LUZ, MÚSICA E AÇÃO: OS AGENTES CONTEMPORÂNEOS DE TEATRO MUSICAL NO BRASIL

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1. Resumo

Abordo a produção contemporânea de teatro musical no Brasil, no que tange ao ethos, pensamento e discurso dos profissionais envolvidos com a construção de uma identidade nacional a partir da arte, em meio à recepção da cultura estrangeira. Nos anos 2000, as superproduções musicais se consolidaram no país como nicho de mercado e sucesso de bilheteria. Entrevisto parte da equipe de Os Saltimbancos Trapalhões, peça da dupla Möeller e Botelho em cartaz no Rio de Janeiro, para observar o “pensar” e “fazer” teatro musical no contexto sócio-comunicativo de um espetáculo de grande porte. Exploro as manifestações de teatro musicado no mundo – passando por ópera, opereta e vaudeville – e no Brasil – em que teatro de revista, peças de protesto, versões da Broadway e produções genuinamente brasileiras constituem eixos paradigmáticos.

Palavras-chave: musical; teatro; Broadway; vaudeville; ópera; opereta; revista; protesto; superprodução; entrevista.

2. Introdução

Este trabalho tem por finalidade investigar o movimento de uma arte milenar e variável: o teatro musical. Fluente em seus desdobramentos, o tema encontra-se aqui dividido em cinco capítulos, com os quais pretendo explorar parte da dinâmica desse gênero teatral tão característico. Devido aos limites de tamanho, tempo e pesquisa para uma monografia, optei por restringir o estudo a polos de cultura da história ocidental – como Estados Unidos, França, Itália e Inglaterra – e ao Brasil, sobre cuja questão específica discorrerei mais adiante.

Há cerca de dois milênios e meio, floresciam na Grécia antiga as primeiras manifestações de teatro musicado no Ocidente de que se tem conhecimento. O drama era inicialmente amparado pela música, através de performances que misturavam dança e canto coral em louvor aos deuses do Olimpo. Durante o Império Romano, o teatro grego resistiu a modificações espaciais e contextuais, até que na Idade Média viveu um hiato na Europa por conta do posicionamento proibitivo da Igreja Católica. A partir do século XV, subgêneros como Comédia Dell’Arte, ópera e opereta despontaram em território europeu, ao passo que o vaudeville no século XIX constituiu uma ponte entre o que fora criado na Europa e a cultura de musicais que viria a ser solidificada na América do Norte.

Com o êxito dos espetáculos de vaudeville e o início da vida teatral na Broadway, implementou-se um business que fez despontar a indústria de musicais nos Estados Unidos, na virada para o século XX. Exportadas para além do continente, as superproduções da Broadway passaram por altos e baixos até se tornarem referência inquestionável para o mundo. E desde a década de 2000, graças à confluência de fatores comerciais, econômicos e tecnológicos, os espetáculos brasileiros de grande porte vêm atingindo padrão de excelência. Há quem afirme que em curto intervalo de tempo não deveremos nada à Broadway em termos de criação e estrutura.

A partir do eixo teórico dos dois primeiros capítulos, almejo mostrar como o teatro musical sobreviveu a percalços políticos e conceituais, foi vitorioso, questionado, subutilizado, caiu em ostracismo e reergueu-se até chegar ao ponto atual de notoriedade e profissionalismo. Para tanto, no primeiro capítulo teço um breve mapeamento da história dos musicais no Ocidente, passando pelo surgimento, a aglutinação e a concorrência de subgêneros. Também reúno argumentos e curiosidades sobre o conceito em torno da área, na tentativa de tangenciar a pergunta “o que é teatro musical?”.

Utilizo o espaço do segundo capítulo para abordar as principais manifestações do gênero no Brasil, passando pelos costumes retratados nas revistas, o enfrentamento à ditadura materializado com as peças de protesto, a influência da Broadway e o nicho das montagens biográficas. Nessas páginas, costuro dados históricos com comentários e entrelinhas, para investigar a construção de uma identidade nacional, ou seja, de que maneira o Brasil espelhou e diferenciou sua realidade por meio dos musicais.

Para fechar a exposição do segundo capítulo, menciono a influência de Charles Möeller e Claudio Botelho, dupla responsável por revitalizar o teatro musical brasileiro no final da década de 1990 e alavancá-lo em termos mercadológicos para o boom dos anos 2000. Essa questão está amplificada no quarto capítulo, a partir de informações precisas a respeito dos diretores, sua equipe e seu eixo empresarial.

O funcionamento das superproduções contemporâneas é tema do terceiro capítulo, que esquematiza as diversas profissões e áreas de atuação necessárias para o desempenho de um musical de grande porte. Os dados encontram-se organizados em forma de tópicos para facilitar a leitura, e a abordagem inclui aspectos técnicos e artísticos. A posição deste capítulo no trabalho é estratégica, posto que ele funciona como mediador entre o eixo teórico (do primeiro e segundo capítulos) e o prático (do quarto e quinto capítulos). Além disso, o texto fornece ao leitor elementos para melhor compreender o ponto central do estudo - quem são os agentes contemporâneos de teatro musical no Brasil e como eles pensam e se manifestam dentro do cenário mainstream.

Exposto isso, volto à questão do quarto capítulo, que introduz a parte empírica do trabalho. Nele, realço a história, a divisão de tarefas e a metodologia de trabalho da dupla Möeller e Botelho – que deu origem a uma grife e à nomenclatura “os reis dos musicais” – e elenco os motivos que me fizeram escolher a peça Os Saltimbancos Trapalhões como objeto de estudo. Com intuito de esclarecer sobre a superprodução – que conta com equipe de 120 profissionais, 75 desses no teatro a cada sessão –, tomo a estrutura de montagem como exemplo prático dos parâmetros citados no terceiro capítulo. No espetáculo, tudo teve de ser organizado em cinco semanas e meia, e a divisão rigorosa de tarefas constitui pilar essencial para que se opere a mais recente aventura de Möeller e Botelho.

Traço também breve sinopse da peça, que apresenta o ícone Renato Aragão pela primeira vez no teatro e é baseada no filme homônimo do extinto quarteto “Os Trapalhões”. O texto que deu origem à história é Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm, referência também para o musical Os Saltimbancos (1977), dos italianos Sergio Bardotti e Luís Bacalov. Importante frisar que a montagem M&B estreou em 2014 em comemoração aos 70 anos de Chico Buarque, que assinou a trilha sonora da primeira peça e do filme. O maestro Marcelo Castro ficou responsável por elaborar novos arranjos para as marcantes canções de Buarque.

Após essa descrição, chego à parte empírica da monografia. No quinto capítulo, o leitor tem acesso a nove entrevistas com a equipe de Os Saltimbancos Trapalhões: Renato Aragão, a protagonista Giselle Prattes, o ator Marcel Octavio, os acrobatas Olavo Rocha e Jéssica Gardolin, a diretora de palco Cris Fraga, o maestro Marcelo Castro e as produtoras Marcella Boselli e Laura Storino. Todas as conversas foram fielmente transcritas e posteriormente adaptadas à norma culta da língua, sem alterar em nenhum sentido a fala genuína dos entrevistados.

A partir da análise do discurso desses enunciadores, identifico desejos, conflitos, códigos e padrões que tornam mais transparente a marca do grupo no cenário artístico. Divididos entre a razão do profissionalismo e a emoção de trabalhar com o que amam, os informantes simbolizam o universo cada vez mais complexo do teatro musical contemporâneo. Suas ações, premissas e pensamentos e as relações que traçam entre si ou com o mundo externo refletem o que é viver de arte no Brasil e como é se enquadrar em um segmento.

A abordagem gira acerca das seguintes questões: dificuldades da rotina e da carreira; prazeres intrínsecos ao ofício; procura por prestígio e reconhecimento; transposição da arte para um plano de trabalho; busca individual e coletiva pela excelência; reflexão sobre a vida de artista; sonhos e visão do futuro. Desse modo, obtém-se uma imagem parcial – expressa pela enunciação dos agentes – do teatro musical contemporâneo no Brasil, que se autoformula e dispõe de uma divulgação pesada para manter os públicos que conquistou ao longo da última década.

Gostaria de destacar nesta introdução um elemento que transpassa o senso estritamente lógico e flui por entre as páginas deste trabalho: o caráter mágico do teatro musical. Ao longo de milênios ou durante um intervalo de duas horas e meia, a centelha é a mesma. Por mais que as superproduções exijam moldes rígidos, não há tecnologia mais imperante que o brilho nos olhos do espectador, porque a música mexe com a alma, o teatro é vida intensificada e a dança é linguagem pura. A junção desses três elementos recupera os impulsos dionisíacos adormecidos dentro de nós e reacende a aura que conhecemos por arte; o espetáculo tem de gritar pelo coração.

3. Teatro musical: uma visão introdutória

3.1. Características dos musicais e desenvolvimento do gênero no Ocidente

Imagine um gigantesco teatro de pedra, cuja estrutura semicircular a céu aberto propicia uma acústica em que os mais de 15 mil espectadores podem escutar o diálogo entre os atores no proscênio. Como incremento a essa visão, arquitete o esforço gestual e vocal dos intérpretes que entram em cena com máscaras, e atrás deles o coro, que toca, dança e entoa estribilhos, numa comprometida alternância entre texto e música. Hoje restrito ao imaginário, esse lugar abrigou centenas de obras nos anos dourados do teatro grego, que chegaram ao fim com a Guerra do Peloponeso, em 404 a.C. Considerado berço do drama ocidental, o Teatro de Dioniso localizava-se ao sul da Acrópole de Atenas, e suas ruínas evocam a origem do que hoje conhecemos por teatro musical.

Ao discorrer sobre o assunto, o professor da New York University John Kenrick diz que os rituais pré-históricos já reuniam todos os elementos necessários para uma montagem musical, mas pontua que não há literatura acessível a respeito. Por isso, nosso ponto de partida é há cerca de 2500 anos: o drama na Grécia antiga, que o autor assegura se tratar de teatro musical.

A maioria das histórias do drama mundial odeia até mesmo reportar a existência dos musicais, logo, a última coisa que elas admitiriam é que o drama começou como forma de expressão musical. (...) Ésquilo, Sófocles e Aristófanes não eram apenas autores de peças, mas também compositores e letristas. Chame o trabalho deles de teatro lírico, se quiser; é apenas outro jeito de dizer que escreviam musicais. Quando visualizar o nascimento do teatro musical, não mapeie os holofotes da Broadway ou do West End de Londres – em vez disso, pense numa encosta de Atenas encharcada de sol no século V a.C. (KENRICK, 2008: 19)1

Os prósperos atenienses enxergavam o teatro como forma de cultuar deuses do Olimpo - em especial Dioniso, patrono do vinho, das festas e da fertilidade. Em louvor, confeccionaram-se as dithyrambs, performances que mesclavam dança e canto coral. Foi daí que a tragédia se derivou, para depois ser classificada como um tipo de drama. Com a ascensão do Império Romano, houve uma remodelagem da cultura grega, que foi sujeitada a um novo paradigma criativo.

Kenrick (2008: 25-26) ressalta que se manteve a confluência de texto, dança e música, além dos festivais anuais em que as peças eram apresentadas em homenagem aos deuses. O que mudou foi o caráter grandioso: dissolveu-se o coro e encenava-se sobre estruturas de madeira que podiam ser desfeitas da noite para o dia, em clima mais intimista, ficando os espetáculos reservados às arenas. Mas esse teatro grego readaptado só respirou até o fim do Império, quando a Igreja Católica suspendeu por muitos séculos toda prática de teatro profissional na Europa, taxando-a de pecaminosa.

Mais de doze séculos após a morte de Cristo, os dramas musicais retornaram, desta vez vinculados aos clérigos da Idade Média, no intuito de popularizar a palavra da Bíblia. E no século XV um novo gênero foi responsável por extrair risos dos italianos até o século XVIII: a Comédia Dell’Arte, teatro popular e improvisado com personagens fixos – como os emblemáticos Arlequim e Colombina –, que se valia de muita música, dança e acrobacia para rechear os diálogos de humor (KENRICK, 2008: 26-27). No Renascimento, surgiu a ópera, e antes de adentrarmos nas peculiaridades desse gênero, é importante que façamos uma síntese das características do teatro musical.

Na linha de raciocínio do teórico, os elementos-chave de uma peça do gênero são canções, roteiro (em italiano, libretto, e em inglês, book), coreografia, movimentos de palco e estrutura física (dos figurinos ao aparato técnico) – tudo isso num esforço integrado para que a história possa fluir. Não obstante, um bom musical precisa de mais três qualidades: cérebro, coração e coragem. E ainda de um quarto elemento, não tão poético: público pagante. (KENRICK, 2008: 15-16)

Do ponto de vista complementar de Martinez (2006: 16-25), assim como a ópera e a dança, o teatro musical se apropria das seguintes linguagens: musical, verbal, corporal (do gestual à dança) e visual (vestuário, maquiagem e recursos de vídeo). O autor pontua que, por terem significação autônoma, esses elementos constituem eixos complexos de análise. Mesmo assim, não deixa de traçar três articulações fundamentais para o progresso da obra: música e texto; música e corpo; e música e imagem. Já Comparato (2009: 323) afirma que há sempre uma inflexão romântica na linha teatral dramática de que o musical necessariamente se apropria.

E como delimitar cada linguagem dentro da totalidade artística que os musicais propõem? No tocante ao vínculo entre música e palavra, Marshall e Stilwell opinam:

O que aparentemente distingue o musical é a maneira como ele constrói as próprias regras emocionais e narrativas para a função das músicas, marcando um ponto explícito quanto às qualidades particulares que som e letra podem emprestar um ao outro e quanto à interferência dessa relação no comportamento dos personagens. (MARSHALL, STILWELL, 2000: 5)2

Para além dos aspectos objetivos, há uma mistura de mágica, surpresa e intensidade que encanta o público e o faz esperar um produto que se desloque do palco e o transporte para uma dimensão simbólica intangível. Os fãs de musicais sentem-se realizados ao deixarem um espetáculo – dificilmente, o resultado contraria o que eles haviam previsto meses antes, ao tomarem notícia do embrião da peça e seguirem todos os seus passos. No dia da estreia, a tão sonhada sinergia se manifesta em forma de criança serelepe, e o desejo do público de fundir-se a ela é dissolvido após muitas noites de sonho. Brook explora com brilhantismo esse fio invisível que sai do palco para pescar o fascínio do espectador:

Obviamente, a base que unifica a todos tem que ser interessante. Mas, no fundo, o que significa interessante3? Há um modo de verificar. Naquela fração de milésimo de segundo em que o ator e a plateia se inter-relacionam como num abraço físico, o que importa é a densidade, a espessura, a pluralidade de níveis, a riqueza – ou seja, a qualidade do momento. Assim, qualquer momento pode ser superficial, sem grande interesse, ou, pelo contrário, profundo em qualidade. Quero frisar que este nível de qualidade em cada momento é a única referência pela qual um evento teatral pode ser julgado. (BROOK, 2008: 70)

A despeito de circunstâncias sociais, políticas e ideológicas, nenhum outro gênero do teatro ativa essa sensação, porque o musical convida seus ouvintes-espectadores a viajar por entre as conexões de uma carga energética maior – que remete ao dionisíaco, aos rituais, aos cânticos sagrados ou simplesmente à força da música dramatizada.

Esse conceito é complementado pela análise de Brum sobre a filosofia trágica de Nietzsche, que encontra no deus Dioniso a inspiração para livrar-se da carga de culpa e assimilar a dor e falência inerentes à existência humana. Segundo Brum (1998: 110-112), o filósofo tinha ligação visceral com a música e afirmava que a essência da tragédia é a força impulsionada pelo coro. O júbilo vital, expresso pela experiência imediata de uma obra musical, permite celebrar a existência para além de sua dimensão trágica. Por ecoarem direto do corpo e estarem inegavelmente associados à dimensão física, sonora, do prazer, os impulsos dionisíacos descritos por Nietzsche transformam o homem em um estado momentâneo de adoração, plenitude e pulsação criativa.

Visto isso, evidencia-se que, desde os primórdios da civilização, passando por culturas e épocas conflitantes, resistindo a proibições oficiais, incorporando experiências multimídia e expondo a faceta mais intuitiva da alma, o musical se mantém e evolui como gênero. O mais fiel braço do drama é também amigo do povo, visto que perderia força caso não fosse direcionado aos ouvidos do grande público. Mas vamos adiante, para um ponto de divergência entre os estudiosos do tema: a linha sucessiva e conceitual que envolve musical e ópera.

3.2. Ópera e opereta

O termo ópera vem da expressão italiana opera in musica e, etimologicamente, significa obra musical. Natural da Itália, o gênero floresceu em solos europeus e aposta na dramaticidade da ação cênica por meio de recitativos, coral, árias (solos) e orquestra (em alguns casos, banda de menor porte). Nos últimos suspiros do século XVI, membros da Camerata Fiorentina – grupo de intelectuais aristocratas de Florença – criaram as primeiras óperas, visando retomar o padrão de teatro musicado da Grécia antiga. Em 1607, enveredando por um caminho mais ousado que o dos compositores Jacopo Peri e Giulio Caccini, Claudio Monteverdi compôs a peça L’Orfeu, considerada o marco fundador da fórmula operística. Alier descreve o triunfo do autor:

(...) Em vez de imaginar o espetáculo como uma trama grifada com maior ou menor efetividade pela música, [Monteverdi] deu a essa o papel primordial, concebendo que fosse ela, suas formas, seu aspecto e até a distribuição dos instrumentos o que explicasse o argumento ao espectador, de forma que o texto ficasse reduzido a uma função auxiliar. (ALIER, 2002: 31)4

No século XVII, a ópera chegou a cidades como Roma, Veneza e Nápoles, onde se formaram escolas, e a efervescência do período barroco viu no gênero uma plataforma propícia para expressão. Ao final desse século e no início do seguinte, a ópera se alastrou pelo continente, chegando à Alemanha, Áustria, Inglaterra, Espanha, Portugal e outras nações. No século XVIII, durante o período do célebre compositor napolitano Alessandro Scarlatti, a opera buffa (ou cômica) surgiu como alternativa à ópera séria e, até o século XIX, destacou-se juntamente com o subgênero ballad opera (que mesclava canções populares a elementos de ópera séria) e o gênero pantomime (musical de entretenimento, com veia humorística e uso de efeitos especiais).

A França constitui um caso particular. Tentativas de cimentar a ópera italiana no país fracassaram, e a tradição do ballet executado nas cortes culminou na propensão dos parisienses a imprimir sua personalidade sobre as obras. Com incentivo do monarca Louis XVI, criou-se a Académie Royale de Musique, em que se desenvolveu a ópera francesa com forte presença dos movimentos de ballet. Curiosamente foi um italiano, Jean-Baptiste Lully (cujo nome original, Giovanni Battista Lulli, foi afrancesado), quem ajudou a alavancar o gênero no país.

O amante de musicais e blogueiro da CARAS Sir Erik5 atenta para a distinção básica entre teatro musical e ópera. Enquanto no primeiro gênero a teatralidade é beneficiada e são feitas versões das letras das músicas, no segundo, a força da palavra sucumbe à valorização do canto e não é necessário traduzir para contar uma história. Talvez seja por isso que a técnica lírica da ópera se opõe ao belting6 comumente utilizado em musicais.

A originalidade da descoberta italiana é questionada por Kenrick, que enuncia sobre um equívoco de pesquisa quanto aos dramas gregos. Por causa do vasto uso do coro, os idealizadores da ópera pressupuseram que as peças musicais da Grécia antiga eram todas sung-through, ou seja, sem texto falado. O autor explica:

Com base nesse bem-intencionado erro, Monteverdi e a Camarata Fiorentina fizeram do drama grego um modelo para o que hoje conhecemos como ópera. Em contrariedade com a ampla e cimentada crença de que o teatro musical descende da ópera, isso mostra que a ópera, na verdade, é um descendente acidental do teatro musical! (KENRICK, 2008: 27)7

E já que os franceses não inventaram a ópera, correram atrás do prejuízo e criaram a operetta, estilo dissidente da ópera bufa. Diminutivo de opera, etimologicamente o termo corresponde a “pequena ópera”. Mais enxuta e mais leve que as peças de ópera cômica, a opereta firmou-se como gênero em meados do século XIX, viveu o auge até o início do XX e deu origem às comédias musicais contemporâneas, que cresceram nos Estados Unidos após a Primeira Guerra Mundial.

Considerado o mais brilhante compositor do gênero, o alemão radicado na França Jacques Offenbach escreveu sua primeira opereta, Orpheus in the Underworld, em 1858, e confeccionou muitas peças com caráter satírico. Kenrick (2008: 35) sublinha que “o que conhecemos como o musical moderno nasceu e se elevou em Paris, fato pelo qual os fãs do gênero podem ser eternamente gratos.” Ainda no século XIX, o estilo se destacou no Reino Unido – com Arthur Sullivan e W.S. Gilbert – e Viena – com Johaann Strauss Filho no século XIX e Franz Léhar nas primeiras décadas do XX, quando os espetáculos lotavam as bilheterias austríacas.

Das características da opereta, cabe ressaltar o conteúdo menos dramático em comparação à ópera; os recitativos mais longos e a intensificação dos diálogos; a linha criativa menos ambiciosa e mais voltada para o humor; e os cantores com formação lírica – aspecto que distingue o gênero das comédias musicais, que em geral apostam em atores com noção de canto. Fisher explora o êxito do gênero:

A opereta começou construindo e elaborando em cima do gênero já existente vaudeville, que era uma representação teatral com uso de entretenimento cômico e leve, realçado pelos sons e danças. (...) Tornou-se uma forma popular do entretenimento mainstream principalmente porque sua trama retratava tópicos e atitudes morais contemporâneas. (FISHER, 2003: 198)8

Tendo como gancho o pensamento do teórico, pode-se apontar que o caráter multimídia da ópera abriu espaço para a descendência de estilos mais populares e acessíveis, uma vez que a linguagem erudita passava a se distanciar da forma de comunicação de massa que se instalou no mundo com as revoluções industriais. A partir dessa mudança de paradigma, o povo também teve seus hábitos reportados, já que algumas formas de teatro aos poucos passaram a se dirigir a ele em vez de incitá-lo a reproduzir os costumes da elite.

3.3. Do vaudeville à cultura Broadway

As raízes do teatro musical de língua inglesa remetem à ópera-balada The Beggar’s Opera (1728), de John Gay, uma crítica ao sistema corrupto de Londres que ficou “queridinha” no circuito e ditou as primeiras configurações do modelo de musicais que se firmaria nos séculos seguintes. Na Inglaterra do século XIX, houve a ascensão do teatro burlesco – gênero popular, descendente da Comédia Dell’Arte, que parodiava obras dramáticas sérias a partir da fusão de artes performáticas.

Quando o vaudeville entrou em cena, acentuou-se o caráter sexual do burlesco, que enveredou pelo caminho do Strip-tease e do grotesco e passou a ser desvalorizado na condição de forma teatral. Já o vaudeville despontou em territórios canadense e norte-americano no século XIX, porque se afinou enquanto negócio a serviço do entretenimento. Hurwitz (2014: 41) define a força do gênero: “Hoje temos reality shows como America’s Got Talent. Os anos 1870 tiveram vaudeville.”9

Segundo a revista eZine10, a etimologia da palavra é questionável: pode ser a aglutinação de voix de ville (voz da cidade) ou fazer alusão a Vau de Vire (Vale de Vire) – região da Normandia que tinha uma cultura de canções populares. No final do século XIX, o termo começou a ser empregado para denominar um espetáculo musical de múltiplas ascendências, como circo, menestréis, burlesco, cabaré, music halls, etc.

O vaudeville estourou na América do Norte no período entre 1880 e 1930. Após a quebra da bolsa de Nova Iorque em 1929, perdeu espaço, até cair em decadência com o surgimento de novas mídias audiovisuais, como rádio e TV. Marshall e Stilwell (2000: 48) julgam que houve uma transferência do sucesso do vaudeville para a as telas de cinema, à medida que os artistas que se destacaram no gênero migraram para a Broadway para fazer comédias musicais na década de 1930.

O que marca a linha de montagem do vaudeville é a junção de dança, canto, acrobacia, magia e outros tipos de performance, incitando o humor e a sátira numa atmosfera de números independentes entre si. Não é à toa que, na Europa, o gênero ficou conhecido por “teatro de variedades”. Considerado pai do vaudeville, o americano Tony Pastor foi artista performático e empreendedor de sucesso. Ele inovou vislumbrando o lucro, pois viu nas variedades um meio de atrair novas audiências, desmanchando a premissa de espetáculos “só para homens” e produzindo peças “para toda a família”.

O sucesso do vaudeville é atribuído por Hurwitz (2014: 56) à elevação do modelo de negócios que se consolidou junto com o gênero na virada do século XIX para o XX: “A experiência de Tony Pastor com o entretenimento de família havia sido um sucesso massivo; dificilmente havia, dentro do país, uma cidade de porte razoável que não ostentasse no mínimo um teatro de vaudeville.”11

E foi esse business que posicionou os Estados Unidos como referência na indústria de musicais. Núcleo situado no centro de Manhattan, o Theater District concentra os espetáculos mais grandiosos do mundo; todo ano a região movimenta bilhões de dólares e exporta superproduções musicais para o Ocidente, com padrão de excelência. O caminho de flashes do Theater District, entre as 42nd e 53rd Streets, é comumente chamado de The Great White Way. É a cena mainstream da Times Square, que se apropriou do nome da avenida mais extensa de Nova Iorque: Broadway.

Data do século XIX o início da vida teatral nas proximidades da Avenida Broadway, e quase 80 teatros chegaram a ser construídos na Times Square. Bloom (2012: 16) sublinha que a temporada de 1927-28 marcou o boom financeiro e artístico da área, com 257 peças em cartaz nesse intervalo de tempo. Depois, a indústria sofreu três “pancadas”: a crise de 1929, que “quebrou” empresários e fechou teatros; o desenvolvimento do cinema, materializado pela construção do Roxy Theater; e o sucesso do rádio como mídia de massa. Isso culminou na conversão de muitas casas de teatro em estúdios e na demolição de outras nos anos 1930.

A autora frisa que, com a emergência da Segunda Guerra, a Times Square foi revalorizada e os teatros assumiram posição central na indústria de entretenimento americana. Entre as décadas de 1960 e 1970, porém, as drogas e a prostituição alastraram-se na área, e vários estabelecimentos foram demolidos. A renovação da Times Square começou nos anos 1980 e, graças aos investimentos da Walt Disney, a atividade teatral da 42nd Street retomou sua glória. (BLOOM, 2012: 17) A Broadway era novamente turística e rentável.

Herdeiro do vaudeville, o artista polivalente, empresário e acumulador de funções teatrais George M. Cohan começou a escrever espetáculos para a Broadway no início do século XX. Suas obras deixaram contribuições significativas para a comédia musical americana, e ele se firmou como agente poderoso do mainstream. Mas foi uma dupla o motor responsável por inaugurar a fórmula de teatro musical que “fisgou o mundo”: em 1943, estreava Oklahoma!, de Richard Rodgers e Oscar Hammerstein II. Comparato define a peça como o primeiro blockbuster da Broadway endereçado à família e comenta os novos aspectos da linguagem cênica:

O que passou a ser diferente? A narrativa não parava para ser executada uma canção, a história seguia firme dentro das canções e com isso o tema fluía sem problemas. As personagens eram bem desenvolvidas, assim como as coreografias que ajudavam a contar o enredo sem a desculpa para colocar mulheres com roupas reduzidas no palco. (COMPARATO, 2009: 323)

Essa inovação que Oklahoma! provocou na cena leva alguns a defenderem que a peça inaugurou a golden age dos musicais americanos. Uma matéria12 do site Broadway Scene contra-argumenta, delimitando a era de ouro entre as estreias de Show Boat (1927) e Fiddler on the Roof (1964). O texto atenta para uma mudança de conceito e execução nos musicais da Broadway desde o final dos anos 1970 até a década de 1990: os book musicals (espetáculos integrados, com bom roteiro de base) perderam espaço para os sung-through musicals (com pouco ou nenhum texto falado), e peças como The Phantom of the Opera e Les Miserables tornaram-se fenômenos.

O ponto de declive da era de ouro na Broadway coincide com a explosão da contracultura nos Estados Unidos – a década de 1960, com ênfase para a segunda metade, em que houve a ascensão do movimento hippie e do hard rock. A partir dos anos 1970, o mundo experimentou com intensidade o poder da revolução tecnológica, dos aparatos técnicos cada vez mais aprimorados, da globalização, do acesso à internet e da bomba subjetiva que é a informação instantânea. A vida mudou de cor, ou melhor, de substância; o teatro teve de se adaptar para sobreviver em meio à fertilidade técnica; e até hoje os artistas não foram engolidos pelos robôs. Mediante a troca cultural que o planeta globalizado fomentou entre as nações, o Brasil não ficaria de fora da “onda Broadway”, mas desde os tempos do Império vivencia também um teatro musicado genuinamente nacional.

4. História do teatro musical no Brasil

4.1. Teatro de Revista

Âmago cultural do Rio de Janeiro no século XIX, os teatros da Praça Tiradentes reuniam musicais de gêneros diversos: desde a ópera e o balé até as comédias estilo vaudeville. O grande triunfo dos empresários da época foi aprimorar um produto destinado às massas urbanas, que se proliferavam cada vez mais e careciam de uma cultura tipicamente popular. Houve, pois, uma consagração teatral dos hábitos e costumes da pequena burguesia, através de espetáculos independentes dos que a corte portuguesa consumia.

Como sublinha Mencarelli (2003: 7-9), foi a partir de 1870 que o teatro musical assumiu contornos mercadológicos em nossas terras, com o surgimento de companhias que encenavam operetas e revistas de ano, explorando a música popular. O autor atenta para a efervescência cultural na virada para o século XX, expressa pela pluralidade de atrações destinadas ao povo. Esse circuito de formas de arte que se interligavam tinha como eixos principais o carnaval, as festas populares – como a anual Festa da Penha – e espetáculos circenses. Assim, músicas apresentadas no teatro de revista tinham repercussão no carnaval, e vice-versa; e os mercados incipientes do cinema e da fonografia colhiam referências no teatro musicado. Cada vez em maior escala, as peças de paródia, opereta nacionalizada, mágica e revista – primeiras vertentes do teatro musicado genuinamente brasileiro – formaram uma indústria lucrativa, com destaque para empresários e diretores como João Caetano, Furtado Coelho e Jacintho Heller.

Tomando a revista, a mágica e o burlesco como três pilares essenciais do teatro musicado brasileiro na segunda metade do século XIX, Gasparani e Rieche (2010: 15-16) criticam parte da historiografia tradicional, que classifica o teatro musical surgido das ruas como um subgênero da comédia pernicioso à cultura. Por causa da origem no universo popular, nas ruas, feiras, prostíbulos e festas, essas formas de arte ocorriam paralelamente às peças das grandes salas de teatro.

A dupla de autores afirma que o teatro musicado consolidou-se no Brasil do século XIX sob as influências francesa e portuguesa, a contragosto de muitos intelectuais. Inaugurado em 1855, o Ginásio Dramático lançou em 1859 a primeira revista no país (As Surpresas do Sr. José da Piedade, de Figueiredo Novaes), que foi fracasso de público. Em 1884, porém, após uma maturação do gênero, as revistas alcançaram seu ápice com O Mandarim, de Artur Azevedo e Moreira Sampaio, e a decadência cravou-se com o fechamento do Teatro Recreio, em 1961. (GASPARANI, RIECHE, 2010: 20-21)

Inaugurado em 1859 por artistas franceses radicados aqui, o Alcazar Lírico foi um marco para o teatro ligeiro carioca, como observa Mencarelli (2003: 20-22). Em seus palcos, trabalharam muitas “cantrizes”13 que se destacaram posteriormente, como Suzana Castera e Rose Meryss; em seus assentos, figuraram nomes ilustres da high society, como Francisco Otaviano e Barão do Rio Branco; e em suas mediações badalaram boêmios e intelectuais, a exemplo de Machado de Assis, que até fez campanha na imprensa pela moralização do Alcazar (sob o pseudônimo de Dr. Semana). O autor fala sobre o simbolismo cultural desse centro de arte, que ajudou a instaurar o conceito do teatro de entretenimento, importado do exterior e remodelado de acordo com a ebulição artística que ocorria no Brasil.

As informações a seguir provêm de book14 fornecido pela equipe de Möeller e Botelho, que tem como uma das sessões a cronologia do teatro musical no Brasil. Nas últimas décadas do século XIX, Artur Azevedo se consagrou como um dos principais autores do teatro de revista, unindo em suas peças os dois elementos que estruturavam o gênero: música e humor. Com a opereta A Corte na Roça (1885), Chiquinha Gonzaga ingressou no teatro musicado. Um dos talentos mais reconhecidos em termos de composição no Brasil, a maestrina escreveu 77 partituras, passeando por variedades como revista, burleta, opereta e comédia musical. Outro grande nome, este típico da revista, Aracy Cortes estreou no nicho em 1922 e é lembrada entre as “cantrizes” icônicas do teatro musicado da época. O texto ressalta que a sátira era bem mais aceita pelo público do que o drama, o que rendia até dez sessões semanais de alguns espetáculos da Praça Tiradentes; porém, havia um caráter de descartabilidade nas revistas, pois elas duravam em média três semanas.

Com inspiração no caráter satírico do vaudeville e das operetas francesas – o que não foi empecilho para a reportagem de uma identidade nacional brasileira –, o teatro de revista não só investia na sátira como também na exploração da sensualidade, e daí surgiu a figura da vedete. Era considerado teatro ligeiro por ser pautado no ritmo e em ações curtas e ficou conhecido como revista porque registrava os acontecimentos do ano anterior, vinculados a aspectos sociopolíticos da sociedade carioca. Leite Júnior (2006: 128) frisa a linguagem objetiva e popular e o caráter crítico do gênero, que se valia do uso de estereótipos como o português, o malandro e a mulata para alfinetar a coroa. Piadas de duplo sentido e números apelativos, intermeados com as músicas de ritmo contagiante, eram o trunfo desse tipo de teatro musicado.

O autor credita à sexualidade presente na revista a dicotomia entre sucesso de público e fracasso de crítica. Ele justifica: “A união entre sexo e humor parece ser a fórmula certa para desqualificar algo em nossa cultura.” (LEITE JÚNIOR, 2006: 127) A figura das vedetes com pernas de fora reportava a sensualidade, o obsceno, o escracho embutido no humor, e as aparições escandalosas das atrizes eram um incômodo para as famílias tradicionais. Leite Júnior (2006: 128-129) cita a peça Vem Cá Mulata (1906), de Costa Júnior, como marco do abrasileiramento da revista, com a inserção da dança do maxixe. Ele ressalta que nos anos 1960 a erotização do gênero tornou-se explícita – inclusive, o termo Strip-Tease aparecia em vários títulos de espetáculos –, o que faz com que as revistas sejam até hoje tachadas de imorais.

A qualidade do humor e dos diálogos do teatro de revista é grifada por Santucci como elemento responsável pelo êxito do gênero no Brasil após a Primeira Guerra Mundial. A autora diz que “a produção teatral prosseguia à parte dos acontecimentos, numa espécie de alienação, exceto o teatro de revista, que apresentava aspectos da realidade em pequenas doses, por meio das sátiras políticas.” (SANTUCCI, 2006: 56) E afirma que foi nas décadas de 1920 e 1930 que o luxo, as vedetes e os coristas começaram a dominar as revistas, até que, com a ditadura do Estado Novo a partir de 1937, a censura fez com que o cunho politizado perdesse espaço para o erotismo.

Vale destacar algumas vedetes memoráveis do teatro de revista. Virgínia Lane estourou na década de 1950 e estrelou muitas peças de Walter Pinto (produtor de sucesso no gênero entre as décadas de 1940 e 1960); ela, inclusive, declarou à mídia que fora amante de Getúlio Vargas por dez anos.15 Íris Bruzzi, que foi casada com Walter Pinto, e Carmem Verônica, considerada uma das moças mais bonitas das revistas, interpretaram duas ex-vedetes na novela da Rede Globo Belíssima (2006), de Silvio de Abreu. Já Dercy Gonçalves começou a despontar no ramo em 1942, quando estrelou a revista Rumo a Berlim, de Freire Júnior e Walter Pinto, e fez carreira na televisão e no cinema, tornando-se uma personalidade da mídia do século XX. Importante também citar os humoristas Oscarito e Grande Otelo e o empresário Manoel Pinto – grande nome do gênero nas décadas de 1920 e 1930 e pai de Walter Pinto, para quem deixou o Teatro Recreio, espaço-ícone das revistas até o desaparecimento do gênero.

4.2. Broadway, musicais de protesto e crise

Em 1962, um ano após o fechamento do Teatro Recreio, Bibi Ferreira, Paulo Autran e Marília Pêra estreavam Minha Querida Lady (My Fair Lady), primeira versão da Broadway no Brasil. Alô, Dolly (Hello Dolly) surgia em 1966 nos palcos brasileiros, com Bibi Ferreira e Paulo Fortes. E quem pensa que Como Vencer na Vida Sem Fazer Força (How to Succeed in Business Without Really Trying) estreou no Brasil em 2013 com versão de Möeller e Botelho está enganado: a primeira montagem aqui data de 1964, e no elenco figuravam Marília Pêra, Moacir Franco e Procópio Ferreira. Mas a “onda Broadway” só “fisgou” mesmo o teatro musical brasileiro na virada dos anos 1990 para os 2000, porque as décadas de 1960 e 1970 ficaram marcadas pelo cunho político e os musicais de protesto.

E não há como dissociar esse tipo de musical da marca Chico Buarque, que tratava tema políticos com enfoque no cotidiano. Em 1968, com a implantação do AI-5 e o aumento expressivo da repressão da ditadura militar, o artista e intelectual estreava no Rio de Janeiro o primeiro musical que escreveu, Roda-Viva. Em 1973, lançou com Ruy Guerra a peça Calabar: o Elogio da Traição, que foi censurada e só conseguiu entrar em cartaz sete anos depois. E em 1975, junto com Paulo Pontes, movimentou olhos e ouvidos com Gota d’Água, que tinha Bibi Ferreira no elenco. Sobre a primeira obra dessa famosa trinca de musicais de protesto, De Meneses comenta:

Roda-Viva (...) revelou, com toda a agressividade que o teatro comportava, um Chico antilírico, chocante, destruindo inapelavelmente a imagem muito consumível de bom menino, de boa família, bem comportado, que conquistara a sensibilidade do público com seu lirismo quase inocente. (DE MENESES, 2002: 24)

Buarque viveu um paradoxo à época: enquanto era taxado pelos tropicalistas e os militantes de esquerda como reacionário, era também perseguido pela polícia política e praticamente viveu uma prisão domiciliar. (DE MENESES, 2002: 31) Roda-Viva transformou-se em um marco de resistência contra o regime ditatorial, e a temporada no teatro Galpão, em São Paulo, é relembrada por um fato: cerca de 100 pessoas do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) espancaram o elenco e depredaram o cenário da peça.16 A censura foi mais forte ainda contra Calabar: o Elogio da Traição: em 08 de novembro de 1973, no dia da estreia no Teatro João Caetano e com ingressos esgotados para até quatro sessões adiante, uma ordem do general Antônio Bandeira impediu a equipe de pisar no palco.17

Gota d’Água – inspirada em um trabalho de Oduvaldo Vianna Filho, que por sua vez resgatava a tragédia grega Medeia, de Eurípedes –, mediante a suposta abertura gradual do governo Geisel, foi liberada pela censura. Lourenço afirma que, no musical, a trama enlaçava as questões do povo a partir do recurso poético, para dar maior vazão ao discurso e aos sentimentos dos personagens pós-modernos. No espaço cênico, Creonte representa o poder; os moradores da Vila do Meio-dia, a classe média que subjuga o povo; e Jasão, o único elemento marginalizado que consegue ascender, enquanto a coletividade vive sob o domínio de Creonte. (LOURENÇO, 2010: 26)

O musical Ópera do Malandro, também de Buarque, estreou em 1978 no Teatro Ginástico, Rio de Janeiro, e abordava a decadência do sistema caracterizado por anos de repressão. O texto virou clássico, teve releituras de Möeller e Botelho (em 2003 e 2006) e em 2014 estreou novamente com direção de João Falcão. Nas décadas de 1960 a 1980, sozinho ou em parceria, Buarque também assinou trilhas de outros espetáculos musicais, como Morte e Vida Severina (1965), O Homem de La Mancha (1972) e O Corsário do Rei (1985). Depois, afastou-se do ramo, e os brasileiros vivem uma “longa ausência” do compositor no que diz respeito aos palcos, como sublinha Fernanda Torres, em sua coluna para a Veja Rio.18

Dentre os musicais de outros autores, destaque para Liberdade, liberdade, de Millôr Fernandes e Flávio Rangel, que estreou dia 21 de abril de 1965 no Rio de Janeiro. Batista caracteriza essa peça como precursora do teatro de resistência no Brasil e pioneira ao valer-se da técnica de compilação de textos históricos para discorrer sobre uma ideia abstrata – no caso, a liberdade humana. A autora define o musical como ameaça nítida ao governo militar. (BATISTA, 2011: 1-2)

Fundado na década de 1950, o Teatro de Arena de São Paulo foi palco de expressivos musicais de protesto nos anos 1960 e local onde os artistas mais engajados – em especial músicos que já faziam canções políticas – tornavam públicos seus ideais. A temática dos espetáculos abrangia greves, invasões de universidades, conflitos agrários e sociais. Da Silva classifica a peça Arena Conta Zumbi (1965), de Augusto Boal, Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, como o musical de protesto mais importante da década. O autor frisa que, após o golpe militar em 1º de abril de 1964, os jovens intelectuais da época ansiavam por utilizar “a história e a cultura a serviço da libertação nacional.” (DA SILVA, 2002: 120)

Não é à toa que o texto de Arena Conta Zumbi teve origem na música Zambi, escrita em 1964 por Edu Lobo e Vinicius de Moraes: apesar da diferença de formato, os musicais de protesto corriam paralelamente às canções de protesto, em um engajamento político-social que se amparava em ideologias de esquerda. Da Silva comenta o frisson causado na época pelos festivais da canção, em meio à indignação, sobretudo dos jovens, com o regime político a que o país estava submetido:

Desde 1965 os festivais da canção (...) conseguiram reunir um número relevante de jovens talentosos e progressistas, quase todos críticos do regime militar. Já no II Festival da Música Popular Brasileira, em 1966, Geraldo Vandré e Téo de Barros surpreendiam o público com uma canção duramente crítica da paisagem social nordestina e que, dialeticamente, se utilizava das soluções melódicas populares nordestinas para denunciar a exploração, tal qual na solução estética experimentada por Gil em A Procissão. Era A Disparada. (DA SILVA, 2002: 121)

No tocante ao vínculo entre música e teatro, Oliveira atenta para o caráter pretensioso e sempre inovador dos musicais:

Na década de 1960 a cena teatral brasileira viu florescer uma série de musicais autenticamente brasileiros. A companhia Teatro de Arena de São Paulo, que estava no campo de resistência democrática19 à ditadura militar, foi uma das responsáveis por conjugar no palco dois códigos artísticos essencialmente diferentes: a música e o teatro. (OLVEIRA, 2012: 1)

O trabalho de Oliveira gira em torno da influência do Grupo Opinião dentro do cenário político-cultural da época. A formalização da companhia de teatro se deu com o Show Opinião – musical de Oduvaldo Vianna Filho, Paulo Pontes e Armando Costa, em parceria com o Teatro Arena de São Paulo, que estreou no Rio de Janeiro em 11 de dezembro de 1964 e foi a primeira grande manifestação artística contra o regime ditatorial. A autora explica que a ação alavancada pelo Grupo Opinião de unir canções de protesto ao teatro engajado se originou a partir de um contexto político mais amplo do que o Golpe Militar: começou a se delinear com os trabalhos do CPC (Centro Popular de Cultura) da UNE e as reuniões políticas que ocorriam no restaurante Zicartola. (OLIVEIRA, 2012: 1-2)

Mas, com o retorno à democracia, a ebulição cultural no Brasil deixou de ser necessária enquanto instrumento político. Sucedendo as montagens politizadas, em que se pretendia atingir as estranhas do público com palavras estrategicamente encaixadas dentro das canções, os anos 1980 denotaram uma crise no teatro musical. Exceção foi a presença de Claudia Raia no cenário mainstream: ela estreou aos 16 anos em A Chorus Line, ao lado da posteriormente diva dos musicais Totia Meireles, e seguiu emplacando produções de sucesso, como Não Fuja da Raia (1991) e O Beijo da Mulher Aranha (2001). O musical Evita (1983) constituiu a primeira superprodução da Broadway montada em palcos brasileiros. E em 1987 Marília Pêra aceitou o convite de Roberto Talma para interpretar Dalva de Oliveira na peça A Estrela Dalva, prelúdio dos musicais autobiográficos, que vêm se alastrando no mercado nesta década de 2010.

4.3. Boom dos musicais contemporâneos

Não tardou muito a retomada dos musicais. Na segunda metade dos anos 1990, uma nova safra de espetáculos – como Na Bagunça do Teu Coração (1997), Somos Irmãs (1998) e a versão do espetáculo da Broadway Rent (1999) – revigorou o gênero. Mas foi na década de 2000 que ocorreu o boom dos musicais no Brasil. Em 2001, a montagem paulistana de Les Misérables tornou-se sucesso de público e com cinco meses em cartaz já tinha média de 1400 espectadores por sessão.20 Em 2002, a versão A Bela e a Fera atraiu meio milhão de espectadores em São Paulo.21 Em 2003, foi a vez do Rio de Janeiro protagonizar um fenômeno de bilheteria: Möeller e Botelho lançaram sua montagem do clássico Ópera do Malandro, e o espetáculo ficou em cartaz ao longo do ano, com ingressos vendidos a dois meses de antecedência, casa lotada todos os dias e filas na porta do teatro.22

A partir daí, a dupla não parou mais. Enquanto superproduções como Chicago (2004) e O Fantasma da Ópera (2005) efervesciam em São Paulo, o selo M&B se consolidava e apostava no público carioca. Em 2008, a montagem de A Noviça Rebelde inaugurou o teatro Oi Casa Grande, no Leblon, onde ficou em cartaz por oito meses e atraiu cerca de 200 mil espectadores.23 Aproveitando o momento exitoso, no ano seguinte, Möeller e Botelho marcaram um grande gol: conquistaram o público jovem. O fato é que a montagem de O Despertar da Primavera trouxe à tona tabus, conflitos e a sexualidade à flor da pele de uma juventude oprimida, a partir do texto vanguardista e comovente escrito em 1891 pelo alemão Frank Wedekind.

Multidões de jovens lotaram o Teatro Villa-Lobos para assistir ao que os brasileiros haviam criado em cima do musical encenado na Broadway três anos antes. Segundo release24 da Aventura Entretenimento – produtora associada a Möeller e Botelho na época –, essa versão de O Despertar da Primavera foi a primeira licenciada para não ser uma réplica da peça da Broadway, e sim um novo espetáculo. Matéria25 do Estadão credita a mudança do público-alvo à escalação de um elenco na faixa etária entre 16 e 26 anos, o que provocou o interesse dos adolescentes cariocas e elevou seus hábitos em relação ao teatro.

Rubim comenta a iniciativa de Claudia Raia nos anos 1980, a princípio dentro do estilo americano e, mais tarde, introduzindo elementos brasileiros. Mas diz que os musicais biográficos da década de 1990 foram os responsáveis por modificar o curso do gênero, ao passo que as bilheterias dos anos 2000 (como as de Les Misérables, Chicago e Fantasma da Ópera) alteraram o aspecto econômico. E cita um marco moderno dos musicais no Brasil: “Teatro é texto, história a ser contada. O teatro musical certamente deve seu sucesso às versões bem sucedidas de Claudio Botelho.” (RUBIM, 2010: 5)

A autora (2010: 2; 6) enumera fatores que tecem o contexto favorável aos musicais. O avanço tecnológico acelerou a comunicação e a transmissão de arquivos; o aspecto comercial melhorou, sobretudo por causa dos patrocinadores, que passaram a investir mais em cultura; e a estrutura sólida das superproduções estimula os atores a fazer carreira no nicho. Machado complementa esse raciocínio:

No final dos anos 1990, foram asseguradas as condições materiais básicas para a idealização e contratação de musicais nos moldes daqueles produzidos na Broadway. Os orçamentos generosos – auxiliados por leis de renúncia fiscal – permitiram a realização de grandes montagens e aceleraram a profissionalização no setor. (MACHADO, 2014: 2)

Três convenções em teatro musical são esboçadas pelo teórico: as “estéticas”, vinculadas às formas internas de criação; as “administrativas” ou organizacionais; e as “do consumo”, que trabalham em cima do sentimento do público para estimulá-lo a adquirir produtos do espetáculo. O autor envereda pela parte administrativa e destaca o recente mercado de produtoras especializadas na área, como a Aventura Entretenimento (fundada em 2008 por Luiz Calainho, em parceria com Aniela Jordan e Möeller e Botelho). E, tomando o exemplo de Calainho, descreve a figura do empreendedor como “o indivíduo dotado da capacidade de transformar ideias em projetos viáveis. Ao mesmo tempo, (...) o ser capaz de traduzir sonhos em realidade, assumindo um poder quase mágico.” (MACHADO, 2014: 4)

Em análise sobre o discurso de Calainho – figura-chave do boom dos musicais contemporâneos que lançou em 2013 sua autobiografia26–, Machado chega à conclusão de que “o teatro musical, como manifestação cultural, passa a ser compreendido como uma forma de relacionamento: um mecanismo para produção de uma marca e realização de uma grife27”. (MACHADO, 2014: 8)

Sobre o êxito da dupla Möeller e Botelho – que também teve biografia28 publicada, em 2009 –, Machado (2014: 13; 15) sublinha a habilidade dos diretores de criar e viabilizar um produto de entretenimento a partir de um “selo de qualidade”. Ele enfatiza o “raciocínio circular” que modela a lógica de mercado desses agentes: ao mesmo tempo em que há um sonho aliado à perspectiva econômica de profissionalização, atingir esse patamar possibilita a concretização de novos sonhos.

E é justamente em um caminho concreto dos musicais que este trabalho pretende entranhar daqui por diante. Até na superprodução mais comercial e de maior orçamento dentro do mercado, não há como dissociar aspectos objetivos dos subjetivos, porque se trata de um produto catalisador das emoções e do imaginário do público. Por isso, a retroalimentação entre conteúdo, obra, comércio, discurso e espectadores no contexto onírico do teatro musical é tema dos próximos capítulos.

5. Estrutura e funcionamento das superproduções musicais

5.1. Funções técnicas

Visando um campo de abrangência que englobe as superproduções contemporâneas de grande porte no Brasil, este breve capítulo apresenta uma listagem básica da estrutura do teatro musical. Vale ressaltar que as profissões estão elencadas e correlacionadas de forma generalizada, o que expressa a tentativa de destrinchar a corrente em seus elos fundamentais. É possível que haja funções em vigor em algumas produções que não foram mencionadas nesta lista, bem como profissões facultativas que o leitor não encontrará em qualquer musical do mainstream.

A intenção é traçar um mapeamento do que usualmente é demandado pelos idealizadores para que se execute a superprodução. Variáveis como limite de orçamento, número e caráter dos patrocinadores, estrutura do teatro, tamanho do elenco, público-alvo, linha conceitual, perfil do(s) diretor(es) e da produtora associada definem a organização específica de cada espetáculo. Um adendo: produções da Broadway têm staff maior do que as brasileiras, tanto no que diz respeito à quantidade de cargos quanto à de funcionários, havendo funções desempenhadas por mais de uma pessoa. Adiante, vamos ver como isso funciona e de que forma se organiza a equipe para que não ocorram erros e todas as sessões pareçam iguais aos olhos do público.

A atriz de musicais Adriana Quadros, 52 anos – que integrou o elenco de produções como Constellation, Rádio Nacional, Baby, o Musical e 4 Faces do Amor e agora prepara-se para viver a madre superiora na montagem paulistana de Mudança de Hábito (Sister Act) – explica que o teatro falado geralmente não faz uso de microfones, enquanto o musical microfona todos os atores, o que encarece bastante a montagem. Sem contar o trabalho do engenheiro de som para adaptar a acústica do teatro ou suprir a falta de uma acústica boa.

Abaixo, segue a primeira lista, relativa às funções técnicas de uma montagem. Essa e as demais listagens deste capítulo foram costuradas com as informações de Adriana, arquivo da Gestão das Artes29 e dados fornecidos pela equipe da dupla Möeller e Botelho.

Diretor de palco – Supervisiona os aspectos técnicos e artísticos no que diz respeito ao palco, verificando cenários, acessórios e materiais em geral. É ele quem dá o aval de que está tudo nos conformes antes de cada sessão e quem comunica ao diretor técnico sobre eventuais problemas de palco e cena.

Diretor técnico – Cuida de todo o aparato técnico e participa do processo de montagem, além de ser responsável por orientar a equipe técnica.

Pré-produtor – Escolhe a peça, define o perfil do casting, o público-alvo e o espaço onde serão realizados os ensaios e a temporada de apresentações.

Produtor executivo – Trabalha no backstage, contrata os profissionais, busca patrocínio, administra o orçamento e também cuida da parte burocrática.

Diretor de produção, produtores e assistentes de produção - Viabilizam a produção, põem em prática – e em cena – tudo que fora idealizado.

Diretor residente – Em casos de produções da Broadway em turnê internacional, é o diretor brasileiro responsável por nutrir a qualidade técnica do espetáculo e realizar ensaios de manutenção.

Diretor de turnê – É escalado porque os diretores principais, por vezes com mais de um musical em cartaz, não têm agenda para acompanhar as turnês para outras cidades. Esse profissional pode acumular diversas das funções listadas acima.

Contrarregra – Atua no background montando, espalhando, retirando e recolocando objetos cênicos; abrindo e fechando cortinas; cuidando da manutenção dos adereços de palco. Em superproduções geralmente há mais de um profissional nessa função.

Assistente de direção – Abaixo dos diretores na hierarquia, encarrega-se de providenciar o que seus chefes diretos solicitam ou tomar resoluções na ausência deles. Por exemplo, o assistente de direção de palco é subordinado ao diretor de palco e, por vezes e dependendo da situação, executa tarefas de contrarregra.

Visagista – Atua até a estreia, concebendo a caracterização visual dos personagens e instruindo sobre o tipo de maquiagem que eles devem usar.

Iluminador – Faz a concepção, o desenho da luz que será utilizada na peça.

Sonoplasta, engenheiro ou designer de som – Arma toda a parte de acústica do espetáculo. Geralmente seu trabalho é necessário até a estreia.

Técnicos de luz e som – Ficam do lado oposto ao palco e executam o que o iluminador e o engenheiro de som criaram. São treinados para trabalhar na ausência desses ao longo da rotina de sessões.

Microfonista – Técnico que auxilia na fixação dos microfones nos atores.

Maquinistas – Operam o maquinário que entra e sai de cena.

Cenógrafo – Imagina e compõe o cenário, com o aval do diretor artístico.

Figurinista – Desenha os figurinos para os personagens e estipula os materiais, texturas e técnicas a serem adotados, liderando o processo de confecção.

Equipe de figurino – Confecciona os figurinos e adereços utilizados pelos atores em cena. Quanto maior elenco e mais complexa a produção, mais funcionários e/ou estagiários agregam a equipe.

Ponto – Atua no backstage, amparando os atores por um ponto eletrônico e dando deixas de texto.

Camareira – Dependendo da produção, pode haver mais de uma. Cuida da manutenção dos figurinos e auxilia na rápida troca de roupa dos atores durante cada sessão.

Cabeleireira de cena ou peruqueira – Responsável por fazer os penteados e fixar perucas, barbas e bigodes nos atores.

Costureira de cena – Fica detrás do palco para resolver possíveis problemas com os figurinos durante as sessões.

Ainda este subitem tem por finalidade citar os profissionais que atuam na base comercial de um musical. Eles compõem uma estrutura extremamente organizada e cumprem prazos rigorosos, a serviço do teatro, de seus patrocinadores e da rede de contatos pela qual navegam para viabilizar produções em sequência e se manterem ativos no mercado.

O porte de uma produção é acentuado pelo orçamento com o qual seus produtores podem contar, pois quanto mais capital, mais complexo e numeroso será o trabalho em equipe. Em peças de grande porte, os meios de se atingir e fisgar a audiência são determinantes para o sucesso, de modo que uma divulgação bem feita pode dar mais requinte à ideia crua e estimulante do diretor que alavancou a montagem. Eis a listagem dos profissionais com funções administrativas e de marketing.

Gestor de negócios – Coordena o aspecto empresarial e é um líder, na medida em que seu trabalho engloba as esferas administrativa, financeira e publicitária.

Captador de recursos – Estipula o valor exato do orçamento, o tipo de financiamento (público ou privado) de acordo com a proposta do projeto e o planejamento para efetuar a captação.

Recursos Humanos – Como em qualquer empresa, formaliza as contratações e o pagamento dos funcionários.

Analista de marketing – De acordo com o objetivo da empresa que produz o musical, faz pesquisas, relatórios, análises e um planejamento de ações para a publicidade da peça.

Relações públicas – Trabalha no merchandising e na mediação entre os convidados – ou o público aberto – e o espetáculo.

Assessor de imprensa – Entra em contato diretamente com a imprensa, envia releases, filtra solicitações e pedidos de entrevista, decupa e produz conteúdo para divulgar a peça.

Jornalistas – Mesmo que independentes da equipe da montagem, são eles quem divulgam a peça na mídia. Os representantes dos veículos mais importantes e/ou que desenvolveram uma boa relação com os diretores ao longo do tempo são convidados para cobrir a pré-estreia ou estreia VIP do espetáculo. Depois, trabalham a pauta como lhes convier, mas essa liberdade na prática se converte em críticas quase sempre parecidas entre si.

5.2. Papéis artísticos

Tomei como distinção em relação à área técnica o nível de envolvimento destes profissionais com o aspecto artístico do espetáculo, e não o fato de estarem necessariamente em cena como artistas. Abaixo, o leitor encontra uma listagem básica dos empregos criativos de que uma superprodução musical precisa.

Autor ou roteirista – Escreve o texto da montagem e pode ser o próprio diretor. Há também os autores de canções para musical.

Diretor artístico ou encenador – Encarrega-se do que é falado, teatralizado, das marcações de palco e da direção de atores e demais artistas em cena. Realiza a concepção intelectual do espetáculo e imprime sua marca criativa ao longo dos ensaios. Por vezes, contrata um coordenador artístico para auxiliá-lo.

Diretor musical – Supervisiona a seleção dos músicos, a elaboração dos arranjos, a timbragem das diferentes vozes do coro e os ensaios com a orquestra.

Tradutor – Em adaptações de espetáculos da Broadway, compõe versões em sua língua natal para as letras das músicas.

Arranjador – Cria ou adapta os arranjos das canções. Essa função pode ser executada pelo próprio diretor musical ou pelo maestro.

Maestro ou regente – Dita o andamento da parte musical e sincroniza o trabalho dos músicos, podendo ou não ser membro da orquestra durante as sessões.

Músicos – A quantidade desses profissionais varia de acordo com a produção. Podem compor uma banda ou uma orquestra, sempre a serviço dos intérpretes e da história contada por eles. Geralmente, na fase de ensaios, há um pianista ensaiador que acompanha os números antes que eles assumam o formato final (arranjos concretizados e uso de todos os instrumentos).

Preparador vocal – Fornece o embasamento de técnica vocal aos atores, ensinando-os a colocar a voz de acordo com as solicitações do diretor e a trabalhar a técnica repetidamente de modo a não cansar ou danificar o aparelho vocal.

Cantores solistas – Intérpretes das canções. No teatro musical, prevalece o conceito de atores que cantam, já que o motor desse tipo de montagem é utilizar a música como instrumento cênico para contar uma história. Nos solos, assim como no coro, a linguagem e movimentação corporal são essencialmente teatrais, o que constitui um elemento distintivo em relação a um show, em que o cantor pode canalizar a maior parte de sua energia para a música.

Coro ou ensemble – É composto pelos atores/cantores/dançarinos ou apenas cantores que trabalham no espetáculo, conferindo forte base vocal para as canções. Um solista pode integrar o coro quando não está cantando individualmente, mas em elencos grandes a maior parte dos artistas do coro não tem solos. Há cenas em que o coro entra em momento pré-determinado, números especificamente de coro e cenas em que o coro canta da coxia.

Coreógrafo – Cria ou adapta as coreografias musicais e ensaia os bailarinos e atores que dançam.

Bailarinos e acrobatas – Participam do espetáculo compondo a cena e os números musicais. Podem ou não cantar, mas geralmente articulam a letra com a boca sem estarem microfonados, para dar impressão de que todo o elenco imergiu junto na canção.

Casting – Nome utilizado para descrever o profissional que faz as escolhas de elenco, sob a supervisão dos diretores.

Atores – Elenco integrado do espetáculo. De forma geral, espera-se que um ator de musical saiba cantar e dançar ao mesmo tempo, mas mesmo nesse tipo de produção há atores que só atuam, principalmente os que trabalham com humor.

Sub – Ator ensaiado e pago para substituir um dos personagens principais. No Brasil, geralmente é alguém do próprio elenco, com papel de menor destaque. Superproduções da Broadway contratam muitos profissionais para exercer essa função, evitando ao máximo os imprevistos e poupando atores importantes que eventualmente percam a voz durante as sessões. Nesse caso, cada sub de um dos personagens principais vai para o teatro e se apronta como se fosse entrar em cena todos os dias. Às vezes, é convocado a entrar no início, outras, no meio da peça.

Swing – Geralmente, há um feminino e um masculino. Espécie de coringa, é um ator que não se prende a um personagem específico e tem de conhecer todos os papéis da peça, para eventualmente cobrir ausências no elenco.

Músicos substitutos – Ficam à disposição caso haja algum imprevisto com um dos músicos oficiais.

Antes de enveredarmos pelo próximo capítulo, vale rechear essa descrição sobre a parte criativa do espetáculo com o pensamento de Brook, que enxerga a música associada à ação como um catalisador do interesse do público:

(...) Para que haja uma diferença entre teatro e não-teatro, entre a vida diária e a vida teatral, precisa haver uma compreensão do tempo que é inseparável de uma intensificação da energia. São elas que criam um vínculo fortíssimo com o espectador. E por isso que na maioria das formas de teatro de rua e de teatro popular a música desempenha uma função essencial ao aumentar o nível de energia. (BROOK, 2008: 25)

Ressaltando a dominância do ritmo em uma composição sonora, o encenador afirma que a música no teatro está intrinsecamente vinculada à carga de energia, ao trabalho do elenco, e classifica um bom compositor como aquele que penetra na linguagem unificada da peça, deixando de lado questões estilísticas ou individuais. (BROOK, 2008: 25-26) É interessante observar como o autor, mesmo sem discorrer especificamente sobre teatro musical, valoriza os impulsos dionisíacos da arte, ressaltando seus efeitos sobre o público – agente final (ou inicial, dependendo do ponto de vista) para o funcionamento de uma montagem. Se até o teatro mais pobre de recursos sobrevive para falar a certo público, os bolsos gordos e olhares sedentos da plateia são o que sustenta e revigora uma superprodução musical.

6. Bastidores da cena carioca contemporânea

6.1. Os Saltimbancos Trapalhões: justificativa do objeto de estudo

Em 26 de setembro de 2014, Renato Aragão pisou pela primeira vez em um palco. E ao lado de pessoas queridas: Dedé Santana, parceiro de vida e um dos integrantes do extinto quarteto “Os Trapalhões”; Tadeu Mello (da série da TV Globo As Aventuras de Didi); Roberto Guilherme (parceiro de Renato desde a década de 1960, na TV Excelsior, e mais conhecido no papel do vilão Sargento Pincel); Livian Aragão, filha de Renato; o namorado da moça, Nicolas Prattes; e a mãe dele, Giselle Prattes. Trata-se da mais recente superprodução de Charles Möeller e Claudio Botelho, Os Saltimbancos Trapalhões.

Entre a primeira apresentação no dia 26 – fechada para convidados da equipe – e a estreia oficial houve intervalo de uma semana. Mas isso não representou um hiato, e sim uma fase de testes e adaptações da peça, montada em cinco semanas e meia. As sessões do espetáculo, em cartaz até 30 de novembro na Cidade das Artes, Rio de Janeiro, são às sextas, aos sábados e domingos. Dia 27 de setembro (sábado) ocorreu a pré-estreia aberta ao público; dia 28 (domingo), uma sessão para convidados do Gloob, canal oficial da peça; e na sexta da semana seguinte (03 de outubro), a estreia oficial.

Vários foram os motivos que me fizeram escolher Os Saltimbancos Trapalhões como objeto de estudo para este trabalho. Primeiramente, por ser uma produção assinada por Möeller e Botelho, os “reis dos musicais” no Brasil. Não creio que seria coerente optar por outros diretores, afinal, foram Charles e Claudio que revolucionaram o segmento em nosso país, como exposto no capítulo anterior. E, por sorte, as fases de montagem e temporada de Os Saltimbancos Trapalhões coincidiram com o período de produção desta monografia. Em segundo lugar, por se tratar de uma superprodução, logo, há muito que explorar em termos objetivos e qualitativos. A terceira razão diz respeito à estreia de Renato Aragão nos palcos, fato impossível de ser ignorado por uma futura jornalista que pretende enveredar pela área de cultura. E o quarto pretexto é assumidamente pessoal: a admiração que cultivo desde 2009 pelo trabalho da dupla, quando a versão brasileira de O Despertar da Primavera estreou no Teatro Villa-Lobos. Julgo que os seis anos em que assisti e li sobre musicais de Möeller e Botelho me conferiram uma mínima base para chegar até aqui. E me propus o desafio de escrever objetivamente sobre uma paixão.

Antes de prosseguir, uma informação: o último capítulo deste trabalho, que consiste em entrevistas com profissionais do espetáculo, só foi viabilizado graças a um curso de formação em teatro musical com a supervisão de Möeller e Botelho, no qual ingressei em outubro. Foi lá que obtive os contatos que me propiciaram concretizar a intenção prática do trabalho; também pude entender melhor sobre os bastidores do teatro musical e pretendo compartilhar meus recentes conhecimentos neste capítulo.

Em texto confeccionado para compor o programa30 da peça, Charles Möeller e Claudio Botelho mostram-se extasiados em dirigir um artista do calibre de Renato Aragão, de quem se declaram fãs desde a infância. Com esta frase, definem o humorista: “Mais do que ator, escritor, diretor e produtor, Renato Aragão praticamente inventou uma comunicação com as plateias brasileiras que transcende os veículos em si.” Eles reforçam o duplo efeito que a peça exerce sobre o público: apresentar Didi pela primeira vez no palco e, ao mesmo tempo, constituir “um musical completo, com orquestra, grande elenco e produção requintada como o gênero exige”.

É curioso observar o discurso dos diretores que, após 17 anos de dupla e 34 espetáculos produzidos em parceria, demonstram total consciência sobre o espaço que ocupam no cenário artístico, mas têm abertura para o ineditismo e buscam sempre novas formas de surpreender o público e a si mesmos.

Os Saltimbancos Trapalhões, agora no teatro, é uma nova adaptação do conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm, e do filme dos Trapalhões, com um texto reescrito por Charles para as plateias de hoje, quando o teatro musical no Brasil já ganhou expressão de primeiro mundo, não é mais um “fenômeno” ou uma moda, é algo definitivo e sólido.

O trecho acima, ainda dos diretores para o programa, resume o conceito em torno da peça – idealizada pela dupla e alavancada após um almoço em que Renato Aragão não só deu o aval para o projeto, como também liberdade para os diretores criarem em cima do texto original e do roteiro do filme de “Os Trapalhões”. Essas múltiplas referências serão comentadas mais adiante.

Em depoimento31 filmado por Edgar Duvivier – que faz o making of e os vídeos de divulgação da peça –, Charles ressalta que tem um estilo de trabalho oposto e complementar ao do parceiro: “Acho que o que mantém minha dupla com o Claudio viva e feliz é sempre a gente estar saindo da nossa zona de conforto.” Essa declaração é reforçada pela frase inicial escrita pelos diretores para o programa:

Quando você acha que em 30 anos de profissão já esteve diante dos grandes momentos que o teatro reserva para aqueles que lhe dedicam a vida, generosamente a própria vida vem e mostra surpresas e presentes guardados atrás daquela esquina, depois daquela porta, e todas as portas dão sempre no... Teatro.

Em Os Saltimbancos Trapalhões, o padrão Möeller-Botelho de qualidade provocou quase que unanimidade na imprensa. Todas as críticas foram positivas e parecidas entre si, com ênfase na presença ilustre de Renato Aragão, na qualidade que não fica aquém do selo Broadway e na memória dos números musicais que tanto agradaram no passado. O espetáculo foi noticiado pelos principais veículos – os programas “Fantástico”, “Programa do Jô”, “Roberto D’Ávila”, “Jornal Hoje”, “Vídeo Show”, “Sem Censura”, “Bastidores” e “Pânico na Band”; os jornais “Estadão”, “Folha de S.Paulo”, “O Globo” (incluindo as sessões “O Globo Barra” e “Rio Show”) e “O Dia”; as revistas “Veja Rio”, “Época”, “Quem” e “CARAS”; e os sites “EGO” e “Portal R7”. Além disso, a pauta repercutiu em blogs e sites diversos e foi bastante divulgada na página do Facebook da peça (que soma mais de 8 mil curtidas) e nas mídias da grife Möeller-Botelho (site, canal no YouTube, Facebook, Twitter, Instagram e Google+).

Outro aspecto bastante comentado na mídia é a adequação do espetáculo à Grande Sala da Cidade das Artes. Ao contrário do que se temia – da arquitetura do teatro, cuja lotação é de 1222 lugares, ficar grande e suntuosa demais para a peça –, a cenografia transformou o palco em um picadeiro de circo, encurtando ou estendendo a área de acordo com as cenas.32 Com isso, a marca criativa e musical de uma superprodução Möeller-Botelho funde-se, sem conflitos, aos números circenses e ao improviso genuíno de Didi e Dedé.

As acrobacias elaboradas para compor os números musicais conferem inovação, ritmo e frescor ao espetáculo, de modo que o espectador tem vontade de direcionar o olhar para todos os cantos do palco ao mesmo tempo. Justamente para corresponder a esse mapeamento natural dos olhos, os 11m x 24m da boca de cena são calculadamente preenchidos pelas marcas e a movimentação do elenco. Também a história – que mistura as aventuras de Didi e Dedé com o conto dos irmãos Grimm – e o desfecho diferente em relação ao filme causam surpresa, por se tratar de um produto já bem trabalhado por Chico Buarque e “Os Trapalhões”.

Pelo fascínio que desperta, pelo profissionalismo e o sincronismo visíveis em toda a equipe e pelo fato de atender a um vasto público – de crianças pequenas a idosos –, julgo que Os Saltimbancos Trapalhões seja o musical mais completo e apropriado para objeto de estudo deste trabalho.

6.2. Descrição dos diretores e da empresa M&B

O texto a seguir está amparado em informações do site oficial de Möeller e Botelho33, do book34 fornecido pela equipe deles e do programa de Os Saltimbancos Trapalhões.

Charles Möeller, 47 anos, nasceu em Santos (SP) e iniciou a carreira como ator de teatro em 1985. Quatro anos depois, começou a trabalhar como cenógrafo e figurinista em São Paulo, e foram essas as funções que lhe renderam prêmios no teatro ao mudar-se para o Rio de Janeiro, em 1991 – ano em que trabalhou pela primeira vez com Claudio Botelho, em Hello, Gershwin. Em 1997, os dois efetivaram oficialmente a dupla, e Möeller assumiu a função de autor e diretor. 1990 também foi a década em que Möeller atuou em novelas televisivas, como Mico Preto (1990), Ana Raio e Zé Trovão (1991) e Xica da Silva (1996). Na TV, ele desempenhou funções de direção nas séries da TV Globo Chiquinha Gonzaga (1999) e Dalva e Herivelto: Uma Canção de Amor (em 2010, com Botelho). Sua especialidade é a parte cênica.

Claudio Botelho, 50 anos, é natural de Araguari (MG), foi criado em Uberlândia e ainda adolescente (aos 14 anos, em 1978) mudou-se para o Rio de Janeiro. Estudou no colégio São Vicente, onde entrou para um grupo de teatro e conheceu Almir Telles, que o dirigiu e o influenciou a se interessar pela área dos musicais. Formou-se em Artes Cênicas pela CAL em 1992 e já na década de 1980 atuava, dirigia, fazia versões e compunha músicas para teatro. A amizade com Claudia Netto o impulsionou a assinar o roteiro de Hello, Gershwin, espetáculo que exprime seu gosto pela cultura de musicais dos Estados Unidos. Os dois assinaram peças em parceria na década de 1990 e produziram para a TVE programas como Na Bagunça do Teu Coração (1999). Botelho também se apresentou como cantor solo, como nos shows Cole Porter in Rio (1995) e Versão Brasileira (2010). Sua especialidade é a parte musical.

O espetáculo de estética trash As Malvadas (1997) uniu de vez os “reis dos musicais” que, ao longo de quase duas décadas de parceria, ganharam (juntos e individualmente) cerca de 30 prêmios de peso dentro do teatro – dentre eles, Shell, Sharp, Bibi Ferreira, Mambembe, Qualidade Brasil, Prêmio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e Prêmio APTR (Associação Paulista de Críticos de Arte). Os Saltimbancos Trapalhões é a 34ª peça assinada por Möeller e Botelho, que vêm encadeando em série – desde o boom dos musicais na década de 2000 – superproduções que se firmaram como sucesso de público e crítica.

Em 2014, à parte da estreia do novo espetáculo, os musicais Milton Nascimento – Nada Será Como Antes e Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 minutos estiveram em cartaz por cidades brasileiras. A dupla já havia lançado no exterior Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava e Beatles num Céu de Diamantes, que fizeram turnê em Portugal e na França, respectivamente. E em 2015 há previsão de estreia em Nova Iorque de Black Orpheus – A New Musical, encomendado em 2009 pelos produtores americanos Stephen Byrd e Alia Jones-Harvey. O musical será uma versão de Orfeu da Conceição (1954), de Vinicius de Moraes, e Orfeu Negro (1959), adaptação cinematográfica do francês Marcel Camus.

A cada produção, a dupla emprega cerca de 80 profissionais, que recebem salários mensais e independentes da bilheteria, e gera indiretamente 1600 empregos. Os musicais da grife Möeller-Botelho já reuniram mais de 1 milhão e 100 mil espectadores, em cerca de 2700 apresentações. A dupla não só remonta textos Broadway, Off-Broadway e do West End de Londres como também concebe e relê musicais brasileiros e colabora com outros formatos – revista musical, ópera, balé, shows, programas televisivos, etc.

Atores e cantores de prestígio já integraram seus elencos, a saber: Marília Pêra, José Mayer, Herson Capri, Francisco Cuoco, Cláudia Raia, Luiz Fernando Guimarães, Gracindo Jr, Soraya Ravenle, Gottsha, Totia Meireles, Kiara Sasso, Claudia Netto, Sabrina Korgut, Alessandra Maestrini, Adriana Garambone, Daniel Boaventura, Lucio Mauro Filho e Gregório Duvivier. A dupla também aposta na solidificação de uma cultura de musicais no Brasil, a partir da formação e lançamento de novos atores no meio. Destaque para Malu Rodrigues, que trabalhou em vários musicais da dupla e foi convidada para compor o elenco do seriado da TV Globo Tapas e Beijos.

A seguir, estão elencadas todas as produções musicais de Möeller e Botelho, a constar pela ordem de lançamento: As Malvadas (1997), O Abre Alas (1998), Cole Porter – Ele Nunca Disse que me Amava (2000), Company (2001), Um Dia de Sol em Shangrilá (2001), O Fantasma do Theatro (2002), Suburbano Coração (2002), Magdalena (2003), Ópera do Malandro (2003), Tudo é Jazz! (2004), Cristal Bacharch (2004), Lupicínio e Outros Amores (2004), Lado a Lado com Sondheim (2005), Ópera do Malandro em Concerto (2006), Sweet Charity (2006), Sassaricando – E o Rio Inventou a Marchinha (2007), 7 – O Musical (2007), Beatles num Céu de Diamantes (2008), A Noviça Rebelde (2008), Gloriosa, A Vida de Florence Foster (2008), Avenida Q (2009), O Despertar da Primavera (2009), Versão Brasileira (2010), Gypsy (2010), É Com Esse Que Eu Vou (2010), Hair (2010), Um Violinista no Telhado (2011), As Bruxas de Eastwick (2011), Judy Garland – O Fim do Arco-Íris (2011), O Mágico de Oz (2012), Milton Nascimento – Nada Será Como Antes (2012), Como Vencer na Vida Sem Fazer Esforço (2013), Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos (2014) e Os Saltimbancos Trapalhões (2014).

Realizadora de Os Saltimbancos Trapalhões, a empresa M&B defende a ideologia de que há um ciclo na área pela qual transita: o desenvolvimento do mercado no Brasil gera investimentos na formação profissional, que abre espaço para mais empregos; e isso fomenta a coagulação de uma cultura de musicais no país. Em meio a esse cenário, o papel da M&B consiste em fazer o marketing da dupla; estabelecer parcerias; gerar conteúdo a partir de múltiplas plataformas (TV, rádio, impresso e meios online); formar profissionais como atores, produtores, roteiristas, técnicos e professores; proporcionar visitas técnicas do público aos bastidores das produções; e viabilizar o aspecto físico das atividades executadas pela dupla (locais de trabalho e ensaio).

A atuação da M&B começou com Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos (antes, Möeller e Botelho haviam se associado às produtoras Aventura Entretenimento e GEO). As funções na empresa encontram-se dividas da seguinte forma: Charles Möeller e Claudio Botelho são os diretores artísticos; Edson Bregolato é o CEO; Tina Salles, a coordenadora artística; Beatriz Braga, a diretora de produção; Edson Lopes, o produtor executivo; Flavia Pereira, a produtora; João e Mateus Teixeira, os assistentes de produção; Leo Ladeira, o editor de conteúdo de websites e redes sociais; Rafaela Guedes, a assistente de design; Mariana Coelho, a gerente comercial; e a firma Senna & Mariano Advogados, a assessoria jurídica.

6.3. Sobre a peça e equipe envolvida

Múltiplas são as referências de Os Saltimbancos Trapalhões, versão para teatro: o conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm (que já havia inspirado em 1977 a montagem teatral Os Saltimbancos, dos italianos Sergio Bardotti e Luís Bacalov e com coautoria de Chico Buarque) e o filme homônimo dos Trapalhões lançado em 1981 pela RA Produções, com músicas de Chico Buarque, Sergio Bardotti e Luís Bacalov. Não foi por acaso que a peça estreou em 2014, com ensaios intensivos em cinco semanas e meia, mas para aproveitar o gancho dos 70 anos de Buarque.

Seguindo a linha de O Mágico de Oz e A Noviça Rebelde, a superprodução é destinada a toda a família; pensando nisso, as sessões de sexta e sábado foram antecipadas para 20h e as de domingo, para 18h. Charles Möeller adaptou livremente a trama do filme, e a nova montagem gira em torno de Didi e Dedé, dois empregados de circo que ganham popularidade com seus números de humor e alavancam a bilheteria dos espetáculos. Enquanto o casal Karina (Giselle Prattes) e Frank Severino (João Gabriel Vasconcellos) lidera o time do “bem”, o dono do circo, Barão (Roberto Guilherme), a domadora de leões Tigrana (Adriana Garambone), o ilusionista Assis Satã (Nicola Lama) e a cartomante Zorastra (Ada Chaseliov) assumem o estereótipo de vilões. Como de praxe nas histórias de Renato Aragão, eles humilham Didi e, ao mesmo tempo, são caçoados pelo personagem e sua turma.

Na peça, Didi é forçado a trabalhar de graça para o Barão, por causa de uma suposta dívida, e impulsiona a reviravolta da trama quando mostra aos amigos um precioso conto dos irmãos Grimm, entregue a ele por um cego (Tadeu Mello) na praia. Então, incentivado por Karina, por quem cultiva uma paixão platônica, escreve um musical para ser encenado no circo. A ideia tem êxito, e os artistas – que passavam fome e viviam apertados com dinheiro – conseguem se livrar do domínio do Barão. Em paralelo, desenrola-se o conflito de Ana (Livian Aragão), neta de Zorastra: forçada pela trapaceira a fingir que é um menino (chamado de João), se rebela ao se apaixonar por Pedro (Nicolas Prattes).

A ideia central do filme de 1981, dirigido por J.B. Tanko, foi mantida na peça. Didi, Dedé e os falecidos Mussum e Zacarias são contrarregras do circo Bartholo, que está em decadência. Depois de ganharem popularidade com seus números de humor, libertam-se da exploração do Barão e do ódio de Assis Satã, montam a própria companhia e decidem tentar a sorte em Hollywood. Paulo Fortes, Lucinha Lins e Mário Cardoso interpretam os personagens Barão, Karina e Frank Severino, respectivamente. O longa adaptou o texto de Os Saltimbancos, em que os quatro protagonistas são animais – um burro, uma gata, um cachorro e uma galinha – que se tornam músicos após se cansarem do domínio exercido por seus donos.

Em vídeo35 produzido por Edgar Duvivier, Claudio Botelho diz que se inseriu no show business e escreveu suas primeiras músicas copiando o estilo de Chico Buarque e enfatiza a métrica que o compositor faz com as proparoxítonas. O fato é que a personalidade buarquiana deu origem às marcantes músicas do filme Os Saltimbancos Trapalhões, presentes no imaginário de muitos adultos de hoje. A película é o oitavo longa de maior bilheteria da história do cinema nacional e teve à época mais de cinco milhões de espectadores. Exclusivamente para a produção de Möeller e Botelho, o maestro Marcelo Castro criou arranjos36 em cima das canções Piruetas, História de uma Gata, Hollywood, Todos Juntos, Rebichada, Meu Caro Barão, Minha Canção, Alô, Liberdade e A Cidade dos Artistas.

As letras políticas com contornos lúdicos foram uma estratégia de Chico, que utilizou os bichos do texto original como alegoria para os operários do Brasil, cuja luta poderia ser fortificada através da união. Exemplo é este trecho de Todos Juntos: “Não parece mesmo grande coisa/ Vamos ver no que é que dá/ Esperteza, paciência/ Lealdade, teimosia/ E mais dia menos dia/ A lei da selva vai mudar/ Todos juntos somos fortes/ Somos flecha e somos arco/ Todos nós no mesmo barco/ Não há nada pra temer.”

Patrocinado pelo Bradesco Seguros, Os Saltimbancos Trapalhões dispõe de aproximadamente 100 figurinos37 confeccionados à mão pela equipe de 11 estagiárias de Luciana Buarque, que trabalhou para a novela da TV Globo Meu Pedacinho de Chão. Para delírio da criançada e da crítica especializada, três leões fictícios em tamanho real (cada um, carregado por dois atores) “contracenam” com Adriana Garambone, Nicola Lama e João Gabriel Vasconcellos. Sem contar os cenários realistas de Rogério Falcão, que conseguem transformar o palco tanto em um picadeiro de circo quanto em uma noite de lua cheia para compor o número da Gata Branca.

A orquestra no espetáculo é composta por Marcelo Castro, na regência e teclado; Zaida Valentim, também no teclado; Anderson Pequeno, no violino; Omar Cavalheiro, no baixo e violão; Whatson Cardozo, no clarone e clarinete; Matheus Moraes, no trompete; e Marcio Romano, na bateria e percussão. Esses sete músicos ficam posicionados nas laterais do palco, e um time de 28 artistas (20 atores e 8 acrobatas) soma com eles 35 pessoas em cena. Além disso, segundo matéria do Rio Show38, cada sessão demanda 40 profissionais nos bastidores39, o que dá um total de 75 pessoas no teatro; e ao todo 120 profissionais compõem a equipe, que inclui elenco, direção, produção, técnica e criação.

Os números exorbitantes só permitem que eu cite algumas funções da montagem. O texto e a direção ficam a cargo de Charles Möeller; a supervisão musical é de Claudio Botelho; a coreografia foi elaborada por Alonso Barros e requintada por Möeller; Pauline Hachette coordena os números circenses; Cris Fraga é a diretora de palco; Marcelo Castro, além de arranjador, é o diretor musical; Marcelo Claret, o designer de som; Beto Carramanhos fez o visagismo; como dito anteriormente, Rogério Falcão assinou o cenário, e Luciana Buarque, os figurinos; Paulo Cesar Medeiros bolou a iluminação; Marcela Altberg ficou responsável pelo casting, e Beatriz Braga, pela pré-produção; Alessandra Azevedo e Edson Lopes dividem a produção executiva; Tina Salles é a coordenadora artística; e Edson Bregolato, o diretor de produção.

Além dos intérpretes já citados, o elenco conta com os atores Cristiana Pompeo, Marcel Octavio, Andrei Lamberg, Diego Luri, Augusto Arcanjo, Camilla Marotti, Gabi Porto, Laís Lenci e Zago Mirabelli e os acrobatas Erika Henriques, Jéssica Gardolin, Jonatan Karp, Kostya Biriuk, Olavo Rocha, Pauline Hachette, Rafael Abreu e Yulia Suslova. Para cada papel principal, há um sub que normalmente integra a trupe africana (atores do coro) ou a trupe do circo (acrobatas). E a assistente de direção Fabiana Tolentino é swing na peça, podendo cobrir qualquer ausência no elenco.

O espetáculo entra em recesso durante todo o mês de dezembro e retorna em janeiro e fevereiro para a Cidade das Artes. E, se o ano de 2014 marca o 70º aniversário de Chico Buarque, a temporada de 2015 homenageará duplamente Renato Aragão: 80 anos de vida e 50 de carreira no cinema.

7. Análise do discurso dos informantes

7.1. Entrevistas após uma sessão da peça

Ventava após um calorão vespertino, e o programa era típico de domingo: em bando, pais serelepes na faixa de trinta a quarenta anos levavam os filhos pequenos para assistir a Os Saltimbancos Trapalhões na Cidade das Artes, Barra da Tijuca. Uma rara situação em que o espetáculo atende de fato a toda família, já que a montagem nasceu do filme homônimo de 1981 e as crianças de ontem são os – justificadamente serelepes – adultos de hoje. Fora o tempo decorrido, o Renato Aragão da antiga é o mesmo que agora assume com propriedade e pela primeira vez um palco, segundo afirma o próprio humorista em entrevista ao Jornal Hoje.40 E é o que se via nos olhos das centenas de espectadores que povoavam a plateia (com gostinho de arquibancada) da Grande Sala do teatro carioca, às 18h do dia 19 de outubro. Mais de três décadas se passaram desde o lançamento do filme; Didi as atravessou com o mesmo sorriso.

Quando se abriram as cortinas, a figura do ícone ainda se misturava com a do comediante. Aplausos fervorosos e poucos minutos bastaram para dissolver qualquer barreira entre Didi e o público. A peça fluía como era esperado, mas a emoção e reverência permaneciam as mesmas conforme o personagem de Renato ia entrando em cena. Já o silêncio costumeiro de um espetáculo de Möeller e Botelho, esqueça: Os Saltimbancos Trapalhões não diferencia circo e palco.

Supressão da distância em relação aos pais: era isso que as crianças pareciam sentir naquele momento. Durante as duas horas e meia de espetáculo, entre risinhos tímidos dos maiores e gargalhadas dos menores, foi permitido vivenciar a alegria em sua forma mais infantil. Ao lado dos parceiros de longa data Dedé Santana, Tadeu Mello e Roberto Guilherme e de experientes atores de teatro musical, Didi Mocó teimava em despertar a criança que há dentro de cada espectador. Confesso que me peguei gargalhando alto de uma trapalhada e, antes de ficar constrangida, recebi um meio-sorriso de troca da mãe que sentava à frente.

Já havia assistido à montagem de Möeller e Botelho para Os Saltimbancos Trapalhões no dia 03 de outubro, a estreia oficial, e notei que foram feitos ajustes cênicos – naturais para uma superprodução montada em cinco semanas e meia, com 35 artistas trabalhando juntos –, como a ampliação da cena em que Didi hipnotiza o Barão, para delírio das crianças, que se divertem com o chantilly jogado na careca do personagem. O fato é que quaisquer pequenos erros de texto são passíveis de se cobrir com o improviso genuíno de Renato Aragão, o que não me permite classificá-los como falhas. Interessante observar que, na primeira vez, priorizei os detalhes da peça, para na segunda ficar mais atenta à energia que vinha da plateia e circunscrevia o palco, em contato com o fascínio que um personagem do porte de Didi desperta. A ansiedade para que ele entre em cena é um ponto que favorece e até mitifica a peça.

Ao fim da sessão do dia 19, conforme combinado com as produtoras Laura Storino e Marcella Boselli para realizar as entrevistas, segui por uma área da Cidade das Artes onde só era permitida a entrada de convidados. Após minutos de espera e por entre sussurros e expressões empolgadas das pessoas que estavam ali para cumprimentar amigos do elenco, os atores foram descendo. Alguns passavam discretos; outros reconheciam alguém entre os convidados e tentavam disfarçar o cansaço na hora do cumprimento. Até que ele – o Renato, não o Didi – desceu e foi logo escoltado pela esposa e anfitriã da cena, Lilian Aragão, que o esperava no hall enquanto recebia uma porção de gente ao mesmo tempo. Com simpatia e fervor, devo frisar.

Nesse meio tempo, ao passo que eu entrevistava o acrobata Olavo Rocha e esperava pelos atores Marcel Octavio e Giselle Prattes – o que finalizaria a rodada de entrevistas –, avistei Renato próximo ao elevador da saída e não resisti. Ali, percebi que era essencial entrevistá-lo, não só por seu histórico como personalidade da mídia, mas pelo ineditismo de sua participação no teatro. E consegui. Frente a frente ao mito, ao homem, ao workaholic assumido, ao pai de família, a Didi ou Renato, fiz uma entrevista que não havia preparado e sequer imaginado. E, em um esforço jornalístico, analisarei o discurso dos entrevistados por ordem de importância.

Pergunto a Renato como é a sensação de pisar pela primeira vez no palco, aos 79 anos, logo em uma superprodução. Ele responde sem hesitar, e esta é sua fala, sem cortes:

A sensação é muito diferenciada do que eu faço em cinema, shows e tudo mais. O teatro é uma magia, porque você está perto do público, é olho no olho, aquela coisa, reação imediata. A gente fica, assim, muito emocionado, porque o público joga energia na gente, e a gente vibra. Se eu der um passo, eu caio na plateia, porque de tanta proximidade que eu tenho deles, um gesto, um olhar, tudo agora vale. Quem está lá atrás, quem está na última fila vê o que a gente está fazendo aqui, a expressão do rosto, tudo. Então, a gente tem que ter muito cuidado. Agora, eu vou te dizer: é uma emoção muito grande, muito grande.

Sobre dividir a cena com a filha, Livian Aragão, ele é categórico: “Não adianta dizer que estou acostumado a ficar junto dela. É sempre adrenalina, mas eu me desligo um pouco – senão, passo a preocupação, né?” Renato ressalta também a incerteza de brilhar em futuros musicais: “Por enquanto, estou fazendo só isso, tenho que pensar só neste! Depois, o que vier, quem sabe eu não vou fazer?”

Outro ponto que não pude deixar de abordar é o limite do improviso de Didi em um trabalho com Möeller e Botelho, que utilizam muitas marcas de palco para os atores. “Eu dou as minhas falas e, se der uma maquiada, tenho que voltar. É, tem muita coisa que eu boto que nem está no texto. Quer dizer, a gente já mudou tanta coisa...! Mas dentro daquele limite de não atingir a fala do próximo, né?”, explica o humorista. E ainda dá um exemplo prático, sobre a cena em que comanda uma trapalhada contra o Barão, personagem de Roberto Guilherme: “Toda aquela hipnose do Barão não tinha na peça. Eu o hipnotizo, boto aquela ‘melecação’ que a criança adora, espirra pra tudo que é lado aquela espuma que tem ali... Mas depois volto, pra os outros não se perderem.”

Giselle Prattes, que interpreta a mocinha Karina, também não consegue esconder a emoção. Sorridente, com os olhos brilhando e aberta para o momento da entrevista, ela explica que Os Saltimbancos Trapalhões é a primeira superprodução que integra, mas que já estava no ramo. A atriz, hoje com 35 anos, começou no teatro aos 17 anos, com o grupo Papel Crepon, de Niterói. Em 2003, formou-se em Artes Cênicas e, após oito anos longe do ofício, juntou-se com um amigo para fazer musicais infantis. Chegou a atuar como produtora e em 2013 participou do musical Para Sempre, ABBA.

Questionada sobre o que mais a aflige às vésperas de uma estreia, Giselle responde de maneira abrangente, dizendo que não consegue dar ênfase a uma preocupação individual, específica: “Como o espetáculo foi ensaiado em cinco semanas, quando a gente chegou ainda estava se organizando. Acho que foi uma sensação de todo mundo. A atenção é de que tudo aconteça da forma correta, que as coisas funcionem.” O principal obstáculo da atriz é o solo de História de Uma Gata, cena em que aparece vestida de gata branca, um dos oito figurinos que usa na peça.41 Ela explica que, mesmo após a estreia, houve mudanças na coreografia e que é difícil manter o esforço do diafragma em meio à movimentação e as acrobacias que o número pede. Ainda há outra questão: “É um personagem que marcou muito com a Lucinha Lins, todo mundo tem a voz dela no inconsciente. E eu sou soprano, sou loira, sabe aquele lugar!?” Por isso e por se tratar de teatro musical, a atriz explica que não há espaço para criar vocalmente em cima do arranjo da música, já que a plateia deseja ouvi-la na forma original.

É importante ressaltar que Giselle não se considera famosa e evita se deslumbrar: “A gente não espera essa mídia. Sabemos que tem agora em função do Renato Aragão, mas quem está acostumado a fazer teatro sabe que isso é uma coisa que hoje tem e amanhã, não.” Seu discurso é em busca do reconhecimento: “A plateia, as pessoas lá fora cumprimentando, as crianças... Isso é muito gostoso, não tem preço. Eu fico até arrepiada de lembrar, porque acho que esse aplauso é o maior sucesso.” E quanto a trabalhar com Möeller e Botelho... “Tudo muda, porque a responsabilidade é maior. A gente tem uma plateia mais fiel, mais acostumada a ver teatro musical. E esta responsabilidade de Renato, Saltimbancos, Chico Buarque... São muitos pesos juntos.”

Diferentemente de Giselle, Marcel Octavio, 27 anos, já havia trabalhado com a dupla antes, na versão brasileira de Hair de 2010, além de ter feito Shrek, O Musical, cujas versões musicais são assinadas por Claudio Botelho. Pergunto a opinião dele sobre o processo de fazer arte de forma geral. “Ah, é muito maneiro, muito lindo. E, graças a Deus, é meu sonho e eu posso financeiramente me sustentar fazendo o que amo”, define. E no Brasil, fazer arte é... “Ralação, mas acho que seria ralação onde eu estivesse. A gente tem nossos próprios problemas, mas outros países têm os deles”, completa.

Ponho Marcel para pensar a carreira artística desmembrada em duas faces de uma moeda. Após questionar a pergunta algumas vezes, ele responde: “O lado positivo é que hoje consigo viabilizar meu sonho, mas o negativo é que não é e nunca será um emprego fácil.” E de que forma ele lida com isso? “Está aí a atração pela qual me sinto impelido a ficar no teatro: vou ter que estudar todo dia até ficar velho, e nunca vai haver um ponto em que vou parar e dizer: ‘ah, agora estou bem’. É isso”, finaliza.

Experiente artista de circo e estreante em musicais, o acrobata Olavo Rocha, 27 anos, se classifica como “bem pouquinho ator”. Além da dificuldade da construção da peça, de perder a vergonha, ele cita como obstáculo o canto: “Essa é a pior parte! Sempre me confundo, canto junto com as meninas e tomo bronca. Pelo menos, eu tenho um bigodão, né? Aí, não consigo gesticular muito na boca, não aparece tanto.” Pergunto sobre a diferença entre fazer arte no Brasil e no exterior, já que ele trabalhou muito tempo fora do país. “Depende do tipo de arte. O circo aqui não é tão valorizado quanto lá fora. Mas a resposta do público é sempre o aplauso, então, é bem tranquilo”, retruca.

Em relação aos vários tipos de público que encontra, Olavo diz que uma plateia mais contida interfere diretamente no trabalho do ator, mas não no do acrobata:

O ator joga a piada e espera a resposta. E, se a piada for sem graça, a plateia não vai rir. O acrobata mostra o truque, e é automático da plateia já responder com o aplauso ou o sorriso. Porque é uma coisa meio mágica, bem diferente. Aí, é complicado para o ator, né? Pra gente, é mais fácil!

Após a indagação sobre o futuro, uma pausa. E a resposta: viagens, projetos encaminhados no exterior, não de musical, mas de circo... “É porque é minha especialidade, né”?, justifica o acrobata. Mas um convite para participar de outro musical não será dispensado: “Topo na hora. Nossa, é muito bom, muito bom! Bem mais tranquilo do que um espetáculo de circo.” E eis que Olavo se despede com um cumprimento muito simpático, deixando-me reflexiva sobre o quanto é imperativa a palavra “habilidade”.

Assisti a Os Saltimbancos Trapalhões pela terceira vez no dia 14 de novembro, pois tinha mais uma entrevista agendada. A casa estava lotada e a euforia das crianças era ainda maior do que nos outros dias. Dessa vez, Didi resolveu atirar notinhas falsas de dinheiro na direção do público, provocando rebuliço nas crianças, que se empilharam em frente ao palco durante a cena. A despeito de alguns acréscimos ou alterações de texto, as marcações permaneceram idênticas, e o elenco, estritamente integrado nas coreografias. Observei que de forma geral a plateia ria e aplaudia nos mesmos momentos. Ao término da sessão, tive acesso à diretora de palco do espetáculo, Cris Fraga, 38 anos, que respondeu com prontidão e transparência às minhas perguntas.

Indagada sobre o que lhe dá mais prazer no trabalho, não especifica uma coisa apenas: “Nossa... Tudo, porque a gente cuida do elenco, da técnica... É o espetáculo como um todo. E, quando abre o pano no dia da estreia, é uma coisa, uma loucura ver aquilo realizado. A gente cuidou dos bastidores, dia-a-dia, viu aquilo crescer...” Ela conta que começou como assistente de produção e de palco e trabalhou com astros como Bibi Ferreira, Mauro Mendonça e Miguel Falabella. Apesar do currículo, afirma: “Passei por muitas pessoas, e é um aprendizado a cada trabalho. Aí, você vai construindo, vai subindo uma escadinha. Não, não, a gente não para de aprender. Desde o meu primeiro espetáculo até hoje, eu tô aprendendo. É incrível.”

Comento sobre as fórmulas de sucesso usadas em teatro musical e pergunto que energia é necessária para entregar sempre uma carga de frescor ao público. Cris rebate:

Você precisa de regras, primeira coisa. Tem que ter muita disciplina nos bastidores, do contrário, não funciona. Tem que tudo funcionar como um “relojinho”, é um time. O principal é todo mundo colaborar um com o outro, jogar a bola, a peteca, se ajudar. Se você jogar como um time ali atrás, não tem erro. E a plateia vai sentir isso lá do outro lado, com certeza.

E despede-se com pressa e simpatia, enquanto alguns atores e a maior parte do público deixam o teatro.

7.2. Entrevistas realizadas à parte

Solicitei ao maestro Marcelo Castro, 38 anos – responsável por direção musical, arranjos e regência do espetáculo e pela execução do teclado 1 durante as sessões – e à acrobata Jéssica Gardolin, 25 anos, que respondessem a algumas perguntas. Por já conhecê-los, o clima foi informal, de conversa: com Marcelo, sentei à mesa em frente a uma cantina; com Jéssica, fiquei de pé como em um papo entre conhecidas. Mas, em ambos os casos, a cabeça martelava sobre o que poderia ser extraído em termos de conteúdo daqueles informantes, ao passo que alguns temas se mostravam intuitivamente essenciais.

Comecemos com o maestro. Indago se é difícil tocar e reger simultaneamente na peça. Ele, que já havia feito isso em Shrek, O Musical, Hair e 7 - o Musical, diz que não: “É bem comum o pianista ser o condutor da orquestra. Isso não é problema, a gente consegue fazer várias coisas ao mesmo tempo.” Porém, depois de encerrada a entrevista, ele volta ao ponto, com uma ressalva. Em Os Saltimbancos Trapalhões, assim como várias peças musicais de grande porte, há câmeras. E esses aparelhos, segundo Marcelo, sempre atrasam em produções brasileiras. O problema é que o elenco canta na coxia olhando a câmera, e não o palco. “Isso é o mais difícil de reger. Tem música que eu tenho que tocar e que eu canto na frente do tempo pra compensar o atraso da câmera. Às vezes, tenho que reger cada mão em um tempo”, compartilha.

Insisto na questão da dificuldade, pois uma superprodução musical exige muito de todos os profissionais e colaboradores durante o processo – ainda mais esta em específico, montada em curto período de tempo. Marcelo diz que o principal obstáculo é o amadurecimento, pois cabe a ele passar de início todos os arranjos para o elenco, sendo que as partes cênica e coreográfica afetam a musical. Ou seja, quanto antes os atores vivem a experiência global da montagem, mais tempo o maestro retém para refinar as músicas. Devido à correria em que foi preparado Os Saltimbancos Trapalhões, o aspecto do amadurecimento e de limpar os arranjos ficou comprometido, mas Marcelo garante que isso não prejudicou o resultado final:

As maiores dificuldades foram em termos técnicos, não em termos artísticos. Mesmo fazendo em cinco semanas, é uma peça que não tem tanta música assim – são uns nove, dez números musicais –, e o elenco foi escolhido a dedo, uma galera que dava conta de fazer isso. A gente sabia que o tempo era muito curto. Eu criei um ciclo forte do coro – pelo menos, duas pessoas de cada naipe muito feras em abertura, em garantir voz. A gente dependeu muito da qualidade do elenco, deles gravarem, correrem atrás... E o elenco foi bem dedicado. Isso ajudou e facilitou bastante o trabalho.

Em relação à função de diretor musical, Marcelo diz que a liberdade é total. Conta que a única resolução que envolveu Charles Möeller foi a de quais artistas solariam na peça. “Eles me mandaram um texto pra eu entender do que se tratava, montar o arranjo em cima disso. Agora, o que eu faço com a parte vocal é problema meu. O máximo que eles dizem é ‘tá ruim, ‘tá bom’, ‘melhora aqui’”, relata. E explica que, como Claudio Botelho faz a parte de supervisão musical, escuta tudo depois de pronto e imprime seu caráter pessoal nos arranjos: “Aí, ele muda algumas coisas, ainda mais porque gosta do entendimento das palavras. Então, ele dá uns ajustes pra que o texto seja mais bem compreendido, na visão dele.”

A energia tranquila de Marcelo Castro também é perceptível em Jéssica Gardolin que, por outro lado, reproduz o vigor de uma jovem que vem adquirindo experiência na carreira artística. Natural do Paraná e formada em Dança, ela objetiva viver de arte no Brasil, embora antes de Os Saltimbancos Trapalhões estivesse na China e com projetos de ir para o Canadá: “Estou amando. Tomara que eu consiga continuar neste ramo, trabalhando como este tipo de coisa, porque me sinto realizada.” Jéssica, que executa acrobacias com alto grau de dificuldade na peça, já havia trabalhado com circo, mas aprendeu boa parte da base circense ao longo da montagem do espetáculo. Nos musicais, não é estreante, mas este é seu primeiro de grande porte. Por causa do envolvimento com o novo trabalho, ela admite estar dividida entre musical e circo. “Vamos ver se eu consigo aliar as duas coisas e qual a próxima oportunidade que surge”, emenda.

A maior dificuldade que a moça encontrou em Os Saltimbancos Trapalhões foi executar no palco o que acabara de aprender: “Eu estreei insegura, assim, por não fazer e ter que fazer, sabe?” Quanto à rotina, um aspecto que ela ressalta é o cansaço: cada sessão dura cerca de duas horas e meia, e há aquecimento antes e ao longo da peça. “Tem que ficar fazendo exercício de flexibilidade, espacate42, alongando coluna... O tempo inteiro! São três, quatro horas que eu fico me alongando, alongando e alongando. E o corpo esfria muito rápido, porque tem ar-condicionado”, relata.

A artista narra sua preparação antes de entrar em cena: almoça bem e come apenas uma fruta ou petisco leve antes das sessões, para que a atividade física intensa, as acrobacias aéreas e os giros com a cabeça não afetem o estômago. Sexta-feira é o dia mais puxado, em que ela passa cerca de sete horas seguidas dentro do teatro, porque geralmente há ensaio e correções de coreografia. Sem contar o trânsito e a “necessidade” de chegar uma hora antes do horário marcado para fazer a própria maquiagem. “No fim, é um dia que você vive pra aquilo. Às vezes eles acabam corrigindo e ensaiando mais coisa, e nunca dá tempo de comer, terminar a maquiagem... Então, eu gosto de chegar e já ficar pronta. Aí, vou fazendo as coisas”, conta.

Finalizo a gravação, mas a conversa com Jéssica continua. Ela, que pretende se aprimorar nas outras habilidades de teatro musical e por enquanto canta com o microfone desligado, não demonstra qualquer intranquilidade em relação ao futuro. Aos poucos, vou decifrando sua personalidade e recordo um fato citado na entrevista: foi “meio que de bobeira” que ela fez o teste para Os Saltimbancos Trapalhões e, ao entrar, se surpreendeu, porque não tinha noção do porte do espetáculo. A calma, entretanto, não diminui a responsabilidade e, já tão nova, Jéssica tem uma posição promissora no ramo.

Conversei também com duas produtoras da peça, Marcella Boselli e Laura Storino. Apesar de conhecê-las e ter contato com elas, obtive algumas respostas complementadas por e-mail. Marcella descreve a sensação de integrar a equipe da seguinte forma: “Estar com os maiores diretores artísticos de teatro musical no Brasil já é uma realização. Um trabalho como este se torna mais gratificante e, com certeza, um aprendizado diário.” Quanto à relação com o dinheiro... “Qualquer área de trabalho tem suas dificuldades financeiras. Aos poucos, o retorno ocorre, sim. Mas garanto que tem que se gostar muito do que faz”, analisa.

Já Laura, que está prestes a se graduar em Artes Cênicas, declara-se amante de teatro e reitera: “É uma grande honra e felicidade trabalhar em um musical de grande porte. Mas também uma tremenda responsabilidade, pois o bom funcionamento do espetáculo se garante com sensatez e organização.” A produtora acompanhou todas as etapas de Os Saltimbancos Trapalhões, passando pela pré-produção, os ensaios, a estreia e a temporada. Ela reforça a tendência de que os musicais floresçam ainda mais no Brasil e opina: “Talvez no teatro seja um pouco mais árduo ter bom retorno financeiro, mas há sim uma progressão positiva neste sentido.”

O equilíbrio de múltiplas funções, imprescindível para viabilizar um espetáculo de grande porte, é descrito por Laura:

É preciso que cada equipe seja bem organizada, tenha metas e cumpra prazos. Para dar andamento a esta sincronia, o departamento de coordenação artística se responsabiliza por distribuir funções e criar cronogramas. Já a equipe de produção colabora estimulando e ajudando as demais equipes de todas as maneiras possíveis para que tudo corra dentro dos prazos.

Marcella, que entrou para Os Saltimbancos Trapalhões com o processo de montagem já em andamento, também comenta a questão:

Uma superprodução como esta é montada como se fosse um quebra-cabeça, cada pessoa da equipe em sua área. É nas duas últimas semanas que o espetáculo é literalmente montado, com cenário, som, figurino, luz e orquestra. A gestão desses itens tem de ser impecável para que não ocorra nenhum erro.

E esse “impecável” tem sentido literal. Segundo o que uma pessoa da equipe comentou em off, em determinada sessão de Os Saltimbancos Trapalhões uma atriz quebrou o braço por causa de uma mesa colocada a centímetros longe do lugar de cena.

7.3. Comentários acerca dos discursos

Um substantivo define todas as entrevistas concedidas a este trabalho: entusiasmo. Foi para constatar ou contrariar minha hipótese inicial – de que um espetáculo Möeller-Botelho é executado com prazer por toda a equipe – que procurei falar com funcionários de funções e níveis hierárquicos variados. Os nove entrevistados – três atores, dois acrobatas, duas produtoras, uma diretora e um músico – mostram-se envolvidos com o trabalho, no que tange à integração da equipe, à resposta do público, à identificação com a marca artística dos diretores e ao autorreconhecimento enquanto elo de uma engrenagem.

Conforme fui realizando as entrevistas, constatei um nível elevado de autocobrança entre os informantes, que avaliam constantemente o próprio desempenho e trabalham para que a peça se afine a cada sessão. Como efeito disso, alguns esboçaram tensão no semblante, e em contraste, outros se portaram com tranquilidade. Com exceção de Olavo Rocha, notei nos entrevistados certa economia de energia ao falar, o que interpreto como uma preservação dos aspectos físico e emocional para a temporada do espetáculo. Nas conversas realizadas após a peça, era nítido o desgaste dos informantes, mas enxergo isso pelo aspecto positivo: a abordagem imediata à grande carga de energia que é o espetáculo tornou esses discursos mais espontâneos.

Enquanto as falas do maestro Marcelo Castro, da acrobata Jéssica Gardolin e da produtora Marcella Boselli são mais técnicas – o que condiz com as funções que executam –, os atores Renato Aragão e Giselle Prattes discursam em um plano mais aberto e não ocultam sua comoção com cada aspecto do musical. Na mesma linha, a produtora Laura Storino fala com fascínio e brilho nos olhos. Olavo Rocha contraria o que se espera de um acrobata do porte dele, que precisa de frieza e rigor para executar cada movimento de risco dentro do espetáculo: simpático, desarmado e levemente nervoso com a entrevista, expressa uma forte dimensão emocional e não poupa energia para descrever sua gratidão com a peça. Já a diretora Cris Fraga mostra-se atenta e, ao mesmo tempo, desprovida de artifícios ou mecanismos durante a entrevista. E o ator Marcel Octavio pensa bastante sobre cada pergunta, tem o olhar presente e concentrado e até se revela desapontado quando a entrevista chega ao fim.

No tocante ao conteúdo extraído, observa-se que Renato Aragão e Giselle Prattes destacam a emoção e a adrenalina – ele, por estrear no teatro; ela, por estar em sua primeira superprodução. A sólida carreira, embasada pela experiência em circo, ajuda Renato a respeitar os limites de texto e marcação, principalmente nas situações em que a cena gira em torno de seu humor e conta com vários artistas no palco. Na mesma linha, Giselle reforça a necessidade do ofício em conjunto para que a peça atinja sua forma mais milimétrica e enérgica. Ela frisa o caráter instável da fama e discursa a favor do entusiasmo natural que o trabalho artístico permite. Apesar da diferença de idade e posição dentro do meio, os dois atores enxergam o carinho e reconhecimento do público como o lado mais nobre e verdadeiro da profissão.

O discurso de Marcel Octavio está centrado no sonho e na possibilidade de sustentá-lo com o trabalho. Por já ter contato mais próximo com os diretores e sua linha de trabalho, neutraliza a dimensão do “ideal” com o lado prático e duro da profissão. Não se mostra pessimista com o mercado de trabalho no Brasil, mas focado em dar o melhor de si para manter a posição que vem conquistando no cenário mainstream. Embora mencione várias vezes que trabalha em cima de um sonho, o informante tem visão bastante realista sobre o que é viver de arte e encara o sucesso como desdobramento de uma vida de estudo e afinco.

Talvez porque estejam transitando por uma área diferente de sua especialidade, Olavo Rocha e Jéssica Gardolin mostram-se incertos quanto ao futuro. O que parece é que a nova oportunidade profissional surgiu como um contraponto em relação ao que eles vinham fazendo antes. O formato completo do teatro musical causa encantamento e, ao mesmo tempo, intimidação nos acrobatas, que estão acostumados a trabalhar apenas o corpo enquanto expressão artística. Portanto, eles manifestam uma divisão entre a possibilidade de permanecer no teatro musical – que traz à tona inseguranças – e o antigo objetivo de evoluir com o circo e a dança.

Para Marcelo Castro, o atual emprego é apenas uma continuação do trabalho que vem desempenhando (inclusive a serviço da dupla), o que justifica suas respostas pragmáticas e articuladas. A principal questão do maestro, que ganhou o 24º Prêmio Shell na categoria “Melhor Música” pelo musical O Violinista no Telhado, é ajudar o elenco a atingir um padrão de excelência e cobrir eventuais falhas nas músicas. A possibilidade de errar não mais o amedronta, pois ele já transpôs o ego e a busca pelo reconhecimento; seu momento profissional o inspira a exercitar uma esfera solidária e coletiva.

Na função de diretora de palco, Cris Fraga tem de zelar por inúmeros componentes – objetivos e subjetivos – do espetáculo, o que justifica seu discurso a favor da integração, da equipe jogando como um time, do prazer pela totalidade. De maneira semelhante, Marcella Boselli reforça a precisão com que tudo precisa ser executado, de modo que a especificidade de cada cargo impulsione o êxito. Afinal, o teatro musical de grande porte no Brasil vem se aproximando do padrão Broadway, em que praticamente não há margem de erro. A consciência da responsabilidade, entretanto, não exclui o vínculo afetivo que as duas informantes demonstram pelo emprego.

Com discurso semelhante ao de Marcella, já que integra a mesma equipe que ela dentro do espetáculo, Laura Storino é cautelosa ao dizer o que pensa, sobretudo porque tem consciência do elo emocional que cultiva em relação ao emprego. A informante demonstra valorizar a oportunidade que lhe deram e, assim como Marcella, aponta para a possibilidade de retorno financeiro gradual para quem faz carreira no ramo. Esse viés recupera uma dimensão básica, transmitida por Marcel Octavio: o que se constrói dentro de um equilíbrio entre paixão e trabalho é ponte natural para o sucesso.

8. Conclusão

A fase de formulação do TCC inclinava-me apenas para o trabalho de campo e provocava incertezas quanto ao encaixe dessa proposta dentro dos moldes de um texto acadêmico. Foi então que meu orientador, Prof. Dr. Everardo Rocha, e seu doutorando, William Corbo, direcionaram-me no sentido de que as entrevistas funcionariam como uma dose do trabalho – e, portanto, dependiam de uma base teórica suficientemente extensa e precisa. De fato, a busca teórica constituiu uma chave para a compreensão das entrevistas e do cotidiano dos agentes, pontos que perderiam força caso aparecessem descontextualizados.

A partir do momento em que fechei o esquema com o Prof. Dr. Everardo Rocha, o projeto deslanchou e suas bifurcações se acomodaram naturalmente. Aos poucos, mas sem delongas, vi nascerem orações, parágrafos e subitens que indicavam o caminho a ser seguido; quando entreguei o primeiro capítulo, já dispunha do conteúdo que utilizaria nos próximos. Por sorte, ocorreu um fato de extrema relevância: soube que Charles Möeller e Claudio Botelho supervisionariam um curso prático de musicais no Rio de Janeiro e não hesitei em ingressá-lo em outubro. O workshop não só contribuiu para o TCC – com dados aos quais eu não teria acesso por outras vias – como também serviu à minha demanda pessoal de executar uma arte que até então me estava restrita ao plano teórico.

Sobretudo nos dois primeiros meses, durante o processo mais pesado de pesquisa, tive acesso a livros interessantíssimos sobre o tema, nos quais encontrei elementos de elevado grau informacional e recursos que incrementaram subjetivamente meu trabalho. Surpreendi-me, também, ao descobrir artigos específicos que enunciam exatamente sobre teatro musical contemporâneo no Brasil, ponto que abordei a partir do terceiro subitem do segundo capítulo. Outros trabalhos acadêmicos e as demais fontes que utilizei – matérias jornalísticas, vídeos, artigos eletrônicos, arquivos em PDF, textos de blogs, informações em on e off e o programa da peça Os Saltimbancos Trapalhões – trouxeram a dinâmica que uma pauta de cultura merece.

Quanto ao conteúdo, destaco os múltiplos formatos que a música no teatro pode assumir, o que me motivou a investigar a opinião de teóricos sobre os limites para a caracterização do gênero. Pesquisando, encontrei uma variação de nomenclatura em alguns textos: enquanto “teatro musicado” embarca uma gama quase irrestrita de possibilidades, “teatro musical” engloba os espetáculos em que a música está a serviço de uma história a ser narrada. No entanto, não há regras. Kenrick, por exemplo, não faz essa distinção, mas por vezes utiliza o termo “teatro musical” para designar o gênero que nasceu entre os atenienses, influenciou o surgimento da ópera e tornou-se mais característico com a retomada de expressão no século XX.

Outro detalhe interessante foi perceber que formas como o burlesco e a revista – tão marcadas no imaginário coletivo pelo viés da erotização – são fundamentalmente satíricas. E que o humor presente na opereta e no vaudeville antecede o que hoje conhecemos por comédia musical. Ainda assim, esses gêneros (ou subgêneros, dependendo do posicionamento teórico) caíram em decadência ou permanecem adormecidos na memória mainstream. Já a ópera, ainda que distante do auge, cultivou seu espaço ao longo dos últimos quatro séculos. Em contrapartida, com a ascendência da comunicação de massa, a linguagem erudita foi perdendo expressão para o movimento paralelo da cultura de rua, que marcou o florescimento dos gêneros populares.

O fato é que a Broadway atropelou os formatos mais datados e atualizou o conceito de teatro musical no mundo. A renovação da Times Square ocorreu nos anos 1980, em meio à globalização e à intensificação dos fluxos turísticos e financeiros. Desde então, Nova Iorque exporta um conceito moderno de musicais, pautado no rigor das superproduções e nos profissionais bem preparados que surgem a cada esquina para disputar uma vaga de artista. Como nos mostra a História, a durabilidade desse formato (que hoje parece imbatível) dependerá de seu sucesso comercial; em outras palavras, da eficácia das estratégias de marketing em manter vivo o interesse do público pagante.

O conteúdo referente ao Brasil mostrou-se mais rico do que eu imaginava, visto que o boom dos musicais contemporâneos encobre – no que diz respeito à cultura das novas gerações – a importância das manifestações que o precederam. Falo sobretudo da revista, que reportava os costumes da sociedade na primeira metade do século XX, e das peças de protesto, que utilizavam a cultura a serviço da denúncia. Embora distintos entre si, esses dois movimentos artísticos têm caráter sociopolítico e constituem uma fonte de estudo sobre a História do nosso país.

Figura marcante do teatro musical durante a ditadura, Chico Buarque por si só daria um fértil assunto para a monografia. Ainda que não tenha escolhido esse tema, fico feliz por ter falado sobre ele, não só no eixo teórico, mas porque a peça que analisei tem trilha assinada pelo compositor. Os Saltimbancos Trapalhões estreou às pressas em 2014, dentre outros fatores, para homenagear os 70 anos de Buarque. E ao retomar outras referências – o filme homônimo de 1981, lançado por “Os Trapalhões” e com trilha de Buarque; o conto Os Músicos de Bremen, dos irmãos Grimm; e a peça Os Saltimbancos (1977), de Sergio Bardotti, Luís Bacalov e coautoria de Buarque – funcionou como rico objeto para este trabalho.

A montagem de Möeller e Botelho é exemplo fresco de como se estrutura uma superprodução musical no Brasil e indicadora de uma tendência bastante rentável: os espetáculos para toda a família. Ao não restringir o público, esse tipo de proposta constitui um atalho para atrair grandes patrocinadores. Com o investimento e a abertura dos empresários para a cultura, geram-se mais empregos técnicos e surgem mais oportunidades em espetáculos de grande porte. A concorrência é boa para os artistas, cuja sobrevivência no meio depende da abertura do mercado; ávidos por ingressar em uma superprodução e fazer carreira, eles buscam caminhos para o aprimoramento profissional. Assim, ergue-se um ciclo de atores mais bem preparados, espetáculos mais qualificados e investidores mais confiantes.

Assisti três vezes a Os Saltimbancos Trapalhões e realizei nove entrevistas, além de conviver com parte da equipe do espetáculo no curso de musicais Möeller-Botelho. Essa pequena etnografia, que fiz com muito carinho, motiva-me a desenvolver futuramente este projeto e realizar um trabalho de campo mais extenso em teatro musical. Por hora, limito-me a expor algumas conclusões que obtive com a finalização desta etapa acadêmica.

Verifica-se que nenhum dos enunciadores tece críticas negativas ao trabalho e que, devido ao alto nível de cobrança dentro da área, todos buscam evoluir para alcançar um padrão de excelência. O aspecto financeiro, embora não mencionado precisamente pelos entrevistados, de forma alguma é colocado como empecilho ou desestímulo à profissão. Isso reforça minha noção inicial de que o trabalho executado em teatro musical provoca uma sensação geral de prazer, com camada de fascínio que ameniza eventuais conflitos empregatícios. Ademais, a motivação está ligada à recompensa que esse tipo de ofício promete: por se tratar de uma carreira artística, os quesitos remuneração e reconhecimento aumentam proporcionalmente à ascensão profissional.

Os agentes apresentam um contraponto ao conceito de que a arte provoca instabilidade e, portanto, quem a percorre está trocando um plano de segurança por uma dimensão de aventura, risco, fantasia. Compenetrados em aproveitar os benefícios que o teatro musical lhes oferece a curto prazo (como os salários fixos e independentes da bilheteria que as superproduções proporcionam), os artistas que se embrenham por esse ramo têm ciência de que o teatro de grande porte serve de vitrine para oportunidades em outras mídias, como a televisão. Entretanto, estão vestidos de ideologia e discursam sobre a objetivação de um sonho dentro da arte, a despeito das circunstâncias. Nas entrevistas, qualquer fixação pela fama é suprimida pelo fim último do reconhecimento, enquanto a instabilidade é combatida com o próprio trabalho.

Observa-se também que os enunciadores vivem intensamente o “agora”, mesmo que para construir o “amanhã” ou colher os frutos do “depois”. Nas entrelinhas dos discursos, não há passagem para o futuro, porque foco, atenção e precisão são qualidades indispensáveis para o andamento diário do teatro musical. A estrutura é montada a partir da junção de inúmeros detalhes; a engrenagem se alimenta de sonhos que já alcançaram um plano concreto; os agentes trabalham enxugando ao máximo a margem de erro; e o abrir das cortinas confere frescor ao resultado já calculado. Não é a toa que o teatro musical é ao mesmo tempo milenar e moderno. Ele se esboça a cada aplauso, a cada sobrancelha que se ergue e em todo universo contido dentro do instante.

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OLIVEIRA, Sírley Cristina. Grupo Opinião: experiência estética e política dos musicais na década de 1960. Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. São Paulo: USP, 2012.

RUBIM, Mirna. Teatro Musical Contemporâneo no Brasil: Sonho, realidade e formação profissional. Revista Poiésis, Rio de Janeiro, n. 16, dez. 2010.

SANTUCCI, Jane. Os Pavilhões do Passeio Público: Theatro Casino e Casino Beira-Mar. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2006.

1 Tradução livre.

2 Tradução livre.

3 Grifo original do texto.

4 Tradução livre.

5 Link para acessar a página do blog de Sir Erik: http://mrzieg.com/2012/07/qual-a-diferenca-entre-musical-e-opera-a-ziegpedia-esclarece/

6 Uso da voz de peito até os registros mais agudos, para os quais normalmente se faria passagem para voz de cabeça. Ultimamente, no linguajar do teatro musical, tem se utilizado o termo healthy belting, técnica que provoca o efeito do belting sem sobrecarregar a laringe.

7 Tradução livre.

8 Tradução livre.

9 Tradução livre.

10 Publicação eletrônica do núcleo de Engenharia em Multimídia da UMNG – Universidade Militar Nova Granada –, da Colômbia. Link da edição: http://revista-ezine.umng.edu.co/wp2/wp-content/uploads/2012/03/Vaudeville.swf

11 Tradução livre.

12 Link para a matéria, publicada em 9 de agosto de 2013: http://broadwayscene.com/broadway-historythe-golden-age-of-the-american-book-musical-part-8-end-of-an-era/

13 Termo utilizado no meio de teatro musical para designar as atrizes que também desempenham a função de cantoras no palco.

14 Link para fazer download do arquivo em PDF: http://www.wetransfer.com/downloads/d3f1789e8016daf767f7e3a5b7324d8320141007175519/b7986dd096fd039a994b5ebabdaf9c4520141007175519/f5a4a2

15 Informação retirada de matéria da Agência Brasil, publicada em 10 de fevereiro de 2014, em função da morte da artista. Acesse pelo link: http://agenciabrasil.ebc.com.br/cultura/noticia/2014-02/morre-aos-93-anos-ex-vedete-do-teatro-de-revista-virginia-lane

16 Mais informações podem ser acessadas em matéria da Globo Teatro de 13 de setembro de 2013, através do link: http://redeglobo.globo.com/globoteatro/bis/noticia/2013/09/roda-viva-peca-de-chico-buarque-e-um-marco-do-teatro-nacional.html

17 Leia mais em matéria do O Globo, publicada em 12 de maio de 2013, pelo link: http://oglobo.globo.com/cultura/marco-da-censura-no-brasil-calabar-faz-40-anos-com-nova-montagem-8363246

18 Leia aqui a matéria, publicada em 1º de novembro de 2014: http://vejario.abril.com.br/blog/fernanda-torres/uncategorized/os-saltimbancos

19 Grifo original do texto.

20 Informação retirada de matéria do Diário do Grande ABC, publicada em 18 de setembro de 2001. Link para o texto: http://www.dgabc.com.br/Noticia/278389/espetaculo-les-miserables-bate-recorde-em-sp?referencia=navegacao-lateral-detalhe-noticia

21 Informação retirada de matéria da Folha de S.Paulo, publicada em 24 de abril de 2009. Link para o texto: http://guia.folha.uol.com.br/crianca/ult10047u555247.shtml

22 Informação retirada de material de Möeller-Botelho e confirmada em matéria do site Sala 33, publicada em 26 de junho de 2013. Link para o texto: http://jornalismojunior.com.br/sala33/musicais-brasileiros-alem-da-broadway-o-genero-cresce-no-brasil/

23 Informação retirada de matéria do UOL, publicada em 19 de março de 2009. Link para o texto: http://entretenimento.uol.com.br/ultnot/2009/03/19/ult4326u1240.jhtm

24 Link para o texto: http://www.aventuraentretenimento.com.br/producoes_anteriores/o_despertar_da_primavera-4-60-610.html

25 Link para o texto, publicado em 11 de março de 2010: http://cultura.estadao.com.br/noticias/geral,musical-o-despertar-da-primavera-estreia-em-sp,522763

26 CALAINHO, Luiz. Reinventando a si mesmo: uma provocação autobiográfica. Rio de Janeiro: Agir, 2013.

27 Grifo original do texto.

28 CARVALHO, Tânia. Charles Möeller e Claudio Botelho: Os Reis dos Musicais. São Paulo: Imprensa Oficial, 2009.

29 Link para o texto: http://gestaodasartes.no.sapo.pt/data/Prof_espectaculo.pdf

30 Disponível na loja do espetáculo, no foyer da Grande Sala da Cidade das Artes.

31 Assista aqui ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=MctsNq7Ukvc&feature=youtu.be

32 Maiores informações em vídeo produzido por Edgar Duvivier sobre o cenário da peça: https://www.youtube.com/watch?v=YId9Fy7rce0&feature=youtu.be

33 Endereço do site: http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/home

34 Link já fornecido na nota de rodapé de nº 14, na página 14 do capítulo 2.

35 Assita aqui ao vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=n7pwlIjiRCI&feature=youtu.be

36 Se você tem interesse em saber como se deu a construção musical da peça, assista ao vídeo produzido por Edgar Duvivier: https://www.youtube.com/watch?v=Wiwqmsu0Wcc&feature=youtu.be

37 Leia mais em entrevista com Luciana Buarque disponibilizada no site Möeller&Botelho: http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/item/358-a%C3%AD-est%C3%A1-o-resultado-da-minha-felicidade

38 Link para a matéria, veiculada em 03 de outubro de 2014: http://www.moellerbotelho.com.br/index.php/item/357-rio-show-o-globo-hoje-tem-marmelada

39 Dois vídeos produzidos por Edgar Duvivier mostram cenas dos bastidores da peça. Link para a parte I: https://www.youtube.com/watch?v=fj9bU6Wgtxg&feature=youtu.be&list=UUIxViSjkDy97okiQ0JB2kGg. Link para a parte II: https://www.youtube.com/watch?v=0Vk9giOXsrI&feature=youtu.be&list=UUIxViSjkDy97okiQ0JB2kGg

40 Assista aqui à matéria, veiculada em 18 de outubro de 2014: http://globotv.globo.com/rede-globo/jornal-hoje/v/saltimbancos-trapalhoes-marca-estreia-de-renato-aragao-no-teatro/3705526/

41 Leia sobre a preparação de Giselle Prattes para a peça nesta matéria do Ego, publicada em 02 de novembro de 2014: http://ego.globo.com/teatro/noticia/2014/11/giselle-prattes-mostra-bastidores-de-sua-preparacao-em-os-saltimbancos.html

42 Movimento de ginástica que consiste na abertura das pernas no chão em um ângulo de 180 graus.


Publicado por: Amanda Weaver

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