prisões, hospitais públicos, exército, dentre outras), que representam, organizam e buscam atender os anseios da população que habita o seu território. Neste caso, o governo seria apenas uma das instituições que compõem o Estado, com a função de administrá-lo.

Para Silvia Junior (2009), o “Estado é uma figura abstrata criada pela sociedade. Também se entende que o Estado é uma sociedade política criada pela vontade de unificação e desenvolvimento do homem, com intuito de regulamentar, preservar o interesse público”. Em sua opinião, o Estado surgiu do desejo de preservar o interesse e o bem comum da sociedade, visto que esta não possuía os mecanismos necessários para promover a paz e o bem-estar de seus membros. Sendo assim, a única forma de preservação do bem comum, foi a delegação de poder a um único centro, o Estado. O mesmo é reconhecido por seu poder, mas também por seus elementos constitutivos, tais como povo, território e a soberania.

O Estado, de acordo com as pregações de São Tomás de Aquino e a doutrina de Santo Agostinho, foi criado por DEUS, ou seja, o Estado não se originava do homem, da sociedade e da ordem social, e sim de uma figura maior que organizou o homem, transformando-o de homem-natural à homem-social.

Por outro lado, Hobbes (2003, p. 143), entendia que homem viveria sem poder e sem organização, num estágio que ele o denominou de estado de natureza, o qual representava uma condição de guerra. Com intuito de evitar a guerra, Hobbes propôs que haveria a necessidade de se criar o Estado para controlar e reprimir o homem que vivia em estado de natureza. O Estado seria, na visão de Hobbes, o único capaz de entregar a paz, e para tanto o homem deveria ser supervisionado pelo Ente Estatal legitimado por um contrato social.

A palavra Estado vem do latim “status”, que significa posição e ordem. Essa posição e ordem transmite a ideia de manifestação de poder, ou seja, podemos conceituar que estado é uma forma de sociedade organizada politicamente. Silva Junior (2009) defende que, o conceito de Estado, “na visão de diversas doutrinas pode ter modificações, mas o axioma que é o bem comum sempre será mantido, ou seja, a criação do Estado visa a realização do bem público e por isso detém autoridade (direito de mandar) e poder (força para obrigar)”.

Assim, é possível afirmar que o conceito de Estado varia segundo o tempo, o lugar e o momento politico e social. Não há um conceito preciso, uniforme e completo de Estado. Segundo Silva e Veronese (1998), se considerarmos o Estado pelo ponto de vista histórico, seremos levados a concluir que ele difere da sociedade política da antiguidade, que por sua vez, difere da contemporânea.

Dalmo Dallari (1983, p. 45), diz que:

[...] para certa doutrina o Estado, como a sociedade, sempre existiu; ainda que mínima pudesse ser, teria havido uma organização social nos grupos humanos. Outra doutrina dá à sociedade em si precedência sobre a formação do Estado: este teria decorrido de necessidade ou conveniências de grupos sociais. Uma terceira corrente de pensamento ainda retarda o nascimento do Estado, instituição que só passaria a existir com características bem definidas.

Nesse diapasão, ao considerar o surgimento do Estado conforme as correntes citadas por Dallari (1983) entende-se que Estado, na primeira corrente, sempre existiu, vindo a se exteriorizar com a organização social nos grupos humanos. Para a segunda corrente, o Estado surgiu a partir de uma necessidade de grupos sociais. Tendo a terceira corrente o entendimento de que o surgimento do Estado se dá quando da existência de características bem definidas. Carvalho Filho (2004, p 1) prossegue:

O novo Código Civil (Lei Nº 10.406, de 10.1.2002), com vigor a partir de 2003, atualizou o elenco de pessoas jurídicas de direito público, mencionando entre elas as pessoas que, por serem federativas, representam cada compartimento interno do Estado federativo brasileiro: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (art. 41, I a III). Diversamente, porém, a ocorrida sob a égide do Código anterior, o Código vigente alude expressamente aos Territórios, pondo fim à controvérsia sobre o assunto e confirmando-os como pessoas jurídicas de direito público, conforme já registrava a doutrina dominante, muito embora sem autonomia política e sem integrar a federação, como se infere o art. 18 da CF, que a eles não alude. Cuida-se, com efeito, de mera pessoa administrativa descentralizada (para alguns como a natureza de autarquia territorial), integrante da União e regulada por lei complementar federal (art. 18, § 2º, CF).

Dessa maneira, independente das ideologias e divergências trazidas pelas correntes, sabe-se que o Estado é um conjunto de entes personalizados, apresentados, portanto, como pessoas jurídicas, com capacidade para adquirir direitos e contrair obrigações, tendo como características a imperatividade, a capacidade de auto-organização, a unidade e indivisibilidade do poder, o princípio de legalidade, e a soberania.

Qualquer que seja, porém, sua origem, racional ou metafísica, sobrenatural ou humana, o Estado é uma realidade social e política inegável, com personalidade moral própria e autoridade que se impõe, internamente, a todos os indivíduos e grupos sociais.

Dentro da concepção tripartite idealizada por Montesquieu, dentro de um Estado, são identificados três poderes distintos e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário. Esses poderes desempenham papéis essenciais para a obtenção de êxito no projeto de ressocialização.

A Constituição Federal de 1988 traz de forma expressa os Poderes de Estado, veja: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 2º CF/88)”. Frisa-se que cada um dos Poderes tem a sua determinada função. Assim, ao Poder Legislativo fora determinado que exercesse a função normativa; ao Poder Executivo fora determinado a função administrativa; e ao Poder Judiciário, a função jurisdicional.

O Poder Legislativo em sua função típica de criar leis deve promover a criação de legislações voltadas não apenas para punir adolescentes que cometem atos infracionais, e sim criar leis que visem primordialmente a proteção do adolescente, bem como a sua reinserção na sociedade. Já o poder Executivo em sua função típica de administrar, deve adotar políticas públicas saneadoras das necessidades da coletividade, promovendo projetos sociais adequados, educação, saúde, cultura e uma estrutura de qualidade às instituições que recebem os adolescentes cumpridores da medida socioeducativa de internação para que de fato ocorra a ressocialização. O Poder Judiciário, por sua vez, com sua função típica de julgar, deve voltar-se para aplicar a medida socioeducativa que melhor adeque ao caso concreto, sendo em sua integralidade imparcial e consciente de que existe possibilidade de ressocialização.

Contudo, não é regra que os mesmos exerçam apenas as funções a eles designadas. Há sim, preponderância. Carvalho Filho acrescenta:

As linhas definidoras das funções exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição.

Diante das normas previstas na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, Firmo (1999), defende que a realização da proteção integral, a que se propõe o Estado brasileiro para seus filhos menores, depende do fiel cumprimento dos três Poderes, tanto no nível federal, estadual e municipal.

Diante disso, embora os Poderes estatais tenham suas funções típicas, estes, exercem ainda, funções consideradas atípicas as suas funções de origem, desde que a Constituição Federal os autorize.

Alexandre M. Medeiros (2013, p. 128) traz apontamentos sobre Sociedade e Estado, veja:

Existem duas teorias que procuram dar conta do conceito de sociedade: a teoria organicista, cujas origens podem ser encontradas desde a filosofia grega, que entende que o homem é um ser eminentemente social e por isso não pode viver fora da sociedade, entendendo o indivíduo como uma parte “orgânica” da sociedade; e a teoria mecanicista, que entende o homem como um ser primário que vale por si mesmo e do qual todos os ordenamentos sociais emanam como derivações secundárias. Para os primeiros, a Sociedade é definida como “o conjunto das relações mediante as quais vários indivíduos vivem e atuam solidariamente em ordem a formar uma entidade nova e superior (APUD BONAVIDES, p. 64). Já os mecanicistas entendem a Sociedade como um grupo derivado de indivíduos que buscam objetivos em comum, mas que, individualmente, seriam impossíveis de serem alcançados.

Os mecanicistas criticam essa visão “biologizante” da sociedade, pois, segundo eles, na sociedade ocorrem fenômenos que não acham equivalente no corpo humano: as migrações, a mobilidade social e o suicídio, por exemplo. Além disso, dizem: as partes do organismo não vivem por si mesmas, sendo impossível imaginá-las fora do ser que a integram e nem podemos admiti-las noutra posição que não seja aquela que a natureza lhes determinou, bem diferente do que pode suceder com os indivíduos na sociedade.

 Qualquer que seja a visão de Sociedade, mecânica ou orgânica, é preciso fazer uma distinção entre Sociedade e Estado. O Estado é produto da Sociedade, mas não se confunde com ela. A Sociedade vem primeiro, o Estado vem depois: o Estado é uma ordem política da Sociedade. ‘o Estado moderno se constitui de um conjunto de instituições públicas que envolvem múltiplas relações com o complexo social num território delimitado’ (RODRIGUES, 2011, p. 17), dessa forma, o Estado deve ser entendido como a ordem jurídica, o corpo normativo, “exterior” à Sociedade.

As ações do Estado são definidas por leis ou por atos de governo, que visam às execuções de tarefas de interesse público e que se realizam pela administração pública. Esse ordenamento da sociedade com base em um sistema jurídico que garanta as liberdades fundamentais faz surgir o Estado de Direito e esse mesmo ordenamento com base em um sistema de proteção social que garanta o acesso a direitos como a saúde, educação, habitação, entre outros, como direitos de todo cidadão, dá origem ao Estado de Bem-Estar Social (Welfare State).

O Estado possui três elementos constitutivos, povo, território e soberania, sendo que a falta de qualquer elemento descaracteriza a formação do Estado. O primeiro elemento, o povo é caracterizado pelo conjunto de pessoas que se unem com intuito organizacional e fiscalizador, é o elemento humano na formação do Estado, posto que não há Estado sem população, sem pessoas. O segundo elemento constitutivo do Estado é o território que é a delimitação territorial ou espacial que dará limite à soberania do Estado. O terceiro elemento, a soberania, transporta a ideia de ordem interna, com poder de impor determinações e condições, isto é: regulamentar a ordem social interna. Silva Junior (2009), afirma que:

A sociedade natural não possui meios coercitivos de manter e preservar a paz entre os indivíduos aglutinados, e para tanto houve a necessidade da criação de uma figura abstrata que possui o poder de regulamentar e unificar as ideias envolta de um público. Essa figura denominou-se Estado. O Estado é uma sociedade política que para o seu reconhecimento e identificação há necessidade de verificação de alguns elementos. Um dos elementos formadores do Estado é o povo, já que o poder emana sempre do povo. E esse, em última análise, que confere ao Estado o seu poder de normatizar (regulamentar). O segundo elemento constitutivo é o território que é identificado pelo espaço territorial aonde a sociedade política irá exercitar o seu poder (soberania).

Alexandre M. Medeiros, aborda de forma clara, a diferença entre Sociedade e Estado, demonstrando ser a primeira, conceituada a partir de duas teorias, quais sejam: teoria organicista e teoria mecanicista. O Estado é diferenciado como sendo o produto da sociedade. Sendo ressaltado que a Sociedade antecede o Estado.

Ante o exposto, conclui-se que o Estado exerce atos baseados em normas legais e tem por objetivo executar as tarefas de interesse público e que realizam pela administração pública. Deve-se, portanto, a Sociedade e o Estado andarem atrelados para que as necessidades da coletividade sejam supridas.

3.2. Adolescente em conflito com a lei

A adolescência é uma fase de experimentação, caracterizada por mudanças e conflitos, onde o adolescente não sabe ao certo quem ele é e nem o que vai ser. Fase em que o jovem abandona a mundo infantil e começa a adentrar no mundo adulto. Eles estão em formação física e moral, desde o nascimento até a fase adulta, em mutação dinâmica, diária e contínua. Do latim adolescere, o termo “adolescente” significa alimentar, denotando essa necessidade de precisar descobrir o mundo. Outra origem para o termo significa "crescer com dor". As mudanças psicoemocionais ocorrem paralelamente às mudanças físicas. 

O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 2, faz uma distinção entre criança e adolescente: “considera-se criança, para os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente, aquele entre doze e dezoito anos de idade”. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente o ECA às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade. Associando-se ao disposto no Código Civil, torna-se adulto, para fins civis, o ser humano que atinge a idade de 18 anos. O Código Penal fixa em dezoito anos a idade da responsabilidade para fins criminais. O art. 228 da CF diz que “são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial”, neste caso, o Estatuto da Criança e do Adolescente. Diante disso, aplica-se o conteúdo da Lei 806990, como regra, à pessoa com até dezessete anos completos.

Para as crianças que cometem atos infracionais são aplicadas medidas de proteção. Já nos casos de atos infracionais cometidos por adolescentes, são aplicadas medidas socioeducativas. Por mais grave que seja o crime cometido por um menor de dezoito anos, o mesmo está imune integralmente à legislação penal comum. Segundo Laurindo (2013), “essa distinção se faz necessária para fins de aplicação das medidas, visto que para tanto é de suma importância tão somente a idade, não importando o desenvolvimento da mentalidade do menor ou seu grau de periculosidade”.

Dispondo, ainda, em seu Título III, mais precisamente em seu artigo 103, o Estatuto da Criança e do Adolescente, define ato infracional como a conduta descrita como crime ou contravenção penal. Segundo Nucci (2015), o ato infracional, no cenário do Direito da Infância e Juventude, é a conduta humana violadora da norma. Em suma, infringir uma norma representa um ilícito, fato contrário ao ordenamento jurídico.

De acordo com Prado (2013, p. 357), “a menoridade, é uma causa de exclusão da imputabilidade, sendo consagrada a inimputabilidade absoluta por presunção. Ressaltando que os menores de 18 anos ficam sujeitos às disposições específicas do Estatuto da Criança e do Adolescente”. Prado (2013, p.359) dispõe, ainda, que:

Esse diploma legal prevê, no caso de ato infracional (crime ou contravenção penal) praticado por criança ou adolescente, medidas de proteção genéricas (art. 98, ECA), e específicas (art. 101, ECA) e, ainda, para o adolescente, medidas socioeducativas (art. 112, ECA). Se o menor de 18 anos completos, mas ainda não atingiu os 21, faz jus à atenuação da pena (art. 65, I, 1ª parte, CP) e à redução do prazo prescricional (art. 115, CP).

Em artigo publicado no Jornal O Globo, Uribe (2013), afirma que o crescimento no número de menores de idade apreendidos em 2012 foi mais de duas vezes superior ao de prisões de adultos. Houve um aumento, em relação a 2011, de 14,3% no número de apreensões de crianças e adolescentes por crimes como vandalismo, desacato, tráfico, lesão corporal, furto, roubo e homicídio. No mesmo período, a elevação no número de jovens e adultos que foram presos por crimes em geral foi bem menor: de 5,8%. O levantamento foi feito em sete dos dez estados mais populosos do país: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Ceará, Paraná e Santa Catarina.

Especialistas em segurança pública apontam o envolvimento de menores de idade com o tráfico de drogas como um dos maiores responsáveis pelo aumento da entrada de crianças e adolescentes no mundo do crime. Na avaliação deles, a fragilidade do atual sistema de proteção social, a má qualidade dos ensinos fundamental e médio e a falta de iniciativas e programas governamentais para o atendimento de menores, tanto os que estão em situação de risco como os já inseridos no mundo do crime, são outros fatores que contribuem para o envolvimento de menores em crimes e delitos.

Vieira (1999), em pesquisa realizada em Santa Catarina, constatou as seguintes informações sobre adolescentes em conflito com a lei: No total de adolescentes entrevistados, 181 eram do sexo masculino (92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante à idade, verificou-se que a maioria dos adolescentes estavam na faixa entre 16 e 17 anos de idade. Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, Volpi (1999), afirma que 3.987 – 94,8% - pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto – pertencem ao sexo feminino, porém, estes números vêm aumentando consideravelmente.

Ainda de acordo com Vieira (1999), os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais vão desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a pobreza. Tal situação demonstra a fragilidade do adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de drogas. Outra grande causa da delinquência juvenil no Brasil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais. De acordo com Volpi (1999, p. 56-57):

A grande maioria dos adolescentes pesquisados – 96,6% - não concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4%. O número de adolescentes que concluíram o 2º grau, consequentemente (sic), torna-se praticamente nulo – 7 num total de 4.245 (cujas informações foram obtidas), o que representa a ínfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos desta pesquisa, 2.498 – 61,2%, portanto – não frequentavam (sic) a escola por ocasião da prática do ato infracional.

Em relação à história da legislação voltada ao adolescente, inicialmente, os mesmos eram considerados meros objetos do mundo adulto, ou seja, o Direito tinha como preocupação disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos filhos, suas crias, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão “pátrio poder”. Assim, de acordo com Colpani (2003), “a compreensão dos institutos jurídicos voltados para as crianças e os adolescentes, depende de um conhecimento, em linhas gerais, da evolução histórica desse ramo do Direito”.

Nos tempos remotos, não haviam leis específicas que punissem os adolescentes que praticassem atos infracionais. Estes não poderiam ser punidos sem que tivessem atingido um certo grau de desenvolvimento. Sendo assim, de acordo com Laurindo (2013), “os mesmos eram castigados sem uma punição específica, chegando por vezes a perderem sua própria vida, até que fosse legalizada tal situação a fim de que se estabelecesse uma penalização compatível com sua idade e o delito praticado”.

Atualmente, existem algumas normas constitucionais e federais para garantir direitos à criança e ao adolescente. O abandono destes constitui-se crime, dependendo do caso, constitui-se crime contra a vida, a saúde física, moral e espiritual, e contra a dignidade da pessoa humana, com agravante de ser praticado contra menor, como prevê a lei penal brasileira.

Historicamente, os termos “menor” e “menoridade” passaram a ser utilizados pelos juristas após a independência, com a finalidade de referir-se aos adolescentes ou a crianças sob perspectiva da responsabilidade penal pelos atos praticados por eles.

O Código Penal Republicano de 1890 trazia o conceito de menoridade sem que apresentasse contribuição ao adolescente no que se refere à responsabilidade penal. No entanto, o conceito no âmbito jurídico para o termo “menor” surgiu apenas com o Código de Menores de 1927. O referido Código se preocupou com os delinquentes e os abandonados e também com situações que pudessem oferecer qualquer dano à infância e à juventude.

Cristina Carvalho e Vera Miranda (2007, p.140) acrescentam:

A definição apresentada nestes códigos favorecia distorções, pois havia uma indefinição da demanda jurídica e da demanda social, onde as medidas eram aplicadas de modo indistinto, pressupondo que os menores que estavam na mesma condição, fossem infratores, abandonados, carentes, vitimizados por maus-tratos.

Com o Estatuto da Criança e do Adolescente, lei Nº. 8.069/90, os adolescentes começaram a ser vistos como sujeitos de direito, o que os possibilitou espaço social para que exercessem cidadania. Neste caso, se o adolescente cometer conduta tipificada como delituosa, passará a ser chamado de adolescente infrator, não de menor, como previsto nas em legislações anteriores e ainda comumente utilizados pelos meios de comunicação. Saraiva (2002, p 88) esclarece que:

Pela nova ordem estabelecida, não se admitem manchetes de jornal do tipo “menor assalta criança”, de manifesto cunho discriminatório, onde a criança era o filho bem-nascido, e o menor, o infrator. Esta espécie de manifestação, comum no Brasil, ainda hoje, ainda presente na linguagem dos próprios Tribunais, se constitui em legítimo produto de uma cultura excludente – norteador do anterior sistema – que distinguia crianças e adolescentes de menores; que fazia uma divisão entre aqueles em situação regular dos demais em situação irregular.

Dessa forma, os adolescentes que cometem atos infracionais não se submetem as sanções previstas no Código penal brasileiro, submetendo-se, porém, às medidas socioeducativas previstas na Lei n. 8.069/90.

3.3. Os deveres do Estado com o adolescente

É obrigação do Estado, segundo dispõe a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, garantir a satisfação das necessidades humanas e ainda a promoção de qualidade de vida. Considera-se Diretos Fundamentais aqueles indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual.

Segundo aponta Firmo (1999), compete ao Estado garantir a criança e ao adolescente as condições sociais para que seus direitos sejam exercidos, entre eles a criação de escolas, hospitais, abrigos, áreas de lazer, instituições públicas socioeducativas, sistema de segurança, etc.

A Constituição Federal disserta sobre alguns deveres do Estado. Em consonância a isso, é mister registrar os deveres do Estado com o adolescente a luz da Constituição Federal de 1988. O artigo 227 da CF/88 dispõe:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com a absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nota-se que o artigo 227 da CF/88 traz um rol de deveres que devem ser exercidos na mesma proporção tanto pela família, sociedade e Estado. Contudo, o presente tema aduz sobre os métodos utilizados pelo Estado para que ajude na mudança do caráter e comportamento psicossocial do adolescente infrator. O Estado previu direitos e instrumentos para proteger os direitos da criança e do adolescente, entretanto, é ele o primeiro a descumpri-lo.

Ressalta-se que o artigo acima mencionado não faz distinção quanto aos tipos de adolescentes que são alcançados pela responsabilidade do Estado no que se refere aos seus deveres para com o adolescente. Frisando-se que todos adolescentes, independentemente de serem infratores ou não, devem ter seus direitos resguardados pelo Estado.

Para Firmo (1999, p 225), quando a criança e o adolescente são privados no exercício de seus direitos, “incorre ao respectivo responsável em crime ou infração, impondo-se ao Estado intervir para que seja restabelecido o exercício do direito infringido e, através de ação jurídica própria, responsabilizar o autor do delito”.

O Estatuto da Criança e do Adolescente reproduz alguns dos direitos fundamentais assegurados pela Constituição Federal e realça a necessidade de todos – família, sociedade e Estado – respeitarem tais direitos pertencentes à criança e ao adolescente. Mais que conferir direitos à criança e ao adolescente o Estatuto procura estabelecer o nosso dever, como cidadãos, bem como do Estado, em prevenir a ameaça ou reprimir a violação de tais direitos por quem quer que seja, ainda que o violador também seja uma criança ou adolescente, que deve respeitar a lei e a Constituição como qualquer outro cidadão.

Segundo Firmo (1999), a proteção integral, prevista na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, compreende medidas de prevenção (anteriores as chamadas situações irregulares), bem como as de proteção ou reparação (quando já se encontra ameaçado ou violado o direito da criança e do adolescente). Para a efetivação dessa proteção integral, é necessária a atuação, de maneira independente e harmônica, dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, das respectivas pessoas jurídicas públicas: União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios.

Para a execução das medidas de proteção que não decorram de ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, previu a criação de Conselhos Tutelares e de Direitos da Criança e do Adolescente (Estaduais, Municipais e Nacional).

Vale ainda ressaltar que, é dever do Estado, de acordo com o artigo 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente:

Art.54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I- ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II- progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III- atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV- atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;

V- acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um;

VI- oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do adolescente trabalhador;

VII- atendimento no ensino fundamental, através de programas suplementares de material didático- escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

§1º O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

§2° O não oferecimento do ensino obrigatório pelo poder público ou sua oferta irregular importa responsabilidade da autoridade competente.

§3° Compete ao poder público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsável, pela frequência à escola.

Adolescentes em conflito com a lei, que são penalizados com as medidas socioeducativas, quando da extinção da punibilidade e retorno ao meio social são extremamente vulneráveis à reincidência ou até mesmo à prática de novos delitos, definidos como atos infracionais.

No Brasil, o Estado, não conseguiu angariar meios eficazes para a não ocorrência da reincidência ou até mesmo da criação de um “adulto criminoso”. Não há de se falar na existência de um meio eficaz em sua integralidade, mas o Estado, não cumpre com o descrito no artigo 227 da CF/88 no que tange ao período de execução das medidas socioeducativas aos adolescentes em conflito com a lei. Jaime (2006), considera que:

O alto índice de rebeliões em instituições como a FEBEM denunciam a falência do Estado quanto às medidas utilizadas nesta instituição para tentar reeducar os menores, trazê-los de volta ao convívio social reabilitados para a vida. Ainda que não se queira entrar em debate sobre a pretensa finalidade educativa das medidas de internação (debate que permeia o sistema penitenciário como um todo), não há como negar a falência destas instituições de "bem-estar", onde não existem quaisquer projetos e realizações efetivas que contribuam para materializar os objetivos expressos na lei. Parece até que o único objetivo dessas instituições é evitar fugas e para isso, são empregados todos os meios e esforços. A única ressocialização que pode advir destas internações é a ressocialização para o crime. Essas instituições servem, isso sim, como ferramenta do clientelismo político, mantenedoras de uma estrutura burocrática, onde os gastos com sua manutenção, muitas vezes, ultrapassam as despesas com os menores internos.

É de se notar que quando da execução, o adolescente é suscetível a se ver afastado de seu meio social quando da aplicação da medida socioeducativa de Internação, não sendo lhe oferecido alguns dos direitos fundamentais descritos na CF/88, como saúde, alimentação, educação, lazer, profissionalização, etc.

Silva (2012), defende que:

O Estatuto da Criança e do Adolescente reescreve, portanto, como norma infraconstitucional, o cumprimento de tais responsabilidades atribuídas ao Estado, à sociedade e à família, cobrando uma participação mais efetiva na condução das políticas públicas. Há séculos que as crianças e adolescentes oriundas de famílias carentes são relegadas a planos secundários. A omissão do Estado tem sido um fator preponderante para a marginalização das nossas crianças, sobretudo, quando o próprio Estado com a investidura de “jus puniendi”, assume o direito de punir essas crianças e adolescentes quando cometem determinados delitos. A situação se agrava quando tais crianças ou adolescentes são punidos, restringe-lhes a liberdade, enfim, trancafiados em reformatórios precários que não contribuem para a ressocialização desses jovens.

Sendo assim, conforme expõe Firmo (1999), é possível observar que a realidade do povo brasileiro é caótica, pois há um total descumprimento das atribuições do Estado em proteger essa camada frágil da sociedade, o adolescente, agredindo toda a população brasileira que sofre com as consequências da omissão do Estado. Nenhuma cobrança judicial é feita por aqueles que estão legitimados para propor as respectivas ações cíveis em garantia destes direitos difusos e coletivos violados.

Daniele Cambraia publicou em 2015, uma entrevista considerada um tanto polêmica, com a Deputada Federal Erika Kokay (DF), que afirma que o Estado deve ser responsabilizado por jovens infratores. A mesma argumenta que a reintegração harmoniosa do adolescente em conflito com a lei à sociedade é mais importante do que simplesmente colocá-lo no sistema prisional. “Jogar o adolescente de 16 anos na prisão e não fazer qualquer tipo de ressocialização não fará nenhuma diferença. Continuaremos a ter um grande número de jovens reincidentes no crime. Hoje, este número chega a 70%”, explica a deputada.

Para ela, o foco é responsabilizar os gestores municipais, estaduais e federais que não priorizam a política para criança e adolescente prevista na Constituição Federal. Kokay afirma que é necessário cobrar, o mais rápido possível, um plano para essas pessoas. “Esses gestores devem ser obrigados a apresentar planos de políticas básicas e devem prestar conta do cumprimento dessas metas. Caso elas não sejam cumpridas, eles deverão ser punidos”, disse.

De acordo com a Deputada, as políticas públicas e sociais devem tratar do assunto na base, construindo creches, escolas de educação integral, dar oportunidade para os jovens conseguirem o primeiro emprego e um ter um plano cultural. “O número de adolescentes que estão perdendo a vida e que são vítimas de violência e homicídios no País é imenso e nossa indignação deve ser focada nos gestores que negligenciam essas políticas”, afirmou. Segundo Kokay, é importante deixar claro que ninguém nasce em conflito com a lei, mas que o menor infrator é fruto da ausência de políticas públicas de qualidade e ausência de medidas de proteção.

Sem precisar adentrar ao mérito da culpabilidade do adolescente, ou até mesmo no risco em que o mesmo oferece a sociedade naquele momento, é necessário avaliar quais são os métodos utilizados pelo Poder público para a não ocorrência de novo ato infracional por aquele adolescente. Para Firmo (1999, p 234), “ a mudança da atual realidade social só se dará com o cumprimento das leis pelos pais, pelo Estado e por toda a sociedade, e, como o primeiro passo para a solução de qualquer problema é o conhecimento das suas causas e dos meios de combatê-las”.

Deve-se, então, refletir sobre qual tem sido a atuação do Estado para efetivar o cumprimento dos seus deveres para com as crianças e adolescentes. O Estado permanecerá em situação de omissão, causando assim um crescente aumento no índice de instituições cada vez mais superlotadas por adolescentes em conflito com a lei reincidentes ou assumirá seu papel de cumpridor dos deveres previstos no artigo 227 da Constituição Federal de 1988, para que haja real tentativa de reingressos dos adolescentes infratores de forma digna à sociedade?

4. RESSOCIALIZAÇÃO

Atualmente, os jovens entram na vida da criminalidade cada vez mais cedo. Com a finalidade de retomarem uma vida saudável e darem continuidade a seu desenvolvimento psicológico e mental, precisam de certa reeducação.

Entende-se por ressocialização, de acordo com o Dicionário Aurélio, o efeito de ressocializar, sendo entendido, ainda, que ressocializar é socializar-se. O principal objetivo é garantir o acesso do adolescente as oportunidades de superação de sua condição de exclusão e participação na vida social.

A ressocialização do adolescente em conflito com a lei é uma questão complexa de se discutir. Por um lado, existem as críticas que atacam a própria ideologia de readaptação. Por outro, há todas aquelas dificuldades inerentes à possibilidade de se concretizar o ideal ressocializador.

Só é possível entender a relação dos adolescentes que cometem atos infracionais com a sociedade em geral, se analisarmos primeiramente o contexto em que estão inseridos. A maioria destes jovens vivem em famílias de classe baixa, sem qualquer tipo de afeto, com dificuldades econômicas, problemas intrafamiliares, ambientes violentos, baixa escolaridade e, tendo como referencial, pessoas envolvidas no tráfico, como por exemplo, a figura “poderosa” do traficante. Tal situação contribui para que os mesmos sejam colocados à margem da sociedade, diminuindo as possibilidades de uma vida digna e tornando atraentes as possibilidades oferecidas pelo mundo do crime.

Devido ao grande número de adolescentes envolvidos na criminalidade e uma aparente impunidade, a sociedade vê esses adolescentes como uma ameaça, excluindo-os e deixando-os a margem da sociedade. Mantovani (2009), afirma que “a exclusão passa a ser considerada a solução possível e desejável, o que exime a sociedade da culpa frente à perpetuação de uma classe de excluídos, diminuindo consideravelmente seu comprometimento para com esta classe”. Diante desta realidade, é necessária uma reformulação dos princípios da própria sociedade acerca de seu compromisso com a ressocialização dos adolescentes infratores.

O adolescente, antes de ter sua liberdade privada, passa por diversas etapas e, inclusive, muitos deles têm a oportunidade de se redimir e se ressocializar. Colpani (2003), afirma que:

Vai depender muitas vezes da gravidade da situação, o grau de participação e as circunstâncias em que ocorreu o ato; sua personalidade, a capacidade física e psicológica para cumprir a medida e as oportunidades de reflexão sobre seu comportamento. O que na prática em alguns casos acaba não ocorrendo, pois o jovem não está aberto a integração social, ou muitas vezes não tem a contribuição da família e da sociedade em que está inserido, acaba tendo até a carência por parte das políticas públicas o que gera uma certa probabilidade de retorno a criminalidade de tal modo que chega à última instância de punição. O objetivo das medidas socioeducativas acaba perdendo o efeito se não tem esse amparo e existe uma grande lacuna a ser preenchida no que se refere a ressocialização do jovem infrator. 

Tem-se então, no presente estudo, que ressocialização é a devolução da pessoa que fora retirada do convívio em sociedade, por cumprimento de uma medida socioeducativa privativa de liberdade ou restritiva de direitos, a estar em sociedade sem que se submeta a prática de novos atos considerados em sua essência ilícitos com o fito de resgatar sua idoneidade.

É na família, principalmente, que o adolescente deve encontrar seu abrigo e afeto. Esse convívio reduz em muito a reiteração da pratica de atos infracionais, pois a afetividade entre os pais e os filhos, ajuda os menores a entenderem a disciplina, entendendo mais facilmente a forma de viver em sociedade. A família tem uma função essencial na ressocialização do adolescente, pois cabe à mesma educa-lo para a vida em sociedade e para que não voltem a delinquir.

A participação da sociedade na reintegração do preso ao convívio social também é um fator muito importante para que a ressocialização aconteça. Os adolescentes em conflito com a lei, após adquirirem liberdade, são alvos de preconceito devido ao aumento da violência e da criminalidade, o que dificulta seguir uma vida longe do crime. Conforme afirma Greco (2011, p. 443): “Parece-nos que a sociedade não concorda, infelizmente, pelo menos à primeira vista, com a ressocialização do condenado. O estigma da condenação, carregado pelo egresso, o impede de retornar ao normal convívio em sociedade”.

De acordo com os princípios legais do ECA, o Estado é responsável pela implantação de políticas públicas, estabelecendo meios governamentais para que as medidas que visam a ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei atinjam seus objetivos e promovam uma diminuição no número de reincidentes. Como meios eficientes para reinserção dos adolescentes, temos alguns caminhos, por exemplo, a educação e as práticas esportivas direcionadas, entre outros. Borges (2013), afirma que:

As políticas públicas de ressocialização do jovem enfatizam a educação e a profissionalização como ferramentas importantes na construção deste novo indivíduo, ao qual devem ser dadas condições plenas de reestruturação psíquica e familiar e de reinserção social, através de sua compreensão individualizada e particularizada, a fim de resgatá-lo enquanto ser humano e sujeito em sintonia com o momento histórico.

A educação pode ser considerada como o meio mais viável de conduzir o adolescente às novas condutas que facilitarão seu caminho em direção a ressocialização. A educação envolve mudança de comportamentos e auxilia nas escolhas individuais de forma a afastar o adolescente da ociosidade e das práticas delituosas e infracionais. Os projetos sociais de esporte e lazer, os quais são ações de responsabilidade social da iniciativa privada, também são uma grande ferramenta que alcança crianças e adolescentes, principalmente das classes mais pobres em busca de uma vida longe da criminalidade.

De acordo com Borges (2013), os adolescentes em conflito com a lei que estão cumprindo medida socioeducativa de liberdade assistida, além de já terem cometido o delito, ainda permanecem em contato com a sua comunidade, sua família, sua rede social e devem ser reintegrados à sociedade, considerando suas particularidades, desenvolvendo suas potencialidades e competências individuais, a fim de que se transformem em cidadãos plenos.

A medida socioeducativa de liberdade assistida poderá ser a melhor escolha para ressocialização desse adolescente, o que significa dizer que ele deve estar integrado em uma política pública global, que coordene e determine vias de comunicação e recursos entre as diversas áreas de atuação como educação, saúde, cultura, esporte, profissionalização, assistência social e o sistema de justiça, interferindo na sua realidade familiar e comunitária, tencionando resgatar, mediante apoio técnico oferecido, as suas potencialidades.

Vejamos o que Borges (2013), diz a respeito:

No momento em que se objetiva identificar as potencialidades desse jovem infrator, enquanto sujeito em construção, busca-se individualizá-lo, retirá-lo do estereótipo de anormal, de irrecuperável, e “re-olhá-lo”, voltando a enxergar o ser humano que está à frente com outros olhos, respeitá-lo enquanto pessoa humana e sujeito de direitos, conforme preceitua o ECA e verificar quais as práticas socioeducativas e culturais adequadas ao seu potencial latente que estão disponíveis para sua reinserção social, como forma de preservação da segurança pública.

Em contrapartida, na opinião de Lima e Minadeo (2012), apesar de ser uma legislação avançada, o Estatuto da Criança e do Adolescente, parece ainda não haver produzido os resultados que dela se esperam. As medidas socioeducativas, que na maioria dos casos não foram devidamente desvinculadas da ideia de pena e, por conseguinte, não educam nem regeneram, ou seja, não cumprem seu papel ressocializante, ao contrário, revoltam e aumentam a tendência para o crime. Lima e Minadeo (2012, p 71), afirmam que:

Estudos comprovam, pois, que instituições fechadas como as prisões e os internatos para menores não conseguem realizar qualquer ressocialização do indivíduo pelo simples motivo de que o estado de isolamento social humilha o institucionalizado, que passa a viver não mais sob as normas sociais, mas sob uma sistemática endurecida voltada a uma forma de socialização intramuros, de modo que o interno se adapta, paulatinamente, aos padrões e à moral da prisão/internato, ocorrendo na prisão fechada e internatos.

A doutrina e a jurisprudência divergem quando o assunto é a prática de ato infracional cometido por adolescentes. Há aqueles que procuram igualar o adolescente ao indivíduo maior de 18 anos, argumentando que a complacência sugerida pela legislação só concorre para o aumento do desvirtuamento social dos menores. De acordo com Oliveira (2013), compreende-se que:

A doutrina e a jurisprudência em torno da prática infracional por menores é divergente. Alguns buscam nivelar cada vez mais o adolescente ao indivíduo maior de 18 anos, ou seja, imputável, argumentando que a complacência sugerida pela legislação só concorre para o aumento do desvirtuamento social dos menores. Em outras palavras, acreditam que não há menor infrator vítima da pobreza, do abandono ou da falta de oportunidade de estudo ou trabalho, mas produtos de exposições continuadas a situações de carência moral e que entregam-se ao crime por vontade própria, mesmo porque, a consciência dos jovens da atualidade, acerca do que é ou não salutar para o seu desenvolvimento em sociedade, está aguçada desde o fim da segunda infância. Assim, o adolescente já é plenamente capaz de saber o que lícito. Lado outro, alguns doutrinadores pregam ser o adolescente marginalizado, vítima de disfunções sociais, que não dispõem de renda suficiente para usufruírem de bens e serviços básicos como saúde, educação, habitação, lazer, etc., e que revoltados ou ansiosos por experimentarem o que da vida lhes é suprido, enveredam pela criminalidade. Para esses, a melhor solução é o processo de ressocialização, não com vistas à punição, mas a reinserção desse indivíduo, na sociedade que ele mesmo repudiou.

O aumento da violência entre os menores de idade tem sido um desafio para a sociedade. A prática de delitos considerados graves, tais como estupros e homicídios, são assustadoras e demonstram que as políticas sociais básicas de saúde, educação e segurança estão muito aquém das necessidades das famílias brasileiras. De acordo com Oliveira (2003), as causas da marginalidade entre os adolescentes são, pois, muito amplas e desconhecidas, não se restringindo somente à vadiagem, mendicância, fome ou descaso social. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, embriaguez, drogas, prostituição, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, configuram-se como as principais delas.

A aplicação das medidas socioeducativas alertam ao adolescente em conflito com a lei sobre sua conduta antissocial e pretende reeducá-lo para a vida em sociedade. Porém, as possibilidades de restauração no sistema prisional brasileiro são pequenas, devido à falta de projetos e oportunidades apresentadas ao adolescente em conflito com a lei. Quando eles retornam para a vida social, alguns deles estão ainda mais violentos e antissociais.

Sendo assim, é possível observar que a redução da maioridade penal, o aumento do tempo de internação ou o rigor excessivo das punições, não recuperam. Oliveira (2003) defende que “somente o tratamento, a educação, a prevenção é capazes de diminuir a delinquência juvenil. A segregação não recupera, ao contrário, degenera. Rigor não gera eficácia, mas desespero, revolta e reincidência. E isso é justamente o que não se espera para os nossos jovens”.

É preciso pensar em métodos preventivos e eficazes que reduzam o número de adolescente envolvidos com o crime e pensar também no momento posterior ao cumprimente das medidas socioeducativas. Uma vez trabalhada a ressocialização desse adolescente, há a necessidade de se continuar com o tratamento, pois a sociedade ainda não está preparada para o acolhimento de pessoas que um dia lhes foram maléficas. Marginalizados, os infratores não veem outra opção senão voltar a delinquir, pondo a perder todo o processo ressocializador que tivera dentro da prisão. Com mais oportunidades de inserção, o egresso terá uma escolha. Somente assim, haverá eficácia no sistema judiciário como um todo, e uma sociedade mais justa, sem violência e sem medo.

4.1. As medidas socioeducativas e seus efeitos para a ressocialização do adolescente

Atualmente é nítido o excessivo crescimento de adolescentes que praticam atos infracionais, os adolescentes em conflito com a lei. A sociedade brasileira, muito se tem opinado a cerca das punições, conhecidas tecnicamente como medidas socioeducativas, trazidas pela lei n.8.069/90 em seus artigos 112 ao 125 e sua eficácia.

A eficácia da aplicação das medidas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente tem sido muito questionada. Para Laurindo (2013), “há uma diferenciação muito grande no tratamento dado ao adulto que pratique ilícito penal e à criança ou adolescente que pratique esse mesmo ilícito, demonstrando com isso uma sensação de impunidade”.

As medidas socioeducativas são aplicáveis aos menores de idade que incidirem na prática de atos infracionais e surge após o devido processo legal. Sua finalidade é educar (reeducar), na tentativa de proteger a formação moral e intelectual do adolescente. De acordo com Nucci (2015), tal medida tem um toque punitivo, pois restringe certos direitos do adolescente, inclusive a própria liberdade.

Antes da aplicação das medidas socioeducativas, o juiz analisará qual a medida a ser utilizada de acordo com cada caso concreto. Gusmão apud Paula (1989, p. 469) na justificativa de seu esboço, orienta:

O juiz fará aplicação das medidas segundo a sua adaptação ao caso concreto, atendendo aos motivos e circunstâncias do fato, condições do menor e antecedentes. A liberdade, assim, do magistrado é a mais ampla possível, de sorte que se faça uma perfeita individualização do tratamento. O menor que revelar periculosidade será internado até que, mediante parecer técnico do órgão administrativo competente e pronunciamento do Ministério Público, seja pelo Juiz decretada a cessação da periculosidade. A periculosidade, assim, é um traço marcante no tratamento de menores. Toda vez que o Juiz verifica a existência de periculosidade, a lei impõe a defesa social a ele, então, está na obrigação de determinar a internação.

Verificada a prática de ato infracional, o Estatuto da Criança e do Adolescente, apresenta, em seu art. 112 as medidas socioeducativas que deverão ser aplicadas. São elas: I- advertência; II- obrigação de reparar o dano; III- prestação de serviços à comunidade; IV- liberdade assistida; V- inserção em regime de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional; VII- qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

É importante ressaltar que o art. 112 do ECA, ainda garante, em seus parágrafos, que:

§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Observa-se detalhadamente cada uma das medidas socioeducativas:

Advertência - Inicialmente, o artigo 115 da Lei n. 8.069/90 dispõe que “a advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. É considerada uma medida válida, com caráter educativo e corretivo, apesar de ser a mais branda e leve das medidas socioeducativas. Seu significado varia, alcançando desde um conselho até uma repreensão, passando pelo alerta ao aviso. Advertir, apontando o certo e o errado, deve ser o primeiro passo antes de se tomar medidas mais enérgicas, pois quem está em formação de personalidade precisa de conselhos e alertas. Vale salientar que aconselhar é uma coisa, agredir moralmente é outra.

Segundo Liberati (2014, p.138), “a advertência é recomendada, via de regra, para os adolescentes que não têm histórico criminal e para os atos infracionais considerados leves, quanto à sua natureza ou consequências”. O autor prossegue dizendo, ainda, que para atingir o objetivo colimado pela aplicação da medida singela, ou seja, para que surta efeito de ressocialização e o adolescente não se torne reincidente, é necessária a presença dos pais ou responsável na audiência, para que também sejam integrados no atendimento e orientação psicossociais, se houver necessidade.

Obrigação de reparar o dano - O Art. 116 da referida lei, fixa a medida socioeducativa da obrigação de reparar o dano:

Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

O cumprimento da medida socioeducativa da obrigação de reparar o dano, segundo Liberati (2014, p. 139) “tem por finalidade educativa, devendo suscitar no adolescente, tanto pela restituição quanto pela indenização do dano, o desenvolvimento do senso por responsabilidade daquilo que não é seu”. Provocando lesão à bem jurídico alheio, a obrigação de reparar o dano torna-se mais eficiente que a advertência, pois assim, o adolescente poderá entender o que significa trabalhar e esforçar-se para sanar o próprio erro. Com o objetivo de alcançar efeitos positivos, é necessário que essa obrigação seja cumprida pelo adolescente, e não por seus pais ou outros responsáveis pelo mesmo.

Prestação de Serviços à comunidade - O artigo 117 da Lei n 8.069/90 dispõe que:

A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente há seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”.

Parágrafo único - “As tarefas serão atribuídas conforme aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a frequência à escola ou à jornada de trabalho.

É forçoso frisar que a prestação de serviços, como forma de compensação dos prejuízos causados à vítima, só terá validade se o adolescente concordar, nos termos do §2° do artigo 112. A medida obrigacional está fundamentada, portanto, primeiro no art. 1521, I e II do CC de 2002. Combina-se com o artigo 156 do CC em que determina que “o menor, entre 16 e 21 anos, equipara-se ao maior de idade quanto às obrigações resultantes de atos ilícitos, em que for culpado”. A aplicação dessa medida é considerada relevante e possui caráter educativo, pois, quando um adolescente se submete a esse tratamento, há possibilidade de que o mesmo adquira consciência dos valores e compromissos sociais.

Liberdade Assistida - O caput do artigo 118 da Lei n. 8.069/90 dispõe sobre a medida socioeducativa da Liberdade Assistida, veja:

A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. A medida socioeducativa de Liberdade Assistida é aplicada ao adolescente autor de ato infracional sujeito a orientação e assistência social por técnicos especializados ou associações.

A medida acima elencada sem dúvidas constitui a medida mais eficaz no que se refere ao cunho pedagógico, pois sem que o adolescente em conflito com a lei perca a sua liberdade, ele se submete à construção de um projeto de vida permeado pela liberdade, voluntariedade, senso de responsabilidade e controle do poder público.

Nogueira (1991, p. 153) afirma que a liberdade assistida “deve ser aplicada aos adolescentes reincidentes ou habituais na prática de atos infracionais e que demonstrem tendência para reincidir, já que os primários devem ser apenas advertidos, com a entrega aos pais ou responsável”.

Cury, Garrido e Marçura (1991, p. 63) dispõem que:

O encargo é pessoal, devendo recair sobre pessoa determinada. As entidades que mantenham programa de liberdade assistida deverão indicar as pessoas capacitadas para exercer a função de orientador, podendo a autoridade judiciária designar qualquer pessoa de sua confiança.

Nucci (2015, p. 827) acrescenta que “a principal meta é selecionar e credenciar os orientadores, profissionais destinados a acompanhar e assistir ao adolescente, tanto na liberdade assistida quanto na prestação de serviços à comunidade”.

Frisa-se que a participação dos genitores do adolescente é elemento essencial para o sucesso da atividade, devendo com isso haver fiscalização familiar. Deve-se registrar que a execução da medida socioeducativa aplicada é igual ou mais importante que aplicá-la. Nucci (2015, p. 828) orienta: que “A eficácia da sanção impõe o ritmo de aprimoramento da personalidade do adolescente; se não for eficiente, por certo impossibilita a educação (ou reeducação), tornando-a inócua”.

Inserção em regime de semiliberdade - O artigo 120 do ECA traz a medida socioeducativa de Semiliberdade, veja: “O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”.

A semiliberdade é destinada àqueles adolescentes que exercem atividades laborativas e estudam de dia e à noite recolhem-se a uma entidade. Segundo Liberati (2014), existem dois tipos de semiliberdade: o primeiro é aquela determinada desde o início pela autoridade judiciária, através do devido processo legal; já o segundo caracteriza-se pela progressão de regime, o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade.

Verifica-se, que embora o regime de semiliberdade seja uma alternativa para a não utilização do regime de internação, esta é uma medida muito pouco utilizada em nosso país. A semiliberdade é, dentre as medidas socioeducativas, a de menor implementação e a que menos possui uma construção teórica específica. Um dos fatores que prejudicam o avanço desse tipo de proposta é a falta de critérios por parte do judiciário, bem como de uma avaliação da efetividade dos programas já existentes.

Internação em estabelecimento educacional - O caput do artigo 121 da Lei 8.069/90 traz a última medida socioeducativa a ser abordada neste tópico, a de internação. “A internação constitui medida privativa da liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”.

A medida socioeducativa de internação pode ser qualificada como a de maior efeito de punibilidade, não podendo ser qualificada como a de maior efeito de ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei. Encontra-se parâmetro para a medida de internação na legislação penal correspondente ao regime fechado, regime este que é destinado aos condenados considerados perigosos e que tenham praticados crimes punidos com a pena de reclusão superior a oito anos (CP, art. 33, §1, “a”).

Liberati (2014) cita três princípios que orientam a aplicação da medida socioeducativa de internação, quais sejam: a) da brevidade; b) da excepcionalidade; c) do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Deve-se frisar que a medida socioeducativa de internação é utilizada quando a natureza da infração e o tipo de condições psicossociais do adolescente fazem supor que, sem um afastamento temporário do convívio social a que está habituado, o adolescente poderá representar risco para outras pessoas da comunidade, bem como não será alcançado por nenhuma medida terapêutica ou pedagógica.

Entretanto, as instituições que abrigam os referidos adolescentes são totalmente despreparadas para recebê-los. Abrigos destinados ao cumprimento da medida socioeducativa de internação, que deveriam possuir a finalidade de reeducação do adolescente infrator para que ele possa retornar à sociedade, encontram-se cada vez mais superlotados, não oferecendo o mínimo necessário para que os princípios constitucionais fundamentais e necessários sejam exercidos.

No dia 06 de março de 2016, O GLOBO, publicou a matéria com o título “Juíza manda desafogar unidades do Degase”, ilustrando a dura realidade de superlotação das unidades do Departamento Geral de Ações Socioeducativas do Estado do Rio de Janeiro que levou a justiça a determinar a transferência de aproximadamente 739 jovens infratores de quatro centros. O fato narrado na reportagem se torna ainda mais caótico por não existirem vagas em outras instituições para abrigarem esses adolescentes, tendo como segunda opção a inserção deles no programa de liberdade assistida.

Prosseguindo a leitura da referida reportagem o jornalista traz o trecho da sentença proferida pela Juíza Lucia Glioche: “A superlotação das unidades de internação gera a falta de camas, de colchões, de roupas, de itens de higiene, além de redução de comida e falta de água”.

Diante do exposto, verifica-se que muito se discute sobre as medidas socioeducativas e sua eficácia. Acredita-se que as medidas socioeducativas não vêm cumprindo integralmente o seu papel. Para que ocorra a implementação de todas as ações, serviços e programas exigidos pelo ECA, é necessário haver um comprometimento por parte do Governo e da sociedade. O objetivo prioritário é garantir a criança e ao adolescente, de forma sadia, todos os direitos necessários à constituição da pessoa humana.

O esposado neste tópico leva a refletir sobre qual o papel do Estado no período de execução de medida socioeducativa imposta ao adolescente em conflito com a lei. O Estado está preocupado na restauração do caráter destes adolescentes que se desviaram do caminho íntegro e cometeram atos infracionais ou apenas está preocupado na retirada temporária deles da sociedade para passar imagem de ocorrência de justiça?

5. O PAPEL DA RELIGIÃO E SUAS CONTRIBUIÇÕES NA RESSOCIALIZAÇÃO DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI

Diante da difícil tarefa de ressocialização, a religião entra como uma das formas de se viabilizar essa recuperação. A esperança, principal marca da religião, é capaz de transformar a vida do adolescente, apontando-lhe outras opções de vida. A experiência religiosa pode ser um dos caminhos para a ocorrência da modificação interior do indivíduo.

De acordo com Tomé (2003), “a experiência religiosa devolve o sentido da existência, conforma nas perdas, ensina a importância de se amar o próximo, de ser solidário, enfim é capaz de resgatar os nossos valores humanitários e os nossos sonhos”. O sentimento religioso nos dá a sensação de reconciliação com o universo, de comunhão com algo que nos transcende.

Conforme escreveu Peter Berger (1967, p. 25), a religião “é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmos sagrado”. Joel M. Charon e Lee Garth Vigilant (2014, p.264), descrevem que “o cosmos sagrado e a busca humana por compreender seu significado para o indivíduo e para a sociedade são o cerne de todas as ideias e práticas religiosas, e são primordiais para o desenvolvimento da sociologia”.

Registra-se que desde o surgimento da sociologia na Revolução Industrial, ela procurou entender o motivo pelo qual a religião é essencial para todos os grupos humanos e sociedades, e como ideias sagradas inspiram a ação social e a identidade, continuam CHARON e VIGILANT (1967, p25).

Auguste Comte (1798-1857), Ferdinand Toennies (1855-1936), Émile Dukheim (1858-1917), Karl Marx (1818-1883) e Max Weber (1864-1920), fundadores da ciência da sociologia, aduziram importantes pensamentos sobre o papel da religião nas sociedades europeia e norte-americana. Na visão desses cientistas sociais a religião era tida como uma característica importante da vida social, o que os levou a procurar entender seu papel tanto para o indivíduo quanto para a sociedade. Era notório por eles, ainda, a transformação das crenças religiosas em razão das impressionantes mudanças trazidas pela Revolução Industrial na Europa.

Quando da transformação dos grupos humanos, mudam-se, consequentemente as ideias dos primeiros observadores da grande transformação social sobre religião; mudando, portanto, religião, mudam os grupos. Apesar de visões diferentes sobre o papel da religião, concordavam que suas ideias e práticas tinham funções importantes tanto para o indivíduo quanto para o grupo, é o que explicam Charon e Vigilant (2012, p.270)

Auguste Comte, o pai da sociologia, tinha uma visão da religião como uma instituição antiquada, no âmbito mais primitivo do desenvolvimento humano social e cognitivo. Para ele, a religião era uma forma de ver e compreender o mundo baseado na fé, apelando para razões teístas (baseadas em Deus) para explicar os fenômenos naturais.

Charon e Vigilant (2012, p.271) relatam que Comte “acreditava que todas as sociedades humanas, assim como o ser humano, passariam por três estágios de desenvolvimento coletivo-cognitivo: o teológico ou fictício, o metafísico ou abstrato e o positivo (isto é, empírico, científico)”.

Prosseguem dizendo que:

O estágio teológico, o qual, para as sociedades europeias, acabou no período medieval, foi aquele da argumentação supersticiosa, no qual a sociedade empregou explicações teístas pra a ordem das coisas. No estágio metafísico, as pessoas olhavam para si mesmas (na filosofia, pensamento abstrato e razão lógica) para encontrar respostas aos problemas da sociedade. Finalmente, o estágio metafísico deu lugar às sociedades positivas ou científicas, nas quais a ciência e o método científico aplicado apropriadamente responderiam todas as questões sobre a ordem das coisas. A Revolução Industrial estava transformando a ideia de comunidade, e os precursores da sociologia estavam lamentando escrever sobre essas mudanças.

Ferdinand Toennies [1855-1936] em seu livro de 1887, Gemeinschaft und Gesellschaft, utilizou a palavra alemã Gemeinschaft, que quer dizer Comunidade, para expor o tipo de vínculos sociais existentes antes do crescimento das cidades industriais. Toennies, conforme nos traz Charon e Vigilant (2012, p.273) “acreditava que a religião iria eventualmente “ceder sua supremacia à ciência” nessas sociedades urbanas. A religião daria espaço para a “opinião pública” como a que a moralidade predominante [...]”.

Acrescenta que as visões de Toennies da secularização religiosa na modernidade são muito parecidas com as de Auguste Comte. Acreditavam que as sociedades modernas iriam eventualmente descartar a ideia do sagrado em favor da racionalidade científica. Todavia, enquanto Auguste Comte tinha uma visão de progresso social, Toennies era cético, acreditava que os humanos possuíam uma necessidade de conexões profundas, citando o tipo de solidariedade que os grupos religiosos propagam como exemplo.

Karl Marx por sua vez, tinha uma visão da religião como sendo uma ferramenta de controle social sobre as pessoas na sociedade. Acreditava, ser a religião utilizada por elites poderosas para controlar as ações e os pensamentos das massas, nomeadamente os trabalhadores rurais. A religião é produto de nossa vida social, mas, para Marx, ela seria, além disso, um instrumento daqueles que controlam a riqueza e o poder na sociedade, explicam Charon e Vigilant (2012.p.274).

Émile Durkheim em seu livro The elementary forms of the religious life, conceitua a religião como “um sistema unificado de crenças e práticas relativo às coisas sagradas, isto é, coisas deixadas de lado e proibidas, crenças e práticas que unem em uma única comunidade moral chamada Igreja todos aqueles que as seguem”. Charon e Vigilant (2012.p.276) acrescenta que “para Durkeim, todas as expressões religiosas, ideias, rituais, objetos, ações fazem parte do mundo sagrado como um contraste em relação ao mundo profano”.

O Brasil é um país de população eminentemente jovem. Como já exposto nos capítulos anteriores, o número de jovens que estão envolvidos na criminalidade em nosso país tem crescido assustadoramente nos últimos anos, preocupando as famílias, a sociedade, o Estado e vários segmentos, como, por exemplo, a religião. Emerge daí, um sentimento de responsabilidade do meio religioso, de prover diretrizes, expandir instruções, formular conselhos que contribuam para o amadurecimento de milhares de crianças e adolescentes que vivem em conflito com a lei.

É notória a importância da religião na ressocialização do adolescente infrator, pois a mesma se preocupa com o indivíduo num todo, buscando desenvolver seu lado emocional, social, profissional, e acima de tudo, espiritual. O Art., 5º, VI, da Constituição Federal, garante a liberdade de crença e culto a todos os indivíduos, assegurando à criança e ao adolescente, enquanto estiver abrigado em qualquer instituição, privada ou pública, uma orientação de cunho religiosa. Ressalta-se que jamais os mesmos deverão ser obrigados a seguir esta ou aquela religião.

Por servir de sustentáculo para as normas sociais, de uma forma geral, pode-se considerar a religião detentora de uma postura conservadora. A religião cumpre uma função de unificar as pessoas, formando uma grande comunidade daqueles que creem, os crentes.

Segundo Dias (2010), há dois níveis principais de funções que exercem as religiões: o psicológico e o social. A função psicológica é dada pela necessidade de os seres terem sempre uma explicação para as coisas que não podem ser verificadas experimentalmente. A religião atende algumas necessidades das pessoas, permitindo diminuir suas incertezas, sua incapacidade e sua carência. Ela justifica a condição daqueles que pouco tem, ou traz esperança para aqueles que não desfrutam de uma condição sentimental adequada.

No aspecto social, as religiões mais institucionalizadas tendem a promover aos seus membros a defesa dos valores mais importantes da comunidade nos quais estão inseridas. É na difusão dos valores, hábitos e costumes que a religião contribui diretamente para o processo de socialização. Seu controle social é forte, pois proíbe claramente os desvios de condutas, punindo aqueles que se afastam dos valores fundamentais defendidos pela sociedade. Dias (2010, p. 261) afirma que:

As religiões influenciam particularmente a família, a educação e o Estado. Embora de uma maneira ou de outra todas as instituições sociais apresentem uma interpelação, a religião é uma das que mais exercem influência sobre as demais. A forma e o comportamento das famílias são em grande parte determinados pela religião a que pertencem. A educação religiosa em muitos países fica a cargo de organizações, e estas mantem inúmeras instituições educacionais nos mais diversos níveis. Muitos países apresentam a religião em íntima integração com o Estado.

É importante salientar que há exceções à regra, ou seja, há religiões que, devido o extremismo, mais prejudicam que beneficiam. Um dos piores usos da religião é como instrumento para justificar a perseguição a outros grupos, como por exemplo, o conflito entre palestinos e judeus, motivado principalmente pela diferença religiosa. As religiões aqui apresentadas e valorizadas são aquelas que promovem a unidade da sociedade para o enfrentamento de seus desafios e não grupos extremistas que promovem desunião e guerras.

Tomé (2013), aponta que vários profissionais que estudam o comportamento humano e suas relações como o meio social, defendem a importância da religiosidade como fator de estabilidade emocional do ser humano, evitando o desencadeamento de atitudes destrutivas, agressivas e intolerantes. A autora afirma ainda que a consciência religiosa contribui comprovadamente, com o reequilibro das personalidades desajustadas, auxiliando na recuperação de vícios, depressões, enfim, confortando nas dores e sofrimentos que todos sentimos. Silva (2013), dispõe que:

É sabido que a sociedade defensora do Estado Laico impõe severas restrições à prática religiosa nas instituições públicas e, de certa forma, dificulta a compreensão da validade e eficácia desse instrumento de reeducação. Essas objeções possuem uma origem histórica, desde o iluminismo, período em que o racionalismo matemático e científico dominou a mente dos mais nobres pensadores, seguida de uma época que exaltou uma filosofia de redução do homem. Nesse aspecto, não havia espaço para a religiosidade humana, que era reservada, aos olhos dos contemporâneos, às pessoas de pouca instrução. Essas restrições à prática religiosa, contudo, não são suficientes para suplantar a importância da religião na vida do homem e de suas relações com o meio em que vive.

Em entrevistas realizadas com os detentos do Presídio Regional de Santa Maria/RS, Tomé (2003), confirma a ideia de que a religião atua como fator de ressocialização de pessoas envolvidas na vida de criminalidade. Inúmeros relatos de detentos que se livraram do álcool, das drogas, da agressividade e hoje possuem um comportamento mais tranquilo e reações mais ponderadas frente às decepções. Dos trinta e nove detentos que afirmaram ter se livrado dos vícios, 17 deram relatos comoventes de como a consciência religiosa foi decisiva na recuperação, apontando uma nova perspectiva de vida, como novos valores e princípios. Outro dado importante é o relativo às penas disciplinares.

Entre os adeptos religiosos a incidência de pena disciplinar é baixíssima, representa 5,42% da amostragem de 129 detentos entrevistados. Já, entre aqueles que não praticam nenhuma religião, a ocorrência de penas disciplinares sobre para 24,80%. Esses dados comprovam a influência benéfica da religião nas atitudes dos detentos frentes aos problemas que se apresentam durante o cumprimento das medidas impostas pela lei. Indicam a transformação do homem ao expressar a sua religiosidade, levando-o à recuperação.

Moraes (2009), pontua que “o Estado brasileiro, embora laico, não é ateu, como comprova o preâmbulo constitucional, e, além disso, a liberdade religiosa trata de um direito subjetivo e não de uma obrigação”, preservando-se dessa maneira a plena liberdade religiosa daqueles que não declaram nenhuma crença. Freitas (2015 online), defende que:

Embora haja tantas objeções à prática religiosa, essas não foram suficientes para superar a sua importância na vida do homem e das suas relações com a sociedade. Observou-se o quanto juristas, cientistas e outros profissionais defendem a importância da religiosidade humana como fator de equilíbrio emocional do homem, evitando, dessa maneira, o estímulo de atitudes destrutivas, hostis e intransigentes. A consciência religiosa certamente tem a capacidade de contribuir para o reequilíbrio das personalidades desajustadas, colaborando na superação do sofrimento sentido pelo ser humano. Assim sendo, é preciso que os profissionais que batalham pela ressocialização desses indivíduos tenham consciência dos benefícios trazidos pela influência positiva da religião no comportamento humano, entendendo que a crença é capaz de mudar para melhor a vida do homem livre ou apenado.

Sendo assim, é importante que os profissionais, as famílias, as instituições que priorizam a ressocialização dos adolescentes envolvidos na criminalidade, estejam conscientes dos benefícios proporcionadas pela religião sobre o comportamento humano. As atividades religiosas em parceria com a aplicação das medidas socioeducativas, possibilitando o ensino religioso, leitura, diálogo e conforto espiritual, contribuirão expressivamente para a evolução moral e cultural desses adolescentes.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As funções do Estado que são elencadas na Constituição Federal de 1988 e no ECA para efetiva ocorrência de ressocialização dos adolescentes que praticaram atos infracionais, embora devessem ser praticadas para evitar, futuramente, um Brasil com um índice assustador de jovens que reingressam ao mundo do crime, acabam sendo ineficazes nesse intuito, e não geram qualquer modificação no caráter desses adolescentes. Ao revés, no mais das vezes, acabam por perpetuar no jovem um estigma de egresso do sistema, que sempre será visto como delinquente.

Tem-se, então, que embora essas normas jurídicas não tragam um capítulo especifico que caracterize a importância da atuação do Estado na ressocialização dos adolescentes em conflito com a lei, há de se falar que os dispositivos legais são claros em demonstrar que o Estado tem o papel de zelar pelo melhor interesse das crianças e dos adolescentes, e prestar a eles o necessário para que tenham uma vida com dignidade.

O Estado acaba priorizando seu papel repressivo, em detrimento de seu papel de protetor, preocupando-se mais com a punição dos adolescentes infratores do que com seu desenvolvimento psicossocial sadio e de acordo com as regras da sociedade.

Há uma clara ineficiência estatal quando o assunto se estende às propostas de mudança de caráter do adolescente ou mesmo de propostas que ofereçam a eles trilharem novos caminhos, quando do cumprimento em sua integralidade das medidas socioeducativas que lhe foram impostas.

Nota-se que embora existam as medidas socioeducativas que tenham por objetivo a reinserção dos adolescentes em conflito com a lei à sociedade, a execução delas mostra-se insuficiente para gerar modificação de comportamentos.

Deve o Estado atentar-se para projetos e métodos que sejam mais eficazes e capazes de proporcionar aos adolescentes em conflito com a lei a oportunidade de uma vida diferente daquela que ele trilhou até que chegasse a ser portador da nomenclatura “adolescente em conflito com a lei”.

É notório que se o Estado cumprisse taxativamente com alguns dos deveres elencados pela CF/88 em seu artigo 227, como por exemplo: educação, saúde, profissionalização, dignidade, entre outros, combinados com uma melhor execução das medidas socioeducativas, o número de adolescentes infratores reincidentes seria reduzido satisfatoriamente.

Frisa-se, ainda, que conforme relata o presente estudo, tem-se a religião como um meio eficaz de proporcionar uma visão diferente de vida, bem como transformação de caráter e comportamento do adolescente em conflito com a lei.

É notório que adolescentes que ingressam em alguma instituição religiosa no período de cumprimento das medidas socioeducativas, veem uma nova possibilidade de recomeço. A religião tem o papel de retirar deles, o rótulo de criminosos, impostos pela sociedade, e revelar a existência da possibilidade desse adolescente se tornar um jovem e um adulto íntegro e idôneo.

A religião jamais será capaz de proporcionar um país sem adolescentes e jovens reincidentes ou mesmo evitar que esse adolescente se torne um criminoso contumaz, mas ela tem se mostrado profícua nos aspectos psicossociais e, em atuação paralela ao Estado, tem sido grande responsável pela existência de adolescentes ou mesmo adultos que passaram a adquirir valores fundamentais à sociedade e princípios que os encaminharam ao caminho oposto ao mundo do crime.

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Publicado por: Hawlison Carlos Santos Goudinho

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