"O FRIO NÃO VAI MESMO INCOMODAR? Uma Análise Cultural do fenômeno 'Frozen'"

índice

Imprimir Texto -A +A
icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.

1.  RESUMO

Como alquimistas culturais, esta pesquisa adota uma abordagem multidisciplinar, entrelaçando fios cinematográficos e socioculturais para desvendar os mistérios por trás do fenômeno cinematográfico que é "Frozen". Nosso olhar atento dança pelos aspectos narrativos, estéticos e socioculturais do filme, revelando a singularidade desta obra que, como um fio invisível, tece uma conexão profunda com os corações daqueles que se aventuram por seu reino gelado. Inspirados pelas palavras de Hall (2016), Escosteguy (2000) e Kellner (2001), enveredamos pelos caminhos dos Estudos Culturais e das perspectivas teóricas, utilizando essas lentes enriquecidas para desvendar os elementos culturais e simbólicos que permeiam Arendelle. Na jornada desta pesquisa, assim como Elsa busca respostas no rio ancestral Ahtohallan, exploramos as profundezas congeladas e traçamos paralelos entre "Frozen" e o conto original de Hans Christian Andersen, "A Rainha da Neve", desenterrando nuances que ecoam sobre temas de não pertencimento e exclusão. Sob o olhar atento do materialismo cultural e das teorias provocativas de Kellner, desvendamos o filme, colocando-o em diálogo com o pulsar do sociocultural contemporâneo. Ao quebrar as camadas de gelo dessa jornada, descongelamos que "Frozen" é mais do que um mero conto de fadas; é um reflexo etéreo e um agente ativo, dançando nas dinâmicas sociais e econômicas como uma aurora boreal em constante mutação. Esta pesquisa, assim como flocos de neve que se unem formando camadas espessas de neve, enriquece a compreensão da cultura como uma prática social contínua, capaz não apenas de refletir, mas também de influenciar ativamente as transformações em nossa sociedade.

Palavras-chave: Frozen, Análise Cultural, Materialismo Cultural, Cinema, Estudos Culturais, Representatividade, Contos de Fadas, Identidade.

2. ABSTRACT

As cultural alchemists, this research adopts a multidisciplinary approach, intertwining cinematic and sociocultural threads to unravel the mysteries behind the cinematic phenomenon that is "Frozen." Our attentive gaze dances through the narrative, aesthetic, and sociocultural aspects of the film, revealing the uniqueness of this work that, like an invisible thread, weaves a deep connection with the hearts of those who venture into its frozen realm. Inspired by the words of Hall (2016), Escosteguy (2000), and Kellner (2001), we venture into the paths of Cultural Studies and theoretical perspectives, using these enriched lenses to uncover the cultural and symbolic elements that permeate Arendelle. In the journey of this research, just as Elsa seeks answers in the ancestral river Ahtohallan, we explore the frozen depths and draw parallels between "Frozen" and Hans Christian Andersen's original tale, "The Snow Queen," unearthing nuances that resonate with themes of non-belonging and exclusion. Under the watchful eye of cultural materialism and Kellner's provocative theories, we unravel the film, placing it in dialogue with the pulse of contemporary sociocultural dynamics. By breaking the ice layers of this journey, we thaw the understanding that "Frozen" is more than a mere fairy tale; it is an ethereal reflection and an active agent, dancing in social and economic dynamics like a constantly changing northern lights. This research, much like snowflakes coming together to form thick layers of snow, enriches the understanding of culture as an ongoing social practice, capable not only of reflecting but also actively influencing transformations in our society.

Keywords: Frozen, Cultural Analysis, Cultural Materialism, Cinema, Cultural Studies, Representativeness, Fairy Tales, Identity.

3. INTRODUÇÃO

"Frozen" para mim transcende a simples categoria de filme de animação; ele representa simbolicamente uma parte significativa da minha jornada de autodescoberta. Considero-me uma pessoa bastante visceral em minha escrita, e Elsa, de certa forma, reflete essa intensidade, estando igualmente envolvida nesse processo de transição para a maturidade e as responsabilidades do mundo adulto. Em sua busca pela liberdade e autenticidade, Elsa opta por não se reprimir. Ela se destaca na luta por compreender sua verdadeira identidade, um caminho que ecoa naturalmente com a minha busca de explorar mais profundamente quem eu sou.

A narrativa de "Frozen" congelou em mim a percepção de que, muitas vezes, a beleza reside na singularidade, assim como cada cristal gélido exibe em sua aparência. O gelo, embora frio à primeira vista, é um manto que preserva histórias e segredos, uma metáfora eloquente para as camadas que compõem nossa própria existência. Minha trajetória de autodescoberta é uma construção paciente, uma escultura em constante evolução esculpida pelas experiências.

E por meio deste trabalho, desejo explorar o universo que me motiva a pesquisar e a descobrir o motivo pelo qual o filme se tornou um fenômeno tanto na bilheteria quanto na recepção do público. Não sinto vergonha em me apaixonar, pois compreendo que isso não se limita a uma “coisa de criança". Em minha pesquisa, busquei desvendar os elementos que despertam essa abundância autêntica do produto, explorando as complexidades por trás do fenômeno que inspira meu interesse. Afinal, apaixonar-se é um aspecto fundamental da experiência humana, uma força que impulsiona a busca por significado e conexão em todas as idades. Este trabalho não apenas representa uma exploração acadêmica, mas também reflete meu compromisso em compreender e celebrar as diversas formas de amor que enriquecem nossa existência.

Assim, este trabalho visa compreender a profundidade de "Frozen", considerando especificamente que, ao utilizar esse termo, estou me referindo aos dois filmes da franquia: "Frozen: Uma Aventura Congelante" (2013) e "Frozen 2" (2019). O objetivo é desvendar as razões por trás desse triunfo, explorando o fenômeno e sua relevância no contexto sociocultural. Sob a perspectiva do materialismo cultural, um campo que minuciosamente analisa a interação entre cultura, consumo e sociedade, buscamos esclarecer aspectos desse notável produto.

O filme transcende a mera narrativa encantadora; ele se torna um fenômeno cultural, ilustrando como os produtos de entretenimento podem tanto moldar quanto serem moldados pelas dinâmicas sociais e econômicas. Ao analisar minuciosamente os elementos culturais em "Frozen", como a trilha sonora marcante e a influência nas preferências do público expressa nos números de bilheteria, revelamos como essa obra se enraíza na complexa teia de valores, desejos e consumo da sociedade contemporânea.

O terceiro capítulo do livro "Por um estudo cultural multicultural e multiperspectívico" de Douglas Kellner aborda a complexa natureza política e ideológica dos produtos da cultura da mídia. Kellner destaca que esses produtos vão além do simples entretenimento, sendo, na verdade, portadores de mensagens com propósitos ideológicos específicos. Nesse contexto, o autor ressalta a importância crucial de uma interpretação política da cultura da mídia para desvendar suas mensagens e efeitos ideológicos, argumentando que essa abordagem requer uma ampliação da crítica ideológica, incorporando considerações sobre sexo, sexualidade, raça e classe. Em outras palavras, os produtos midiáticos não são apenas formas de entretenimento, mas veículos carregados de intencionalidades ideológicas.

Kellner destaca que os textos culturais não se limitam a categorias conservadoras ou liberais, buscando, muitas vezes, atrair um amplo público ao incorporar uma variedade de posições ideológicas. Essa diversidade torna a interpretação política da cultura da mídia desafiadora, pois os textos frequentemente apresentam discursos, visões de mundo e estratégias narrativas que não se alinham a uma ideologia única.

O autor propõe um estudo cultural crítico que aprofunde a análise das formas de opressão e dominação, articulando perspectivas normativas para criticar formas específicas de dominação. Destaca-se a necessidade de desenvolver uma teoria crítica da sociedade para fundamentar a análise cultural, avaliando como os textos da cultura da mídia se relacionam com estruturas de dominação e resistência. Em resumo, o multiculturalismo crítico busca verificar e criticar as formas de opressão presentes nos produtos midiáticos, considerando as representações identitárias e seus efeitos na formação de identidades.

Kellner enfatiza a importância de uma postura crítica contra-hegemônica, destacando que a cultura é inerentemente política e ideológica, envolvendo uma constante disputa por poder. A teoria crítica da sociedade, segundo ele, faz uma análise dos sistemas de dominação existentes, ressaltando as forças de resistência e as possibilidades de transformação social radical. O estudo cultural crítico não se limita a leituras inteligentes dos textos culturais, mas busca uma crítica das estruturas de dominação, impulsionando as forças de resistência por uma sociedade mais igualitária e democrática.

Essa abordagem multicultural crítica examina as relações de força e dominação na sociedade, reconhecendo a importância de analisar detalhadamente representações de classe, sexo, sexualidade, etnia e outros fenômenos frequentemente ignorados em abordagens anteriores. A perspectiva multicultural crítica busca resistir a estereótipos, distorções e estigmatizações presentes na cultura dominante.

Portanto, o estudo cultural multiperspectívico proposto por Kellner destaca a necessidade de diversas estratégias textuais e críticas para interpretar, criticar e desconstruir as produções culturais em análise. Isso implica empregar várias perspectivas e interpretações a serviço do conhecimento. O texto alerta para o cuidado necessário para que as multiperspectivas não se tornem simples visões de um único ponto de vista, enfatizando a importância de analisar os produtos da cultura da mídia também pelo ponto de vista do receptor. Kellner vê a mídia como um terreno de disputa que reproduz em nível cultural os conflitos fundamentais da sociedade, não necessariamente como um instrumento de dominação.

Essas ideias proporcionaram subsídios teóricos valiosos para a professora Rejane Moreira, do curso de Jornalismo da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, e coordenadora do grupo EntreMídias. Como participante desse projeto, tive a oportunidade de aplicar esses conhecimentos na elaboração de um esquema para conduzir uma análise cultural. Essa experiência foi fundamental para a execução deste TCC, no qual explorei categorias como:

Materialismo Cultural - O que é? De onde vem? Quem produziu? Para quem fala? Que público? São análises objetivas do objeto pesquisado que propõem redes de significações econômicas, sociais e culturais.

Sentidos Ativados: Que sentidos são partilhados de determinado grupo? Que ideologias, que crenças e experiências conseguem expressar? Como se consome? O que se quer dizer? Aqui se espera que seja feita uma análise dos sentidos dos produtos pesquisados.

Análise de Conjuntura: Aspectos políticos, de resistência, de conflitos (ou não) caracterizados no produto. Aqui fazer uma relação com a ideia de cultura como “expressão social permanente".

Essas categorias me permitiram conduzir uma pesquisa detalhada e compreender o fenômeno de "Frozen" na perspectiva dos brasileiros. Esses questionamentos específicos orientaram o desenvolvimento da pesquisa, analisando o filme em suas dimensões econômicas, sociais, culturais, sentidos partilhados, ideologias expressas e aspectos políticos e de resistência caracterizados no produto.

A estrutura desta pesquisa se desdobrou em capítulos que exploram profundamente a complexidade do fenômeno de "Frozen". No primeiro capítulo, intitulado "Descongelando o Materialismo Cultural através de 'Frozen'", investigaremos as interações entre cultura e consumo na Disney, analisando a evolução narrativa e temática do produto no contexto da análise cultural. O segundo capítulo, "Forjando os Pilares Glaciais: Referências Teóricas e Metodológicas", estabelece a base teórica no contexto dos Estudos Culturais, utilizando contribuições de Hall (2016), Escosteguy (2000) e Kellner (2001). Por fim, o terceiro capítulo, "Recapitulação e Conclusões", sintetiza as descobertas, oferecendo uma visão abrangente e conclusiva do impacto cultural de "Frozen" na sociedade contemporânea, com ênfase na recepção do público brasileiro. Em resumo, é necessário descongelar as barreiras, erguer os pilares da determinação e do conhecimento e, finalmente, libertar-se para alcançar o desejado.

Ao adentrarmos no campo da análise cultural, é crucial estabelecer clareza quanto aos termos essenciais que nortearão nossa investigação. Os pilares fundamentais desta pesquisa residem nos conceitos de materialidade cultural, sentidos ativados e análise de conjuntura. A materialidade cultural refere-se à expressão tangível da cultura, incorporando elementos físicos e simbólicos que moldam as percepções e práticas sociais. Os sentidos ativados, por sua vez, exploram as interpretações compartilhadas de determinado grupo em relação ao produto cultural, revelando ideologias, crenças e experiências subjacentes. Já a análise de conjuntura revela os aspectos políticos, de resistência e os conflitos presentes no produto cultural, proporcionando uma leitura crítica da obra em seu contexto mais amplo.

Este estudo sobre a cultura de "Frozen" não apenas busca compreender a profundidade de um fenômeno cultural, mas também aspira contribuir significativamente para o panorama acadêmico. Ao mergulharmos nas geladas camadas de significado do filme, vislumbramos não apenas uma narrativa encantadora, mas um fenômeno cultural que ecoa nas interações entre sociedade, consumo e mídia. A relevância deste trabalho reside na sua capacidade de oferecer uma perspectiva única sobre a influência da cultura midiática, desvendando como produtos de entretenimento podem moldar e serem moldados pelas dinâmicas sociais e econômicas. Esta pesquisa, ao destacar o papel fundamental de "Frozen" na construção da cultura contemporânea, busca preencher lacunas e fornecer esclarecimentos valiosos para estudiosos interessados na interseção entre entretenimento e sociedade.

A escolha de utilizar o português como língua principal neste trabalho não é apenas uma decisão linguística, mas uma opção consciente de comunicação. Optamos por empregar a tradução de palavras em inglês para língua portuguesa visando facilitar o acesso e compreensão deste estudo por um público mais amplo, especialmente o público brasileiro. Além disso, ao redigir em português, buscamos estabelecer uma conexão mais próxima com a audiência local, reconhecendo a importância de tornar a pesquisa acessível e relevante para a comunidade acadêmica e o público em geral no contexto brasileiro. Essa escolha reflete o compromisso em promover a divulgação e a compreensão da pesquisa de forma inclusiva, considerando as nuances culturais e linguísticas que permeiam o público.

4. CAPÍTULO 1 | Descongelando o Materialismo Cultural através de 'Frozen'

Adentrar no primeiro capítulo é como abrir o freezer e descobrir que, por trás das camadas de gelo, há um saco perdido de batata frita congelada. Ou seja, neste capítulo, mergulho nas primeiras camadas do materialismo cultural a fim de compreender as complexas relações entre cultura e consumo.

"Frozen: Uma Aventura Congelante" é um filme de animação musical lançado em 2013 nos Estados Unidos, produzido pela Walt Disney Animation Studios. Inspirado no conto de fadas "A Rainha da Neve", do dinamarquês Hans Christian Andersen, o longa foi dirigido por Chris Buck, conhecido por dirigir as animações "Tarzan" (1999) e "Tá Dando Onda" (2007), e por Jennifer Lee, a primeira mulher a dirigir um filme da Walt Disney Animation e co-autora do roteiro de "Detona Ralph" (2012). A produção ficou a cargo de Peter Del Vecho, que já havia produzido os filmes animados da Disney "A Princesa e o Sapo" (2009) e "O Ursinho Pooh" (2011). "Frozen: Uma Aventura Congelante" é uma obra audiovisual que marcou o início do fenômeno congelante que posteriormente se desdobrou em "Frozen: O Musical" em 2017 e "Frozen 2" em 2019, ambos se tornando grandes sucessos.

No primeiro filme, somos levados a acompanhar a jornada das irmãs órfãs Elsa e Anna à medida que enfrentam as tragédias de sua infância e buscam a liberdade emocional. A narrativa inovadora sobre o amadurecimento das duas garotas de Arendelle, juntamente com sua trilha sonora extremamente popular, conquistou o público em todo o mundo, quebrando recordes e tornando-se a maior bilheteria de animação da história, inicialmente pelo primeiro filme, e depois repetindo o feito em "Frozen 2" (com US$ 1,45 bilhões), segundo informações do Collider.

Em celebração aos 10 anos desde o lançamento do icônico filme "Frozen: Uma Aventura Congelante", a Disney encomendou um estudo à Dra. Sarah Godfrey, professora na Universidade de East Anglia. O estudo, traduzido como "Lições de Arendelle: O fenômeno cultural de Frozen da Disney", detalha o impacto do filme na sociedade. Os resultados revelam dados surpreendentes. A cada minuto, em média, 40 bonecas inspiradas em personagens de 'Frozen' são comercializadas. Além disso, a Noruega, país que serviu de inspiração para o cenário de Arendelle, experimentou um aumento notável de 20% no turismo. Um dos pontos altos desse fenômeno é a canção "Let It Go", cujo videoclipe acumulou mais de 3,2 bilhões de visualizações no YouTube. A pesquisa também destaca que 76% das crianças já assistiram ao filme mais de uma vez, o que reforça sua posição como um fenômeno cultural duradouro e marcante na indústria do entretenimento.

A obra cinematográfica "Frozen," inegavelmente, se destaca como uma das mais icônicas e influentes criações da cultura pop contemporânea. Por isso, dedicar-se a uma análise profunda de "Frozen" sob a perspectiva do materialismo cultural, um campo de estudo que examina meticulosamente a emaranhada interação entre cultura, consumo e sociedade, pode ser bastante esclarecedor para compreender aspectos desse produto notável. O filme não é apenas uma narrativa encantadora, mas também um fenômeno cultural que ilustra como os produtos de entretenimento podem moldar e ser moldados pelas dinâmicas sociais e econômicas. A análise detalhada dos elementos culturais presentes em "Frozen", como sua trilha sonora memorável e a influência nas preferências do público, como evidenciado pelos números de bilheteria, revela como essa obra se insere na teia de valores, desejos e consumo da sociedade contemporânea. Assim, este capítulo busca lançar luz sobre a riqueza de percepções que podem ser obtidas ao analisar uma obra como "Frozen" sob a lente do materialismo cultural.

4.1. Boneca, fantasia, lancheira, caneca, esmalte, tema de festa, tudo “da Frozen”

A Walt Disney Company é uma das maiores empresas de entretenimento do mundo e tem desempenhado um papel fundamental na construção da cultura popular global. Produtos como filmes, parques temáticos, produtos licenciados e música são elementos essenciais na disseminação da cultura Disney. Analisar a relação entre cultura e consumo em produtos da Disney é relevante porque esses produtos têm um alcance global e influenciam a forma como as pessoas percebem e interagem com o mundo ao seu redor.

Ambientado em Arendelle, uma cidade fictícia, o cenário de "Frozen" foi inspirado nas paisagens geladas da Noruega. O fiorde, faixa de mar entre montanhas íngremes, é uma paisagem fundamental, pois fornece uma base rica e substancial para o desenvolvimento dos personagens. Afinal, o ambiente pode ser essencial para explicar seus comportamentos, alimentar conflitos e dicotomias para personagens como Elsa, influenciar as paixões de Anna e até mesmo impactar a rotina simples de um vendedor de gelo como Kristoff. Embora Arendelle possa não rivalizar com a eloquência do Cortiço ou a brutalidade do naturalismo em termos de cenário, a frieza deste lugar desperta os instintos mais primitivos e vívidos em todos os que o exploram.

Ao analisar a obra literária "O Cortiço" de Aluísio de Azevedo, Silva (1982) destaca uma importante diferença narrativa entre espaço e ambientação para o processo de leitura. Enquanto é denotado, ou seja, remete às características físicas e observáveis de um ambiente, como a descrição de edifícios, ruas e paisagens a ambientação é conotada, produz uma leitura que vai além do óbvio incorporando elementos simbólicos e subjetivos que proporcionam uma experiência mais profunda e rica para o leitor.

No contexto de "O Cortiço," um romance naturalista de Aluísio de Azevedo, o espaço denotado representaria a descrição física do cortiço em si, com seus prédios decadentes, corredores estreitos e personagens que habitam o local. A ambientação conotada, por sua vez, incluiria a atmosfera de decadência moral, as tensões sociais, e a forma como o ambiente molda o comportamento dos personagens, revelando aspectos mais profundos da sociedade da época. Portanto, a distinção entre espaço denotado e ambientação conotada é fundamental para uma análise literária mais completa, permitindo-nos explorar não apenas o que é visível, mas também o que está implicitamente entrelaçado na narrativa, enriquecendo a compreensão do contexto e dos temas presentes na obra.

No caso de Arendelle, em um cenário bucólico e repleto de neve, o espaço denotado abrangeria a descrição física da cidade, suas estruturas, ruas cobertas de gelo e montanhas nevadas. Já a ambientação conotada envolveria elementos como a sensação de isolamento, a transformação da paisagem conforme a história evolui e os temas mais profundos da jornada de Elsa e Anna.

Em resumo, o autor argumenta que, para uma análise literária mais aprofundada, é importante distinguir entre espaço (os elementos físicos e observáveis) e ambientação (os elementos mais sutis e simbólicos). Enquanto o espaço é o que vemos de imediato, a ambientação é o que dá profundidade e significado a esse espaço. Essa distinção é fundamental para entender como o autor utiliza o cenário para transmitir mensagens e temas mais profundos na obra. No entanto, é interessante questionar como uma paisagem tão bucólica, como Arendelle, pode atrair audiências diversas, mesmo em países como o Brasil, onde a neve é praticamente desconhecida para a maioria das pessoas. Talvez aqui o fascínio pelo desconhecido e, ao mesmo tempo, ancestral e, porque não dizer, futuro, possa ser a resposta. Vivemos entre eras glaciais, o que se conecta diretamente a grande pergunta da humanidade: de onde viemos e para onde vamos, com seu núcleo rígido - o que somos?

No Brasil, a influência e popularidade da franquia "Frozen" alcançaram níveis surpreendentes, e a personagem Elsa, uma das protagonistas, tornou-se um ícone cultural. Tanto é assim que, especialmente entre diversos brasileiros, a personagem Elsa é carinhosamente referida como "a Frozen". Esse fenômeno reflete o poder da marca e a identificação direta da personagem com o nome do filme. Isso é algo que ocorre em outros filmes aqui no Brasil, onde o nome do filme fica mais conhecido que o próprio personagem principal, como é o caso de Ariel, que é a Pequena Sereia, e Simba, que é o Rei Leão. Produtos relacionados à franquia “Frozen” se tornaram onipresentes no mercado brasileiro, abrangendo uma variedade incrível de itens, desde brinquedos e roupas até itens de higiene pessoal e tema de festas de aniversário. Essa tendência de associar a personagem e seus produtos como "da Frozen" demonstra como a marca se incorporou profundamente ao cotidiano dos brasileiros, intensificando o senso de desejo e consumo. A força dessa identificação é reforçada pelo fato de que "Frozen" apresenta duas personagens femininas fortes, Elsa e Anna, cujas jornadas e relacionamento desempenham um papel significativo na trama, proporcionando modelos inspiradores para muitas pessoas.

O reino gelado de "Frozen" representa uma espécie de refúgio para os espectadores, oferecendo uma experiência envolvente que vai além das telas. As músicas cativantes e a narrativa emocional permitem que o público se conecte profundamente com os personagens e sua jornada. Muitas pessoas encontram identificação e conforto nesse cenário nevado, e a história de empoderamento e amor entre irmãs ressoa com audiências de todas as idades. É como se, ao assistir "Frozen", as pessoas fossem transportadas para um lugar onde a magia e a emoção se encontram, criando um vínculo especial com a história e seus personagens.

Além da conexão emocional proporcionada pela narrativa e pelas músicas, "Frozen" também se destacou por sua contribuição à representatividade. A jornada de autodescoberta de Elsa e seu desejo de aceitar e abraçar sua verdadeira identidade podem ser interpretados como uma metáfora para a jornada de pessoas LGBTQIAPN+ em busca de aceitação e autoaceitação. A mensagem de "livre estou", uma das músicas mais icônicas do primeiro filme, ressoou como um símbolo de libertação e autenticidade, mesmo que a orientação sexual de Elsa não tenha sido oficialmente confirmada pelos produtores do filme.

A magnitude de “Frozen” está para além dos números exorbitantes em bilheteria e para a venda de produtos licenciados, especialmente por causa dos personagens Elsa e Olaf.  Mas isso justifica o sucesso? Os filmes da franquia Frozen se inseriram de forma significativa na crescente discussão sobre o protagonismo feminino. Nas tramas, as personagens são retratadas como destemidas, curiosas e aventureiras. A salvação, ou o ato de amor verdadeiro, não é simbolizado pelo beijo de um príncipe, mas sim pela profunda conexão entre duas irmãs. Em "Frozen 2", é notável o amadurecimento das personagens e o encerramento de ciclos, enquanto fazem descobertas sobre suas próprias existências.

Elsa, em particular, encontra maior liberdade ao dar um passo significativo na jornada de autodescoberta dos seus poderes e sua identidade. Em resumo, a mensagem transmitida é clara: empoderar personagens femininas significa também oferecer escolhas e permitir que elas desafiem as expectativas impostas pela família, pela sociedade e pelo passado. Nesse sentido, é inegável que o sucesso desta franquia está intrinsecamente ligado a um processo de readequação e reposicionamento da Disney. Isso se manifesta tanto na tentativa de equilibrar os papéis de protagonismo quanto na ressignificação dos papéis sociais das personagens. Considerando a tentativa de romper com a trama clássica tradicional da donzela em perigo, comumente encontrada nos contos de fadas.

Além disso, "Frozen" também serve como um estudo de caso valioso para compreender como a Disney e outras empresas de entretenimento incorporam estratégias de marketing e licenciamento para expandir sua influência no mercado global. O sucesso estrondoso de "Frozen" não se limitou apenas ao filme em si, mas foi acompanhado por uma ampla gama de produtos e atividades de marketing que ajudaram a consolidar ainda mais seu impacto. A Disney capitalizou eficazmente os personagens e a narrativa do filme por meio de brinquedos, roupas, acessórios e outros produtos relacionados.

Ademais, a trilha sonora do filme, em particular a icônica canção "Livre Estou", tornou-se um fenômeno musical por direito próprio, gerando vendas de álbuns e apresentações ao vivo que contribuíram significativamente para o alcance global do filme. Abordaremos em detalhes posteriormente a influência e impacto das canções de "Frozen" na cultura pop, destacando como essas composições musicais desempenharam um papel fundamental na difusão das mensagens e personagens do filme, ampliando ainda mais seu apelo e sua presença no mercado internacional, como um autêntico objeto de estudo.

Assim, enquanto "Frozen" é elogiado por suas representações de empoderamento feminino e subversão de narrativas tradicionais, é importante reconhecer que a Disney habilmente aproveitou esses aspectos como parte de sua estratégia de negócios para fortalecer sua marca e influência em todo o mundo. O sucesso do filme não é apenas um testemunho de suas qualidades cinematográficas, mas também ilustra a capacidade das grandes empresas de entretenimento de criar produtos e experiências que ressoam com o público e se tornam parte integral do agendamento das discussões populares.

4.2. Do primeiro floco de neve a avalanche: afinal, o que é frozen?

Esta indagação nos leva a uma jornada entre as narrativas que compõem os filmes "Frozen Uma Aventura Congelante (2013)" e "Frozen 2 (2019)". Como um pequeno floco de neve que se aglutina e desencadeia uma avalanche imponente, a história por trás desses filmes da Disney transcende a superfície gélida e revela uma riqueza de significado e complexidade. Ao longo deste resumo, exploraremos as nuances das histórias, conduzindo uma análise aprofundada das tramas, personagens e temas subjacentes. O objetivo desta jornada é desvendar e buscar, de forma mais profunda e detalhada, a verdadeira essência de 'Frozen'.

A trama de "Frozen - Uma Aventura Congelante (2013)" se desenrola em torno de duas irmãs, Elsa e Anna, que vivem no reino de Arendelle. Elsa possui habilidades mágicas de criocinese que lhe permitem criar gelo e neve, enquanto Anna é uma menina bastante alegre e extrovertida, embora um tanto impulsiva. Quando eram crianças, gostavam de brincar e construir bonecos de neve, mas um acidente aconteceu enquanto brincavam. Elsa sem querer feriu sua irmã mais nova, Anna, com seus poderes, resultando na característica mecha de cabelo branco no cabelo ruivo de Anna. Diante desse incidente, os pais das meninas, o Rei Agnar e a Rainha Iduna, buscaram a ajuda dos trolls para curar a caçula. O sábio e idoso líder dos trolls, conhecido como Pabbie ou Vovô Pabbie, apagou as memórias de Anna relacionadas aos poderes de Elsa e alertou que se o incidente tivesse afetado o coração de Anna, poderia ter sido fatal.

A partir desse momento, as irmãs foram separadas, e a jovem Elsa foi isolada e mantida em reclusão pelos pais, confinada em seu quarto até que aprendesse a controlar seus poderes. Durante esse período, ela repetiu incessantemente a ordem dada por seus pais: "esconder, não sentir, não deixar aparecer", como é cantado por Elsa na canção "Uma Vez Na Eternidade".

Em um certo dia, o rei e a rainha partiram do castelo em uma viagem. No entanto, uma tempestade violenta atingiu o barco, resultando em um trágico acidente que custou a vida deles. Enquanto isso, Elsa, seguindo estritamente a ordem de seus pais para ser uma menina exemplar, manteve seu poder oculto e escondido de todos. Assim, ela continuou a responder à sua irmã, pedindo que a deixasse em paz, embora secretamente aspirasse por sua própria liberdade.

Por outro lado, Anna enfrentava o tédio da solidão em um castelo vasto, como é retratado na canção "Você Quer Brincar na Neve?", na qual ela até conversa com os quadros da parede e bate na porta, convidando Elsa para brincar do lado de fora, como costumavam fazer quando eram mais jovens, mas sem êxito. Com a morte prematura de seus pais, chegou o momento em que Elsa, como a irmã mais velha, com seus 21 anos, deveria ser coroada rainha de Arendelle. Esse dia significava algo grande para ambas. Anna finalmente teria a oportunidade de explorar o reino, conhecer novos lugares e respirar novos ares. Para Elsa, no entanto, essa coroação trazia à tona seu maior medo: perder o controle de seus poderes e machucar alguém, ao mesmo tempo em que era atormentada pela sensação de se sentir um monstro.

Durante a cerimônia de coroação, Anna conhece o príncipe Hans e se apaixona profundamente por ele, mas Elsa se opõe ao casamento repentino. Esse desentendimento leva a uma discussão emocional intensa, resultando na revelação dos poderes de Elsa diante de todos os presentes. Entre os convidados está o Duque de Weselton, que procura explorar Arendelle para conseguir dinheiro. O choque e o medo causados por esse incidente levam Elsa a fugir do castelo, desencadeando, inadvertidamente, um inverno eterno em Arendelle.

Anna, determinada a encontrar sua irmã e reverter o inverno, parte em uma jornada com a ajuda de Kristoff, um vendedor de gelo das montanhas, sua leal rena Sven e Olaf, o alegre boneco de neve que ela e sua irmã construíram na infância e que agora havia ganhado vida própria. Durante essa busca, eles enfrentam uma série de desafios, desde uma matilha de lobos ferozes até penhascos traiçoeiros e uma nevasca implacável. Enquanto isso, Elsa, entoando a icônica canção composta pelo casal Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez "Livre Estou", constrói um majestoso castelo de gelo nas montanhas. Esse ato é uma expressão de sua busca por liberdade, um rompimento das amarras que a sociedade e ela mesma haviam imposto devido ao medo de seus poderes. O castelo simboliza seu anseio por independência e autodescoberta.

No auge de um confronto emocional nas profundezas de seu palácio de gelo, Anna é acidentalmente atingida no coração pelos poderes de sua irmã Elsa. Este trágico incidente ocorre quando Anna, desesperada para reconectar com Elsa e trazê-la de volta para casa, tenta se aproximar. No entanto, Elsa, ainda lutando para controlar plenamente seus poderes, involuntariamente a fere. Como uma forma de afastar todos ao seu redor e expressar o medo e a falta de controle emocional que acumulou ao longo de anos de repressão de suas próprias capacidades mágicas, Elsa cria um gigante de neve colossal chamado Marshmallow.Essa tragédia representa um momento crucial na história, levando Anna a compreender a gravidade da situação e perceber que, agora, somente seu otimismo não será suficiente para salvar Arendelle do frio, tampouco sua própria vida.

Kristoff leva Anna o mais rápido possível até os trolls, onde eles recebem uma revelação crucial. Os trolls explicam que apenas um "ato de amor verdadeiro" pode descongelar o coração de Anna e salvá-la da morte iminente. Nesse momento, a cativante canção animada "Reparos" é entoada pelos trolls para destacar a importância desse ato. Na canção, eles reconhecem os defeitos de Kristoff e sugerem que com um pouco de amor, esses defeitos podem ser reparados. Ou seja, sugerem sutilmente que existe uma conexão amorosa genuína entre Kristoff e Anna, que pode ser muito verdadeira e poderosa. Acreditando que um beijo de amor verdadeiro de Hans é a solução, Anna parte apressadamente de volta para Arendelle em busca desse ato salvador.

Entretanto, a reviravolta sombria ocorre quando Hans expõe suas verdadeiras intenções maliciosas. Ele se recusa a beijar Anna e revela que não sente amor verdadeiro por ela, confessando que a estava usando apenas para tomar o trono de Arendelle. Essa revelação choca profundamente Anna, que se vê traída por alguém em quem havia depositado sua confiança. Ao mesmo tempo, Elsa é nocauteada e aprisionada no calabouço do castelo.Elsa encontra uma maneira de escapar da prisão, enquanto Anna também deixa o castelo em busca de Kristoff, a pessoa que ela realmente ama. Ela está determinada a dar a ele um beijo, acreditando que isso será o "ato de amor verdadeiro" necessário para salvar sua própria vida.

Fora do castelo, devido ao descontrole emocional e ao medo de Elsa, uma tempestade de neve se desencadeia e toma conta da região. Enquanto isso, Elsa se encontra em um confronto com o príncipe Hans, que planejava roubar o trono de Arendelle. A história atinge seu clímax emocional quando Hans está prestes a atacar Elsa e Anna se coloca entre eles. No entanto, quando a espada de Hans a atinge, Anna já está completamente congelada, e a espada se parte em pedaços.

Em um momento de desespero, Elsa chora abraçada a sua irmã cujo coração fora congelado por seus próprios poderes. De repente, para surpresa de todos, Anna começa a descongelar. Neste ponto, Olaf, o boneco de neve, chama a atenção para o fato de que Anna realizou um "ato de amor verdadeiro", sacrificando-se para salvar sua irmã da morte.

Elsa, então, percebe que o amor é a chave para vencer o conflito entre sua natureza mágica e seu desejo de liberdade. Movida pelo amor por todos ao seu redor, Elsa usa seus poderes para descongelar Arendelle e restaurar a paz no reino. Hans é deportado de volta às Ilhas do Sul para enfrentar as consequências de seus crimes contra a família real de Arendelle, além de receber um soco de Anna, como merecido.

Elsa, por sua vez, embarca em uma jornada pessoal para aprender a conciliar suas responsabilidades como rainha e com seus sentimentos e consequentemente ter mais consciência de seus poderes. Ela também descobre uma maneira de garantir a sobrevivência de Olaf no verão. Além de tomar a decisão de romper todos os laços comerciais com Weselton.

Graças à generosidade e ao apreço de Anna por ele, Kristoff é promovido a mestre do gelo e entregador oficial de Arendelle. Em um momento emocionante, Anna e Kristoff compartilham um beijo significativo, enquanto Sven fica ao lado do novo trenó presenteado pela princesa. Esses eventos marcam um final feliz para a história, com os personagens encontrando seus lugares e fortalecendo seus laços.

As duas irmãs, agora mais unidas do que nunca, se reconciliam e reafirmam seu amor uma pela outra. Elas prometem nunca mais fechar as portas do castelo, simbolizando uma nova era de abertura e confiança em Arendelle.

4.3. Você ainda quer brincar na neve? Explorando a Beleza, Complexidade e Amadurecimento de Frozen 2

O Frozen 2 (2019) é uma obra cinematográfica cuja trama se passa três anos após os eventos do primeiro filme, Frozen - Uma Aventura Congelante (2013). Nessa nova aventura um flashback nos leva de volta à infância de Elsa e Anna. O pai delas, o rei Agnarr, contou-lhes uma história sobre uma Floresta Encantada ao norte de Arendelle. Lá habitavam os Northuldra, povos nativos que vivem dentro da Floresta Encantada, e são conhecidos como o "povo do sol". Eles são inspirados nos povos indígenas Lapões ou mais conhecido modernamente como Sami, uma etnia que reside na Suécia, na Finlândia e no norte da Rússia na qual o cenário fictício de Frozen se baseia. Embora os Northuldra não possuam magia própria, eles estão profundamente conectados à magia da floresta e seus espíritos elementais - o espírito do vento Gale, o espírito de fogo Bruni, o espírito da água Nokk e os Gigantes da Terra.

O rei Runeard, pai de Agnar e avô das irmãs, estabelece um tratado com a tribo Northuldra, construindo uma represa entre Arendelle e a Floresta Encantada. No entanto, uma batalha sangrenta irrompe entre os dois exércitos, resultando na morte do rei Runeard e de muitos de seus homens. Os quatro espíritos elementais, representando a terra, o fogo, o ar e a água, que habitam a floresta, ficam enfurecidos devido ao conflito. Uma espessa parede de névoa envolve toda a floresta e ninguém consegue entrar ou sair, e o conteúdo da floresta se mantém intocado ao longo do tempo.

O filho de Runeard, o príncipe Agnarr, consegue escapar por pouco com a ajuda de um misterioso salvador. Depois dessa trágica história, a rainha Iduna recolhe suas filhas, acalmando-as e colocando-as na cama. Ela canta para elas uma antiga canção de ninar que sua mãe lhe ensinara, deixando que a melodia envolva as meninas. É nesse momento que o telespectador entra em contato com a canção “Se Encontrar” que na dublagem brasileira é entoada pela atriz de teatro musical Myra Ruiz. A canção de ninar fala sobre um rio além da floresta que guarda as respostas para o passado.

“Há memórias no lugar
Onde o vento encontrar o mar

Durma logo e verá
O rio te leva a se encontrar”

Três anos após sua coroação, a majestosa rainha Elsa de Arendelle encontra-se na varanda do imponente castelo, quando, de repente, seus ouvidos captam uma voz. Elsa passa a escutar uma voz que entoa uma melodia singular e encantadora. Ela se volta para o funcionário do castelo, Kai, indagando se também ouve tal maravilha, mas, para sua surpresa, ninguém mais a percebe; a voz é um chamado exclusivo para ela.

Após cumprir com seus deveres reais, Elsa se dirige à praça da cidade para celebrar a chegada do outono no reino ao lado de sua querida irmã mais nova, a princesa Anna, acompanhada por Olaf, Kristoff e Sven. Juntos, eles entoam a encantadora canção "Nada Vai Mudar". O tema central da canção é a resistência à mudança e o compromisso com relacionamentos e valores pessoais, independentemente das circunstâncias. Além de destacar o compromisso dos personagens com os relacionamentos uns com os outros, enfatizando a importância da amizade e do amor em face da incerteza. Ou seja, a melodia captura os temas de transformação, que se tornam um elemento central do filme. A canção em si consegue ilustrar a resistência à mudança e a aceitação da inevitabilidade da mudança. Refletindo sobre as complexidades emocionais dos personagens e como essas emoções evoluem ao longo da narrativa.

De repente, no meio da noite, Elsa acorda ao ouvir a voz misteriosa chamando-a novamente. Incapaz de ignorá-la desta vez, Elsa decide seguir a voz em "Minha Intuição". Essa canção foi descrita como a "resposta do filme a 'Livre Estou'", embora outras fontes tenham mencionado "Vem Mostrar" como tal. A compositora Kristen Anderson-Lopez afirmou sobre essa canção que, pela primeira vez, Elsa consegue expressar seus desejos na música. Ela dá seu primeiro passo metafórico e físico em direção a um mundo maior, representando seu crescimento e sua disposição em assumir responsabilidades. A declaração da compositora foi feita à revista Vanity Fair em novembro de 2019 em tradução livre.

A canção aborda a ambivalência de Elsa entre a relutância e o desejo de seguir a voz misteriosa que a chama. No entanto, sem querer, ela acaba despertando os espíritos elementais, desencadeando um desequilíbrio nos recursos naturais de Arendelle. Pabbie, o líder dos trolls, percebe o perigo iminente e adverte Anna e Elsa que a única maneira de restaurar a harmonia é desvendando a verdade sobre o passado do reino; caso contrário, ele não vislumbra um futuro promissor para Arendelle.

Elsa tenta explicar à sua irmã que ela deve ir sozinha, mas Anna insiste em acompanhá-la, e, no final, todos embarcam juntos nessa jornada perigosa em direção a Floresta Encantada para restaurar os recursos do reino e buscar a paz com os espíritos elementais. Anna, Elsa, Olaf, Kristoff e Sven unem forças para enfrentar o desafio. Contudo, Pabbie tem uma conversa particular com Anna, expressando sua preocupação de que sempre temeram que os poderes de Elsa fossem muito grandes para o mundo, mas agora eles estão rezando para que sejam suficientes para salvar Arendelle. Compreendendo a gravidade de suas palavras, Anna promete cuidar de Elsa e mantê-la segura, jurando: "Não permitirei que nada aconteça com ela".

Ao chegarem à entrada da Floresta Encantada, encontram uma parede impenetrável de névoa que se abre momentaneamente graças aos poderes de Elsa, permitindo-lhes adentrar antes de se fechar novamente. O grupo encontra pela primeira vez Gale, o espírito do vento, que se manifesta como um tornado. Elsa usa sua magia para interrompê-lo, criando esculturas de gelo que revelam memórias do passado de seu pai e a verdade sobre sua mãe, Iduna, que era a misteriosa Northuldra que havia salvado Agnarr em um conflito envolvendo Rei Runeard e o líder Northuldra.

Enquanto exploram a floresta, o grupo se depara com os povos Northuldra em meio a um tenso impasse com uma tropa de soldados de Arendelle, já que ambos os grupos permanecem em conflito. Durante esse momento crítico, o espírito de fogo, que se manifesta na forma de uma salamandra mágica agitada chamada Bruni, surge e ameaça com suas chamas. Elsa assume a responsabilidade de impedir a propagação do fogo, e com coragem, ela e Anna conseguem estabelecer uma trégua entre os soldados e os Northuldra. Nesse processo, revelam sua linhagem, explicando que sua mãe era Northuldra e seu pai era Agnarr, o príncipe de Arendelle. Esse esclarecimento surpreende o Tenente Mattias, um soldado de Arendelle, que relembra memórias do jovem príncipe. Além disso, os jovens irmãos Northuldra, Honeymaren e Ryder, compartilham informações sobre o xale da rainha Iduna, que ostenta um padrão tradicional de Northuldra, enquanto revelam a existência do quinto espírito, uma entidade que está destinada a unir as pessoas e a magia da natureza.

Enquanto Elsa, Anna e Olaf prosseguiram em sua jornada para o norte, Kristoff, que há algum tempo vinha se preparando para pedir Anna em casamento, não conseguia encontrar o momento ideal e, inadvertidamente, não percebeu que Anna já havia partido, ficando para trás com seu novo amigo Ryder, um amante de renas. Nesse momento de desencontro, Kristoff se entregou a uma emocionante canção intitulada "Não sei onde estou". A música expressa a angústia e a incerteza de estar separado de alguém querido, descrevendo a sensação de ter perdido o rumo e a identidade na ausência desse alguém. O eu lírico busca desesperadamente se reconectar com essa pessoa, destacando a importância dela em sua vida e a determinação em superar os obstáculos para encontrá-la novamente. Transmitindo a ideia de que o amor e a busca pela pessoa amada são forças que guiam e dão significado à vida, mesmo quando se está perdido e confuso.Tudo isso é entoado em uma balada no estilo dos anos 80, com harmonias sobrepostas pelas renas, conforme relatado no documentário "Minha Intuição: Nos Bastidores de Frozen 2" por Jonathan Groff, a voz original de Kristoff e Sven na versão norte americana do filme, e também confirmado pelo casal de compositores Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez. A cena do primeiro solo de Kristoff faz alusões à estética de clipes dos anos 80, em especial ao clipe de "Bohemian Rhapsody", uma canção composta em 1975 por Freddie Mercury, integrante da banda britânica Queen, e incluída no álbum "A Night at the Opera". No referido clipe, aparecem as silhuetas e os rostos em penumbra da banda em destaque, assim como de Kristoff e as renas em "Não sei onde estou".

Enquanto isso, as irmãs seguem as coordenadas de Gale, o espírito do vento, e encontram o naufrágio de seus pais. Dentro de um compartimento secreto dos destroços do navio, elas descobrem um mapa que indica o caminho para Ahtohallan, um rio mítico que promete respostas e esclarecimentos sobre o passado. Ele é o "rio repleto de memórias" mencionado na canção de ninar da Rainha Iduna, que Elsa identifica como uma melodia tradicional dos Northuldra, reforçando o que Olaf disse sobre a água ter memória. Elsa, então, decide absorver todas as gotículas de água ainda embutidas no casco do navio e congelar. As irmãs se deparam com uma escultura de gelo que representa seus pais se abraçando no momento em que estão prestes a enfrentar a tempestade do sombrio Mar Escuro. Elsa e Anna se emocionam profundamente. Sentindo-se responsável e culpada pela tragédia de seus pais, Elsa decide seguir sozinha, enviando Anna e Olaf em um barco de gelo sem destino programado. Eles devem evitar os agora adormecidos Gigantes da Terra, os espíritos rochosos do tamanho de uma montanha da Floresta Encantada representando o elemento terra. Anna e Olaf acabam presos em uma caverna escura e enigmática, abrigando sentimentos de raiva, fúria, frustração e abandono devido à decisão de Elsa de se afastar novamente.

Entretanto, o clímax da história se desenrola quando Elsa decide embarcar sozinha em direção a Ahtohallan, o lendário rio que guarda os segredos do passado. Em sua jornada, Elsa cruza caminho com o Nokk, o espírito da água que assume a forma de um majestoso cavalo aquático. Com determinação, ela consegue domar o Nokk, em uma cena épica durante uma  tempestade e simbolicamente assim que ela detém o controle da situação o mar se acalma e ela finalmente consegue chegar ao Ahtohallan.

No interior do Ahtohallan, Elsa faz descobertas cruciais. Ela percebe que a voz misteriosa que a estava chamando era, na verdade, o chamado de sua mãe, Iduna, ecoando através das memórias do passado projetadas nas paredes. Elsa compreende que seus poderes foram um presente da magia da natureza, em retribuição ao ato altruísta de sua mãe ao salvar seu pai Agnarr durante o conflito entre os Northuldra e o povo de Arendelle.

Essa revelação leva Elsa a compreender que ela é, de fato, o quinto espírito, uma ponte entre os seres humanos e a natureza, destinada a unir as diferenças entre eles. Tudo isso é acompanhado pela apoteótica canção "Vem mostrar", cuja letra expressa a seguinte súplica: "Vem mostrar qual é a verdade / Vem mostrar, deixa eu ver / A vida inteira eu esperei para te conhecer / Vem mostrar, eu quero entender". O desejo ardente de Elsa é descobrir a verdade mais profunda sobre si mesma, e ela reconhece que somente a Voz que a está chamando é a chave para essa compreensão. Ela anseia por finalmente vislumbrar a identidade daquela que a convoca. A canção enfatiza a importância do autoconhecimento e da aceitação de quem somos, bem como a disposição de enfrentar o desconhecido em busca de nossa verdade interior.

"Vem mostrar" pode ser considerada o equivalente de "Livre Estou" do primeiro filme, tanto pela emotiva performance quanto pelo arquétipo épico que representa. Até mesmo o momento em que o novo vestido de Elsa muda de cor ecoa o icônico momento de "Livre Estou", onde uma transformação semelhante ocorreu.

Além disso, através de flashbacks e memórias, Elsa descobre que a barragem foi construída como uma manobra para enfraquecer os recursos dos Northuldra. Esse plano foi arquitetado por Rei Runeard, o seu avô, devido à sua aversão à conexão da tribo com a magia, pois acreditava que isso lhes dava razões para desafiar a realeza. Elsa se entristece ao perceber que o Rei Runeard permitiu que o medo controlasse suas ações, enquanto ela própria aprendeu a não confiar no medo.

No entanto, Elsa foi longe demais ao buscar incansavelmente a verdade e ao adentrar a parte mais perigosa do Ahtohallan, ignorando os avisos de sua mãe. Como resultado, Elsa enfrenta um destino trágico. Ela começa a congelar, transformando-se gradualmente em gelo sólido, uma experiência mais dolorosa e prolongada do que a que Anna enfrentou sob a maldição do coração congelado. No entanto, antes de dar seu último suspiro, ela emite um feixe mágico e compartilha toda a verdade com Anna.

Ainda na caverna escura, Olaf, feito da magia agora extinta de Elsa, desaparece e se transforma em uma pilha de neve. Anna fica devastada, enfrentando a perda de sua irmã e de Olaf. Ela sente que sua vida perdeu o sentido e está à beira do desespero, mas, com determinação, decide seguir em frente, e "Fazer o Que É Melhor". A canção encapsula uma mensagem muito forte de perseverança e resiliência num momento tão devastador de desorientação, insegurança e luto.

Nesse ponto dramático do filme, podemos notar que a dor do luto não se limita apenas àqueles que se foram, mas também representa a perda da sua própria identidade. Anna simboliza uma faceta complexa dessa experiência. Sua personalidade sempre foi calibrada para o otimismo, o que se manifesta em uma permissão de precisar que os outros a satisfaçam. Anna agora enfrenta uma realidade em que as pessoas que ela dependia emocionalmente partiram, e ela compreende que é necessário seguir em frente para sua própria sobrevivência. Isso torna a situação ainda mais angustiante, especialmente considerando que, no início do filme, ela entoava confiantemente a canção de que "algumas coisas nunca mudam".

Devastada pela perda de sua irmã e Olaf, Anna decide que a barragem que dividia as comunidades deve ser destruída para restaurar a paz, mesmo que isso signifique a destruição de Arendelle. Com a ajuda dos Gigantes da Terra e seus amigos, ela consegue realizar essa tarefa. Esse feito também acaba descongelando Elsa, que retorna a Arendelle com o Nokk, espírito elementar em forma de cavalo da água que serve como guardião do Mar Escuro. Elsa consegue interromper a inundação da barragem e evitar que o fiorde onde Arendelle está localizada seja inundado, encerrando assim o conflito entre os povos e restaurando a harmonia. Arendelle e a Floresta Encantada estão, finalmente, unidas.

Elsa reencontra Anna e revive Olaf, trazendo alegria a todos. Kristoff finalmente pede Anna em casamento, e ela prontamente aceita. Elsa destaca que ela e Anna agora desempenham o papel de pontes entre as pessoas e os espíritos mágicos, lembrando que uma ponte tem duas extremidades e a mãe delas teve duas filhas. Com a Floresta Encantada e Arendelle agora abertas e conectadas uma à outra, Elsa decide viver na floresta com os Northuldra, assumindo o papel de quinto espírito. Como resultado, Anna é coroada a nova Rainha de Arendelle, após Elsa abdicar do trono.

A história culmina com um vislumbre de um futuro promissor, onde a reconciliação e a esperança prevalecem. Os povos vivem em paz sob a liderança de Anna e a proteção de Elsa. Uma nova estátua é erguida para honrar a memória dos pais das irmãs, o Rei Agnar e a Rainha Iduna, simbolizando a união entre as terras e celebrando um novo começo de paz e prosperidade.

"Frozen 2" é uma narrativa rica e envolvente que explora o amadurecimento dos personagens, aprofunda o mundo mágico criado no primeiro filme e apresenta novos desafios emocionantes enquanto mantém o humor e o encanto que tornaram o original tão querido pelo público. É uma adição significante. O filme explora temas de autodescoberta, identidade, responsabilidade, e a importância de se enfrentar o passado para seguir em frente. Além disso, há uma mensagem forte sobre a conexão entre a humanidade e a natureza, destacando a necessidade de cuidar do meio ambiente.

4.4. De 'Livre Estou' para 'Minha Intuição', o que muda em Frozen? Análise a partir dos aspectos da fotografia

A análise comparativa dos aspectos da fotografia entre dois filmes de uma mesma franquia cinematográfica pode revelar nuances e simbolismos que transcendem o enredo, fornecendo uma perspectiva enriquecedora sobre o desenvolvimento dos personagens e a evolução da história. Este estudo se propõe a examinar as diferenças significativas na fotografia entre 'Frozen: Uma Aventura Congelante' (Frozen 1) e sua sequência, 'Frozen 2', a fim de desvendar o simbolismo intrínseco e as mensagens visuais que a equipe criativa de designers e animadores empregaram. Acredita-se que a paleta de cores, iluminação e estilo visual desempenhem papéis cruciais na comunicação de temas, relacionamentos e crescimento dos personagens, tornando-os elementos centrais na narrativa visual que se desenrola nessa amada franquia de animação.

Figura 1: Paleta de cores do filme "Frozen: Uma Aventura Congelante"

Fonte: Ilustração do livro “The Art Of Frozen” - Lisa Keene / Digital

Frozen: Uma Aventura Congelante, possui uma paleta de cores frias, composta principalmente por tons de azul, rosa e roxo vibrantes, desempenha um papel vital na construção da narrativa visual do filme. Essas cores não são meramente escolhidas ao acaso, mas simbolicamente carregam os temas centrais da história. O azul e verde água refletem a solidão e o isolamento da rainha Elsa, cujos poderes de gelo são uma metáfora para sua reclusão emocional. O rosa, por outro lado, é uma representação do amor e do calor que Anna possui e que é central para as interações entre as irmãs. Esse contraste visual nítido estabelece a atmosfera única do reino de Arendelle e o conflito interno da protagonista. A paleta de cores do primeiro filme não é apenas um aspecto estético, mas uma ferramenta narrativa que ressoa com o público, criando uma experiência emocional profunda.

Por outro lado, Frozen 2 adota uma abordagem notavelmente diferente em relação à fotografia. A paleta de cores, agora mais terrosa e repleta de tons de laranja, marrom e vinho, está intrinsecamente ligada ao clima de outono e à exploração das origens mágicas de Elsa. Os cenários naturais da floresta encantada são pintados com matizes da natureza, criando uma atmosfera enigmática e mágica. Além disso, o filme se utiliza de elementos que acrescentam um toque de mistério, como a névoa e as brumas que obscurecem a vista de uma terra outonal, onde raios suaves de luz brilham nas folhas alaranjadas. O Mar Negro, que se apresenta impetuoso e imponente, também contribui para essa atmosfera misteriosa e se apresenta como uma cena notavelmente escura. Todas essas escolhas de fotografia e iluminação se combinam para criar uma atmosfera carregada de desafios e segredos que os personagens precisam enfrentar em sua jornada, contrastando de maneira marcante com a atmosfera mais clara e vibrante do primeiro filme.

Figura 2: Paleta de cores do filme "Frozen 2"

Fonte: Ilustração do livro "The Art Of Frozen 2" - Lisa Keene / Digital

Essa abordagem envolvendo a paleta de cores e a iluminação desempenha um papel fundamental na narrativa dos filmes e pode ser interpretada como um reflexo do crescimento e amadurecimento dos personagens. Elsa, em particular, passa de uma rainha assombrada por seus poderes e isolada por seu medo, para uma líder que abraça seu destino e sua herança. A mudança nas cores e na iluminação acompanha essa evolução, simbolizando a transformação de Elsa e também do espectador. O simbolismo presente nos filmes Frozen, em particular em Frozen 2, transcende a mera narrativa de conto de fadas, impactando de maneira significativa a percepção e experiência do público infantojuvenil. De acordo com a análise da psicanalista Mônica Pessanha, essas obras cinematográficas oferecem lições profundas sobre relações familiares, superação de adversidades e a importância da ação pessoal e resiliência, com uma abordagem envolvente. A análise de Pessanha também destaca a capacidade desses filmes em abordar questões contemporâneas da infância e adolescência, como o bullying, depressão e autoestima. Segundo a psicanalista, as mensagens veiculadas nesses filmes desempenham um papel crucial no direcionamento do crescimento e desenvolvimento de seu público jovem, demonstrando que enfrentar desafios e forjar seu próprio caminho são etapas inerentes e essenciais no processo de amadurecimento. Em suma, Frozen transcende seu status de mero conto de fadas e emerge como uma obra de relevância psicológica e emocional, conectando-se de maneira profunda com a realidade das crianças e adolescentes e também de adultos.

Vale a pena notar que os diretores de Frozen 2, Jennifer Lee e Chris Buck, atribuíram parte de sua inspiração à sua própria experiência parental no documentário ‘Minha Intuição: Nos Bastidores de Frozen 2’. Os episódios do documentário revelam como os personagens dos filmes Frozen se relacionam com as experiências de vida da equipe de produção. De forma notável, o terceiro episódio destaca uma história emocional: o personagem Ryder, introduzido em Frozen 2, desempenhou um papel significativo na vida do diretor Chris Buck. Durante a fase final da produção do primeiro Frozen, o filho de Buck, que também atendia pelo nome de Ryder, perdeu a vida em um trágico acidente de carro. Buck compartilhou que a festa de encerramento do primeiro filme foi um momento singular e desafiador, onde as pessoas expressavam seu amor pelo filme e, ao mesmo tempo, expressavam condolências pela perda de seu filho. O diretor também mencionou como a música "Fazer o Que É Melhor", interpretada por Anna, o auxiliou a enfrentar o luto e a manter-se comprometido com seu trabalho. Além disso, a natureza alegre e otimista, de Ryder, personagem que homenageia o nome do seu filho, proporcionou a Buck uma perspectiva renovada sobre a vida.

Essa perspectiva torna a jornada de autodescoberta e autoconhecimento de Elsa e Anna ainda mais tangível para o público, ampliando o apelo dos filmes para além de seu público infantil e convidando os espectadores a refletirem sobre suas próprias jornadas de crescimento e descoberta. A fotografia, nesse contexto, desempenha um papel crítico na comunicação de temas e emoções, tornando-se uma parte integral da narrativa visual da franquia Frozen.

4.5. Contexto Histórico: O gelo que não derrete

Em 2013, quando Frozen: Uma Aventura Congelante foi lançado, o mundo estava no meio de uma transformação cultural e social significativa. A discussão sobre igualdade de gênero estava ganhando destaque. Uma evidência mais clara desse fenômeno foi o lançamento da campanha global "HeForShe" da ONU Mulheres, em setembro de 2014, durante a Assembleia Geral das Nações Unidas, na cidade de Nova York. O movimento "HeForShe", também conhecido como "ElesPorElas", foi criado com o objetivo de envolver a população masculina na eliminação das barreiras sociais e culturais que há muito limitam o potencial das mulheres e seu acesso a espaços na sociedade. Além disso, a iniciativa promove a colaboração conjunta de homens e mulheres na construção de uma sociedade baseada na igualdade de gênero, marcando assim um importante passo em direção a um mundo mais justo e igualitário.

No Brasil, 2013 foi marcado por grandes manifestações populares e pelo debate sobre direitos civis e igualdade. As Jornadas de Junho, como ficou conhecido essas manifestações, representaram um marco na história brasileira, consistindo em uma série de mobilizações de massa que ocorreram de forma simultânea em mais de quinhentas cidades do país. Esses protestos foram impulsionados por diversas críticas e insatisfações profundas na sociedade. Dentre as principais questões levantadas, destacam-se o aumento das tarifas do transporte público, a violência policial, a carência de investimentos em serviços públicos essenciais, como saúde e educação, os consideráveis gastos com os megaeventos esportivos, a influência dos oligopólios de comunicação, a hegemonia e dominação de partidos políticos sobre os movimentos populares, bem como as crescentes deficiências do sistema de democracia representativa. Esse movimento multifacetado expôs uma série de desafios e demandas que moldaram de forma duradoura o panorama político e social do Brasil.

Enquanto isso, o filme Frozen: Uma Aventura Congelante, quebrou os estereótipos tradicionais das histórias de princesas ao destacar a importância do amor entre irmãs, em vez de depender de um romance tradicional. A relação entre Anna e Elsa simboliza o empoderamento feminino e a autonomia.

Em 2019, durante o lançamento de Frozen 2 nos cinemas, o mundo se deparava com desafios críticos e questões prementes. A discussão sobre as mudanças climáticas e a preservação do meio ambiente estava centralizada nas atenções globais, com jovens ativistas notáveis como Greta Thunberg liderando um movimento internacional. A ativista sueca, durante a Cúpula do Clima da ONU em Nova York, dirigiu-se a líderes de 60 nações com uma mensagem contundente. Ela expressou que sua infância havia sido prejudicada pelas "palavras vazias" proferidas por esses líderes. A Cúpula do Clima, convocada pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, coincidiu com a crescente pressão da juventude mundial que exigia ações concretas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa. Thunberg responsabilizou os adultos por sua falta de ação na proteção do meio ambiente e enfatizou a urgência de medidas significativas para enfrentar a crise climática. Essa conjuntura global de ativismo e conscientização ambiental ecoou nos temas abordados em Frozen 2, tornando o filme uma expressão cultural e artística do seu tempo.

No Brasil, o trágico rompimento de uma barragem de rejeitos de minério de ferro na cidade de Brumadinho, Minas Gerais, resultando em 186 mortes e 122 pessoas desaparecidas, marcou um dos eventos mais sombrios do período, evidenciando a necessidade crítica de preservar a natureza. Paralelamente, a esfera cultural trouxe reflexões importantes. A Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira conquistou o título de campeã do Carnaval do Rio de Janeiro com o enredo "História pra ninar gente grande", uma narrativa que abraçou uma abordagem disruptiva e decolonial à história. Essa conquista proporcionou um espaço para vozes marginalizadas e reconstruiu a compreensão da história brasileira, promovendo um profundo descobrimento das raízes, de maneira semelhante à jornada da personagem Elsa.

Ademais, o filme Frozen 2, para além de abordar a proteção da natureza como um componente narrativo, explorou as complexidades das relações familiares e a necessidade de revisitar o passado para ressignificar o presente, refletindo assim as profundas transformações que a sociedade enfrentava. Esse notável paralelo entre o contexto da trama de Frozen 2 e as questões reais do mundo confirma a relevância cultural desta obra. Essa conexão intrínseca entre o conteúdo do filme e as preocupações do mundo real pode contribuir para sua recepção calorosa pelo público. Além disso, destaca o poder da cultura como uma prática social contínua, capaz de refletir e influenciar as mudanças em nossa sociedade, promovendo conscientização e transformação em nosso entendimento do mundo que nos cerca. A cultura não se limita a ser uma expressão artística, mas é uma ferramenta poderosa para moldar nossa visão de mundo e direcionar nossas ações.

5. CAPÍTULO 2 | Forjando os Pilares Glaciais: Referências Teóricas e Metodológicas

Elsa se destaca por suas notáveis habilidades de criocinese, que transcendem as limitações da realidade, dando vida a um majestoso castelo de gelo. À medida que inicio esta fase da pesquisa, é como se estivesse construindo também um castelo de gelo. Como eu não possuo poderes mágicos, meu esforço se assemelha mais ao árduo trabalho dos coletores de gelo. Paralelamente à proeza de Elsa, esta introdução simboliza o início de uma jornada para compreender os pilares essenciais que sustentam a análise cultural da franquia "Frozen".

Neste capítulo, serão apresentadas ideias fundamentais relacionadas à pesquisa sobre "Frozen", considerando especificamente que, ao utilizar esse termo, estou me referindo aos dois filmes da franquia. Para isso, é crucial que tenhamos uma compreensão sólida dos Estudos Culturais, pois eles são como os alicerces desta pesquisa. Os Estudos Culturais desempenham um papel fundamental na interpretação das complexas dinâmicas culturais em nossa sociedade contemporânea, fornecendo-nos as ferramentas conceituais e metodológicas necessárias para explorar as interações entre identidade, poder, representação e significado.

Esta pesquisa se fundamenta nas valiosas contribuições de autores renomados, com ênfase nos Estudos Culturais de Stuart Hall, nas perspectivas teóricas de Ana Carolina Escosteguy e na abordagem política e ideológica dos produtos culturais, conforme destacado por Douglas Kellner em sua obra "A Cultura da Mídia", particularmente no capítulo intitulado "Por um Estudo Cultural Multicultural e Multiperspectívico". Esses pensadores fornecem as lentes através das quais serão examinados os elementos culturais e simbólicos presentes nos filmes de "Frozen."

Ao longo deste capítulo, mergulharei nos "sentidos ativados" e nas percepções e emoções geradas ao assistir aos filmes, bem como as mensagens transmitidas e as ideias associadas a eles. Também será considerado o modo como as pessoas consomem esses sentidos, ou seja, como assistem aos filmes, debatem sobre eles, criam fanarts, vestem fantasias e outras formas de envolvimento. Será examinado como esses sentidos são compartilhados por diferentes espectadores, explorando como as mensagens do filme são interpretadas e incorporadas por pessoas de várias idades e de vivências e experiências das mais plurais.

Por fim, explico a importância de investigar esses sentidos ativados, visando compreender como "Frozen" impacta a cultura e a sociedade, além de demonstrar como as histórias podem influenciar as pessoas de maneiras diversas. Em resumo, este capítulo é crucial para a análise dos significados e mensagens subjacentes à narrativa do filme.

5.1. Quebrando o gelo: Explorando os Estudos Culturais e sua Definição

Como as imagens que nos cercam contribuem para a nossa compreensão do mundo em que vivemos? O que elas realmente representam? A pesquisa sobre representações busca responder a essas perguntas, analisando como as imagens retratam a realidade, identificando seus criadores e seus propósitos. A representação desempenha um papel central nos Estudos Culturais, pois visa investigar como a mídia retrata a "realidade". No entanto, antes de adentrar nas reflexões sobre representação, é fundamental entender o contexto histórico e a formação dos Estudos Culturais, que construíram seu legado teórico.

A compreensão dos Estudos Culturais é essencial, uma vez que servem como a base teórica principal desta pesquisa. Partindo dessa perspectiva, é crucial explorar o campo dos Estudos Culturais, que têm desempenhado um papel fundamental na análise e interpretação das dinâmicas culturais contemporâneas. Essa abordagem multidisciplinar oferece as ferramentas conceituais e metodológicas necessárias para examinar as complexas interações entre identidade, poder, representação e significado na sociedade. Portanto, ao mergulhar nas teorias e métodos dos Estudos Culturais, este trabalho de pesquisa busca esclarecer questões cruciais relacionadas à cultura, à diversidade e à produção de significado em nosso mundo em constante mudança.

A base teórica central deste estudo baseia-se nas contribuições de renomados autores dos Estudos Culturais, com destaque para Hall (2016) e Escosteguy (2000). A análise será ancorada nos conceitos fundamentais de representação e representatividade delineados por esses acadêmicos. Por meio dessas bases teóricas, buscamos obter uma compreensão mais aprofundada das complexas dinâmicas culturais e de significado presentes na franquia "Frozen" e dos sentidos ativados por ela. Esses conceitos fornecem uma estrutura sólida para a investigação dos elementos culturais e simbólicos presentes nos filmes, permitindo uma análise crítica e contextualizada.

Para iniciar essa exploração, adotamos a abordagem sugerida por Silva (2016), a partir das reflexões de Hall que destaca que "no trabalho intelectual sério e crítico não existem inícios absolutos e poucas são as continuidades inquebrantáveis." Em vez de demarcar um início absoluto, é mais interessante compreender as influências desse campo interdisciplinar e transitório. Para Hall (2016) os Estudos Culturais não podem ser entendidos como uma disciplina e sim como um campo, ou uma área de estudos para a qual confluem diversas disciplinas.

Os Estudos Culturais representam um domínio de investigação caracterizado pela interdisciplinaridade, dedicado à análise das formas como os significados são gerados e disseminados nas sociedades contemporâneas. Sob essa perspectiva, a criação de significados e os discursos normativos que orientam as práticas de significação na sociedade permitem a compreensão do papel do poder na regulamentação das atividades cotidianas nas diversas estruturas sociais.  Por exemplo, ao analisar o filme "Frozen," os Estudos Culturais se concentram em examinar como os significados e mensagens presentes na história, como a valorização do amor fraternal e a subversão de estereótipos de gênero, são produzidos e disseminados na sociedade. Além disso, destacariam como esses significados influenciam a percepção do público e como o filme pode ser uma ferramenta para debater questões culturais e sociais.

Após o término da Segunda Guerra Mundial, o mundo ocidental testemunhou o surgimento de uma sociedade de consumo, caracterizada pela produção em larga escala e pela expansão do uso dos meios de comunicação. Foi nesse contexto de grandes transformações históricas que os Estudos Culturais tiveram sua origem na Inglaterra, por volta de 1957, como resposta às novas tradições culturais da classe trabalhadora inglesa no pós-guerra. No entanto, apenas em 1964, o campo dos Estudos Culturais foi oficialmente institucionalizado no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) da Universidade de Birmingham, sob a liderança de Richard Hoggart. De acordo com Jonhson (2006), três textos estabeleceram os fundamentos dos Estudos Culturais: "The Uses of Literacy" de Hoggart (1957), "Culture and Society" de Williams (1958) e "The Making of the English Working-Class" de E. P. Thompson (1963).

Os Estudos Culturais surgiram como uma resposta à necessidade de romper com as abordagens tradicionais que consideravam a cultura como algo separado da vida cotidiana. Essa abordagem representou uma quebra significativa com a tradição teórica que categorizava a cultura com base na dicotomia entre alta e baixa cultura, introduzindo novas maneiras de abordar o conceito de cultura. Como argumenta Hall (2016), a cultura sempre teve importância em diversas áreas do conhecimento, mas nem sempre recebeu o devido destaque nas Ciências Humanas e Sociais. De acordo com Escosteguy (2000), os Estudos Culturais promoveram uma mudança significativa na compreensão da cultura, abrindo caminho para repensar a divisão entre cultura popular e erudita. Hall descreve isso como uma "virada cultural," representando uma revolução no pensamento humano em relação ao conceito de cultura, superando as abordagens anteriores baseadas na dicotomia cultural. Isso implicou em reconhecer a importância da cultura em todos os aspectos da vida e nas diversas áreas do conhecimento.

A partir dessas mudanças, foram estabelecidos os princípios fundamentais dos Estudos Culturais, que incluem o reconhecimento das culturas vividas como objeto de estudo separado, a valorização da complexidade das formas simbólicas, a crença de que as classes populares possuem suas próprias culturas legítimas, e a ênfase na interdisciplinaridade, superando as barreiras das disciplinas acadêmicas tradicionais (ESCOSTEGUY, 2000).

Considerando o exemplo de "Frozen," o filme de animação da Disney, podemos aplicar os princípios dos Estudos Culturais para entender sua importância e impacto na cultura contemporânea. Inicialmente, "Frozen" desafia a tradição das histórias de princesas da Disney, introduzindo personagens femininas fortes e independentes, quebrando a dicotomia entre princesas "tradicionais" e "não tradicionais." Isso reflete a mudança nas representações culturais de gênero. Além disso, o filme exemplifica como a cultura popular pode ter um impacto significativo na sociedade e na indústria do entretenimento, sendo debatido e reinterpretado em diversas áreas do conhecimento, desde a psicologia até os estudos de cinema e gênero. "Frozen" desafia as categorias tradicionais de cultura e demonstra como uma obra cultural pode transcender as fronteiras das disciplinas acadêmicas, exemplificando os princípios fundamentais dos Estudos Culturais mencionados.

Este capítulo serve como uma exploração das bases teóricas e metodológicas dos Estudos Culturais, com ênfase na introdução do conceito de "materialismo cultural." Essa abordagem analítica busca desvendar as redes de significações econômicas, sociais e culturais presentes em um objeto de pesquisa. Ao aplicar o materialismo cultural, no capítulo anterior, buscamos responder a perguntas-chave, como: O que é esse objeto de estudo? De onde ele vem? Quem o produziu? Para quem ele fala? Qual é o público-alvo desse objeto?

No contexto da análise cultural de "Frozen," o materialismo cultural revela-se uma ferramenta valiosa para desvendar as complexas significações presentes no filme. Os pesquisadores consideram não apenas a origem do filme e os criadores por trás dele, mas também o público-alvo e as implicações econômicas, sociais e culturais presentes na narrativa. Esta abordagem permite explorar como o filme se encaixa na sociedade, como influencia a cultura contemporânea e como as diferentes camadas de significado estão interconectadas.

De acordo com Stefen, Henriques e Lisboa (2022), os Estudos Culturais também foram influenciados pelo marxismo, que via a cultura como amplamente controlada pela economia. Essa perspectiva considerava a cultura como uma mera manifestação das estruturas econômicas, onde o dinheiro e o poder econômico ditavam como as pessoas viviam e pensavam.

No entanto, ao longo do tempo, os Estudos Culturais passaram a se distanciar dessa visão determinista da cultura, adotando uma abordagem mais rica e complexa. Eles argumentam que a cultura não era simplesmente um reflexo da economia, mas um campo de lutas, onde as pessoas expressavam suas identidades, valores e crenças. Essa evolução levou à adoção do conceito de "materialismo cultural", proposto por autores como Raymond Williams, que destacava que a cultura era algo real, criado pelas pessoas em suas vidas cotidianas, com suas próprias intenções e circunstâncias específicas.

Essa mudança de perspectiva é fundamental para a compreensão da cultura como um campo de batalha e expressão das diferenças sociais. Os Estudos Culturais reconhecem que a cultura não está simplesmente sob o controle das estruturas econômicas, mas desempenha um papel ativo na vida das pessoas e na dinâmica social. Portanto, a cultura não é apenas algo que vemos, mas algo que realmente afeta a sociedade, contribuindo para a maneira como a sociedade funciona como um todo.

O termo "materialismo cultural" surgiu a partir da visão de Karl Marx sobre as classes trabalhadoras e a exploração da mão de obra no século XIX. Marx adotou uma abordagem economicamente focada para entender essa dinâmica, estabelecendo o conceito de "materialismo histórico dialético". Segundo essa perspectiva, a história desempenha um papel fundamental na compreensão das dinâmicas de exploração do trabalho e do lucro que estavam ocorrendo naquele momento.

Nos Estudos Culturais, essa abordagem de materialismo cultural começou a ganhar força, destacando que não é apenas a história que produz significado e consequências, mas a cultura também se materializa e tem bases materiais. Anteriormente, a visão de cultura estava restrita à ideia de arte, entretenimento, música erudita, escultura e literatura, muitas vezes referida como "alta cultura". Esse tipo de cultura era consumido de forma restrita, principalmente pelas elites, perpetuando a dicotomia entre alta e baixa cultura.

A partir do enfoque no materialismo cultural, os pensadores dos Estudos Culturais começaram a repensar a concepção de cultura das classes trabalhadoras, reconhecendo que elas também têm sua própria cultura. Essa abordagem visava romper com o estigma de que as classes trabalhadoras não tinham cultura, pois a cultura está intrinsecamente ligada à materialidade do cotidiano. Ela só faz sentido quando está presente nas atividades diárias.

5.2. Para além da trança e da lancheira: Desvendando o Impacto de 'Frozen'

Quando discutimos o consumo, é crucial entender que vai além da simples aquisição de bens de consumo. Além de adquirir produtos para festas, fantasias, lancheiras ou copinhos, as pessoas estão, na verdade, consumindo ideias. Antes de comprar um bem material, elas incorporam uma ideia que possui um valor significativo para elas, algo que faz sentido em suas vidas.

A partir dessa perspectiva, fica claro por que pensadores como Stuart Hall desempenham um papel crucial nos Estudos Culturais, pois a cultura está presente em todos os aspectos do nosso cotidiano, desde a escolha de roupas e penteados até o local onde interagimos, comemos e consumimos não apenas financeiramente, mas também simbolicamente.

Stuart Hall foi um renomado teórico cultural e sociólogo britânico. Ele nasceu em 1932 na Jamaica e se mudou para o Reino Unido em 1951 para estudar na Universidade de Oxford. Hall é amplamente reconhecido por seu papel na formação dos Estudos Culturais como uma disciplina acadêmica e pela sua atuação no Centro de Estudos Culturais Contemporâneos (CCCS) da Universidade de Birmingham, onde trabalhou como diretor entre 1968 e 1979.

Hall desempenhou um papel fundamental na transformação dos Estudos Culturais, o livro "Cultura e Representação" de 2016 é um trabalho importante em sua obra. No capítulo "O Papel da Representação: Representação, Sentido e Linguagem," Hall discute a forma como a representação cultural, por meio de linguagem e símbolos, constrói significados na sociedade. Ele argumenta que a representação não é um reflexo direto da realidade, mas sim uma construção social e cultural.

Os Estudos Culturais desempenham um papel vital ao ajudar a entender por que as pessoas se identificam com narrativas culturais específicas. Para ilustrar isso, podemos recorrer ao exemplo da festa de Halloween, que não possui raízes brasileiras, mas ganha aderência periódica. Isso ocorre à medida que se distancia de sua origem europeia/estadunidense e se adapta às ressignificações de pautas presentes no mundo contemporâneo, como o empoderamento feminino representado por personagens de bruxas, que impactam a recepção dessa festa cultural em um contexto brasileiro.

Quando se aborda o Halloween no contexto brasileiro, muitas vezes se menciona a perda do folclore. No entanto, é interessante observar as perspectivas do renomado folclorista potiguar Câmara Cascudo (1898-1986), que dedicou sua vida à análise dos diversos elementos culturais presentes na rica mistura entre influências indígenas, europeias e africanas que caracterizam a cultura brasileira. Ele sustentou que, para que algo se torne folclórico, deve atender a critérios específicos, que incluem ser “antigo na memória do povo; anônimo em sua autoria; divulgado em seu conhecimento, e persistente nos repertórios orais ou no hábito normal”, como mencionado em sua obra "Folclore Brasileiro. Da mesma forma, manifestações culturais como o Carnaval e a Folia de Reis têm significados variados em diferentes regiões do Brasil, devido à sua materialidade cultural específica. Cada expressão cultural tem suas próprias características.

Além disso, é fundamental compreender que o materialismo cultural não opera isoladamente. Em outras palavras, há diversos outros elementos, tais como questões sociais, políticas, psicológicas e simbólicas, que desempenham um papel crucial na configuração do desenvolvimento cultural e do comportamento humano. Isso implica o reconhecimento da intrincada complexidade que permeia a cultura e a sociedade, demonstrando que não podemos abranger todos os fenômenos somente sob uma ótica material ou econômica. Em vez disso, para uma compreensão abrangente, é imprescindível considerar uma ampla gama de influências e variáveis que moldam a cultura e o comportamento humano.

Por exemplo, a obra "A Rainha da Neve" do autor dinamarquês Hans Christian Andersen, que serviu de inspiração para o filme Frozen, pode não ter o mesmo sucesso no Brasil devido à necessidade de adaptação a um contexto cultural distante da realidade brasileira. Essa afirmação se baseia nas dificuldades enfrentadas pelos estúdios Disney ao tentar transformar esse conto de fadas em uma animação que ressoasse com o público.

No curta-metragem de 8 minutos, intitulado "Descongelando: A Jornada da Disney de Hans Christian Andersen até Frozen", mergulhamos na fonte de inspiração por trás do sucesso fenomenal do filme. Após o êxito de "Branca de Neve" no final dos anos 30, Walt Disney voltou ao mundo dos contos de fadas em busca de histórias para suas futuras produções. Nesse contexto, o animador Marc Davis foi enviado à Escandinávia para pesquisar, retornando com informações valiosas sobre as histórias curtas e envolventes de Hans Christian Andersen. Essas histórias viriam a servir de base para curtas-metragens animados, incluindo "A Pequena Sereia", "A Menina do Fósforo", "O Soldado de Lata Firme", "A Rainha da Neve", "Thumbelina", "O Patinho Feio", "Os Sapatos Vermelhos" e "As Novas Roupas do Imperador". Essa incursão de Disney no rico mundo dos contos de Andersen proporcionou a base para a criação de algumas obras animadas que se tornariam verdadeiros clássicos.

Em 1939, a Disney atribuiu um número de produção à adaptação de "A Rainha da Neve" como história nº 1092. Houve rumores sobre uma colaboração para criar uma biografia de Hans Christian Andersen, com a Metro-Goldwyn-Mayer (MGM) cuidando da filmagem e a Disney da animação. No entanto, os detalhes sobre por que esse projeto não foi concluído permanecem incertos. Há boatos que o estúdio enfrentou desafios significativos ao adaptar o conto da "Rainha da Neve", já que não conseguiu encontrar uma maneira eficaz de tornar a personagem relevante para o público contemporâneo. Mesmo nas décadas de 1930 e 1940, ficou evidente que o material original tinha grande potencial para o cinema, porém a personagem da Rainha da Neve se mostrou problemática em termos de adaptação. A entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial levou a Disney a concentrar seus esforços na produção de propaganda de guerra, o que resultou na interrupção do desenvolvimento do projeto Disney-Goldwyn em 1942.

Um trecho do livro "The Art of Frozen" revela essa perspectiva, na qual o pesquisador norueguês Karl Berggrav observa que, embora a história conecte todos os elementos de forma satisfatória e preencha as lacunas, ela é considerada desinteressante e, em última análise, termina de maneira fraca, ou até mesmo banal. Isso demonstra a dificuldade de produzir uma animação de alta qualidade com base nessa história, enfatizando que a obra original de Hans Christian Andersen, "A Rainha da Neve", apresenta desafios substanciais quando se trata de sua adaptação para uma produção animada de sucesso.

O produtor de Frozen, Peter Del Vecho, reconhece os desafios na adaptação da história sombria de Hans Christian Andersen, afirmando que a versão original não se traduz facilmente em um filme. No entanto, a equipe conseguiu tornar a Rainha da Neve, Elsa, mais humana e relacionável, estabelecendo conexões com o público atual. Embora a história seja inspirada pelo conto original, a equipe se afastou em alguns aspectos, mantendo elementos essenciais para criar personagens e relacionamentos complexos que o público pode compreender e se identificar.

Quando decidimos fazer a Rainha da Neve Elsa e nossas irmãs protagonistas Anna, isso deu uma forma de se relacionar com as personagens de uma forma que transmitisse o que cada uma estava passando e que se relacionasse com o público de hoje. Este filme tem muitos personagens complicados e relacionamentos complicados. Há momentos em que Elsa faz coisas vilãs, mas como você entende de onde vem, desse desejo de se defender, você sempre pode se relacionar com ela." —— O produtor Peter Del Vecho, sobre as dificuldades de adaptação de A Rainha da Neve.

Mas afinal, o que torna "Frozen" um sucesso? Para compreender a essência que torna "Frozen" tão distintivo, é necessário adentrar no cerne deste trabalho, que busca analisar o impacto de "Frozen," uma narrativa inspirada em um conto dinamarquês sobre a Rainha da Neve, no público brasileiro. Essa análise se baseia na exploração das camadas da análise cultural. Para desvendar essa singularidade, é fundamental observar as conexões que "Frozen" estabeleceu com o público brasileiro. Uma das pistas dessa admiração pode ser estabelecida enquanto o seu caráter estético, a admiração despertada pela neve, algo incomum na realidade da maioria dos brasileiros, dadas as diferenças climáticas e culturais.

Nesse contexto, recorremos às contribuições dos estudos culturais de proeminentes teóricos, como Stuart Hall e Escosteguy, que lançam luz sobre por que as pessoas consomem cultura e como ela se insere na tessitura social e cultural. Essas análises auxiliam a compreender o fenômeno que tornou "Frozen" tão relevante para o público brasileiro. Ou seja, ajuda a compreender por que "Frozen" se tornou tão popular no Brasil e por que as pessoas se conectaram tanto com ele.

Os estudos culturais enfatizam que as representações culturais têm significado dentro do contexto histórico e social em que estão inseridas. Stuart Hall, em sua obra "Cultura e Representação," ilustra essa ideia com um exemplo elucidativo: as palavras "gelo" e "neve" possuem múltiplas variações de significado para os povos inuítes (esquimós), devido às necessidades de sua realidade específica. Essas variações de significado só fazem sentido dentro das convenções sociais, culturais e linguísticas que sustentam esses códigos culturais. Portanto, a análise cultural se torna fundamental para compreender por que "Frozen" ressoa de maneira tão profunda em diferentes contextos culturais, incluindo o Brasil.

5.3. Vejo uma porta abrir: Revisitando o conceito de adaptação e aura da arte a partir de “Frozen”

Num universo onde a arte perpetuamente dança entre o antigo e o novo, o conceito de adaptação emerge como um fio condutor vital. Em seu âmago, a adaptação transcende a simples transposição de narrativas; é um complexo ato de reinvenção, uma alquimia que desafia o tempo e as expectativas. Ao nos lançarmos na jornada congelante de "Frozen", somos compelidos a desvendar não apenas os flocos de neve que adornam Arendelle, mas também os matizes da adaptação que moldam a relação entre a obra original e sua versão animada.

Ao longo do tempo, a literatura e a produção cinematográfica têm nutrido uma relação de colaboração e cumplicidade. Essa conexão tem se expandido com uma variedade de propósitos, desde a transposição de obras literárias para o cinema até a extração de inspiração dessas fontes para criar novas narrativas. O resultado é uma dinâmica contínua de transformação e reinvenção do material existente.

Segundo Naremore (2000) “a adaptação é parte de uma teoria geral da repetição, já que narrativas são de fato repetidas de diversas maneiras e em meios artísticos ou culturais distintos” . Contudo, a adaptação de obras literárias para meios audiovisuais constitui um processo cultural complexo, mimetizado por sua natureza ora abstrata, ora inovadora. Sobre o tema, Guimarães (2003) destaca que o processo de adaptação de uma obra vai além da simples transposição do texto literário para outro meio e acaba gerando uma cadeira maior de novas referências traduções, interpretações e significados.

A introdução do livro "The Art of Frozen" proporciona uma visão reveladora da perspectiva de Walt Disney sobre a adaptação de conto de fadas para a animação:

“O conto de fadas do cinema criado com a magia da animação é o equivalente moderno das grandes parábolas da Idade Média. Criação é a palavra. Não adaptação. Não versão. Podemos traduzir o antigo conto de fadas em seu equivalente moderno sem perder a adorável pátina de sua qualidade de outrora... Provamos que o entretenimento milenar baseado no clássico conto de fadas não reconhece nem jovens, nem velhos.”  -Walt Disney

A reflexão de Walt Disney proporciona uma percepção profunda sobre a abordagem única que a animação pode oferecer ao conto de fadas, destacando não apenas a capacidade de recontar histórias antigas, mas também de reinventá-las para uma audiência contemporânea. O enfoque na criação, em detrimento de adaptação ou versão, implica uma visão mais expansiva da produção cinematográfica, onde a animação não apenas revive, mas transforma, recriando narrativas familiares de maneiras inovadoras. Isto é, reinterpretá-las de maneiras que ressoem com as sensibilidades do público moderno.

Quanto à habilidade de transpor um conto de fadas clássico para o contexto contemporâneo, preservando sua encantadora pátina, é pertinente explorar o conceito de "aura" proposto por Walter Benjamin. O trabalho de Benjamin concentrou-se na análise das obras de arte na sociedade industrial moderna, especialmente em relação aos novos suportes artísticos da época, como a fotografia e o cinema.

Adotando a abordagem sugerida por Palhares (2002), em  ensaio de 1935, "A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica", Benjamin expressa a ideia intensa de que a obra de arte está perdendo sua aura, destacando os desafios conceituais dessa transformação. Ele argumenta que a reprodutibilidade técnica pode levar à superação da aura pela obra de arte. No entanto, em seu texto de 1939, "Sobre alguns temas em Baudelaire", Benjamin aborda essa perda de maneira mais melancólica, introduzindo nuances adicionais à sua perspectiva.

Essa aparente divergência nas conclusões de Benjamin ao longo do tempo se manifesta principalmente na evolução de sua definição de "aura". Em 1935, a aura denota uma presença autoritária e tradicional, enquanto em 1939 representa uma experiência singular e emancipadora com as obras de arte.

A compreensão da "aura" pela ótica de Benjamin emerge de forma clara em seu ensaio "Pequena história da fotografia", de 1931. Nesse texto, ele apresenta uma definição clássica da aura como "uma estranha trama de espaço e tempo: a aparição única de uma distância, por mais próxima que esteja" (Benjamin 1, Band II, p.378). Essa definição é revisitada em seus escritos subsequentes, especialmente ao tratar do declínio da aura artística na modernidade.

Em síntese, a "aura" é conceituada por Benjamin como uma figura singular, composta de elementos espaciais e temporais que proporcionam a aparição única de algo distante, mesmo quando próximo. A busca contemporânea por reprodução visual, embora irresistível, contrasta com a imagem, onde a unicidade e a durabilidade estão intrinsecamente associadas. Benjamin alerta para o processo de retirar o objeto de seu invólucro e destruir sua aura, caracterizando uma forma de percepção que, através da reprodução, busca captar o "semelhante" até mesmo no fenômeno único.

Em termos mais simples, Walter Benjamin fala sobre a "aura" como se fosse a alma de uma obra de arte. Essa aura é como uma presença única e especial que a obra possui, uma espécie de essência que resulta da interação de elementos espaciais e temporais. É essa aura que dá à obra uma qualidade distinta, algo que a torna especial, mesmo quando estamos próximos a ela. Benjamin percebe que, nos dias de hoje, muitas vezes preferimos reproduções visuais, mas ele destaca que essa reprodução é diferente da verdadeira imagem. A verdadeira imagem carrega consigo a unicidade e a durabilidade, algo que se perde nas reproduções. Ao retirarmos a obra de seu contexto original, corremos o risco de perder essa essência única que a torna especial. Isso pode ser comparado a quando tentamos reproduzir ou adaptar histórias como "Frozen" ou "A Rainha da Neve" de Hans Christian Andersen. Ao fazer isso, corremos o risco de perder a alma original da história, aquilo que a torna única e autêntica. Então, preservar a aura é como preservar a alma da obra de arte.

Mas afinal, qual seria a aura de "Frozen" e ela seria responsável pela relevância de seu próprio fenômeno? A fim de explorar a alma do filme é necessário pensar na relação do filme com o conto do dinamarquês Hans Christian Andersen, que foi essencial para subsidiar a base de "Frozen".

O conto "A Rainha da Neve" de Hans Christian Andersen, publicado em 21 de dezembro de 1844 no primeiro volume dos Novos Contos de Fadas, é uma obra rica e complexa que mistura elementos do pagão ao espiritualismo cristão, incorporando características do Romantismo em meio ao realismo cotidiano. Além de abordar temas como amizade, coragem e esperança.

A história começa com um troll malvado que cria um espelho mágico revelando apenas o lado ruim das pessoas. Ao quebrar, os pedaços voam pelo vento, entrando nos olhos e corações das pessoas. Anos depois, conhecemos dois amigos, Kai e Gerda, que vivem felizes até que um fragmento do espelho mágico entra no olho de Kai, mudando sua personalidade. Ele fica frio, cruel, afastando-se de Gerda e caindo nas mãos da Rainha da Neve.A trama destaca a busca de Gerda para salvar a amizade e compreender como o espelho mágico afetou Kai. Uma jornada de coragem e esperança, repleta de desafios. A Rainha da Neve representa o perigo, mas também a chance de redenção para Kai. No desfecho, a história mostra que a verdadeira amizade supera encantamentos sombrios. Uma aventura encantadora que mistura magia e emoção, ensinando sobre amor, amizade e o poder da bondade. A narrativa é enriquecida pela simbologia da rainha da neve com a mitologia grega e nórdica. Como aponta Menna (2019):

“Vale destacar que a simbologia depreendida da misteriosa e bela rainha de cabelos platinados e poderes congelantes antecede à produção andersiana, já que se sustenta sobre a mitologia grega e nórdica, em divindades como Perséfone, Skadi, Freya e Hela, remetendo à sexualidade, ao feminino e à própria representação da morte.” (MENNA, 2019, p. 134)

A complexidade simbólica desta história contribui para sua atemporalidade, tornando-se uma fonte inspiradora para diversas adaptações. Um exemplo é a referência feita por C. S. Lewis em "As Crônicas de Nárnia", onde a Rainha da Neve é reinterpretada como A Feiticeira Branca. Essa influência também se estende a outras produções cinematográficas, como nos filmes "A Rainha da Neve" (Snezhnaya koroleva, The Snow Queen, URSS, 1957) e "O Reino Gelado" (Snezhnaya koroleva, The Snow Queen, Wizart Animation, Rússia, 2012), além de ter sido incorporada na série "Era uma Vez" (Once Upon A Time, ABC, Disney, 4ª temporada, 2014), entre muitas outras. Essa diversidade de adaptações destaca a duradoura influência e versatilidade simbólica da Rainha da Neve em diferentes contextos culturais e narrativos.

Será que a aura que envolve a Rainha da Neve se manifesta na personagem Elsa? Ao analisar as características da Rainha da Neve, percebemos sua influência sobre personagens como Elsa de "Frozen". Embora ambas compartilhem a temática do gelo e tenham em comum beleza e mistério, a Rainha da Neve se destaca como uma figura que encarna a vilania, apresentando atitudes maléficas e objetivos obscuros. Por outro lado, Elsa é uma criação contemporânea, conduzindo uma jornada de autodescoberta única e mais humanizada. Enquanto a primeira simboliza o poder sombrio, a segunda personifica a complexidade das experiências humanas. Entre o divino e o humano, essas personagens frequentemente se manifestam como seres ambíguos, assumindo por vezes o papel de seres amaldiçoados e, em outras ocasiões, representando puramente o mal; contudo, a essência delas é feminina. As semelhanças e divergências ressaltam a evolução dos arquétipos atemporais em diferentes contextos culturais.

Porém, será que as semelhanças e diferenças realmente terminam por aqui? Para compreender a verdadeira essência de "Frozen" e entender por que esse filme se tornou um fenômeno, é crucial investigar mais a fundo e examinar a origem da produção da obra. É preciso olhar para a figura do autor, investigando como a sensação única, conhecida como "aura", pode ter sido transmitida por meio de suas intenções e influências. A fim de analisar e desvendar o que torna "Frozen" um sucesso extraordinário.

6. Por trás da Rainha de Gelo: Quem é Hans Christian Andersen?

Hans Christian Andersen nasceu em 2 de abril de 1805 e faleceu em 4 de agosto de 1875, sendo um autor importante da Dinamarca. Ele deixou um legado literário diversificado, abrangendo peças de teatro, relatos de viagem, romances e poemas, mas ficou notavelmente reconhecido por seus encantadores contos de fadas.

Sendo filho de um sapateiro e de uma lavadeira, a infância de Andersen, conforme descrito por Vagula & Souza (2015), foi marcada por momentos singulares. Seu pai compartilhava histórias de La Fontaine, Holberg e das "Mil e uma noites". Andersen, em sua autobiografia "The Faire Tale of My Life," traduzida por W. Glyn Jones em 1954, relembra que esses foram seus primeiros contatos com textos literários.

Além disso, a infância do autor foi permeada pelas superstições de sua mãe e pelas histórias do folclore popular que ouvia dos internos no hospício, onde seu avô vivia e sua avó trabalhava. Adicionalmente, muitas peças teatrais assistidas no teatro de Odense contribuíram para moldar o imaginário de Andersen durante esse período fundamental de sua vida. Essas experiências, segundo Vagula & Souza (2015), desempenharam um papel crucial na formação do autor, deixando uma marca duradoura que influenciou suas obras futuras.

Seus contos de fadas mais famosos incluem "O Patinho Feio", "A Pequena Sereia", "A Princesa e a Ervilha", "O Soldadinho de Chumbo", "A Pequena Vendedora de Fósforos", "A Rainha do Gelo" e "A Polegarzinha".

Quanto à vida amorosa de Hans Christian Andersen, a orientação sexual tem sido objeto de controvérsias nos círculos acadêmicos. A discussão teve início em 1901, com o artigo "Hans Christian Andersen: Evidence of his Homosexuality" de Carl Albert Hansen Fahlberg na revista "Jahrbuch für sexuelle Zwischenstufe" de Magnus Hirschfeld. Atualmente, não há consenso sobre a sexualidade de Hans Christian Andersen, e é crucial interpretá-la à luz dos costumes sociais do século XIX, o que não é uma tarefa fácil. Andersen tinha um extenso círculo de amizades, sendo necessário considerar a diferença entre a concepção de "amizade" na sua época e nos dias de hoje. Embora ele manifestasse receios em relação a relacionamentos mais íntimos ou sexuais, era habilidoso em fazer amigos. Alguns autores sugerem que Andersen se apaixonou por mulheres e homens em sua vida adulta, e existem evidências que respaldam essas possibilidades.

Conforme o site do Centro Hans Christian Andersen da Universidade do Sul da Dinamarca, é apropriado destacar elementos que apontam para uma ambivalência na sua vida emocional no entanto o site destaca que em relação à esfera sexual seria errado descrevê-lo como homossexual e defender que ele teve relações sexuais com homens pois seria seria contraditório com a sua moral e ideais religiosos

Afim de tentar estabelecer a aura de Hans Christian Andersen, percebo em três de seus contos ("O Patinho Feio", "A Pequena Vendedora de Fósforos" e "A Pequena Sereia" ) a repetição de uma narrativa de não pertencimento e sofrimento causado pela exclusão de minorias devido às suas diferenças.

Em 'O Patinho Feio', por exemplo, a jornada do protagonista simboliza a busca por aceitação e identidade, refletindo a experiência de muitos que se sentem deslocados na sociedade. Da mesma forma, 'A Pequena Vendedora de Fósforos' simboliza a vulnerabilidade das crianças desfavorecidas, que são deixadas à margem da sociedade, enquanto 'A Pequena Sereia' explora temas relacionados à aceitação das diferenças e ao sacrifício em busca de pertencimento.

No entanto, questiono se essa essência se perde quando transferida para a animação, destacando críticas, como as de Benjamin, que argumentam a redução da aura em comparação com a obra original que inspirou "Frozen" e seus produtos relacionados, seja no livro, na tela ou no palco.

Embora Elsa apresente poucas semelhanças diretas com a personagem de "A Rainha da Neve", a conexão reside mais profundamente na vulnerabilidade que transcende outros contos de Andersen. Elsa encarna uma forma de fragilidade que ressoa com temas presentes em diversas obras do autor dinamarquês.

Essa vulnerabilidade, que Elsa compartilha com personagens como o Patinho Feio, a A Pequena Vendedora de Fósforo e a Pequena Sereia, de alguma maneira reflete um aspecto intrínseco nas criações de Andersen. A presença desse elemento na obra de Andersen imprime uma genuinidade e autenticidade emocional que ecoa além das diferenças superficiais nas histórias individuais.

A análise das suposições sobre a orientação sexual de Hans Christian Andersen ganha uma relevância ainda maior quando consideramos as expectativas e o imaginário que envolvem personagens contemporâneos, como Elsa. Essa associação também levanta a questão da "aura" de Andersen, um termo que pode ser entendido como a atmosfera única e complexa que envolve a vida e obra de um artista. A aura de Andersen, permeada por especulações sobre sua orientação sexual, parece ecoar no imaginário que cerca personagens modernos. A intrigante semelhança reside no desejo do público de ver a Disney assumir um papel ativo na representação de personagens pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+.

O público muitas vezes espera que a Disney abrace uma abordagem mais inclusiva e ativa, marcando personagens emblemáticos como Elsa com identidades que refletem a diversidade da sociedade moderna. Essa conexão entre as suposições sobre a vida pessoal de Andersen, sua "aura", e as expectativas em relação a personagens contemporâneos destaca como a percepção da orientação sexual pode transcender o tempo, refletindo a evolução das normas sociais e a busca por representatividade nas narrativas.

Ou seja, a especulação em torno da orientação sexual de Hans Christian Andersen e Elsa emerge como um componente caótico da complexa noção de "aura". Essa aura, que permeia tanto a vida quanto a obra de um artista, desempenha um papel crucial ao criar uma ressonância significativa com o público. Ela transcende a mera curiosidade sobre a vida pessoal do criador e do personagem, tornando-se um elemento essencial que confere autenticidade e relevância emocional às narrativas.

No livro "The Art of Frozen", é sugerido que Walt Disney pode ter experimentado um vínculo pessoal significativo com Hans Christian Andersen. A conexão entre esses dois visionários reside em suas trajetórias de vida notavelmente semelhantes, partindo de origens modestas para atingir um renome internacional como contadores de histórias. Tanto Walt quanto Andersen compartilharam o dom único de criar obras que transcendem as barreiras etárias, cativando tanto crianças quanto adultos. Suas contribuições ao mundo da narrativa não apenas moldaram a cultura popular, mas também demonstraram uma compreensão profunda da natureza humana e da imaginação, tornando-os ícones atemporais que deixaram um impacto duradouro no universo das histórias encantadoras.

Ao explorar a vulnerabilidade de Elsa, podemos identificar uma continuidade na abordagem de Andersen sobre a condição humana e suas complexidades. A animação "Frozen" captura essa essência, proporcionando uma experiência emocional que se conecta não apenas com a história específica de Elsa, mas também com o substrato emocional comum presente nos contos do autor.

Além disso, "Frozen" adquire ainda mais relevância ao abordar temas contemporâneos como o princípio da impulsividade, explorando a complexidade das emoções, como a raiva, e promovendo o empoderamento feminino. Esses elementos desempenham um papel crucial na compreensão da popularidade da obra no Brasil e em diversas partes do mundo.

A maneira como o filme lida com a impulsividade, por exemplo, oferece uma abordagem realista e multifacetada, especialmente ao retratar as decisões impulsivas de Elsa e Anna. Essa representação ressoa com a audiência, pois espelha as nuances da experiência humana e a jornada de autodescobrimento.

A exploração da raiva como um componente natural das emoções humanas adiciona camadas de profundidade à narrativa. Ao confrontar e lidar com a raiva, "Frozen" transcende estereótipos tradicionais de contos de fadas, abrindo espaço para diálogos valiosos sobre a complexidade emocional.

Outro aspecto notável é o empoderamento feminino presente na história, destacado principalmente pelas protagonistas Elsa e Anna. "Frozen" subverte expectativas ao retratar as personagens femininas como agentes ativos de suas próprias histórias, rompendo com tópicos convencionais em que as mulheres muitas vezes eram relegadas a papéis passivos.

No contexto brasileiro, onde discussões sobre representação e empoderamento feminino ganham destaque, "Frozen" ressoa particularmente. O filme oferece personagens femininas fortes e independentes, contribuindo para uma narrativa que se alinha com as aspirações e valores contemporâneos, ampliando sua atratividade e impacto cultural.

Assim, ao integrar temas modernos, "Frozen" vai além de uma simples adaptação de contos de Andersen e se torna um reflexo da sociedade atual, dialogando com audiências globais, incluindo o público brasileiro. Esses elementos adicionais de profundidade emocional e relevância social contribuem para a ressonância duradoura do filme, consolidando sua posição como uma obra que transcende fronteiras culturais e temporais.

Neste emaranhado de reinvenção, a aura da arte se redefine, pulsando entre a tradição dos contos de fadas e a modernidade da animação, gerando um diálogo que ecoa nas reflexões sobre pertencimento, transformação e, é claro, o frio que não parece tão incômodo assim.

6.1. Estruturando Pilares Glaciais por meio de um Estudo Cultural Multicultural e Multiperspectívico

Gelo, um símbolo poderoso de preservação, nos conduzirá a explorar as complexas camadas da cultura midiática. Da mesma forma que o gelo protege relíquias ao longo do tempo, nosso objetivo é desvendar as nuances da natureza política e ideológica dos produtos culturais, conforme destacado por Kellner (2001) em seu livro "A Cultura da Mídia", mais especificamente em seu capítulo "Por um Estudo Cultural Multicultural e Multiperspectívico". Seu foco na interpretação crítica da cultura da mídia, considerando diversas perspectivas e identidades, fundamentou cada passo deste TCC. A metáfora do gelo continuará a ser nossa bússola, guiando-nos enquanto exploramos as camadas desse terreno cultural, cujo significado e poder são constantemente disputados. Essa jornada não apenas ampliará nosso entendimento da cultura midiática, mas também fortalecerá os pilares para uma análise mais robusta e esclarecedora do impacto singular de "Frozen" no panorama cultural contemporâneo.

No contexto das discussões culturais no final do século XX, Kellner foi inspirado pelas correntes dos Estudos Culturais Ingleses e pela Escola de Frankfurt, Kellner propõe um rompimento epistemológico ao desafiar as barreiras artificiais que separavam os estudos culturais e a comunicação como disciplinas isoladas. Uma característica marcante de sua abordagem é a combinação crítica de diferentes teorias, visando criar um arcabouço teórico capaz de abordar as diversas questões suscitadas pela Cultura Pop. Aqui, o termo "Cultura Pop" referencia-se a produtos e práticas disseminados amplamente nas sociedades industrializadas tais como: roupas, cinema, televisão, cosplay, videogames, quadrinhos e assim por diante (POLATTO, 2023 apud CARVALHO, 2019; STRINATI, 1995).

No entanto, Strinati ressalta um ponto essencial ao tentar definir a Cultura Pop. Ele destaca que torna-se desafiador caracterizar a Cultura Pop de forma independente da teoria elaborada para explicá-la. Essa relação próxima evidencia a complexidade na compreensão da Cultura Pop, intrinsecamente ligada aos fundamentos teóricos criados para interpretá-la. Isso quer dizer que entender o que é Cultura Pop fica difícil se a gente tentar separar das ideias teóricas que explicam ela.

A "Cultura da Mídia" emerge como uma redefinição nos anos 1990, consolidando conceitos úteis para a análise cultural. Kellner opta por este termo para abranger a cultura em torno da mídia e das tecnologias com o intuito de alcançar uma audiência massiva. Nesse contexto, a Cultura da Mídia se revela como um campo de conflitos e disputas pela hegemonia, adotando uma perspectiva gramsciana que reconhece a não unilateralidade da dominação, contrariando a visão da Escola de Frankfurt.

Analogamente, podemos notar os princípios fundamentais da "Cultura da Mídia" de Kellner ressoando de maneira fascinante no fenômeno cultural de "Frozen". Assim como a "Cultura da Mídia" de Kellner destaca a dinâmica de conflitos e disputas pela hegemonia, podemos identificar esses elementos no impacto cultural de "Frozen". A franquia não apenas conquistou popularidade, mas também gerou debates significativos sobre representação, empoderamento e narrativas não convencionais.

As personagens Anna e Elsa representam as mudanças na sociedade, especialmente no papel das mulheres, e questionam as tradições dos contos de fadas. No enredo, a felicidade e o conceito de "amor verdadeiro" não dependem mais de um príncipe, mostrando a autonomia das mulheres para determinar seus próprios desejos. Isso reflete a realidade atual e desafia os estigmas sobre papéis de gênero, contribuindo para uma discussão mais ampla sobre as transformações sociais e culturais. "Frozen" torna-se assim uma representação marcante da emancipação feminina.

Em uma reveladora entrevista à Vanity Fair em 29 de novembro de 2023, a equipe de "Frozen" compartilhou que idealizou um musical completo, inspirado no estilo clássico da Disney, centrado em duas protagonistas femininas que descobrem que o amor verdadeiro não é romântico, mas sim o vínculo indelével entre irmãs. No entanto, essa narrativa não encontrou clara expressão nos trailers do filme, os quais venderam Frozen como uma comédia de aventura, quase excluindo a presença de Elsa.

A co-diretora criativa, Jennifer Lee, enfrentou desafios ao comunicar a essência centrada na relação entre irmãs. O diretor de animação, Michael Giaimo, revelou a complexidade de lidar com restrições sobre a divulgação de temas como irmãs, conto de fadas, musical e princesa. Jennifer Lee, ao complementar, ressaltou as incertezas sobre o impacto do filme, destacando a cautela da equipe durante a promoção inicial.

A estratégia de esconder a natureza musical e os elementos de contos de fadas nos trailers, por receio de afastar o público masculino, foi apelidada por Kristen Anderson-Lopez como "enterrar o musical na neve". Jonathan Groff, intérprete de Kristoff, descreveu essa abordagem de marketing como um "cavalo de Troia", expressando surpresa ao perceber que a promoção não refletia totalmente a natureza do filme. O primeiro pôster, centrado nas cabeças dos personagens emergindo da neve, sugeriu uma abordagem mais voltada para a comédia do boneco de neve e das renas, possivelmente influenciada pelo sucesso de A Era do Gelo naquela época, apontou Groff.

Figura 3: A imagem da esquerda refere-se ao primeiro pôster oficial de "Frozen: Uma Aventura Congelante (2013)" A imagem da direita é o primeiro pôster oficial de "Frozen 2 (2019)"

Foto: Divulgação/Disney

Ou seja, o marketing esquisito de 'Frozen', que escondeu que o filme era um musical e os aspectos de contos de fadas por medo de "espantar" o público masculino, revela o receio e acovardamento por parte da equipe em relação à expectativa da recepção do filme. Dessa forma, o marketing proposto revelou um caráter meticuloso e nem tão emancipatório feminista por parte dos produtores.

A perspectiva adotada por Kellner, que sublinha a não unilateralidade da dominação cultural, encontra reflexo na recepção e na interpretação multifacetada que "Frozen" desencadeou. A história vai além de ser apenas uma obra de entretenimento, provocando discussões mais amplas sobre cultura e identidade. Essa interconexão revela como a "Cultura da Mídia" proposta por Kellner não é meramente uma teoria abstrata, mas sim uma lente essencial para entender fenômenos culturais contemporâneos, como o impacto profundo e variado de "Frozen".

A influência das correntes teóricas anteriormente mencionadas, especialmente os Estudos Culturais Ingleses e a Escola de Frankfurt, é evidente na abordagem "multicultural" e "multiperspectiva" de Kellner. Ele adota de maneira crítica ferramentas teóricas de ambas as correntes, defendendo que o desenvolvimento de teorias sobre mídia e cultura ocorre por meio de estudos específicos dos fenômenos concretos contextualizados na sociedade e história contemporâneas. Em outras palavras, para cada objeto ou problema analisado, Kellner sugere a combinação das ferramentas teóricas mais apropriadas, buscando a teoria que melhor atenda aos objetivos específicos de análise. Essa abordagem exemplifica a proposta do autor de uma crítica multiculturalista na interpretação de produtos culturais, refletindo a dinâmica e complexidade da cultura contemporânea.

O terceiro capítulo de seu livro "A Cultura da Mídia", intitulado "Por um estudo cultural multicultural e multiperspectívico" de Douglas Kellner, mergulha nas complexidades políticas e ideológicas dos produtos da cultura da mídia. Kellner destaca que esses produtos não se limitam ao mero entretenimento, mas são veículos portadores de mensagens impregnadas de propósitos ideológicos específicos. O autor sublinha a importância vital de uma interpretação política da cultura da mídia para desvendar suas mensagens e efeitos ideológicos, salientando a necessidade de ampliar a crítica ideológica, incorporando considerações sobre sexo, sexualidade, raça e classe.

Kellner enfatiza que os textos culturais são multifacetados, escapando das categorias conservadoras ou liberais, muitas vezes incorporando uma variedade de posições ideológicas. Essa diversidade torna desafiadora a interpretação política da cultura da mídia, pois os textos frequentemente apresentam discursos, visões de mundo e estratégias narrativas que não se alinham a uma única ideologia.

O autor propõe uma abordagem crítica no estudo cultural, aprofundando a análise das formas de opressão e dominação. Ele destaca a necessidade de desenvolver uma teoria crítica da sociedade para fundamentar a análise cultural, avaliando como os textos da cultura da mídia se relacionam com estruturas de dominação e resistência. Em resumo, o multiculturalismo crítico busca verificar e criticar as formas de opressão nos produtos midiáticos, considerando as representações identitárias e seus efeitos na formação de identidades.

Kellner destaca a importância de uma postura crítica contra-hegemônica, argumentando que a cultura é inerentemente política e ideológica, envolvendo uma constante disputa por poder. A teoria crítica da sociedade, segundo ele, analisa os sistemas de dominação existentes, ressaltando as forças de resistência e as possibilidades de transformação social radical. O estudo cultural crítico não se limita a leituras inteligentes dos textos culturais, mas busca uma crítica das estruturas de dominação, impulsionando as forças de resistência por uma sociedade mais igualitária e democrática.

Essa abordagem multicultural crítica examina as relações de força e dominação na sociedade, reconhecendo a importância de analisar detalhadamente representações de classe, sexo, sexualidade, etnia e outros fenômenos frequentemente ignorados em abordagens anteriores. A perspectiva multicultural crítica busca resistir a estereótipos, distorções e estigmatizações presentes na cultura dominante.

Portanto, o estudo cultural multiperspectívico proposto por Kellner destaca a necessidade de diversas estratégias textuais e críticas para interpretar, criticar e desconstruir as produções culturais em análise. Isso implica empregar várias perspectivas e interpretações a serviço do conhecimento. O texto alerta para o cuidado necessário para que as multiperspectivas não se tornem simples visões de um único ponto de vista, enfatizando a importância de analisar os produtos da cultura da mídia também pelo ponto de vista do receptor. Kellner visualiza a mídia como um terreno de disputa que reproduz em nível cultural os conflitos fundamentais da sociedade, não necessariamente como um mero instrumento de dominação, mas como um espaço onde se desenrolam os embates essenciais para compreender os matizes de nossa existência coletiva.

Apesar das significativas transformações e rupturas no contexto do empoderamento, "Frozen" acaba cristalizando na mente do espectador alguns preconceitos e estereótipos. Um exemplo ilustrativo dessa dinâmica é a percepção equivocada em relação à destreza da personagem Elsa, erroneamente associada a estereótipos que sugerem sua orientação sexual, como a ideia de ser lésbica. Esse tipo de associação revela preconceitos arraigados, que se manifestam na visão antiquada que relaciona características menos estereotipicamente femininas a rótulos pejorativos, como "sapatão". Essa análise evidencia como, mesmo em uma narrativa que busca desafiar convenções e promover inclusividade, alguns espectadores ainda interpretam os personagens através de lentes estereotipadas e preconceituosas, destacando a persistência de desafios na desconstrução de padrões culturais arraigados.

Saliento uma controvérsia envolvendo a ex-ministra Damares Alves, que, durante a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, ocupou a pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos. A polêmica veio à tona nas redes sociais com a viralização de um vídeo no qual a ministra sugere que a personagem Elsa, do filme Frozen, seja lésbica. No discurso, proferido durante uma palestra em Defesa da Família em Divinópolis (MG) no dia 17 de abril de 2018, Damares associa a orientação sexual da personagem à trama do filme. No vídeo, que viralizou, Damares aparece cantando a música tema do filme (Livre Estou) e diz: "Sabe por que ela [Elsa] termina sozinha em um castelo de gelo? Porque é lésbica! O cão está muito bem articulado e nós estamos alienados". No fim, ela afirma que Elsa "vai acordar a Bela Adormecida com um beijo gay".

Em resposta à circulação do vídeo na internet, a ex-ministra Damares Alves utilizou sua conta no Instagram para se manifestar, alegando que a polêmica se baseia em uma parte recortada de sua palestra na igreja. Nessa resposta, ela enfatizou sua crítica à tentativa de interferência dos ideólogos de gênero na identidade das crianças.

A repercussão online foi instantânea, revelando uma dicotomia de reações. Enquanto alguns internautas adotaram uma postura irônica em relação a Damares, compartilhando memes e críticas, os apoiadores do governo saíram em defesa da ministra. No próprio post de Damares, seguidores expressaram suas opiniões, refletindo a diversidade de posicionamentos. Uma seguidora, por exemplo, afirmou: "Não levarei minhas filhas para assistir se souber que o filme terá esse tipo de assunto". Outra seguidora escreveu: "Ficar criando polêmica com tudo que Damares pregar na igreja para interferir no governo é mais uma arma suja da esquerda". Um seguidor declarou: "Querem destruir a infância das crianças". Por outro lado, um apoiador comentou: "Pode trabalhar tranquila aí, pois nós estamos orando do lado de cá". Essas informações estão de acordo com o jornalista Wanderley Preite Sobrinho, em matéria publicada pelo UOL em 12/05/2019.

Essa persistência de preconceitos e estereótipos, como exemplificado na associação equivocada entre a destreza de Elsa e a sua orientação sexual, destaca um dos desafios identificados por Douglas Kellner em sua abordagem crítica da cultura midiática. Kellner ressalta a importância de uma interpretação política da cultura da mídia, especialmente quando se trata de representações identitárias. No contexto de "Frozen", a associação errônea da destreza de Elsa a estereótipos revela como mesmo narrativas progressistas podem ser mal interpretadas e distorcidas por espectadores que ainda carregam consigo preconceitos arraigados. Isso reforça a necessidade, destacada por Kellner, de uma análise crítica que vá além das interpretações simplistas, considerando as diversas perspectivas e desafiando os estereótipos culturais presentes na mídia. A desconstrução desses padrões culturais é fundamental para alcançar uma representação mais autêntica e inclusiva, conforme proposto pela perspectiva crítica de Kellner.

7. CAPÍTULO 3 | "Livre Estou": Reflexões Finais sobre 'Frozen' e seus Desdobramentos

Neste capítulo final, reuno as análises como flocos de neve que se acumulam, formando uma camada densa de compreensão sobre o fenômeno de 'Frozen' e sua significativa inserção no contexto sociocultural. A pesquisa empreendeu uma abordagem multidisciplinar, explorando tanto os aspectos cinematográficos quanto os socioculturais, com o intuito de elucidar as razões subjacentes ao sucesso extraordinário do filme a partir do aporte teórico necessário para estabelecer uma análise cultural.

Ao analisar os aspectos narrativos e estéticos de 'Frozen', é perceptível a capacidade de contar a história de maneira única e inovadora, e isso é fundamental para fazer com que as pessoas fiquem envolvidas com o longa. A complexidade das personagens, a trama envolvente e a fala contemporânea dos temas universais contribuíram para a singularidade da obra, estabelecendo uma conexão profunda com o público. A identificação emocional, mensagens empoderadoras e a trilha sonora memorável emergiram como elementos cruciais que contribuíram para a formação de laços emocionais entre o filme e seu público.

Ao contextualizar o lançamento de 'Frozen' e sua sequência cinematográfica no ambiente sociocultural contemporâneo, isto é, considerando o momento atual em que vivemos, é possível identificar exemplos concretos que evidenciam a busca por representatividade e a mudança de paradigmas nas narrativas de princesas. Essa questão pode ser exemplificada pela protagonista, Elsa, que foge ao estereótipo tradicional de princesa ao não depender de um príncipe para seu desenvolvimento na trama. Sua jornada de autodescoberta, marcada por poderes mágicos e desafios emocionais, representa um desempenho inovador que ressoou com uma audiência ávida por representações mais complexas.

A mudança de paradigmas nas narrativas de princesas também é perceptível na relação entre as irmãs Elsa e Anna. Em vez de focar exclusivamente em um romance tradicional, o filme destaca a importância do vínculo entre irmãs e a superação de desafios juntas. Esse enfoque nas relações familiares e na autonomia das personagens femininas quebraram as convenções estabelecidas, contribuindo para a transformação das expectativas do público em relação aos filmes do gênero.

Além disso, a ressonância de 'Frozen' com temas sociais atuais é exemplificada pela mensagem de empoderamento transmitida pela personagem Elsa. Sua jornada de aceitação e auto expressão, simbolizada pela famosa canção "Let It Go", tornou-se um hino para a individualidade e a coragem de ser autêntico. Essa mensagem não apenas refletiu as discussões contemporâneas sobre identidade e auto aceitação, mas também desafiou as normas sociais preexistentes.

A continuação da narrativa no segundo filme de Frozen amplia ainda mais a profundidade da jornada de Elsa. Ao descobrir que é o quinto espírito, ela não apenas explora sua identidade mágica, mas também se torna um símbolo poderoso de equilíbrio e ligação entre o mundo mágico e o humano. Essa revelação acrescenta uma camada adicional à sua jornada de aceitação e auto expressão.

Assim, ao considerar exemplos específicos como esses, torna-se evidente que Frozen não apenas refletiu as demandas culturais do seu tempo, mas também contribuiu ativamente para a redefinição de padrões e expectativas, consolidando-se como um marco na evolução das narrativas cinematográficas e na promoção de representatividade e mensagens sociais progressistas.

A comparação entre Frozen e o conto original "A Rainha da Neve" revela nuances intrigantes sobre a temática do não pertencimento e sofrimento decorrente da exclusão de minorias devido às suas diferenças, uma mensagem que transcende as obras de Hans Christian Andersen. Embora Elsa compartilhe poucas semelhanças diretas com a personagem de "A Rainha da Neve", a verdadeira conexão reside em uma vulnerabilidade que transcende outros contos de Andersen. Elsa personifica uma fragilidade que ecoa com os temas recorrentes nas obras do autor dinamarquês.

Essa vulnerabilidade, partilhada por Elsa com personagens como o Patinho Feio, a Pequena Vendedora de Fósforos e a Pequena Sereia, reflete de alguma maneira um aspecto intrínseco presente nas criações de Andersen. A presença desse elemento nas obras do autor imprime uma autenticidade emocional e uma genuinidade que ultrapassam as diferenças superficiais nas histórias individuais.

A identificação com personagens tão humanas, em seus anseios e fragilidades, cria uma ponte emocional que transcende as barreiras do tempo e da cultura. As experiências compartilhadas de personagens como Elsa, que lutam contra desafios internos, oferecem uma oportunidade para o público se conectar em um nível mais profundo. Ao se verem refletidos nas lutas e triunfos desses personagens, as pessoas encontram uma humanização que transcende as telas e se insere em suas próprias narrativas pessoais.

Essa conexão emocional estabelecida por meio das histórias de Andersen e, por extensão, em "Frozen", fortalece a relação entre o espectador e a obra. Esses personagens vulneráveis não apenas contam histórias, mas também se tornam guias compassivos em jornadas emocionais compartilhadas. Assim, a narrativa torna-se mais do que uma simples exibição cinematográfica; ela se transforma em uma experiência compartilhada, capaz de unir pessoas e estimular reflexões sobre diversos temas.

A análise das especulações sobre a orientação sexual de Hans Christian Andersen adquire uma relevância ainda maior quando consideramos as expectativas e o imaginário que cercam personagens contemporâneos, como Elsa. Essa associação levanta a questão da "aura" de Andersen, um termo que pode ser compreendido como a atmosfera única e complexa que envolve a vida e a obra de um artista. A aura de Andersen, permeada por especulações sobre sua orientação sexual, parece ressoar no imaginário que envolve personagens modernos. A notável semelhança reside no desejo do público de ver a Disney desempenhar um papel ativo na representação de personagens que fazem parte da comunidade LGBTQIAPN+. Isso revela como as questões relacionadas à identidade e representatividade estão em constante transformação e conexão ao longo do tempo. Elas não estão limitadas a uma época específica ou a histórias isoladas, mas transcendem fronteiras temporais e diferentes narrativas. Em outras palavras, a evolução dessas questões é um processo contínuo que não se restringe a um único contexto, demonstrando uma interconexão persistente entre diferentes períodos e histórias.

A análise cultural, fundamentada na perspectiva do materialismo cultural, na ativação de sentidos e na análise de conjuntura, permite identificar elementos universais que contribuem para o sucesso cinematográfico, ao mesmo tempo em que evidencia as singularidades que conferem a Frozen uma distinção única. A conexão emocional estabelecida pela narrativa, que expõe o não pertencimento e o sofrimento devido à exclusão de minorias, encontra ressonância em outros fenômenos culturais. No entanto, a maneira como “Frozen” apresenta essas questões, inserindo-as em um enredo de fantasia, adiciona uma camada distinta à sua abordagem, conferindo à obra uma originalidade notável.

Essa continuidade temática, combinada com a forma como Frozen se destaca na representação de personagens e no desenvolvimento narrativo, contribui para a singularidade do filme. O entendimento dessas distinções é crucial não apenas para apreciar a originalidade de Frozen, mas também para compreender como a narrativa de Andersen sobre não pertencimento e exclusão continua a reverberar e se transformar através das obras contemporâneas, como é o caso desse fenômeno cinematográfico.

Esta pesquisa proporcionou uma compreensão profunda dos elementos que tornaram Frozen um fenômeno cultural duradouro. A síntese dos resultados destaca a importância da combinação de narrativa envolvente, estética inovadora, identificação emocional e relevância sociocultural como pilares fundamentais para o sucesso do filme.

A recepção pelo público, analisada sob a ótica de Escosteguy (2000), revelou nuances das reações à obra. A identificação emocional, mensagens empoderadoras e a trilha sonora memorável emergiram como elementos cruciais que fortaleceram os laços emocionais entre o filme e sua audiência. Ao contextualizar o lançamento de Frozen no ambiente sociocultural contemporâneo, influenciado pelas teorias de Stuart Hall, observamos que fatores como a busca por representatividade e a ressonância com temas sociais atuais desempenharam papéis significativos na recepção do filme.

A perspectiva de um estudo cultural multicultural e multiperspectivo de Douglas Kellner foi crucial ao dissertar as complexidades políticas e ideológicas presentes nos produtos da cultura midiática. Kellner é destacado como uma figura fundamental para compreender as emaranhadas relações políticas e ideológicas que permeiam filmes, programas de TV e outros meios de comunicação. Ele ressalta a importância crucial de uma interpretação política da cultura midiática, enfatizando que essa discussão é essencial para desvendar as mensagens e visões de mundo transmitidas por esses meios. O autor sugere uma maneira cuidadosa de estudar a cultura, aprofundando a análise das formas de opressão e controle. Ele destaca que é importante criar uma teoria crítica da sociedade para entender melhor a cultura da mídia. Isso significa examinar como os textos da mídia se relacionam com estruturas de poder e resistência. Em resumo, é busca identificar e questionar as formas de opressão nos produtos midiáticos, considerando como as representações de identidade afetam a maneira como as pessoas se veem.

As contribuições desta pesquisa transcendem a mera análise de Frozen, oferecendo uma estrutura conceitual para compreender fenômenos culturais contemporâneos. As perspectivas futuras podem explorar a aplicabilidade desses insights em outras obras, bem como a evolução do impacto cultural no cenário midiático em constante transformação.

Ao finalizar nossa análise sobre Frozen, mergulhamos nas profundas camadas que compõem o fenômeno desse filme. Inspirados pela abordagem multicultural e multiperspectívica de Douglas Kellner, desbravamos as complexidades políticas e ideológicas presentes nos produtos da cultura midiática.

Não podemos ver Frozen apenas como um simples conto de fadas gelado. Ele se revela como um veículo de mensagens carregadas de visões de mundo específicas. Os estudos culturais nos ensinam que esse filme não é apenas entretenimento; é um produto que é reflexo da sociedade, transmitindo ideias que vão muito além da fina camada de gelo da superfície.

A visão de Kellner nos leva a compreender que, ao analisar Frozen, não podemos ignorar a importância de uma interpretação política da cultura midiática. Tudo é crucial para entender o verdadeiro impacto desse fenômeno cultural.

Kellner nos alerta para a necessidade de ampliar nossa crítica ideológica, incorporando considerações sobre sexo, sexualidade, raça e classe. Em Frozen, percebemos a representatividade como elemento-chave. A princesa Elsa desafia estigmas e estereótipos, tornando-se um símbolo de empoderamento e superação de barreiras, ao mesmo tempo que evoca o arquétipo de preconceito em quem a enxerga ou quer reduzi-la ao rótulo de "sapatão", por ela não cumprir os requisitos padrões do que se espera de uma protagonista feminina/princesa/rainha. Isso destaca a importância de considerar diversas perspectivas e compreender a complexidade por trás das representações, mostrando como Elsa desafia expectativas, mas também enfrenta resistência e estigmatização por parte de quem a interpreta de maneira limitada.

A estrutura deste trabalho se desenvolveu em capítulos que exploram a riqueza e complexidade do fenômeno de "Frozen". No primeiro capítulo, intitulado "Descongelando o Materialismo Cultural através de 'Frozen'", a análise mergulhou nas conexões entre cultura e consumo nos produtos da Disney, com foco especial na introdução de "Frozen" como um produto de consumo e seu impacto cultural global. Aprofundando ainda mais, o capítulo explorou as mudanças entre os filmes "Frozen: Uma Aventura Congelante" e "Frozen 2", destacando os personagens principais e analisando as transformações narrativas e temáticas. Além disso, uma discussão sobre a importância da trilha sonora nos filmes da Disney foi realizada, com uma análise específica de músicas notáveis como "Livre Estou" e "Vem Mostrar". Essas análises discorreram desde a estratégia de marketing da Disney até a evolução da narrativa, proporcionando uma compreensão abrangente do impacto cultural e do apelo ao público de "Frozen".

O segundo capítulo, intitulado "Forjando os Pilares Glaciais: Referências Teóricas e Metodológicas", delineou a base teórica e metodológica do estudo, fundamentando-se nos Estudos Culturais de Stuart Hall, nas perspectivas teóricas de Escosteguy e na abordagem política e ideológica dos produtos culturais conforme apresentado por Douglas Kellner em "A Cultura da Mídia".

Finalmente, o terceiro capítulo, "Recapitulação e Conclusões", sintetizou as principais descobertas e percorreu os caminhos trilhados ao longo da pesquisa, destacando o entendimento do fenômeno de "Frozen" a partir da análise cultural e da recepção do público brasileiro. Este capítulo reuniu todas as informações e conclusões importantes do estudo, proporcionando uma visão resumida de todos os aspectos e de tudo que foi analisado ao longo da pesquisa. Em outras palavras, o capítulo serviu como a apresentação de uma visão ampla de tudo que foi estudado.

Assim, nossa análise de Frozen transcende o mero encanto de um reino de gelo com um boneco de neve cativante e músicas apoteóticas. Ela lança luz sobre as mensagens subjacentes, modos de existência e implicações sociais presentes no filme. Frozen não se resume a um simples entretenimento; é um espelho que não apenas reflete, mas também molda nossa compreensão cultural. De maneira análoga à história de A Rainha da Neve, que se fragmentou em milhões de pequenas farpas, esses elementos penetram nos olhos e coração da audiência. Contudo, esse efeito não visa distorcer, mas sim projetar no reflexo a sua própria sombra, revelando possivelmente o lado mais obscuro de quem você é.

Portanto, empreender uma análise aprofundada de "Frozen" à luz do materialismo cultural, um campo de estudo meticuloso que explora a interação entre cultura, consumo e sociedade, revela uma perspicácia esclarecedora sobre esse notável produto.

O filme transcende sua essência de mera narrativa encantadora, tornando-se um fenômeno cultural que evidencia como os produtos de entretenimento não apenas refletem, mas também são moldados pelas dinâmicas sociais e econômicas. A minuciosa análise dos elementos culturais presentes em "Frozen", como sua trilha sonora marcante e a influência palpável nas preferências do público, expressa especialmente nos números de bilheteria, desvenda como essa obra se enraíza na emaranhada teia de valores, desejos e consumo da sociedade contemporânea.

Nesse contexto, o reconhecimento das aclamações dirigidas a "Frozen" por suas representações de empoderamento feminino e pela subversão de narrativas tradicionais é crucial. É imprescindível observar que a Disney habilmente incorporou esses aspectos como parte de sua estratégia de negócios, fortalecendo assim sua marca e influência global. O sucesso do filme não se limita a ser um testemunho de suas qualidades cinematográficas; ele exemplifica a capacidade das grandes corporações de entretenimento em criar produtos e experiências que ressoam com o público, tornando-se elementos próximos nas discussões populares.

Portanto, essa narrativa destaca o poder da cultura como uma prática social contínua, capaz não apenas de refletir, mas também de influenciar ativamente as transformações em nossa sociedade. A cultura, ao promover a conscientização e a transformação, redefine nosso entendimento do mundo que nos cerca.

As contribuições deste trabalho transcendem a análise cultural de Frozen, fornecendo uma base sólida para futuras explorações no vasto terreno da cultura midiática. Ao fechar estas páginas, deixamos abertas as portas para novas descobertas e reflexões, reconhecendo que cada floco de neve no universo de Frozen representa uma história, uma voz e uma perspectiva que merece ser compreendida. Afinal, “o frio não vai mesmo me incomodar”.

8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSEN, H. C. (Hans Christian). A Rainha da Neve. Traduzido do dinamarquês para o inglês por Jean Hersolt. Ilustrações de Sanna Annuka. Tradução de Débora Isiídro. Rio de Janeiro: DarkSide Books, 96 p. Ilustrações coloridas, 2022.

ARAÚJO, Naiara Sales. CINEMA E LITERATURA: adaptação ou hipertextualização? Littera, v. 2, n. 3, 2011.

BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. L&PM Editores, 2018.

_________________. Gesammelte Schriften. Band I-VII. Frankfurt am Main: Suhrkamp Verlag, 1996.

BUSIS, Hillary. Do You Want to Build a Movie? An Oral History of “Frozen”. Vanitty Fair, 2023. Disponível em: https://www.vanityfair.com/hollywood/2023/11/frozen-oral-history. Acesso em: 6 dez. 2023.

CARVALHO, Beatriz Sequeira de. Cultura pop, cultura da mídia, cultura de massa: Perspectivas históricas e conceituais. São Leopoldo: Faculdade Est, 2019.

CASCUDO, Luís da Câmara. Folclore no Brasil São Paulo/ Lisboa: Fundo de Cultura, 1967.

CHI, Paul. This Song Is Frozen II’s Answer to “Let It Go”. Vanitty Fair, 2019. Disponível em: https://www.vanityfair.com/hollywood/2019/11/frozen-ii-song-into-the-unknown. Acesso em: 6 dez. 2023.

ESCOSTEGUY, Ana Carolina et al. Estudos Culturais: uma introdução. O que é, afinal, Estudos Culturais, v. 3, p. 133-166, 2000.

GODFREY, D. LESSONS FROM ARENDELLE 03 Lessons From Arendelle: The Cultural Phenomenon of Disney’s Frozen. [s.l: s.n.]. Acesso em: 6 dez. 2023.

GUGLIELMELLI, A. Frozen 2 revela trágica história secreta de personagem. Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2023.

GUIMARÃES, Hélio. O Romance do Século XIX na Televisão: Observações sobre a adaptação de Os Maias. In: PELLEGRINI, Tânia et al. Literatura, Cinema e Televisão. São Paulo: Editora Senac: Instituto Itari Cultural, 2003.

HALL, Stuart. Cultura e representação. PUC-Rio: Apicuri, v. 23, p. 10-23, 2016.

HANSEN, Albert. HC Andersen: Beweis seiner Homosexualität. Spohr, 1900.

HIRSCHFELD, Magnus (Ed.). Jahrbuch für sexuelle Zwischenstufen unter besonderer Berücksichtigung der Homosexualität. Max Spohr, 1900.

JULIUS, J. et al. The art of Frozen 2. San Francisco, California: Chronicle Books Llc, 2019.

JOHNSON, Richard et al. O que é, afinal, estudos culturais?. Autêntica Editora, 2006.

KELLNER, Douglas. Por um estudo cultural, multicultural e multiperspectívico. A Cultura da Mídia: estudos culturais: identidade e política entre o moderno e o pós-moderno. Tradução Ivone Castilho Benedetti. Bauru, SP: EDUSC, p. 123-160, 2001.

MANIA DE “FROZEN” FAZ VENDAS DA DISNEY AUMENTAREM 22% E ALCANÇAREM RECORDE. Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2023.

MATTELART, Armand; NEVEU, Érik. Introdução aos estudos culturais. Parábola, 2004.

MENNA, Ligia Regina Maximo Cavalari. Uma beleza congelante: a morte e sexualidade em A Rainha da Neve, de Hans Christian Andersen e suas refigurações. Literartes, v. 1, n. 11, p. 132-154, 2019.

MINHA INTUIÇÃO: NOS BASTIDORES DE FROZEN 2. Direção: Megan Harding, Jeanmarie Condon. Produção: Lincoln Square Productions. Disney+. Estados Unidos, 2020. 44min. Disponível em:. Acesso em: dez. 2023.

NAREMORE, James (org). Film Adaptation. New Brunswich/Nova Jersey: Rutgers University Press, 2000.

PALHARES, Taisa. Aura: experiência que procura se estabelecer ao abrigo de qualquer crise. Cadernos de Filosofia Alemã: Crítica e Modernidade, n. 8, p. 07-39, 2002.

POLATTO, Rodrigo. De Adorno a Kellner: reflexões sobre o desenvolvimento das problemáticas nos estudos sobre a Cultura Pop. de abril, v. 3, n. 4, 2023.

ROBBINS, H. “I Can’t Be What You Expect of Me”: Power, Palatability, and Shame in Frozen: The Broadway Musical. Arts, v. 9, n. 1, p. 39, 20 mar. 2020.

SILVA, Amanda. Estudos Culturais e Cultura Periférica: aproximações possíveis. XXXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom, São Paulo, 2016. Disponível em: . Acesso em: 4 dez. 2023.

SOBRINHO, W. P. Em nova polêmica, Damares diz que Elsa, de Frozen, é lésbica. Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2023.

SOLOMON, C. The art of Frozen. San Francisco: Chronicle Books, 2013.

STEFFEN, Lauren Santos; HENRIQUES, Mariana Nogueira; LISBOA, Flavi Ferreira. Pesquisa em comunicação no contexto de mídias e educação / organização Lícia Frezza Pisa. Pouso Alegre : IFSULDEMINAS, p. 105, 2022.

STRINATI, Dominic. An Introduction to Theories of Popular Culture. New York: Routledge, 1995.

SUPER MARIO BROS. ULTRAPASSA FROZEN COMO SEGUNDA MAIOR BILHETERIA DE ANIMAÇÃO DA HISTÓRIA. Disponível em: . Acesso em: 6 dez. 2023.

THE STORY OF FROZEN: MAKING A DISNEY ANIMATED CLASSIC. Direção: Rudy Bednar. Produção: Lincoln Square Productions. ABC. Estados Unidos, 2014. 44min. Disponível em:< https://vimeo.com/518432681>. Acesso em: dez. 2023.

VAGULA, Vania Kelen Belão; SOUZA, Renata Junqueira de. A MORTE NA LITERATURA INFANTIL DE HANS CHRISTIAN ANDERSEN. Caderno Seminal, [S. l.], v. 23, n. 23, 2015. DOI: 10.12957/cadsem.2015.14510. Disponível em: . Acesso em: 5 dez. 2023. 


Publicado por: Pedro Henrique da Silva Vaz do Cabo

icone de alerta

O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.