Intermídias Os Infiltrados do Ciberjornalismo

RESUMO

O objetivo desta pesquisa é compreender, a partir da emergência da cibercultura, de que forma a linguagem intermídia transforma a narrativa jornalística no caso do hotsite “Os infiltrados”, de produção do jornal Zero Hora Online (RS). Os intermídias são formatos jornalísticos que, cada vez mais, fazem-se presentes nas coberturas do ciberjornalismo. São organizados através de uma combinação de formatos tradicionais e novas características de linguagem hipertextual, compondo um arquivo único que pode ser acessado quando seu código eletrônico é submetido à barra de endereços de um navegador conectado à internet. Para isto optou-se por um estudo de análise qualitativa, através da comparação, que busca as aproximações e os distanciamentos entre as formas tradicionais de jornalismo e a narrativa jornalística do formato intermídia, ou seja, a fundamentação construída e o objeto observado. No capítulo 1 é abordada a função social do jornalismo e são definidos alguns conceitos, pontuando os gêneros e formatos jornalísticos, as pirâmides e a narrativa jornalística, além da convergência de formatos. Em um segundo momento aborda-se a questão do ciberespaço, ligando-o à internet, ao espaço digital, à cibercultura e às linguagens ciberculturais, passando pelo hipertexto e pela hipermídia. Chega-se então à informação no ciberespaço, revelando desde o ciberjornalismo até, mais profundamente, o intermídia. E assim, as evidências apontam não apenas para mudanças na narrativa jornalística, mas também nas pautas, plataformas e usuários da estrutura intermídia – não linear, líquida, ainda em construção – em relação ao jornalismo.

Palavras-chave: Jornalismo. Narrativa Jornalística. Ciberjornalismo. Cibercultura. Intermídias. Os Infiltrados.

INTRODUÇÃO

O jornalismo já não pode ser conceituado ou caracterizado através de padrões rígidos e imutáveis, já não é mais uma questão apenas de gêneros e formatos. Através de seu papel social, a informação jornalística conquistou relevância e novos espaços, evoluiu como um direito e ganhou com as inovações tecnológicas, desta forma quebrou padrões, revolucionou protocolos de comportamento e abriu precedentes para novos questionamentos e interpretações.

No âmbito da narrativa jornalística online uma nova forma de construção da notícia – os intermídias – têm ganho cada vez mais espaço e, portanto, pautado muitas destas perguntas e observações. Diante disto, a presente investigação tem como objetivo analisar se a linguagem intermídia transforma a narrativa jornalística e o intermídia “Os Infiltrados” – disponibilizado pela Zero Hora do Grupo RBS, através do endereço eletrônico http://www.clicrbs.com.br/zerohora/swf/infiltrados/index.html – oferece condições para a realização dos apontamentos com base na pergunta central desta monografia.

Assim, através de uma síntese conceitual do que é o jornalismo, suas características e o resgate do seu papel social, com base – entre outros autores – em Genro Filho, Melo, Beltrão, Gentilli, Mielniczuk e McLuhan, o capítulo 1 introduz os gêneros e formatos, as pirâmides, a narrativa e a convergência de formatos do jornalismo, evidenciando que as origens do intermídia podem ser observadas no gênero informativo, que as pirâmides permanecem presentes, mas já não são a estrutura primordial e que a narrativa perde padrões como linearidade e finitude. O jornalismo é o que é, independentemente do formato com que ele se apresente.

Na sequência está o ciberespaço, desde o surgimento da internet, passando pela cibercultura, pelas linguagens ciberespaciais que contemplam hipertexto e hipermídia, até as mudanças nos protocolos de comportamento, conforme as vozes de Gibson, Lévy, Lemos, Santaella e Canevacci. É o capítulo 2 que demonstra onde o intermídia encontrou um espaço propício para o seu desenvolvimento e onde estão as plataformas necessárias para suas experimentações. São apontadas ainda, a forma como a linguagem intermídia referencia-se cada vez mais como linguagem cibercultural e o modo como o usuário deixa de relacionar-se da maneira usual com os formatos já conhecidos e passa a interagir e perceber novas estratégias comunicacionais.

O capítulo 3 aborda a informação no ciberespaço, pontuando o ciberjornalismo através das inserções do pensamento de Canavilhas, Palacios e Marcondes Filho e também apresenta o formato intermídia caracterizado pelos estudos de Longhi. Através da investigação qualitativa pode-se observar que há uma gama enorme de possibilidades ainda por serem experimentadas – ousadas – através do intermídia que cada vez mais firma-se como formato ciberjornalístico. Nota-se que as ausências de padrões, como a linearidade, tornam-se um padrão e que as ampliações, desconstruções e reconstruções das pirâmides são as variações que se tornam a própria estrutura, dinâmica, determinada pela interação, ainda e sempre sendo construída, de maneira reticular.

Após a revisão de literatura, o capítulo 4 apresenta as justificativas pelas escolhas da metodologia do estudo de caso e de “Os Infiltrados” como produto para análise qualitativa. As aproximações e os distanciamentos – entre as formas tradicionais de jornalismo e a narrativa jornalística do formato – são observados de maneira comparativa e demonstrados através das interfaces da estrutura intermídia. Estas compreensões contemplam as mudanças da narrativa jornalística, sua nova estrutura líquida, mutável e dotada de uma interatividade dependente das escolhas do usuário, que a cada execução do intermídia cria uma rede hipertextual singular. O resultado destas observações é baseado nos conceitos da fundamentação construída refletidos no objeto observado, ou seja, o jornalismo expresso no e através do intermídia “Os Infiltrados”.

O JORNALISMO ATRAVÉS DE CONCEITOS E ESTRUTURAS

Considerando que o problema de pesquisa deste estudo de caso gira em torno da narrativa jornalística, é fundamental entender inicialmente o que é o jornalismo, ou ainda, de que jornalismo se está falando.

O jornalismo – ou cobertura jornalística – pode ser entendido como uma representação da realidade baseada nos acontecimentos, um relato dos fatos, um condutor de informações factuais baseadas no interesse público e naquilo que reflete algum sentido para a sociedade. Um exercício de criação onde, para Costa (2011, [s/p]), “o emissor fala para um grande número de receptores, os quais formam um grupo disperso e não identificado”. Segundo Genro Filho (1987) o jornalismo deve ser entendido como um fenômeno social, uma forma social de conhecimento, que foi – através da história – condicionada ao desenvolvimento do capitalismo e que é dotada de potencialidades que ultrapassam a funcionalidade deste exercício e modo de produção.

Jornalismo é a informação de fatos correntes, devidamente interpretados e transmitidos periodicamente à sociedade, com o objetivo de difundir conhecimentos e orientar a opinião pública, no sentido de promover o bem comum. (BELTRÃO, 1992, p. 67)

Em sua conceituação, o autor destaca as características de interpretação, transmissão, difusão, orientação e promoção como parte do fazer jornalístico. Já Amaral (2001) define o jornalismo como o processo de transmissão da informação, que se dá através de veículos de difusão coletiva e elenca como características a atualidade, a periodicidade e a recepção coletiva.

Cabe acrescentar que, conforme Gentilli (2002), o jornalismo é um direito meio e um direito fim, sendo um direito meio por exercer um papel social onde através dele, por meio dele, o cidadão recebe a informação a que tem direito. O jornalismo é o meio, a porta que permite ao povo o acesso aos direitos constitucionais, atuando e fiscalizando sob a perspectiva do interesse e do bem da coletividade e mantendo um sistema de vigilância e de controle dos poderes através da difusão pública de informação. O jornalismo é o direito que garante que os demais direitos não sejam prejudicados. Já como um direito fim o jornalismo oferece serviços e informações indispensáveis para sobrevivência do homem como pessoa e cidadão, garantindo o direito do povo às informações relevantes. Ao jornalismo também cabe garantir o espaço para as vozes alternativas, vozes que geralmente não tem eco midiático e que constituem a pluralidade do espaço sociocultural.

Para exercer seu papel de direito meio e direito fim e sua função social, a cobertura jornalística se apropria de informações percebidas e significadas socialmente, que para Dürkheim, citado por Genro Filho (1987, p. 30), poder-se-iam chamar de fatos sociais. Por um lado, os fatos sociais “precisam ser tratados como coisas, isto é, as relações sociais devem ser consideradas como se fossem pura objetividade, fora do processo histórico de autoprodução humana”, ou, como alerta Demo (1995) ter uma interface objetiva: os acontecimentos existem independentemente de como são percebidos (houve um acidente). Por outro lado, também são constituídos por uma interface subjetiva, que pode ser traduzida como a intervenção do sujeito, do jornalista, sobre estes fatos, esta realidade observada, criando assim o modo singular com que ele percebe, analisa, interpreta e apresenta o acontecimento percebido (como é contado o acidente). Este conceito de modo singular amplia-se com a inclusão dos elementos interlocutores.

Desta maneira, o jornalismo é concebido como um processo social que se articula a partir da relação (periódica/oportuna) entre organizações formais (editoras/emissoras) e coletividades (públicos receptores), através de canais de difusão (jornal/revista/rádio/televisão/cinema) que asseguram a transmissão de informações (atuais) em função de interesses e expectativas (universos culturais ou ideológicos). (MELO, 1985, p. 10-11)

Cabe destacar também o pensamento de Freire (2011, [s/p]) de que as definições de jornalismo articulam-se em torno de uma ideia de verdade, instituindo então o conceito de “uma prática social mediadora entre os eventos que ocorrem no nosso dia-a-dia, no mundo, e o público, que tem deles uma leitura, um entendimento, a partir dos fatos divulgados pela imprensa”. Assim, apesar do esforço jornalístico de objetividade, o entendimento do fato social é sempre pautado pela bagagem cultural e pelos filtros sociais daquele que expõe e daquele que recebe o relato sobre estes acontecimentos. Dito em outras palavras, os fatos são objetivos, mas só podem ser compreendidos quando percebidos por alguém e relacionados com a totalidade de eventos sociais registrados em um determinado cenário, e esta percepção depende do sujeito. Tal entendimento encontra suporte nas reflexões de Melo (1985) que aponta para a compreensão do relato dos fatos, por meio da sua apreciação e julgamento racional.

No entanto, da mesma forma que existe uma relação inevitável entre realidade percebida, fato social e subjetividade, a prática jornalística acumulou através dos anos um conjunto de técnicas e convenções que podem limpar as arestas de tal subjetividade aproximando seus relatos de uma percepção mais objetiva dos acontecimentos do mundo. A especificação de gêneros e formatos jornalísticos pode ser incluída neste exercício.

Gêneros e formatos jornalísticos

Para uma conceituação superficial do tema, apenas a título de registro, este trabalho adota uma classificação de gênero e formato baseada no pensamento de Melo citado por Assis (2011). Para ele o primeiro – gênero – refere-se à classe cuja extensão se divide em outras classes; já o segundo – formato – como a forma, o feitio, o modelo; e os divide da seguinte maneira: Gênero informativo, composto pelos formatos nota, notícia, reportagem e entrevista; Gênero interpretativo, composto pelos formatos dossiê, perfil, enquete e cronologia; Gênero opinativo, composto pelos formatos editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, carta e caricatura; Gênero diversional, composto pelos formatos história de interesse humano e história colorida; e Gênero utilitário, composto pelos formatos indicador, cotação, roteiro e serviço.

Ainda sobre a classificação de gêneros e formatos, Melo (2003) adota dois critérios de categorização: intencionalidade e articulação. Onde a intencionalidade – determinante dos relatos – passa por duas vertentes: reprodução do real e leitura do real. Sendo assim, tem-se a observação da realidade e a descrição da realidade no campo jornalístico e também a análise da realidade e a sua avaliação possível dentro dos padrões que pontuam a instituição jornalística. Para o autor há ainda o fator de articulação do jornalismo em função dos núcleos de interesse: 1) o saber o que está acontecendo, ou seja, a informação, e 2) o saber o que pensam sobre o que está acontecendo, ou seja, a opinião. Em referência à articulação – entre o real (acontecimento), o relato (expressão jornalística) e a leitura (entendimento pelo coletivo) – Melo (2003, p. 65) aponta diferenças “na progressão dos acontecimentos, sua captação pela instituição jornalística e a acessibilidade de que goza o público”.

Considerando o objetivo desta pesquisa, o estudo apresentado se debruça especialmente sobre o gênero informativo e seus formatos, uma vez que os autores escolhidos e as reflexões propostas inicialmente apontam para uma perspectiva do jornalismo de relato, que por meio da técnica procura limpar as arestas da subjetividade em prol de uma narrativa mais objetiva dos fatos sociais1.

Segundo Mielniczuk (2003) estas formas/formatos informativos (nota, notícia, reportagem, entrevista) são elementos de fundo que perpassam a organização e a apresentação da notícia, condicionando a maneira como os elementos constituintes da mesma se articulam e que são também específicos e adequados de acordo a cada um dos meios de comunicação de massa2 através do qual são veiculados.

A apresentação da informação jornalística é condicionada por uma série de processos e fatores, sendo que o suporte através do qual ela chega até o público é um dos elementos de extrema importância. [...] Cada veículo possui suas especificidades e, cada período, seus recursos tecnológicos, interferindo não só em como a informação é organizada, mas também nos elementos que integram sua apresentação, condicionando e diferenciando o resultado final. (Mielniczuk, 2003, p. 1)

Assim é necessário acrescentar algumas pontuações:

a) Referente aos formatos no impresso: cabe assinalar o pensamento de Lage (2001) de que o meio distribui e organiza a informação em três diferentes níveis: 1) projeto gráfico – elementos gráficos como letras, traços e fios que constituem a identidade da publicação; 2) sistemas analógicos – fotografias, ilustrações, charges e cartoons que possuem grande valor referencial, mas necessitam de complemento através das legendas; 3) sistema linguístico – textos. Já Schudson, citado por Mielniczuk (2003) aponta para convenções como a divisão por assuntos e a utilização de elementos que organizam a apresentação do conteúdo, como o antetítulo, título, as linhas de apoio e o intertítulo.

Habitualmente o impresso utiliza o formato pirâmide invertida3 para a construção do texto jornalístico. Graficamente, o esquema fica assim representado:

Figura 1

Em relação à informação, a pirâmide é invertida porque – ao contrário das pirâmides reais que tem embaixo a base que as mantém em pé – o mais importante está no alto, no início do texto. O formato – modelo de redação de notícias desde o final do século XIX – teria sido batizado como Pirâmide Invertida “por Edwin L. Shuman no seu livro Practical Journalism, (Salaverria, Ramón, 2005, p. 109), tornando-se uma das regras mais conhecidas no meio jornalístico”. (CANAVILHAS, 2011, p. 6). E é usado de forma unânime pela imprensa porque poupa o tempo do leitor e permite adequações e cortes necessários, em relação ao espaço editorial disponível, sem comprometer a qualidade da informação. A técnica, como aponta Mielniczuk (2003, p. 5), “além de despertar de imediato a atenção do leitor, satisfaz de forma mais rápida suas necessidades, já que as informações essenciais encontram-se logo no início do texto”.

Quando se escreve uma notícia com base no modelo da pirâmide invertida, o núcleo duro da informação deve figurar no lead. Os restantes parágrafos seguem-se ao lead, sendo hierarquicamente ordenados por ordem decrescente de importância e interesse. Ou seja, o lead deve conter a informação mais importante e interessante. O segundo parágrafo conterá informação um pouco menos interessante e importante do que o lead e assim sucessivamente. Os parágrafos vão-se sucedendo do que contém a informação mais importante e interessante para o que contém a informação menos importante e interessante. Ao conjunto de parágrafos que surgem depois do lead chama-se corpo da notícia. (SOUZA, 2011, p. 317)

Em resumo, esta técnica de construção para o impresso prega a hierarquização das informações, onde o lide5 deve iniciar o texto, portanto, constar no parágrafo inicial, seguido das informações complementares organizadas em blocos decrescentes de interesse. O que compõe a sequência de informação objetiva: lide, sublide, desenvolvimento e fechamento. Cabe lembrar que, para Bahia (1990), o lide é composto pelas respostas das seis perguntas básicas de Kliping – what (o que aconteceu), why (por que aconteceu), when (quando aconteceu), where (onde aconteceu), how (como aconteceu) e who (quem se envolveu no que aconteceu) – que fornecem a base para uma adequada apuração jornalística. Segundo o pensamento de Franco G. (2011, p. 12) a “pirâmide invertida perfeita” deve permitir a “eliminação sucessiva de parágrafos, do último até o segundo”, para que - caso o leitor receba apenas uma parte da versão original da notícia – não perceba a falta de algum dos parágrafos.

Segundo Lustosa (1996) há um elemento muito importante no texto do impresso, a redundância, que é imposta por sua temporalidade, já que os leitores não armazenam edições para consulta. Sob este aspecto poderíamos resgatar tal característica também para os meios eletrônicos, uma vez que nestes, o tempo da informação é determinado pela transmissão, efêmera e, até a chegada da linguagem digital, irrecuperável. Nestes casos, tais meios utilizam o recurso da suíte6, que resgata assuntos já tratados, repetindo informações básicas de matérias anteriormente publicadas, mas acrescentando dados novos.

b) Referente aos formatos no rádio: destaca-se a utilização exclusiva de códigos sonoros, como voz, vinhetas e música. O veículo estrutura as informações dividindo a programação em blocos que, segundo Mielniczuk (2003), respeitam o critério de proximidade (local, regional, nacional e internacional). Para a autora, que cita Prado e também Porchat, o rádio faz uso de repetições.

Na visão de Barbosa Filho (2003) o rádio possui sete características principais. São elas o imediatismo (transmissão dos fatos no momento em que acontecem), a instantaneidade (a mensagem precisa ser recebida no momento da emissão), a interatividade (relação direta com a mensagem durante e após a emissão), a mobilidade (em razão das tecnologias é de deslocamento fácil para emissão e recepção da mensagem), a oralidade (o rádio fala, só é necessário ouvir para receber a mensagem), a penetração (chega a diversos lugares, regionalismo nas mensagens locais) e a sensorialidade (o despertar da imaginação por meio da mensagem). Com base nestas características, o jornalismo do rádio tem na pirâmide normal a estrutura mais comum. Abaixo o modelo de pirâmide com base no pensamento de Genro Filho (1987, p. 185): “em pé, assentada sobre sua base natural”.

Figura 2

Assim, o radiojornalismo apresenta construções em ordem cronológica de ocorrência, onde há no corpo da matéria a repetição do clímax que, antecipado na manchete, desperta a curiosidade do ouvinte. A técnica baseia-se na narrativa simples dos contos populares, que conforme Beltrão (1969, p. 115) “tem a forma de uma pirâmide: apresenta o ambiente, os protagonistas, o clímax e vai formando incidente após incidente até chegar à conclusão na base”. Segundo o pensamento do autor, na pirâmide normal, ou na forma literária como também é chamada, monta-se um esquema: a) detalhes da introdução; b) fatos de crescente importância (visando criar suspense); c) fatos culminantes; d) desenlace. Assim, após o registro inicial do ponto mais relevante na cabeça (lide), o modelo segue a ordem cronológica através da sequência dos fatos, seguida do clímax e do remate incisivo de forma que o leitor não perca o interesse.

Cabe destacar que este formato atua, agrega e aproxima a característica da oralidade já que a sequência lógica e temporal, de narração dos fatos, facilita o entendimento daquele que ouve e recebe a mensagem. O mesmo se dá com a repetição.

O formato da informação radiofônica é constituído por uma sequência que possui ritmo e tensões variáveis. Após a introdução, segue uma série de parágrafos, nos quais são apresentados dados novos e o encerramento na notícia caracteriza-se por recuperar as informações essenciais da mesma. (Mielniczuk, 2003, p. 5)

Este conceito é corroborado por Lustosa (1996) quando afirma que o ouvinte não pode voltar atrás e reler – melhor, ouvir – novamente para compreender a informação. Graficamente, o esquema pode ser representado conforme Porchat (1989).

Figura 3

Onde o autor destaca a informação principal na manchete (A), informações complementares no corpo (B) e repetição das informações mais importantes no encerramento (C).

Há outros pontos da informação no rádio que devem ser observados, conforme Lustosa (1996), ao considerar a oralidade como o ponto principal da transmissão: são as frases sucintas, curtas, a linguagem coloquial e conhecida. Acrescenta-se que as informações devem ser concretas, apresentadas de forma direta e clara.

c) Referente aos formatos na TV: aponta-se o uso dos elementos de texto, de som e de imagens, ou seja, os códigos linguístico, sonoro e icônico. Possui características como imediatismo, necessidade de produção em equipe e as inúmeras possibilidades de apresentação. Um fato pontual é apontado por Mielniczuk (2003), citando Bittencourt, que sugere – quanto à utilização de imagens – que a informação jornalística seja narrada de acordo com a sequência temporal.

Então o modelo de estrutura que aparece em cabeças de matérias, notas e chamadas é o da pirâmide mista, que – formada pelo lide e sublide (com um clímax composto pelos pontos chaves e singulares) e sequência do relato articulado em ordem cronológica – permite atrair a atenção do expectador e manter o entendimento da mensagem. Graficamente, o esquema pode ser representado conforme Bittencourt (1993), onde o âncora/repórter abre a informação com o lide/cabeça (narração antes das imagens externas) e a matéria mantém a sequência de fatos exposta na ordem cronológica.

Figura 3

Em relação ao uso da imagem no discurso jornalístico, Paternostro (2006) diz que este signo é o mais acessível à compreensão humana e que ele deve no telejornalismo, caminhar junto ao texto, e que este deve estar intimamente relacionado ao fato exibido, apoiando-o, sem repeti-lo ou opor-se a ele. Paternostro (2006, p. 73) acrescenta ainda que na atualidade, em função da evolução tecnológica, a imagem é cada vez mais parte do nosso cotidiano e que “já conhecemos muito bem o poder de uma imagem, o quanto ela impacta quando carrega informação e emoção. Ela atrai, envolve, domina, nos conduz e se eterniza na memória”. A autora aborda a forte característica sentimental que a imagem adquire quando é relacionada à emoção humana. O que pode ser observado é que enquanto a informação escrita atinge o receptor através da razão, a informação visual obtida pela imagem, atinge o entendimento do espectador através do sentimento, do emocional.

Muitas vezes, quando existe uma imagem forte de um acontecimento, ela leva vantagem sobre a palavra. Ela é suficiente para transmitir, ao mesmo tempo, informação e emoção (....) a imagem é uma linguagem universal, tem um entendimento imediato e possibilita às pessoas a visão de uma realidade externa àquela em que vivem. (PATERNOSTRO, 2006, p. 85)

Portanto, com base nas colocações dos itens a, b e c, pode-se observar que nos veículos tradicionais de comunicação, o processo de produção e leitura das mensagens jornalísticas é marcado – de maneira geral – por características de linearidade e finitude, ou seja, as informações são padronizadas por sequências lineares, com início, meio e fim previamente constituídos. No impresso, o leitor segue uma linha pré-estabelecida e limitada de apresentação da narrativa. No rádio e na televisão, os receptores seguem a velocidade e a organização da recepção determinada de acordo com o emissor. Assim, poder-se-á dizer que os formatos jornalísticos assumem características distintas e peculiares conforme o veículo midiático, pelo modo de produção do meio de comunicação e pelas manifestações culturais da sociedade onde a empresa jornalística está inserida.

Como completa Souza (2011), gêneros e formatos correspondem a determinados modelos de interpretação e apropriação da realidade por meio das linguagens. O produto emergente da relação estabelecida entre este conjunto de elementos – o fato social, sua percepção, seu relato através de gêneros e formatos e sua adequação a determinado veículo de comunicação – é a narrativa jornalística.

Narrativa jornalística

A narrativa torna-se tangível pela aparência que a informação assume quando apresentada. É composta por recursos específicos dos suportes empregados (tais como o texto escrito, os sons e as imagens) e possui diferentes configurações utilizadas para gêneros distintos. É fato que mudam e adaptam-se mediante a evolução do meio de comunicação e caracterizam-se conforme as necessidades da sociedade na qual estão inseridas. É fato também que da cobertura jornalística originam-se os dados que compõem os enredos das narrativas e os atores sociais que interpretam as ações e reações relacionadas aos acontecimentos, aos fatos sociais.

Conforme Costa (2011, [s/p]) “as respostas às perguntas básicas que norteiam o fazer jornalístico (que, o que, como, quando, onde, por quê?) constituem uma narrativa baseada na realidade factual do cotidiano”. Para a autora, o trabalho jornalístico é baseado na informação e cabe ao jornalismo organizar de forma discursiva, em ordem, esta informação. Esta organização ocorre através da narrativa, lembrando que o exercício jornalístico é intrínseco ao uso da linguagem e que “se baseia na comunicação, ou seja, no ato através do qual se transmite uma mensagem”. Simplificando, a narrativa jornalística é o formato dado ao discurso – através dos elementos ordem e linguagem – que apresenta os fatos à sociedade, ou ainda, a forma como o jornalista expõe os fatos sociais através de um meio de comunicação para que os receptores os compreendam.

Para o objetivo desta análise, os três elementos fundamentais da narração jornalística serão abordados conforme Costa (2011, [s/p]) que os dividem em tipos, ação e ambiente. Onde “tipos: existem, pois não há narração sem personagens. No caso do jornalismo, objetiva-se que as características dos tipos sejam fixadas, a fim de que fiquem personalizados. É por isto que o repórter lhes dá nome, idade, profissão, etc”. Já “ação: é aquela empreendida pelo tipo em questão. Para que o leitor a compreenda melhor, o jornalista costuma descrever seus antecedentes, circunstâncias e consequências.” E “ambiente: descrição e interpretação do local em que ocorreu a ação, de suas condições sociais, culturais e econômicas. Descrever esta atmosfera pode, muitas vezes, ser uma explicação para o público”.

Como o complemento tem-se a abordagem de Motta (2011, [s/p]) onde “os discursos narrativos midiáticos se constroem através de estratégias comunicativas (atitudes organizadoras do discurso) e recorrem às operações e opções (modos) lingüísticas e extralingüísticas para realizar certas intenções e objetivos.” Esta técnica de elaboração da narrativa – de representação coletiva apresentada como prática comunicativa social – é explanada no pensamento de Resende (2011) que demonstra como o mecanismo serve de escora e amparo às características de descrição da verdade real através de um posicionamento neutro, que são base na realização da produção jornalística.

Envolto no real e na verdade como referentes, além de trazer a imparcialidade e a objetividade como operadores, o discurso jornalístico tradicional — aquele que é epistemologicamente reconhecido — dispõe de escassos recursos com os quais narrar os fatos do cotidiano. Há, sim, manuais de redação que ditam as normas sobre as quais se deve fundar a narrativa jornalística. E, desse modo, além de legitimar as regras que visam à produção do efeito de verdade, a existência de tais manuais propicia aos jornalistas uma aparente neutralidade. (RESENDE, 2011, [s/p])

Então, nos veículos midiáticos tidos como tradicionais, a transmissão dos fatos se dá através de padrões textuais, sonoros ou imagéticos – lineares – norteados por uma sequência ordenada, uma narrativa estética que já possui um esquema pré-estabelecido,

baseado em dois elementos, um dialogando com o outro, coexistindo. São eles a ordem (forma como a informação é organizada, a sequência dos elementos e recursos) e a linguagem (maneira como a informação é apresentada). Este diálogo viabiliza a produção noticiosa de forma interativa.

Assim sendo, a narrativa jornalística pode ser entendida como o cordão, a estrutura que une as informações e que dá forma as ideias, de modo que elas estejam ligadas entre si formando uma sequência lógica, ou seja, a linha que costura e da o formato padrão ao tecido do discurso noticioso.

Esta base utilizada para a construção do discurso – este processo – difere em relação ao meio de comunicação que utiliza a informação, mas quanto surge um novo veículo, uma nova forma de difundir a narrativa jornalística, a concepção do formato de transmissão nesta nova tecnologia não é apenas um processo criativo, mas também um processo de adaptação. E se até recentemente havia narrativas específicas com elementos apropriados para cada um dos veículos tidos como tradicionais, agora, no momento onde toda narrativa jornalística converge, no mundo da convergência onde o analógico sai de cena para a entrada do digital, é que esta adaptação se faz ainda mais forte, tudo pode ser – e é – aproveitado, apropriado, adaptado. Registre-se que nada se perde quando o novo veículo que surge é a maior experiência convergencional que a sociedade já viu: o ciberespaço.

Convergência de formatos

Todas as divisões e conceituações abordadas até aqui são a estrutura básica do que é conhecido atualmente como texto/notícia jornalística padrão. Estes formatos são resultados de processos de apropriação e reestruturação desencadeados pela evolução e criação de novas formas, meios e veículos de comunicação.

Em 1969, em seu livro O meio é a mensagem e em 1977, em Galáxia de Gutenberg, McLuhan afirmava a impossibilidade de separar meio e mensagem porque, na visão do autor, a mensagem é determinada mais pelo seu meio de comunicação do que pela intenção do seu autor. Assim, meio e mensagem não são funções separadas, o meio é a mensagem. O tema meio, já era tratado por McLuhan em 1964 em Os meios de comunicação como extensões do homem – (Understanding mídia), onde ele aborda os meios de comunicação como extensões do homem e afirma que cada novo meio que surge utiliza-se dos demais meios existentes, ou seja, nenhum meio existe sem depender do outro. “Nenhum meio tem sua existência ou significado por si só, estando na dependência, na constante inter-relação com os outros meios”. (MCLUHAN, 1964, p. 42).

A questão é ampliada no pensamento de Mielniczuk (2003, p. 8) de que quando há mudança na situação tecnológica ocorre uma mudança também de arranjos dos elementos que condicionam o formato da notícia através dos diferentes suportes. A autora trabalha com a ideia de midiamorfose, (um processo baseado no pensamento de Roger Fidler em seu livro Mediamorphosis: Understanding New Media de 1997), onde “o avanço tecnológico e o desenvolvimento dos meios de comunicação desencadeiam processos de metamorfoses nas várias esferas e aspectos do processo de produção e disseminação de informações jornalísticas”.

Esta opinião é corroborada por Bahia (1990, p. 171) que afirma que o que acontece “é uma mudança e não a substituição do papel tradicional de um sistema de veiculação em relação a outros sistemas”. Também, Bakhtin (1997) aponta para a transmutação dos gêneros e na assimilação de um gênero por outro. Assim, entende-se que a tecnologia favorece o surgimento de formas inovadoras, mas não absolutamente novas.

Já que os formatos são intimamente ligados aos meios que os utilizam, cada novo meio de comunicação que surge do advento das novas tecnologias apresenta a necessidade de formas de transmissão da informação que se adequem aquele veículo. O novo meio se baseia nas formas já existentes de passar a mensagem para criar/adaptar um modo de transmitir dados através das possibilidades de seu suporte, isto é o que se entende por convergência de formatos. Assim aconteceu quando os formatos do impresso foram sendo apropriados pelo rádio e mais tarde pela televisão. Foi desta forma e ainda é, que os formatos já existentes foram sendo e são agregados e adaptados aos novos meios. E é esta mesma apropriação, acrescida de uma metamorfose, uma evolução, que pode ser vista aplicada também para o meio digital, para o jornalismo na internet, como poderá ser observado mais a frente.

SURGE UM NOVO CONCEITO DE ESPAÇO

O homem desenvolveu – não assim, ao acaso, mas como produto de um processo evolutivo para o qual foram necessários muitos anos e várias descobertas – suportes midiáticos e canais transmissores que, de forma inovadora, permitiram à sociedade usufruir de um novo espaço, um ambiente coletivo, um meio digital. A comunicação apropriou-se desta realidade, tecnológica e cultural, deu origem a um novo canal transmissor de informações e transformou o fazer jornalismo.

A internet e seu início medieval

Mesmo sem plena consciência, Gutenberg, quando inventou a prensa de tipos móveis em 1441 deu início a um lento processo de criação que permitiu o surgimento e a evolução dos veículos de comunicação. Este processo que hoje culmina (mas não necessariamente encerra-se) com o desenvolvimento do veículo digital, a internet, foi alavancado na década de 70 com a criação dos microprocessadores. Neste ponto da história, a evolução dos meios de comunicação passa por um período de transição do mundo analógico para a Era Digital.

Através de uma sequência de palavras-chave (com base no pensamento de Briggs e Burke no livro Uma historia social da mídia – de Gutenberg a Internet, de 2004) pode-se esboçar uma linha do tempo, uma ordem de evolução histórica (bastante sintética) da parte do processo que refere-se ao período de transição: computador, bit, transistor, chip, circuito integrado, microprocessador, software, computadores pessoais, redes de trabalho, internet, ciberespaço; e hoje; interação e conectividade em tempo real.

Aqui, cabe destacar que um acontecimento foi crucial para o desenvolvimento e a consolidação do meio digital de comunicação. No início dos anos 90, conforme Moherdaui (2000, p. 18) “Tim Bernes, um britânico, especialista em computação, que trabalhava no Laboratório Europeu de Física de Partículas (Cern), em Genebra, desenvolveu o projeto da World Wide Web, a Infovia, a parte multimídia da Internet”.

A internet, termo originado através da expressão inglesa Interaction or Interconnection Between computer Networks, pode ser entendida atualmente como um conjunto de redes de computadores conectados em diversos lugares do mundo compartilhando informações através de conexões que podem ser realizadas pelas mais diversas vias, desde linhas comuns de telefonia até cabos de fibra ótica.

Foi com o advento da internet e com a evolução das tecnologias de informação e comunicação, que o jornalismo se apropriou de um novo espaço de atuação e consequentemente desenvolveu novas formas de transmissão de conteúdos. Mas que espaço é este?

Ciberespaço: Um território sem espaço físico tangível

Através do suporte físico dos computadores, redes se interligam redimensionando fronteiras, criando um mapa virtual dos fluxos de informação. A esta trama denomina-se ciberespaço. Este termo surgiu em 1984, muito antes das grandes inovações tecnológicas e da popularização da internet, no livro Neuromancer, de Willian Gibson.

O ciberespaço. Uma alucinação consensual, vivida diariamente por bilhões de operadores legítimos, em todas as nações, por crianças a quem estão ensinando conceitos matemáticos... Uma representação gráfica de dados abstraídos dos bancos de todos os computadores do sistema humano. Uma complexidade impensável. Linhas de luz alinhadas que abrangem o universo não-espaço da mente; nebulosas e constelações infindáveis de dados. Como luzes de cidade, retrocedendo. (GIBSON, 2003, p. 80)

O conceito foi adotado, discutido e difundido por teóricos, pensadores, estudiosos e usuários deste meio. O termo cunhado na década de 80 por Gibson – ciberespaço – passou a ser sinônimo da interligação das redes que formam o mapa virtual dos fluxos de informação e o seu significado continua a ser explicado.

O ciberespaço (que também chamo de rede) é o novo meio de comunicação que surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. (LÉVY, 1999, p. 17)

Conforme o pensamento do autor, as redes que formam os mapas digitais não só não estão no espaço físico existente, mas também este ciberespaço forma ele próprio um espaço. Esta linha conclusiva é apoiada por Santaella (2007, p. 198), que define o ciberespaço como "um espaço que está em todo lugar e em lugar nenhum" e por Franco M. (1997, p. 74) que afirma que a rede de computadores não está no espaço, "ela é o espaço".

No ciberespaço existe continuamente um movimento triplo que cria novos mapas sobre o mapa geográfico. Conforme Lemos (2011) estes movimentos são de territorialização, desterritorialização e reterritorialização. Onde territorialização representa as fronteiras físicas, as relações interpessoais em um espaço físico e é um fator fundamental para a concepção e a constituição da identidade real dos sujeitos; desterritorialização é a transformação do tangível, palpável em algo simbólico – transformar o processo físico em um processo emblemático – e que foi potencializado pela chegada das mídias eletrônicas de código binário; e reterritorialização quando o acesso ao desterritório gera mudanças no território, alterando as relações do espaço físico.

Esta tríplice dinâmica espacial – que acontece de forma integrada com a participação dos movimentos e processos que coexistem de forma simultânea e/ou independente e/ou indissociável – desencadeia um novo conceito: metrópole comunicacional. E esta “é muito mais baseada sobre o consumo e sobre a comunicação. O consumo, a comunicação e a cultura têm uma produção de valores, não só no sentido econômico, mas valores no sentido antropológico”. (CANEVACCI, 2011, p. 11). Para o autor, qualquer ponto do globo pode ser um centro, basta estar em comunicação e haver consumo. Se um ponto está integrado ao fluxo de informações, se existe no ciberespaço, se há comunicação através de troca de informações, é uma metrópole comunicacional.

E esse cruzamento entre comunicação e tecnologia digital favorece um tipo de transformação profunda na metrópole. Na metrópole que eu chamo comunicacional, que não é mais baseada numa relação entre o Estado e a Nação. Fundamentalmente são grandes áreas metropolitanas e comunicacionais que competem e que desenvolvem estilos que favorecem esse tipo de profunda transição e que nos leva a uma ação diferente. (CANEVACCI, 2011, p.11)

Este espaço novo, tido como metrópole comunicacional, não é necessariamente físico, mas composto por informações, por comunicação em trânsito e permite um novo entendimento do que é identidade. E vai ainda mais longe, permite um novo entendimento do que é a nova sensibilidade do humano com o não humano e do orgânico com não orgânico. O conceito amplia-se com Lemos (2003, p. 13) que conceitua as Cibercidades, entendidas como as cidades e os espaços de fluxos.

É neste espaço que se estabelecem os novos protocolos de comportamento e comunicação que constituem novos conjuntos de linguagens, convenções e inovações de socialidade que compõem a cibercultura.

Cibercultura: os comportamentos no ciberespaço

Ainda se busca estabelecer uma definição que englobe toda a cultura do ciberespaço, ou seja, o que são as linguagens, os suportes, os meios, os produtos, enfim, o que é o conjunto de elementos que compõe a cibercultura – que aqui entender-se-á, conforme Lemos (2003, p. 11), como a “cultura contemporânea marcada pelas tecnologias digitais” – mas já há algumas definições parciais.

Um primeiro problema que se apresenta é em relação à própria definição de Cibercultura. O termo está recheado de sentidos, mas podemos compreender a cibercultura como a forma sociocultural que emerge da relação simbiótica entre a sociedade, a cultura e as novas tecnologias de base micro-eletrônica que surgiram com a convergência das telecomunicações com a informática na década de 70. (LEMOS, 2003, p. 11)

Para o autor, o termo cibercultura define uma relação que se estabelece pela emergência de novas formas sociais que surgiram a partir da pós-modernidade de 1970 aliada às novas tecnologias digitais, uma troca entre a cultura do homem e a cultura da máquina que cria algo novo, um misto cultural. Conforme Lévy (1999, p. 17) o “neologismo cibercultura especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço”. O autor, um dos teóricos precursores desta nova realidade, impulsionado por estas transformações culturais difundiu o conceito de ecologia cognitiva, intimamente ligado à cibercultura.

A tecnologia pode ser considerada como uma ferramenta de pensamento no sentido em que, ao se articularem com nosso sistema cognitivo, nos ajudam a nos constituir cognitiva e subjetivamente. Então, o acoplamento sujeito/máquina se dá de tal forma que se constitui um sistema no qual o sujeito se constrói e se potencializa para novos agenciamentos e aberturas para patamares mais complexos de desenvolvimento. (LÉVY, 1994, p. 81)

O autor, que tem uma visão positiva do relacionamento do homem com a máquina e de como este relacionamento se dá, aponta para as mudanças da construção do pensamento e afirma que a forma como isto acontece está intrinsecamente ligada à comunicação/linguagem – base das relações sociais – e com o fato dela evoluir do modo analógico para o digital. Esta migração potencializou o surgimento das mais diversas redes que se ligam na produção, troca e recepção de conteúdos. Para Lévy (1994), esta nova ecologia cognitiva, que advém da existência do ciberespaço, tem na cibercultura a sua forma de manifestação.

A cibercultura, esta relação de trocas entre a sociedade e as tecnologias, surgiu de um processo de início lento que atualmente assumiu um ritmo extremamente dinâmico e mutável. Atente-se para a linha evolutiva histórica baseada em Lemos (2011):

[...] o desenvolvimento da cibercultura começa com a micro-informática nos anos 70, com a convergência tecnológica e o estabelecimento do personal computer (PC). Nos anos 80-90, assistimos a popularização da Internet e a transformação do PC em um computador coletivo (CC), conectado ao ciberespaço. Com o desenvolvimento da computação móvel, o que está em marcha é a fase da computação ubíqua, a era dos computadores coletivos móveis (CCM). O CCM estabelece-se com a telefonia celular 3G, com as redes wi-fi, as etiquetas RFID e as redes por tecnologia bluetooth. Esses dispositivos vão criar fenômenos de desreterritorialização a partir da interface entre o espaço físico e o espaço eletrônico, alterando a dinâmica das grandes cidades. (LEMOS, 2011, [s/p])

O autor ainda complementa que a real compreensão da cibercultura, transcende uma percepção de mobilidade, ou seja, observar a mudança dos espaços urbanos, das cidades globais e o trânsito fluído de informação. É necessário, para Lemos (2011, [s/p]), que os processos cognitivos também sejam móveis, ou seja, uma superação intelectual do mundo analógico em favor do mundo digital. Ele, que vê na cibercultura a cultura moderna marcada pelas tecnologias digitais, afirma que já vivemos a cibercultura “ela não é o futuro que vai chegar, mas o nosso presente, [...] cibercultura representa a cultura contemporânea sendo consequência direta da evolução da cultura técnica moderna”.

Com a cibercultura, por exemplo, o antigo receptor de conteúdos também produz e repassa a informação, tornando-se um usuário. A forma como isto acontece direciona esta investigação para outras conceituações, onde suportes e linguagens se encontram no processo comunicativo, dando origem a novos formatos diante da convergência de mídias.

A convergência, em termos comunicacionais, revolucionou padrões substituindo a finitude, a tangíbilidade e a linearidade do analógico pelo digital de infinitas possibilidades, onde o conteúdo intangível pode ser produzido, transmitido e absorvido (indefinidamente sem perder a qualidade) de forma totalmente não linear.

A nova dinâmica técnico-social da cibercultura instaura uma estrutura midiática ímpar na história da humanidade onde, pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formados e modulações (escrita, imagética e sonora) para qualquer lugar do planeta. (LEMOS, 2003, p. 13)

Entende-se que a cibercultura possibilitou uma revolução nas relações da informação. Ela quebrou conceitos, formas e formatos (já que o processo comunicacional mudou desde a produção, passando por toda a etapa de emissão, recepção e até o feedback). Como afirma Lemos (2003, p. 13) toda mídia altera a relação espaço-tempo e “desde a escrita, que descola enunciador e enunciado (espaço) e age como instrumento de memória (tempo), passando pelo telégrafo, telefone, rádio, televisão e hoje a internet, trata-se de uma mesma ação de emitir informação para além do espaço e do tempo”. Assim, a cibercultura dá suporte a uma transformação midiática que altera a percepção espaço temporal, criando uma sensação de “tempo real, imediato” e de “abolição do espaço físico-geográfico”. Para o autor, a instantaneidade aniquila e desmaterializa o espaço de lugar e cria “espaços de fluxos, redes planetárias pulsando no tempo real”. É assim que, na cibercultura pode-se “estar aqui e agir à distância”. Outro ponto elencado por Lemos (2003) é o relacionamento na cultura do ciberespaço.

A cibercultura é recheada de novas maneiras de se relacionar com o outro e com o mundo. Não se trata, mais uma vez, de substituição de formas estabelecidas de relação social (face a face, telefone, correio, espaço público e físico), mas do surgimento de novas relações mediadas. (LEMOS, 2003, p. 15)

Lemos (2003) quando olhou sobre a cibercultura definiu conceitos que norteiam os protocolos de reconfiguração, polo de emissão e conectividade, instituindo as Leis da Cibercultura onde:

1) – Lei da Reconfiguração: Evitar a lógica da substituição ou do aniquilamento. Em várias expressões da cibercultura trata-se de reconfigurar práticas, modalidades midiáticas, espaços, sem a substituição de seus respectivos antecedentes.

2) – Liberação do polo da emissão: As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que o que está em jogo como o excesso de informação nada mais é do que a emergência de vozes e discursos anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media. A liberação do polo da emissão está presente nas novas formas de relacionamento social, de disponibilização da informação e na opinião e movimentação social da rede. Assim chats, weblogs, sites, listas, novas modalidade midiáticas, e-mails, comunidade virtuais, entre outras formas sociais, podem ser compreendidas por esta lei.

3) – Lei da conectividade generalizada: começa com a transformação do PC em CC, e desse em CC móvel. As diversas redes socio-técnica contemporâneas mostram que é possível estar só sem estar isolado. A conectividade generalizada põe em contato direto homens e homens, homens e máquinas, mas também máquinas e máquinas que passam a trocar informação de forma autônoma e independente. Nesta era da conexão o tempo reduz-se ao tempo real e o espaço transforma-se em não espaço, é assim que a importância do espaço real e a importância do tempo cronológico, que passa, são renovadas.

As manifestações da cibercultura abriram espaço para um debate referente ao futuro das relações humanas. Lévy (1999) é categórico quanto ao tema.

A cibercultura se tornará provavelmente o centro da gravidade da galáxia cultural do século XXI, mas a proposição segundo a qual o virtual irá substituir o real, ou que não poderemos mais distinguir um do outro, nada mais é do que um jogo de palavras malfeito, que desconhece os significados da virtualidade. (LÉVY, 1999, p. 219)

Em razão dos novos protocolos de comportamento e da convergência midiática desenvolveram-se novas linguagens especificas da e para a cibercultura, possibilitando que as informações em seus multiformatos transitem pelo ciberespaço e sejam acessadas pelos usuários em qualquer lugar do planeta.

Navegando através de novas linguagens e protocolos de comportamento

Cada cultura tem uma forma ímpar de se manifestar, a cibercultura também tem características específicas e desenvolveu uma linguagem própria.

A arte na cibercultura vai abusar da interatividade, das possibilidades hipertextuais, das colagens (sampling) de informações (bits), dos processos fractais e complexos, da não linearidade do discurso, [...] a arte passa a reivindicar, mais do que antes, a idéia de rede, de conexão, transformando-se em uma arte da comunicação eletrônica. O objetivo é a navegação, a interatividade e a simulação para além da mera exposição/audição. (LEMOS, 2011, [s/p])

Aqui o autor relaciona as linguagens ciberculturais com as necessidades da arte eletrônica, mas a essência aplica-se também para os demais multiformatos linguísticos disponíveis na cibercultura.

As linguagens são abordadas por Santaella (2007, p. 24) como “aquilo que constituímos” como humanos e “aquilo que nos constitui” humanos. Ela afirma que “já não há lugar, nenhum ponto de gravidade de antemão garantido para qualquer linguagem, pois todas entram na dança das instabilidades”. Com o ciberespaço “linguagens antes consideradas do tempo – som, verbo, vídeo – especializam-se” e ocuparam o novo espaço instaurando-se como “linguagens tidas como espaciais – imagens, diagramas, fotos” que “fluidificam-se nas enxurradas e circunvoluções dos fluxos”. Para ela, o “espaço líquido”1 – que possui características moventes e fluídas – utiliza-se da linguagem multimídia (com mobilidade e flexibilidade, mutação e multiplicidade) para dialogar com as informações.

Estas características, mudanças e adaptações da linguagem cibercultural podem ser facilmente observadas.

Textos, imagem e som já não são o que costumavam ser. Deslizam uns para os outros, sobrepõem-se, complementam-se, confraternizam-se, unem-se, separam-se e entrecruzam-se. Tornaram-se leves, perambulantes. Perderam a estabilidade que a força de gravidade dos suportes fixos lhes emprestavam. Viraram aparições, presenças fugidias que emergem e desaparecem ao toque delicado da pontinha do dedo em minúsculas teclas. Voam pelos ares a velocidades que competem com a luz. (Santaella, 2007, p. 24)

A autora aborda os aspectos e os elementos da linguagem cibercultural e a forma como eles se comportam. Também amplia seu pensamento para as relações sociais que invadem os novos espaços e culminam em novas experiências, onde ocorre uma simulação/dissimulação de presença, onde o homem recria sua condição pós-humana. Santaella (2007, p. 199-200) fala de interferência e intromissão do virtual na vida real em “uma rede móvel de pessoas e tecnologias nômades que operam em espaços físicos não contíguos”.

Ainda sobre a questão das relações humanas na internet, Lemos (2002, p. 148) afirma que “mais do que um fenômeno técnico, o ciberespaço é um fenômeno social” e ainda (2003, p. 11) atenta para a necessidade de compreensão das “novas práticas comunicacionais no ciberespaço (e-mail, listas, weblogs, jornalismo online)” e das “novas relações sociais eletrônicas e as práticas comunicacionais pessoais (weblogs, webcams, chats, icq, listas)”. Há ainda que observar-se a “nova configuração comunicacional (liberação do polo da emissão) da cibercultura”. Desta forma tornar-se-á possível visualizar a reconfiguração causada pela chegada das tecnologias informacionais de comunicação à sociedade.

“As práticas comunicacionais da cibercultura são inúmeras e algumas verdadeiramente inéditas”, como coloca Lemos (2003, p. 15), e são estas novas linguagens que permitem a interação e o diálogo das culturas do ciberespaço ampliando este relacionamento de trocas, de maneira a possibilitar um meio que disponibiliza, em apenas um suporte, uma pluralidade de formas.

Quando o tema é linguagem ciberespacial, a linearidade – um conceito base dos espaços e meios sociais tradicionais – perde sua força. Quando se está em um espaço digital não há linhas impostas a seguir, a linearidade sai de cena para a chegada do hipertexto.

O termo hipertexto foi usado pela primeira vez no início da década de sessenta. Theodore Nelson, discípulo de Vannevar Bush, cunhou o termo para exprimir a idéia de uma escritura e/ou leitura não linear em um sistema de informática. Concebendo o projeto Xanadu, Theodore Nelson imaginou uma imensa rede de informações acessíveis em tempo real, contendo todo o saber científico, onde milhares de pessoas poderiam se conectar. Nela as pessoas poderiam ler, escrever e interagir, utilizando de todos os recursos disponíveis: textos, imagens e sons. (MONTERICE, 2011, [s/p])

Conforme o autor, Theodore Nelson agrega ao termo hipertexto o sentido de escrita não sequencial que se caracteriza pela não linearidade, ou seja, pela liberdade que o usuário tem de escolher o curso, o movimento da leitura através de um quase ilimitado conjunto de documentos em formatos de texto escrito, imagem ou som. Através desta ferramenta é permitido o acesso total e completo aos conteúdos disponibilizados em uma rede em qualquer e para qualquer parte do globo.

Tecnicamente, um hipertexto é um conjunto de nós conectados pelas ligações. Os nós podem ser palavras, páginas, imagens, gráficos ou partes de gráficos, sequências sonoras, documentos complexos que podem ser, eles próprios, hipertextos. Os itens de informação não estão ligados linearmente, como numa corda com nós: cada um deles, ou a maior parte estende as suas ligações em estrela, de modo reticular. (LÉVY, 1994, p. 33)

Para o autor, o hipertexto permite ao usuário a livre escolha dos acessos, a direção não imposta da leitura, somando a isto inúmeros recursos sonoros, imagéticos e até mais, para que o acesso ou a consulta seja, e permaneça atraente e simplificada.

Nas mais diversas correntes de pensamento sobre o assunto, é unanime a opinião de que ao usuário interessa o aspecto dinâmico, a mobilidade e multilinearidade dos conteúdos com destaque para as caractérisitcas hipertextuais de simultâniedade de produção e circulação, ausência de limites e fragmentação. Bem como as novas possibilidades de interatividade, onde as vias são de ida e de volta, sem orientação do um para outro específico, e sim, de muitos para muitos. Enfim, através da teia hipertextual do ciberespaço, de forma linkada, passa-se de um nó a outro em segundos, e tem-se disponível uma gama ilimitada de material multimídia. Cabe acrescentar que Lévy (1994) não concebe o hipertexto apenas para a comunicação no ciberespaço, mas como parte do cotidiano social.

A estrutura do hipertexto não dá conta somente da comunicação. Os processos sociotécnicos, sobretudo, também têm uma forma hipertextual, assim como vários outros fenômenos. O hipertexto é talvez uma metáfora válida para todas as esferas da realidade em que significações estejam em jogo. (LÉVY, 1994, p. 25)

Uma variação da linguagem hipertextual é a hipermídia, uma junção de mídias em um suporte computacional, mantido por sistemas eletrônicos de comunicação. Simplificando, a hipermídia pode ser entendida como uma estrutura que organiza formas de comunicação misturando diferentes mídias.

A hipermídia é um desenvolvimento do hipertexto, designando a narrativa com alto grau de interconexão, a informação vinculada […] pense na hipermídia como uma coletânea de mensagens elásticas que podem ser esticadas ou encolhidas de acordo com as ações do leitor. As ideias podem ser abertas ou analisadas com múltiplos níveis de detalhamento. (NEGROPONTE, 1995, p. 66)

Na visão do autor as possibilidades são tão amplas como a quantidade de recursos que podem ser utilizados e variados com a hipermídia. Esta ideia é coroborada pela definição do termo conforme Gosciola (2008, p. 34) que aponta para um “conjunto de meios que permite acesso simultâneo a textos, imagens e sons de modo interativo e não linear”. Em relação às possibilidades da ferramenta o autor grifa a condição de fazer links entre elementos de mídia e controlar a própria navegação. Outro aspecto relevante é a opção de “extrair textos, imagens e sons cuja sequência constituirá uma versão pessoal desenvolvida pelo usuário”. Ainda na opinião do autor, a hipermídia “é o meio e a linguagem das novas mídias”.

Outros autores definem e qualificam esta linguagem cibercultural com base em discussões pautadas na relação intrínseca dos conceitos de hipertexto e hipermídia. Esta corrente de pensamento tem o apoio de Lévy (1994) que ao definir o conceito sustenta a não distinção entre os termos, unindo-os, ou pelo menos, apontando-os como sinônimos, visto que eles mesclam-se em razão das facilidades comunicacionais advindas das novas tecnologias.

O que se pode observar é que enquanto há conceituações de hipermídia como uma expansão do hipertexto também contemplada por outras mídias, há definições que apontam o termo como a integração de outros dois conceitos, hipertexto e multimídia, portanto distinguindo as duas tecnologias. Alguns teóricos vão ainda mais longe quando se trata das conecções viabilizadas através do hipertexto e pela hipermídia.

Além de permitir a mistura de todas as linguagens, textos, imagens, som, mídias e vozes em ambientes multimidiáticos, a digitalização, que está na base da hipermídia, também permite a organização reticular dos fluxos informacionais em arquiteturas hipertextuais, […] o poder definidor da hipermídia está na sua capacidade de armazenar informações e, através da interação do receptor, transmuta-se em incontáveis versões virtuais que vão brotando na medida mesma em que o receptor se coloca em posição de autor. Isso só é possível devido à estrutura de caráter hiper, não seqüencial, multidimensional que dá suporte as infinitas ações de um leitor imersivo. (SANTAELLA, 2004, p. 48-49)

Assim, e apesar das divergências de pensamentos quanto à conceituação, a ideia de hipermídia consiste-se em um entendimento simples; ela não apenas o acesso a um texto, mas um hipertexto ampliado, uma ligação com uma ou várias mídias diferentes e diversas. Esta realidade, antes ficcional e hoje tão cotidiana leva a um ponto fundamental da evolução do ciberespaço; a interatividade.

Para Lévy (1999, p. 29), o ciberespaço, “dispositivo de comunicação interativo e comunitário” é um instrumento de inteligência coletiva. Isto em virtude das trocas, complementações e interações que acontecem através dele, onde o leitor se torna autor. As linguagens ciberculturais são, em parte, responsáveis por esta interatividade da ferramenta, do meio e do público.

Primo (2011, p. 7-8) cita Steuer para pontuar interatividade, que ele define como “a extensão em que os usuários podem participar modificando a forma e o conteúdo do ambiente mediado em tempo real”. O autor ainda afirma que “a interação não deve ser vista como uma característica do meio, mas como um processo desenvolvido entre os integrantes”. Mas não apenas o diálogo entre usuários e suportes, veículos de acesso e máquinas deve ser observado, mas também entre os usuários e autores, além de com os outros usuários. Primo (2011, p. 11) define isto como “o que se passa entre os sujeitos, entre o interagente humano e o computador, entre duas ou mais máquinas”.

Para a continuidade deste estudo, faz-se necessária uma pontuação com base no pensamento de Lemos (2003, p. 15) onde “a internet não é uma mídia no sentido que entendemos as mídias de massa”. O autor afirma que este meio descaracteriza-se como meio tradicional de massa porque o fluxo da informação não tem um sentido unilateral de um para todos e que nem as práticas dos usuários são vinculadas a uma ação específica.

Por exemplo, quando falo que estou lendo um livro, assistindo TV ou ouvindo rádio, todos sabem o que estou fazendo. Mas quando digo que estou na Internet, posso estar fazendo todas essas coisas ao mesmo tempo, além de enviar email, escrever em blogs ou conversar em um chat. Aqui não há vínculo entre o instrumento e a prática. A Internet é um ambiente, uma incubadora de instrumentos de comunicação e não uma mídia de massa, no sentido corrente do termo. (LEMOS, 2003, p. 15)

Foi neste ambiente, composto de por uma miscelânea de formatos e mídias que a produção noticiosa encontrou um novo meio de transmitir informações.

INFORMAÇÃO NO CIBERESPAÇO: SURGE O CIBERJORNALISMO

Especula-se que a informação ganhou o meio digital nos Estados Unidos, durante a década de 80. Moherdaui (2000, p. 22) acredita que isso se deu através da produção jornalística para internet disponibilizada pela American Online. O primeiro jornal com serviços online foi o The New York Times Information Bank, que na década de 70 disponibilizava na internet textos complementares aos da edição impressa. Com o desenvolvimento da World Wide Web, o tradicional discurso jornalístico caiu na rede sendo adaptado por quase todos os jornais impressos. No Brasil, o pioneiro foi o Grupo O Estado de São Paulo, na década de 80. Mas apenas em 1995, o Jornal do Brasil realizou uma cobertura completa no espaço virtual, com base no êxito de versões similares de revistas e jornais norte-americanos e ingleses. Já em 1996, o Universo Online lançou o Brasil Online, o primeiro jornal em tempo real em língua portuguesa da América Latina e a partir daí teve início o processo de consolidação de um novo espaço de manifestação do jornalismo, surgiu um novo produto jornalístico – disponibilizado através do suporte digital – o ciberjornalismo1.

O jornalismo online iniciou disponibilizando na internet os mesmos materiais e versões das mídias originais (jornalismo impresso, radiojornalismo e telejornalismo) com mesmo formato, mesma linguagem e mesmo conteúdo, apenas um upload. Depois, os produtos jornalísticos veiculados na web passaram a utilizar um modelo semelhante aos dos meios tradicionais, com as mesmas técnicas de redação, formas e formatos, mas com criações diferenciadas que apesar de manterem as matérias do impresso, os áudios do rádio e as imagens da TV, continham o acréscimo de links e redirecionamentos. Atualmente pode-se observar que o ciberjornalismo já conta com opções de produção de conteúdo original e pautas estruturadas especialmente para a internet. Ainda assim cabe lembrar que, como apontam Bahia (1990), Bakhtin (1997), Mielniczuk (2003) entre outros, ocorre o que já foi conceituado anteriormente como convergência de formatos, processos de apropriação, reconfiguração e reestruturação desencadeados pela evolução e criação de novas formas, meios e veículos de comunicação. Isto pode ser observado também no pensamento Santaella (2007) onde nenhuma tecnologia da comunicação borra ou elimina as anteriores, o que ocorre é uma composição. No mesmo sentido, Lemos (2003, p. 15) fala sobre a migração dos formatos através da lógica da reconfiguração e não da destruição das formas anteriores, “não é transposição e não é aniquilação. Estamos mais uma vez diante da liberação do polo da emissão, do surgimento de uma comunicação bidirecional sem controle de conteúdo. E novos instrumentos surgem a cada dia…”.

Assim, além das mudanças de emissão – com o fim do fluxo “de um para todos” anteriormente destacado por Lemos (2003, p. 15) e corroborado por Silva (1997, p. 254), onde existe “a possibilidade da interlocução do consumidor com o fornecedor, do receptor com o emissor e destes entre si” – o ciberjornalismo caracteriza-se também pela apropriação e adequação de formatos. Como concorda Franco G. (2011) que estabelece uma relação entre o formato da narrativa jornalística mais habitualmente utilizada pelo impresso – a pirâmide invertida – e o formato readequado para a produção online.

A velha pirâmide narrava três vezes o fato. Primeiro num título de seis palavras, em seguida no lide e finalmente no corpo. Anunciava-se o fato (título), ampliava-se com os dados essenciais (lide) e logo se glosavam esses dados (corpo). A nova pirâmide narra uma só vez, sem repetir, desde o título, que vem a ser o mesmo lide, até o final do corpo. Título e lide passam a ser um só, e o corpo agrega informação. (FRANCO G., 2011, p. 13)

Para Franco G. (2011, p. 13) o jornalismo de internet deve ser redigido com base neste esquema tradicional, adaptado às novas exigências; “existe, pois, um novo estilo de pirâmide invertida”. E esta mutação da narrativa propõe com base no pensamento Canavilhas (2011, [s/p]) uma pirâmide deitada. O modelo apresentado pelo autor redefine quatro níveis de leitura, onde a Unidade Base – o lide – responderá ao Quê, Quando, Quem e Onde, “este texto inicial pode ser uma notícia de última hora que, dependendo dos desenvolvimentos, pode evoluir ou não para um formato mais elaborado”. No Nível de Explicação se encontram as respostas ao Por Quê e ao Como, “completando a informação essencial sobre o acontecimento”. Já no Nível de Contextualização são oferecidas mais informações “em formato textual, vídeo, som ou infografia animada” sobre cada uma das perguntas básicas de Kliping. E é o Nível de Exploração, “o último, que liga a notícia ao arquivo da publicação ou a arquivos externos”, estes anteriormente produzidos e armazenados e sob os mais variados formatos.

Figura 4

O formato permite ao usuário interromper a leitura em qualquer das etapas e, assim como ocorre com a pirâmide invertida do impresso, não perder o entendimento do conteúdo. Canavilhas (2011, [s/p]) aborda ainda que o modelo oferece a “possibilidade de seguir apenas um dos eixos de leitura ou navegar livremente dentro da notícia”. Silva (1997, p. 254) concorda, afirmando que no jornalismo do ciberespaço “o que era unidirecional passou a ser reticular”.

Ainda em relação às pirâmides do jornalismo é necessário observar que enquanto nos formatos tradicionais elas estruturam-se em ordem e sequência de tempo ou relevância dos fatos, no ciberjornalismo esta estruturação é feita por aprofundamento de camadas, partindo da informação superficial até a mais apurada.

Algumas características do ciberjornalismo – viabilizadas pelo suporte midiático que sustenta este discurso noticioso – devem ser destacadas. Com base no pensamento de Palacios (2011) são elas a Multimidialidade/Convergência, a Interatividade, a Hipertextualidade, a Personalização, a Memória e a Instantaneidade do Acesso/Atualização Contínua. O que pode ser observado é que a narrativa jornalística digital tem à sua disposição espaços tendencialmente ilimitados, com informações organizadas através de diversas estruturas hipertextuais (hipertextualidade) e composição abrangente à variados elementos de mídias (multimidialidade). Também faz uso da interatividade, flexibilidade, inter-relação, personalização e dinamicidade. Destaque-se também a viabilidade técnica e econômica da internet para acúmulo e distribuição de informações, o meio permite o armazenamento e o acesso facilitado a materiais já disponibilizados, tanto no momento da produção, quanto do consumo da informação jornalística.

Atente-se que na conceituação de Marcondes Filho (2002, p. 48) – em sua divisão de 5 épocas distintas do jornalismo – há a indicação do papel do ciberjornalista no que o autor considera como “Quarto jornalismo”, que abrange o período de 1960 em diante: “Marcado pela informação eletrônica e interativa, como ampla utilização da tecnologia, mudança das funções do jornalista, muita velocidade na transmissão de informações, valorização do visual e crise da imprensa escrita”.

O ciberjornalismo – que é o jornalismo (narrativa jornalística tradicional) disseminado através do ciberespaço e, cada vez mais, estruturado com base nas possibilidades multimídias que este suporte apresenta – ainda não possui uma forma ou formato convencional de manifestação estabelecido. Mas navegando pelos espaços midiáticos, alguns modelos já podem ser observados, entre eles algo chama a atenção, simples e completos apresentam-se os especiais intermídia.

Intermídia, especiais intermídia, especiais multimídia, reportagens multimídias: vários nomes, um novo formato

Quando o foco de discussão são os formatos ciberjornalísticos, entra em pauta a necessidade de conceituar as transformações da linguagem e as formas de apresentação dos produtos que veiculam informações jornalísticas nos meios digitais. Estas transformações derivam de características próprias ao discurso ciberjornalístico, então, a hipertextualidade, a multimidialidade e a interatividade propiciaram, com base em Longhi (2010), o surgimento de um modelo que tem sido chamado de especiais multimídia, reportagens multimídia, especiais intermídia e/ou intermídia3.

Assim, buscou-se nos estudos de Longhi a origem do termo que nomeia o formato intermídia.

Em 1966, o poeta Dick Higgins concebeu o termo intermedia, uma categoria formal para definir uma inter-relação entre diferentes formas de representação que se fundem em um novo meio. “Quando dois ou mais meios discretos se fundem conceitualmente, eles se tornam intermedia. Diferem de meios mistos, sendo inseparáveis na essência da obra de arte” (Higgins, 1984: 138). Higgins nomeou um fenômeno nas artes e definiu um quadro de referência para que tais manifestações artísticas fossem compreendidas e categorizadas. (LONGHI, 2011b, p. 1)

Conforme a autora (2011b, p. 3), Higgins cunhou a característica “fusão conceitual” do conceito de intermídia, onde o embasamento do formato está na “fusão conceitual de meios distintos entre si que, conjugados no nível do seu significado, formam um terceiro meio, este, diferente dos anteriores, e por isso mesmo, apto a uma nova classificação e denominação”.

O conceito também foi abordado por Plaza (2001), quando analisou as passagens da linguagem nos meios digitais e apontou que o trânsito de signos por diferentes suportes produz novos signos, e assim, linguagens renovadas.

Tanto multimídia como intermídia são categorias interdisciplinares que, como colagem ou síntese-qualitativa, colocam em questão as formas de produção-criação individual e sobretudo a noção de autor. [...] os meios tecnológicos absorvem e incorporam os mais diferentes sistemas sígnicos, traduzindo as diferentes linguagens históricas para o novo suporte. (Plaza, 2001, p. 66)

Desta forma também, o autor define os caminhos da linguagem entre os meios eletrônicos através de duas pontuações distintas, onde a multimídia é composta pela colagem de linguagens (formas diversas de discurso, sobre o mesmo tema, disponibilizadas em um mesmo suporte) e onde a intermídia é a síntese qualitativa da hibridação de meios (formas diversas compõem um único discurso - não apenas temas ligados entre si - disponibilizado em um formato integrado). Em relação às linguagens do intermídia, Longhi (2008) completa que ocorre uma mistura de meios que se mesclam e mantêm algumas características e adquirem outras, produzindo então novos formatos específicos de linguagem. Assim, multimídia e intermídia são conceitualmente diferentes, mas abordados e tidos como sinônimos.

O formato intermídia – que pode ser entendido como uma mistura inter-relacionada, contida em um mesmo e novo modo de representação, uma fusão de dois ou mais meios que já existem formando um novo meio – quando relacionado às criações jornalísticas do ciberespaço, inclui a remodelação de meios, formatos e formas anteriores unidas e convergendo em algo novo, marcado pela junção de técnicas e significados. Como afirma Longhi (2011b, p. 12), “nos meios digitais, meios se unem e com eles seu significado conceitual, resultando em novos meios”.

Mais especificamente voltado ao ciberjornalísmo, o conceito de intermídia inclui uma nova linguagem que pode ser entendida como a inovação do formato de linguagem da cibernotícia, a linguagem da internet, e que reúne – em sua apresentação, construção e transmissão – diferentes formatos informativos que se relacionam, inter-relacionam e se completam, constituindo uma nova forma de narrativa jornalística. Trata-se de um produto obtido através da formatação de mídias jornalísticas que deixam de ser várias isoladas, apresentadas lado a lado, para se tornar uma só, construindo um relato intermidiático que pode se apresentar de modo sequencial ou não linear e que pode ser acompanhado parcial ou consecutivamente. De um modo mais simples, o intermídia – através das possibilidades hipermidiáticas – reúne, converte, agrega e converge o impresso (texto e fotos), o radiofônico (som) e o televisivo (imagem) na mesma cobertura jornalística, construindo um novo formato composto de várias linguagens em um mesmo discurso coerente (não apenas justaposto, mas integrado), disponibilizado no suporte digital e permitindo consumos multilineares ao usuário.

Longhi (2011a, [s/p]) aponta que a combinação de linguagens do intermídia vai além da colocação dos formatos na tela, “traduz-se mais pela combinação conceitual, pela mistura de meios que, ao se mesclarem, mantêm algumas características e adquirem outras, produzindo formatos específicos de linguagem”. O que ocorre é uma convergência das linguagens tradicionais para dentro do intermídia, então o conjunto de informações do fazer jornalístico se desdobra, se amplia.

Faz-se necessário pontuar que Alzamora (2011) afirma que o jornalismo em seus formatos tradicionais transmite a mensagem para amplas quantidades de receptores heterogêneos e dispersos geograficamente e que a ação destes é limitada e mediada pelos jornalistas. Isto muda com a reticularidade do ciberjornalismo que revolucionou não apenas a emissão, a transmissão e a recepção da informação, mas também a usabilidade desta e a interatividade do usuário. Pontua-se também que Longhi (2008), com base em Bolter e Grusin (1999), afirma a remodelação dos formatos, já que as novas mídias remodelam as anteriores, assim, os meios tradicionais são remodelados no ambiente digital e esta remodelação influencia mudanças no comportamento dos meios anteriores também em seus suportes característicos.

O intermídia, apesar de ser um formato recente já apresenta características distintas, como fusão conceitual e unidade comunicativa. Estas características e potencialidades só são possíveis devido a fatores essenciais, como os avanços tecnológicos. Longhi (2011a [s/p]) com base no pensamento de Boczkowski (2006), conclui que “as práticas relacionadas com a tecnologia são fundamentais para o trabalho editorial que implica a construção de conteúdo informativo nas redações online”. A autora (2011a [s/p]) também faz uso dos conceitos de “Flash Journalism” e “pacotes online” desenvolvidos por McAdams (2005) que trata de “produtos informativos elaborados para o meio digital utilizando a tecnologia do software Flash4”.

Conforme Longhi (2011a, [s/p]) com o Flash a construção das informações jornalísticas ganha agilidade para as ligações das páginas e hipertextos na internet. Apesar de não ser um determinante para a realização do formato, possui a capacidade de combinação dos elementos e permite “produzir aplicações jornalísticas que se utilizam de vários formatos de linguagem, em janelas únicas, e ainda, com animações complexas em arquivos bastante reduzidos”. Para a autora, “os elementos podem ser colocados em camadas, capazes de serem acessadas alternadamente, e que ainda dialogam entre si nas mesmas coordenadas da tela, sem a necessidade de uma nova página” e, além disto, o software “compõe-se não somente da própria ferramenta de produção, mas também do tocador (player) e do plug-in”. Ainda conforme McAdams (2005) citada por Longhi (2011a, [s/p]) há remodelações também nas narrativas, “os produtos realizados em Flash proporcionam novas configurações de relatos jornalísticos”, tanto devido às características como pelo possível controle do usuário. Estas características do software tornam mais fáceis as combinações de mensagens verbais, sonoras e visuais em um mesmo formato numa interface única e simples e possibilitam ao usuário o controle através das múltiplas escolhas e da interatividade.

Assim, com o Flash, permitindo uma conversa, um diálogo entre as mídias, e simplificando a construção de formatos específicos da informação nos meios digitais, cada vez mais podem ser observadas coberturas ciberjornalísticas que fazem uso do formato intermídia. E este gênero jornalístico próprio dos meios digitais, ao utilizar e disponibilizar – através de um arquivo com um único formato – os códigos informativos de todos os meios de comunicação de maneira convergente, coesa, integrada e interativa, chama a atenção e se transforma cada vez mais na opção de veículos de comunicação online e de usuários em busca da notícia completa. Um exemplo é o intermídia “Os Infiltrados”, disponibilizado pela Zero Hora do Grupo RBS, objeto do estudo de caso de análise qualitativa realizado no próximo capítulo.

“OS INFILTRADOS”, UM ESTUDO DE CASO COM BASE NO FORMATO INTERMÍDIA

O desenvolvimento de meios e formatos de informação é hoje um processo muito rápido, o novo torna-se obsoleto antes mesmo de ser completamente desvendado. O intermídia é um dos produtos recentes desta linha evolutiva e, talvez em razão do ritmo frenético que a comunicação e principalmente o jornalismo assumiram, é carente de análises e investigações. Buscar referenciais que apontem o que é, como é e para o que é o formato intermídia é um dos objetivos desta análise, para que estes conceitos sirvam como base ao questionar a influência que a linguagem intermídia exerce sobre a narrativa jornalística. Para realização da investigação será observado o método de estudo de caso.

A escolha do estudo de caso como metodologia de pesquisa e forma de desenvolvimento desta monografia se baseia em autores que apresentam este modelo como o mais adequado em relação a estudos que utilizam o “como” na pergunta central. Assim, para pontuar de que forma a linguagem intermídia transforma a narrativa jornalística no caso do hotsite “Os infiltrados” este trabalho – através do destaque e comparação das chaves de leitura dos capítulos teóricos em relação ao produto na prática – buscará as aproximações e os distanciamentos entre as formas tradicionais de jornalismo e a narrativa jornalística do formato intermídia.

Um método é um conjunto de processos pelos quais se torna possível conhecer uma determinada realidade, produzir determinado objeto ou desenvolver certos procedimentos ou comportamentos (OLIVEIRA, 1999). O método científico caracteriza-se pela escolha de procedimentos sistemáticos para descrição e explicação de uma determinada situação sob estudo e sua escolha deve estar baseada em dois critérios básicos: a natureza do objetivo ao qual se aplica e o objetivo que se tem em vista no estudo (FACHIN, 2001). (Cesar, 2011, [s/p])

Para a definição do método de uma pesquisa, conforme Bressan (2011, p. 2) baseado no pensamento de Yin (1989), “é preciso analisar as questões que são colocadas pela investigação”. O estudo de caso “é adequado para responder às questões ‘como’ e ‘porque’ que são questões explicativas e tratam de relações operacionais que ocorrem ao longo do tempo mais do que frequências ou incidências”. O autor ainda indica o uso do método quando o estudo aborda “eventos contemporâneos, em situações onde os comportamentos relevantes não podem ser manipulados, mas onde é possível se fazer observações diretas e entrevistas sistemáticas” e contempla evidências diversas como documentos, artefatos, entrevistas e observações. Outras considerações relevantes para Bressan (2011) estão na amplitude e na complexidade do fenômeno a ser analisado e no fato do mesmo não poder ser estudado fora do contexto no qual ele naturalmente ocorre.

Ainda neste sentido, esta justificativa ancora-se na caracterização feita por Cesar (2011) ao descrever e abordar os estudos de caso de maneira bastante simples, demostrando porque o método se aplica ao caso abordado nesta monografia.

Pode-se dizer que os estudos de caso têm algumas características em comum: são descrições complexas e holísticas de uma realidade, que envolvem um grande conjunto de dados; os dados são obtidos basicamente por observação pessoal; o estilo de relato é informal, narrativo, e traz ilustrações, alusões e metáforas; as comparações feitas são mais implícitas do que explicitas; os temas e hipóteses são importantes, mas são subordinados à compreensão do caso. Assim, um estudo de caso é mais indicado para aumentar a compreensão de um fenômeno do que para delimitá-lo. (Cesar, 2011, [s/p])

O pensamento de Goldenberg (2001) também corrobora com a escolha deste método científico, pois descreve o estudo de caso como a reunião do maior número de informações detalhadas – por meio de diferentes técnicas de pesquisa – que tem como objetivo compreender a totalidade de uma situação e descrever a complexidade de um caso concreto, como “Os Infiltrados”.

Aproximações e distanciamentos: jornalismo versus intermídia

Quando o estudo de caso é o método utilizado para a realização de uma análise, é necessário primeiramente apresentar o objeto de estudo. Neste caso – e tratando-se de um produto midiático – isto pode ser feito através dos recursos da descrição que simplifica a complexidade hipertextual do produto arranjando-a a partir da percepção do investigador, que ao buscar sistematizar o objeto – neste caso o formato intermídia – promove a compreensão do mesmo.

Sob este pressuposto, o intermídia “Os Infiltrados” é acessado quando o código http://www.clicrbs.com.br/zerohora/swf/infiltrados/index.htm é digitado em uma barra de endereços de um navegador conectado à internet. Após o rápido carregamento do arquivo – leva somente alguns segundos – ele fica disponível para navegação pelas interfaces mesmo sem a conexão web.

A primeira interface que se abre pode ser interpretada como um lide. Ela exibe uma barra fixa – permanente durante toda a apresentação – que contém o título1 do produto que segue. No centro, um texto introdutório é composto pela apresentação da informação, com o destaque do fato noticioso atual, a indicação dos caminhos que podem ser acessados e a definição do material jornalístico desenvolvido.


Interface 1: O intermídia abre sua exibição com um lide, composto por título e introdução da notícia.

A interface inicial contém ainda um ícone que dá início à exibição/execução do arquivo, como um play, um botão “ligar” e é a partir deste ponto que se torna indispensável à ação do usuário, que ao navegar pelo arquivo, interage com o formato e seus contornos plásticos, optando entre as preferências e alternativas de exibição oferecidas. Mas é ao passar pela introdução que, de modo empírico, podem ser percebidos – até para um leitor, ouvinte ou telespectador dos formatos tradicionais – que esta investigação pontua seus primeiros problemas específicos de pesquisa: o formato apresentado, excetuando o fato de encontrar-se ligado a uma publicação/empresa jornalística, pode ser considerado uma narrativa jornalística?

Na intenção de obter uma resposta a tal questionamento torna-se relevante resgatar os aspectos apontados no capítulo 3, item 3.1 deste relatório, onde se observa uma caracterização conceitual do produto deste estudo como um intermídia, representado pela união de formatos e da convergência de várias linguagens para dentro de um mesmo arquivo, no caso o arquivo de “Os Infiltrados”.

Outro aspecto que corrobora com esta proposição é a presença dos hipertextos, da hipermídia, dos materiais linkados e das interfaces interativas, que embora sejam elementos de uma linguagem ainda em construção no processo de constituição da cibercultura, se desdobram na apresentação de um conteúdo informativo, apresentando um produto dotado de unidade comunicativa.

Mas, para sua caracterização como produto jornalístico, é preciso, mais do que isto. Tem-se que atentar ainda para a narrativa proposta, reconhecendo que ela contempla um relato de fatos com base em acontecimentos de interesse público e que, por isto mesmo, possuem sentido social; ou seja, as revelações dos agentes do governo que viveram infiltrados no período da ditadura militar no Brasil, incluindo as novas descobertas, os depoimentos e a documentação histórica encontrada. É este conteúdo, identificado e categorizado que auxilia na caracterização do produto jornalístico, e que fica evidente já na citação inicial do objeto estudado:

Duas décadas e meia depois do período militar, agentes do governo revelam a Zero Hora como se disfarçavam para se misturar aos opositores do regime e vigiá-los. [...] Esta reportagem multimídia reúne depoimentos dos entrevistados, documentos e fotos históricas que revelam quem eram e como agiam os agentes infiltrados do Rio Grande do Sul, atuantes nas décadas de 1970 e 1980, além dos textos que integram a série no jornal impresso. (“Os Infiltrados”, disponível em

Somado a isto, é possível observar que as formas de apuração da informação no intermídia são as mesmas utilizadas por outros formatos do jornalismo, pois a partir do conteúdo exibido, evidencia-se a recorrência de fontes, a utilização da entrevista como meio de coleta de dados, a busca por documentos oficiais e não oficiais, a necessidade de seleção dentre o conteúdo reunido e a opção por uma forma de organização dos mesmos, com o objetivo final de disponibilização para acesso do público. Além disto, a forma de recepção é comum a ambos, coletiva. Há apenas que pontuar-se que neste novo formato do ciberjornalismo, ela não é potencialmente massiva2, isto porque é o usuário que decide – de maneira individual – como, em que sequência, tempo e prazo irá acessar o conteúdo.

Os fatos sociais narrados pelos formatos tradicionais de jornalismo não apenas marcam e pautam o desenvolvimento do intermídia, mas estão presentes nas interfaces objetiva (a existência dos agentes infiltrados) e subjetiva (a composição do arquivo intermídia com as informações disponíveis em texto, som e imagem) do produto, através das informações que podem ser percebidas e significadas socialmente.

Em relação às formas de construção, organização e apresentação da notícia, o que pode ser observado é que o intermídia tem sua estrutura marcada pela pirâmide deitada, que se constitui a partir do redimensionamento das antigas pirâmides já observadas nos formatos tradicionais. Entretanto, no caso “Os Infiltrados”, cabe destacar que esta é a forma de construção da informação intermídia, mas não necessariamente será sua forma de exibição, uma vez que a leitura, ou melhor, os caminhos percorridos pelo usuário alternam-se a cada acesso e dependem de sua ação sob os links disponíveis, de modo que não há uma linearidade obrigatória quanto à execução do arquivo.

A imagem que segue representa a interface disponibilizada após o usuário executar o play do intermídia. Nela é possível ter acesso a uma gama superficial de informações, o que pode ser entendido como uma estratégia comunicacional que leva o usuário a navegar mais e durante um tempo maior pela rede de nós de que se constitui o produto. Tal imagem representa também a página principal a qual o usuário tem acesso, revelando uma informação que, aparentemente, tem pouca profundidade. No entanto, esta impressão é apenas mais uma evidência da pirâmide característica do ciberjornalismo – deitada – cuja estrutura está organizada em camadas de informação, transitando da superficialidade para o aprofundamento à medida que o usuário navega pelo hipertexto.

Observa-se na interface que este mapa inicial permite apenas a identificação dos sete agentes infiltrados, exibindo seus nomes e suas fotografias sobre uma rede que os relaciona. Para saber mais é preciso navegar, escolher e clicar sobre as opções oferecidas.


Interface 2: O intermídia tem sua estrutura marcada pela pirâmide deitada do ciberjornalismo.

Há na interface um ícone representado pelo signo de uma câmera de vídeo que indica a possibilidade de acesso a mais informações através de um arquivo em vídeo, assim como na parte inferior, abaixo da interface, há uma aba fixa que – durante toda exposição do intermídia – exibe de forma constante, ícones representados pelo símbolo de uma folha de papel que indicam mais opções em texto; matérias publicadas na edição online da ZH.

Estes nós hipertextuais exigem conexão web, mas ao acessá-los o usuário não perde a execução do arquivo intermídia, ele é redirecionado, o vídeo é apresentado sobre a interface do mapa de agentes (ele já está carregado dentro do formato, o início de sua exibição é imediata) e os textos abrem outras abas de endereço e exibição no navegador.

Ainda abordando a construção do intermídia através das pirâmides do jornalismo, pode-se observar que – isoladamente, dentro das estruturas dos formatos característicos – as pirâmides invertida, normal e mista aparecem, mesclando-se às propriedades da estrutura em pirâmide deitada, que norteia o intermídia no caso “Os Infiltrados”.


Interface 3: O intermídia apresenta pirâmides dos formatos tradicionais do jornalismo nos arquivos que são executados quando o usuário clica sobre os ícones que indicam uma opção para mais informações.

É a pirâmide deitada do intermídia que permite ao usuário interromper a leitura em qualquer das etapas em que ele esteja, sem que pareça que a leitura tenha sido abruptamente interrompida. Isto porque a linguagem da cibercultura é construída a partir de fragmentos – e como bem lembra o princípio hipertextual da multiplicidade de encaixe e escalas sugerido por Lemos (2002) – cada um deles pode revelar-se como parte de toda uma rede, mas ainda assim é um texto por si só, autossuficiente.

Desta forma, pode-se apenas ler o mapa da página inicial, sem necessariamente ter de clicar nos links disponíveis. Sua imagem já é um texto compreensível mesmo sem o acesso a qualquer outra informação, ou melhor, a outro fragmento disponível dentro do imenso texto que é o intermídia. Por outro lado, pode-se optar pelo aprofundamento da informação, clicando em cada uma das imagens indicadas pelo mapa. Mas uma ação não depende da outra, como também não a exclui. Cada passo dado em direção ao desvelamento da rede de informações significa uma compreensão mais complexa da narrativa, mas esta caminhada não é obrigatória.

Entretanto, a própria estrutura intermídia propõe certas estratégias de leitura, já que existem padrões de organização das informações que constituem um menu de elementos de apresentação, e este se repete a cada nova interface acessada.


Interface 4: O intermídia utiliza um menu de elementos de apresentação, que de modo padronizado indica possíveis estratégias de leitura. São ícones com signos que representam o formato do arquivo disponível.

Os ícones do menu são representações de signos denotadas de acordo com o conteúdo do dado a ser apresentado: escrito, imagético ou sonoro. Esta estrutura permite seguir eixos de leitura ao mesmo tempo em que possibilita a reticularidade, ou seja, uma navegação livre pela notícia, diferente da unidirecionalidade dos formatos tradicionais (de cima para baixo, da direita para a esquerda, do início para o fim). Ainda neste sentido, outra peculiaridade denuncia esta característica reticular do intermídia, a qualquer instante o usuário pode retornar ao caminho anterior ou mesmo seguir em outra direção que não aquela proposta inicialmente pela estratégia. Para retroceder as interfaces anteriores, há na parte superior direita outro ícone do menu, significado por uma lupa com um sinal de menos, como se indicasse uma redução de zoom, voltando em uma camada a profundidade da informação.

Outro elemento que aproxima o intermídia “Os Infiltrados” do formato jornalístico de gênero informativo – embora que uma estrutura ainda pouco familiar – aparece durante a navegação. Podem ser percebidos os tipos (as apresentações dos agentes do governo), a ação (as descrições dos casos e fatos) e o ambiente (locais dos acontecimentos) da narrativa, ambos ligados aos dados verídicos. Estas passagens são apresentadas ao usuário através de indicações visuais. Além do menu de elementos de apresentação, o intermídia se utiliza de linhas de conexões que destacam-se em vermelho, acendendo-se na tela quando o mouse incide sobre elas. São os nós do hipertexto – onde duas ou mais informações se encontram – que informam ao usuário que ali há um caminho a seguir. Este é mais um dos padrões de estratégia comunicativa apresentado pelo formato.


Interface 5: O intermídia utiliza indicações visuais para atrair o leitor para camadas mais profundas de informação, as linhas de conexão destacam-se em vermelho quando o mouse incide sobre elas.

De forma empírica, se pode perceber que observando as estratégias de leitura apresentadas para a personagem em destaque, a primeira impressão parece indicar que o usuário deve acessar e ler todo o conteúdo sobre ela, esgotando os links e documentos disponíveis em primeiro plano, mas o mapa inicial que vaza por trás da foto, revela outras interfaces possíveis, novos textos que não dependem deste esgotamento para significarem.

Diante do exposto, pode-se, então dizer que existe uma pluralidade de estratégias que dialogam durante a leitura do intermídia. Uma ou outra pode prevalecer, mas também o usuário pode criar outras tantas, subjetivas, que se sobreponham em relação àquelas sugeridas.

Referente ainda à narrativa jornalística do intermídia constata-se que ela sofreu uma mudança e uma adaptação em razão da evolução do canal de comunicação que a suporta e na tentativa de suprir as necessidades que possui a sociedade digital na qual ela está inserida. Assim, pode ser percebido que a estratégia comunicativa do formato busca contemplar o maior número de aspectos de uma mesma cobertura jornalística, atendendo as necessidades de informação dos mais diversos públicos e suprindo desde a informação superficial, passando pelo fato noticioso até a apuração de maior profundidade. Seguindo os caminhos de dados para dentro do intermídia, o usuário aumenta o grau de interação e ao final da exposição, tendo acessado todos os conteúdos, ele desdobrou o formato e consumiu as informações de forma contextualizada e complexa.

Outro aspecto observado é que a estrutura intermídia contempla em sua totalidade as seis perguntas básicas de Kliping. Os nomes, fotografias e documentos de caracterização respondem ao “quem?”. O “quando?” e o “onde?” estão nas datas, períodos de infiltração, informações cronológicas, mapas, indicações de localização, imagens, linhas de tempo e espaço. O “o quê?” e o “como?” são parte dos documentos históricos, ações reconstituídas, histórias contadas, fatos noticiosos e novas informações reveladas pelos agentes infiltrados. O “por quê?” está nas conclusões dos materiais, documentos, pequenos lides que indicam as informações disponíveis nos nós hipertextuais, depoimentos. Todas estas informações estão distribuídas pelo formato intermídia em textos, fotos, áudios, reproduções e vídeos.


Interface 6: O formato contempla as seis perguntas básicas de Kliping. As informações, distribuídas em dados textuais, sonoros e imagéticos, são fragmentos do todo que é o intermídia “Os Infiltrados”.

O intermídia, enquanto produto jornalístico apropria-se do termo usuário de forma bastante significativa. Nas primeiras manifestações e formatos adotados no ciberjornalismo o usuário já repassava, comentava e até produzia informação, mas no intermídia ele é parte integrante deste conteúdo, ditando o que e como quer acompanhar, interagindo com o formato e, em consequência, com a informação.

Este conteúdo digital e intangível criado através do Flash, que se abre para infinitas possibilidades pode ser produzido, revisto, compartilhado infinitamente e sem perda de qualidade, criando padrões e estratégias comunicativas baseadas na não linearidade e na ausência de restrições de espaço e tempo. Contemplando a Lei de reconfiguração, a lei de Liberação do polo da emissão e a Lei da conectividade generalizada, ambas conforme Lemos (2003), percebe-se que o intermídia surge como uma nova linguagem, uma nova narrativa jornalística que reúne num todo o melhor de cada um dos formatos e descarta as limitações apresentadas pelos mesmos.

Quanto ao arquivo digital percebe-se que não há linhas impostas a seguir durante a execução, mas que o formato configura um mapa, tanto a partir do mundo físico que se reconstrói no ciberespaço, como nos possíveis caminhos a seguir dentro de “Os Infiltrados”. Ainda a partir de observações empíricas, o intermídia não apenas converge do hipermídia, mas o amplia significantemente, deixando de ser uma parte de, para torna-se – através de um arquivo index.html – o todo.

Com base nas conceituações realizadas sobre o ciberjornalismo não há como não estabelecer uma íntima relação entre o jornalismo no ciberespaço e o intermídia, se eles não são descendentes diretos – como pai e filho – então o segundo é resultado da evolução do primeiro. Este desenvolvimento dos meios de comunicação, abordado neste estudo de caso como a midiamorfose de Mielniczuk (2003), culmina em uma mudança de formato e se o formato muda, muda também à forma de leitura da informação e sua significação social. Deste modo, o intermídia como um formato novo constituído de um arquivo único, torna-se por si só e em si mesmo a mensagem. Quem sabe até, ampliando o entendimento do conceito de McLuhan (1969) de que “o meio é a mensagem”.

Evidencia-se ainda, como já apontava Longhi em seus estudos, que o intermídia – como fusão conceitual de meios distintos que formam outro meio e assim é apto a uma nova classificação e denominação – não pode ser conceituado, caracterizado ou entendido como nenhuma das formas já tradicionalmente entendidas como jornalísticas.

Assim com base no estudo de caso realizado no hotsite “Os Infiltrados” responde-se de forma afirmativa a pergunta desta pesquisa: sim, a linguagem intermídia transforma a narrativa jornalística. Acresce-se também a constatação de que o intermídia insinua-se como um novo formato jornalístico derivado do gênero informativo e próprio dos meios digitais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A finalidade desta investigação – baseada nas aproximações e nos distanciamentos entre a fundamentação construída e o intermídia “Os Infiltrados” – era contemplar através de referências conceituais o que é, como é e para o que é, o produto base deste estudo de caso e então, questionado se o surgimento e a consolidação do formato modifica a narrativa jornalística, evidenciar que sim.

Desta forma, repensando o jornalismo em suas narrativas tradicionais, fica demonstrada a percepção do intermídia como parte do gênero informativo e – havendo necessidade de classificação – como um formato jornalístico, tanto quanto a nota, a notícia, a reportagem ou a entrevista. O intermídia firma-se como produto jornalístico apropriando-se, convergindo, metamorfoseando e ampliando a narrativa jornalística dos formatos tradicionais. Também atingindo – através de seu formato – públicos alvos diferenciados. Isto se dá devido à facilidade de obtenção da informação dentro dele e da gama de possibilidades de aprofundamento, já que estão disponíveis informações em áudio, vídeo ou texto, organizadas em camadas que abrangem desde a notícia simples, o fato noticioso, até os desdobramentos do conteúdo, nos extras e opiniões. As escolhas – de o que e em que formato consumir – são do usuário.

A utilização dos intermídias como produtos do ciberjornalismo, apesar de recente, já permite a observação de algumas alterações como o aumento do número de grandes coberturas jornalísticas nos veículos online, a concentração da totalidade do conteúdo para acesso através de um único espaço e as ressignificações da informação jornalística e do usuário. No caso da informação no intermídia todos os elementos se transformam em mensagens e o próprio meio torna-se parte da mensagem. No “Os Infiltrados” pode ser percebida também, de maneira empírica, uma mudança na absorção do conteúdo pelo usuário, que consome os formatos pré-concebidos e já consolidados através de uma nova ótica. Durante a leitura do arquivo intermídia, as informações em áudio, por exemplo, não são recebidas da mesma forma que quando transmitidas pelo rádio, o mesmo se dá com imagem e texto. Isso ocorre em razão da diferença de ambiente, da influência das estratégias comunicacionais e da postura do usuário, que não é a mesma durante a recepção de um mesmo conteúdo em diferentes situações.

Deste modo, quando mudam os gestos de observação e absorção das informações, as modificações atuam sobre a zona de conforto do usuário, já não bastando apenas sentar-se no sofá e consumir o material pronto e finito do papel, da frequência das ondas eletromagnéticas ou da tela. No intermídia não existe mais uma ideia linear de leitura a ser seguida, não se obtêm informações apenas por um caminho. É necessário interagir, escolher entre as opções oferecidas, ouvir um áudio enquanto vê fotografias, deixando assim de apenas reproduzir aquilo que já conhece. Quanto ao usuário, percebe-se que o antigo leitor, ouvinte, espectador sai do papel de apenas receptor e ganha além da nominação de usuário, a interatividade de quem participa e comanda a absorção do conteúdo. Toda mensagem é dependente da ação, atuação e interação do usuário para significar. No intermídia essa relação é ainda maior, somente através das escolhas do usuário o arquivo “Os Infiltrados” desenrola-se para a leitura e acesso aos conteúdos, configurando-se assim em texto.

Cabe pontuar também que o caso desta análise apresenta linhas concebidas pela criação, uma estrutura padronizada e de opções reticulares que – apesar de em grande número – são finitas. Adentra-se então às possibilidades características do ciberjornalismo, tendo consumido todo o conteúdo disponibilizado dentro do intermídia, o usuário ainda possui opções que, através de links e redirecionamentos ampliam o acesso a novas informações e conteúdos. Esta ligação entre páginas da web – viabilizadas pela utilização dos hipertextos – complementa o intermídia.

Sabe-se então que a criação do arquivo intermídia através do Flash permite reunir mensagens verbais, sonoras e visuais combinadas em uma interface única e simples, mas que apesar de construir a impressão de ser uma página ou site ele é apenas um arquivo, um formato finito como um exemplar de jornal impresso, uma entrevista em formato Mp3 ou uma reportagem em VHS ou em extensão AVI1. As redes hipertextuais dentro deste arquivo são reticulares e permitem novas configurações aos relatos jornalísticos, reunindo diferentes linguagens recombinadas em diferentes narrativas e gêneros. Cabe ainda explorar os sentidos possíveis e as experiências viabilizadas pelas novas estruturas de construção da informação, potencializadas pelos meios digitais. E há muito a ser ousado quanto ao intermídia e quanto à sua relação com o ciberjornalismo antes da consolidação de uma estrutura narrativa para este formato.

Para compreender como foi construída a informação dentro do formato intermídia buscou-se contato com a equipe de editoria de arte da zerohora.com responsável pelo projeto “Os Infiltrados”. O objetivo era estabelecer um esquema representando a estrutura de nós que liga as informações, algo como um diagrama ou algoritmo que desenhasse as linhas de conexão ou camadas que se relacionam e dialogam entre si na estrutura construída para moldar à informação. Até o término desta análise não foi obtido retorno por parte dos autores, mas ainda assim, as observações apontam que há – por parte da criação da estrutura intermídia – certas estratégias de leitura, demostradas nos padrões de organização das informações, que se repetem a cada interface. Através desta pluralidade de táticas comunicacionais que dialogam entre si e com o usuário durante a leitura/exibição do intermídia, se evidencia uma opção para a evolução do formato.

Hoje os conteúdos ainda dividem-se entre justapostos e integrados, mas o formato caminha para torna-se referencial no meio digital e prenuncia o desenvolvimento dos formatos da notícia no ciberespaço. A narrativa intermídia – não como um molde, mas como uma base – utiliza-se destas estratégias comunicacionais para consolidar sua existência nas coberturas do ciberjornalismo, e este – mesmo com o sentido deitado da informação ainda presente – aponta em suas novas estruturas o fim das pirâmides pré-concebidas, fazendo das variações a própria estrutura.

Ainda que difícil conceber o futuro do intermídia e – em consequência – também o das narrativas, pode-se compreender que o jornalismo no ciberespaço já possui como seu gênero característico estes arquivos que reúnem diferentes linguagens recombinadas e são um, são arquivos únicos que se apresentam como o todo.

Através das investigações deste estudo de caso pode-se observar também o quanto o intermídia altera a narrativa jornalística tradicional, desde a ressignificação da informação até a estrutura líquida e fluida do formato. Atente-se especialmente para o advento de uma significativa mudança: são as pautas e as plataformas que têm formado a narrativa. Não é mais uma pirâmide que determina como a notícia será construída e sim, as informações e os recursos tecnológicos disponíveis. É com base neles que o ciberjornalista cria a estrutura que deve informar o usuário.

Midiaticamente batizadas de intermídias, estas amplas coberturas dotadas de investigação apurada e profundidade de informação, são um misto de formatos diversos convertidos para um único arquivo e estão reinventando o jornalismo firmando-se como formato ciberjornalístico. Ainda longe de uma uniformização de denominações e de uma padronização de formas, os intermídias mantêm distantes as receitas pré-prontas e o como fazer passo-a-passo, enquanto caminha ao encontro das mudanças da narrativa jornalística imposta pela evolução dos meios de comunicação e das necessidades dos usuários. Não há afirmações absolutas, muito pode ser ousado, são inúmeras as opções para experimentação, como também são muitas as perguntas. Buscar elucidações – através da análise de conceitos e da observação do produto “Os Infiltrados” – mostrou neste estudo de caso que ainda há perguntas a serem respondidas.

Realizadas estas considerações, restam questionamentos que poderiam ampliar os objetivos desta investigação. Caberia primeiramente analisar se as academias possuem condições de preparar o jornalista para as funções multimidiáticas. Também questionar se o usuário está preparado para consumir e assimilar estes novos formatos. E indagar quais são as características e narrativas que podem realmente consolidar o intermídia como formato ciberjornalístico e de forma isso tende a acontecer.

Assim compete uma pesquisa de campo junto aos usuários e uma análise conceitual e estrutural mais ampla das coberturas intermídias, já que as possibilidades do formato são inúmeras e suas opções ainda são muitas mais do que apenas as construídas até aqui. Quem sabe buscar antever – como Gibson e Lévy – o destino do formato. Será possível que a matriz do ciberespaço e a realidade virtual de Gibson associem-se à inteligência coletiva e à ecologia cognitiva de Lévy através do intermídia? Haverá como investigar as possibilidades do formato associadas às evoluções tecnológicas e questionar um espaço que reúna toda a complexidade e informações referenciais de uma pauta, permitido a interação e o acréscimo de conteúdos, links e redes hipertextuais por parte do usuário? Pode o intermídia deixar de ser um arquivo fechado, de redes hipertextuais autorreferenciais para torna-se um arquivo infinito, constantemente em construção que conectado ao ciberespaço esteja disponível para o acesso de qualquer usuário?

Este estudo de caso atingiu seus objetivos observando que a linguagem intermídia transforma a narrativa jornalística no caso do hotsite “Os Infiltrados”. A investigação foi além da pergunta central de pesquisa e conceituou o formato intermídia evidenciando-o como uma metáfora do ciberespaço, uma expressão e uma parte dele. A análise demostrou como ocorrem e quais são as consequências da transformação da narrativa jornalística e consolidação do novo formato. Também insinuou o que pode ser o futuro do ciberjornalismo através da narrativa intermídia, instigando uma nova investigação.

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Publicado por: Marilei Pessatti

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