A presença da mulher no telejornalismo esportivo brasileiro

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O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1. RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo apresentar a dificuldade que as mulheres enfrentam ao ingressar no jornalismo esportivo, mais especificamente na televisão. O artigo visa também fomentar a discussão sobre as condições de trabalho das mulheres na cobertura esportiva, almejando um aumento de consciência da necessidade de melhoria das mesmas. Para tal, foi feita pesquisa bibliográfica sobre o tema, além de observação metodológica de programas esportivos e entrevistas com mulheres que trabalham em canais esportivos. Ao fim do trabalho, podemos concluir que a discriminação de gênero coloca as mulheres em situações inaceitáveis no ambiente de trabalho.

Palavras-chave: Jornalismo esportivo, mulher, televisão, machismo, padrão de beleza, representatividade.

2. INTRODUÇÃO

Além dos obstáculos inerentes à construção bem-sucedida de qualquer carreira, existe o preconceito e o assédio que muitas mulheres enfrentam apenas por serem do sexo feminino. Essa realidade é claramente acentuada quando se trata do mundo esportivo. O futebol, esporte que ocupa a maior parte do espaço na imprensa brasileira, é um meio ainda muito dominado pelos homens, e a sua cobertura pela mídia não é diferente.

Historicamente, a quantidade de mulheres nas redações e programas esportivos é muito pequena em relação à de homens. E a proporção diminui à medida que analisamos as características das funções de cada profissional dentro dos veículos. Hoje, a maioria das jornalistas ocupa o cargo de repórter em seus canais; pouquíssimas são comentaristas ou integram mesas-redondas. A maioria esmagadora dos programas analíticos do futebol tem apenas homens como integrantes. Quando muito, há uma mulher na apresentação, apenas fazendo as perguntas para os comentaristas darem sua opinião. Na narração, a presença feminina é ainda mais reduzida, praticamente nula.

As mulheres que querem seguir carreira no jornalismo esportivo precisam enfrentar o preconceito tanto de dentro dos veículos quanto por parte do público. Muitos homens não veem com bons olhos a presença feminina na cobertura esportiva, por acharem que mulheres não entendem do assunto, ou por simplesmente não quererem que esse meio, sempre dominado pelos homens, perca essa característica.

Em relação ao público, as jornalistas muitas vezes convivem com xingamentos e assédio por parte dos torcedores nos estádios, nas ruas, e de internautas nas redes sociais. Já com os colegas de trabalho o preconceito é velado, podendo acontecer boicotes ao seu trabalho no veículo. Além disso, as jornalistas estão a mercê de assédio dos próprios entrevistados, sejam eles jogadores, técnicos ou dirigentes, seja no rádio, tv, internet ou impresso, seja ao vivo ou gravado.

Além dessa discriminação, outros pontos importantes a serem levantados sobre a presença da mulher no jornalismo esportivo são o padrão de beleza, a questão da representatividade e a influência da cultura do patriarcado na construção dessa realidade. Através da discussão desses pontos, o artigo busca cumprir o objetivo de ilustrar as dificuldades enfrentadas pelas mulheres que ingressam no jornalismo esportivo televisivo, visando a conscientização de que transformações de mentalidade são necessárias neste meio.

Meu interesse1 em produzir um artigo sobre esse tema parte da minha intensa relação com o mesmo. Acompanho futebol desde criança e presencio constantemente a discriminação contra as mulheres nos estádios, na mídia e nas redes sociais. As inúmeras demonstrações de machismo poderiam nos levar ao desânimo, mas, pelo contrário, acabam nos dando mais provas de que é preciso continuar lutando para vislumbrarmos um futuro melhor. O amor pelo futebol e pelo jornalismo esportivo desperta em mim o desejo de transformar essa realidade. Tenho o objetivo de trabalhar nessa área e, enquanto essa oportunidade não chega, a elaboração desse artigo se torna minha primeira grande contribuição para essa luta.

3. METODOLOGIA

Foi feito o acompanhamento, por uma semana, de 5 a 9 de março de 2018, de dois programas esportivos de debate, nos canais fechados SporTV e ESPN Brasil, para analisar a participação feminina nos dois programas em termos quantitativos e qualitativos.

A própria dificuldade de encontrar atrações que contassem com a participação feminina como comentaristas reflete a realidade abordada nesse artigo. Foram escolhidos dois programas que eventualmente contam com mulheres no seu time de comentaristas. Na ESPN, o programa analisado foi o Bate Bola na Veia, que vai ao ar de segunda a sexta, às 18 horas. Na segunda, terça, quarta e sexta não houve presença feminina. Na quinta, houve a participação rápida de uma mulher. Tratava-se de Luciana Mariano, que foi a primeira mulher a narrar um jogo pela TV, quando venceu um concurso da Rede Bandeirantes, em 1997. Ela foi convidada pela ESPN para narrar um jogo da Liga Europa no dia 8 de março, dia da mulher. Após o jogo, ela teve essa rápida participação no BB na Veia, contando como foi a experiência. É sintomático que apenas em uma “data comemorativa” tenhamos a oportunidade de ver uma mulher sendo protagonista de uma transmissão esportiva.

No SporTV, o programa analisado foi o Seleção SporTV, que é veiculado de segunda a sexta, às 12h45. Na segunda-feira, houve a participação da jornalista Ana Thaís Matos. Em companhia de Luís Roberto e Juninho Pernambucano na bancada, com apresentação de André Rizek, Ana Thaís deu sua opinião nos assuntos tratados no programa e teve respeitados seus momentos de fala, sem interrupções dos colegas. Em determinado momento, ela foi aplaudida após emitir uma opinião sobre a relação entre a luta das minorias e o esporte. André Rizek a chamava de “Aninha”, o que, a meu ver, não condiz com o tratamento que deve existir entre profissionais num programa perante as câmeras. Não me recordo de outro profissional que tenha sido chamado com apelido no diminutivo pelos colegas, a não ser, claro, quando é conhecido assim, como no caso de Juninho Pernambucano. Esse não é o caso de Ana Thaís, que nas transmissões da Rádio Globo sempre é chamada pelo nome composto. Nos outros dias da semana, não houve participação feminina.

Assim, nos dois programas de debate analisados, apenas uma dentre dez edições (cinco de cada canal ao longo da semana) contou com uma mulher participando como comentarista. Esses programas foram os escolhidos por serem os citados quando se pergunta sobre a existência de mulheres em programas de debate na televisão brasileira. É sabido que, vez ou outra, haverá uma mulher nesses programas. Como vimos, no caso da semana analisada, a participação foi bem pequena. Nos outros programas de debate, como o Linha de Passe, da ESPN, o Troca de Passes, do SporTV, e todos dos canais Fox Sports e Esporte Interativo, não existem, em nenhum momento, mulheres comentaristas.

Para conhecer a visão de quem vive essa realidade todos os dias, foi elaborado um questionário a ser respondido por algumas jornalistas que trabalham nesses canais, com as seguintes perguntas:

1. Você já sofreu discriminação ou assédio por parte de torcedores, jogadores ou colegas de imprensa? Como foi?

2. Você acompanha comentários nos portais e redes sociais? Fica abalada por comentários machistas?

3. Já pensou em desistir ou conhece alguma mulher que desistiu do jornalismo esportivo por causa disso?

4. Você sente que precisa fazer mais que os homens, que precisa estar sempre provando sua capacidade de trabalhar com esporte, principalmente o futebol?

5. Você já deixou de fazer algum comentário mais elaborado ou que discordasse dos colegas do programa por receio do pensamento machista da audiência?

6. Hoje existem muitas mulheres apresentadoras e repórteres, mas poucas comentaristas. O que acha que falta para a mulher ocupar esse espaço?

7. Você acha que existe um padrão de beleza seguido na contratação de mulheres para o jornalismo esportivo na tv, que não ocorre com os homens?

As jornalistas Ana Thaís Matos, comentarista do SporTV, e Karine Alves, apresentadora da Fox Sports, enviaram suas respostas, que foram usadas também como referencial ao longo deste trabalho.

Também faria parte da pesquisa de campo quantificar a presença das mulheres nos canais especializados em esportes do Brasil. Porém, é bastante difícil determinar exatamente quantas mulheres trabalham em cada canal. Nas páginas oficiais das empresas, não há uma apresentação da equipe, e, numa pesquisa geral pela internet, encontrei algumas listas, mas não são totalmente confiáveis. A tentativa de contato com os canais também não foi muito produtiva. Alguns não responderam, e outros não dispunham dos números exatos.

Assim, foram coletados dados aproximados das equipes de jornalistas que trabalham nos canais SporTV, ESPN, Fox Sports e Esporte Interativo, nas funções de apresentadora, comentarista e repórter. Para efeitos de análise, considerei apenas os programas e transmissões que abordam o futebol masculino, que é o esporte que tem maior destaque em todos os canais analisados.

Após a coleta de dados, foi feito um cálculo, também aproximado, da porcentagem dessas mulheres em seus canais e respectivas funções. Na ESPN, apenas cerca de 9% dos jornalistas são mulheres. Na Fox Sports, o percentual sobe para 17% e, no Esporte Interativo, para 19%. O SporTV tem a maior quantidade proporcional, 25%. Ao todo, somando-se os quatro canais, as mulheres representam apenas 19% do total aproximado de profissionais.

No SporTV, existem três comentaristas, Ana Thais Matos, Mayra Siqueira e Camila Carelli, que ocasionalmente participam dos programas Seleção SporTV e Redação SporTV. Na ESPN, Juliana Cabral aparece raramente - como pudemos observar - na bancada do Bate Bola na Veia. Vale lembrar que Juliana é uma ex-jogadora de futebol, não possui formação como jornalista. Na Fox Sports, aparece a única mulher participante de transmissões de jogos, a ex-árbitra Nadine Bastos.

Se, por um lado, o Esporte Interativo ocupa o segundo lugar em participação quantitativa de mulheres por canal, por outro ele tem o destaque negativo de não ter nenhuma mulher como comentarista. Vale lembrar que o canal teve uma mulher comentando jogos entre 2013 e 2016, Clara Albuquerque, mas em 2017 ela foi transferida para a Itália para atuar como correspondente do canal em Turim. Não houve, contudo, reposição, e o canal, que era o único a ter uma mulher comentando o jogo em transmissões de futebol masculino, hoje aparece zerado nesse quesito.

4. REFERENCIAL TEÓRICO

A análise aponta que o cargo de repórter é o que aparece com mais equilíbrio entre os gêneros. Cerca de um terço dos repórteres dos quatro canais juntos são mulheres. Chama a atenção, também, a disparidade entre mulheres e homens que desempenham o cargo de comentarista. São mais de cem homens dando sua opinião em transmissões e debates, e apenas cinco mulheres. Dessas, uma é comentarista de arbitragem, por ser ex-árbitra. Assim, apenas quatro mulheres encontram lugar nos canais esportivos brasileiros para dar sua opinião sobre o futebol masculino, e isso apenas ocasionalmente.

Righi (2006) analisou essa restrição nas atividades das mulheres nesse meio, no qual pouquíssimas têm a chance de comentar e opinar, ficando a maioria restrita em um determinado local de fala:

Da mesma forma que os meios de comunicação não noticiam os eventos esportivos femininos, raramente abrem espaços para as mulheres comentarem, descreverem ou narrarem assuntos relacionados ao esporte. [...] o papel das mulheres ainda está restrito em alguns programas televisivos ao domínio masculino. Elas podem apresentar programas, fazer algumas matérias sobre determinados esportes, mas dificilmente encontram espaços para comentar, opinar e falar o que acham certo no esporte brasileiro ou narrar eventos esportivos (RIGHI, 2006, p.29).

Esse estabelecimento de locais limitados para mulheres nos programas esportivos ajuda a reforçar estereótipos e pensamentos já existentes na sociedade. É uma ratificação da ideia de que mulher e esporte são coisas distantes, separadas, que não combinam ou não dão certo juntas.

Podemos fazer um paralelo com a expressão cunhada pelo teórico da comunicação Marshall McLuhan, “o meio é a mensagem”. O meio, no caso presente, é o programa esportivo televisivo, no qual homens são os comentaristas, emitem suas opiniões, e mulheres, se não ausentes, ali estão apenas como apresentadoras, condutoras da conversa ou, menos ainda, como leitoras de comentários da audiência, como era mais comum há alguns anos. A mensagem não pode ser outra: o local da mulher no jornalismo esportivo é limitado, definido, roteirizado e não analítico. Righi também aponta essa ideia:

A forma que a mulher é representada no jornalismo esportivo televisivo acaba transmitindo significados e valores para o telespectador. No momento que as jornalistas não compõem a mesa de discussão esportiva ou possuem poucas matérias exibidas na programação, elas são posicionadas como se estivessem distantes do jornalismo (RIGHI, 2006, p.51).

A assimilação dessa mensagem pelo público, assentada em uma tendência de pensamento culturalmente machista, valida o posicionamento contrário à presença feminina na cobertura esportiva por parte desse público. Muitos homens encontram respaldo nesses programas e transmissões para a sua convicção de que as mulheres não fazem parte desse meio. Veem a presença delas ali com estranhamento, como uma invasão, uma entrada forçada e indevida em um espaço que não lhes pertence. Esse pensamento se materializa na forma de comentários maldosos, assédio, agressões verbais e até físicas.

É muito fácil perceber a maneira como o machismo atua quando se compararam as críticas dirigidas a homens e a mulheres. Quando um homem fala algo que desagrada, o mais comum é vermos comentários acusando-o de torcer para certo time, e não costuma passar disso. Já se uma mulher falar algo de que o telespectador não gosta, ela sofrerá injúrias sexistas, desde “mulher não entende de futebol” até ofensas bem pesadas, com teor sexual, inclusive em tom de ameaça. Após analisar comentários em sites e blogs, Stahlberg mostra esse tratamento dado às mulheres que falam sobre futebol:

Dentre as diversas reações, na maioria desfavoráveis à participação de mulheres em programas esportivos ou comentando futebol de uma maneira geral, o que me chamou mais a atenção foi a quantidade de pessoas que buscavam "legitimar" seus argumentos com palavras de baixo calão, tratando da mulher como meros objetos e com a função exclusiva de dar prazer aos homens e/ou cuidar da casa, interessadas apenas em dinheiro e, mais que isso, afirmando que deveriam conformar-se com sua posição pois, como afirmou um dos comentadores, "quem mandou nascer com o equipamento errado", o que não é de maneira nenhuma diferente do tratamento dado, por exemplo, às torcedoras ou outras mulheres que de alguma maneira imponham seu conhecimento e paixão pelo futebol de maneira aberta (STAHLBERG, 2011, p.96).

O preconceito também faz com que a palavra da mulher seja muito mais contestada, tratada com desconfiança e, quando equivocada, sofra uma reprovação muito maior do que se um homem tivesse dito o mesmo. A autora também comparou as reações de pesos diferentes para comentários e atitudes que venham a desagradar algum telespectador.

[...] me parece que os erros cometidos por profissionais homens são muito mais "justificáveis" do que os erros cometidos por mulheres em situações semelhantes. Se um homem acusa sem provas, é polêmico, mas se uma mulher comete uma gafe, o faz por que é mulher. Isso serve para ressaltar como, não importa a maneira, o olhar feminino é sempre muito mais sujeito a provações e reafirmações de sua legitimidade por conta simplesmente de ser mulher (STAHLBERG, 2011, p.100).

5. DISCRIMINAÇÃO NA VISÃO DAS JORNALISTAS

A jornalista Ana Thais Matos atesta a realidade desse ambiente discriminatório na cobertura esportiva, que exige que a mulher precise sempre provar sua capacidade de trabalhar nesse meio. Apesar disso, ela acredita em uma mudança nesse cenário para as próximas gerações, ao observar o comportamento de alguns colegas.

Realmente isso eu percebo o tempo inteiro, [...] a gente precisa acertar dez coisas para provar que a gente sabe, e os homens podem errar dez porque eles terão mais dez chances e dificilmente serão questionados em relação a isso, então eu penso que a gente tem que fazer muito mais do que os homens para conseguir provar que a gente é boa no que faz ou que tem, pelo menos, competência. Mas eu acho que é uma geração de transição, que as outras gerações à frente da minha encontrarão cenário um pouco melhor, homens da minha geração e mais antigos estão se descontruindo um pouco do discurso machista, e isso é uma coisa que tem melhorado muito pelo que eu tenho visto (MATOS2, 2018).

Nos últimos anos, com o boom das redes sociais, a possibilidade de interação direta entre público e jornalistas ficou muito maior, o que acentuou a ocorrência de ataques verbais contra jornalistas. Em sites como Facebook e Twitter, é comum encontrarmos respostas ofensivas nos posts de repórteres mulheres que trabalham em canais esportivos. Matos conta como lida com esses comentários:

Já fiquei muito abalada, há um, dois anos atrás, eu ficava muito abalada, a ponto de não conseguir dormir, vendo comentários machistas direcionados a mim em redes sociais. Aí, de um ano, um ano e meio pra cá, eu comecei a absorver melhor – absorver, não, que a gente nunca absorve, é sempre chocante, mas eu parei de procurar. Então, quando eu dou alguma opinião que eu sei que vai repercutir, principalmente instigar pessoas mais reacionárias, eu dou um jeito de não ter contato mais com aquela opinião, eu dou a opinião, jogo no ar e não olho mais os comentários; isso foi uma coisa que eu usei no último ano para controlar um pouco da minha ansiedade, mas eu sei que acontece, quando eu participo dos programas de TV, por exemplo, às vezes eu dou uma olhada nas tags do programa pra ver o que o pessoal está comentando, e realmente ainda fico chocada com o nível dos comentários machistas que existem, e também pela falta de educação das pessoas. Por exemplo, as pessoas me chamam, ou chamam qualquer mulher, de “essa mulher”, mas muito dificilmente chamam de “esse homem”, sempre o homem elas chamam pelo nome, como se ser mulher fosse algo inferior, então isso é uma coisa que também me chama bastante atenção (Idem3).(MATOS, 2018)

A jornalista Karine Alves também se depara com comentários machistas na internet, mas tem uma visão otimista sobre o futuro desse tipo de comportamento.

A crueldade de “haters” que postam opiniões machistas não me surpreende... nós mulheres - e eles - já conhecemos esse discurso tão envelhecido... só que, com o passar dos dias, esse discurso está perdendo a força. Apesar do teclado do computador “aceitar tudo”, as mulheres estão se posicionando e mostrando que chegaram onde estão por competência - no caso do mercado de trabalho - por vontade e paixão - no caso dos estádios. (ALVES4, 2018).

Fora do ambiente virtual, o assédio também é parte comum da vida de jornalistas esportivas. Quando se entra no ramo, já se sabe que isso vai acontecer, mais cedo ou mais tarde, seja por parte de torcedores, jogadores, dirigentes, ou colegas de imprensa. A jornalista Juliana Lisboa contou, em coluna no site Dibradoras, como isso se acentua quando a mulher trabalha na TV:

Mas o assédio na televisão é outro nível. E em duas semanas como repórter de TV, além da experiência maravilhosa de trabalhar com imagem no esporte, que vem me realizando muito como profissional, me vi em situações extremamente constrangedoras. Gente que nunca me viu me parando na rua para falar do meu corpo. Torcedores se achando no direito de pedir beijo durante o jogo. Piadinhas insolentes. Isso quando não é o próprio entrevistado que resolve fazer “um elogio” (LISBOA, 2018).

E a discriminação também parte de dentro da redação, dos colegas de trabalho. Matos (2018) conta que é muito comum os colegas “torcerem o nariz” para seus comentários, e que a maioria dos homens adota a mesma prática: discordar num primeiro momento e, depois, reconstruir exatamente a mesma ideia que foi falada pela mulher de uma outra forma. Ela defende que o posicionamento imediato é o ideal para lidar com essa situação.

Eu, por exemplo, me posiciono na hora, não guardo para depois, não falo em off... já falo na hora para deixar a pessoa constrangida mesmo, para ela entender que aquilo não foi legal, e que foi uma forma de me discriminar por eu ser mulher (MATOS5, 2018).

Alves (2018) também acredita no poder do posicionamento das mulheres frente à discriminação, tanto para com colegas de imprensa quanto torcedores e jogadores.

Seria uma hipocrisia dizer que nunca vi ou vivenciei algo nesse sentido. A mulher que trabalha ou frequenta qualquer meio visto como “masculino”, infelizmente, ainda se depara com esse tipo de situação. Mas com o número de mulheres interessadas e presentes aumentando a cada dia nos estádios e na imprensa, essa questão ganha mais atenção e reflexão. Infelizmente ainda vivemos uma fase de transição, um momento em que a aceitação da mulher neste meio ainda é discutida. Para evitar o assédio - moral ou sexual - é preciso que os homens - e mulheres também - tenham o quanto antes a consciência do que isso significa. A sociedade vem se posicionando sobre o tema, o que ajuda na afirmação de que lugar de mulher é onde ela quiser. (ALVES6, 2018).

6. PADRÃO DE BELEZA

Um ponto que também é importante levantar é o padrão de beleza que se observa nas mulheres que trabalham com esporte na TV, do qual se pode tirar algumas conclusões. A maioria tem a aparência física condizente com o padrão de beleza ainda vigente na sociedade brasileira: brancas, magras, loiras, jovens. Isso é facilmente perceptível ao observarmos os canais SporTV, ESPN, Fox Sports e Esporte Interativo. No canal da Globosat a maioria é loira. Em cada canal há apenas uma negra. Não há nenhuma gorda ou mais velha em nenhum dos canais, diferentemente do que acontece com os homens.

Não faz sentido imaginar que foi uma grande coincidência todas essas mulheres consideradas bonitas conseguirem um lugar nesses canais. Seria muita ingenuidade acreditar que essa beleza não tenha sido considerada pelos diretores na hora da contratação dessas jornalistas. O que obviamente é muito condenável, pois a aparência física não deveria jamais ser critério de aprovação ou reprovação para uma vaga de emprego.

Oliveira e Oliveira (2017) acreditam que os canais contratam mulheres dentro desse padrão visando um resultado positivo na audiência.

E é justamente a busca pela audiência que leva as emissoras a reproduzirem essa imposição estética entre os seus funcionários, ou melhor, funcionárias. A televisão, por ser um veículo que necessita da imagem, faz grande uso do que é chamado de “visualmente belo”. E isso inclui os seus profissionais que estão diante das câmeras. O que se observa, no entanto, é que as exigências não são as mesmas para homens e mulheres. Na televisão, não é difícil encontrar homens acima do peso, carecas, de cabelo branco, algo muito mais raro quando se trata de mulheres. (OLIVEIRA, A; OLIVEIRA, N, 2017, p. 13).

Alves (2018) também acredita que as mulheres são mais exigidas que os homens quanto ao zelo estético, porém ela não vê um padrão sendo seguido de forma rígida, e entende que a diversidade tem ganhado espaço na televisão. Já Matos (2018) vê uma clara diferenciação de exigências para homens e mulheres em relação à aparência, e compara essa realidade com o jornalismo esportivo da TV americana.

O jornalismo esportivo e a televisão permitem que um homem seja gordo, barrigudo, careca e velho, mas ela não permite uma mulher acima de 40 anos [...] infelizmente no Brasil nós não temos uma Doris Burke, que é uma repórter icônica da ESPN americana, hoje comentarista de NBA; também não temos uma Rachel Nichols, também uma repórter de NBA, que já são mulheres acima de 40 anos e que se posicionam com tudo, em relação a comentários de jogo, do esporte, da vida política, e tem aceitação. O Brasil não tem, são raras as mulheres acima de 40 anos na frente da televisão, no esporte então, muito menos. (MATOS7, 2018).

Outro problema decorrente dessa cultura de supervalorização da beleza é que ela faz com que parte da audiência dos programas só foque na aparência da mulher, fazendo com que seu desempenho como jornalista fique em segundo plano. Além disso, não é incomum que muitos vejam a beleza como causa de a mulher estar ocupando aquele espaço, supondo que os diretores do canal a tenham colocado lá para atrair, agradar ou prender a audiência masculina, e não por sua capacidade de realizar o trabalho. Como destaca Baggio,

muitas jornalistas que estão frente às câmeras ganham destaque pelo seu conhecimento, sua aparência física, beleza e seu carisma, principalmente no jornalismo esportivo. Pelo fato de possuírem tais atributos, estereótipos negativos são relacionados a elas. Preconceitos pelo fato de ser mulher, entender de esporte e ser bonita fazem com que os seus conhecimentos e opiniões passem despercebidos, e a aparência vire uma armadilha para as mesmas, como efeito de muitos ainda acreditarem que a presença da mulher no telejornalismo esportivo seja uma estratégia de marketing estético. (BAGGIO, 2012, p. 38).

A mulher é analisada não apenas pelo seu conhecimento, mas pela sua aparência, pelo modo que se comporta diante das câmeras, como se veste, etc. Todo seu esforço, anos de estudo, dedicação ao conhecimento do esporte, empenho para obter uma vaga são diminuídos perante esse público, que põe a beleza no centro das atenções, em detrimento de todo o resto.

7. REPRESENTATIVIDADE

É necessário levantar também a questão da representatividade e sua importância. Segundo Santos (apud Baggio, 2012), as representações sociais exercem um papel de construção de sentidos e estabelecimento de relações, e por isso detêm “um poder inquestionável no mundo social”. Elas se inserem no contexto social como significados formados culturalmente, nos eventos do cotidiano e nas diversas formas de relação social, dentre elas a atuação da mídia dentro da sociedade.

Os meios de comunicação, principalmente a televisão, têm papel de muita influência na sociedade brasileira, na medida em que ajudam a estabelecer e/ou perpetuar padrões de comportamento. A representação da mulher na cobertura esportiva, seja ela como ausente (porque a própria ausência do feminino na imagem já constrói um significado) ou limitada a certo espaço dentro da dinâmica de programas e transmissões, contribui fortemente para a manutenção da mentalidade excludente por parte do público.

Se a sociedade é dividida entre homens e mulheres – e no Brasil, inclusive, as mulheres estão em número ligeiramente maior na população total (50,67%, segundo o IBGE) –, seria desejável, e apenas natural, que os meios de comunicação espelhassem essa realidade, contando com uma distribuição equilibrada em seus programas.

As mulheres que compõem boa parte da audiência de jogos e programas esportivos desejam se ver representadas naquelas bancadas, com jornalistas do sexo feminino exercendo as mais diversas funções dentro dos veículos e numa proporção condizente com a realidade da população.

8. ASPECTO CULTURAL

Finalmente, e não menos importante, gostaria de abordar, também, o que eu entendo como o motivo principal e primeiro da desigualdade aqui tratada. É fato que o número de mulheres interessadas em futebol no Brasil é menor que o número de homens. Mas por que isso acontece? Não é razoável pensar que é uma questão de natureza, biologia ou DNA. Não faz sentido imaginar que é o cromossomo Y que carrega o gosto inato pelo futebol. Isso acontece por causa da criação. Desde a infância, as famílias brasileiras costumam desenvolver em seus filhos padrões excludentes de comportamento, baseados no gênero. Os meninos são incentivados a jogar bola, torcer para um time, ir ao estádio. As meninas, não. E, por isso, apenas os homens desenvolvem o gosto pelo esporte. Essencialmente por isso, existem muito mais homens em todos os âmbitos do futebol: no campo, na arquibancada, na cabine, na zona mista, no estúdio do canal esportivo.

Stahlberg (2011) trata da influência determinante dessa cultura, em sua dissertação sobre o feminino no futebol:

O maior empecilho a uma plena participação das mulheres no futebol [...] é o fato que elas não são socializadas no futebol desde crianças como ocorre com os homens. A consequência disso é que o número de mulheres que praticam o esporte é comparativamente muito menor, e os homens continuam a argumentar que é por isso que elas não são capazes de compreendê-lo, por não terem o olhar “de dentro” de que tratamos ao longo deste trabalho. (STAHLBERG, 2011, p.105).

Sendo assim, o problema do machismo no futebol se entrelaça com a discussão da ideologia de gênero, que começa a ganhar destaque no Brasil. A mudança na criação de meninos e meninas no país tem fundamental importância para a melhora, em médio e longo prazo, da situação das mulheres no jornalismo esportivo. É preciso abandonar a ideia historicamente criada pela cultura do patriarcado que determina “rosa para meninas, azul para meninos”, “boneca para meninas e bola para meninos”. Todas as crianças devem ter a chance de desenvolver suas habilidades, seus gostos, e fazer suas escolhas, independentemente de gênero, para que no futuro haja um equilíbrio nas diversas profissões que hoje pendem para um lado ou para o outro, como em nosso objeto aqui tratado, o jornalismo esportivo.

9. CONSIDERAÇÕES FINAIS

É inegável a presença reduzida de mulheres na cobertura esportiva no Brasil. Assim como é também inegável a maior dificuldade que as mulheres enfrentam para trabalhar nesse meio. Precisam lidar com o assédio, a discriminação, a imposição de um padrão estético, a ausência de exemplos, a desconfiança. É muito mais complicado realizar um trabalho competente tendo que passar por tantos obstáculos, que não deveriam ser inerentes ao trajeto de nenhuma carreira profissional.

Os veículos só têm a ganhar com o crescimento do espaço da mulher nos programas esportivos, pois a diversidade sempre contribui para um debate mais amplo. Além disso, a discussão sobre o empoderamento feminino nunca esteve tão vigente, e lançar mulheres em funções ainda pouco alcançadas trará visibilidade e audiência aos programas e às emissoras.

Claro que isso tem que ser feito de maneira coerente e adequada. Muito diferente de quando se produz um reality show para selecionar uma mulher para narrar apenas um jogo, como aconteceu em abril de 2018 no Esporte Interativo. Isso, ao meu ver, não é a forma ideal de inserir a mulher na cobertura esportiva. Trata-se de espetacularização do processo seletivo, que vai gerar muito mais dificuldades para as candidatas, muito além do âmbito esportivo. Só reforça a segregação sofrida pelas mulheres no jornalismo esportivo, onde até mesmo sua inserção é diferenciada e dificultada.

Um caso positivo de inclusão da mulher em novos espaços na cobertura esportiva – e que teve grande repercussão – foi o que houve em Belo Horizonte em novembro de 2017, quando a Rádio Inconfidência escalou uma mulher para narrar um jogo do Campeonato Brasileiro da série B. Virou notícia no país inteiro, muita gente quis entrevistar a narradora e a direção da rádio para saber tudo sobre essa grande novidade, que surpreendeu a muita gente. Esse, sim, é um método louvável de ganhar audiência através da participação feminina, pois a direção da emissora está realmente dando uma oportunidade para a mulher mostrar seu trabalho, suas habilidades, seu talento, sua aptidão para o cargo. Nada além disso, nada fora do campo profissional.

Mudanças sempre trazem temor e desconfiança. Muitos aspectos da nossa realidade que hoje são comuns, no passado eram ideias absurdas, estranhas, condenáveis e inimagináveis. Vivemos um tempo de questionamentos do socialmente estabelecido, e mudanças de pensamento e comportamento se fazem necessárias no caminho de um mundo mais equilibrado, harmônico, justo. A participação efetiva da mulher na mídia esportiva, em igualdade de condições com os homens, é apenas uma dessas tão necessárias transformações.

10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICA

ALVES, Karine. Entrevista concedida por meio eletrônico. São Paulo, 20 mar. 2018.

ARAGÃO, Camila Carelli. A Mulher no Jornalismo Esportivo: os desafios das repórteres das emissoras de rádio cariocas. Rio de Janeiro, 2010.

BAGGIO, Luana Maia. Representação da mulher no telejornalismo esportivo: a atuação da jornalista Renata Fan no programa Jogo Aberto da TV Bandeirantes. Santa Maria, 2012.

IBGE. Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação. Disponível em Acesso em: 12 maio 2018.

LISBOA, Juliana. Assédio: o assunto que nunca sai de pauta para jornalistas mulheres. Dibradoras, 2018. Disponível em . Acesso em: 15 mar. 2018.

MATOS, Ana Thais. Entrevista concedida por meio eletrônico. São Paulo, 21 mar. 2018.

OLIVEIRA, Ana Paula; OLIVEIRA, Nathalia Lainetti de. A Mulher no Jornalismo Esportivo - Revista observatório. Londrina, 2017.

RIGHI, Anelise Farencena. As donas da bola – inserção e atuação das mulheres no jornalismo esportivo televisivo. Santa Maria, 2006.

STAHLBERG, Lara Tejada. Mulheres em campo: Novas reflexões acerca do feminino no futebol. São Carlos, 2011

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1 Devido à minha grande identificação com o tema, optei por um relato em primeira pessoa.
2 MATOS, Ana Thais. Em entrevista à pesquisadora, realizada por meio eletrônico em março de 2018.
3 Idem.
4 ALVES, Karine. Em entrevista à pesquisadora, realizada por meio eletrônico em março de 2018.
5 MATOS, Ana Thais. Em entrevista à pesquisadora, realizada por meio eletrônico em março de 2018.
6 ALVES, Karine. Em entrevista à pesquisadora, realizada por meio eletrônico em março de 2018.
7 MATOS, Ana Thais. Em entrevista à pesquisadora, realizada por meio eletrônico em março de 2018.


Publicado por: Clarice de Oliveira

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