Uma experiência de musicalização com adolescentes à luz das pedagogias de Paulo Freire e Jacques Rancière

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1. RESUMO

O presente relato apresenta a minha experiência, nos anos de 2012 e 2013, como educador musical no CMI (centro de musicalização infantil), localizado no campus da Universidade Federal de Minas gerais, na cidade de Belo Horizonte. Com o intuito de promover uma reflexão com relação às aulas de musicalização, e apresentar novas possibilidades para a educação musical o trabalho tem como base teórica as propostas de educação de Paulo Freire (1921-1997) e Jacques Rancière (1940).

ABSTRACT

This report describes my experience in the years 2012 and 2013, as a music educator in CLL (center of music to children), located at the Federal University of Minas Gerais campus, in the city of Belo Horizonte. In order to promote a discussion regarding lessons musicalizacion and present new possibilities for music education work has the theoretical basis of the proposed education Paulo Freire (1921-1997) and Jacques Rancière (1940).

2. INTRODUÇÃO

Pensar a educação e desenvolver uma proposta de ensino pode ser desafiador. Educar não é simplesmente narrar os conteúdos, mais do que isso, educar é promover a inclusão, é valorizar o conhecimento do aluno e dar a oportunidade para que ele expresse sua musicalidade. Educar é saber lidar com a alteridade e diversidade em sala de aula. Podemos também pensar a educação como sendo uma construção coletiva entre professor e aluno. Onde ambos se relacionam de maneira reciproca.

Uma relação de amizade e respeito, onde o aluno é estimulado pelo seu professor, e esse estímulo, será a força que o levará adiante. E essa força, é o que podemos interpretar como sendo sinônimo de vontade, para esse contexto. A soma dessa vontade com a inteligência do aluno, terá como resultado o aprendizado.

Pensar a educação é também pensar o diálogo. O professor por meio do diálogo irá guiar os alunos na direção do conhecimento. Além disso, por meio do diálogo ele irá se aproximar dos alunos. E isso é importante pensando em educação, pois quando há essa proximidade entre professor-aluno, é sinal que eles estão exercendo a reciprocidade.

O meu trabalho de conclusão de curso tem como objetivo, refletir e buscar novas possibilidades para o ensino de música. Para isso é apresentado na primeira parte, os princípios pedagógicos de Paulo Freire e Jacques Rancière. Já a segunda parte faz uma apresentação do CMI, e uma abordagem representativa das minhas aulas de musicalização com adolescentes.

3. Capítulo 1- O PAPEL DA EDUCAÇÃO NA VIDA DAS PESSOAS SEGUNDO PAULO FREIRE E JACQUES RANCIÈRE

Com o intuito de trazer novas possibilidades para a educação musical e uma reflexão sobre o seu papel, a primeira parte do capitulo apresenta os princípios pedagógicos contidos nos livros pedagogia do oprimido de Paulo Freire e o mestre ignorante de Jacques Rancière. O contato com os autores aconteceu durante o curso de algumas disciplinas na Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Disciplinas que são obrigatórias ao curso de licenciatura em música.

Paulo Reglus Neves Freire nasceu no dia 19 de setembro de 1921, em Recife, Pernambuco. Em sua concepção a educação deve ser pensada como prática da liberdade, o momento onde o aluno irá vivenciar novas experiências, novas descobertas e desenvolver o que o ele chama de consciência crítica. Que seria a capacidade do aluno de pensar e refletir o seu mundo. Para Freire alfabetizar e conscientizar são palavras próximas. Em seu entendimento a alfabetização é um importante meio pelo qual os homens chegam à consciência crítica.

Distanciando-se do seu mundo vivido problematizando-o, descodificando-o criticamente no mesmo movimento da consciência o homem se redescobre como sujeito instaurador desse mundo de sua consciência .(FREIRE, 1987 p. 4)

Em seu livro; A pedagogia do oprimido, 1970, Freire apresenta uma proposta de educação, segundo o autor, ninguém se conscientiza separadamente dos outros, trata-se de uma consciência elaborada como consciência do mundo. Não existe um mundo para cada consciência, o que existe é um mundo onde as consciências se convergem. E quando isso acontece, à comunicação é estabelecida entre as pessoas. Para o autor essa é a concepção que dá inicio ao processo de aprendizado e proporciona uma via de mão dupla entre professor e aluno. Podemos perceber que para Freire a educação é uma construção coletiva, que se relaciona com o cotidiano dos alunos, onde diferentes pessoas compartilham o mundo.

Jacques Rancière, autor do livro o mestre ignorante 1991, nasceu na Argélia em 1940. Atualmente é professor emérito da Universidade de Paris. Sua proposta também aborda a educação com uma concepção próxima ao pensamento de Freire. Rancière também entende a educação como um processo de desenvolvimento da consciência crítica, de uma libertação do homem, à qual ele chama de emancipação, que seria a autonomia do aluno perante o processo de alfabetização. Em sua concepção o aluno emancipado desenvolve uma liberdade de agir por ele mesmo, de solucionar um problema usando seu raciocínio e não o do professor.

Chamar-se-á emancipação à diferença conhecida e mantida entre as duas relações, o ato de uma inteligência que não obedece senão a ela mesma, ainda que a vontade obedeça a uma outra vontade.(RANCIÈRE,2007 p.26)

Há convergências entre as propostas pedagógicas desses autores, pois assim como Freire propõe uma visão de educação como prática da liberdade, a emancipação tratada por Rancière, também tem a liberdade como fundamento, afinal, emancipar, é sinônimo de libertação.

E ambos fazem uma critica a educação baseada nos moldes da conservação das desigualdades sociais. Para Freire essa forma pedagógica, é uma educação bancária, tecnicista e alienante que distancia o aluno de seu professor, como se fosse uma doação dos que se acham sábios aos que não sabem muito.

Em lugar de comunicar- se, o educador faz “comunicados” e depósitos que os educandos, meras incidências, recebem pacientemente, memorizam e repetem. Eis ai a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que se oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guarda-los e arquivá-los. (FREIRE,1987 p. 33)

Já Rancière, entende que a forma tradicional de ensino pode levar o aluno ao embrutecimento, que seria o estado de ignorância. De acordo com essa teoria, o estado de embrutecimento é diretamente proporcional às explicações do professor em sala de aula.

Há embrutecimento quando uma inteligência é subordinada a outra inteligência. O homem e a criança, em particular pode ter necessidade de um mestre. quando sua vontade não é suficientemente forte para colocá-la e mantê-la em seu caminho. Mas a sujeição é puramente de vontade a vontade. Ela se torna embrutecedora quando liga uma inteligência a uma utra inteligência. No ato de ensinar e de aprender, há duas vontades e duas inteligências. Chamar-se-á embrutecimento à sua coincidência. (RANCIÈRE, 2007 p. 25)

A educação bancária e o embrutecimento apresenta uma característica em comum, que é a narração, ou dissertação dos conteúdos por parte do professor. O que implica uma relação passiva do aluno perante seu educador.

Se o educador é o que sabe, se os educandos são os que nada sabem. Cabem àquele dar, entregar, levar, transmitir o seu saber aos segundos. Saber que deixa de ser “experiência feito” para ser experiência narrada ou transmitida (FREIRE,1987 p. 34)

Narração de conteúdos que, por isso mesmo tendem a petrificar-se, ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica num sujeito- o narrador-, e em objetos passivos ouvintes,- os educandos ( FREIRE,1987 p. 33)

A narração em sala de aula distancia o professor do aluno por não considerar a experiência e o conhecimento que o pupilo traz consigo. Essa forma de ensino reproduz a opressão, e faz com que o novato se sinta tolhido de sua própria liberdade. Para Rancière, a narração se faz presente durante a explicação dos conteúdos de cada matéria. “Explicar alguma coisa a alguém é, antes de mais nada ,demonstrar-lhe que não pode compreendê-la por si só.”( RANCIÈRE P. 20)

Esse status privilegiado da palavra não suprime a regressão ao infinito, senão para instituir unia hierarquia paradoxal. Na ordem do explicador, com efeito, é preciso uma explicação oral para explicar a explicação escrita. Isso supõe que os raciocínios são mais claros —imprimem-se melhor no espírito do aluno — quando veiculados pela palavra (RANCIÈRE, 2007 p. 18)

Rancière (2007) considera a explicação não como ação pedagógica, mas como um mito da pedagogia, a parábola de dois mundos divididos entre o mundo dos sábios, e o dos não sábios. Segundo o autor, essa divisão subentende dois tipos de inteligência, uma inferior, que seria a inteligência das crianças e dos homens comuns, e a superior que permite o mestre transmitir seu conhecimento. Por essa ótica a criança é vista a distância pelo professor. Uma relação vertical, onde há o detentor do conhecimento no topo e o aluno na base. Uma ideologia parecida com a educação bancária abordada por Freire. Além de ser visto a distancia pelo mestre, o aluno se distancia de se mesmo por estar sua inteligência subordinada a uma terceira inteligência.

É essa arte singular do explicador: a arte da distância. O segredo do mestre é saber reconhecer a distância entre a matéria ensinada e o sujeito a instruir, a distância, também, entre aprender e compreender.( RANCIÈRE, 2007 p.18)

Para Freire é importante que a educação problematize e faça desafiar o aluno em sala de aula. Que ela o estimule e não o deixe ‘anestesiado’ como o faz na educação narrada baseada na memorização. A educação problematizadora é o meio pelo qual os alunos irão desvelar a suas realidades e assim se tornarem livres e críticos perante a sociedade.

Assim, é que, enquanto a prática bancária, como enfatizamos, implica numa espécie de anestesia, inibindo o poder criador dos educandos, a educação problematizadora, de caráter autenticamente reflexivo, implica num constante ato de desvelamento de realidade. (FREIRE1987, p.40)

A proposta de educação como prática da liberdade defendida por Freire, assim como a emancipação tratada por Rancière, entende o diálogo entre professor-aluno como o cerne do processo de alfabetização. Para Freire essa relação se retroalimenta, o ensinar e o aprender são próximos. Em uma carta sua aos professores, Freire ressalta:

É que não existe ensinar sem aprender e com isto eu quero dizer mais do que diria se dissesse que o ato de ensinar exige a existência de quem ensina e de quem aprende. Quero dizer que ensinar e aprender se vão dando de tal maneira que quem ensina aprende, de um lado, porque reconhece um conhecimento antes aprendido e, de outro, porque, observado a maneira como a curiosidade do aluno aprendiz trabalha para apreender o ensinando-se, sem o que não o aprende, o ensinante se ajuda a descobrir incertezas, acertos, equívocos (FREIRE, 2001 p. 259)

No livro a pedagogia do oprimido Freire aborda a dialogicidade como elemento crucial na educação. A pedagogia dialógica se faz por meio da palavra verdadeira pela qual os homens transformam a realidade. Freire entende que o ato de existir se faz quando se pronuncia o mundo, para ele o diálogo é um pré-requisito existencial.

Se é dizendo a palavra com que, “pronunciando” o mundo, os homens o transformam, o diálogo se impõe como caminho pelo qual os homens ganham significação enquanto homens. (FREIRE, 1987, p. 45)

Rancière (2007) também considera a relação professor-aluno como elemento importante no processo de aprendizado. Ele diz que o professor é o guia que por meio de perguntas, direciona o aluno ao encontro de sua emancipação. Nesse sentido é necessário que haja uma boa relação entre professores e alunos, caso contrário não existirá diálogo, não existirá emancipação.

Em sua concepção o ato de aprender envolve duas faculdades; a inteligência e a vontade. Portanto é imprescindível que além do diálogo, o professor propicie a liberdade em sala de aula e estimule o aluno para que ele desperte essa vontade e siga seu caminho munido de sua própria inteligência.

Freire também considera a vontade como um elemento importante na educação. Para ele, a vontade é a mola propulsora que dá toda a base para o aprendizado. Para o autor o ato de estudar deve ser entendido pelas crianças como algo prazeroso. E o papel do professor nesse processo seria o de fomentar essa vontade nos pupilos.

Se estudar, para nós, não fosse quase sempre um fardo, se ler não fosse uma obrigação amarga a cumprir, se, pelo contrário, estudar e ler fossem fontes de alegria e de prazer, de que resulta também o indispensável conhecimento com que nos movemos melhor no mundo, teríamos índices melhor reveladores da qualidade de nossa educação.(FREIRE, 2001, pg. 267)

Considerando Freire e Rancière, podemos pensar a educação como um processo de descobertas, onde professor e aluno irão compartilhar juntos, uma experiência em comum. Uma relação recíproca entre ambos. Nesse sentido é de suma importância que o professor exerça o diálogo em sala de aula, que ele e entenda que é preciso ter fé e amor para exercer a profissão. Que ele seja uma espécie de amigo para seus pupilos. E que ele use da palavra verdadeira, que seria a palavra presente no contexto do aluno pela qual ele pronuncia sua realidade. Junto á isso o professor deverá também estimular e guiar os aprendizes para que eles desenvolvam uma vontade interior. Essa vontade como já foi dita, representa o impulso para ir adiante, a chama que dá a disposição necessária para que o aluno continue em sua jornada e assim desenvolver uma consciência crítica com relação ao seu mundo.

4. Capítulo 2 - Minha experiência como professor de musicalização no CMI

Nessa seção irei tratar a parte principal do trabalho, que é o relato da minha experiência como professor de musica durante os anos de 2012 e 2013, no Centro de Musicalização Infantil da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse período tive a oportunidade de colocar em prática as teorias sobre educação musical apresentada, discutidas e refletidas com os professores e colegas ao longo do curso de licenciatura em música.

4.1. O CMI

Sobre a instituição CMI, trata-se de um projeto de extensão da escola de música que tem como princípio promover a alfabetização musical por meio das aulas de musicalização. Atualmente sob a coordenação da Professora Betânia Parizzi, o CMI oferece cursos de musicalização para bêbes, para crianças de 3 a 7 anos, adolescentes e aulas de instrumento. Há também uma orquestra e um coral que permite aos alunos desenvolverem as habilidades de interpretação musical.

O CMI vem sendo parte essencial na formação dos professores alunos da licenciatura por ser um centro de experimentações, onde os professores colocam em prática as teorias e métodos de educação musical. Além disso, existe uma disciplina no curso de licenciatura que dá suporte para o professor durante seu estágio no CMI, é a disciplina chamada planejamento c, ofertada pela profesora Bêtania Parisi.

A disciplina é constituída de vários encontros que acontecem durante o semestre. Nesses encontros os estágiarios expôem seus planos de aula, mostram as atividades feitas em sala e discutem sobre um determinado aspecto da educação musical. É um momento muito significativo para os professores por favorecer a troca de informações e o diálogo acerca da educação musical.

Alem de promover o encontro de vários estágiarios, à disciplina planejamento c tem o significativo papel de orientar os alunos da licenciatura sobre os conteúdos a serem trabalhados nas aulas de musicalização. Os conteúdos exigidos pelo CMI são tratados de forma progressiva de acordo com o desenvolvimento do aparelho cognitivo da criança.

4.2. Conteúdos musicais trabalhados pelos professores do CMI

Os conteúdos musicais abaixo compôem o quadro curricular das aulas de música do centro de musicialização infanti da UFMG.

Altura; que envolve o movimento sonoro, escalas, arpejos, intervalos, pentacordes, noção de tom e semitom e as noções elementares da harmônia funcional, tônica dominante e subdominante.

Duração e rítmica; que trabalha com a noção de som curto e longo, regularidades e irregularidades, pulsação, apoio rítmico, as figuras e suas respectivas pausas, compassos simples e composto, anacruse, tempo tético, ponto de aumento e contratempo.

Timbres; que aborda os sons do cotidiano, do meio ambiente, sons do corpo e sons de instrumentos musicais.

Automatismo; dos alunos perante os nomes das figuras e pausas, dos intervalos, o dobro metade e números das figuras.

4.3. Conteúdos musicais estabelecidos pelo PCN (Parâmetros curriculares nacionais) para a rede regular de ensino

1-Interpretação-improvisação-composição

2-Escuta- envolvimento e compreensão da linguagem musical

3-Musica e sons do mundo

Se compararmos o quadro curricular das aulas de musicalização do CMI com o PCN (parâmetros curriculares nacional) de ensino de música para crianças na rede regular de ensino, iremos identificar uma pequena divergência com relação a proposta de musicalização. Na proposta do PCN há uma abordagem dos conteúdos de criação e interpretação, já na proposta do CMI não há uma abordagem desses conteúdos em seu quadro curricular. Mas isso não significa que não existe trabalho de criação nas aulas de musicalização do CMI. Se o professor se interessar em trabalhar tais conteúdos com os alunos, ele poderá desenvolver atividades relacionadas à criação e interpretação, como fiz em minhas aulas.

4.4. A minha entrada no CMI

Começei a lecionar no CMI por meio de uma bolsa do programa pronoturno, um programa direcionado ao aluno do noturno. Trata-se de uma bolsa de auxilio financeiro ao estudante durante a graduação, onde ele desenvovle atividades ligadas à área de seu curso.

Nos primeiros anos de bolsa eu trabalhei com a professora Walênia Marília Silva. Naquele período fiz várias atividades como; edição de partituras, participação em sala de aula na disciplina pedagógia kodaly como assistente da professora, participção na semana do conhecimento e fui professor de musicalização durante um semestre para uma turma de adultos que faziam parte do projeto coral do campus.

A partir do ano de 2012 as minhas atividades relacionadas à bolsa pro-noturno passaram a serem exclusivamente aulas de musicalização e aulas de violão para crianças e adolescentes no CMI, sendo a professora Bêtania Parisi minha nova orientadora. O relato de minha experiência será embasado nessas aulas de musicalização que ocorreram entre 2012 e 2013.

4.5. A turma de musicalização

A turma em que trabalhei a musicalização era composta por meninos e meninas na faixa etária de 12 a 16 anos de idade, um total de 8 alunos. De acordo com o histórico eles já haviam feito musicalização no CMI. Portanto antes de começar o meu trabalho, procurei tomar conhecimento sobre o que eles já haviam vivenciado nas aulas anteriores, e fiz algumas sondagens no primeiro dia de aula com o intuito de delinear possivéis caminhos para as minhas aulas de musicalização e conhecer um pouco sobre o cotidiano dos alunos. (Freire 1987) entende o cotidiano do aluno como algo de grande valor na alfabetização como mostra a primeira parte desse trabalho, onde ele diz que a educação precisa estar relacionada como o cotidiano do aluno.

Nesse sentido perguntei quais são os instrumentos que eles tocam, se tocam em algum grupo, que estilo de música eles gostam de tocar e ouvir, se já tinham estudado música antes de virem para o CMI e onde eles moram. Percebi que se tratava de uma turma heterôgenea com alunos de diferentes partes de Belo Horizonte. Onde um aluno toca piano, dois tocam violão, três garotas no violino, outra flauta e um garoto que também toca violino. Como educador musical, entendi que essa diversidade poderia enriquecer e contribuir com as aulas de musicalização, especialmente em uma criação coletiva.

Existe um relatório elaborado por outra professora com relação a essa turma. Eu pude ter acesso a esse documento por meio de um dos encontros da disciplina planejamento C. O documento mostra que os alunos trabalharam predominantemente a escuta, escuta crítica como está escrito. Eles estudaram os conteúdos de musicalização mostrados acima na seguinte ordem: batimentos e maneiras de grafá-los com notação musical, tonalismo e modalismo, as escalas maior e pentatônica, noção de tom e semitom de acordo com os graus da escala, estrutura da escala maior e sua formação a partir de qualquer nota do piano, compassos simples e composto, as funções harmônicas de tônica, dominante e subdominante, ritmos, timbres, instrumentos de orquestras e por último uma especie de ensaio para o recital dos alunos encerrando as atividades do semestre.

Com a intenção de fazer uma musicalização pautada na vivência prática dos contéudos musicais, começei meu trabalho baseando nos elementos musicais contidos no relatório e procurei dar abertura para que os alunos pudessem compartilhar com a turma o seus saberes. Uma forma de valorizar o conhecimento do aluno e dar continuidade ao trabalho da outra professora.

Partir do que o aluno sabe é uma estratégia interessante e importante na educação musical. Segundo (Penna pag.14) para que o ensino de arte possa de fato contribuir para a ampliação da experiência cultural é necessário partir da vivência dos alunos. Já (Arroyo pag.17) diz que é preciso ter cuidado para não considerar a experiência do aluno apenas com a finalidade de alcançar o que o sistema escolar acha que eles deveriam saber, a experiência do aluno deve ser valorizada como visão de mundo. Somado a essas concepções, considerar o conhecimento do aluno é promover sua inclusão social para que ele tenha a oportunidade de expressar musicalmente, ou como diz Freire, pronunciar seu mundo.

5. Capítulo 3 - Descrição das aulas de musicalização

As aulas de musicalização lecionadas por mim no CMI partiram dos conteúdos musicais apresentados acima de forma progressiva. Como eles já haviam trabalhado parte da teoria musical por meio da escuta, concluí que era preciso trabalhar a musicalização de modo que eles pudessem vivenciar essa teoria na prática. Onde os contéudos musicais pudessem ser trabalhados de forma rizomatica como propõe (França 2007)

Quando se pensa rizomaticamente, pensa-se não em planejamentos fechados, mas em projetos ou programas delineados em linhas gerais. Parte-se de estímulos disparadores de uma multiplicidade de conteúdos que se entrelaçam e encadeiam, permitindo incursões recíprocas. (França 2007, pag.86)

O canto de melodias pode ser considerado como o elemento principal no meu trabalho de musicalização. Tudo começa com uma melodia simples, e por meio dessa melodia eu tenho a possibilidade de abordar vários conteúdos e teorias, de forma musical. Além disso, o ato de cantar melodia oferece uma oportunidade de viver o fazer musical na prática e promove a interação da turma.

O ato de cantar espontaneamente ou de forma dirigida em sala de aula, pode ativar os sistemas da linguagem, da memória e de ordenação sequencial, entre outros. Já o movimento corporal parece ajudar a desenvolver os sistemas de orientação espacial e motor (Ilari 2003, p. 15)

Um exemplo (figura 1) de como trabalhei a musicalização no CMI partindo de uma melodia simples.


Figura 1: Melodia sobre as notas do arpejo de Dó Maior

Primeiramente pedi aos alunos que ficassem de pé, juntos, formamos uma roda.

Depois estabeleci uma pulsação em um andamento lento e por meio do corpo marquei o compasso quartenário da seguinte forma; um passo a frente com o pé esquerdo marcando o primeiro tempo, depois um passo a frente com o pé direito no segundo tempo, um passo atrás com o pé esquerdo no terceiro tempo e um passo atrás com o pé esquerdo no quarto tempo. O pé esquerdo irá representar os tempos 1 e 2, já o pé direito irá representar os tempo 2 e 4. Na sequência pedi para os alunos fazerem o mesmo. Alguns apresentaram dificuldade na execução do exercício, especialmente nos tempos 2 e 3 onde alguns deles usaram o mesmo pé direito para o segundo e terceiro tempo. E isso dificultou o movimento corporal no todo, pois o movimento precisa ser orgânico como o nosso próprio caminhar. Percebi que a dificuldade estava relacionada com a cordenação motora e que por meio da prática eles iriam superar tal dificuldade. Sendo assim repeti várias vezes a forma 1 e 3, 2 e 4. Quando percebi que eles estavam fazendo como eu havia sugerido, pedi para eles contarem mentalmente os tempos do compasso enquanto faziam os passos. Assim eles irão desenvolver uma percepção dos ritmos baseando no movimento corporal. Na sequência marquei o primeiro tempo forte do compasso quartenário com uma palma, fiz sozinho algumas vezes e depois pedi para os alunos fazerem o mesmo. Em poucos segundos estavamos em sincronia, experienciando juntos o compasso quartenário simples, sentindo o apoio do primeiro tempo forte de cada compasso e mantendo a pulsação.

Esse primeiro exercício tem como objetivo trabalhar de forma simultânea a pulsação, andamento, compasso e desenvolver a cordenação motora dos alunos para que eles possam vivenciar por meio do corpo os contéudos musicais. Segundo BACHMANN (1998 p 37) o instrumento musical por exelência é o corpo humano, isso devido ao fato de ser o corpo humano capaz de interpretar os sons em todos os seus níveis. “El instrumento musical por excelencia, el cuerpo humano entero, es más capaz que cualquier otro de interpretar los sonidos en todos sus grados de duración.”

O segundo momento da aula de musicalização visa trabalhar o ritmo e duração das notas. Da mesma forma como havia feito no começo começei a marcar os tempos do compasso o mesmo movimento, depois começei a bater o ritmo das figuras usando as mãos e a voz. Na sequência pedi que fizessem o mesmo, e que prestassem atenção na relação do valor das notas com os passos, pois os passos mostram de maneira prática o valor de duração de cada nota.

Uma vez formada a consciência rítmica graças à experiência dos movimentos, vemos que se produz constantemente uma influência recíproca entre o ato rítmico e a representação [...] A representação do ritmo, imagem refletida do ato rítmico, vive em todos os nossos músculos. Inversamente, o movimento rítmico é a manifestação visível da consciência rítmica (BACHMANN, 1998, p. 25-6).5

Duas alunas tiveram dificuldades em sincronizar palmas e passos sem alterar o andamento. Procurei resolver essa questão dispondo de um tempo extra onde pudessêmos praticar tais exercícios. Sendo assim, ao término das aulas de musicalização, eu pedia a elas que permanecessem na sala por mais 10 minutos, pois iria repetir o exercício dado na aula. Com o passar do tempo notei que elas estavam progredindo, esse tempo extra de aula estava contribuindo e tornando-as mais confiantes com relação à execução dos exercícios propostos em sala.

O terceiro momento complementou a atividade musical com o canto da melodia. Antes de começar a cantar eu fiz um aquecimento vocal com os alunos por meio da manossolfa abordando as notas da melodia. Eu estabeleci um pulso em andamento lento e fiz a manossolfa. Nesse primeiro instante eles não cantaram eu cantei sozinho, eles apenas marcaram a pulsação e me observaram fazer os gestos da manossolfa. Após esse instante pedi para os alunos cantarem comigo as notas dadas na manossolfa. Cantamos juntos por uns instantes até eles chegarem na afinação adequada. Depois eles cantaram e eu apenas fiz os gestos. Na sequência fomos para a leitura das notas sem o uso da manossolfa.

Um aluno apresentou dificuldades de afinação, percebi esse fenômeno quando eles estavam cantando juntos. Eu ouvi uma melodia que distoava da melodia principal. Portanto, procurando solucionar o problema, toquei a nota Dó uma vez com cada aluno e pedi que reproduzissem essa nota com a voz. Um dos alunos cantou um intervalo de 3º acima, ou seja, a nota Mí. Nesse instante questionei a mim mesmo como eu iria trabalhar esse detalhe.

O meio que encontrei de resolver esse problema foi partindo do próprio aluno, baseando na sua emissão vocal. Quando eu tocava a nota Dó ele reproduzia com a voz a nota Mí. Então partindo dessa nota Mí eu tocava um Ré abaixo e pedia a ele que reproduzisse as notas Mí e Ré sem dizer os nomes das notas, ele reproduziu perfeitamente. Depois toquei Mí, Ré e Dó e ele reproduziu novamente. No momento em que ele chegou à nota Dó, pedi para cantar essa nota dizendo Dó, assim ele fez. Depois fiz Dó, Ré, Mí, Dó, Mí, Sol, Dó agudo Dó grave e ele reproduziu cantando com os nomes das notas.

Quando a turma foi cantar novamente, percebi que o aluno estava cantando próximo da afinação de Dó. Sendo assim toda vez que íamos cantar as melodias, eu fazia o aquecimento vocal com a turma e com o aluno separadamente, enquanto o restante da turma treinava uns com os outros a parte de ritmo, isso levava uns três minutos. Com o passar do tempo por meio desse exercício de vocalize, ele pôde cantar afinado com a turma e pronunciar sua musicalidade.

Os registros usados foram o Dó central do piano para os meninos e o Dó uma oitava acima para as meninas.

No quarto momento abordei a noção de acordes. A abordagem é feita de maneira simples, como havia um piano na sala, pedi aos alunos que cantassem a melodia enquanto eu fazia o acompanhamento. O acompanhamento é uma forma interessante de introduzir a idéia de acorde, pois os alunos vão cantando a melodia e sentindo o apoio dos acordes de forma simultânea. Os acordes de Dó maior e Sol maior representam nessa aula as funções básicas de tônica e dominante do sistema tonal.

Vejamos um exemplo da melodia com o acompanhamento do piano. (Figura 2)


Figura 2: Melodia da Figura 1 com acompanhamento de Tônica e Dominante

O interessante nesse momento é o trabalho conjunto entre melodia e harmonia. O fazer musical representado por uma melodia horizontal, intercalada a harmonia vertical possibilitará ao aluno o desenvolvimento de uma percepção musical abrangente no sentido melódico e harmônico.

Eu sempre reservava um tempo para a discusão dos conteúdos abordados nas aulas. A discussão acontecia depois das práticas, primeiro a gente vivencia os conteúdos musicais e depois discutiamos a respeito. A discusão com os alunos é considerada por mim, como uma importante parte do processo de musicalização por ser o momento de assimilação e organização das informações. Por meio da discusão eu pude também conhecer mais sobre os alunos e delinear possíveis caminhos para as próximas aulas.

Como em todo processo de aprendizado, as dúvidas aparecem, elas fizeram presentes em minhas aulas. O momento de dúvida é importante porque ele pode mostrar uma possível lacuna que precisa ser trabalhada. O que procurei fazer foi elaborar uma forma de orientação que pudesse prencher essas lacunas por meio da pro-atividade dos alunos perante o processo de aprendizado.

Por exemplo, se surgia uma dúvida com relação á execução de uma determinada figura ritmica, eu repetia o exercício para esse aluno em um andamento mais lento. Depois eu pedia para ele repetir o que eu havia feito e na medida em que ele fazia o exercício eu fazia perguntas. Eu perguntava se ele havia alterado o andamento do exercício, se ele havia percebido essa alteração durante a execução. Perguntava também se ele havia pensado na relação dos passos com as figuras ritmicas como mostrado acima, ou se ele havia sentido algum desconforto na hora da execução. Ou seja, por meio dessas e outras perguntas e do movimento corporal do aluno, eu tive a possibilidade de fazer uma orientação aos alunos condizente com o contexto dado.

É o segredo dos bons mestres: com suas perguntas, eles guiam discretamente a inteligência do aluno – tão discretamente, que a fazem trabalhar, mas não o suficiente para abandoná-la a si mesma.” – (RANCIERE, 2007 p. 40).

É claro que na maioria dos casos se o aluno está com dúvida ele pode não perceber que alterou o andamento. Mas eu notei que quando eu fazia a pergunta ele prestava mais atenção com relação ao andamento e pulsação. E isso é importante, pois se aluno consegue identificar que algo não saiu correto, ou que ele alterou o andamento, significa que ele está evoluindo e que possivelmente chegará á forma correta de execução. O reconhecimento do erro por parte do aluno é um bom sinal, pois significa que ele está fazendo o exercíco de forma consciente, ainda que ele erre, ele tem a consciência do erro e isso é sem dúvida muito importante no processo de aprendizado.

Os quatro momentos descritos acima representam um primeiro nível das aulas de musicalização. Onde o objetivo foi trabalhar a noção de pulsação, andamento, compasso quartenário simples, figuras ritmica simples, noções básicas dos acordes de tônica e dominante da harmônia funcional e o canto de melodias baseando nos intervalos de quinta justa, terça maior e menor e oitava justa.

Dando continuidade ao relato de minha experiência, irei descrever nas próximas páginas a aula de musicalização em um estágio mais avançado.

Vejamos um exemplo (figura 3) de melodia:


Figura 3: Melodia com as três funções tonais.

Nessa etapa, eu complementei as aulas de musicalização com os seguintes conteúdos; colcheias, pausas, sinais de dinâmica crescendo e decrescendo, forte e piano, noção de fraseado, ritornello, anacruse, o acorde de Fá maior na função de subdominante e a nota Lá na melodia. Percebe-se que os conteúdos musicais são abordados gradativamente e aplicados nos exercícios em sala de aula. .

Primeiramente fizemos uma roda, depois estabeleci o pulso em andamento lento. Na sequência começei a fazer os passos referentes ao compasso quartenário como foi mostrado acima no primeiro estágio de aula. Depois começei a bater o ritmo das figuras com palmas e vozes.

A essa altura os alunos já haviam desenvolvido uma sincronia corporal satisfatória que contribuiu em muito com o processo de aprendizado. Tanto que quando eu fiz o ritmo das figuras para eles verem, alguns alunos perceberam que nas colcheias eu havia batido duas palmas, uma para o pé que toca o chão e outro para o joelho que sobe. Isso ajudou consideravelmente os outros alunos que estavam com dificuldade, pois os passos mostraram de maneira visual e sensorial a célula ritmica da coclcheia.

Outra percepção dos alunos foi com a pausa de mínima e semínima. Eles notaram que na pausa eu não havia batido palma e nem usado voz, eu apenas havia feito silêncio, um silêncio correspondente aos dois primeiros tempos iniciais da melodia, ou seja, uma mínima. E outro silêncio que correspondeu a um tempo de semínima. Eles também perceberam que eu havia voltado ao início e repetido o exercício, a função do ritornello.

Após praticarmos por um tempo a parte ritmica do exercício, começei o aquecimento vocal dos alunos com a manossolfa baseando nas notas da escala pentatônica de Dó maior.

Antes de começar o aquecimento vocal eu fiz os mesmos procedimentos, estabeleci um pulso em andamento lento e pedi para marcarem a pulsação valendo do movimento do corporal. Passado alguns minutos fomos para o canto da melodia sem fazer os sinais de dinâmica. Primeiro eu cantei sozinho fazendo a manossolfa, depois com os alunos, depois cantamos juntos lendo as notas na partitura e por último com o acompanhamento do piano.

O próximo passo foi o canto da melodia fazendo os sinais de dinâmica e fraseado. Primeiro eu cantei sozinho fazendo os crescendo e decrescendo, piano e forte. Depois pedi para eles cantarem da mesma forma como eu havia cantado. Quando senti que eles estavam seguros com relação à execução dos crescendo e decrescendo, piano e forte, eu voltei ao piano e fiz novamente o acompanhamento.

Por último tratei do fraseado melódico, para isso eu cantei novamente a melodia tomando respiração no começo de cada frase, no caso nas notas Sol e Mí. São duas pequenas frases de três compassos cada.

O resultado sonoro foi satisfatório, os sinais de dinâmica complementaram o fazer musical com expressividade e musicalidade. O canto de uma melodia, ainda que seja pequena, explorando alguns sinais de dinâmicas com consciência do fraseado melódico e com o acompanhamento do piano pode criar uma memória musical significativa nos alunos.

Outro conteúdo musical trabalhado em sala de aula foram os exercícos de ação combinada usando voz e palma. Esses exercícios tem o intuito de trabalhar o desenvolvimento da coordenação motora dos alunos.

Vejamos os exemplos:


Figura 4: Ação combinada

Com o objetivo de trabalhar a coordenação motora, esses exercícios de ação combinada foram feitos da seguinte forma: primeiro eu pedia para os alunos marcarem o pulso em andamento lento enquanto eu fazia as duas linhas ritmicas com voz e palmas.

Depois eu perguntava se alguém queria tentar fazer o exercício, uma espécie de desafio em sala de aula. Alguns alunos aceitavam o desafio e tentava fazer o exercício. Às vezes era um aluno sozinho, às vezes eram dois ou três. No momento em que o aluno fazia o exercício eu e o restante da turma apenas marcávamos o pulso.

Na sequência eu pedia para todos os alunos fazerem comigo o exercício mantendo o andamento lento inicial. Por últimos eu pedia para eles fazerem a ação combinada marcando a pulsação com os passos mostrados acima.; primeiro tempo um passo a frente pé esquerdo, segundo tempo um passo a frente pé direito, terceiro tempo um passo atrás pé esquerdo e quarto tempo um passo atrás pé direito. Dessa forma eles irão trabalhar uma linha de ritmo com a voz, outra com as palmas e com os pés eles irão marcar quatro tempos.

O segundo exemplo de ação combinada já aborda as colcheias e pausas. Se a pausa está na linha da voz, basta fazer silêncio, se ela está nas palmas basta fazer o movimento inverso da palma, que seria a abertura dos braços e das mãos.


Figura 5: Ação combinada com subdivisão rítmica

Nesse estágio eu também incluí o ditado de intervalos. Com o auxílio do piano, eu fazia um intervalo de 5ª justa partindo da nota Dó, depois eu fazia um intervalo de 4ª justa, de 3ª maior e 8ª justa. O objetivo dessa forma de ditado é desenvolver o ouvido interno do aluno de maneira progressiva partindo dos intervalos básicos. No futuro, se algum desses alunos decidirem estudar música profissionalmente, eles já terão uma base musical significativa.

Para encerrar o relato de minha experiência, irei tratar a seguir a parte que diz respeito à criação musical. Fizemos uma música juntos partindo dos seguintes instrumentos: um piano, uma flauta, um violino, dois violões, dois tambores de percussão, um pequeno xilofone e uma pequena marimba. O principal objetivo dessa atividade foi estimular a criatividade dos alunos e complementar as aulas de musicalização por meio da composição musical.

O processo aconteceu da seguinte forma: primeiro eu deixei os alunos escolherem um instrumento, e no meio de tantos sons fomos explorando a combinação sonora dos instrumentos, até decidirmos que começariámos com a flauta fazendo uma melodia com o acompanhamento do piano.

A melodia que a aluna fez na flauta foi criada por ela mesma, assim como o acompanhamento do piano, a parte dos violões, violino e percussão, tudo partiu dos alunos. O meu papel nesse processo foi o de ouvir o que eles estavam tocando e fazer sugestões com relação às entradas de cada instrumento.

Tudo estava correndo bem até começarmos a segunda parte da criação com os violões, uma das alunas que estava tocando xilofone me disse que aquela parte estava parecendo com a música de um filme, por isso ela não iria tocar. Ela me disse que queria fazer algo original, afinal aquilo era sua música. Essa declaração me fez perceber que aquela criação musical tinha um grande valor para ela e para o restante da turma. Quando ela disse que parecia com a música do filme, os outros alunos que também haviam assistido ao filme disseram que não era bem assim. Eles disseram que essa parte dos violões não parecia com a música do filme.

A declaração dos outros alunos não fez com que ela mudasse de idéia, quando chegava à parte dos violões ela parava de tocar e ficava séria. Isso me causava certo desconforto, eu ficava pensando uma forma de resolver a situação. Afinal de contas a idéia da atividade era promover a participação de toda a turma e propiciar ao aluno um clima favorável onde ele pudesse explorar sua criatividade e pronunciar sua história. Sendo assim, se eu pedisse aos alunos do violão para tocarem algo diferente eu estaria sendo incoerente com a proposta da atividade.

No entanto eu não desisti da aluna, tentei mostrar por meio do diálogo o quanto sua participação era importante naquele processo. Por fim depois de algumas aulas ela mudou de idéia e tocou o xilofone na parte dos violões. E assim seguiu por mais algumas aulas o trabalho de criação, que terminou com uma apresentação no último dia de aula.

6. Conclusão

O relato de minha experiência como educador musical no CMI pode ser entendido como uma representação do que foi trabalhado por mim nas aulas de musicalização. Considerando o lado profissional, o estágio foi essencial na minha formação, essa experiência de três semestres, lecionando musica para uma turma de adolescentes, foi uma grande oportunidade de viver a arte de ser educador. É imensurável o quanto aprendi na prática sobre educação.

O fato de vivenciar uma experiência musical com os alunos foi para mim um momento de reconstrução do meu próprio aprendizado. Todo o conhecimento que eu havia aprendido ao longo desses cinco anos na licenciatura, foi aprimorado por meio dessa oportunidade. Pensei em fazer um trabalho de musicalização pautado nos príncipios pedagógicos de Freire e Ranciére. Posso dizer que eu aprendi ensinando, não me refiro ao aprendizado dos conteúdos musicais, me refiro ao aprendizado de caráter pedagógico, de como ensinar esses conteúdos.

Como mostra o relato, as aulas foram baseadas na vivência prática, e não na narração dos conteúdos. Muitas vezes os alunos se depararam com atividades desafiadoras como foram os exercícios de ação combinada e o canto da melodia. Além disso, posso dizer que eles encontraram nas aulas de musicalização uma oportunidade de se expressarem, ou seja, de pronunciarem seus mundos. Um exemplo disso foi o momento da criação musical, onde eles tiveram suas criatividades estimuladas e liberdade suficiente para criarem uma música juntos.

Outro ponto importante diz respeito a relação professor-aluno, eu procurei estabelecer uma relação de amizade com os educandos, respeitando e valorizando seus conhecimentos. E pude perceber que por meio dessa relação recíproca, o professor é contemplado com o respeito dos alunos, e isso é importante no processo de aprendizado.

Essa relação de amizade além de me aproximar da turma, me ajudou de forma significativa a estimular uma vontade de aprender nos educandos. Por meio dessa relação eu pude exercer o diálogo, tanto para direcionar os alunos ao conhecimento como também para resolver os obstáculos que apareceram em sala de aula.

7. Bibliografia

ARROYO, M. Um olhar antropológico sobre práticas de ensino e aprendizagem

Musical. IN: Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 5, p. 13-20, set. 2000

BACHMANN, M, L. La rítmica Jaques- Dalcroze. Una educación por la música y para la música. Madrid: Ediciones Pirámide, 1998.

BRASIL. MINISTÈRIO DA EDUCAÇÃO. SECRETARIA DE EDUCAÇÃO BÁSICA. Parâmetros nacionais de qualidade para a educação infantil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica: Brasília (DF), 2006 v.l; il.

FREIRE, P. "Carta de Paulo Freire aos professores." Estudos avançados 15.42

FREIRE, P. "Pedagogia do Oprimido. Rio de janeiro: Paz e terra, 1987. _."Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa 15 (1995).

ILARI, B. A música e o cérebro: algumas implicações do neurodesenvolvimento para a educação musical. In: Revista da ABEM, n. 9, set. 2003, p. 7-16.

PENNA, M. Poéticas musicais e práticas sociais: reflexões sobre a educação musical diante da diversidade.In: Revista da ABEM, Porto Alegre, v. 13, p. 7-16, set. 2005.

RANCIÈRE, J. (2007). O mestre ignorante: Cinco lições sobre a emancipação intelectual. Belo Horizonte: Autêntica.


Publicado por: ANDRE RANGEL DE CARVALHO

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