A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM DE UM ÍDOLO ATRAVÉS DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO: O MITO MICHAEL JACKSON
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. CAPÍTULO I – MITO
- 4. CAPÍTULO II- A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
- 4.1 CELEBRIDADES
- 4.2 REALITY SHOWS
- 5. CAPÍTULO III - ANÁLISE DE CASO
- 5.1 Michael Jackson X Mídia: Uma relação de amor e ódio
- 5.2 O Auge
- 5.3 Cercado de mistérios, Michael é um show de excentricidades
- 5.4 A imagem mais importante que a arte
- 5.5 Começa agora o Reality Show
- 5.6 A volta por cima – A consagração do Mito
- 6. CONCLUSÃO
- 7. BIBLIOGRAFIA
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
1. RESUMO
O presente trabalho tem a finalidade de apresentar os fatores que contribuíram para a construção do mito Michael Jackson através dos meios de comunicação. A análise será realizada através de matérias publicadas em revistas desde a primeira aparição do artista na era Jackson Five até o dia de sua morte. Para entendermos como Michael Jackson alcançou o status de mito contemporâneo, primeiramente vamos estudar a origem dos mitos, suas principais características e a sua importância no desenvolvimento das sociedades. Ainda no primeiro capítulo, vamos entender o que é herói, quais são seus objetivos e conhecer a principal característica que os distinguem dos outros mitos. Também iremos entender por que a sociedade tem necessidade de cultuar os heróis. Fechando o capítulo vamos acompanhar as transformações do mito na sociedade contemporânea e como reconhecê-los No segundo capítulo estudaremos a sociedade do espetáculo, a importância da televisão na inversão dos valores do que pode e não pode ser tornar público e o poder exercido pela imagem. Analisaremos o conceito e do culto as celebridades, falaremos também sobre os sucessos dos reality shows e o crescente aumento da exposição da vida privada de pessoas comuns em busca da fama Para a análise da construção do mito Michael Jackson, contaremos os principais momentos dos 40 anos de carreira que contribuíram para o artista alcançar o estrelato e ser coroado o Rei do Pop. Através de matérias publicadas na revista Veja, analisaremos o papel da mídia na construção, na destituição e na consagração do mito Michael Jackson.
2. INTRODUÇÃO
Em junho de 2009 o mundo parou ao receber a notícia que o astro pop Michael Jackson havia morrido. Milhares de fãs e curiosos recorreram à internet em busca de informações. Paralelamente, as televisões de todo mundo transmitiam as últimas novidades e especiais sobre a carreira do cantor, que estreou nos palcos ainda criança e cresceu sob os holofotes e o olhar do público. As redes sociais sofreram colapso, tamanha a quantidade de acessos de usuários consternados querendo prestar suas últimas homenagens. O mundo parecia estar em transe. Semanas após a morte, Michael Jackson ainda era o assunto mais comentado nos veículos de comunicação.
A morte repentina do cantor, fez com que o artista voltasse a estampar positivamente as capas de jornais e revistas de todo o mundo. Da comoção gerada pela perda precoce do astro, a imprensa voltou a reverenciá-lo como Rei do Pop. Os principais veículos de comunicação se renderam ao poder do mito das massas, o gênio midiático que durante os 40 anos de carreira teve uma relação conturbada com a mídia.
Michael Jackson que por anos chegou a ser o artista mais rico e um dos rostos mais conhecidos do mundo, tornou-se a celebridade morta mais lucrativa, segundo a revista Forbes (2010). As vendas de artigos relacionados o cantor não param de crescer. Mesmo morto, Michael ainda é influente, e seu legado ainda gera milhões de dólares por ano. Mas não é só a fortuna de Michael que se renova, com a midiatização do seu falecimento, os meios de comunicação de massa, principalmente a televisão, exibiram incessantemente as obras do artista, atraindo novos fãs que não tiveram a oportunidade de ver Michael na ativa. Jornais e revista criaram edições especiais em homenagem ao astro. Dois anos após sua morte, novos produtos com a marca Michael Jackson estão sendo lançadas.
A mídia o consagrou como a maior celebridade de todos os tempos, o maior artista de uma sociedade espetacularizada. E sofreu as conseqüências: de queridinho da imprensa, o cantor passou a ser ridicularizado pela sua personalidade excêntrica e suas incontáveis plásticas. A metamorfose do astro muitas vezes ofuscou o talento do artista. Sua vida privada ficou em primeiro plano. Escândalos sexuais envolvendo crianças chocaram o mundo. Perseguido e desacreditado, a mesma imprensa que o coroou como Rei do Pop queria destroná-lo.
A relevância artística de Michael Jackson é incontestável. Bateu todos os recordes da indústria fonográfica. Tornou-se um fenômeno de vendas e ídolo adolescente. Tudo que fazia virava moda, seus admiradores vestiam-se como o astro e imitavam seus trejeitos. Michael foi o primeiro artista negro a se tornar o maior artista de sua época. O cantor também ficou conhecido por usar o seu prestígio e fama em prol de causas humanitárias.
Michael Jackson foi o artista que mais explorou os recursos que a televisão poderia oferecer, chegando a criar novas vertentes de mercado, como por exemplo, as inovações quanto à concepção do videoclipe, que passou a ser produzido como curtas-metragens. O popstar usava a música, a dança, a arte cênica e o cinema em suas apresentações. Além de cantor, Michael era um exímio dançarino, muitas vezes elogiado e referenciado por nomes consagrados na dança como Fred Astaire e Gene Kelly. O público não queria apenas ouvi-lo cantar, queria ver Michael Jackson se apresentar, queria ser envolvido com por toda a sua arte e por todos os recursos tecnológicos usados em suas aparições.
Um furacão nos palcos e um homem tímido fora dele. Concedia raríssimas entrevistas e pouco falava sobre sua intimidade. Sua aparência dúbia gerava especulações quanto a sua sexualidade e seu comportamento controverso levantava suspeitas sobre a sua sanidade mental. Por causa de tantos mistérios envolvendo a figura Michael Jackson, ele é o personagem perfeito para a análise dessa relação de amor e ódio com a imprensa. Até quando essa relação é benéfica e quando se torna maléfica para a imagem de uma personalidade artística?
Para o estudo do mito Michael Jackson e sua relação com a mídia, no primeiro capítulo conheceremos um pouco da história dos mitos, como surgiram e qual papel que eles exercem na sociedade. O capítulo está dividido em três partes: Na primeira falaremos da origem mitológica nas sociedades antigas e suas classificações. Na segunda parte, falaremos sobre as qualidades do herói e as diferenças entre os heróis e anti heróis. Para finalizar, falaremos dos heróis e mitos contemporâneos, como e onde podemos encontrá-los na sociedade atual.
No segundo capítulo estudaremos a sociedade do espetáculo e suas principais características, falaremos do culto às celebridades e do surgimento dos reality shows, tentaremos entender porque o público cada vez mais tem a necessidade de observar a vida privada do outro, e porque pessoas comuns, estão cada vez mais interessadas em expor sua intimidade na mídia.
No terceiro capítulo, conheceremos um pouco da trajetória do artista Michael Jackson e os principais fatos que marcaram a sua carreira. Para o estudo da relação do cantor com a mídia, optamos por analisar a Revista Veja tendo em vista que a publicação acompanhou os principais momentos da carreira do astro registrados em dezenas de matérias. Com essa escolha, procuramos simplificar o trabalho e centralizar o campo de estudo. Através da revista analisaremos a construção, a destituição e a consagração do mito Michael.
Esse estudo visa contribuir para uma analise mais profunda do papel da mídia na construção de um mito. O objetivo principal é analisar as estratégias midiáticas envolvidas na construção da imagem de Michael Jackson e o quanto a mídia colaborou negativamente no declínio de sua carreira.
Levantaremos uma questão: Será que a manipulação da mídia na divulgação da vida pessoal de Michael Jackson foi essencial na construção de sua carreira artística, tornando- um mito?
3. CAPÍTULO I – MITO
Para começar a entender a visão midiática que consagrou o artista Michael Jackson como mito, vamos iniciar com o estudo sobre a origem dos mitos e suas transformações durante os tempos. Conceituar mito não é uma tarefa simples. Diversos estudiosos tentaram buscar palavras que definissem com clareza o que é mito, porém cada um chegou a uma conclusão de acordo com as suas áreas de estudo. Compararemos esses pensadores adiante.
Santo Agostinho quando indagado sobre o que é mito, escreveu em suas Confissões (XI.14) “Sei muito bem o que é, desde que ninguém me pergunte: mas quando me pedem uma definição fico perplexo”( SANTO AGOSTINHO apud K.K. RUTHVEN, 1997, p.13). Não é possível dar uma definição curta sobre o que são mitos. Há complexidade que envolve esses seres míticos do imaginário popular. Alguns pesquisadores afirmam que alguns mitos já existiram na forma humana e foram agregados a eles poderes sobrenaturais a fim de torná-los divindades, outros acreditam que os mitos antigos não passavam de criações da mente, individualmente ou coletivamente.
Segundo o escritor K.K. Ruthven, autor da obra O Mito, os mitos “são imunes à explicação racional, mas estimulam pesquisas racionais (...) existe uma grande diversidade de interpretações contraditórias, e nenhuma delas possui o alcance suficiente para explicar definitivamente o que é mito.” (1997, p.13).
Desde os primórdios, os seres humanos criavam mitos como forma de explicação para a vida ou como forma de manter seus iguais sob controle. Seja sobre a organização do mundo, a criação do homem ou sobre a morte, os mitos surgiam numa tentativa de explicar as questões quase sempre inexplicáveis nas comunidades primitivas. Os mitos são metáforas, com poderes sobrenaturais advindos das forças da natureza, ou seja, a personificação dos elementos naturais.
Os mitos, personificados em forma de deuses passavam ensinamentos e poderiam ser “usados” como modelos de conduta, ditando regras para garantir a sobrevivência da espécie em comunidade. Os mitos contam estórias e tornam-se parte da história da humanidade. Como definiu Joseph Campbell, pesquisador e uma das maiores autoridades em mitologia, os mitos são “metáforas da potencialização espiritual do ser humano” (1997, p.23). Como se fosse o “sonho da sociedade”, um sonho comum. São modelos para a sociedade, modelos de vida, de comportamento.
Para Roland Barthes, “o mito é um sistema de comunicação, é uma mensagem. Eis porque não poderia ser um objeto, um conceito, ou uma idéia: ele é um modo de significação de forma.” Mas não é qualquer forma, para ser considerado um mito essa forma deve ter parâmetros históricos, condições de funcionamento e fazer parte de alguma sociedade. Tudo pode se tornar mito desde que este tenha um discurso que possa ser julgado como tal. “O mito não se define pelo objeto de sua mensagem, mas pela maneira que a profere.” (2001, p.131)
O autor Everardo Rocha (1991, p.07) também considera o mito como uma narrativa especial, diferente das narrativas humanas: “O mito é uma narrativa. É um discurso, uma fala. É uma forma de as sociedades espelharem suas contradições, exprimirem seus paradoxos, dúvidas e inquietações”. É uma reflexão sobre a vida, sobre a existência, sobre a humanidade, sobre o mundo que nos cerca e as relações das pessoas que aqui vivem.
O mito faz parte daquele conjunto de fenômenos cujo sentido é difuso, pouco nítido, múltiplo. Serve para significar muitas coisas, representar várias idéias, ser usado em diversos contextos. Qualquer um pode, sem cerimônia, utilizar a palavras para designar desde o “mito” Édipo ao “mito” Michael Jackson, passando pelo “mito” da mulher amada ou da eterna juventude. O mito é também uma palavra que está na moda. Um conceito amplo, complexo, por trás de uma palavra chique. ( ROCHA, 1991, p.07)
Tanto Barthes quanto Rocha concordam no que diz respeito a significação do mito “o mito está, efetivamente, ligado à possibilidade de ser interpretado”. A capacidade de interpretação das mensagens emanadas pelos mitos é que os legitima, sendo estas em sua maioria cifradas, na sutileza das entrelinhas. “O mito fala enviesado, fala bonito, fala poético. Fala sério sem ser direto e óbvio” (ROCHA, 1991, p.10-13).
Ele (o mito) há de ser sempre desafio, abertura, enigma. È livre e sábio o suficiente para não temer a morte, não se deixar escravizar por conceitos que o obriguem a ser isso ou aquilo e só. O mito está na existência. Resiste a tudo, fazendo no fundo com que suas interpretações sejam, quase sempre, matéria-prima para novos mitos. (ROCHA, 1991, p.16)
Mas afinal, o que é mito? Mito de modo geral é uma narrativa simbólica relacionada a uma dada cultura. Os mitos procuram explicar através da personificação (deuses, semi-deuses e heróis) os fenômenos naturais, a origem do homem e do mundo e a realidade. Geralmente esses personagens têm algo sobrenatural e atiçam a crença popular. Como definiu Joseph Campbell.
Agora o que é um mito? A definição de dicionário seria: história sobre deuses. Isso obriga a fazer a pergunta seguinte: Que é um deus? Um deus é a personificação de um poder motivador ou de um sistema de valores que funciona para a vida humana e para o universo _os poderes do seu próprio corpo e da natureza. Os mitos são metáforas da potencialização espiritual do ser humano, e os mesmos poderes que animam nossa vida, animam a vida do mundo. Mas há também mitos e deuses que tem a ver com sociedades específicas ou com as deidades tutelares da sociedade. Em outras palavras, há duas espécies totalmente diferentes de mitologia. Há mitologia que relaciona você com a sua própria natureza e como mundo natural, de que você é parte. E há a mitologia estritamente sociológica, que liga você a uma sociedade em particular. Você não é apenas um homem natural, é membro de um grupo particular. (CAMPBELL, 1997, p.23)
No início, os mitos eram seres criados, baseados em fenômenos da natureza, ou animais, ou objetos naturais personificados na tentativa de explicar através de poderes sobrenaturais a existência da vida, a criação do mundo, ditar regras de convivência social, transmitir mensagens e ensinamentos aos seres humanos de como lidar com a natureza, com as outras pessoas e consigo mesmo, organizando pensamentos e sugerindo posturas na convivência e na interação com a natureza. Campbell divide os mitos em duas categorias: na primeira o mito faz uma ligação do ser humano consigo mesmo e com o mundo onde vive; na segunda o mito é relacionado a grupos sociais específicos.
Para Adolpho Crippa (1975), o mito tenta esclarecer a realidade que desejamos compreender, situando o homem no tempo e no espaço. Crippa definiu o mito como:
Manifestação primordial de uma determinada concepção do Mundo, o mito é para quem o vive como forma de realidade e para o mundo inteligível que dele nasce, uma totalidade indefinível. Configura o mundo em seus momentos primordiais, relata uma história sagrada; propõe modelos e paradigmas de comportamento; projeta o homem num tempo que precede o tempo; situa a história e os empreendimentos humanos num espaço indimensionável; define os limites intransponíveis da consciência e as significações que instalam a existência humana no mundo. As definições do mito justificam-se enquanto tentativas de aproximação, enquanto esforços voltados para o esclarecimento de uma realidade fundamental que desejamos compreender. Todas são válidas, na medida em que nenhuma absorve a totalidade da riqueza mítica. (CRIPPA, 1975, p.15)
Em 1926, um dos fundadores da antropologia social, o polonês, Bronislaw Malinowski deu a sua definição de mito.
Mito quando estudado vivo, não é uma explicação destinada a satisfazer uma curiosidade científica, mas uma narrativa que faz reviver uma mentalidade primordial, que satisfaz profundas necessidades religiosas, aspirações morais, pressões e imperativo de ordem social e mesmo exigências práticas. Nas civilizações primitivas, o mito desempenha uma função indispensável: Exprime, enaltece e codifica a crença; salvaguarda e impõe princípios morais; garante a eficácia do ritual e oferece e regras práticas para a orientação do homem. O mito, portanto, é um ingrediente vital da civilização humana. Longe de ser uma fabulação vã, ele é, ao contrário, uma realidade viva, à qual se recorre incessantemente, não absolutamente uma teoria abstrata ou uma fantasia artística, mas uma verdadeira codificação da religião primitiva e da sabedoria prática. (MALINOWKI, apud CRIPPA, 1975, p.101)
O mito possui funções místicas: mistério, dimensão cosmológica, sociológica e pedagógica. “Os mitos abrem o mundo para a dimensão do mistério, para a consciência do mistério que subjaz a todas as formas” (CAMPBELL, 1997, p.32), ou seja, sem mistério não é mitologia. A dimensão Cosmológica é a dimensão da qual a ciência se ocupa. A ciência busca explicar como as coisas funcionam, porém não podem afirmar o que são. A sociológica dá suporte e validação de determinada ordem social, como os princípios éticos: “As leis da vida, como deveria ser na sociedade ideal”. A pedagógica são os ensinamentos que os mitos podem dar, como “ensinar a viver uma vida humana em qualquer circunstância”.
O professor universitário e autor do livro O que é herói, Martin Cezar Feijó, afirma que os mitos se tornam a “verdade “de um povo, pois correspondem as crenças da comunidade desse povo. “Não é a verdade comprovada em laboratório, mas a verdade de uma mentalidade coletiva. Ou seja: um mito sobrevive num povo não porque lhe explique a sua realidade, mas por refletir um aspecto real desse mesmo povo e até de todos nós: os mitos refletem sempre um medo da mudança” (FEIJÓ, 1984, p.13).
As sociedades primitivas (denominadas de “arcaicas”) procuram num tempo longínquo (na chamada “idade mítica”) aquilo que julgaram ter perdido: a verdade eterna. Esta se encontraria num passado tão distante que não dá nem pra se medir. A procura dela envolve ritos, cultos e lendas, como se isso permitisse o seu retorno. É o mito do eterno retorno. Isto tudo refletindo um “horror da história” de uma sociedade em transformação que se assusta com as mudanças. O mito seria, então, um consolo contra a história. E o herói, um consolo contra a fraqueza humana. (FEIJÓ, 1984, p.12)
Para se perceber o significado de um mito devemos vê-lo numa totalidade. Algumas vezes o significado do mito pode estar em acontecimentos afastados da estória, por isso o aconselhável é ler o mito em dois níveis; no sentido normal e no todo. Everardo Rocha afirma que “um mito para ser entendido requer um processo de leitura diverso daquele que normalmente adotamos com outras literaturas que passam sob os nossos olhos. (...) Um mito não mostra o seu significado básico fundamental, através da seqüência dos acontecimentos tal como são apresentados na estória linear que lemos normalmente” (ROCHA, 1991, p.82).
Campbell em conversa com o jornalista Bill Moyers no livro O poder do mito (1997) acredita que todos procuramos uma experiência para nos sentirmos vivos, algo que justifique a nossa existência. Por isso a presença de mitos é tão significativa para a sociedade, pois “o mito é capaz de capturar as pessoas” e passar-lhes ensinamentos. Os mitos trazem histórias de sabedoria da vida humana. Malinowki afirma que o mito se tornou uma espécie de guia funcionamento social. Para ele o mito “funcionava como uma explicação que saciava a ânsia de conhecimento, funcionava como satisfação de profundos desejos religiosos. Ora era a função de salvaguarda da moralidade, ora a função de possuir regras práticas para guiar o homem”.(1997, p.40)
Uma das características dos seres mitológicos é a imortalidade, porém a sua durabilidade no passar dos anos não compartilha da mesma eternidade. Barthes afirma que não existe uma manifestação simultânea de todos os mitos, uns continuam ativos na linguagem mítica durante um tempo, depois desaparecem sendo substituído por outros. “Pode conceber-se que haja mitos muito antigos, mas não eternos; pois é a história que transforma o real em discurso, é ela e só ela que comanda a vida e a morte da linguagem mítica”. (BARTHES, 2001, p.132) Na maioria das vezes os mitos mais importantes numa cultura são aqueles que fazem parte dos grandes questionamentos da humanidade, acabam se tornam modelos para os demais mitos que irão surgir.
Ruthven afirma que “os mitos podem suportar quase todos os tipos de tratamento, com exceção da indiferença ou da solitude da sabedoria histórica” (1997, p.63), tão logo a gana pela exatidão se instala e as pessoas começam a apontar “erros”. A mitologia clássica foi sendo degradada à medida que as ciências naturais avançavam, ganhando prestígio da população no século XVII. O iluminismo e a religião, também se encarregaram de desestimular o culto aos mitos. A igreja condenava o culto aos mitos pagãos, mas não deixou de aproveitar da força de seus ensinamentos, logo tratou de substituir antigos mitos por “novos”, como a troca de Hercules por Sansão, por exemplo.
3.1. O HERÓI
Segundo Campbell (1997), o herói tem o objetivo moral de salvar um povo, uma pessoa ou defender um ideal. O herói sempre se sacrifica por aquilo que acredita ser o certo, alguém ou alguma coisa, coloca a sua vida em risco para defender seus princípios. Todos os heróis sacrificam suas próprias necessidades em beneficio dos outros.
Os povos chamados de primitivos, já tinham em seus mitos, ritos e cultos a presença dos heróis, conhecidos como indivíduos acima da média dos homens, valentes e superdotados.
Quem denominou esses indivíduos de heróis foram os gregos. E por falar nos gregos, foram eles que tiveram os heróis com mais durabilidade ao longo da história. Ao passar dos anos, os heróis gregos se mantiveram firmes, “não se transformaram em religiões nem desapareceram da memória da história” (FEIJÓ, 1984, p.12).
Ainda especula-se a origem do mito herói. Seriam divindades que se humanizaram ou humanos que foram divinizados?(FEIJÓ, 1984, p.16). Seriam humanos ou deuses? Acredita-se que os heróis foram indivíduos que obtiveram algum tipo de destaque nas sociedades em que viviam e o imaginário coletivo tratou dotá-los de poderes extra-humanos. Outros estudiosos acreditam que os heróis eram deuses rebaixados, porém ainda divindades que perderam a condição de deuses. O pensador grego Evêmero (Século III a.C.) explicou que “os deuses e heróis eram indivíduos reais, principalmente reis em suas comunidades, que por suas virtudes ganharam a simpatia de seus povos, e que através das gerações essas qualidades foram se ampliando até atingir a divinização” (EVÊMERO apud FEIJÓ, 1984, p.17).
Baseado no livro O ciclo heróico dos Winnebagos de 1948, do estudioso Paul Radin, Feijó explica os quatro estágios básicos dos heróis, constatados por Radin durante a sua pesquisa junto aos nativos norte-americanos da tribo Navajo. Segundo Radin, esses quatro estágios bem distintos estariam as características principais de todos os heróis mitológicos conhecidos (RADIN apud FEIJÓ, 1984, p.18).
O primeiro estágio definido por Radin é o TRICKSTER, representado pelos índios na forma de um animal. É aquele que desobedece as regras e as normas comportamentais. “o herói rudimentar, arruaceiro, instintivo, desinibido, infantil e trapaceiro (...) Para os gregos era Dionísio (deus do vinho e da gandaia, que algumas vezes aparecia como tigre. Para nós brasileiros, seria Macunaíma. O segundo é o herói fundador da cultura nativa, é o HARE, o herói cultural, transmitem alguma coisa aos homens. “Sempre rebelde contra a ordem vigente e sempre paga um preço pela sua rebeldia”. São os transmissores de conhecimentos das ervas medicinais. Para os índios aparece na forma de lebre, para os gregos aprece como Prometeu, Orfeu e Narciso. O terceiro e mais comum, é o tipo Ciclo, “é o herói valente, o guerreiro, o fazedor de façanhas, que pode aparecer como homem-deus: REDHORN (chifre vermelho)”. Para os gregos seriam os filhos de Zeus e também Hércules, Aquiles, Ulisses, etc. Pode ser também um heróis criador de religião como Buda, no Oriente e Cristo, no Ocidente. O quarto tipo é muito parecido com o terceiro , só que em dose dupla, são os heróis gêmeos , os TWINS, mas diferentes em caráter. Enquanto um é tímido , sem iniciativa e introvertido, o outro é dinâmico, rebelde e extrovertido. “neste estaria contido no auge do herói, mas também, motivada pelo seu extremo orgulho, a causa de sua morte. Para os romanos eram os irmãos gêmeos Rômulo e Remo, sendo que o primeiro matou o segundo para fundar Roma.”
A pesquisa de Radin prova que o mito herói é parecido entre povos diferentes, de língua e costumes distintos e em épocas diferentes. Uma das explicações a respeito de tanta semelhança entre os heróis, é que eles estão dentro dos seres humanos. Freud e Jung acreditavam que os heróis estão dentro de nós e se manifestavam através de símbolos e sonhos. Essas manifestações são chamadas de “resíduos arcaicos” por Freud e de “arquétipos ou imagens primordiais”, por Jung. (FEIJÓ, 1984, p.20)
“A “explicação” de Jung é que o arquétipo é uma tendência do instinto, não da razão, manifestada pelos sentidos, não pelo conhecimento. Isto é, não temos controle sobre ele porque ele faz parte da esfera que não descobrimos em nós mesmos: o inconsciente. Só que como ele se manifesta pela fantasia, revelando-se por imagens simbólicas, esses símbolos tendem a se tornar coletivos: o inconsciente coletivo. Toda uma comunidade passa a ter uma mesma crença porque, se os símbolos se originam de uma necessidade psicológica e pessoal, eles adquirem uma forma que passa a ser assumida por toda a sociedade.” (JUNG apud FEIJÓ, 1984, p. 21) Seguindo a definição de Jung:
O mito universal do herói refere-se sempre a um homem ou a um homem-deus todo-poderoso e possante que vence o mal, apresentado na forma de dragões, serpentes, monstros, demônios, etc., e que sempre livra seu povo da destruição e da morte. A narração ou recitação ritual da cerimônia e dos textos sagrados e o culto da figura do herói, compreendendo danças, músicas, hinos, orações e sacrifícios, prendem a audiência num clima de emoções, exaltando o individuo até sua identificação com o herói. (JUNG apud FEIJÓ, 1984, p. 21)
Ainda de acordo com Feijó, o surgimento da sociedade separada em classes sociais; a organização das instituições do Estado; com a cultura escrita e documentada, o herói atingiu uma nova dimensão: a de herói histórico. No período “histórico” (a partir do século VII a.C.), a sociedade grega tentou aproximar os heróis antigos com os heróis contemporâneos através dos jogos olímpicos. As olimpíadas mesmo sendo de cunho político, homenageava os deuses do Olimpo. Mas somente a partir do século IV a.C., com Alexandre da Macedônia que “a questão do herói histórico começou a ganhar força de realidade” (1984, p. 23), pois a figura real de Alexandre deu origem à figura mitológica.
Nos séculos XV-XVI, na origem da chamada Idade Moderna, que o herói começou a ganhar autonomia na história. Devido as transformações sofridas na Europa marcadas pelo desenvolvimento do comércio, pelo renascimento cultural e pelo absolutismo político, onde “o poder do rei se confundia com a própria nação” (FEIJÓ, 1984, p.27) . Feijó acredita que seja essa a razão de a obra de Nicolau Maquiavel, intitulada O Príncipe seja reconhecida como “o máximo do pensamento político do Renascimento”. Em O Príncipe, Maquiavel “defende a importância do monarca nos rumos da história, comparando aos feitos de Ciro, Alexandre e César. “Neste contexto, a figura do herói passou a se confundir com a figura do rei, do líder, do chefe” (1984, p.28).
Porém, a história oficial registrou apenas os heróis oficiais, os reis, os generais e os guerreiros. Os heróis populares ficaram registrados nas memórias do povo. Apesar de cometerem crimes, os heróis do povo representavam uma sede de justiça coletiva. A exemplo de Robin Hood, que roubava dos ricos e distribuía parte de seus ganhos com os pobres, que por sua vez o protegia durante suas fugas. (FEIJÓ, 1984, p.29)
Com a Revolução Francesa de 1789 e com o fim do Absolutismo, os olhares sobre os heróis foram modificados e as possibilidades da sua existência reavaliadas. Passou a ser considerado herói não somente mais os chefes, mas também o que Feijó chama de “grande indivíduo”, ou seja, os mais capazes e mais preparados.
Segundo Campbell (1997, p.127), a sociedade precisa de heróis porque existe a necessidade de ter muitas imagens poderosas que buscam reunir todas as tendências individualistas numa mesma intenção. Além disso, o herói tem os atributos necessários para superar de uma forma excepcional um determinado problema. Precisamos de heróis que possamos nos identificar e espelhar nossas ações.
Para o historiador inglês, Thomas Carly (CARLY apud FEIJÓ, 1997, p.34), a sociedade tem necessidade de cultuar os heróis, pois os heróis têm um estabilizador que evitaria as transformações revolucionárias e seria uma garantia contra a anarquia. “Carly defende um novo caráter divino nos heróis e que uma sociedade fundada em seu culto seria estável e respeitada a hierarquia como coisa sagrada.” Feijó afirma que Carly estava preocupado em evitar as conseqüências apocalípticas que a Revolução Francesa iria causar, por isso defendeu o culto aos feitos heróicos para a juventude faria respeitar a ordem e conservar a história sem mudanças.
O herói nasceu do mito. Da separação do mito e da realidade nasceu o herói na história. O herói na história é mais uma fascinante aventura da invenção humana; só que com um agravante: passa por elaboração racional, ganha foros de verdade, separa-se do mito, da poesia, da imaginação e serve à ideologia dominante”(FEIJÓ, p.49).
De modo geral, o herói é gerado por idéias nobres e pela dedicação desinteressada ao próximo. Algumas vezes irá buscar objetivos egoístas, com a vingança, por exemplo, porém suas motivações serão sempre justas e éticas, mesmo que ilícitas.
Por outro lado existe a figura do anti –herói. Ao contrário dos heróis, os anti-heróis usam suas virtudes heróicas para realizar façanhas egoístas, motivados por sentimentos imorais, como vaidade, orgulho, ganância, ódio, etc. É o caso dos piratas, dos mercenários, por exemplo.
Os heróis se distinguem de todos os outros humanos e o faz o único capaz de resolver o problema. O caráter humano, a suscetibilidade ao erro, a complexidade e o medo humanizam o herói. Do outro lado as virtudes transcendentais: coragem, amor e a força de vontade. O herói clássico não esmorece diante dos problemas do mundo, ele os enfrenta para resolvê-los.
Ao anti-herói faltam-lhe as virtudes morais, intrínsecas na concepção clássica do herói. O anti-herói acredita que os fins justificam os meios.
3.2. O MITO E O HERÓI CONTEMPORÂNEO
O tempo passou e a ciência e a tecnologia avançaram. Os mitos que antes eram disseminados através da fala, (vale frisar que os mitos surgiram antes mesmo que a escrita), foram adaptados aos novos tempos. Os meios de comunicação, a velocidade da informação e o mundo globalizado, modificaram os mitos clássicos e favoreceram o surgimento de novos mitos.
Segundo Everardo Rocha, “o mito funciona socialmente. Existem bocas para dizê-lo e ouvidos para ouvi-los” (1991, p.10). A mídia ocupou o papel que antes era do povo. Os meios de comunicação se encarregam de propagar os novos mitos. Campbell afirma que ainda precisamos de mitos: “precisamos de mitos que identifiquem o indivíduo, não com o seu grupo regional, mas com o planeta” (1997, p.26). Hoje não temos mais a aparição de mitos transcendentais ou mágicos, seres humanos sem nenhum poder sobrenatural foram mitificados. Ainda na visão de Campbell os mitos contemporâneos são os artistas, porém este artista precisa compreender a mitologia e a humanidade. Ainda de acordo com Campbell, o artista se transforma em mito “quando se torna um modelo para a vida dos outros, a pessoa se move para uma esfera tal que se torna passível de ser mitologizada”. Os atores de cinema, por exemplo, desempenham papéis de figuras míticas, talvez por conta de toda a magia e toda a grandiosidade que envolve a indústria cinematográfica. “existe algo magnífico nos filmes. A pessoa que você vê está ao mesmo tempo em algum outro lugar. Esse é um atributo de um Deus” (1997, p.16).
Porém não é qualquer artista que vira um mito. Segundo Campbell não há como prever o surgimento de um mito: “O mito vem de tomadas de consciência de uma espécie tal que precisam encontrar expressão numa forma simbólica. (...) É o que fala do planeta, não deste ou daquele povo, mas do planeta e de todas as pessoas que estão nele” (1997, p.33).
O mundo moderno, capitalista, contemporâneo é um belo exemplo de sala de visitas do mito. Aqui, bem em frente aos nossos olhos anúncios publicitários, filmes, notícias de jornais, super-heróis, música popular, fotografias, etiquetas, modas, televisão, programas de rádio, superstars, superstições, consumo, supermercados, esportes, best-sellers, nos contemplam, seduzem e abandonam. Todo esse universo tão próximo e tão rotinizado em nossas vidas. Tão aí presente, inapelável e, por isso mesmo, um constante desafio a interpretação. (ROCHA, 1991, p.94)
De acordo com Barthes:
A mídia pode servir de suporte para a fala mítica, pois a fala nada mais é que a mensagem. (...). Pode, portanto, não ser oral; pode ser formada por escritas por representação. O discurso escrito, assim como a fotografia, o cinema, a reportagem, o esporte, o espetáculo, a publicidade, tudo isso pode servir de suporte para a fala mítica (BARTHES, 2001, p. 132)
No diálogo entre Moyers e Campbell (1997), Moyers cita que o cinema cria imagens grandiosas enquanto a TV cria meras celebridades. “Estas não se tornam modelos na mesma proporção que são alvos de mexericos”, disse. Campbell atribui essa constatação ao fato de que vemos as personalidades da TV em casa e para ver no cinema, temos que ir a uma sala de exibição, como um templo especial, isto contribui para a grandiosidade do cinema.
Campbell cita o exemplo que para ele seria um herói contemporâneo, o músico britânico e ex-Beatle John Lennon:
Ele foi um herói (...) do ponto de vista mitológico ele foi inovador. Os Beatles desenvolveram uma forma de arte para qual havia uma carência. De algum modo eles estavam em perfeita sintonia como seu tempo. Se tivessem aparecido trinta anos antes, sua música teria sido um fracasso. O herói público é sensível as necessidades de sua época. (CAMPBELL, 1997, p.142)
Apesar de toda informação técnica/científica, ainda precisamos dos mitos. Precisamos de “alguém” que nos traga a identificação com o planeta. De acordo com Campbell o mundo atual é tão desmitologizado que “os adolescentes das cidades fabricam seus próprios mitos” (CAMPBELL, 1997, p.09). A mitologia está presente em vários momentos da vida, desde a infância até os ritos de passagens para a fase adulta. Todas as fases da vida são marcadas por mitos. Ainda de acordo com Campbell, a mitologia é um assunto vital, vasto e extremante excitante, pois ensina lições de sabedoria sobre a vida.
4. CAPÍTULO II- A SOCIEDADE DO ESPETÁCULO
Conceituada pelo pensador francês, Guy Debord, a sociedade do espetáculo surge no período pós-guerra, que ficou caracterizado pela efervescência cultural, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Esse período ficou marcado com o surgimento da cultura de massa que “fugia dos padrões estabelecidos na “alta-cultura” européia.” Os europeus e os norte-americanos, canalizaram as energias do fim da guerra para as artes voltadas para o lazer, como a música, o teatro e o cinema, evidenciado na invasão do cinema Hollywoodiano nos países da Europa e pelo progresso do cinema italiano e francês. (BELLONI, 2003, p.4).
O capitalismo passa por um momento de superprodução, o operário que antes se limitava a adquirir artigos exclusivamente para seu sustento, passa a ser visto como um consumidor em potencial. O sistema dominante passa a considerá-lo, também nos seus momentos de lazer. Enquanto Marx descreveu em seus estudos os fatos constitutivos da sociedade capitalista, Debord orienta a sua pesquisa para o impacto da mercadoria num novo grupo de consumidores. (PORTO, 2009, p.199)
Segundo Debord, essa “sociedade” é o efeito inacabado da dominação econômica sobre o homem e sustenta-se por meio do discurso substituto do “ser” pelo “ter”. As relações cotidianas são substituídas por representações, que nada mais são do que a fraqueza do projeto filosófico ocidental. (DEBORD apud PORTO, 2009, p.199).
A autencidade, conceito tão reverenciado no romantismo europeu e critério para avaliação do mérito dos bens culturais no século XVIII e início do século XIX, perdeu espaço para a massificação. Os meios de comunicação seduzem e estimulam o desejo de consumo na nova sociedade capitalista. Na sociedade do espetáculo ou sociedade da imagem, como conceituou João Freire Filho, “as representações e as tramóias midiáticas se tornam mais cativantes e sedutores do que o mundo concreto” (2003, p.02).
Na sociedade do espetáculo, a uniformização exercida pela cultura de massa se faz através da saturação de imagens e do consumo de entretenimento. Freire Filho destaca que os relatos de Daniel Boorstin e Neal Gable nos fazem tentar acreditar que a “desgraça” da sociedade norte-americana começou na união da antiga e da nova mídia com o natural mau gosto da massa (não só a “massa operária” mas também o que eles chamam de “homem médio”), “uma legião de espectadores predisposta geneticamente a preferir “emoções baratas”, “lixo sensacionalista”, “ apelos sensuais” e estímulos visuais” à criação artística e à atuação política reflexiva e responsável”(FREIRE FILHO, 2003, p.04)
Ainda de acordo com Gable, devemos creditar aos efeitos corrosivos do entretenimento o “admirável e estranho” mundo novo em que vivemos- o “mundo da pós-realidade” onde todos nós nos tornamos atores e platéias do grandioso e ininterrupto espetáculo do filme- vida.
A indústria cultural possui uma face democrática do consumo. O espetáculo, paralelamente, ganha um forte aliado para a sua consolidação. Esse discurso social, implantado pela democracia em quase todos os países, pregava a igualdade através do consumo, ou seja, todos têm o direito de adquirir as mercadorias oferecidas. A percepção da vida real vai se submetendo ao consumo dos sonhos. “Da indústria cultural à sociedade do espetáculo, o que houve foi um extraordinário aperfeiçoamento técnico dos meios de se traduzir a vida em imagem, até que fosse possível abarcar toda a extensão da vida social, observou Kehl.”(p.44)
Ao explicar a sociedade do espetáculo, Debord refere-se a uma “segunda revolução industrial”, onde a mercadoria ocupou toda a vida social.
A alienação do trabalhador completa-se na sua transformação em consumidor. Ainda quando não consome as (outras) mercadorias propagandeadas pelos meios de comunicação, consome as imagens que a indústria produz para lazer. O trabalhador se identifica com elas, espelho espetacular de vida empobrecida. (KEHL, 2004, p.44)
Para Debord a sociedade do espetáculo não está focada somente na multiplicação de imagens e ícones, principalmente através dos meios de comunicação de massa, mas também está presente na religião, na política e nos hábitos de consumo, em tudo aquilo que falta na vida real do homem comum:celebridades, artistas, políticos, gurus , em tudo aquilo que transmite a sensação de felicidade, grandiosidade e ousadia.
O analista cultural norte-americano, Neal Gable “sustenta que a lógica do show business produziu ramificações por toda a esfera pública norte-americana: política, religião, imprensa, arte...tudo, sem exceção, se rendeu ao ritmo, às técnicas e aos truques da indústria de diversão popular”(apud FREIRE FILHO, 2003, p.2). Freire Filho afirma que a ordem das grandes cadeias televisivas é atrair e manter a audiência, “satisfazendo seu infrene apetite pelo sensacional, pelo espalhafatoso, pela fofoca.”
O espetáculo é a vida de aparências, é tudo aquilo que parece ser, mas que não é. É a busca incessante pela felicidade através do consumo. É possuir algo para ser completamente feliz.
O espetáculo apresenta-se como algo grandioso, positivo, indiscutível e inacessível. Sua única mensagem é “o que aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele exige por princípio é aquela aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve na medida em que aparece sem réplica, pelo seu monopólio da aparência. (DEBORD, 2003, p.11)
“O espetáculo nada mais seria que o exagero da mídia, cuja natureza, indiscutivelmente boa, visto que serve para comunicar, pode às vezes chegar a excesso”, simplificou Debord. Para ele, no espetáculo as relações sociais são mediadas pelas imagens.
Debord acredita que a vida moderna, “prefere a representação ao realismo concreto natural, a aparência ao ser, a ilusão à realidade, a imobilidade à atividade de pensar e reagir com dinamismo “(PORTO, 2009, p.13)
Na sociedade moderna tudo é produzido em forma de espetáculo, tudo que antes era vivido diretamente tornou-se uma representação. “Essa reflexão estabelece os pilares de uma sociedade gerida pela mediação das imagens e mensagens dos meios de comunicação de massa” Os indivíduos dessa sociedade, deixam de viver a realidade como ela é, para viver as ilusões das representações, preferem o mundo das aparências, movido pelo consumo de notícias e mercadorias.
Segundo Maria Rita Kehl há mais de meio século vivemos em uma sociedade regulada pelo espetáculo, e como conseqüência houve uma inversão do que é público com o que é privado. “Na sociedade do espetáculo, o impacto midiático dos eventos é tão mais importante do que seu papel na história ou suas conseqüências políticas, que adquire autonomia sobre todos os outros aspectos envolvidos em um acontecimento”. Ainda de acordo com a jornalista, a televisão é a mais espetacular tradução da indústria cultural. Ela acredita que a televisão é a responsável por essa mudança de valores. Todas as normas burguesas que regeram a vida em sociedade durante aproximadamente dois séculos do que pode e o que não pode se tornar público, aquilo que faria parte somente da vida privada hoje tem espaço na TV.“Podemos concluir que a burguesia do terceiro milênio já não é mais a mesma que ditou o bom comportamento dos dois séculos passados”.
A televisão tornou-se, desde o pós-guerra até hoje, um emissor de imagens tão onipresente e uniforme a ponto de ocupar o lugar imaginário do Outro nas sociedades onde ele impera. As mensagens televisivas, em especial a publicidade, em sua unidade técnica oferecem imagens à identificação e enunciados que representam, para o espectador, indicações sobre o desejo do Outro. (KEHL, 2004, p.46)
O que rege a sociedade do espetáculo é o poder das imagens e tudo aquilo que ela pode traduzir. Tudo o que não pode ser compreendido através das imagens é ocultado. “O espaço da política é substituído pela visibilidade instantânea do show e da publicidade, a fama torna-se mais importante que a cidadania” (KEHL, 2004, p.143). Os assuntos de interesse público perderam espaço para os assuntos da vida privada.
A Sociedade do espetáculo é ainda a sociedade de massas em seu estágio mais avançado. A expansão da televisão, tanto tecnológica quanto econômica, como mais avançado meio de comunicação e difusão de imagens, e sua inevitável associação com a lógica da acumulação de capital - com ênfase, sobretudo, na publicidade - foram desenvolvendo aos poucos um espaço de visibilidade paralelo ao da arena política, a um só tempo seu concorrente no estabelecimento das linhas de força do poder autônomo em relação à política tradicional. (KEHL, 2004, p.155)
A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo. (DEBORD apud KEHL, p.51)
A perda da subjetividade, segundo adorno, é a missão da indústria cultural. “os sujeitos já não se apóiam sobre suas faculdades de julgamento (pensamento), resolução (agir conforme o desejo) e senso moral (suportação da castração). Tampouco sustentam-se sobre os laços que as ligam a uma comunidade com base em experiências compartilhadas. Se toda experiência é medida pelo espetáculo, cuja produção está fora do alcance da experiência mesma, e se o espetáculo “desacostuma as pessoas a subjetividade”, elas estão totalmente à mercê dele. “é só por isso que a indústria cultural pode maltratar com tanto sucesso a individualidade, porque nela se reproduziu a fragilidade da sociedade” (KHEL, 2004, p.52)
O espectador consumidor passa a consumir a subjetividade industrializada, para preencher o vazio da vida interior. Os homens desacostumados com a subjetividade não são capazes de estabelecer entre eles relações objetivas. O espetáculo produz uma relação de poder e dominação através do afeto, pelas identificações. O consumidor não é capaz de compreender a origem do seu desejo, imposto pelo espetáculo.
O espetáculo na sociedade representa concretamente uma fabricação de alienação. A expansão econômica é principalmente a expansão da produção industrial. O crescimento econômico, que cresce para si mesmo, não é outra coisa senão a alienação que constitui seu núcleo original. (...) O homem alienado daquilo que produz, mesmo criando os detalhes do seu mundo, está separado dele. Quanto mais sua vida se transforma em mercadoria, mais se separa dela. (DEBORD, 2003, p.20)
Segundo Kehl, daí entende-se o sucesso dos reality shows a partir dos anos 2000, que veremos mais adiante. Para ela, o interesse do público é uma “tentativa de flagrar alguma expressão espontânea da subjetividade alheia sem se dar conta de que os participantes desse tipo de espetáculo estão tão “formatados” pela televisão, tão “desacostumados da subjetividade” quanto o telespectador. A televisão, a publicidade e outros produtos da cultura industrializada dispensam os sujeitos de pensar, pelo menos enquanto eles ocupam a condição de espectadores.
Mesmo quem não consome nenhum dos objetos alardeados pela publicidade como se fossem a chave da felicidade, consome a imagem deles. Consome o desejo de possuí-los. Consome a identificação com o “bem”, com o ideal de vida que eles supostamente representam (KEHL, 2004, p.61)
Esta constante da economia capitalista, que é a baixa tendencial do valor de uso, desenvolve uma nova forma de privação no interior da sobrevivência aumentada, a qual não está, por isso, mais liberta da antiga penúria,visto que exige a participação da grande maioria dos homens, como trabalhadores assalariados, no prosseguimento infinito do seu esforço; e que cada qual sabe que é necessário submeter-se lhe ou morrer. É a realidade desta chantagem, o fato do uso sob a sua forma mais pobre (comer, habitar) já não existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base real da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral. (DEBORD, 2006, p.26)
O indivíduo envolvido na teias da publicidade já não sabe o porquê quer e necessita consumir o determinado “produto” ou idéia, mas sabe que sem ele não será capaz de alcançar a felicidade plena.
A publicidade dirige-se ao desejo e responde a ele com mercadorias. Interessa-se pelos sonhos e fantasias para captá-los como “tendência de mercado”, e até mesmo os anseios políticos por liberdade e democracia são vertidos na forma de direitos de escolha do consumidor. Se alguém se manifestar contra os abusos que são cometidos, o publicitário - ou os diretores de programação das redes de televisão - dirá, apoiado pelas pesquisas de marketing, que só está nos oferecendo o que nós já desejávamos. No mundo claustrofóbico do espetáculo, as pessoas são continuamente remetidas de volta a si mesmas. (KEHL, 2004, p.61)
4.1. CELEBRIDADES
De acordo com o dicionário Aurélio, celebridade é aquele que tem grande fama, renome, glória, reputação. Ao pé da letra podemos considerar o conceito de celebridade superficialmente por pessoas célebres, ou seja, famosos por sua reputação, por terem um feito importante para a sociedade. São consideradas celebridades, pessoas ilustres, que se destacam por qualidades de grande mérito, ou apenas que tem uma vida exemplar, ou famosos por terem realizado um ato de heroísmo. Atualmente o conceito de celebridade é um pouco mais extenso que na definição dada pelo dicionário. Artistas de várias áreas, escritores, socialites, empresários e políticos também são incluídos no termo celebridade. Veremos essas transformações adiante, primeiro um breve relato histórico do aparecimento da personalidade artística.
Na idade Média não existia a idéia de personalidade artística. A função do artista consistia em copiar aquilo que via na natureza buscando a proximidade com a perfeição, sempre inatingível. Os artistas medievais não tinham a pretensão de criar algo novo e se limitavam apenas repetir aquilo que já existia, o mais próximo do original.
O autor muitas vezes não era reconhecido, ele ficava em segundo plano, escondido à sombra da magnitude de sua obra. A concepção do artista destacando sua personalidade criativa só apareceu no século XIX. A personalidade do criador passou a se tornar um valor em si, quando o artista romântico tornou-se uma figura especial, que a sua vida pessoal, seus sentimentos e pensamentos eram a fonte da sua arte. O autor tornou-se então um mito. (SIBILIA, 2007, p.188)
De lá para cá o conceito de celebridade se transformou. No mundo contemporâneo, com o surgimento da imprensa e dos meios de comunicação de massa, celebridade é todo aquele que tem visibilidade midiática. Personalidades conhecidas por suas obras e feitos ou apenas conhecidos pela exposição de sua vida pessoal na mídia. A vida íntima dessas personalidades é o que mais interessa, o cotidiano natural ou montado, é o foco da mídia e dos seus consumidores famintos por fofocas. A jornalista e mestre em comunicação, Maria Cristina Pimentel conceituou a celebridade atual:
A palavra “celebridade” virou termo corrente para indicar aqueles indivíduos que se transformam em alvo privilegiado das mídias. É importante, contudo, observar que o valor vinculado à fama, na forma como ela vem sendo percebida hoje por uma parcela considerável da população e das mídias, tem residido muito mais na exposição do indivíduo do que na sua substância acerca de algum saber. Ou seja, o importante é aparecer, de forma que o eixo dorsal da glória midiática vem tendendo a se fundar, cada vez mais, na capacidade individual de expor o próprio “eu” e não, exatamente, em algum virtuosismo, no domínio do indivíduo sobre um objeto. Esta tendência atual da fama, de ser cada vez menos mediada por algo objetivo, parece construir o sujeito enquanto o próprio objeto, isto é, o sujeito há de fazer de si mesmo objeto, expondo-se enquanto alvo de interesse privilegiado. Nesta perspectiva, o reconhecimento do parâmetro de “bem sucedido” passa, mais e mais, pela exposição midiática do “eu”. (PIMENTEL, 2005, p.194)
As celebridades não passam de entretenimento de carne e osso, um entretenimento humano. O dia-a-dia é o centro das atenções, a vida particular escancarada a quem interessar. A curiosidade dos espectadores em saber como seu artista favorito vive, torna o ídolo mais próximo dos seus fãs. A glamorização da vida célebre encanta sonhadores anônimos, plebeus de uma nova corte construída sob os holofotes. A exposição gera retorno para a mídia especializada e faz aumentar o número de admiradores das estrelas retratadas. As revistas passam a vender sonhos, vender histórias como nos contos de fadas. O mundo perfeito das celebridades é almejado por uma legião de fanáticos sonhadores. Festas, bailes, jantares, casamentos, roupas de gala, jóias, carros, tudo com muito luxo, sofisticação e ostentação de riqueza, o mundo das celebridades virou um espetáculo. Deu-se um start na disputa egocêntrica das celebridades. Ninguém quer aparecer na mídia com menos glamour que as demais, nem que para isso seja preciso montar uma realidade falsa apenas para posar para a mídia. A exemplo, das “socialites (ou pretendentes a), na busca de ostentar sua posição social, contratam assessores de imprensa com o objetivo cavar “fatos” – pode ser a festinha de aniversário da cachorrinha - e criar estratégias de aparição, que fixem uma imagem “pública” do seu “eu”, construindo-o, como uma espécie de personagem alegórico, ou um estereótipo”(PIMENTEL, 2005, p.194).
“O espetáculo da mídia é um culto à celebridade”. Partindo dessa afirmação de do teórico Douglas Kellner (2007), podemos entender o avanço do status de celebridade por outros segmentos além da classe artística, o destaque de personalidades do esporte, da política e dos negócios. Com tantas celebridades disponíveis no mercado, cresce a indústria das relações públicas que visa manter não só a imagem positiva de seus clientes, mas também “cavar” cada vez mais espaços para visibilidade midiática de seus clientes.
A celebridade também é produzida e manipulada no mundo do espetáculo. As celebridades são os ícones da cultura da mídia, os deuses e deusas da vida cotidiana. Para alguém se tornar uma celebridade é preciso ser reconhecido como uma estrela no campo do espetáculo, seja no esporte, no entretenimento ou na política. As celebridades têm seus assessores e articuladores para assegurar que suas imagens continuem a ser vistas e notadas de forma positiva pelo público. Exatamente como as marcas das empresas, as celebridades se tornam marcas para vender seus produtos como Madonna, Michael Jackson, Tom
Cruise ou Jennifer Lopez. (KELLNER, 2055, p.3)
“A condição de celebridade articula o ser ao tempo de aparições no decorrer do tempo”. O período de tempo de manutenção da imagem na mídia, irá determinar o quão celebre é. Quanto mais exposição, mais visibilidade midiática, maior o reconhecimento, que forma a identidade contemporânea. “A celebridade se configura, assim, como um personagem das narrativas midiáticas, que gera padrões de reconhecimento para o eu e para o mundo”(PIMENTEL, p.195).
No caso da celebridade midiática, ao menos do ponto de vista da representação, podemos dizer que sua característica principal não é exatamente a de ser sujeito (ator), nem tão pouco apenas objeto (personagem). É ambos. Afinal, uma das funções da categoria “celebridade midiática” parece ser a de gerar padrões de reconhecimento social para o eu a partir do outro e vice-versa. A celebridade, portanto, é preponderantemente persona nos dois sentidos da palavra: uma máscara fictícia que incorpora o padrão do outro e uma pessoa real e histórica que comporta a natureza da personalidade individual. É bom entender, aqui, que este outro possui a dimensão massiva, ultrapassando sobremaneira os limites das relações com a família e com outros indivíduos com os quais se relaciona no mundo físico. (PIMENTEL, 2005, p.197)
A construção da persona midiática inclui a divisão do “eu e personagem” e do “eu e a massa” enquanto celebridade. Essas representações se fundem enquanto se trata de espetáculo. Não é difícil encontrar um relato de um ator que esteja interpretando o vilão da novela, que assuma que já foi confundido com o seu personagem nas ruas. Ainda é comum que as maldades do personagem sejam recriminadas por populares que descontam a sua indignação no interprete, não diferenciando a ficção da realidade, o artista de sua obra. “O mundo da vida e o mundo da ficção se confundem, de forma que uma revista como Caras pode fazer toda uma produção cenográfica, de maquiagem e de figurino para “registrar” o indivíduo em uma corriqueira, banal e natural cena doméstica ideal” (PIMENTEL, 2005, p. 197).
Pimentel frisa que a alegorização do indivíduo tende levar a perda da dimensão humana e singular da pessoa, pois esta acaba virando um estereótipo de si mesma que se confunde com a sua personalidade e com o seu corpo.
A boa imagem midiática transforma a celebridade também em mercadoria, já que tudo o que é associado a sua imagem podem trazer bons rendimentos. Presenças Vips, comerciais, desfiles, fotos são revestidos em cachê, o que torna o fato de ser celebridade em uma fonte também de renda. “O mundo midiático, regido pelo mercado, parece converter tudo em mercadoria, de maneira que o apagamento da delimitação entre sujeito e objeto permite a negociação de ambos.” (PIMENTEL, 2005, p.201).Philip Kolter, Irving Rein e Martin Stoller (1999) explicam o fenômeno da indústria da visibilidade e das celebridades:
Muito tem acontecido desde que nós demos conta do fenômeno celebridade e daquilo que forma sua base, a indústria de fabricação de celebridades. Primeiro o público se tornou mais receptivo ao fenômeno celebridade, tratando as informações sobre as celebridades como uma forma de diversão ou entretenimento. Segundo suspeitamos, que mais pessoas estão ambicionando obter status de celebridade. Elas estão vendo os altos salários, as mordomias e os privilégios concedidos àqueles cuja fama precede. Terceiro, fabricar celebridades tem se tronado um fenômeno mais marcante em alguns setores. Por exemplo, não é mais raro para líderes de negócios ou religiosos usar ajuda profissional para redefinir suas habilidades e construir sua imagem publicas. Quarto, tem havido uma explosão no número de canais de divulgação de imagens de celebridade. Nós não só vemos a imagem de Michael Jordan quase que diariamente na imprensa escrita e falada como também a vemos em filmes, camisetas, bonecos, tênis em grupos de conversas on-line, e assim por diante. Quinto, nós acreditamos que a tecnologia para as pessoas empreendedoras se transformarem em celebridades tem avançado muito nos últimos anos. O advento de vídeo-câmeras, estúdios de gravação domésticos, máquinas de fax, e-mail, técnicos locais facilmente disponíveis e especialistas em relações públicas multiplica as oportunidades para uma pessoa modelar seu talento e difundir sua imagem a uma audiência cada vez maior (REIN, KOLTER, STOLLER apud ALMEIDA, SUGIYAMA, 2005, p.02).
Diariamente somos bombardeados com o surgimento de novas celebridades. É a busca da fama pela fama. Não importa mais o conteúdo cultural do indivíduo para se tornar capa dos jornais e revistas, o importante é estar lá, é ser visto, é ser comentado, é principalmente conquistar a audiência independente de como chegou lá. É a busca incessante de virar notícia de qualquer maneira a qualquer custo.
Atualmente qualquer um pode se tornar uma celebridade. Com a expansão da internet, com a popularização dos blogs, videologs e das redes sociais, qualquer mortal pode acesso a essas novas mídias e gerar conteúdos de qualquer natureza e torcer para cair nas graças do grande público. Com a convergência das mídias, está cada vez mais comum ver personagens oriundos da internet conquistando espaço nos meios de comunicação de massa. Lançados a própria sorte os candidatos a celebridade apelam para o grotesco numa tentativa desesperada de sobressair perante aos demais e assim conquistar seu lugar nos holofotes midiáticos.
4.2. REALITY SHOWS
De acordo com a Revista Mundo Estranho, o primeiro reality show da televisão foi exibido em 1973 pela rede de TV americana PBS. O An American Family ( Uma família americana) acompanhava o dia-a-dia de um casal californiano e seus cinco filhos. O programa exibido em 12 episódios, não recompensava os participantes com prêmios em dinheiro, apenas mostrava como a família lidava com questões polêmicas na época, como a homossexualidade de um dos filhos e o divórcio. O sucesso do programa inspirou a criação de diversos programas do gênero. Porém nada se compara ao sucesso do Big Brother, desenvolvido pela produtora holandesa Endemol em 1999. Inspirado no livro de Eric Arthur Blair sob o pseudônimo de George Orwell, o livro intitulado 1984, publicado em 1948 retrata o cotidiano numa sociedade totalitária.
Na sociedade descrita por Orwell, o Big Brother (grande irmão) é o ditador. Todas as pessoas estão sob constante vigilância das autoridades, principalmente por teletelas (telescreen), sendo constantemente lembrados pela frase propaganda do Estado: “o Grande Irmão zela por ti” ou “o Grande Irmão está te observando” (do original “Big Brother is watching you”). Representado pela figura de um homem que provavelmente na trama não exista, vigia toda a população através das chamadas teletelas, governando de forma despótica e manipulando a forma de pensar dos habitantes.
Se compararmos com a versão brasileira do Big Brother, exibido pela Rede Globo, o apresentador do Pedro Bial assume a função do grande irmão instruindo psicologicamente os participantes.
Em 2004, Maria Rita Khel afirmava que nos Estados Unidos os reality shows já estavam passando para trás as formas tradicionais de teledramaturgia. No Brasil, o Ibope do BBB ultrapassou a audiência da “novela das oito”. Kehl se mostrou apreensiva ao detectar que o sucesso do Big Brother poderia ameaçar a produção de textos de ficção, como novelas e minisséries por se tratar de uma produção de custo menor e mais simplificada. Para exemplificar, Kehl citou o fracasso de audiência da minissérie Os Maias exibida em 2001. Apesar da excelente qualidade de produção, o texto fiel de Eça de Queiroz adaptado por Maria Adelaide Amaral, a minissérie não conseguiu atrair a atenção do grande público. A baixa audiência poderia voltar a atenção das emissoras para a produção de reality shows que gastam muito menos e o público adora, extinguindo de vez os programas de ficção. Por enquanto essa previsão ainda não aconteceu, porém não podemos deixar de notar o crescente aumento de programas no formato dos reality shows na TV brasileira. Praticamente todos os canais abertos possuem um programa do gênero, mas o Big Brother ainda lidera a audiência popular. Eugênio Bucci afirma que a previsão de Khel não acontecerá, pois ninguém vive sem ficção “É quase impossível se transformar uma fatia da vida, mesmo que seja a vida espetacular, em acontecimento para interesse das massas, se ela não receber um mínimo recorte ficcional” (BUCCI apud KEHL, 2004, p170). Ou seja, mesmo sendo considerado como a “novela da vida real”, programas como o Big Brother são dirigidos e manipulados visando agradar e suprir as expectativas da audiência.
Nesse início de um novo milênio, estamos inquietos e intrigados com o sintoma social do sucesso dos reality shows. Não apenas os atores, cuja profissão depende da inclusão na cena espetacular-como no caso da série de Casas dos Artistas exibida no SBT – muitas pessoas ditas “comuns”, anônimos extraído da massa de telespectadores, têm -se candidatado a submeter-se a situações degradantes com o único intuito de ganhar um pouco de notoriedade televisiva. Ficar cinco ou seis semanas detido, junto com um grupo de desconhecidos, num estranho cativeiro de dupla face fechado sobre si mesmo pelo lado de dentro e inteiramente exposto às câmeras de televisão voltadas para o lado de fora, já não é a mais humilhante das condições a que se submeterem esses sujeitos loucos pela fama. (KEHL, 2004, p.143)
Em programas com os reality shows os participantes abrem mão da privacidade em troca de um cativeiro, junto com pessoas as quais nunca viu e é submetido a provas de resistência física e emocional. Àquele que resistir as provas, as eliminações e a convivência ainda têm que cativar o público, que irá definir através de voto, aquele que merece levar o grande prêmio.
As armas que contam nesse campo de batalha pós-moderno são 100% “psicológicas” - a dimensão dos afetos, que poderia perturbar a eficiência da sociedade industrial repressiva até a primeira metade do século XX, transformou-se na “força de trabalho” mais valiosa na sociedade regida pela indústria da imagem. Os concorrentes ao prêmio final de BBB conspiram, manipulam, traem uns aos outros - esta é a verdadeira dimensão “obscena” do show até que o mais esperto, que se apresente como mais amável para o público, ganhe a bolada permitida(KEHL, 2004, p.173)
O que leva uma pessoa “comum” a se submeter a tanta tortura vexatória na TV? Kehl acredita que a invasão de privacidade, mesmo que concedida, é uma manifestação do exibicionismo dos participantes. “O exibicionismo dos participantes ultrapassa o voyeurismo das câmeras. A imprensa especializada em reality sustenta a idéia que a audiência se mantém sobre o desejo do publico de presenciar escândalos, brigas e cenas de sexo “reais” (KEHL, 2004, p.144). Ainda de acordo com o pensamento de Kehl, aí pode estar o sucesso da grande audiência: jovens, bonitos, sexualmente ativos, preocupados com o físico. Quando não estão envolvidos em conflitos, gastam o tempo com conversas bobas e cuidados com o corpo. “O que interessa ao espectador fiel é a esperança de que a exibição, pela televisão, da banalidade de um cotidiano parecido com o seu, ponha em evidência migalhas de brilho e de sentido que sua vida, condenada à domesticidade, não tem” (KEHL, 2004, p.144).Guy Debord complementa, “Somente o brilho fugaz da “fama” é capaz de compensar a mediocridade da vida cotidiana.”(DEBORD apud KEHL, 2004, p.144)
“A evidência mais eloqüente de que na sociedade do espetáculo as pessoas preferem contemplar os ideais pelo avesso é que o interesse pela intimidade banal dos participantes do reality show concorre, em popularidade, com a modalidade das gincanas de horrores”, disse Kehl (2004, p.144). Nos programas como No Limite e Hipertensão, ambos exibidos na rede Globo, os participantes além de participarem de provas de resistência física, também são submetidos a provas escatológicas, onde vence o participante que suportar engolir os mais variados tipos de animais que não fazem parte do cardápio dos brasileiros, como ovos galados, vitamina de baratas com minhocas, etc. “Se a sociedade já não suporta sustentar ideais que lhe parecem inacessíveis, parece um consolo poder observar pessoas capazes de descer a um nível mais baixo que o do espectador” (KEHL, 2004, p.145).
Kehl acredita que “a proposta de No Limite tem um fundamento moral conservador: trata-se de demonstrar, com todos os recursos “realistas” de um espetáculo ao vivo, que a natureza humana é irremediavelmente vil.”(2004, p.166)
Falando pelo fenômeno Televisão, Kehl, detectou que o grande sucesso da popularização do veículo deve-se a classe C, classe esta, que se inscreve para participar de programas como o Big Brother. Todos os candidatos a BBB têm o mesmo sonho: o sonho de ser famoso. Eles acreditam que um reality show é a oportunidade de conquistá-lo. “A pobreza dos sonhos de fama dos que se candidatam ao cativeiro de luxo de Big Brother Brasil espelha a pobreza dos sonhos do espectador cativo, que espera o espetáculo recomeçar” (2004, p.147). Kehl acredita que o sucesso desse tipo de programa está no “fato dos participantes encenarem em público, algo parecido com a realização dos desejos inconfessáveis.” (2004, p.168)
A vida que gira em torno da televisão, tanto do lado de cá quanto do lado de lá, é a vida que perdeu a dimensão pública. Os espaços onde os homens se encontram e as idéias circulam, espaços da criatividade política e da invenção de novos discursos e de novos sentidos para a existência, foram quase totalmente privatizados na sociedade do espetáculo, que é a versão pós-moderna da sociedade de massas. A vida privatizada é pobre e insignificante (KEHL, 2004, p.169).
Não é apenas o pensamento que distingue o homem dos outros animais, como concluiu o filósofo e matemático francês René Descartes, quando duvidou da sua própria existência em sua famosa frase: “Penso, logo existo”. Mais precocemente a certeza do “eu sou” provém da identificação a uma imagem. Antes de perceber que pensa o “filhote de homem” já “sabe” que existe a partir do olhar que o outro dirige a sua imagem (KEHL, 2004, p.148)
A filosofa Hannah Arendt (ARENDT apud KHEL, 2004, p.148) afirma que “o que garante o ser para um sujeito, é a sua visibilidade – para outro sujeito”. Freud e Lacan (apud KEHL, 2004, p.148) já utilizavam desse pensamento em suas teses de psicanálise. “O Outro, em psicanálise é testemunha da visibilidade do sujeito, portanto de sua existência presentificada em uma imagem à posição do sujeito na imagem, chamamos de “Eu Ideal” (KEHL, 2004, p.149)
Conforme as duas idéias de Hannah Arendt “existir é fazer-se visível no espaço público, e fazer-se visível depende da conjugação entre discurso e ação” (ARENDT apud KEHL, 2004, p. 151). Podemos concluir que existir, é antes de mais nada, apresentar a sua própria imagem para o Outro. Se na atualidade o espaço público é a televisão, concluímos grosseiramente que existir é se exibir na TV.
Cresce a impressão de que só ocorre aquilo que é exibido numa tela. Não é mais necessário que a vida em questão seja extraordinária (como era o caso das biografias renascentistas)e tampouco é um requisito imprescindível que ela já bem narrada (como exigiam os ímpetos românticos), porque agora a tela, ou a mera visibilidade, é capaz de conceder um brilho extraordinário à vida comum recriada no rutilante espaço midiático. São as lentes da câmera e os holofotes que criam e dão consistência ao real, por mais anódino que seja o referente ao qual os flashes apontam: eles lhe concedem sua aura. Por isso, a mídia apregoa que agora “qualquer um” pode ser famoso, o que não deixa de ser verdade. E ainda, tanto os genuínos famoso de outrora quanto os de hoje em dia são resgatados em seus papEis de “qualquer um”: São festejados nas telas e em outros suportes com esplendor midiático por serem comuns”. Assim, exibe-se e ficcionaliza-se uma intimidade que a, ainda sendo banal- ou talvez precisamente por isso-, resulta fascinante sob o olhar alheio.(SIBILIA, 2007, p193)
Sibila acredita que esta seja a causa de que tais vidas reais devam ser estilizadas. Já que todos estão no mesmo patamar que “qualquer um”, a estilização da vida comum ganha peso, consistência e existência. “a própria vida deve ser estilizada e ficcionalizada como se pertencesse ao protagonista de um filme. Cotidianamente, as pessoas/personagens são enfeitadas e recriadas com recursos ficcionalizantes. Não é tão difícil, pois a mídia oferece um farto catálogo de identidades descartáveis para que o público as emule: basta escolhê-las, copiá-las, usá-las e logo descartá-las para substituir por outras (SIBILIA, 2007, p.193).
O culto à personalidade e o mercado das aparências que começou no cinema, passou pela televisão e começa a ocupar também o espaço cibernético. A inclusão digital popularizou as redes sociais e disponibilizou ferramentas como blogs, fotologs, videologs e webcams para que o indivíduo comum possa se lançar nos arautos da visibilidade com rapidez e baixo custo. Atualmente já é comum reconhecermos nos programas de televisão, personalidades já conhecidas na internet. Blogueiros já ocupam cargo de apresentadores de TV, vídeos virais e web hits, já foram apresentados aos telespectadores que os acolhem em uma nova categoria de famosos, as web celebridades.
Com tantos candidatos a celebridade pairando nas grandes mídias, como se destacar? Sibilia acredita que o candidato deve mostrar o que ela chama de “personalidade autêntica”. “Ser diferente é um dever que não pode ser descuidado: é preciso converter o próprio eu em um show, espetacularizar a própria personalidade com estratégias performáticas e adereços técnicos, para se tornar um personagem atraente no competitivo mercado dos olhares. (SIBILIA, 2007, p.195)
Segundo Kehl, não é que o público não queira mais se iludir com a ficção das novelas e minissérie, ele quer continuar se iludindo, só que melhor. “Os reality shows são a forma mais eficiente de ilusão que a cultura de massas já produziu: vendem aos espectadores o espelho fiel de sua vida amesquinhada sob a égide severa das “leis de mercado”. Vendem a imagem da selva em que a concorrência transforma as relações humanas. Só que elevados ao estatuto do espetáculo” (KEHL, 2004, p.171).
5. CAPÍTULO III - ANÁLISE DE CASO
O personagem escolhido para a análise de caso é o cantor norte-americano Michael Jackson. Por que Michael Jackson? Citado em alguns dos livros consultados para a viabilidade desse estudo e reconhecido pela mídia como mito moderno, buscaremos analisar sua passagem pelos veículos de comunicação que o consagraram como tal. Para isso, vale registrar alguns dos principais fatos que marcaram a trajetória do astro da música pop.
Michael Jackson começou sua carreira ainda criança junto com quatro de seus oito irmãos. Formavam a Banda de Rhythm & Blues “The Jackson Five” uma boy band, com músicas açucaradas e dançantes. O pequeno Michael, como era chamado pela imprensa e pelo grande público, já impressionavam pela sua extensão vocal e pela profundidade de suas interpretações carregadas de sentimento, admiráveis pela pouca idade do cantor. Os Jackson Five já conquistavam fãs de todo mundo e suas músicas eram sucesso nas rádios. Nos anos 70 embalavam as pistas de danças das discotecas. Nesta época já era notável o carisma de Michael e o magnetismo que atraia a platéia fascinada com o garotinho negro de Indiana.
Jackson Five
Logo no início da carreira, na era Jackson Five, Michael e seus irmãos já tomavam consciência dos artifícios usados pela publicidade vislumbrando a consagração artística na sociedade espetacularizada. Mesmo não sendo naquela época, a televisão como maior fonte de divulgação, os garotos já foram moldados de acordo com estratégias publicitárias traçadas para alavancar a carreira.
De acordo com o biógrafo J. Randy Taraborrelli, já no primeiro contrato com uma grande gravadora, os Jackson Five já começavam a se adaptar as regras do espetáculo. Em julho de 1968 a família Jackson assinou o contrato com a Motown, gravadora que lançava com muito sucesso artistas negros, como Diana Ross e The Supremes, Steve Wonder, The Commodores com Lionel Richie, Marvin Gaye entre muitos outros. Em setembro do mesmo ano, o dono da gravadora, Barry Gordy inscreveu o grupo para uma apresentação num concerto beneficente no Gilroy Stadium em Gary já visando à jogada de marketing que poria em prática a seguir. Dois anos mais tarde, Barry Gordy resolveu enfim lançar os garotos e contou com a ajuda da grande estrela da Motown, Diana Ross, numa estratégia que até os dias de hoje muitos julgam com a verdade sobre a aparição da família Jackson na mídia.
Diana Ross, Barry Gordy e Michael Jackson
Ainda de acordo com o biógrafo, Diana Ross ofereceu uma festa no Clube particular Daisy em Bevery Hills para apresentar à cerca trezentas pessoas influentes em Hollywood o que ela dizia ser a sua grande descoberta quando participou no show beneficente em Gilroy Stadium (Diana na verdade não estava nesse show). Taraborrelli transcreveu o telegrama enviado pela senhorita Ross.
Por favor, conto com a presença de vocês na acolhida a um ótimo grupo musical, o Jackson Five, na segunda-feira, 11 de agosto, das 18h30 às 21h30 no Daisy, North Rodei Drive, Beverly Hills. Os Jackson Five, que conta com o sensacional Michael Jackson de oito anos de idade, se apresentará ao vivo na festa. Diana Ross. (TARABORRELLI, 2005, p.64)
Michael a essa altura já estava com 10 anos de idade e indagou por que no convite a sua idade estava alterada. Logo trataram de explicar ao menino como funcionava o show business, onde todas as ações são voltadas para atrair maior visibilidade possível. Tornar o pequeno Michael mais novo, o transformava em mais prodígio do que já era. Barry explicou aos irmãos que apesar de conter algumas inverdades no convite tudo passava de material promocional e que daquele momento em diante eles deveriam confirmar o que estava escrito. “É tudo pela sua imagem” disse Diana a Michael (TARABORRELLI, 2005, p.64)
Mais tarde o cantor recordaria dessa história:
Desde pequeno entendi que se alguém diz algo sobre mim que não é verdade, então é mentira. Mas se alguém diz algo sobre minha imagem que não é verdade, então tudo bem. Porque não era uma mentira, e sim material de divulgação”. (TARABORRELLI, 2005, p.65)
A separação do Eu, no caso Michael Joseph Jackson, e do Eu, artista Michael Jackson já prova o envolvimento na sociedade do espetáculo, onde a imagem é mais relevante que a própria identidade.
Em meados de 1979, Michael gravou o seu primeiro disco solo já em idade adulta. O álbum Off The Wall foi um marco na carreira solista de Michael. Neste disco, Michael já dava sinais de que seria grande, muito maior que todos os seus irmãos juntos. As mudanças na imagem e na forma de se apresentar já se tornavam evidentes. Michael deixava de ser o menino e se tornava um cantor maduro e cheio de estilo. Ainda em 1979, Michael se submeteu a primeira das muitas intervenções cirúrgicas que faria. Durante um ensaio para a turnê de lançamento do disco, Michael caiu e fraturou o nariz, que precisou de uma cirurgia reparadora.
7 Grammys por Thriller e 1 por E.T.
Em dezembro de 1982, foi lançado o maior sucesso de Michael Jackson, o álbum Thriller. Estima-se que tenha vendido em torno de 110 milhões de cópias em torno do mundo e ainda hoje é considerado o álbum mais vendido de todos os tempos. Ganhador de 7 Grammys (além dos prêmios por Thriller, Michael ainda levou mais um em referência a sua participação em E.T. The Extraterrestre, somando 8 prêmios), o álbum trazia sucessos como Billie Jean, Beat it, e Thriller e solidificou a carreira de Michael como grande astro da música. “Michael emplacou em primeiro lugar, durante várias semanas quase todas as músicas do álbum.” (TARABORRELLI, 2005, p.245)
Thriller
Para o videoclipe da faixa título do álbum, Michael inovou convidando o diretor de cinema John Landis para dirigir um curta-metragem de terror com duração de 14 minutos. Junto com o clipe foi gravado o documentário de 60 minutos intitulado “The Making of Thriller”, com imagens extra e entrevistas. Segundo a Associação Nacional da Indústria Fonográfica dos EUA, foi o vídeo de música mais vendido na história e foi o primeiro videocassete de música a ser indicado para prêmios de vídeo de ouro .
O que é realmente interessante sobre os vídeos de Michael para Thriller, porém é como serviram para alavancar a popularidade da então incipiente rede MTV. A MTV, um canal a cabo com a programação 24h, que só apresenta vídeos musicais, tornou-se um fenômeno quando entrou no ar em 1981, mas em 1983 raramente colocava em sua programação clipes de artistas negros. O formato da estação era “estritamente rock-and-roll”, disse Bob Pittman, o vice-presidente executivo e diretor de operações da Warner American Express Satellite Entretertainement Company, a principal força atrás da MTV. A definição de Pittman para rock-and-roll excluía a maioria dos artistas negros das listas de canções a serem apresentadas pela emissora. Efetivamente, dos mais de 750 vídeos exibidos na MTV durante seus 18 meses de funcionamento, cerca de apenas 20 traziam artistas negros. Era aceitável transmitir Phill Collins interpretando You Can’t Hurry Love das Suprimes, e Hall e Oates cantando outras músicas de compositores negros , mas a versão original era completamente inaceitável na MTV daquela época. Quando alguém levava vídeos de músicos negros para seleção, eram rapidamente rejeitados como não rock and- roll(...) Quando a CBS enviou o vídeo de Billie Jean para a MTV, a estação rapidamente rejeitou. Então a CBS ameaçou retirar todos os seus outros clipes de lá, caso não apresentassem Beat it. Michael Jackson tinha se tornado tão popular que nem Bob Pittman, nem o segmento branco suburbano dos Estados Unidos, puderam mias ignorá-lo. Em meados de março de 1983, finalmente, o vídeo faixa Billie Jean foi executado na MTV, na assim chamada heavy-rotation, ou seja, durante o dia. Depois entrou no ar Beat it. Depois disso, a MTV começou apresentar mais e mais vídeos com artistas negros, e embora essa rede ainda prefira ostensivamente o rock-and-roll dos brancos, pelo menos alguns negros – não muitos- entraram no ar, basicamente como resultado da revolução inaugurada por Michael Jackson, naqueles tempos. (TARABORRELLI, 2005, p.245-246)
Apresentação de Billie Jean nos 25 anos da Motown
Em março de 1983, no show comemorativo dos 25 anos da Motown que Michael foi coroado como Rei do Pop. O show que foi transmitido pela televisão pode mostrar ao público que não tinha a oportunidade de vê-lo se apresentar, toda a magia de suas performances ao vivo. Pela primeira vez, Michael apresentou o passo que o depois se tornaria a sua marca registrada, o Moonwalker, deixando uma platéia repleta de celebridades atônitas e entusiasmadas com a sua apresentação. Esse foi o grande momento televisivo de Michael, um marco para a construção do ídolo internacionalmente famoso. A partir desse show, Michael se tornaria o artista mais requisitado pela imprensa que documentou toda a sua carreira cheia de altos e baixos.
Em 1984, Michael Jackson sofre um acidente durante a gravação de um comercial para a Pepsi. Um dos fogos de artifício que faziam parte da encenação de um show dos Jackson 5, estourou sob a cabeça de Michael e provocou uma queimadura no couro cabeludo. Muitas especulações foram feitas sobre o incidente, algumas fontes chegaram a especular a hipótese de atentado, prontamente desmentida pela equipe do artista. Muitos jornalistas atribuem aos danos causados por esse acidente, o início do vício em analgésicos que mais tarde vitimou o cantor, porém até os dias de hoje não houve nenhuma confirmação oficial. Somente após a morte de Michael Jackson, o vídeo do acidente foi divulgado na imprensa. Na ocasião, Michael Jackson mostrou que sabia como se promover mesmo diante do inesperado. Apesar das fortes dores devido a queimadura sofrida na cabeça, o cantor manteve-se consciente para dar ao povo um pouco do seu show, como conta Taraborrelli em uma das passagens do livro:
Para evitar os fãs e a mídia, as autoridades pretendiam transportar Michael para fora do recinto usando uma saída nos fundos do teatro. No entanto, ele insistia em sair por onde a multidão e os fotógrafos pudessem vê-lo. Disse que era melhor mostrar para multidão ali unida que ele estava bem. Na verdade porém, ele também sabia reconhecer a oportunidade quando ela se apresentava. Ninguém melhor do que ele entendia o que eram relações publicas. “Não, não, deixe-me com a minha luva”, ele disse para os paramédicos da ambulância que o preparavam para transportar na maca. “A mídia está aqui”. Por mais que sentisse dor , susto ou estivesse histérico, o showman vinha primeiro.O videotape de Michael sendo colocado dentro da ambulância se tornou a principal notícia de todos os jornais daquela noite, nas redes norte-americanas de TV. Nas imagens ele aparecia amarrado na maca, coberto até o nariz, com a cabeça envolta em bandagens repousando num travesseiro, e um mão só com a luva, destacando-se debilmente contra a cobertor. Michael ergueu essa mão num gesto que parecia usar sua última gota de energia...e acenou para as câmeras. “Se o ET não tivesse ido até a casa de Elliot, teria ido até a de Michael”, disse Steve Spielberg tinha dito anteriormente, agora Michael era o ET, uma pequena e exótica criatura , ferida pelos adultos que tinham brincado com fogo, sendo removido sabe-se lá para onde, por sabe-se lá quem, para fazerem sabe-se lá o quê. (...) No dia seguinte, fotos de Michael como ET estavam na primeira página de todos os jornais do mundo todo. Ele depois diria que aquela foi “a mais famosa foto que tiraram de mim.” (TARABORRELLI, 2005, p.278)
Acidente no comercial da Pepsi
Foi na estada no hospital que Michael conheceu a câmera hiperbárica que iria usar na promoção do seu filme Capitain EO produzido pela Disney em 1986. A câmara era utilizada para ajudar na recuperação de vítimas de queimaduras. Nas semanas que antecederam o lançamento, o empresário Frank Dileo armou, a pedido do próprio cantor, para que Michael pudesse tirar uma foto deitado na câmara do hospital. Logo, os funcionários começaram a espalhar que Michael estaria interessado no aparelho e o ti-ti-ti foi parar no tablóide National Enquirer. Quando Michael soube que o Enquirer estava fazendo perguntas sobre ele, começou a maquinar. Naquele ano, ele tinha dado a Frank Dileo e a John Branca um exemplar para cada um de um livro sobre P.T, Barunum1, suas teorias e filosofias. “esta vai ser a minha Bíblia, e quero que seja a de vocês”, disse a eles “Quero que minha carreira inteira seja o maior show do planeta” e conseguiu. (TARABORRELLI,2005, p.348)
O truque publicitário era promover a notícia que Michael estava dormindo na câmara para prolongar sua vida até os 150 anos e que ele pretendia levá-la para a sua próxima turnê. Mesmo sem saber se o público acreditaria na história os empresários acharam-na inofensiva e resolveram levar a idéia adiante. Foi a primeira das histórias esquisitas de Michael Jackson. Frank Dileo negociou a foto como o repórter do Enquirer, Charles Montgomery. Charles garantiria a capa e Dileo entregaria a foto do Michael deitado na câmara, desde que o repórter concordasse em não revelar a fonte. E assim foi feito. A foto de Michael foi capa do Enquiere e depois reproduzidas por outros tablóides. “Michael é um dos artistas mais espertos da área. Sabe como divulgar seu nome. Entende de RP. Sabe como controlar sua carreira. Acho que ele é brilhante” declarou Charles a Taraborrelli anos depois. (TARABORRELLI, 2005, p.351)
Michael Jackson na câmara hiperbárica
O boato se espalhou e tomou grande proporção. A foto intrigou e escandalizou o público que sem conhecer o real funcionamento do aparelho, acreditaram na loucura do astro. Michael começava a se tornar excêntrico e gostou da repercussão da travessura. “Somos capazes de controlar a imprensa”, conclui Michael Jackson, sem saber o que lhe esperava adiante. (TARABORRELLI, 2005, p.351)
No ano seguinte, em 1987, o cantor prosseguiu criando boatos sobre a sua personalidade. Já era um artista mundialmente famoso e muito tímido, evitava dar entrevistas. O mistério em torno da figura de Michael Jackson permitia a criação de histórias fora do comum que abastecia a imprensa e chocava os fãs. O astro sempre foi fascinado pelo filme de 1980 O homem elefante, baseado na história verídica de John Merrick, um rapaz com anomalias genéticas que trabalhava num circo de aberrações. Michael que já havia visitado o esqueleto que era mantido numa vitrine na faculdade de medicina do hospital de Londres. Assombrado com o que viu, pediu a Dileo para fazer uma oferta nos restos mortais de John Merrick e divulgar a história que estaria interessado em ter em seu acervo particular os ossos do homem elefante. Não que ele quisesse verdadeiramente ter em seu poder os ossos de John, mas achou interessante divulgar a história.
No entanto, a notícia não foi bem recebida na mídia que passou a ridicularizá-lo. A imprensa britânica começou a chamá-lo de Wacko-Jacko, ou seja, Jacko doido. Já a revista Playboy escreveu zombando “Há rumores de que os descendentes do homem-elefante ofereceram dez mil dólares pelos restos do nariz de Michael Jackson” (TARABORRELLI, 2005, p.354).
De acordo com Taraborrelli, a partir desse episódio, os jornalistas começaram a criar as suas próprias histórias fictícias sobre o astro “histórias malucas sobre Michael venderam milhões de dólares” (TARABORRELLI, 2005,p.355). O cantor quase não dava entrevistas, e quando falava não se pronunciava sobre os boatos inventados pela mídia. A falta de respostas aumentava ainda mais a dúvida de quem realmente era o Michael Jackson e estimulava a criação de mais histórias fantásticas sobre o misterioso ídolo.
Muitos anos depois, em 1993, Michael Jackson desmentiu as histórias da câmara e da compra dos ossos do homem-elefante em uma entrevista a Oprah Winfrey.
No final das contas, a dura realidade talvez seja mais dolorosa que qualquer ficção maluca: Michael Jackson é responsável por sua própria imagem. Ao longo dos anos, ele abasteceu a mídia com montes de material e, em troca, a mídia o ajudou a conseguir o que uma vez ele disse ser seu objetivo final: transformar sua vida no “maior show do planeta” (TARABORRELLI, 2005, p.356)
Apesar do sucesso com a carreira solo, pressionado pela família, Michael Jackson saiu para uma série de shows com os irmãos. A turnê Victory arrastou multidões e as aparições do cantor eram espetáculos a parte.
Após o termino da turnê, Michael Jackson se envolveu no projeto We are the world. A canção composta em parceria com Lionel Ritchie e gravada por diversos cantores, teve a renda revertida à organização USA for Africa que trabalhava em combate a fome no continente. “Michael sempre foi solidário com a causa da fome, dos desabrigados e dos doentes, especialmente em se tratando de crianças”, escreveu Taraborrelli (2005, p.335).
Em 1987, é lançado o disco Bad. No videoclipe dirigido por Martin Scorcese, o cantor aparece como um chefe de brigões do gueto. Porém, mais claro, mais afeminado, vestindo uma roupa de couro cheia de fivelas, a imagem de Jackson não convencia os críticos de que poderia ser o líder mau de um grupo de durões do subúrbio. “A estréia do clipe provocou uma reação de sarcasmo. Emissoras de rádio e jornais fizeram concursos para ver que adivinhava quantas fivelas havia na roupa.” (TARABORRELLI, 2005, p.368).
A turnê Bad foi a primeira excurssão solo do cantor que viajou para 15 países batendo o recorde de público.
No ano seguinte, Jackson comprou o rancho que ele batizou de Neverland (Terra do nunca). A propriedade de 2,7 acres, comportava um zoológico, um cinema e umparque de diversões além da mansão do cantor. Era em Neverland que Michael recebia muitas crianças para passar o dia brincando e se divertindo. A maioria doentes graves e em estado terminal. Certa vez Frank Dileo declarou: “Ele não tem medo de olhar direto para o pior sofrimento e encontrar em meio ao terror algo positivo e belo por menos que seja” (TARABORRELLI, 2005, p.335)
A coroação como Rei do Pop aconteceu na premiação American Music Awards, quando sua amiga Elizabeth Taylor o proclamou rei durante o discurso: “ Ele é o único que pode receber o título de rei da música popular”. Imediatamente a platéia aprovou o título e a imprensa passou a chamá-lo como tal.
Com Elizabeth Taylor no dia em foi coroado Rei do Pop
Em 1993, veio à tona a notícia que mancharia a imagem de Michael Jackson para sempre. Conhecido por manter um discurso em proteção às crianças e viver rodeados pela presença delas, o cantor foi acusado de pedofilia numa ação movida pelo pai de Jordie Chandler, então com 13 anos. Segundo Taraborrelli o New York Post divulgou a seguinte manchete “Peter Pan ou Pervertido” junto com uma foto que o biógrafo considera horrorosa. (TARABORRELLI, 2005, p478)
Poucas vezes uma história no show business causou tanto alarde como o escândalo envolvendo Michael Jackson num caso de suposto abuso, com a imprensa mundial lançando manchetes ostensiva para insinuar energicamente que Michael era culpado, mesmo não tendo sido ainda acusado. Quando foram reveladas as declarações confidenciais de implicações sexuais que Jordie Chandler prestou as autoridades, toda objetividade sobre como a história deveria ser tratada pareceu ir por água abaixo. A imprensa tinha uma história supostamente repleta de conteúdo sexual e atividades ilegais envolvendo o maior pop star do mundo e um garoto de 13 anos. Parecia impossível que uma boa parte da mídia permanecesse objetiva. Michael certamente parecia ser culpado, pelo menos se as declarações de Jordie fossem passíveis de credibilidade. (TARABORRELLI, 2005, p.480)
Com Jordie Chandle
Em janeiro de 1994, segundo o biógrafo, Michael Jackson finalmente cede à extorsão e entra em acordo com a família de Jordie pagando aproximadamente 22 milhões de dólares para o arquivamento do processo.
Em maio de 1994 Michael Jackson voltou às manchetes dos tablóides ao anunciar o seu casamento com a filha do rei do rock, Elvis Presley, Lisa Marie Presley. O casamento que durou apenas dois anos gerou muita especulação na mídia.
Em 1995 em uma entrevista para Taraborrelli, Michael demonstra sua indignação ao perceber que sua palavra não tem mais tanta credibilidade que as histórias inventadas pelos jornalistas. O feitiço virou contra o feiticeiro? O cantor perdeu o controle sobre a verdade do que se falava sobre sua vida pessoal.
As pessoas acreditam em qualquer coisa sobre mim. Não ligo mais. É isso que você quer ouvir? Então tudo bem. Concluiu bravo comigo. De fato, por que simplesmente não dizer às pessoas que sou um alienígena de Marte? Diga a elas que como galinhas vivas e que faço danças de vudu à meia-noite. “Elas vão acreditar em qualquer coisa que você disser, porque você é jornalista”, concluiu ele como que cuspindo a palavra jornalista. “Mas se eu, Michael Jackson, disser: “Sou um Marciano, como galinhas vivas e faço vudu à meia-noite”, as pessoas comentariam: “Cara não se pode acreditar numa só palavra que sai da boca dele” (TARABORRELLI, 2005, p.540)
Em 2000 a canção You rock my world do disco Invencible vazou para as rádios ilegalmente e deixou Michael furioso. Ele havia escolhido outra faixa do álbum para ser a primeira música de trabalho. O cantor se negou a colaborar com a divulgação do novo disco o que desandou de vez a sua relação com a gravadora Sony, que já andava estremecida. A Sony então boicotou o álbum retirando-o das lojas três meses depois do lançamento.
Em 2001, dias antes dos atentados de 11 de setembro, Michael Jackson promoveu dois concertos com lotação esgotada no Madison Square Garden, em NY, em comemoração aos seus 30 anos de carreira. Depois de 20 anos, Michael se apresentou ao lado dos seus irmãos relembrando os maiores sucessos da carreira. Outras celebridades participaram do show cantando as músicas do pop star, como: Whitney Houston, Britney Spears, Liza Minelli, Justin Timberlake, Usher, Glória Stefan.
Em fevereiro de 2003 Michael Jackson aceitou receber em sua casa, em Neverland, o jornalista Martin Bashir, para a gravação do documentário Living with Michael Jackson (vivendo com Michael Jackson). De acordo com Taraborrelli, a exibição do documentário atraiu mais de 15 milhões de espectadores no Reino Unido em mais do que o dobro nos Estados Unidos. No documentário polêmico, Michael conta dos espancamentos cometidos pelo pai, fala sobre os filhos e divulga a cena em que o astro aparentemente atordoado balança o seu filho caçula, Prince Michael II, apelidado de Blanket, na janela de um hotel. Em outra cena Michael ao lado de um menor confessa que dorme com criança, porém sem o apelo sexual. A revelação gerou mais um escândalo na carreira de Michael, mesmo tentando passar pureza na relação com as crianças, sua credibilidade já estava arranhada, a declaração gerou polêmica e desencadeou mais um processo contra o astro. A família do garoto que aparece nas filmagens resolveu processá-lo também sob a acusação de abuso de menores, porém dessa vez de acordo com a nova legislação, o cantor teve que ser julgado. O astro foi algemado e preso. Após o pagamento da fiança respondeu o processo em liberdade. O rei do pop foi inocentado de todas as acusações por falta de provas.
Michael viveu recluso durante os anos que seguiram, aparecendo em raríssimas ocasiões para receber prêmios e homenagens. Varias coletâneas foram lançadas em homenagem ao cantor nesse período. Na tentativa de resgatar a visibilidade musical, em 2008 foi o relançamento em comemoração aos 25 anos do maior sucesso do astro, Thriller. O álbum trazia remixes e um vídeo com a lendária apresentação nos 25 anos da Motown.
Em 2009, quando se preparava para voltar aos palcos Michael Jackson, morreu aos 50 anos, em decorrência de uma parada cardíaca provocada pelo uso excessivo de um anestésico conhecido como Propofol. O médico particular de Michael, o Dr. Conrad Murray acusado de ministrar o medicamento no astro ainda será julgado.
5.1. Michael Jackson X Mídia: Uma relação de amor e ódio
Se celebridade é o maior produto da sociedade do espetáculo, o que dizer de Michael Jackson, a maior celebridade de todos os tempos? Durante as décadas de 80 o cantor chegou a seu auge, coroado e cultuado como o maior astro de todos os tempos, requisitado pela mídia, tudo que Michael fazia virava notícia. No fim dos anos 90 o começo do declínio na relação com a imprensa, as excentricidades, a primeira acusação de abuso sexual contra menores, a baixa venda de discos, as crises decorrentes do vício em remédios controlados, a mudança de cor, o afilamento do nariz e a união matrimonial com a herdeira do rei do rock, geraram matérias recheadas de suposições e piadas de duplo sentido. Nos anos 2000, mais uma acusação de pedofilia da qual foi inocentado, documentários polêmicos, o nascimento dos filhos e a reclusão do astro. A mídia se abasteceu de notícias sobre Michael Jackson. Cada passo do artista rendia pelo menos uma notinha. Cada vez mais sem credibilidade, o Rei do Pop passou os seus últimos anos de vida recluso, poucas aparições e sem lançamento de discos com músicas inéditas. No último ano Michael planejava retornar aos palcos. Faria 50 shows de despedida da carreira artista, mas não deu tempo. Michael agora voltava a ser o Rei.
Abaixo veremos algumas das notícias publicadas sobre essas etapas da vida do cantor. Analisaremos a visão da imprensa nacional através da revista Veja em relação a vida e a carreira do cantor.
5.2. O Auge
Quando criança, Michael Jackson era tratado pela mídia como o menino prodígio. Cantor talentoso e dançarino contagiante, o carismático líder dos Jackson Five encantava a todos em as suas poucas aparições na TV. Sua primeira participação na televisão foi no programa renomado The Ed Sullivan Show, em dezembro de 1969. Esse programa era muito popular nos Estados Unidos e famoso por receber as grandes estrelas da música. Nesse palco já haviam se apresentado Elvis Presley e os Beatles. Na ocasião, os meninos de Gary haviam conseguido emplacar o seu primeiro single “ I want you back” em primeiro lugar na Billboard. Em 1970 a Revista Veja, publicou uma nota sobre o grupo:
ABC - As primeiras - e surpreendentemente boas - notas dos cinco irmãos adolescentes do grupo americano Jackson Five: dos dez anos do mais jovem e líder, Michael Jackson, aos dezenove do mais velho Jackie, um vocal compacto e afinado no estilo negro, com ótima base rítmica e algumas invenções sonoras (alternância de vozes graves e agudas em I 'll Bet You), capazes de situar o conjunto num plano superior a alguns velhos e experientes rivais. (Revista Veja, Edição 106, 06 de setembro de 1970)
Com Ed Sullivan
Já adolescente em carreira solo a mídia acompanhava o amadurecimento profissional do cantor que agora se transformava em símbolo sexual e ídolo de histéricas adolescentes. O primeiro disco solo, agora em fase adulta adulto, Off The Wall foi considerado um dos melhores discos de 1979.
Off The Wall
Michael já era mania nos Estados Unidos desde os 11 anos, mas somente no álbum Thriller, veio a consagração mundial. Na revista Veja de janeiro de 1983, Okky de Souza, classificou o artista em sua coluna de música como “Fora do Padrão” e critica positivamente as soluções originais que tornaram o disco Thriller um sucesso. O cantor é tratado como inovador da música negra americana. “Michael combina o balanço negro da soul music com o rock, mas foge ao padrão utilizado por muitos ao incorporar experiências ousadas nos dois gêneros.” O colunista não economiza elogios ao jovem cantor “Um dos nomes mais brilhantes da nova música negra americana” e conclui: “Em Thriller, ele reafirma que o talento precoce lhe rendeu, em vez de problemas, uma sólida experiência” (Revista Veja, Edição 748, 5 de janeiro de1983).
No ano seguinte, a revista acredita que enfim surgiu um substituto aos Beatles. Já na manchete, a publicação chama atenção para as habilidades de Michael como dançarino e para até então, as 20 milhões de cópias vendidas. “A dança do furacão. Michael Jackson é o maior fenômeno musical desde os Beatles.” (Revista Veja, Edição 803, 25 de janeiro 1984)
Desde que os Beatles se dissolveram, em 1970, o mundo da música popular passou a conviver com uma inevitável pergunta: poderá alguém, algum dia, igualá-los em popularidade? A disputa por esse trono aparentemente inatingível - o do artista que agrada a todos e bate os próprios recordes - ganhou nos últimos meses seu mais sério pretendente até hoje. Em vez de cantar rock, como os Beatles, ele interpreta música negra americana. No palco, ele não apenas ginga com uma guitarra na mão - também dança e magnetiza a platéia ao primeiro gesto. Ele também não vem de Liverpool, mas de Gary, cidade encravada no estado americano de Indiana, onde nasceu há 25 anos. Michael Jackson - este é o seu nome - é o astro mais quente e cintilante entre todos os que habitam a música popular. Michael se tornou o músico mais popular do mundo por ser, efetivamente um artista extraordinário. Em cena, no palco ou em vídeos, suas interpretações são arrebatadoras como as dos grandes mestres do blues. Se a canção é uma balada, ele a interpreta com ar constrito, suas mãos tremem e o tenor de sua voz alcança falsetes perfeito como a nota aguda de um violino. Se a canção é um agitado funk, Jackson entra numa espécie de transe e se transforma num dos mais brilhantes bailarinos que a música popular já produziu. Com inesgotável energia, ele aplica os truques e meneios da dança jazzística e os combina com piruetas ritmadas, que o fazem movimentar cada centímetro do corpo. (RevistaVeja, Edição 803, 25 de janeiro de 1984)
O repórter anuncia com bastante expectativa, a estréia da turnê Victory, como a oportunidade de ver o artista de perto “Jackson não sai em turnê desde 1981, promete matar a saudade de seus admiradores com um grande espetáculo. Sem dúvida, novos recordes vem aí...”( Revista Veja , Edição 803, 25 de janeiro de 1984)
Turnê Victory
Em julho do mesmo ano, a revista publica a matéria “Michael , o magnético”, narrando as impressões do repórter sobre a estréia da turnê em Kansas City . Esse foi o primeiro show desde que Michael Jackson havia se tornado o músico mais bem pago do mundo. “Com uma larga influência sobre uma nova geração musical americana, tornou-se símbolo da cultura dos anos 80. Aos 25 anos de idade, ele poderia dar a sua vida e obra por completas” (Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de1984)
A matéria relata o entusiasmo da imprensa de Kansas City com a presença do show na cidade. “Este vai ser o acontecimento dos próximos dez anos”, disse o diretor de uma rádio local.
O show dos irmãos Jackson caiu nas graças da imprensa. Os veículos elogiavam a grandiosidade da apresentação e a desenvoltura de Michael no palco impressionava. “Victory é um espetáculo arrebatador, que oferece tudo o que o público pode esperar de um concerto de música negra, de um show de Michael Jackson ou de um espetáculo de demonstrações gigantescas” (Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de 1984).
A imprensa já considerava Michael Jackson pioneiro numa nova geração de artistas populares que surgiriam a partir dele. Um artista completo, que dança, canta e representa, um espetáculo vivo. Michael explorou todos os recursos que a televisão e o videotape poderiam oferecer. Ele sabia como envolver o telespectador.
Michael Jackson é o típico artista da era da televisão. Elvis , os Beatles e todos os grandes da música pop eram ouvidos e não vistos – exceto para aqueles que conseguiram ir a seus shows. Todo mundo , entretanto, já viu Michael Jackson pela televisão, juntando música e dança num conjunto hipnótico. Essa característica explica, em parte, por que ele é o primeiro grande ídolo de um novo veículo de comunicação: O videoclipe. (Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de 1984)
Capa da Revista Veja - Edição 828
Ainda na mesma reportagem publicada, já há rumores quanto a sexualidade do cantor. Michael ainda não tinha apresentado uma namorada para a imprensa e desconversava quando perguntado sobre o assunto. A personalidade misteriosa do astro já aguçava a curiosidade da mídia.
Tais especulações, ao mesmo tempo, despertaram desejos de proteção ao ídolo misterioso que não tem namorada, não come carne e dorme num colchão estendido no chão. Some-se a isso sua terrível timidez e um certo ar de bicho de pelúcia desamparado, e tem-se um personagem que qualquer criança desejaria para a sua prateleira.(Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de 1984)
Na matéria consta um depoimento do escritor Nelson George, “afinal, o que é super-homem, senão uma fantasia infantil de onipotência? As crianças sempre gostaram desse tipo de coisa” referindo-se a tanto a imagem refletida de Michael que representa o todo poderoso da cultura pop, quanto o fascínio que ele exercia sobre as pessoas, principalmente sobre o público infantil.
Ao comparar Michael Jackson com o super-homem podemos perceber claramente que a construção do mito herói já tomava forma, concluindo que a essa altura o cantor já havia conquistado o status mítico. Com a quebra dos recordes, com as poucas aparições, porém fantásticas, todo o mistério que o cercava e o poder em reunir multidões elevava a sua figura mítica a um outro patamar.( Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de 1984)
As danças surpreendentes de Michael se tornavam mania também no Brasil, a revista relata o surgimento de concursos de imitadores em pelo menos 5 programas de auditório. Nas ruas, os jovens imitavam o estilo de se vestir, o corte de cabelo, os passos de dança e os gestos. A luva branca, marca registrada do astro, já era moda entre os dançarinos de break que começavam a surgir nas ruas de São Paulo.
Dançarinos de Break no Brasil (Revista Veja)
Porém em tudo foi formidável na turnê Victory. Fãs acusavam os promotores dos shows da família Jackson de tirar vantagens financeiras na venda dos ingressos. Depois de ler uma carta escrita por uma fã de 11 anos publicada em um jornal do Texas que dizia: “Michael, como você pode ser tão egoísta?”, o artista resolver doar todo o dinheiro referente a sua participação no show para instituições de caridade. A ação reforço a idéia de heroísmo vinculada ao cantor. Jogada de marketing ou pura bondade? O que se sabe é que Michael já estava muito rico com as vendas espetaculares de Thriller e que foi a contragosto participar do show em prol dos seus irmãos. Sabe-se também que Michael era verdadeiramente envolvido em causas humanitárias e defensor das crianças. Tendo em vista o sucesso da turnê, sabe-se que uma quantia significativa foi doada a organizações beneficentes. A ação eximiu Michael de qualquer culpa no incidente com os ingressos e mostrou seu descontentamento com a organização da excursão.
As narrativas da imprensa exaltavam a presença do artista, ver Michael se apresentar era mais importante que qualquer efeito especial de última geração. Acompanhe a narrativa da repórter:
Cercado por cinco descomunais monstros intergalácticos, o cavaleiro de roupas prateadas enfrenta uma batalha de vida ou morte. Subitamente ele cai ao chão, mas quando está prestes a ser devorado, reage com uma espada de raios laser. Em minutos os monstros dominados e o cavaleiro, do alto de uma montanha, ergue os braços e emite seu brado de vitória: "Bem-vindos à terra do império". Para as 45 000 pessoas que assistiram a essa cena no imenso palco de oito andares montado no estádio Arrowhead de Kansas City, um das principais cidades da região mais central dos Estados Unidos, no último dia 6, nem os monstros nem os efeitos de raios laser causaram tanta emoção quanto um pequeno detalhe da cena: a luva branca que o cavaleiro usava em uma das mãos. Pois quem estava ali, em carne e osso, era Michael Jackson – e, quando a pequena luva cintilou sob as centenas de refletores, a multidão, eletrizada, abandonou-se ao delírio. (Revista Veja, Edição 828, 18 de julho de 1984)
No texto pudemos perceber a influência dos símbolos incorporados a imagem do astro. A simples presença da luva branca em cena, já era o suficiente para o seu reconhecimento. De tantos símbolos cheios de significados envoltos na construção da imagem do ídolo Michael Jackson, a imagem da tal luva branca se faz talvez a mais importante e significativa na imagem midiatizada do cantor.
5.3. Cercado de mistérios, Michael é um show de excentricidades
Michael Jackson finalmente tinha alcançado o auge. O queridinho da imprensa, além de artista “brilhante” era também um fenômeno de vendas. Em outra matéria com o Título de “Michael Jackson S.A.”, o cantor é aclamado como o Midas do show business. Além de enaltecer as qualidades artísticas do cantor, a revista explora o poder comercial que a marca Michael Jackson havia alcançado. “Michael Jackson converte em ouro tudo o que toca, assim como Midas. Não há nada hoje e no mundo da música e dos espetáculos que se compare a Michael Jackson.” (Revista Veja, Edição 808, 29 de fevereiro de1984). A excelente aceitação da imprensa e a influência que Michael Jackson causava no público era refletida nas vendas do produto que levava o nome do cantor. A Michaelmania gerava excelente retorno financeiro a tudo que sua imagem ou nome era agregado. O astro agora, também era imbatível nos negócios
Após a divulgação da foto em que Michael Jackson era levado para a ambulância após o acidente na gravação do comercial da Pepsi, a imprensa americana começou a divulgar boatos que o astro havia perdido os cabelos. Ao comparecer acompanhado da atriz Brooke Shields na festa promovida em comemoração aos 25 milhões de cópias vendidas do álbum Thriller, a revista Veja publicou
O cantor de maior sucesso da atualidade o americano Michael Jackson, 25 anos, resolveu acabar de vez com os rumores de que teria ficado seriamente marcado pelo acidente que sofreu há três semanas, durante a gravação de um comercial, quando as fagulhas de uma bomba de efeitos especiais provocaram um pequeno incêndio em seus cabelos. Na semana passada, ele tranqüilizou seus milhões de fãs ao comparecer acompanhado da modelo Brooke Shields, à festa que sua gravadora, a CBS, realizou para comemorar os 25 milhões de cópias vendidas do seu último LP, Thriller. Jackson ao contrário do que se comentava não está praticamente careca, mas somente com alguns cachos dos seus cabelos chamuscados. E, no rosto, ostenta apenas algumas manchas de queimaduras. (Revista Veja, Edição 806, 15 de fevereiro de 1984)
Com Brooke e Shields festa da CBS
Em 1986 a mídia já começou a tratar Michael como uma celebridade de comportamento estranho. Milionário e bem sucedido, vivia recluso com seus animais de estimação exóticos e pouco falava a imprensa. “Estrela Muda da Pespi”, assim foi chamado pela Veja após sussurrar poucas palavras na coletiva de imprensa sobre a renovação do seu contrato milionário. “Para os jornalistas, a performance de Jackson foi simplesmente calamitosa. Ele balbuciou catorze minguadas palavras e se retirou”. (Veja 923, 14 de maio de1986)
Quando a história da câmara hiperbárica surgiu a Veja o escolheu como uma das imagens que marcaram o ano de 1986 e junto com a foto se escreveu: “Num ano em que sua música se eclipsou, brilho o lado excêntrico de Michael Jackson. Ele dormiu em uma câmara de oxigênio pressurizada, terapia que visa estender sua vida a 150 anos (Revista Veja, Edição 956, 31 de dezembro de 1986).
Clipe Bad
Na matéria A peso de Ouro (Revista Veja, Edição 992, 31 de dezembro 1987) a publicação revista descreve toda a operação publicitária envolvendo a divulgação do novo disco do astro, Bad. “A mais gigantesca campanha promocional já feita por um artista” mostra o lado megalomaníaco de Michael Jackson, tudo para ele tinham proporções enormes, assim como o título de astro, gênio, ícone, fenômeno..., seus shows e suas campanhas deveriam se enquadrar no mesmo julgamento. No Brasil, a campanha promoveu uma festa para radialistas, jornalistas e socialites que distribuíram 5 mil kits, que continham além do LP de lançamento, brindes com a marca do artista, sem contar com os 300 outdoors espalhados pelas capitais do país para a imprensa, Michael já se mostrava paranóico e ambíguo.
Na estréia da turnê do disco Bad a revista People publicou uma reportagem de capa sobre Michael com o título “Michael Jackson, ele é negro. Ele é mau (bad). Pode haver cara mais esquisito”. (TARABORRELLI, 2005, p.365). O biografo acredita que essa manchete seria ainda conseqüência da história com o homem-elefante. Conforme citei na primeira parte do capítulo. No material de divulgação Michael apareceu com uma imagem bem diferente da que a imprensa havia se acostumado a vê-lo, mais maquiado, embranquecido e como trejeitos cada vez mais femininos, definitivamente não convenceu no papel de homem mau. Ainda de acordo com Taraborrelli, Michael começou a se preocupar com a publicidade negativa em torno da sua imagem, pois a chacota da mídia já estava começando a atrapalhar a divulgação da turnê. As piadas em torno da aparência se tornaram freqüentes, porém o artista ainda estava em alta no mercado das celebridades.
Na ocasião do fechamento do contrato bilionário com a Sony a imprensa noticiou: “contrato de feições espetaculares com a Sony, o maior contrato já firmado com um artista.” (Revista Veja, Edição 1175, 27 de março de 1991). Apesar de todo o burburinho em torno das mudanças físicas e do fracasso do Vídeo Moonwalker, Michael conseguiu fechar um contrato inédito. O cantor já era considerado pela revista Forbes o artista mais rico dos Estados Unidos. Alguns empresários acharam o negócio arriscado por acreditar que o auge de Michael já havia passado, porém a Sony ainda acreditava que “Michael Jackson era a maior máquina de produzir dinheiro da história do showbiz.”
5.4. A imagem mais importante que a arte
Na divulgação do clipe Black or White, do álbum Dangerous, Michael Jackson surgiu apareceu diante do público totalmente branco. A perda da referência do público que acompanhou a carreira do garotinho branco também intriga a mídia que se pergunta como ele conseguiu radicalmente mudar de cor. A imprensa começa uma busca incessante por uma explicação. Teria Michael Jackson mudado de cor por não gostar da sua raça? Seria conseqüência de uma doença ou mais uma excentricidade do ídolo? Várias de teorias foram tecidas e milhares de jornais vendidos.
Black or White
Em Black or White, Michael dizia: “Eu já vi o brilhante ficar mais opaco, eu não vou passar minha vida sendo uma cor, se você está pensando em ser meu irmão, não importa se você é preto ou branco” já se antecipando aos comentários da mídia sobre a sua nova tonalidade. Midiaticamente falando, o que importa é que o clipe chocou e rendeu muitos comentário e notas na imprensa. O novo tom de pele, os fantásticos efeitos especiais até então inéditos, e até dança gerou polêmica. No vídeo, Michael executa uma coreografia solitária quebrando carros e vidraças. Acontece que o clipe foi censurado em alguns países por ser considerado muito violento Até a famosa dança com a mão na virilha foi considerada erótica demais para as famílias conservadoras. O artista prontamente se desculpou e retirou o trecho controverso de exibição. Para entender a proporção que a polêmica tomou, devo lembrar que a estréia dos videoclipes de Michael Jackson eram exibidos simultaneamente em vários canais e em diversos países que aguardavam ansiosos para mais uma novidade do astro. A mídia se manifestou de várias formas. No Brasil, o fantástico reproduziu os efeitos da mutação dos rostos exibidos no clipe. A Veja, preferiu comparar a transformação do astro em pantera com a personagem que se transformava em onça da novela Pantanal, de grande sucesso na época no Brasil, com o título : “Michael Marruá."
O mega cantor, Michael Jackson, 32 anos, já teve a pele negra – mas graças a uma dessas alquimias da indústria fonográfica, a cor foi se esvaindo a medida que seu sucesso crescia. Na campanha de lançamento de seu novo disco, o pálido Michael resolveu fazer outra mudança radical no visual cada vez mais replicante. Seu novo rosto é o de uma pantera, algo parecido com a Juma Marruá do Pantanal” (Revista Veja, Edição 1209, 20 de novembro de 1991).
Em outra matéria, o colunista escreve; “O homem que virou pasta”. “Michael Jackson é uma grande embalagem”. Segundo o crítico que não assina a matéria, depois das grandiosas ações promocionais e da espera de 4 anos por um álbum inédito, Dangerous não superou as expectativas, “”o disco e o clipe decepcionaram. O repórter começa a matéria: “Michael Jackson virou pasta de dente”. Além do estranho braqueamento do astro o jornalista acusa Michael de ter feito um disco meramente comercial, apenas voltado ao lucro sem nada de talentosos ou significativo para a música.“No caso de Jackson, porém o clipe e o disco apenas sinalizam que o músico de talento se tornou um produto de supermercado”( Revista Veja, Edição 1210, 7 de novembro de 1991). O fato é que a nova cor do astro gerou mais burburinho que a própria obra. A imprensa se voltou na tentativa de desqualificar o astro apenas pela sua aparência.
Exemplo disso foi a foto tirada por Ken Lennox e publicada no Daily Mirror, com a seguinte manchete: “Este é o verdadeiro Michael Jackson”. O fotógrafo clicou o cantor com um zoom potente durante uma das apresentações da turnê Dangerous. A imagem assustou e gerou polêmica conforme a Veja relatou em julho de 1992, na matéria intitulada Filme Queimado: “É uma imagem desfigurada: Boca repuxada, cicatrizes visíveis entre as pálpebras e um inexplicável orifício de 3 milímetros de diâmetro sobre a aba esquerda do nariz” O astro ficou indignado com a publicação e abriu um processo contra o tablóide alegando manipulação de imagem. Apesar de considerar um dos shows mais espetaculares da história da musica pop, a revista critica a atitude de Michael em processar o tablóide inglês que publicou a fotografia tirada num péssimo ângulo. Essa reportagem já mostra a tendência ao sensacionalismo e a invasão da privacidade do popstar. Especulações sobre as plásticas aparecem num grau de importância muito maior que a qualidade artística. (Edição 1246, 05 de julho de 1992)
Foto tirada por Ken Lennox
No mesmo ano o cantor passa por apuros no palco, que levantou mais suspeitas sobre seus hábitos de vida. A revista Veja publica que Michael Jackson um cancelou um espetáculo em Londres por conta de uma “forte gripe”, assim mesmo, entre aspas. A matéria ainda afirma que o astro desmaiou três vezes no palco durante a última apresentação. Mas a gravadora Sony tratou de desmentir, afirmando que os desmaios foram apenas uma brincadeira do cantor com a sua própria doença. A tentativa desesperada da gravadora em desviar a atenção da imprensa sobre os desmaios do cantor acabou gerando mais desconfiança e impulsionando a mídia a investigar cada vez mais a vida do popstar. ( Edição 1247, 12 de julho de 1992)
Durante a turnê do disco Dangerous, eis que surge o primeiro grande escândalo na vida de Michael Jackson, a acusação de abuso sexual contra um dos meninos que andavam para todos os lados acompanhando o astro. “Mau ou perigoso?” Dizia a manchete da revista Veja fazendo alusão aos dois últimos álbuns do cantor, Bad e Dangerous. A denúncia arranhava toda a imagem positiva que Michael Jackson havia conquistado. Era o maior escândalo de todos os tempos da maior celebridade de todos os tempos. Tudo o que o astro pregava caiu por terra. Há um tempo a imprensa já estranhava a relação do astro que vivia rodeado de crianças. Michael passava horas brincando com elas como se tivesse a mesma idade. A infantilidade do superstar até então fazia parte de mais uma das suas excentricidades. Mas quando surgiu a denúncia, toda a pureza deu lugar a suposta monstruosidade. Apesar de Michael Jackson jurar inocência os tablóide se aproveitaram da aparência estranha do cantor e levantavam suspeitas a fim de provar que o menino estava dizendo a verdade. A revista Veja faz uma observação sobre a aparência do cantor e seus hábitos estranhos.
Michael Jackson é também uma criatura muito estranha, o efebo pálido coberto de cremes e cirurgias plásticas, com uma história familiar tumultuada e uma vida afetiva supostamente inexistente que encaixa como uma luva coberta de pedrarias a sua imagem de andrógeno assexuado. (Revista Veja, Edição 1303, 01 de novembro de 1993)
Com as palavras usadas pela própria revista, Michael Jackson começava a deixar de ser o bailarino estupendo, o mago de Thriller e Bad, o benfeitor de crianças e se tornava um pedófilo, escondido atrás da personalidade incomum do astro. Em outra edição a Veja usa o trocadilho: “Superastro em maus lençóis”.( Edição 1304, 8 de setembro de 1993)
O escândalo servia para a mídia sensacionalista como uma explicação “razoável” para a relação que o cantor tinha com os meninos que o cercava. Michael jamais havia aparecido com uma namorada oficialmente, não se declarava homossexual ou heterossexual, o que todo mundo via era um homem nos seus trinta e poucos anos solitário, misterioso, inseguro e infantilóide contrariando a imagem de poderoso, forte e seguro que exprimia nos palcos. Onde estava o ás dos negócios? Onde estava o gênio musical?
Enquanto a mídia mudo afora explora a acusação de abuso sexual, a revista Veja divulga a vinda do astro ao Brasil numa capa compartilhada com a Madonna. A chegada do astro ao Brasil, colocará o país na rota dos grandes shows, a revista exalta o rei:
No momento em que Michael Jackson chegar ao centro do palco, o Brasil estará ingressando no mundo desenvolvido da música popular nacional. Não é Frank Sinatra de peruca com retalhos de sua voz maravilhosa no Maracanã. Também não é Paul McCartney, gorducho, cabelos embranquecendo, em companhia da patroa milionária em vez de John, George e Ringo. É Michael Jackson em grande forma. (Revista Veja, Edição 1308, 6 de outubro de 1993).
Capa Revista Veja - Edição 1308
Talvez para não desagradar os patrocinadores, ou por ser uma denúncia ainda muito recente, a revista preferiu exaltar as qualidades do popstar e seu grande show. “É um mega espetáculo, com cenários mirabolantes, truques mágicos de primeira, efeitos especiais tão bons que o palco fica parecido com uma tela de cinema e as coreografias têm o profissionalismo da Broadway.( Revista Veja, Edição 1308, 6 de outubro de 1993)
Em outra matéria na mesma revista, a repórter Virginie Leite, reforça que é uma oportunidade de ver um videoclipe ao vivo. Também conta como foi o show em outras cidades e a manobra publicitária aplicadas por Michael e sua equipe para vender mais ingressos. Para manter os shows sempre lotados, segundo a repórter, o astro sempre dá um jeito de fazer um passeio surpresa pela cidade do show.
Quando desembarca num local e descobre que a sobra de ingressos é grande, Michael Jackson arruma um jeito de fazer um passeio surpresa para causar sensação e atrair a curiosidade dos menos interessados. Em Jerusalém, esteve no muro das lamentações. Em Moscou, andou pela praça vermelha. Em Cingapura, confraternizou com soldados do exército. "É tiro e queda", observa uma produtora. "Até a hora do show, os últimos ingressos já foram vendidos.( Revista Veja, Edição 1308, 6 de outubro de 1993)
De acordo com a repórter, pelo menos no show que ela cobriu em Tenerife as acusações do abuso sexual "não diminuíram o tom familiar do espetáculo" (Revista Veja, Edição 1308, 6 de outubro de 1993).
Depois das duas apresentações no Brasil a Veja escreveu: “O rei esteve aqui.” Virginie Leite, escreveu: “Michael Jackson, é mesmo um terremoto, no palco e fora dele.” Na reportagem Virginie conta como o show levou o público ao delírio. Mas a vinda de Michael ao Brasil não foi só alegria, em um daqueles passeios programados para liquidar 22 mil ingressos ainda não vendidos, sua comitiva atropelou um casal de irmãos na saída da visita a uma fábrica de brinquedos. A comitiva fugiu sem prestar socorro, porém, no dia seguinte a aparição surpresa de Michael durante a visita ao garoto ferido causou alvoroço no hospital e na mídia. (Revista Veja, Edição 1310, 20 de novembro de 1993)
Em novembro Michael desaparece de sem deixar pistas. Na coluna Sociedade, a Veja publicou: Onde está Michael? Depois do escândalo do abuso sexual, a Pepsi rescindiu o contrato milionário de tantos anos. Alegando precisar de um tratamento para dependência de remédios, o cantor cancelou a turnê e sumiu. Aproveitando da situação em busca de visibilidade, a irmã do astro, a nada confiável La Toya Jackson vai a TV contar que acha que o irmão é culpado. Michael não estava mesmo em um bom período, o herói estava se tornando o vilão, ou seja, o anti-herói, que usa dos seus poderes em seu próprio favor.
5.5. Começa agora o Reality Show
Michael Jackson perdeu a credibilidade perante a imprensa. Alguns veículos internacionais já o davam como condenado se baseando apenas nos hábitos curiosos de vida do cantor. Mesmo com o sucesso da turnê Dangerous, Michael já não era o astro de antes perante a mídia. Seu nome que antes era sinônimo de sucesso, brilhantismo e genialidade, se transformou em sinônimo de maluquice, bizarrice e pedofilia. As piadas eram constantes e a curiosidade da imprensa aumentava. Repórter afoitos em buscas de um furo espetacular. Relatos chocantes, testemunhas fotos, qualquer coisa que provasse que Michael Jackson usava do seu prestígio de astro para seduzir crianças indefesas. Tudo de mais podre e sórdido era publicado, qualquer fonte validava a publicação, a única versão que não tinha credibilidade era a do próprio Michael Jackson. Os sensacionalistas buscavam provas que condenassem o cantor. O sumiço de Michael aumentava os rumores de sua culpa e a imprensa não se importava em levantar essas questões. Para completar o circo de suposições em fevereiro de 94, segundo a Veja, o astro chegou a um acordo financeiro fora dos tribunais com a família do garoto. E o assunto foi teoricamente encerrado. Para a imprensa a atitude do astro era mais uma pista de que poderia haver uma culpa. O episódio já havia se tornado piada em qualquer tipo de assunto que se falava em Michael Jackson.
Meses depois, rumores davam conta do casamento mais surreal da história da música: a filha do rei do rock, Elvis Presley, Lisa Marie Presley, casa-se com o rei do pop, as escondidas. O casal veio a público confirmar o matrimônio e a Veja comentou na matéria “O circo das aparências”, “É um casamento estranho.” Já no título a revista supõe que o casal forjou o casamento para calar a imprensa que ainda comentava sobre o acordo milionário que Michael fez com a família do garoto e fecha assim: “Pode ser pra valer. De qualquer forma é muito conveniente”. (Revista Veja, Edição 1352, 10 de outubro de 1994)
Com Lisa Marie Presley
O casamento gerou mais especulações do que ajudou a melhorar a imagem do ídolo pop, várias teorias foram lançadas a fim de explicar a união. Segundo a mesma publicação uns acham que foi estratégia para limpar o nome de Michael como homossexual pedófilo , outros acham que é mais uma trama da cientologia pra cativar mais um adepto famoso e finaliza com a pergunta que todos a imprensa questionam: "o que ninguém explica é porque uma jovem bonita e rica e nascida em berço de ouro do rock escolheu para marido um rapaz que usa mais maquiagem do que ela.” (Revista Veja, 1353, 17 de agosto de 1994) O casal foi a televisão defender o seu relacionamento e tentar passar que a relação dos dois, era como a de um casal normal. Porém o casamento não durou mais que dois anos.
Michael passou a estampar matérias sobre os excessos cometidos em cirurgias plásticas e principalmente sobre o abuso de crianças. A visão sobre o artista era outra, agora o cantor usava seu pode de popstar pra seduzir menores em busca de satisfazer seus desejos. A imagem de anti-herói estava feita. O estranho solitário, enfim estava em constante declínio. O fracassado, crucificado pela mídia apenas por não conseguir quebrar os seus próprios recordes. A imprensa deixou de lado todos os feitos do astro, as criações musicais, a dança energizante, o pioneiro que abriu caminho para que outras estrelas pudessem brilhar, o campeão de vendas, o colecionador de prêmios, o caridoso que pregava a paz e a proteção a natureza. O foco agora era somente um: destronar o rei, ridicularizando sua aparência, sua sexualidade e a sua relação com crianças. Totalmente desacreditado, Michael não era mais o ídolo das massas, era ídolo de poucos corajosos que ousavam defendê-lo.
Enquanto Michael gravava mais um álbum, anunciava a chegada do seu primeiro filho, fruto do relacionamento com a sua antiga e sem graça enfermeira. Sabe-se lá as razões do astro, mas ele queria provar a imprensa que a relação era autêntica, em mais uma tentativa frustrada de dar satisfações sobre sua vida particular para evitar especulações. A vida de Debbie Rowe foi imediatamente revirada em busca de uma testemunha que provasse que a relação amorosa entre ela e o astro era uma farsa. A imprensa afirmava, como afirma até hoje que os filhos não são geneticamente de Michael e sim frutos de uma doação de esperma. A vida privada do astro é cada vez mais invadida e remexida. Nem o filho que estava ainda no ventre escapa das piadas dos jornalistas.
O rebento deve vir ao mundo em fevereiro junto com o mais novo clipe do cantor Ghosts em que Michael se transforma em mais de um bicho papão contrariando os princípios da moderna psicologia infantil. Ambos esperam que o menino nasça com a cara do pai- embora a medicina ainda não seja capaz de realizar cirurgias plásticas em fetos. (Revista Veja, Edição 1470, 13 de novembro de 1996)
Com Debbie Rowe
Na tentativa de recuperar a sua boa imagem, Michael Jackson topou passar algumas semanas sendo filmado pelo jornalista Martin Bashir. A intenção desmistificar a impressão errônea que a mídia tinha sobre a sua vida particular. O reality show, comandado por Bashir acabou pro afundar de vez com a reputação do astro. As imagens exibidas mostram um homem desequilibrado e fora da realidade. A Veja disse: “Ele é o que parece. Com o prestígio em baixa, o alvejado , recertado e abilolado cantor Michael Jackson, 44 anos, quis melhorar a imagem. Fez o quê? Chamou Martin Bashir.”(Revista Veja, Edição 1779,12 de fevereiro de 2003) O documentário mostrou uma seqüência de atitudes desastrosas para a imagem do astro. O ápice foi a confissão do popstar que admitiu que gostava de compartilhar a cama com garotos por acreditar que o gesto era um ato de amor. A declaração caiu como uma bomba para a imprensa e serviu para “confirmar” as suspeitas que Michael realmente tinha problemas com meninos. O cantor ficou indignado com a representação de si mesmo exibida no vídeo e já previa os estragos que a filmagem de Bashir traria para a sua carreira. Na verdade, Bashir procurava provas de que o astro era um cara estranho e Michael forneceu o material que ele precisava. Dias depois da exibição do documentário, uma das crianças que aparece de mãos dadas no vídeo também o denuncia por pedofilia. Foi a última pá de cal para a reputação midiática de Michael Jackson.
Com "Blanket" no documentário "Living with Michael Jackson"
Assistindo o tal documentário, podemos ver atos desesperados de um astro querendo retomar a sua antiga posição. Como em qualquer reality show, as imagens e cenas são editadas conforme o gosto do diretor e visando agradar a audiência. Por que não mostrar ao público o que realmente ele queria ver? De fato Michael Jackson levava uma vida incomum. Milionário, poderoso, excêntrico. Tudo que queria ter, comprava. Simples assim. Para nós mortais, não é tão fácil adquirir o que queremos com tanta rapidez. No documentário de Bashir, o cantor chegou a gastar 6 milhões em um dia num antiquário comprando quinquilharias sem ao menos perguntar o preço. Hoje, é sabido que no dia seguinte, mandou devolver todos os produtos. Talvez o astro quisesse mostrar que ainda tinha poder fazendo essas compras desenfreadas, mas pesou a mão. O desequilíbrio talvez seja pela ansiedade em mostrar no documentário ser alguém que realmente ele não era, um cara comum. Ele era extravagante e ponto. Michael gostava dos holofotes voltados para ele, gostava de ter das reações histéricas do publico, queria voltar a ser amado, venerado.
Com Gavin Avizo
A relação com as crianças era um assunto delicado. Michael gostava de conviver com elas. Certa vez, em um dos poucos depoimentos que deu a imprensa, o cantor declarou que se sentir a vontade na presença dos pequenos, pois eles não deixavam de ser o que eram por estar diante de uma celebridade do nível de Michael Jackson. No isolamento do astro, a vida paranóica só o permitia esse tipo de convívio. Para o cantor era super normal aos 44 anos rolar no gramado e fazer guerras de bexiga d’água. Ele vivia num mundo de fantasias. O que para ele era uma relação inocente, para o resto do mundo não puro assim. As declarações que dormia com crianças foram fortes demais para quem não vivia as ilusões da sua realidade. Nessa altura vendia mais a imagem do pervertido sexual do que a imagem do garoto que se recusa a crescer.
Com as crianças em Neverland
Como tudo na vida de Michael, o julgamento foi um show a parte. Mesmo sabendo que a mãe do menino era famosa por aplicar golpes de extorsão, a imprensa sensacionalista sonegava o fato e dava voz somente aos depoimentos chocantes muito bem ensaiado do menino. O circo de horrores estava armado. Michael foi algemado e preso. As imagens do pop star nessas condições foram massacradas na TV. Michael pagou a fiança e respondeu o longo processo em liberdade. Ao mesmo tempo corriam boatos que Michael fazia feitiçaria contra seus desafetos. Toda a personalidade artística do ex-menino prodígio havia sido tragada pela personalidade polêmica, escândalos, dívidas e bizarrices.
Algemado e preso
A chamada na capa da Veja (Edição 1793, 12/03/2003) anunciava: “A demência de um astro”. Na matéria interna, a revista o tratava como um ser de outro planeta, Marcelo Marthé inicia a matéria que conta fatos estranhos que marcaram a carreira do cantor com o seguinte texto:
É triste a constatação, mas a lista de fatos bizarros em torno do cantor Michael Jackson não para de crescer. Na semana passada a Vanity Fair que trouxe a tona revelações estarrecedoras. Uma delas diz que o astro, depois de inúmeras cirurgias plásticas que destruíram a cartilagem do nariz, e precisa recorrer a uma prótese para circular me público. A história mais espantosa, no entanto, fala do envolvimento de Jackson com o vodu. Sim, você leu certo: vodu. (Revista Veja, 13 de março de 2003)
Chegada a uma das seções do julgamento
Na edição de novembro do mesmo ano a matéria intitulada “A história de um anjo decaído”, conta todas as façanhas do astro até a segunda acusação de pedofilia e mostra através de um gráfico, a queda gradativa nas vendas de seus álbuns.
Michael Jackson é o rei do pop, o cantor que vendeu 210 milhões de discos e faturou 1 bilhão de dólares em 3 décadas de carreira, mais que qualquer outro artista em atividade. Esses títulos só fazem sentido quando se olha para o passado. Michael Jackson que era um bailarino esplêndido, um astro que marcou uma época, tornou-se um anjo decaído. Na tarde de quinta-feira passada conduzido a uma delegacia de polícia com as mãos algemadas às costas, Michael, aos 45 anos, era apenas uma figura melancólica, contra a qual pesam acusações revoltantes de pedofilia. (Revista Veja, Edição 1830, 26 de novembro de 2003)
E conclui:
Nos anos 80, as esquisitices de Michael, funcionavam como estratégia de marketing, porque na época fazia boas músicas. O disco Thriller vendeu 50 milhões de cópias, recorde ainda imbatível no mundo da música. Nos anos 90, no entanto, a criatividade artística acabou, e ficaram só as bizarrices, que deixaram de ser engraçadas quando surgiram as primeiras acusações de pedofilia. (Revista Veja, Edição 1830 de 26 de novembro de 2003)
Esse trecho resume bem o que aconteceu na imagem midiática de Michael Jackson, todo o declínio de um astro mundialmente conhecido. O julgamento durou quatro meses, com direito a grupos de manifestantes em frente ao tribunal A televisão americana proibida de filmar o julgamento, criou um programa onde reproduzia tudo aquilo que acontecia no tribunal, com a ajuda de um sósia e com comentários de especialistas. Michael foi obrigado a comparecer a todas as seções, e cada aparição era um show a parte. Um dia acenava para os fãs, no outro era carregado por seguranças. Depois de ter a vida devastada pela imprensa e pela polícia, Michael é inocentado de todas as acusações. Do lado de fora, uma senhora solta uma pomba branca, enquanto um grupo de pessoas grita em comemoração. No dia seguinte todos os veículos publicam timidamente a sentença.
Após ser inocentado de todas as acusações
A coluna sobe e desce, da Veja (Edição 1910, 22 de março de 2005) colocou Michael Jackson finalmente na coluna Sobe: “O cantor foi inocentado das dez acusações relacionadas ao abuso sexual depois de um espetaculoso julgamento de quatro meses. Em outra matéria na mesma publicação, o título: “Absolvido, mas enrascado”, Sergio Martins fala da nova missão do cantor após o julgamento: “O cantor sabe que tem outra missão espinhosa pela frente: tirar sua carreira da lama. Há muito tempo Jackson deixou de fazer parte do epítelo de “Rei do Pop.” O jornalista transcreveu a declaração de um veterano advogado da indústria musical de New York Times, que não acredita que o cantor conseguirá recuperar seu prestígio, Londell McMillan disse: “É uma batalha árdua culturalmente, ele jamais voltará a ser o Michael Jackson que um dia conhecemos”.
McMillan em parte tinha razão, apesar da absolvição Michael Jackson ficou marcado para sempre. Pelo menos até os dias que esteve vivo. Em 2009, Michael voltaria aos palcos numa turnê de 50 shows em Londres. A volta aos palcos gerou uma grande expectativa nos fãs e a descrença da mídia. Michael morreu antes dias antes da estréia.
5.6. A volta por cima – A consagração do Mito
Uma semana após a morte de Michael Jackson, a Revista Veja dedicou a capa da publicação ao astro. Estampado no fundo preto, apenas a luva branca reluzente com um bracelete de brilhantes e a manchete: “Michael Jackson 1958-2009”. A revista não foi totalmente dedicada astro, contudo a capa já prova que o assunto foi o mais importante daquela semana. No índice, encontramos a chamada: “O Gênio do Pop” (Revista Veja, Edição 2119, 1 de julho de 2009), convidando o leitor a acompanhar o especial com os melhores momentos da carreira do cantor na versão da revista online. A acusação de pedofilia nem foi citada, trocada pelos termos “escândalos e excentricidade”, muito vagos para o que anteriormente era a chamada principal. Seu prestígio como artista autêntico estava de volta. No miolo, a reportagem intitulada “Uma lenda envolta em mistério, dentro de um enigma”, escrita por Sérgio Martins mostra que Michael Jackson transcendeu a sua importância para a música, contribuindo através dela, com a evolução de uma sociedade, utilizando sua arte contra a segregação racial nos Estados Unidos.
A música popular America deu origem a três ídolos incontestáveis no século passado. Frank Sinatra foi... Frank Sinatra. Elvis Presley foi a cintura e o topete do rock. Michael Jackson, o terceiro, inventou a música pop - e não há exagero nessa afirmação. Ele derrubou uma das últimas barreiras que restavam entre os brancos e negros dos Estados Unidos, desde o movimento dos direitos civis nos anos 60. Em vez de música para brancos e música para negros agora havia uma fusão revolucionária de duas tradições. Jackson elevou formas de dança das ruas à categoria de arte. Assombrou com o seu estilo extravagante de se vestir, que definia, afinal, o que é um ícone pop: alguém que vive em um mundo em que as únicas regras a seguir são as próprias regras. Vendeu 750 milhões de discos, 100 milhões deles de Thriller, o álbum de maior sucesso da história da discografia mundial. Na quinta-feira passada, Michael Jackson morreu, aos 50 anos, depois que seu médico e os paramédicos de Los Angeles falharam em ressuscitá-lo de uma parada cardíaca. Estava longe dos palcos havia anos. Era visto como a personificação das deformações que a fama é capaz de imprimir, até mesmo fisicamente, em quem vive dela. Numa paráfrase da frase célebre de Winston Churchill, Jackson continuará sendo uma lenda envolta em mistério, dentro de um enigma. No momento de sua morte, contudo, voltou a ser o que foi na maior parte da vida: um ícone. (Revista Veja, 2119, 1 de julho de 2009)
Capa Revista Veja - Edição 2119
A matéria conta como foram os últimos momentos de vida do cantor, a comoção dos fãs e as homenagens pelo mundo. Faz uma breve retrospectiva da sua carreira e mostra o “por que ele foi grande”, os principais feitos que deram a ele o título de mito. Em outra parte, a revista expõe as transformações físicas do astro e analisa os traumas de infância, os quais carregou por toda a vida. A publicação comenta o colapso da internet, devido a grande procura por informações sobre a misteriosa morte do ídolo pop. A revista destaca o aumento das vendas dos artigos relacionados a Michael Jackson.
Na edição seguinte, a Veja mensura os resultados referentes as vendas num box inserido na reportagem “O show não pode parar”, com o título: “Michael Jackson morreu, Viva Michael Jackson”. A revista publicou que nas duas semanas que sucederam a morte de Michael Jackson, nos Estados Unidos foram vendidos 422 mil cópias dos discos, mais do que a venda nos últimos 11 anos. No Reino Unido, o cantor emplacou 5 álbuns nas listas dos mais vendidos. No Brasil, os estoques foram esvaziados. Os 20 mil discos disponíveis sumiram das prateleiras. Ao analisar as vendas percebemos que a morte do astro conseguiu abafar os escândalos e resgatou a imagem do artista pela sua obra.
Em outro momento o jornalista destaca a autenticidade de Michael Jackson. “Hoje não se encontra em lugar nenhum artista pop que não dance no palco à maneira Jackson: como uma declaração criativa que avança por territórios e sentidos aos quais as letras e a melodiam não chegam. Mas essa foi apenas uma das revoluções de Michael Jackson.” (Revista Veja , Edição 2120, 8 de julho de 2009.
O curioso é que nem morto, Michael deixou de causar polêmicas. A matéria fala também dos últimos desejos de Jackson registrados no testamento. A guarda dos filhos (caso a mãe do cantor não pudesse cuidar das crianças, Michael queria que Diana Ross assumisse a criação dos rebentos), a criação de um fundo para a família, a doação de 20% às instituições de caridade e exclusão o pai da herança.
A morte de Michael ainda é um mistério, o que se sabe é que ele sofreu uma overdose de remédios controlados, inclusive a Veja lista o coquetel que o cantor tomava diariamente, falta ainda explicação para os procedimentos realizados pelo médico particular do cantor, o Dr. Conrad Murray.
O astro foi novamente como lembrado como o percussor de uma nova categoria de celebridades.
Jackson desenhou ainda o mapa de comportamento do ícone pop para as décadas seguintes: o artista inacessível que, com suas esquisitices e demandas, causa frenesi entre os paparazzi, aumenta a circulação dos tablóides e leva seus assessores e contratantes à loucura. Pop star que se preze hoje, reza pela cartilha escrita por Jackson (Revista Veja, Edição 2020, 08 de julho de 2009)
Como tudo na vida do astro foi megalômano, sua despedida não poderia ser diferente. A família Jackson organizou um funeral show, que reuniu cerca de 20 mil pessoas no Stample Center, em Los Angeles. Em torno do estádio, 250 mil fãs que não conseguiram os ingressos doados através de sorteio na internet, assistiram o memorial nos telões espalhados nas ruas próximas. O memorial teve a participação de várias celebridades que lembraram os sucessos do cantor e deram depoimentos emocionados. O funeral foi transmitido ao vivo em diversas televisões de todo o mundo e pela internet. Estima-se que audiência na rede foi de 109 milhões de pessoas, perdendo apenas para a posse do primeiro presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama. A prefeitura de Los Angeles gastou em torno de 4 milhões de dólares para o evento. Uma surpresa em especial, marcou o memorial, a filha que astro tanto escondeu da mídia, Paris, então com 11 anos, deu a primeira declaração em público, que soou como um soco no estômago daqueles que duvidavam da capacidade paternal do artista: “Só queria dizer que, desde que eu nasci, o papai foi o melhor pai que eu poderia imaginar. Só queria dizer que eu te amo tanto". A revista fez uma breve cobertura sobre o evento, contando as curiosidades dos bastidores.
Memorial Michael Jackson
Elizabeth Taylor, amiga de longa data do astro, surpreendeu ao se recusar a participar do memorial: ”Não posso fazer parte desse circo”. ( Revista Veja, Edição 2121, 15 de julho de 2009)
O sepultamento também foi transmitido ao vivo, porém sem a cobertura grandiosa que teve o memorial.
Com a comoção popular gerada pela morte repentina do ídolo, a mídia finalmente deu uma trégua nas alfinetadas contra o cantor. Ao invés das criticas e acusações, preparou especiais que contavam toda a trajetória de sucesso de Michael Jackson. Michael voltou a ser o benfeitor que queria curar o mundo. Suas obras de caridade foram divulgadas e sua música exaltada. O legado deixado pelo artista se tornou mais importante que suas esquisitices. Seus sua música venerada e sua imagem cultuada como um deus. Michael Jackson finalmente conseguiu voltar ao posto que era seu de direito, o mito, o lendário, o único, o Rei do Pop.
Rei do Pop
6. CONCLUSÃO
Michael Jackson optou em disseminar sua mensagem através de sua arte nada discreta. Toda a sua obra é grandiosa cercada de luxo e de dos mais modernos recursos tecnológicos. Cada ato em suas apresentações era detalhadamente pensado para encantar, comover e envolver o público que o assistia. Michael abusou de recursos como o vídeotape, reinventou o videoclipe, foi pioneiro ao usar novas tecnologias transformando-os em verdadeiros curtas-metragens, criando assim uma nova linguagem no meio. Michael quebrou todos os recordes da indústria fonográfica e estes dificilmente serão alcançados. Quebrou preconceitos raciais abrindo portas para que outros artistas negros também pudessem se apresentar e divulgar sua arte na televisão. Suas campanhas humanitárias mobilizaram o mundo. Seu gestos e símbolos habitam o inconsciente coletivo. Sua vida extravagante e seus hábitos excêntricos movimentaram a indústria sensacionalista e possibilitaram a criação de inúmeros boatos surreais, porém a figura de Michael Jackson ainda é a única que tem capacidade de sustentá-las Misterioso, enigmático e sedutor, o cantor arrastou multidões hipnotizadas pelo seu magnetismo.
É inegável que Michael Jackson foi um mito construído, destituído e restituído pela mídia. Do início dos anos 80 até o início dos anos 90, Michael era um ser mitológico contemporâneo. Ditava regras de comportamento e de moda, pessoas de todas as idades ficavam atônitas diante de tanto talento para entreter. Nos palcos Michael era um artista completo, um showman O público era envolvido em suas apresentações que surpreendiam com o uso da tecnologia e shows de pirotecnia. Michael era um artista que não podia ser apenas ouvido, merecia ser visto Fora dos palcos, Michael sustentava uma figura intrigante, tímida e retraída, com hábitos muito diferentes do que a imprensa estava acostumada a documentar. O astro era um camaleão, um mutante, aos olhos da imprensa mudou de cor, mudou de nariz, mudou de rosto. Sua obsessão em recuperar a infância perdida, criou a maior armadilha de sua vida, as acusações de pedofilia que mancharam a sua imagem. Hoje é sabido que todos esses escândalos não passaram de golpes de extorsão no milionário que se recusava a crescer, porém a mídia não deu a mesma atenção à absolvição que dera quando as acusações vieram a tona. Alguns jornalistas desinformados insistem em condená-lo mesmo tendo a rígida justiça americana o absolvido.
No discurso midiático, Michael Jackson não parecia ser mais humano, era transcendental assim como os antigos seres mitológicos. A morte, não era uma verdade perante a figura de Michael Jackson imortalizado pelos seus feitos artísticos A morte viera derradeiramente humanizar a figura do pop star, embora muitos fãs ainda acreditem que esse fora mais um golpe publicitário criado por ele, visando chamar a atenção para o seu próximo lançamento, supostamente um disco de inéditas chamado Ressurreição. Seria mais uma lenda? Assim como os fãs de Elvis Presley, os fãs de Michael, mesmo diante dos laudos cadavéricos não acreditam na sua morte e juntam indícios que comprovem a morte forjada. Parece loucura? Não em se tratando Michael Jackson, o ídolo que pode tudo.
Morrer cedo, assim como os antigos ídolos do cinema e da música como Marilyn Monroe, Elvis Presley, John Lennon, James Jean, entre outros, viria ratificar o título de mito concedido a Michael Jackson. A morte precoce desperta no ser humano o sentimento de imortalidade. Por ter tido uma vida repleta de sucessos e criações extraordinárias para a música no seus tempo, Michael Jackson abriu portas e deixou um legado para as próximas gerações, que transcendeu as barreiras da música. O artista semeou lições de como viver melhor com a natureza e com o mundo, deixou mensagens de amor ao próximo e tolerância racial.
Como celebridade, Michael era um produto da sociedade do espetáculo, consumido em todos os sentidos, sua vida privada foi invadida e devassada pela mídia. Passou a vida num reality show, cada passo fora dos muros de sua casa foi registrado por centenas de papparazzi. No momento mais crítico de sua vida, durante as acusações, foi abandonado por aqueles que lhe deram o posto de rei, a imprensa virou-lhe as costa, Michael definhou.
Na análise, ficou claro que Michael se utilizava dos meios de comunicação também para fortalecer a sua imagem excêntrica. Quanto mais as excentricidades eram divulgadas, mas sua imagem era distanciada dos meros “mortais”. Somado aos recordes conquistados e a aclamação do público, num primeiro momento a exposição de sua vida privada ajudou a concretizar a imagem de mito. No segundo momento, sua personalidade cada vez mais estranha, contribuiu para as desconfianças da mídia, que acabou por destituí-lo.
A revista Veja documentou praticamente toda a carreira do astro, pudemos observar a construção do mito, a quebra dos recordes, o sucesso dos videoclipes e shows. Quanto aos escândalos que ajudaram a denegrir a imagem do astro, pudemos observar que a maioria das matérias, a publicação apenas se baseava nas notícias divulgadas pelos tablóides sensacionalistas. Mesmo tentando ser mais amena que as publicações internacionais, a revista não deixou de alfinetar o astro e levantar questionamentos sobre a veracidade dos fatos. Ficou claro que nos períodos que o cantor visitava o Brasil, a revista abafou os escândalos em pequenas menções sem se aprofundar no assunto. E por fim, após a morte do cantor, a revista concedeu a sua última capa ao astro, cheia de significados. A capa com o fundo preto traz a imagem da luva de paetês tão marcante na representação artística do astro, que ajuda a restituir a imagem mitificada. A presença somente da luva, representa o auge da carreira do cantor, que o levou a consagração.
Vivemos na sociedade do espetáculo, onde o impacto midiático é mais importante que o seu papel na história. Michael e sua equipe sabiam da necessidade de se criar novos ídolos e como buscar visibilidade. Além do talento nato para as artes, o cantor e seus empresários construíram um personagem pronto para ser consumido.
Na ânsia de querer sempre vender mais e mais, a mídia acaba perdendo o bom-senso, ultrapassando os limites éticos profissionais. Isto aconteceu com Michael Jackson. A imprensa o condenou antes de seu julgamento. Talvez devido ao status inédito que alcançou. Como diria o provérbio japonês: “prego que se destaca, leva martelada”. E quem mais se destacou, como Michael Jackson? A crueldade da mídia quase acabou com a reputação de artista, acima de tudo um homem, massacrado apenas por ser diferente.
A imprensa tem responsabilidade na formação dos novos ídolos. É uma relação de troca constante. Como formadora de opinião, vale o que está escrito. Uma palavra mau colocada, uma piada fora de hora, pode destruir uma carreira construída a longo dos anos. É obvio que nessa sociedade, a espetacularização da vida vende muitas revistas. E ninguém ainda teve a vida mais espetacular que o mito Michael Jackson.
7. BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Fernando Estima de, SUGIYAMA, Maristela de Souza Goto. “CARAS- revista que hospeda: Estudo do caso sobre a Ilha de caras e sua relação com a comunicação e a hospitalidade”. INTERCOM –XXXVIII- UERJ, 2005
BARTHES, Roland. Mitologias. Tradução Rita Buongermino e Pedro Souza. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
BELLONI, Maria Luiza. “A formação na sociedade do espetáculo: gênese e atualidade do conceito”. Revista Brasileira de Educação. São Paulo: Redalyc, 2003. http://www.scielo.br/pdf/rbedu/n22/n22a11.pdf
BOECHAT, Walter (org.). Mitos e arquétipos do homem contemporâneo. Petrópolis, RJ: vozes, 1995.
CAMPBELL, Joseph. A imagem mítica. Tradução: Maria Kenny, Gilbert e Adams.Campinas, SP: Papirus, 1994.
CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. Tradução Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Cultrix /Pensamento, 1997.
CAMPBELL, Joseph. O poder do mito / Joseph Campbell, com Bill Moyers; org. por Betty Sue Flowers; tradução de Carlos Felipe Moisés. -São Paulo: Palas Athena, 1997
CRIPPA, Adolpho. Mito e cultura. 1929. São Paulo: Convívio, 1975.
CROCIATTI, Jonathan. Michael Jackson, 50 anos do ícone pop.São Paulo: Planeta, 2009.
DEBORD, Guy. “A sociedade do espetáculo” versão para eBook . São Paulo: eBooksBrasil.com, 2003. http://www.ebooksbrasil.com/eLibris/socespetaculo.html Acessado em maio de 2001
Dicionário Aurélio online: http://www.dicionariodoaurelio.com. Acessado em maio de 2001
FEIJÓ, Martin Cézar.O que é herói? Coleção Primeiros Passos 139. São Paulo: Brasiliense, 1984.
FREIRE FILHO, João. “A sociedade do espetáculo revisitada”. INTERCOM- Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação .XXVI congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação- ECO/UFRJ. BH/MG- 2003
GOLDGRUB, Franklin. Mito e fantasia.O imaginário segundo Lévi Strauss e Freud. São Paulo: Ática, 1995.
GRAEME, Turner. "Cinema como prática social". Tradução Mauro silva. São Paulo: Summus, 1998.
KEHL, Maria Rita. “O espetáculo como meio de subjetivação” IN BUCCI, Eugênio e KEHL, Maria Rita. Videologias. Coleção Estado de Sítio.São Paulo: Boitempo editorial, 2004.
KEHL, Maria Rita. “Três observações sobre os Reality Shows” IN BUCCI, Eugênio e KEHL, Maria Rita. Videologias. Coleção Estado de Sítio. São Paulo: Boitempo editorial, 2004.
KEHL, Maria Rita. “Visibilidade e Espetáculo”IN BUCCI, Eugênio e KEHL, Maria Rita. Videologias.Coleção Estado de Sítio.São Paulo: Boitempo editorial, 2004.
KELLNER, Douglas. “A cultura da mídia e o triunfo do espetáculo”. Tradução: DUARTE,Rosemary.Líbero,2007.http://revistas.univerciencia.org/index.php/libero/article/viewFile/3901/3660 Acessado em maio de 2011.
LEIVAS, Antero. Michael Jackson, uma história sem fim. Coleção Bio Pop Star. São Paulo: Escala, 2009.
LIFE. Tributo a Michael Jackson. São Paulo, 2009.
PIMENTEL, Márcia Cristina. “construção da celebridade midiática”. Rio de janeiro:UFF,2005.http://www.contemporanea.uerj.br/pdf/ed_04/contemporanea_n04_17_MarciaCris.pdf Acessado em maio de 2011
PORTO, Marcos Mendes Caetano. “A publicidade impressa como veículo de espetacularização”. Minas Gerais:UNIPAN, 2009.
Revista Bizz. Edição Tributo. Michael Jackson, a vida, a música, o fim. São Paulo: Abril, 2009.
Revista Contigo.Edição Especial Michael Jackson (1958-2009). São Paulo: Abril, 2009.
Revista Mundo Estranho: http://mundoestranho.abril.com.br/materia/qual-foi-o-primeiro-reality-show-da-historia. Acessado em maio de 2011.
RIBEIRO, Ana, BAKKER, Bruna e FAVORETTO, Julia. “Pitty: Imagem midiática e celebridade da indústria fonográfica no mercado juvenil”. Rio de Janeiro: UFRJ, 2007.
ROCHA, Everardo. O que é mito. Coleção Primeiros Passos 151.Brasiliense, 1991.
RUTHVEN, K.K. O mito. São Paulo:Perspectiva, 1997.
SIBILIA, Paula. “O show da vida íntima na internet: blogs, fotologs, videologs, orkut e webcams” IN CAIAFA, Janice(org.) e ELLAJJI, Mohammed(org.). Comunicação e sociabilidade: cenários contemporâneos. Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.
TARABORRELLI, J. Randy. Michael Jackson, a magia e a loucura. São Paulo: Globo, 2005
Revista Veja. Acervo Digital. http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx
Edições consultadas: (acessado em maio de 2011).
106 (16/09/1970)
748 (05/01/1983)
792 (09/11/1983)
803 (25/01/1984)
806 (15/02/1984)
808 (29/02/1984)
814 (11/04/1984)
832 (15/08/1984)
923 (14/05/1984)
941 (17/09/1986)
956 (31/12/1986)
992 (09/09/1987)
1175 (27/03/1991)
1209 (20/11/1991)
1210 (07/11/1991)
1246 (05/07/1992)
1247 (12/07/1992)
1303 (01/09/1993)
1304 (08/09/1993)
1308 (06/10/1993)
1310 (20/10/1993)
1315 (24/11/1993)
1318 (15/12/1993)
1352 (10/08/1994)
1353 (17/08/1994)
1470 (13/11/1996)
1431 (14/02/1996)
1779 ( 12/12/2003)
1789 (12/02/2003)
1793 (12/03/2003)
1830 (26/11/2003)
1830 (26/11/2003)
1851 (28/04/2004)
1891 (09/02/2005)
1896 (16/03/2005)
1897 (23/03/2005)
1905 (18/03/2005)
1910 (22/05/2005)
1983 (22/11/2006)
2048 (20/02/2008)
2119 (01/07/2009)
2120 (08/07/2009)
1 Phineas Taylor Barnum (1810-1983)foi um famoso showman e empresario do ramo do entretenimento norte-americano, lembrado principalmente por promover as mais famosas fraudes (hoaxes) e por fundar o circo que viria a se tornar o Rolling Bros and Barnum & Baillev circus. Seus sucessos provavelmente fizeram dele o primeiro milionário do show business.
Publicado por: Bianca Deziderio
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.