Sífilis

Introdução

A sífilis é uma doença pertencente ao grupo das treponematoses, uma série de doenças causadas por organismos atualmente sorológica e morfologicamente indistinguíveis mas que têm padrões clínicos diferentes. As treponematoses têm transmissão venérea e não-venérea. As treponematoses não-venéreas são geralmente consideradas benignas por apresentarem complicações tardias e transmissão vertical pouco importante ou desconhecida.

TREPONEMATOSES ( agentes / epidemiologia )

Venérea: Sífilis; Agente: Treponema pallidum ; Distribuição mundial.
Não-venérea:

• Sífilis endêmica; Agente: Treponema pallidum ; Antigamente com distribuição mundial mas atualmente é encontrada apenas em áreas de baixo nível sócio-econômico.

• Sífilis congênita: incisivos de Hutchinson.Bouba; Agente: Treponema pertenue; Encontrada em áreas tropicais úmidas.

• Pinta; Agente: Treponema carateum; Encontrada na América Central e no noroeste da América do Sul.

Histórico e História Natural

A sífilis é uma doença milenar, descrita biblicamente. A palavra sífilis vem do grego: sys = porco + philein = amar e significa “amor imundo”. Já a palavra lues, usada como sinônimo de sífilis, vem do latim e significa praga, pestilência, epidemia e corrupção.

Parece provável que as manifestações clínicas das treponematoses resultem de mudanças ambientais através dos tempos, de um ancestral comum. A origem e antigüidade deste ancestral é ainda objeto de controvérsia, porém esta origem comum é sugerida pelo achado de crânios no Iraque e no Peru datados de um milênio a.C. com lesões de periostite atribuídas a treponematoses.

A sífilis é uma doença de distribuição mundial que não respeita confinamento intertropical , onde se acumulam os casos de pinta ou bouba e progressivamente ocupa espaço que as mesmas foram controladas.

• 2637 a.C. – médicos chineses descrevem satisfatoriamente cancros genitais e manifestações cutâneas do secundarismo e terciarismo. O mercúrio era conhecido como medicação efetiva.

• 30 d.C. – Celsus – separação entre cancro duro e cancro mole.

• 1100 d.C. – epidemia de sífilis na Inglaterra ligada à moda de banhos públicos.

• Fim do séc. XV / início do séc. XVI – aspecto epidêmico da doença. Possível origem americana.

• 1495 – Cumanus e Benedictus descrevem lesões de sífilis em soldados que participavam da batalha de Fornovo.

• 1498 – Villalobos de Salamanca escreve ´Tratado sobre las pestiferas boubas`, descrevendo com precisão os primeiros sinais da sífilis.

• 1514 - De Vigo descreve o cancro duro.

• 1493-1541 – Paracelso divide a sífilis em primária e secundária.

• 1527 – Jacques e Bettencourt empregam o termo doença venérea.

• 1566-1600 – imprensa divulga a doença, muito disseminada por guerras. Neste espaço de tempo foram publicados 58 livros sobre o assunto.

• 1837 – Donnée descreve um espirilo denominado por Muller de Vibrio lineola , o qual seria chamado de Spirochaeta refingens posteriormente.

• 1838 - há a diferenciação entre sífilis e gonorréia.

• 03/03/1905 – Schaudinn identifica o agente etiológico da sífilis em serosidade de cancro duro.

• 16/05/1905 – Metchnikoff e Roux definem sífilis como uma espirilose crônica devido ao Spirochaeta pallida de Schaudinn`.

• 29/10/1905 – Hoffman denomina o agente etiológico da sífilis de Treponema pallidum.

A terapêutica contra a doença variou com a época, indo desde mercúrio, banhos, pomadas, licores, vinho (Heródoto), pílulas, etc até arsenicais trivalentes ( salvarsam e neosalvarsam )., empregados em 1911 por Erlich e Hata. Em 1921 Fournier e Guénot introduzem o bismuto no tratamento de sífilis humana. Posteriormente o bismuto é substituído pôr penicilina.

Existem duas teorias para a disseminação da sífilis mundialmente:

• A sífilis já existia e adquiriu características epidêmicas por volta de 1500.

• O Treponema pallidum foi levado para Europa pela tripulação de Colombo, que havia estado na América.

Entre 1891 e 1948 foi realizado o Estudo de Oslo, no qual três professores observaram 2000 pacientes com Lues sem qualquer tipo de interferência, obtendo a história natural da doença, representada pelo diagrama a seguir:

• Infecção

• Sífilis primária

• Sífilis secundária

• Sífilis latente:

  • 30 % aproximadamente evoluem para a cura espontânea;
  • 30 % aproximadamente evoluem para sífilis latente persistente;
  • 30 % aproximadamente evoluem para sífilis terciária, com comprometimento gomoso de:
  • Sistema cardiovascular em, aproximadamente, 10 % dos casos;
  • Sistema nervoso em, aproximadamente, 7 % dos casos;
  • Pele e outros anexos (Sífilis tardia benigna) em 15 % dos casos;

(sendo que mais de um tecido pode estar envolvido nesta fase da doença)
Obs.:
1. A morte específica por sífilis ocorre em aproximadamente 10 % dos casos e todas as fases são infectantes por fluido corporal, porém a infectividade decresce com o passar do tempo.

2. As fases primária e secundária da sífilis correspondem à sífilis recente (até 1 ano após a infecção). Nestas fases a infecção se dá principalmente por contato.

3. As fases de latência tardia e terciarismo da sífilis não são tão infectantes por fluido corporal como as demais fases.

Transmissão

A sífilis é uma doença transmissível, sistêmica, de evolução crônica com manifestações cutâneas temporárias. O reservatório natural do T. pallidum é o homem e a fonte de infecção prevalente é o doente de sífilis recente. As vias de entrada e saída são fundamentalmente a pele e as mucosas.

É sabido que nem todas as pessoas expostas adquirem a doença e, há possibilidade de cura espontânea da mesma. Não existem indicadores seguros que apontem maior ou menor susceptibilidade em indivíduos de diferentes sexos, raças e idades.

O treponema tem baixa resistência às condições do meio externo, sendo as principais vias de transmissão da doença o contágio sexual (o treponema penetra pelas mucosas ou por microlesões na pele) e a transplacentária (com risco de infecção próximo a 100 % nos casos de sífilis recente; o risco de infecção diminui progressivamente a partir do primeiro ano de infecção).

A transmissão também pode ocorrer por hemotransfusão, por inoculação acidental (ex. técnico de laboratório em contato com pacientes infectantes) ou fômites, embora a transmissão por tais fontes de infecção sejam atualmente muito raras (principalmente por fômites).

Nas décadas de 70 e 80 o aumento da homossexualidade masculina e da prostituição em países desenvolvidos foram as principais causas no aumento no número de casos da doença ( mais prevalente na população sexualmente ativa ). O aumento da sífilis recente nos EUA entre 1969 e 1976 ocorreu quase exclusivamente no sexo masculino e quase na totalidade dos pacientes com SIDA/AIDS, homossexuais que referem ter tido sífilis durante estas décadas.

Agente Etiológico

Morfologicamente o Treponema pallidum é uma espiral fina com espiras regulares e pontas afiladas. Possui cerca de 10 a 15 espiras e tem cerca de 8 micrômetros de comprimento, podendo apresentar variações no comprimento e no número de espiras. O organismo tem cerca de 0,25 micrômetros de diâmetro e é extremamente móvel, apresentando um característico movimento rotatório com flexão e movimentos postero-anteriores. In vivo o T. pallidum é envolvido por uma camada externa amorfa e pode apresentar conformação atípica de bacilo.

A microscopia eletrônica mostra um feixe axial de finas fibrilas envolvidas pôr uma cápsula estreita (organismos não lesados). Observa-se que o organismo é envelopado por uma membrana trilaminar e outra periplástica, trilaminar. A porção central desta membrana periplástica corresponde à camada mucóide, responsável pela defesa do parasita contra o sistema imune do hospedeiro.

O pouco conhecimento da biologia do T. pallidum é devido à não-obtenção de meios artificiais de cultura,embora pesquisas ainda estejam sendo feitas neste sentido. O tempo de divisão do treponema ainda é uma inconstante, ocorrendo somente em condições favoráveis a intervalos de 30 a 36 hs. Parece provável que possam ocorrer formas císticas e, fora do período exponencial e no transcurso da doença, o tempo de divisão seria diferente, variando de 21 a 27 dias segundo alguns autores.

O treponema é inoculável no homem, rato, coelho e macaco, porém não há lesões semelhantes de terciarismo em nenhum outro animal inoculado.

Como já foi descrito anteriormente, o treponema tem baixa resistência ao meio ambiente, ressecando-se rapidamente. O treponema é também muito sensível à ação do sabão e outros desinfetantes e pode sobreviver até 10 hs sobre objetos úmidos. Hoffman referiu a existência de treponemas móveis em cadáveres por até 24 a 48 hs.

Os métodos diagnósticos usados para detectar a presença do treponema no organismo dependem do estádio que se encontra a doença e serão descritos posteriormente.

Estágios da doença

Sífilis primária: estado clínico da doença que se manifesta em 50 % dos casos como uma lesão de pele ou mucosas. A maioria destas lesões ( 95 % ) ocorrem na ou são adjacentes à genitália externa, sendo que a lesão pode não ser percebida (cancro oculto) por ser intra-uretral, retal, cervical ou anal.

Outros locais de contato sexual podem ser o sítio das lesões, como boca, dedo, umbigo, mamilos, etc. Além disso, outras lesões extra-genitais podem ser resultantes de contato não sexual em médicos e trabalhadores da área de saúde (sífilis acidental).

Típico cancro duro no sulco coronal

Cancro duro da glande

Cancro primário do lábio

Cancro típico do lábio maior

Estas lesões, conhecidas como cancro duro ou protossifiloma, correspondem ao local de penetração do Treponema pallidum, que se dá pela própria movimentação do mesmo e aderência deste à pele ou mucosa (embora não tenha sido descrito o envolvimento de toxinas ou lipopolissacárides neste processo).

• Período de incubação: varia de 10 a 90 dias dependendo do tamanho do inóculo, mas em geral ocorre a primeira manifestação em 2 ou 3 semanas.

• Manifestações clínicas e Patogenia: logo após a infecção ocorre a presença rápida de elementos polimorfonucleares no local da infecção e podem ser identificados ao M.E. treponemas no interior de vacúolos fagocitários. Os treponemas não digeridos (resistentes aos fagócitos) serão responsáveis pela continuidade do processo patológico e são drenados para os gânglios locais.

Em pouco tempo estas células são substituídas por linfócitos T e plasmócitos e a ação dos macrófagos determina o aparecimento de uma pequena mácula avermelhada que logo se transforma em pápula. Em poucos dias esta pápula evolui para uma erosão bem delimitada, tipicamente arredondada, indolor, com superfície limpa.

A base da lesão é endurada e firme ou rígida à palpação.

Quando não tratada a úlcera persiste e aumenta lentamente de tamanho até aproximadamente 2 cm de diâmetro e, a partir deste ponto, cura-se espontaneamente dentro de 4 a 8 semanas, geralmente sem deixar cicatriz residual.

Em cerca de 50 % dos casos a lesão é única, porém 20 ou mais lesões concomitantes têm sido descritas. Muitas vezes lesões múltiplas ocorrem ´ em beijo ´ (frente a frente) ou há confluência de lesões. O cancro duro apresenta secreção serosa rica em treponemas sendo, portanto, muito infectante. A infecção secundária pode afetar o aspecto da lesão, determinando o aparecimento de bordas ou base necróticas e aparecendo então a dor.

Estas lesões, em aproximadamente 50 % dos casos, são acompanhadas ou seguidas por uma adenopatia satélite (muitas vezes denominada de bulbão sifilítico) , caracterizada pelo aparecimento de gânglios firmes e aumentados à palpação, não aderidos à pele ou a planos inferiores. Geralmente há o acometimento de gânglios inguinais porém quando a inoculação ocorre em locais profundos há o acometimento de gânglios ilíacos (muitas vezes não perceptível).

Em mulheres a adenopatia pode estar ausente nestas regiões e se apresentar como volumosas tumorações perirretais. Este comprometimento ganglionar geralmente é indolor porém alguns pacientes queixam-se de dor e / ou dolorimento dos gânglios comprometidos. Pode ainda ocorrer aderência de gânglios submentonianos e axilares (cancro nos lábios, mento e dedo respectivamente).

Após o início da terapêutica antissifilítica o cancro deixa de ser infectante em 24 hs e cura-se rapidamente, enquanto a resolução de um bulbão presente no início do tratamento pode durar meses. O uso anterior de antibióticos pode mascarar o aparecimento do cancro.

É possível uma recidiva do cancro, que recebe o nome de cancro redux e, no terciarismo, poderá aparecer uma lesão gomosa no local de aparecimento do cancro denominada psedocancro redux.

A redução do cancro se dá pôr ação do sistema imune localmente, o qual impede uma nova infecção externa mas mostra-se não efetivo, na maioria das vezes, para impedir uma múltipla infecção interna ( secundarismo ).

• Diagnóstico:

(a) Exame Clínico

(b) Exame de Campo Escuro: identificação das espiroquetas de T. pallidum em material retirado da lesão ( quase sempre positivo para cancro duro ). A microscopia de campo escuro é o método mais importante de identificação do T. pallidum . Consiste na análise da secreção serosa extraída do cancro duro ou da punção do gânglio caso o acesso à lesão ulcerada (caso haja lesão ulcerada) não seja possível.

INSTRUMENTAL:

 • Luvas de exame;

• Salina estéril;

• Escarificadores: zaragatoa de algodão ou instrumentos de metal;

• Lâminas de vidro e lamínulas;

• Microscópio especial para o exame;

• Em caso de punção: seringa, agulha IM e desinfetante para a pele;

TÉCNICA:

• Limpar com solução salina para remover debris celulares;

• Escarificar superfície e comprimir base da úlcera para que haja exsudação do soro;

• Colher o soro com lamínula e depositá-lo no centro da lâmina;

• Comprimir o soro com a lamínula formando uma fina camada e observar imediatamente ao microscópio;

• Caso não haja microscópio disponível no momento, coletar o soro em um tubo capilar e selar suas pontas. Deve-se enviar a amostra imediatamente para o laboratório. Neste tipo de preparação o T. pallidum sobrevive por dias;

• Em caso de punção : desinfetar a pele e aspirar uma pequena quantidade de salina. A seguir introduza a agulha no gânglio e injete a salina, massageando delicadamente o gânglio acima do ponto da agulha. Tendo tomado tais cuidados, aspire o material do gânglio.

O ORGANISMO: é visto como uma espiral prateada, fina, móvel, angulando e muitas vezes ondulando ativamente. O treponema tem seu tamanho variado de acordo com a compressão ou expansão de suas espiras. Deve-se diferenciar o T. pallidum de outros organismos espiralados através de seus aspectos morfológicos e padrões de movimentação.

VANTAGEM: a microscopia de campo escuro é a único método prático para uso clínico de identificar o T. pallidum, um organismo muito fino que, quando corado por métodos histológicos rotineiros e rápidos para uso clínico, não é diferenciado. A microscopia por luz é útil quando o material é corado pela prata, uma técnica muito adequada para material de biópsia mas impraticável clinicamente. A cultura em meio artificial é infrutífera. Técnicas usando meios fluorescentes estão sendo desenvolvidas para uso clínico.

(c)Exame Sorológico: 60 % dos pacientes com sífilis primária têm reação sorológica positiva. Em pacientes com sorologia negativa a infecção esteve presente por período curto demais para que o anticorpo tenha atingido níveis detectáveis. 5 a 8 dias após o aparecimento do cancro positiva-se o FTA-abs (específico para o treponema) em 85 % dos casos e após 20 dias seguidos à inoculação positiva-se o VDRL em 70 % dos casos.

• Diagnóstico diferencial: cancróide, granuloma inguinal, herpes genital, carcinoma, escabiose, líquen plano, trauma, psoríase, erupção por drogas, infecção micótica.

Obs.: Quando a contaminação se dá por hemotransfusão, não há cancro.

• Período de latência: pode durar até dois anos ou nem existir. Consiste em um intervalo de 4 a 8 semanas entre o surgimento do cancro duro e o secundarismo. 24 % dos pacientes nesta fase irão apresentar LCR alterados definidos pôr contagem de células, proteínas e reação de Wasserman positivos.

Sífilis Secundária: caracterizada pôr uma espiroquetemia manifesta, responsável pela disseminação do treponema por todo o corpo e determinando, assim, o aparecimento de lesões que vão da ponta dos pés até o couro cabeludo.

A sífilis secundária apresenta uma grande variedade de sinais e sintomas que nem sempre apresentam-se concomitantemente. Freqüentemente há linfoadenopatia generalizada e sintomas gerais leves (assemelhando-se a um quadro gripal) , tais como: mal-estar, rouquidão, febre, mialgia, faringite, anorexia. Mais raramente podem ocorrer nesta fase meningites superficiais, irite, periostite, polineurites radiculares, neurites do acústico e do ramo oftálmico do nervo trigêmeo, nefrite (por deposição de imunecomplexos), manifestações hepáticas (hepatite), etc.

A maioria dos pacientes nesta fase irá apresentar alterações no LCR, definido por contagem de proteínas e reação de Wasserman positiva.

• Manifestações clínicas: 80 % dos pacientes apresentam uma síndrome tegumentar. Outras manifestações comuns são: lesões ulceradas nas mucosas e adenomegalia. Mais raramente ocorre alopécia, rouquidão persistente, dores ósseas, hepatite e surdez. Cerca de 30 % dos pacientes procuram o médico estimulados por um contato sexual e raramente os sintomas gerais leves são a única causa da consulta (geralmente só são mencionadas à anamnese). Muitas das lesões da sífilis secundária só são encontradas após exame cuidadoso.

Após o tratamento as lesões evoluem rapidamente para a cura e geralmente não deixam cicatrizes quando não infectadas secundariamente. A adenomegalia demora meses para regredir e ocasionalmente restam manchas hipocrômicas (principalmente no pescoço) no lugar das antigas lesões.

A SÍNDROME TEGUMENTAR:

• Lesões Cutâneas: podem se manifestar de uma ou várias das seguintes formas:

o Roséola: máculas eritematosas lenticulares, geralmente hiperpigmentadas variando do róseo, nos estadios mais precoces, a um vermelho escuro nos estadios mais avançados. Em uma fase mais precoce pode ser necessário que o paciente fique nu por alguns instantes para que as lesões possam ser vistas. Em geral, estas máculas não ultrapassam 5 mm de diâmetro, não são pruriginosas ou dolorosas e se distribuem pelo tronco, pescoço, raízes dos membros superiores e inferiors, palmas e plantas (sifílide palmo-plantar).

Sifílide plantar

Sifílide papuloescamosa palmar

Sifílide maculopapular do tronco

  • o Pápulas eritematosas (eritema apagado) : pápulas com distribuição semelhante à da roséola, que podem surgir sobre uma região macular (como uma etapa da graduação contínua que vai desde as lesões maculares até as lesões descamativas) ou sobre pele previamente são Pápulas eritematosas são muito comuns em face (principalmente na região de implantação dos cabelos, formando a chamada ´coroa venérea`) e nas palmas das mãos e pés, onde muitas vezes as lesões são pápulo-descamativas desde o início.
  • o Lesões eritemato-descamativas: semelhantes à roséola, porém de intensidade maior e descamativa, podendo advir sobre o quadro de roséola ou pápula com a evolução da doença ou se manifestar isoladamente. Além de palmas e plantas, tais lesões são muito encontradas em áreas de atrito.
  • o Erupções pustulares: atualmente são raras em países desenvolvidos e são comumente encontradas em pacientes da raça negra e muitas vezes associadas a debilidade e baixa condição sócio-econômica. Estas lesões são encontradas com freqüência em lesões máculo-papulares disseminadas. Iniciam-se em pápulas grandes que sofrem necrose central.

Há uma destruição tecidual grave e toxemia com formação de cicatrizes consideráveis. É comum o acometimento de face na forma de lesões crostrosas (sífilis rupiácea) ou na forma de lesões com aspecto de acne vulgar (sífilis acneiforme).

o Lesões pápulo-erosivas ou condiloma plano: são lesões papulares modificadas encontradas em locais anatômicos de atrito e umidade. Ocorrem concomitantemente a erupções cutâneas e geralmente são encontradas ao redor de ânus e vulva, mas também podem ser encontradas no pênis, escroto, coxas, axila, ângulo da boca e sob mamas pendulares.

Condiloma plano perianal

Condiloma plano de coxas e placas

mucosas em escroto

o Tratam-se de lesões circulares branco – acinzentadas com aréolas avermelhadas e 2 a 3 cm de diâmetro. A superfície da lesão é achatada, um pouco sobrelevada e limpa. Pode haver hipertrofia das lesões sendo possível confundi-las com lesões de condiloma acuminado.

Também é importante notar que pode haver coalescência das lesões caso as mesmas estejam em grande número, assumindo, neste caso, uma forma policíclica. Microscopicamente o exsudato destas lesões tem T. pallidum em abundância. O condiloma plano é a lesão mais infectante da sífilis.

o Alopécia ´em clareira` (ou em caminho de rato) : por vezes esta é a única manifestação clínica do período. Consiste numa queda de cabelos reversível, podendo ocorrer também madarose ciliar e supra-ciliar (sinal de Fournier).

• Acometimento de mucosas:

o Despapilamento em áreas da língua (sinal de Cornill);

o Formação de placas mucosas, encontradas mais comumente na superfície interna dos lábios mas também podem ser encontradas em outras mucosas tais como: língua, laringe ( podendo causar rouquidão, além de serem pouco visíveis em uma laringoscopia ) e faringe. Mucosas genitais também são comumente acometidas e placas mucosas podem aparecer sobre a glande ou sob o prepúcio em homens e na superfície mucosa dos lábios e da vulva nas mulheres ( raramente aparecem nas paredes vaginais e colo uterino ).

Úlcera em rastro de lesma

As placas mucosas são altamente infectantes e podem assumir conformação arredondada, oval ou serpiginosa (úlcera em ´rastro de lesma`). As placas podem ser vermelhas escuras ou podem estar cobertas pôr uma superfície branca ou cinzenta, friável. Possuem base hiperemiada e bordos delimitados por um halo eritematoso.

Lesões vesicopapulares e úlceras em
“rastro de lesma” no palato duro

o Comissurite angular:

São lesões que surgem nos cantos da boca, hipertróficas e dolorosas.

A maioria dos pacientes com sífilis secundária irão apresentar microadenomegalia generalizada, inclusive os linfonodos epitrocleanos que em muito auxiliarão no diagnóstico. Tais linfonodos não apresentam sinais flogísticos mas podem estar ocasionalmente dolorosos à palpação.

• Diagnóstico:

o Quadro clínico aparente;

o Provas sorológicas específicas (todas são fortemente reativas nesta fase) , tais como o FTA-abs e HAI e inespecíficas tais como

 o VDRL (com altos títulos, geralmente). O VDRL é também usado para controle do tratamento (VDRL quantitativo) . Em cerca de 30 % dos casos esta reação não desaparece totalmente.

o Diagnóstico diferencial:

 Da roséola sifilítica: rubéola, mononucleose e farmacodermia;

 Do condiloma plano: condiloma acuminado macerado, donovanose;

Das erosões mucosas: aftas comuns, S. Behçet, eritema polimorfo.

Evolução da Sífilis Secundária – Sífilis Latente Tardia: com ou sem tratamento as lesões da sífilis secundária desaparecem espontaneamente dentro de 2 a 10 semanas, exceto a adenopatia que pode permanecer por anos.

Após o desaparecimento desse quadro inicia - se outro período de latência, temporário ou definitivo. Em cerca de 25 % dos casos haverá reicidiva, 90 % deles no primeiro ano, com lesões geralmente menos numerosas, maiores que a do secundarismo clássico, mais marcantes, arciformes ou policíclicas e de coloração mais pronunciada.

Estas lesões sugerem interações mais efetivas dos mecanismos imunes celular e humoral contra o agente agressor.

A sífilis latente é por definição um período em que não há sintomas clínicos da sífilis e o exame LCR está normal. È composta de duas fases:

o Sífilis Latente Recente: compreende as fases entre a sífilis primária e secundária e após o término da secundária até 1 ano após o aparecimento do cancro duro (vide item 3).

o Sífilis Latente Tardia: após 1 ano do aparecimento do cancro duro.

Diagnóstico:

 História clínica;

 Exames sorológicos, sempre estando atento e cicatrizes sorológicas e títulos baixos permanentes.

Obs. Cerca de 1/3 dos pacientes não tratados nesta fase desenvolverão sífilis terciária. Atualmente alguns autores admitem que a proporção de pacientes com sífilis latente que evoluem para sífilis terciária seja muito menor (cerca de 20:1). A razão para esta mudança pode ser o fato que no decurso de sua vida, muitos pacientes com sífilis não diagnosticada recebam antibioticoterapia coincidentemente treponemicida por outros motivos, bloqueando assim o progresso da infecção sifilítica.

Sífilis Terciária ou Tardia: é aquela em que os sinais clínicos aparecem após 1 ano de infecção (geralmente após 10 a 15 anos). Ela se caracteriza como o período destrutivo e não infectante da sífilis pela forma como acomete vários órgãos. As complicações do terciarismo aparecem isoladas ou associadas sendo reunidas em três grandes grupos:

1) Sífilis Tardia Benigna: em torno do terceiro ano ou mais tardiamente (até 20 anos após a infecção) surgem lesões gomosas em tecido subcutâneo, pele, ossos e tecido periostal (além de poder evoluir para iritis, coriorretinitis e atrofia do nervo óptico). A sífilis tardia benigna é relativamente mais comum em pacientes negros e é caracterizada por lesões de extrema desorganização tecidual, que não parecem involuir espontaneamente e deixam cicatrizes inelásticas, em ´papel de seda`, muitas vezes com áreas de hipo ou hipercromia (caso as lesões se localizem na pele).

A denominação benigna deste tipo de evolução da sífilis advém de sua pronta resposta à medicação. No material de Oslo verifica-se que cerca de 15,8 % dos pacientes desenvolvem tais lesões tardiamente e, destes pacientes, há um predomínio de mulheres (17,3 %) sobre homens (13 %).

As manifestações mais comuns da sífilis tardia benigna são:

LESÕES CUTÂNEAS:

Lesões gomosas em pele e tecido subcutâneo são muito comuns nesta fase da doença e podem se manifestar de duas formas:

• Sífilides nodulocutâneas: nódulos únicos ou agrupados aparecem na pele e aumentam lentamente de tamanho. A lesão como um todo pode ser extensa, mas nódulos isolados raramente ultrapassam 1 cm de diâmetro. Tratam-se de lesões nodulares que freqüentemente se ulceram e possuem áreas de regressão e atividade.

Possuem forma circular ou policíclica, podendo apresentar topografia anular, serpiginosa ou em caracol. Freqüentemente há uma crosta basal denominada ´crosta em couro molhado`. Metaplasia escamosa (descamação) pode cobrir nódulos não ulcerados nas plantas e palmas. As úlceras gomosas são indolores e pouco infectantes, podendo causar grave destruição tecidual antes que o paciente procure auxílio médico. São encontradas com maior freqüência em face, coxa e tronco, mas não há área isenta.

Sifílide nódulocutânea do dorso com
cicatriz hipercrômica

Úlceras gomosas típicas

• Goma Subcutânea: originam-se no tecido subcutâneo ou mais profundamente com nódulos que posteriormente se ligam à pele e nela se ulceram. As lesões geralmente são únicas e medem de 4 a 5 cm de diâmetro; possuem aspecto clínico e localização semelhante à sifílide nodulocutânea e podem causar destruição tecidual grave e profunda.

LESÕES ÓSSEAS:

Geralmente se inicia com periostite com posterior comprometimento da córtex. A osteoperiostite de ossos longos é um processo predominantemente osteoblástico, com depósito de excesso de osso sob o periósteo, resultando nos achados clínicos usuais de espessamento e irregularidade nas áreas afetadas. Nos ossos do crânio e esqueleto nasal há uma osteoperiostite osteolítica, que aparece clinicamente como perda de osso, ocasionalmente muito extensa.

Cerca de 50 % dos pacientes que apresentam esta forma de apresentação da sífilis terciária, queixam-se de dor ou dolorimento nas áreas afetadas ( que podem ser agudos ou se apresentarem de forma crônica ). Esta dor pode persistir mesmo após o início da terapêutica anti–sifilítica.

O acompanhamento radiológico de sífilis óssea sintomática revela mais áreas de acometimento assintomático. Fraturas patológicas podem ocorrer e às vezes são o modo de apresentação.

LESÕES NA CAVIDADE ORAL E NASAL:

As cavidades oral e nasal são freqüentemente acometidas por lesões gomosas na sífilis terciária ( pode haver ulceração gomosa em qualquer mucosa ). A infiltração gomosa na língua pode causar glossite crônica superficial ou intersticial, raramente uma infiltração difusa pode comprometer os lábios. Osteíte e periostite podem comprometer os ossos do nariz e do palato, causando perfuração deste último e às vezes destruição extensa do nariz.

PATOLOGIA:

A lesão básica da sífilis é conhecida como goma, um granuloma crônico responsável não só pela sífilis tardia benigna mas também pelos outros grupos de manifestações da sífilis terciária. A goma é uma área de necrose tecidual resultante da isquemia causada por endarterite obliterante, envolvida por tecido de granulação.

Trata-se de uma inflamação discreta porém de progressão lenta e crônica, geralmente com áreas de atividade e regressão ( fibrose ), assumindo desde dimensões microscópicas até vários cm de diâmetro. O aspecto histológico é muito semelhante ao de um granuloma de tuberculose, com necrose coagulante envolvida por linfócitos e células mononucleares; raramente aparecem células gigantes multinucleadas e a lesão é encapsulada por um tecido conjuntivo proliferativo com tecido conjuntivo vascularizado expandindo-se para fora da área necrótica.

2) SÍFILIS NERVOSA:

Compreende inúmeras síndromes diferentes que resultam da infecção do cérebro, das meninges ou da medula pelo Treponema pallidum. É definida por três achados:

• Título sangüíneo anormal contra o treponema;

• Teste de anticorpo não-treponêmico no LCR positivo (o paciente pode estar clinicamente assintomático neste caso);

• Síndrome compatível com neurossífilis.

EPIDEMIOLOGIA:

A incidência da neurossífilis caiu muito com o advento da penicilina. A freqüência de neurossífilis como causa de primeira internação em um hospital psiquiátrico caiu de 5,9 / 100000 em 1942 para 0,1 / 100000 em 1965. Observou-se um aumento significativo a partir de 1981 com o advento da AIDS ( neta mesma época a incidência de sífilis primária subiu de 13,7 / 100000 em 1981 para 18,4 / 100000 em 1989, um aumento de 34 % ).

Calcula-se atualmente que cerca de 10 % dos pacientes com sífilis inicial não tratada evoluirão para neurossífilis. Com o aumento da freqüência desta forma da doença houve uma mudança no perfil epidemiológico de suas manifestações principais; as formas parenquimatosas, antigamente mais comuns, tornaram-se raras, enquanto a incidência de síndromes meníngeas e vasculares subiu.

PATOLOGIA:

Linfócitos e outras células mononucleares infiltram as meninges na neurossífilis inicial. Estas reações inflamatórias também comprometem os nervos cranianos e provocam degeneração axonal. Este processo pode provocar desmielinização, mielomalácia da periferia da medula ou mielite transversa.

DIAGNÓSTICO CLÍNICO:

As formas mais comuns são:
• Assintomática;
• Meníngea;
• Vascular.
As principais síndromes clínicas neurológicas (tuberculose das meninges, meningoencefalites assépticas) com manifestações clínicas semelhantes só são diferenciadas destas formas de neurossífilis pela observação de alterações indicativas de sífilis no sangue e no líquor.

ALTERAÇÕES LIQUÓRICAS:

A pleocitose liquórica é a melhor medida da ateridade da doença e o número de células deve ser grosseiramente proporcional à síndrome clínica. Deve haver pelo menos 5 leucócitos / mm3 no paciente não tratado para um diagnóstico firme.

SÍNDROME CLÍNICA:

Neurossífilis Assintomática: diagnóstico depende de achados sorológicos no sangue e no LCR.

Neurossífilis Meníngea: pode ser vista dentro de um ano de infecção primária. A síndrome clínica pode ser igual a qualquer meningite viral ou asséptica aguda com mal estar generalizado, febre, rigidez de nuca e cefaléia.

Neurossífilis Cerebral Vascular: as síndromes de infarto cerebral não podem ser diferenciadas clinicamente e o diagnóstico depende de achados típicos no sangue e no líquor.

Sífilis Meningovascular da Medula: apresenta sinais e sintomas de mielite transversa; tais sinais costumam ser sensitivos e motores.

Goma: é uma forma avascular que fica aderida à duramáter; era considerado uma forma localizada de sífilis meníngea no passado.

Neurossífilis Parética: as leptomeninges ficam opalescentes a opacas, espessadas e aderidas ao córtex. Há uma atrofia nos giros e dilatação dos ventrículos. A pior sequela deste tipo de manifestação da neurossífilis é a demência.

Tabes Dorsalis: também chamada de ataxia locomotora progressiva, manifesta-se por dores lancinantes ou tipo relâmpago, ataxia progressiva, perda dos reflexos tendinosos, perda de propriocepção, disfunção dos esfíncteres e disfunção sexual no homem, pupilas normais não fotorreagentes mas com acomodação visual preservada.

Artropatia de Charcot nos joelhos: tabes dorsalis.

A Tabes dorsalis pode estacionar espontaneamente ou ser interrompida pelo tratamento, mas com freqüência as dores lancinantes continuam.

Neurossífilis congênita: as espiroquetas infectam o feto entre o quarto e o sétimo mês de gestação. Mães que tiveram sífilis por um período maior têm menos chance de ter filho com a doença.

Aspectos mais importantes da sífilis congênita serão descritos a seguir, ais como hidrocefalia e a tríade de Hutchinson (ceratite intersticial, dentes deformados e perda da audição).

Em se tratando de neurossífilis as formas mistas são mais comuns do que cada uma destas manifestações isoladamente e algumas vezes a atrofia do nervo óptico pode ser a única manifestação da doença.

A sífilis cardiovascular pode coexistir com a neurossífilis (ocorre em cerca de 30 % dos casos), por isso deve-se sempre fazer nestes pacientes uma avaliação clínica do coração e da aorta. É importante frisar que todo processo de neurossífilis deve ter assistência de um neurologista e todo paciente com esta suspeita clínica deve ser inquerido sobre irritabilidade excessiva, cefaléia, insônia, alterações na fala e na visão, anormalidades pupilares, alterações nos reflexos profundos, presença do sinal de Romberg, parestesias e crises viscerais.

3) Sífilis Cardiovascular: suas manifestações são sempre tardias e fundamentalmente ligadas ao coração e à aorta. Através dos vasa vasorum que percorrem a adventícia, o processo atinge o segmento intramural e, por fim, a túnica média dos grandes vasos. Localiza-se de preferência na raiz da porção ascendente da aorta e a necrose medial, com dilatação da artéria, pode estender-se às comissuras das valvas.

No coração as gomas atingem preferencialmente a porção superior do septo interventricular e, às vezes a parede livre do ventrículo esquerdo. Suas formas mais comuns são:

• Insuficiência Aórtica (insuficiência aórtica em pessoas de meia idade, com vida sexual ativa e sem lesões valvulares deve ser suspeitada como sendo de origem sifilítica);

• Aneurisma Sacular da Aorta Torácica (geralmente não dissecante);

• Estenose do Óstio Coronariano;

Aortite sifilítica: precede o desenvolvimento da síndrome clássica e muitas vezes só é diagnosticada post-mortem. Ocasionalmente ocorre o envolvimento de outras artérias e os sinais clássicos da aortite são a dilatação da aorta e o som de tambor no fechamento aórtico. Esta pode também ser suspeitada devido a uma calcificação linear da aorta ascendente ao raio X.

Os pacientes portadores de sífilis cardiovascular devem sempre ser acompanhados por um cardiologista e seu exame físico deve conter uma avaliação neurológica e uma punção lombar devido à alta taxa de incidência de sífilis neurológica concomitante com sífilis cardiovascular. Também é importante frisar que mais de uma manifestação das descritas acima pode estar presente.

Sífilis da gestante e Sífilis congênita:

A gestação: encontram-se na literatura considerações sobre o possível efeito benéfico da gestação no progresso da infecção sifilítica. As infecções nestas condições não apresentam as manifestações usuais da sífilis recente e as mães estariam menos sujeitas às complicações tardias da doença, porém tais circunstâncias não impedem a contaminação do concepto.

Deste fato surge o especial interesse no diagnóstico da sífilis em mulheres em idade fértil, pois as conseqüências da doença para o concepto são graves de um controle pré–natal adequado pode resultar uma profilaxia medicamentosa para a sífilis congênita eficaz. Segundo Muller e Sinzig, a infecção do feto pode ocorrer nos primeiros meses de gravidez, porém manifestações patológicas só surgirão quando o organismo estiver apto para desenvolver uma resposta inflamatória à infecção ( após 18 a 20 semanas de gestação ).

O atingimento da placenta é regra na sífilis recente mas, com o passar do tempo, esta possibilidade diminui e o aumento da proporção de nascimentos de crianças não sifilíticas aumenta consideravelmente. As alterações placentárias se agravam no transcorrer da gestação; a placenta aumenta de volume e peso e apresenta alterações nas vilosidades com presença de focos granulomatosos de proliferação celular.

A endoarterite dos vasos sangüíneos dificulta o suprimento sangüíneo do feto e quanto mais cedo este processo de sofrimento do feto se inicia, mais graves as conseqüências do mesmo. A anatomopatologia nas perdas fetais evidencia hepatoesplenomegalia, lesões pulmonares e dos aparelhos cardiovascular, nervoso, ósseo, etc...

O tempo de infecção transplacentária, entre outros fatores, condicionará:

• Perda fetal precoce: antes da 20a semana;

• Perda fetal intermediária: entre a 20a e a 27a semana;

• Perda fetal tardia: ao fim da 28a semana;

• Prematuridade;

• Nascimento a termo: com ou sem lesões aparentes ao nascer, com o aparecimento de lesões no primeiro ano ou com lesões de eclosão tardia.

A infecção do feto durante o parto é considerada sífilis adquirida.

• Sífilis congênita: desenvolve-se devido à infecção por via transplacentária. Suas manifestações são em geral mais graves que as da sífilis adquirida e pode ser dividida em duas fases:

o Sífilis congênita recente: engloba as manifestações clínicas e latência que ocorrem até o primeiro ano de vida. Podem ocorrer:

* Lesões cutâneo - mucosas: pouco comuns e similares às lesões da sífilis adquirida, com a possibilidade de serem destrutivas, apresentarem lesões bolhosas (pênfigo sifilítico), erupções eczematóides e infiltração difusa.

O pênfigo sifilítico é o exantema mais precoce, surgindo poucos dias após o nascimento ou já evidente por ocasião do mesmo. Localiza-se preferencialmente nas palmas e nas plantas e apresenta-se como vesículas tensas, serosas ou purulentas, que evoluem para bolhas, por vezes hemorrágicas com possibilidade de ulceração profunda.

As lesões maculosas são em geral confluentes e se localizam geralmente nas regiões peribucal, palmar e plantar. Os elementos papulosos possuem localização idêntica e formam placas. Nas pregas as lesões maculares possuem aspecto de intertrigo e, nestas regiões surgem também fissuras de disposição radiada que originam cicatrizes lineares denominadas cicatrizes atróficas de Parrot. As regiões glúteas e inguinocrurais podem parecer maceradas, com possível confusão com a dermatite das fraldas.

A rinite precoce é freqüente, com mucosa pálida e tumefeita que dificulta a respiração. Rapidamente surge rinorréia muco – purulenta associada a ulcerações externas; a sucção torna-se difícil e a cartilagem nasal é invadida, causando o aparecimento de um sinal clássico da sífilis congênita, o 'nariz em sela`.

A sífilis congênita também pode se manifestar, embora com menor freqüência, através de uma faringite que determina choro afônico, denominado grito ou sinal de Gennaro Sisto`. Por vezes, 2 a 4 semanas após o nascimento, pode-se encontrar lesão umbilical erosiva, de base endurada, onfalite, considerada como acidente primário.

* Manifestações ósseas: a osteocondrite epifisária é o achado mais freqüente; ocorre a proliferação do treponema nas cartilagens sub-epifisárias, principalmente nos ossos dos membros superiores e da tíbia, ocasionando transtornos motores levando à paralisia flácida (pseudoparalisia de Parrot). Segundo um estudo de Murphy e Patamasucon, 1984, 30 % das crianças com osteocondrite epifisária estudadas (por Nabarro, 1954) apresentavam sinais ao exame físico e 80 % das mesmas apresentavam evidências radiológicas apenas, sendo indispensável, portanto a realização de exames radiológicos em crianças com suspeita de sífilis congênita.

A periostite e osteoperiostite dos ossos frontais e parietais levam a deformações características da ´ fronte olímpica ` que, juntamente com modificações cutâneas da face, dão o aspecto de envelhecimento em miniatura. A somatória: ´ nariz em sela + fronte olímpica + gânglios epitrocleanos palpáveis `constituem a ´ tríade de Hochssinger`, patognomônica de sífilis congênita.

*Manifestações viscerais:
pneumonia alba (morte precoce), miocardite (morte súbita), hepatoesplenomegalia, neurolues (alterações no LCR são mais freqüentes que no secundarismo da sífilis adquirida), hidrocefalia, meningite sifilítica infantil.

* Outras manifestações: ceratite parenquimatosa, irites, iridociclites, coriorretinites, atrofia papilar, sífilis renal (ocorre o depósito de imunecomplexos nos glomérulos, causando glomerulonefrite membranosa e glomerulonefrite proliferativa).

• Sífilis congênita tardia: fase em que as manifestações clínicas e latência ocorrem após 1 ano de vida. Seus principais sinais e sintomas são:

o Lesões cutâneo-mucosas: lesões tuberosas e gomosas idênticas às lesões do terciarismo.

o Lesões ósseas:

 Dentes de Hutchinson (dentes incisivos mediais superiores apresentam as bordas laterais convexas e borda livre em meia lua);

 Tíbia em sabre (deformação da crista tibial anterior);

 Bossa frontal e bossas parietais;

 Espessamento da clavícula no seu terço medial (sinal de Higoumenakis);

 Concavidade medial da escápula;

 Dactilite (rara);

 Hidartrose bilateral simétrica.

Sífilis congênita : incisivos de Hutchinson.

o Lesões do sistema nervoso central: a neurolues congênita tardia se inicia na segunda infância; transtornos psíquicos surgem nos primeiros anos, agravando o retardo mental. As principais manifestações são:

 Meningoencefalites;

 Paralisia geral infantil ( entre os 10 e os 15 anos com acentuado déficit intelectual );

 Tabes ( raramente );

 Alterações pupilares;

 Hemoglobinúria paroxística ao frio.

• Outras manifestações:

o Ceratite parenquimatosa (pode ocorrer desde o nascimento até a velhice; também ocorre na sífilis adquirida);

o Iritis e iridociclites;

o Coriorretinite (maioria dos casos na segunda infância);

o Surdez (comprometimento do oitavo par craniano);

o Lesões do fígado e baço;

o Tríade de Hutchinson (rara atualmente) = ceratite parenquimatosa + dentes de Hutchinson + surdez labiríntica.

Atualmente o número de casos de sífilis congênita aumentou no mundo (tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos, principalmente a partir da década de 80). Duas hipóteses foram formuladas para justificar tais elevações:

• Diagnóstico tardio e inadequado das mães portadoras de sífilis;

• Aumento devido à AIDS que por sua vez estaria ligada a pacientes com comportamento de alto risco.
Tratamento

SÍFILIS ADQUIRIDA RECENTE (menos de 1 ano)
Penicilina-benzatina: 2.400.000 U IM

SÍFILIS ADQUIRIDA TARDIA (mais de 1 ano)
Penicilina-benzatina: 3 x 2.400.000 U IM (5/5 dias)

Deve ser feito neste caso um acompanhamento terapêutico em 2 anos, através de testes sorológicos VDRL e HAI, de três em três meses no primeiro ano e de seis em seis meses no segundo ano. Os títulos de VDRL tendem a baixar já no primeiro trimestre e tendem a permanecerem bem baixos até o final dos dois anos, quando na maioria dos casos irão desaparecer, a menos que haja reinfecção. Existem casos que o VDRL permanece bem baixo por vários anos mesmo após a cura (cicatriz sorológica). Os testes específicos tendem a ser específicos por vários anos.

NEUROSSÍFILIS

Penicilina cristalina: 2 a 4.000.000 U EV 4/4 h (15 dias)

O acompanhamento nesta fase deve ser feito por três anos com testes sorológicos de três em três meses no primeiro ano, de seis em seis meses nos dois últimos anos e punções no LCR de seis em seis meses. Um ano após o tratamento o LCR deverá se apresentar normal.

NEUROSSÍFILIS ASSINTOMÁTICA

Tratamento ambulatorial: penicilina G procaína – 600.000 U IM/dia por 20 dias

SÍFILIS NEONATAL (CONGÊNITA) RECENTE

Com exame liquórico alterado:
Penicilina G procaína: 50.000 U/Kg/dia ( 10 dias ) IM ou EV

Com exame liquórico normal:
Penicilina G benzatina: 50.000 U/Kg IM dose única

Decisões sobre o tratamento nesta fase devem ser tomadas baseadas nos seguintes critérios, de acordo com o CDC/Atlanta:

• Identificação de sífilis na mãe;

• Sífilis congênita confirmada, com isolamento do T.pallidum em secreções, placenta, cordão umbilical;

• História terapêutica materna – sífilis congênita provável : sífilis não tratada, evidência de acompanhamento insuficiente, suspeita de tratamento ineficaz ou recorrência, tratamento incompleto com penicilina, tratamento com outras drogas, tratamento com penicilina 30 dias pré-parto, companheiro não tratado de maneira adequada. Neste caso o RN deve ser tratado independente da existência de provas clínicas e laboratoriais;

• Comparação de testes não-treponêmicos na mãe e do RN : os títulos deste último devem ser superiores aos maternos em caso de sífilis congênita (4 vezes);

• Evidências clínicas, sorológicas ou radiológicas (radiografias de ossos longos e tórax) de sífilis no RN, incluindo avaliação do LCR por VDRL, contagem de células e proteínas, contagem sangüínea completa, ultra-sonografia craniana, exame oftalmológico, teste auditivo e testes de função hepática;

• Sorologia positiva para sífilis até o 6o mês de vida ou sem diminuição nos 3 primeiros meses de vida

De acordo com um trabalho realizado entre 1991 e 1992 em uma maternidade de nível secundário em São Paulo – SP ( Amparo Maternal ) durante um ano e meio, observou-se que 5,6 % dos nascidos vivos apresentavam sorologia positiva para sífilis e destes 12 % eram HIV positivos.

A maioria destas crianças eram nascidas de mães com idade superior a 20 anos, baixo nível sócio econômico e sem acompanhamento pré-natal. Todos os casos os casos levantados se enquadram nos critérios apresentados acima e poderia ser prevenidos com um acompanhamento pré-natal eficaz. Houve também associação comprovada entre grande multiparidade e natimortalidade e sorologia positiva para sífilis no RN, comprovando a ausência de educação e uso inadequado de métodos anticoncepcionais, isto é, a falta de acesso ao sistema de saúde.

SÍFILIS CONGÊNITA TARDIA

Penicilina G benzatina: 3 x 50.000 U/Kg IM

Segunda escolha: estearato ou etilsuccinato de eritromicina 50 mg/Kg/dia VO por 10 dias.

Drogas de segunda escolha: em casos de impossibilidade do uso da penicilina por hipersensibilidade medicamentosa, por exemplo, pode-se utilizar os seguintes esquemas alternativos:

• Adultos: eritromicina ou tetraciclinas – 2,0 g/dia por 20 dias.

• Crianças: eritromicina (estearato ou etilsuccinato) na dose de 50 mg/Kg/dia

• Gestantes: eritromicina (estearato) 2,0 g/dia por 20 dias ou cefaloridina 0,5 a 1,0 g/dia IM por 10 dias.

• Ceftriaxone: ainda em ajuste da dose ideal ( maior penetração no líq 


Publicado por: Brasil Escola

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