A APLICAÇÃO DA CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO NOS CONTRATOS DOS TRABALHADORES DE NAVIOS DE CRUZEIRO

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1. INTRODUÇÃO

A presente monografia possui o objetivo de tornar minimamente conhecida a categoria dos trabalhadores marítimos, bem como as dificuldades enfrentadas no ramo do direito doméstico e internacional, ou seja, os conflitos entre leis, diante do tratamento do direito hodierno ao assunto, chamando a atenção daqueles que se interessarem.

A insegurança jurídica nos contratos internacionais de trabalho daqueles que laboram em águas brasileiras, decorre também da escassa produção científica brasileira sobre o assunto.

O tema se justifica pela relevância da atividade do turismo náutico na economia brasileira, em face do grande potencial do litoral brasileiro, conjuntamente da quase inexistente legislação jurídica do tema e, não menos importante, o número relevante de brasileiros que prestam serviços a bordo dos navios de cruzeiro.

Já o objetivo específico, é contribuir para a proteção do direito dos trabalhadores marítimos, que prestam serviços, igualmente em aguas jurisdicionais brasileiras, discorrendo sobre o tema e apontando partes de doutrina, legislação e jurisprudência, analisando os principais aspectos jurídicos desta relação.

O primeiro capítulo aborda o avanço do trabalho no ambiente internacional. O segundo trata da classificação dos trabalhadores e a aplicação da legislação brasileira, e o terceiro relaciona os conflitos de leis e a competência brasileira.

Quanto à metodologia aplicada, na fase de recolhimento de dados, foi utilizado o Método Indutivo, compondo uma dissertação na base lógico indutiva.

2. INTERNACIONALIZAÇÃO DO TRABALHO

O trabalho sempre foi fundamental na vida do homem.

Por ser uma das causas que definiriam o seu futuro, teve registrado momentos, desde a antiguidade, por exemplo, no Código de Hamurabi, Bíblia e outros.

2.1. Breve apontamento histórico

Por influência de vários fenômenos, o trabalho humano se desenvolveu e foi objeto de muitas reivindicações, em especial com a Revolução Industrial, na segunda metade do século XIX. Ela visava colocar fim na mão de obra predatória.

O trabalho é o fator essencial da produção. Para tanto, a ciência jurídica buscava e busca regular essa relação, de forma que o direito passou a intervir cada vez mais entre o trabalhador e a indústria, principalmente com o fim da primeira Guerra Mundial e a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

A OIT é o organismo responsável pelo controle e emissão de normas referentes ao trabalho no âmbito internacional, com o objetivo de regulamentar as relações de trabalho por meio de convenções, recomendações e resoluções, que visam proteger as relações entre empregados e empregadores no âmbito internacional.

Na ordem da sociedade capitalista, foi preciso estabelecer equilíbrio entre trabalhadores e empregadores, através de disciplinamento legal, cuja legitimidade se deu através de referida Organização.

Esta realidade deu ensejo ao Direito Ordinário do Trabalho, Moderno Direito do Trabalho ou Direito Industrial do Trabalho e foi a base das sociedades industriais modernas, sofrendo uma substancial modificação a partir do final do século passado.

Com o fim do socialismo e a industrialização, surgiu nova ordem social.

Com isso, os trabalhadores não conseguiam se impor sob a internacionalização das relações de trabalho.

Foi eliminada a capacidade de reação política dos trabalhadores, devido o avanço da globalização.

Posteriormente, com a globalização definitivamente consolidada e com o avanço tecnológico, a diminuição da importância da matéria-prima e da mão- de-obra direta, ampliou as desigualdades sociais, trazendo como resultados o desemprego, a pobreza e a escravidão. Isto porque o Estado passou a agir como garantidor dos interesses econômicos, a fim de superar a desigualdade produtiva, mesmo que isso significasse recuar nas conquistas sociais alcançadas ao longo de muitas décadas.

Nesse processo histórico, o poder estatal dos países menos desenvolvidos, começou a perder forças para a economia de mercado, passando a ser induzido e influenciado pelos organismos internacionais criados pelos países concentradores de riquezas e pelas grandes corporações multinacionais, tornando-se cada vez mais incapaz de satisfazer as necessidades básicas da população.

Os postulantes ao emprego, para suprir a carência estatal, passaram então a buscar formas alternativas de se inserir no mercado de trabalho, as quais, na maioria das vezes, os colocam, em escala global, em ocupações menos qualificadas, isto quando não os empurram para o trabalho em condição análoga a de escravos, levando ao retrocesso.

É o que acontece com muitos trabalhadores brasileiros que ingressam na indústria do cruzeiro marítimo, ao oferecerem a sua mão de obra.

3. CONTRATAÇÃO E CONTRATO DE TRABALHO DOS NÃO TRIPULANTES

O trabalhador não tripulante é aquele que não labora diretamente com operações da embarcação, ou seja, não trabalha em funções que são indispensáveis para a navegação.

3.1. O trabalhador não tripulante

Para melhor compreensão do conceito, importante transcrever o artigo 2º da lei que regulamenta a segurança do tráfego aquaviário, ou seja, a Lei nº 9.537/97:

Para efeitos dessa lei, ficam estabelecidos os seguintes conceitos e definições: (...) XVI – Profissional não tripulante – todo aquele que, sem exercer atribuições diretamente ligadas à operação da embarcação, presta serviços eventuais a bordo.

Para jurisprudência, de acordo com os precedentes dos Tribunais do Trabalho, não são trabalhadores marítimos:

(...) os passageiros (aqueles que, não fazem parte da tripulação e são transportados pela embarcação, bem assim os profissionais não tripulantes aquele que, sem exercer atribuições diretamente ligadas à operação da embarcação, prestam serviços eventuais a bordo.

A regra é que, se forem empregados do armador, são considerados tripulantes do navio, portanto incluídos na crew list, rol de equipagem ou lista da tripulação. Os demais embarcados não são marítimos, mas ficam subordinados ao Comandante do Navio, pela sua condição de autoridade máxima a bordo de uma embarcação, inclusive com poder de polícia.

A mesma Lei e mesmo artigo define também quem é o armador: pessoa física ou jurídica que em seu nome e sob sua responsabilidade, apresta a embarcação com fins comerciais, pondo-a ou não a navegar por sua conta.

O trabalhador não tripulante distingue se do marítimo porque aquele, normalmente exerce atividades relacionadas à hotelaria, cozinha, entretenimento e limpeza, enquanto os tripulantes exercem a capacidade de locomoção e flutuabilidade do navio.

A Consolidação das Leis do Trabalho Brasileira não menciona ou define os trabalhadores não tripulantes. Da mesma forma, o Código Civil Brasileiro trata, apenas, dos trabalhadores marítimos.

3.2. O Contrato de trabalho do trabalhador não tripulante

O contrato de trabalho é o pacto realizado entre empregado e empregador, a fim de ajustar a forma da prestação de serviços.

Temos nos contratos de trabalho: o agente capaz, neste caso, o empregado, maior de dezesseis anos em pleno gozo da capacidade civil, conforme artigo 5º, XXXIII, CF/88 (emenda nº 20, de 15/12/98); objeto lícito, ou seja, trabalho que não envolve atividades em desacordo com a lei.

O contrato em si, pode ser tácito (verbal) ou expresso (escrito), devendo, em qualquer das espécies, ter anotação na Carteira de Trabalho, conforme artigo 29 da Consolidação das Leis do Trabalho Brasileira.

O contrato assinado pelo tripulante é escrito e encontra-se em língua estrangeira (usualmente, inglês).

No contrato de trabalho, a regra é que ocorra por prazo indeterminado.

Há previsão legal de uma exceção, no artigo 443, § 1 da CLT:

Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

Companhias de cruzeiros trabalham nos períodos mais convenientes para o turismo, geralmente, no verão de cada país.

A consequência disso, é que os trabalhadores celebram contrato pelo tempo da sazonalidade, em regra, entre seis ou oito meses.

A impressão é que de este contrato será regido pelas regras do contrato por prazo determinado.

Trata-se de uma falsa impressão afinal, a transitoriedade não está no período do contrato, mas sim, na natureza do serviço.

Para a CLT, a contratação por prazo determinado, apenas terá validade se justificada a sua natureza transitória. Inteligência do artigo 443 § 2º:

(...) quando se tratar de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo para este tipo de contratação.

Eventualmente, se esse contrato fosse considerado por prazo determinado, para ser válido, ele teria que atender uma das hipóteses do parágrafo 2º do artigo 443 da CLT, ou seja:

a) de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b) de atividades empresariais de caráter transitório;

c) de contrato de experiência.

A atividade turística predominante nos navios de cruzeiro não comporta qualquer das hipóteses acima.

Além disso, se ele for prorrogado, tácita ou expressamente, por mais de uma vez, passará a vigorar sem determinação de prazo (artigo 451 da CLT), é o que ocorreria com o não tripulante que embarca pela segunda vez na mesma companhia.

Sem contar que, o contrato de trabalho por prazo determinado, além de necessariamente ser na forma escrita, não poderá ser estipulado por mais de dois anos (Artigo 445 da CLT).

Outro fator é que esta modalidade de contratação não permite hora extra e prevê o limite de 25 horas semanais. Sabe se que a média a bordo é de 12/13 horas diárias de Trabalho, excedendo em muito referida limitação.

Os trabalhadores que adentram neste ramo, ficam dependentes dos salários recebidos pelas companhias, posto que, em terra não atingem o mesmo montante correspondente na moeda nacional.

Ao final de cada período de trabalho à bordo, os não tripulantes retornam para a casa, onde permanecem até surgir outra data de embarque com algum armador. Situação que se prorroga, em alguns casos, por anos, até que o cansaço ou a limitação física ou qualquer outro motivo o impeça de embarcar novamente.

Ocorre que, esse período em que o trabalhador fica em casa, aguardando nova contratação na mesma ou em outra companhia, não é remunerado, justamente por não haver, hoje, regulamentação sobre o assunto.

Ficam demonstradas então, as inconveniências para a caracterização de um contrato por prazo determinado.

É verdade que o contrato do não tripulante possui elementos estrangeiros: é firmado entre nacionais e empresas multinacionais e a prestação de serviços ocorre também em águas jurisdicionais exteriores.

Esses elementos são denominados elementos de conexão, no âmbito do direito internacional, ou seja, o critério utilizado para cada relação jurídica em conflito.

No caso de trabalho, o elemento de conexão, é a execução do trabalho.

Para tanto, a LICC – Lei de Introdução ao Código Civil, DL 4657/42, e o Código de Bustamante, ratificado pelo Brasil e promulgado através do Decreto n. 18871/29, regulamentam sobre o tema em apreço.

Nesse sentido, deveria viger para os não tripulantes, o que se chama Lex Loci Regit Actum”, nos termos do caput do art. 9º da LICC: para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.

Contudo, o Código de Bustamante, no artigo 198, dispõe expressamente que o contrato de trabalho é regido pela lei do local da prestação do serviço, no tocante à matéria de trabalho. Por isso, o que prevalece são as leis do local da prestação e não da constituição do contrato de trabalho.

Alguns doutrinadores entendem que, quanto ao trabalho, trata-se de normas de ordem pública. Essa é uma conclusão derivada do artigo 17 da Lindb:

As leis, atos e sentenças de outro país, bem como quaisquer declarações de vontade, não terão eficácia no Brasil, quando ofenderem a soberania nacional, a ordem pública e os bons costumes.

Partindo desse pressuposto, juristas como Pinho Pedreira, entendem que, por se tratar de matéria de ordem Pública, não há plena liberdade para se impor normas estrangeiras.

Nas palavras do supracitado jurista: A Lei de Introdução há de ser interpretada de modo sistemático, impondo-se a harmonização do art. 9º com o art. 17. O Direito do Trabalho, de que o contrato de trabalho é instituto-chave, se constitui quase totalmente de normas de ordem pública porque informadas por princípios recepcionados pelo direito nacional como indispensáveis à ordem social, e, por isso mesmo, dotadas de imperatividade, da qual decorre a irrenunciabilidade pelos trabalhadores dos direitos que asseguram. A natureza de ordem pública das normas trabalhistas é geralmente reconhecida. 1

Portanto, o pacto realizado entre o trabalhador não tripulante e o armador, se materializa em um contrato de trabalho internacional, sem, contudo, afastar a aplicação da lei brasileira.

3.3. A forma de contratação

Todos os anos, navios de diversas companhias de cruzeiro, as quais possuem como roteiro enorme variação de países, migram para o Brasil, a fim de aproveitar o clima favorável dos verões daqui, fazendo isso com certa sazonalidade, o que se denomina “alta temporada”.

Referidas companhias divulgam nas mídias sociais que oferecem aos seus trabalhadores salários altos, bem como a possibilidade de viajar pelo mundo e conhecer diversas culturas, atraindo o interesse de indivíduos e, principalmente, daqueles de países em desenvolvimento, a fim de que ingressem a bordo dessas embarcações e ofereçam sua mão de obra.

Muitos brasileiros se candidatam para essas vagas e esse número cresce a cada ano. Segundo dados de uma das empresas responsáveis por fazer contratação de mão de obra para navios, a Rosa dos Ventos, cerca de quatro mil brasileiros são contratados por ano para prestar referidos serviços e esse número tende aumentar, também conforme, tabela apresentada pela companhia Cruise Lines Internacional Association (CLIA) à matéria publicada pelo sitio G1, em 03/11/2010 06h51: “Turismo de cruzeiros cresce com 'minirroteiros' e renda maior”.

A Resolução Normativa nº 71/2006, que regulamentou que o percentual de contratação de brasileiros a bordo de embarcações de turismo estrangeira, para 25%, pode ter colaborado para a ampliação desses dados.

Os valores pagos pelo trabalho, na maioria das vezes, são inatingíveis em terras brasileiras, no mesmo ramo de atividade, ou seja, setores de limpeza, hotelaria, cozinha e entretenimento (trabalho para não tripulantes).

Os interessados em fazer parte dessas companhias, devido a dificuldades em comunicar-se em outras línguas, ou qualquer outra limitação, procuram agências dentro do Brasil que fazem a intermediação.

Tais agências profissionalizam essas pessoas para o trabalho a bordo e as enviam para os navios, através de um acordo entre as partes, que, a princípio, será regido sob as leis da bandeira do navio.

Significa que, o trabalhador é selecionado e “treinado” aqui no Brasil, por intermediação de agências parceiras das companhias de cruzeiro e somente depois é contratado no exterior.

A contratação também pode ocorrer através da tratativa direta entre as companhias de cruzeiro e o trabalhador, via meios eletrônicos, o que ocorre com menor frequência.

Portanto, muito embora os navios passem pela temporada brasileira, bem como o treinamento ocorra no Brasil, os trabalhadores embarcam para o trabalho, sempre realizando viagem internacional, corriqueiramente em Roma, Itália.

Aparentemente, é uma prática para tentar burlar a aplicação das Leis Brasileiras. Porém, é inegável, a responsabilidades das agencias intermediadoras, quanto referidas contratações, tanto é que, em seus sítios na internet,   possuem claramente   informações   de    que   são   parceiras    das companhias de cruzeiro.

Por esse motivo, a responsabilidade dessas agências com relação aos direitos trabalhistas dos não tripulantes subsiste.

Foi o entendimento do Tribunal Superior do Ttrabalho:

TRT-2 - RECURSO ORDINÁRIO: RO 00010393020105020445             SP 00010393020105020445:
0001195-
58.2011.5.04.0661 “O autor alegou na exordial (fl. 04) que “(..) foi contratado pela primeira reclamada, através de empresa interposta para capitação de mão de obra, segunda reclamada, para trabalhar em uma das vagas disponíveis em seus navios de cruzeiros marítimos. Previamente selecionado em outubro de 2007 pela segunda reclamada, após a conclusão de inúmeros cursos, obtenção de certificados e visto, e após entrevista pessoal com representante da primeira reclamada no Brasil, o reclamante embarcou em São Paulo com destino à Veneza/ Itália, para embarcar em 07/11/2007, como assistente de garçom, na cidade de Trieste no Navio MSC Armonia (..) O contrato de trabalho foi firmado no Brasil, através da segunda reclamada (empresa interposta), encarregada da seleção e treinamento dos candidatos, com a ciência e anuência da primeira reclamada, que selaram a contratação com a entrevista pessoal do reclamante em território nacional (..)”, postulando o reconhecimento do vínculo empregatício com a primeira reclamada (fl. 22).

4. DO CONFLITO DE JURISDIÇÃO, COMPETÊNCIA E APLICAÇÃO DA LEI BRASILEIRA

Após alcançar o almejado objetivo de trabalhar a bordo, o não tripulante que se depara com eventuais direitos suprimidos durante tais atividades e procura pela Justiça brasileira, traz para o sistema jurídico uma discussão sobre qual a lei deve ser aplicada no caso concreto. É nesse momento que se inicia a busca por respostas para obter seus direitos decorrentes da mão de obra prestada.

4.1. Do conflito de jurisdição e a legislação vigente

Essa situação força os operadores do direito a tratar de um tema ainda pouco discutido no âmbito da legislação brasileira, o qual possui, hoje, poucas normas positivadas sobre o assunto.

Mas, o direito brasileiro, através de suas modificações, principalmente o advento da Emenda Constitucional 45/2004, alcançou muitos avanços.

Para o tema tratado, o grande destaque é o artigo 114 da referida emenda, que tratou de ampliar a competência da justiça do trabalho, para julgar matérias de relação de trabalho.

Antes dela, a justiça do trabalho se limitava a cuidar apenas da relação de emprego, cujo texto original trazia a redação estrita.

Dessa forma, é possível perceber, que os não tripulantes podem se valer da justiça especializada.

A Emenda Constitucional 45 alterou ainda os verbos “conciliar e julgar" para “processar e julgar”, reconhecendo a competência especializada da Justiça do Trabalho Brasileira.

Outro aspecto muito relevante, é que a mesma competência é concorrente nos casos em que a prestação de mão de obra ocorrer parcialmente em território nacional, raciocínio, o Código de Processo Civil Brasileiro, no artigo 88, incisos I, II e III.

Como se sabe, o trabalhador não tripulante labora sob aguas de diversas jurisdições, o que lhe ocasiona conflitos perante a justiça.

Para isso, o artigo 651, caput, da CLT, dispõe um critério determinador da jurisdição, ou seja, é o do local da prestação de serviços.

Por isso, é indiferente a nacionalidade e o domicilio dos trabalhadores não tripulantes e dos armadores.

Alguns juristas brasileiros, também já trabalharam para dirimir conflitos relevantes sobre o caso em tela. Nesse sentido, o Tribunal Superior do Trabalho editou a seguinte Súmula nº 207:

Conflitos de Leis no espaço. Princípio da Lex Loci Execuciones.

O Princípio da “Lex loci executiones”, em linhas gerais, significa que vale a lei do país onde o contrato foi firmado e a prestação de serviços foi realizada.

Contudo, no ano de 2.012, essa súmula foi cancelada no processo RR- 219000-93.2000.5.01.0019, novamente, sendo necessário o estudo de cada caso concreto, a fim de dirimir conflitos.

No tocante aos trabalhadores não tripulantes, é imprescindível salientar que o direito internacional também precisa ser levado em conta.

Uma vez ratificado um tratado internacional pelo Brasil, este deverá ser respeitado.

É uma das regras que vige o tratado internacional, ou seja, como qualquer lei interna, ele possui efeitos e deve ser respeitado.

Nesse sentido: “Efeitos sobre as partes: Desde o momento próprio idealmente, aquele em que coincidam a entrada em vigor no plano internacional e idêntico fenômeno nas ordens jurídicas interiores às partes o tratado, passa a integrar cada uma dessas ordens(...) Sua idoneidade, para tanto, não é menor que a das leis internas, tudo se resumindo em buscar o teor de cada um daqueles, como de cada uma destas, o exato perfil de seus destinatários.” 2

No que tange a prestação de mão de obra em navios, o Brasil assinou tratados, que devem ser observados, como por exemplo, a convenção de Direito Internacional Privado de Havana, mais conhecida como o Código de Bustamante.

Ele foi promulgado no Brasil pelo Decreto nº 18.871/1929. Nos termos do artigo 274, esse tratado reforça que:

A nacionalidade dos navios prova-se peIa patente de navegação e a certidão do registro, e tem a bandeira como sinal distintivo aparente”. E ainda, no artigo 279: “Sujeitam-se também á lei do pavilhão os poderes e obrigações do capitão e a responsabilidade dos proprietários e armadores pelos seus atos.

Da mesma forma, o artigo 281:

As obrigações dos oficiais e gente do mar e a ordem interna do navio subordinam-se á lei do pavilhão.

Portanto, aparentemente, existe um conflito entre a CLT e CPC (direito doméstico) e o direito internacional privado.

Controvérsia essa, que, atualmente, parece estar superada, conforme o seguinte julgado do Tribunal Superior do Trabalho:

NÚMERO ÚNICO PROC: RR - 127/2006- 4460200 A C Ó R D Ã O 8ª TURMA TRABALHO EM NAVIO ESTRANGEIRO – EMPREGAD PRÉ-CONTRATADO NO BRASIL - CONFLITO DE LEIS NO ESPAÇO

LEGISLAÇÃO APLICÁVEL: 1. O princípio do centro de gravidade, ou, como chamado no direito norte-americano, most significant relationship, afirma que as regras de Direito Internacional Privado deixarão de ser aplicadas, excepcionalmente, quando, observadasas circunstâncias do caso, verifica- se que a causa tem uma ligação muito mais forte com outro direito. É o que se denomina válvula de escape, dando maior liberdade ao juiz para decidir que o direito aplicável ao caso concreto. 2. Na hipótese, em se tratando de empregada brasileira, pré-contratada no Brasil, para trabalho parcialmente exercido no Brasil, o princípio do centro de gravidade da relação jurídica atrai a aplicação da legislação brasileira.

Esse julgado refere-se ao Princípio Jurídico do Centro da Gravidade, o qual foi inicialmente desenvolvido como a “Teoria da Sede do Fato”, do famoso jurista alemão Friedrich Carl Von Savigny. Em linhas gerais, trata se de determinar qual a lei aplicável em casos de situação jurídica da pessoa estrangeira, no país onde é domiciliado.

Para Savigny, o que é mais relevante é a sede da relação jurídica, de forma que, a norma fica em segunda posição, com mais destaque aos fatos da vida, do Estado e para a pessoa humana, ao contrário de outras teses, em que o ponto de partida era a objetividade da norma jurídica em si.

Portando, a teoria de Savigny transfere o enfoque da relação jurídica pela prioridade da norma.

Da mesma forma, age o Princípio do Centro da Gravidade, afirmando a ideia de que a norma a ser aplicada deverá ser a que possui maior ligação ao ramo do direito.

Neste caso, conclui-se que, o direito internacional é o mais distante da relação jurídica, devendo prevalecer o direito trabalhista brasileiro.

Sendo assim, a Lei 7.064, de 6 de dezembro de 1982, que dispõe sobre a situação de trabalhadores contratados ou transferidos para prestar serviços no exterior, poderia tranquilamente ser aplicada aos não tripulantes. Isso porque, se trata de Lei Nacional que beneficia o trabalhador.

Sobretudo, poderia preencher algumas lacunas, como por exemplo, com relação à salário e férias.

Ademais, o artigo 21 desta lei obrigaria os armadores a realizar seguro de vida e acidentes pessoais a favor do trabalhador, cobrindo o período a partir do embarque para o exterior, até o retorno ao Brasil, o que parece muito justo e adequado.

Por fim, é preciso salientar que a aplicação desta lei se daria provisória analogicamente aos trabalhadores que de fato são transferidos para trabalho no exterior, até que ocorresse produção de legislação específica aos não tripulantes.

4.2. Da relação existente entre armadores e trabalhadores não tripulantes

Como já mencionado, a contratação de pessoal para trabalhar a bordo de embarcações de cruzeiros, inicia se com agências situadas no Brasil, que promovem treinamentos e possuem parcerias com as empresas internacionais, ou seja, os armadores.

O armador é o contratante dos trabalhadores não tripulantes e enquadra- se no conceito do artigo 2º da CLT, o qual conceitua empregador:

Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços.

Ainda que haja intermediação, é o armador que organiza a atividade para produção de serviços, a fim de gerar lucro; que assume o risco do negócio; que assalaria e dá ordens aos trabalhadores não tripulantes.

Por sua vez, os trabalhadores não tripulantes preenchem todos os requisitos que traz o artigo 3º da CLT, tratando-se, desta forma, de uma relação de emprego, ou seja: exercem atividade laboral remunerada, não eventual e pessoalmente.

Sobre a subordinação, nas palavras dos italianos Santoro-Passarelli (1952, p. 63) e Giuseppe Pera (2000, p. 107), citam o artigo 2.094 do Código Civil italiano, de 1942: “prestador de trabalho subordinado é aquele que se obriga mediante retribuição a colaborar na empresa, prestando o próprio trabalho manual ou intelectual com dependência e sob a direção do empregador”.

Nesta relação também está presente a pessoalidade, ou seja, a tarefa é efetuada por aquela pessoa e não outro em seu lugar, assim não sendo, estaria vigendo novo contrato de trabalho.

Também é certo que esses trabalhadores, todo mês recebem quantia pelo trabalho que realizaram, caracterizando a onerosidade.

Não restando dúvidas sobre a relação jurídica existente entre navios e trabalhadores não tripulantes. Trata-se de relação de emprego e não de trabalho. Deve, portanto, ser submetida à aplicação da Consolidação das Leis do Trabalho Brasileira.

5. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHITAS

As jornadas de trabalho já foram muito extensas para os trabalhadores de todo o mundo.

Na Europa, por exemplo, atingia 12 a 16 horas, em meados de 1.8000.

E na Inglaterra, no mesmo período, atingia doze horas.

Isso sempre foi motivo de reivindicação dos trabalhadores.

Pouco a pouco, os trabalhadores conquistaram reduções nas jornadas de trabalho.

5.1. Horas extras

Hoje, no Brasil, com a Constituição de 1.988, ficou estabelecido, no seu artigo 7 º, inciso XIII:

duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais, facultando a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Verifica-se que, o mesmo artigo e inciso permitem a redução, mas não o aumento de jornada.

No âmbito internacional, a OIT regulamenta, por suas convenções, padrões não muito diferentes do que a previsão no Brasil. Por exemplo, a convenção 1º da OIT, de 1919, artigo 2º, estabelece 8 horas diárias e 48 horas semanais.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, por sua vez, determinou que deve haver limitação razoável das horas de trabalho. Contudo, limitou-se em ser genérica.

Nesse diapasão, hora extra seria tudo que excede horário contratual, legal ou normativo e deverá ser computado e remunerado.

A Constituição Federal do Brasil, no artigo 7º, inciso XVI, previu que, o adicional de hora extra, deve ser de, pelo menos, 50%. Nada impede que seja convencionado percentual maior.

O trabalhador não tripulante trabalha, em média, 13 horas diária, excedendo em muito a jornada legal.

A Consolidação das Leis do Trabalho Brasileira comporta exceções com relação à jornada de trabalho, que estão previstas no seu artigo 62.

Graças ao entendimento de alguns juristas da justiça do trabalho e a conquista da aplicação da CLT aos trabalhadores não tripulantes, por força do Princípio do Centro Gravitacional Benéfico, podemos dizer que as horas extras são devidas, no que exceder a jornada legal brasileira, em pelo menos 50%, conforme a Constituição, para esses trabalhadores.

5.2. Adicional Noturno

O trabalho noturno é aquele executado no período da noite. Ele varia em diversos lugares do mundo, dentre 22 e 06 horas.

A Convenção 171 da OIT trata do trabalho noturno, sendo que, no Brasil, foi regulamentado pela promulgação do decreto nº 5.005, de 08/03/2004.

Aqui, considera-se trabalho noturno o período de 22 horas de um dia até 05 horas do outro (artigo 73, § 2º da CLT), com exceção dos rurais e advogados.

O fato gerador do adicional noturno, é o trabalho noturno, por isso, cessando este, aquele não é devido.

A bordo, as atividades não cessam, os hospedes estão em movimento durante 24 horas, em especial, bares, restaurantes, cassinos e room-service..

Uma vez submetidos a prestação de serviços em horário compreendido noturno pela CLT, o adicional é devido.

É o que entendeu a justiça do trabalho, na decisão, proferida nos autos número 18296-2012-008-09-00-9:

(...)     HORAS     EXTRAS     E     ADICIONAL NOTURNO     A    sentença    assim    decidiu: "JORNADA DE TRABALHO Sustenta a parte autora que trabalhava em sobrejornada sem a devida contraprestação. O que foi negado pela ré. Trouxe o empregador, os controles de jornada (fls. 185 e seguintes dos autos), cujo teor não foi, de forma específica impugnado, sequer havendo prova que pudesse afastar sua veracidade (observando que a testemunha PAULO não trabalhou diretamente com a reclamante - ressalto que a informação apresentada foi apenas por "ouvir falar", o que é não é suficiente a cognição dos fatos - item 4). Desta feita, reputo válidos os cartões exibidos, que indicam em quais horas do dia e da noite houve o labor. Na medida em que a reclamante relata uma única jornada para os dois contratos (peça inicial), entendo que no primeiro contrato a jornada era realizada na mesma média e forma do segundo. Os controles indicam o labor em horas extraordinárias sem a devida remuneração. Diante disso, e considerando os limites da pretensão, defiro como extras as horas excedentes à oitava diária e quadragésima quarta semanal (sem acúmulo), observados os seguintes parâmetros: Horário dos cartões ponto, observada a média para o período em que ausente controle (incluindo o feriado de 25.12.2009 e os de 2010 declinados na inicial, quando ausente o recibo - diante da presunção decorrente da obrigação da ré em exibir todos os controles); Deve ser observada apenas as horas laboradas, diante do limite da inicial. A evolução salarial da parte autora; O divisor 220; Adicional legal (50%, e 100% em domingos e feriados não compensados); Observar a redução da hora noturna (diante do limite da inicial das 22h às 5h); Da mesma forma, acima, afasto abatimento, eis que não reconhecidos os recibos. Por habituais, defiro os reflexos em descansos semanais remunerados (salvo quando as horas extras forem decorrentes de labor realizados nesses dias, o que faço mudando entendimento anterior, para afastar o duplo pagamento e o enriquecimento indevido) e com estes em férias com o terço legal, décimo terceiro salário e aviso prévio. Defiro o adicional noturno (percentual 20%), considerando o trabalho após às 22h até às 5h (observado o limite da inicial). Deve ser observada a redução da hora noturna, integrando a remuneração, também com os mesmos adicionais, reflexos e parâmetros conforme as horas extras. Acolho nestes termos. " Recorre a segunda reclamada insistindo na aplicação do Acordo Coletivo firmado sob a legislação portuguesa, requerendo exclusão da condenação, ou sucessivamente, seja observado o valor da hora constante do ACT português, sejam considerados os valores salariais pagos à autora, e compensação das 90 horas extras mensais pagas ao longo do contrato (fls. 292/293). Analisa-se. Resta superada discussão acerca da legislação aplicável, consoante se viu nos tópicos anteriores, assim, não há que se falar em reforma quanto ao deferimento de horas extras. No que tange ao abatimento das horas extras quitadas de maneira fixa (pré-contratação), consoante se viu no tópico anterior, da análise dos recibos dos autos não é possível concluir que tenham sido pagas 90 horas extras por mês à reclamante, não havendo que se falar em abatimento. Mantenho.(...).

6. CONCLUSÃO

Tendo em vista todo o exposto e que a controvérsia maior recai sobre a condição do trabalhador não tripulante, perante as legislações doméstica e internacional, conclui-se que eles podem sim ser considerados empregados dos armadores, estando protegidos pelas Leis Brasileiras, em especial a Consolidação das Leis do Trabalho.

Muito embora a relação de emprego existente seja nítida, é preciso que o Brasil, através da positivação de normas, sane os conflitos de leis e jurisdições existentes.

Enquanto isso, as leis que existem poderiam, na medida do possível, ser utilizadas, por analogia para beneficiar esses trabalhadores, como por exemplo, a Lei 7.068/82, mencionada no Capítulo III.

Da mesma forma, as convenções da Organização Internacional do Trabalho e quaisquer outros tratados internacionais, devem ser levados em conta e são igualmente importantes para a solução de conflitos, desde que estejam bem definidos quanto à sua vigência no país.

Sobretudo, não se pode ignorar os princípios que regem as relações de emprego, com destaque para o Princípio do Centro Gravitacional, o qual, neste caso, abriu as portas para a concretização dos direitos dos não-tripulantes.

Finalmente, alguns juristas já têm demonstrado a diretriz para as decisões sobre o tema, de forma justa, contudo, ele pode ser revestido de segurança jurídica por ação do legislativo.

7. REFERÊNCIAS

DE OLIVEIRA MAZZUOLI, Valério, Curso De Direito Internacional Público, 8ª edição revista, atualizada e ampliada, Thomson Reuters.

PINTO MARTINS, Sergio, Direito Do Trabalho, 30ª Edição, atualizada até 17- 12-2013. Editora Atlas S.A 2014

REZEK, Francisco, Direito Internacional Publico Curso Complementar, 15ª Edição revista e atualizada 2014, 3ª triagem 2015, Editora Saraiva.

Sítios Consultados:

http://jus.com.br/artigos/7714/direitointernacionalprivado#ixzz3bkHnXa5E – Acessado dia 30 de maio as 16h21min.

http://jus.com.br/artigos/17091/trabalho-maritimo-a-luz-do-direito-do trabalho - Acessado em 01/06/2015 as 1836min.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9537.htm referencia da lei que define trabalhador não tripulante - Acessado em 01-01-2015 as 1856

http://www3.tst.jus.br/jurisprudencia/Sumulas_com_indice/Sumulas_Ind_201_ 250.html#SUM-207 - Acessado em 05 de junho de 2015 as 0941min

http://jus.com.br/artigos/36191/a-aplicacao-do-direito-do-trabalhobrasileiro- aos-tripulantes-de-navios-turisticos-contrato-internacionalou- clt#ixzz3buy2qG6f - Acessado em 02/06/2015 as 12h11min

http://www.trt9.jus.br/apej/artigos_doutrina_jadn_03.asp - Acessado no dia 03 de outubro às 15h51

http://www.oabsantos.org.br/arquivos/download/2011_10_10_12_24_27_1082 0.pdf - Acessado em 15/06/2015 as 23h00min.

http://www.espacoacademico.com.br/053/53liv_savigny.htm - Acessado em 15 de junho de 2015 as 00h05min.

http://g1.globo.com/economia-e-negocios/noticia/2010/11/turismo-de- cruzeiros-cresce-com-mini-roteiros-e-renda-maior.html acessado em 28 de junho de 2015 as 12hrs 16 min.


Publicado por: adeline sevilha guarnieri

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