GAMIFICAÇÃO DOS CLÁSSICOS DA LITERATURA COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA DE INCENTIVO À LEITURA

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1.  RESUMO

Esse artigo apresenta uma reflexão teórica de um questionamento pertinente ao contexto atual sobre o ensino da Literatura para os alunos da educação regular. Tal disciplina tem sido foco de preocupação de muitos pesquisadores e dada a importância da aprendizagem do conteúdo dessa matéria, foi realizado o presente estudo. Um dos objetivos é problematizar as práticas atuais do ensino docente frente a um cenário de conteúdo e lazer tecnológico cada vez mais presente, promovendo a gamificação como metodologia contemporânea para o ensino da disciplina Literatura no ensino fundamental e médio. Outro objetivo é analisar os referenciais teóricos que abordam o tema e avaliar a viabilidade de sua utilização. A metodologia empregada nesse trabalho foi a pesquisa bibliográfica sobre o assunto em questão. Os principais resultados referem-se às formas de abordagem de diferentes autores sobre o uso da gamificação como estratégia pedagógica a fim de impulsionar o engajamento e a motivação dos alunos. E, por fim, as conclusões indicam a gamificação como estratégia de incentivo à leitura que – valendo-se de comportamentos naturais do ser humano como competitividade, socialização, busca por recompensa e prazer pela superação – desperta o interesse dos alunos pelos Clássicos da Literatura, tanto brasileira quanto mundial.

PALAVRAS-CHAVE: Gamificação. Estratégia pedagógica. Literatura.

ABSTRACT

Esse artigo apresenta uma reflexão teórica de um questionamento pertinente ao contexto atual sobre o ensino da Literatura para os alunos da educação regular. Tal disciplina tem sido foco de preocupação de muitos pesquisadores e dada a importância da aprendizagem do conteúdo dessa matéria, foi realizado o presente estudo. Um dos objetivos é problematizar as práticas atuais do ensino docente frente a um cenário de conteúdo e lazer tecnológico cada vez mais presente, promovendo a gamificação como metodologia contemporânea para o ensino da disciplina Literatura no ensino fundamental e médio. Outro objetivo é analisar os referenciais teóricos que abordam o tema e avaliar a viabilidade de sua utilização. A metodologia empregada nesse trabalho foi a pesquisa bibliográfica sobre o assunto em questão. Os principais resultados referem-se às formas de abordagem de diferentes autores sobre o uso da gamificação como estratégia pedagógica a fim de impulsionar o engajamento e a motivação dos alunos. E, por fim, as conclusões indicam a gamificação como estratégia de incentivo à leitura que – valendo-se de comportamentos naturais do ser humano como competitividade, socialização, busca por recompensa e prazer pela superação – desperta o interesse dos alunos pelos Clássicos da Literatura, tanto brasileira quanto mundial.

PALAVRAS-CHAVE: Gamificação. Estratégia pedagógica. Literatura.

2. INTRODUÇÃO

Para traçar um diálogo entre Literatura, Educação e Games (Jogos), é preciso, em primeiro lugar, conceituar essas áreas e compreendê-las dentro de um contexto cultural. Para melhor situar tais campos no cenário atual, partiremos da etimologia dos termos: “Literatura vem de littera, ae, que significa letra em latim e dá origem à palavra litteratura, ciência relativa às letras, arte de ler e escrever.” (AGUIAR, 2014, p. 17).

Tamanha a sua importância, a Literatura como disciplina escolar se faz presente na Base Nacional Comum Curricular, BNCC, documento que regulamenta quais são as aprendizagens consideradas essenciais a serem trabalhadas nas escolas públicas e particulares da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio para garantir o direito à aprendizagem e o desenvolvimento pleno de todos os estudantes. Tem como objetivo nortear os currículos dos estados e municípios de todo o Brasil. Apesar de não ser delimitada como um componente curricular específico, a Literatura ocupa um papel importante na BNCC, envolvendo, principalmente, a formação dos chamados leitores-fruidores. O ato de fruir, no documento, “refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar durante a participação em práticas artísticas e culturais” (BRASIL, 2017).

Já o termo educação “é originário do latino educatio, onis, ação de criar e alimentar e, ainda, em sentido figurado, ensinar.” (AGUIAR, 2014, p. 19). Conforme a autora, o substantivo educação é uma derivação de educo, educare, composto pela preposição ex e pelo verbo duco, ducere. Este, em português, significa conduzir, levar. Aquele, indica movimento de dentro para fora.

Por conseguinte, educar significa levar para fora, fazer sair, tirar de, e, por extensão, criar, instruir. Em seus princípios, a educação tem a ver com a ideia de trazer à luz aquilo que o sujeito tem como potencialidades internas, possíveis de se desenvolverem, e com a ideia de lhe fornecer conhecimentos, alimentá-lo intelectualmente para que se torne um adulto mais rico. Mas também significa levá-lo para fora, inseri-lo num ambiente mais amplo, fazê-lo sair de si e integrar-se na comunidade, assumindo os valores ali defendidos. (AGUIAR, 2014, p. 19)

A educação é, portanto, uma atividade social. A transmissão do conhecimento dar-se-á de geração a geração, garantindo assim a continuidade do grupo como sociedade, perpetuando – dentre outros – valores históricos e culturais. No entanto, as teorias que defendem uma imposição coercitiva por parte dos mais velhos aos mais novos já não são tão aceitas hoje em dia. Segundo Aguiar (2014), o processo da educação tornou-se dinâmico, onde o indivíduo “não se submete passivamente às estruturas em que é inserido, mas reorganiza experiências, age criticamente sobre o meio e contribui para as mudanças sociais.”

Infelizmente, a realidade de muitas escolas é condizente a uma educação meramente reprodutiva desses comportamentos tradicionais. Fato que inviabiliza o diálogo entre Literatura e educação, uma vez que, ao adotarmos uma postura impositiva de textos obrigatórios, além de diminuirmos o deleite preconizado pela BNCC, estamos restringindo o futuro leitor-fruidor (aluno) de compreender essencialmente um dos elementos mais significativos da leitura literária: a liberdade.

Por sua vez, jogar vem do latim jocare, raiz da palavra jogo em vários idiomas (espanhol, italiano, francês, romeno e português). “Jogar é uma palavra relacionada com atividades realizadas para a recreação do espírito, distração, entretenimento, divertimento, prática de desporto, astúcia, fingimento e luta, entre outros.” (MASSA, 2017, p. 111). Os games – jogos eletrônicos –, popularizados como forma de lazer e entretenimento, fazem parte da cultura da atual geração (Azevedo, 2012). Para Vianna et al. (2013), é desse universo dos games que chegamos à expressão gamificação, que é uma tradução de gamification, termo em inglês utilizado, justamente, para descrever o uso da lógica dos games em outros contextos. Segundo Li et al. (2012), um material gamificado, além de aumentar o engajamento e os níveis de prazer do usuário, também melhora a aprendizagem ao contribuir com o processo de criação do conhecimento.

Por se tratar de uma instituição formal e sistemática, a escola tem a responsabilidade de “providenciar currículos, disciplinas e programas que deem conta dos conteúdos a serem repassados aos alunos em termos de conhecimentos e atitudes.” (AGUIAR, 2014, p. 20). Sendo assim, se considerarmos suas aplicações na educação como um novo elemento de mediação didática, gamificar um processo pedagógico significa utilizar técnicas e estratégias próprias dos jogos – não somente eletrônicos – para torná-lo mais atrativo, reforçando a interação lúdica e criativa na sala de aula, gerando motivação, interesse e, principalmente, engajamento.

Este artigo científico, de um modo geral, propõe a gamificação como metodologia contemporânea para o ensino da disciplina Literatura no ensino regular: fundamental e médio. Mais especificamente, busca analisar os referenciais teóricos que abordam o tema, avaliar a viabilidade de sua utilização e, por fim, apontar a gamificação como estratégia de incentivo à leitura que – valendo-se de comportamentos naturais do ser humano como competitividade, socialização, busca por recompensa e prazer pela superação – venha despertar o interesse dos alunos pelos Clássicos da Literatura, seja ela brasileira ou mundial.

Para atingir tais objetivos, a metodologia adotada trata-se de um ensaio teórico baseado em pesquisas bibliográficas, discutindo o tema da gamificação na educação por meio de uma abordagem documental com base em livros, revistas e demais artigos publicados em fontes de periódicos, conferências ou teses e dissertações acadêmicas.

A fundamentação teórica, por sua vez, é baseada na revisão de diversas obras de inúmeros autores, tanto sobre educação quanto sobre o uso da gamificação como estratégia pedagógica a fim de impulsionar o engajamento e a motivação dos alunos. Dentre eles, Saviani (1994, 2008, 2009), Kleiman (2000, 2002), Piaget (2003), Mattar (2010), McGonigal (2012), Fardo (2013), Alves (2015), entre outros.

3. A GAMIFICAÇÃO COMO ESTRATÉGIA PEDAGÓGICA

Ler é de grande importância para a vida social e profissional das pessoas. Parte indissociável para uma completa formação integral. Martins (1994) esclarece que o ato de ler não é simplesmente um aprendizado qualquer, mas uma verdadeira conquista de autonomia. Segundo a autora, o leitor passa a compreender seu próprio universo, rompe barreiras, abandona a passividade e encara melhor a face da realidade. Na vida escolar, o hábito da leitura é um instrumento essencial para o sucesso do binômio ensino-aprendizagem, pois é por meio da leitura que se abrem novos horizontes e podemos, portanto, aprofundar nosso conhecimento sobre o mundo. Entretanto, “o ato de ler não nasce com o indivíduo, assim como as outras funções vitais. Este ato precisa ser ensinado e aprendido, e neste processo o professor é o mediador.” (BARBOSA, 1990).

Segundo Rampelotto e Gizéria (2017, p. 11), infelizmente, “boa parte da população brasileira não tem o costume de ler assiduamente, ou seja, pouco se lê; e isso é preocupante em uma sociedade onde os níveis de jovens leitores é crítico.” As autoras, em um artigo intitulado “As Dificuldades na Formação do Hábito de Leitura em Alunos do Ensino Fundamental”, publicado na Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, apresentam dados relevantes sobre o tema citando números da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, cuja a 3ª edição foi realizada em 2012. Tais informações ajudam a compreender as causas do baixo índice de leitores no Brasil.

A falta de interesse fica em primeiro lugar, com 78% e a falta de tempo em segundo, com 50%. Também foi apontado que o livro tem hoje uma série de concorrentes – 85% das pessoas preferem assistir TV em seu tempo livre e 52% ou música ou rádio. A opção pela leitura aparece em 7º plano com 28%. (RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL, 2012, apud RAMPELOTTO; GIZÉRIA, 2017, p. 3)

Percebe-se, portanto, a “falta de interesse” como sendo o principal problema para promover o hábito da leitura. Fato também presente no meio escolar, outrora identificado por Kleiman (2000): “A leitura é vista pelo corpo discente como algo “massacrante”, imposta pelos mestres.”, ou seja, os alunos são forçados a lerem aquilo que não os interessa, tornando o processo de ler uma espécie de fardo indesejado. Não é tarefa simples despertar o hábito da leitura. Principalmente, nos jovens. Para Freire (1995) essa responsabilidade cabe “à escola e aos professores que são essenciais na influência sobre a leitura no aluno, orientar, mais precisamente, despertar o gosto para o ato de ler.”.

A triste realidade é que frases como: “não gosto de ler”, “não consigo entender o que leio”, “quando começo a ler, sinto sono e paro” etc., são comuns. Ainda mais no meio estudantil. O que reforça o papel relevante do professor como mediador da leitura em sala de aula. De acordo com Kleiman (2000), muitas das dificuldades em promover o hábito da leitura são resultantes de metodologias inadequadas e desmotivadoras. Quando se fala em Literatura é ainda pior, pois, na maioria das vezes, devido à época em que foram produzidas, as obras literárias são difíceis de entender. Muitos dos textos literários revelam um fragmento do passado, ou seja, os problemas que ocorriam na sociedade na época em que foram escritos. Muitos autores escreviam para que os leitores pudessem refletir, com a esperança de que, a partir daí, promovessem uma mudança de comportamento ou de situação. Por este motivo, a Literatura tem sido um componente muito presente em provas de vestibulares, pois além de trazer conhecimento histórico e cultural da época em questão, busca promover diversas reflexões.

Nos vestibulares, por exemplo, as obras literárias mais comuns são: O cortiço, de Aluísio de Azevedo; Noite na taverna, de Álvares de Azevedo; Senhora, de José de Alencar; Vidas secas, de Graciliano Ramos, entre outras. Esta última, ainda neste artigo científico, é apresentada (de forma teórica) como objeto de uma proposta gamificada.

Complementando, Kleiman (2002) afirma que a compreensão de um texto só é possível mediante a utilização de conhecimentos prévios, ou seja, apenas interagindo com diferentes níveis de conhecimento já acumulados é que o leitor irá conseguir dar sentido ao texto. E, consequentemente, manter o interesse pela leitura. Sendo assim, para que haja um desenvolvimento substancialmente eficaz em suas competências – compreensão, reflexão e utilização de textos escritos – deve-se estimular o hábito de ler desde os primeiros anos do Ensino Fundamental, resgatando o prazer pela leitura ao transformá-la em algo divertido. Segundo Freire (1995, p. 71), “desde muito pequenos, aprendemos a entender o mundo que nos rodeia. Por isso, antes mesmo de aprender a ler e a escrever palavras e frases, já estamos ‘lendo’, bem ou mal, o mundo que nos cerca”, fazendo dessa aprendizagem um divertimento.

Na infância, ler é uma atividade prazerosa. Por vezes, tendo os pais como mediadores e sendo realizada em um lugar confortável. A leitura é apresentada à criança como forma de entretenimento, revelando-se como um universo de encantamento e descoberta. E, quando se adquire essas duas leituras: a do mundo, proposta pela teoria de Paulo Freire, e a da palavra – de certa forma, complementares entre si –, ambas são compreendidas. Ao chegar na escola, contudo, essa concepção de leitura é deturpada, tornando-se mais mecânica do que prazerosa.

Mattar (2010, p. 14) afirma que a educação de hoje se apresenta segmentada, com um ensino descontextualizado, onde o aluno decora o conteúdo de maneira passiva e individual. Por conta disso, o aluno associa a prática da leitura a uma tarefa árdua, sem objetivo ou significado, contribuindo para que haja um certo pavor por essa atividade. Segundo Geraldi (2006, p. 26-27), o conceito de leitura enquanto processo interativo vem sendo negligenciado em sala de aula. Os professores estão mais preocupados em ensinar as normas, transformando os alunos em meros receptáculos de informações, do que resgatar o gosto e o prazer pelo hábito da leitura.

No entanto, é por meio da leitura, principalmente de obras literárias, que formamos um indivíduo crítico e reflexivo. Mas essa atividade não deve ser imposta como uma obrigação. Um exemplo disso é que a pressão gerada para que os alunos leem os Clássicos da Literatura, simplesmente, por lerem, vem se mostrando ineficaz e desinteressante.

Segundo Kolb e Whishaw (2003), ao tomarmos como base o funcionamento do cérebro – como ele assimila e armazena as informações –, devemos considerar que as emoções, as expectativas, o ambiente e o nível de estresse e ansiedade da criança são relevantes para o sucesso da aprendizagem. Entender o funcionamento do cérebro é importante para auxiliar os docentes quanto à adoção de práticas educativas, pois

as neurociências descrevem a estrutura e funcionamento do sistema nervoso, enquanto a educação cria condições que promovem o desenvolvimento de competências. Os professores atuam como agentes nas mudanças cerebrais que levam à aprendizagem (COCH; ANSARI, 2009).

De acordo com Machado (2013), em um episódio de estresse, por exemplo, o organismo libera um hormônio chamado cortisol, que prejudica a memória e o aprendizado. Ao contrário do cortisol, a dopamina1, por sua vez, desperta a atenção e ativa a região onde se localiza a memória, o que faz desse neurotransmissor, um protagonista fundamental para o processo do aprendizado. O organismo libera dopamina sempre que temos a sensação de ganhar, de compreender e de vivenciar algo novo. O cérebro humano adora dopamina, pois ela está relacionada ao aumento na sensação de prazer. Para tanto, ele precisa relembrar a situação que a ativou, o que explica a eficiência dessa substância na memória e no aprendizado.

Os criadores dos games – jogos eletrônicos – conhecem muito bem como funciona a dopamina e utilizam de tal conhecimento para manter seu público (os jogadores) constantemente interessados, apresentando superações graduais em diferentes níveis, pontuações e outros ganhos. Muitos pais sabem o quanto essas estratégias realmente funcionam, uma vez que seus filhos passam horas e horas na frente dos videogames. Aplicando esse conceito no ensino da disciplina Literatura, Hartmann e Santarosa (2012, p. 72) esclarece que “o estabelecimento de um propósito definido para a leitura de um texto contribui para que o leitor encontre sentidos no material que é objeto de sua atividade de leitura em dado momento.” O entendimento do “porquê,” e “como” trabalhar a leitura, portanto, tornam-se fundamentais para que a escola e os professores sejam capazes de contribuir para essa transformação sociocultural de moldar o aluno em um indivíduo crítico e reflexivo. Para tal, a Literatura deve, antes de qualquer coisa, promover prazer e entretenimento, além de potencializar a criatividade e estimular a imaginação, levando – consequentemente – à fruição, dentre outras Dimensões do Conhecimento2 também propostas pela BNCC.

Para que a função utilitária da Literatura – e da arte em geral – possa dar lugar à sua dimensão humanizadora, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto, garantir a formação de – um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desvendar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas demandas e de firmar pactos de leitura. (BRASIL, 2017).

Para possibilitar isso, a BNCC prevê a formação do leitor-fruidor ao longo de todas as etapas escolares, apresentando a Literatura como forma de promover uma imersão do discente em obras diversas. Para tanto, é importante compreender e, principalmente, reforçar que a leitura não é mera decodificação de símbolos, mas sim a compreensão daquilo que é lido e sua relação com demais conhecimentos prévios. Segundo Kleiman (2002, p. 13), “o leitor utiliza na leitura o que ele já sabe, o conhecimento adquirido ao longo de sua vida [...] Pode-se dizer com segurança que sem o engajamento do conhecimento prévio do leitor não haverá compreensão.” E, consequentemente, o interesse pela leitura ficará comprometido. Vale ressaltar, ainda, que “as práticas de leitura que empreendemos no nosso dia a dia dependem do tipo de relação que estabelecemos com os textos, cuja leitura pode ser diferentemente motivada” (GERALDI, 1997, p. 171 apud HARTMANN; SANTAROSA, 2012, p. 74).

Ainda citando os autores, “o leitor proficiente é aquele que estabelece objetivos para a leitura que faz e que, pautando-se por eles, consegue tirar mais proveito do que lê.”. Sendo assim, possuir somente o domínio do código escrito – embora condição necessária –, sem nenhum objetivo aparente, não irá garantir a compreensão do texto em sua totalidade. Muito menos, interação com o leitor. Simplesmente impor a obrigatoriedade da leitura sem um propósito bem definido – e, principalmente, aceito –, ainda sem a preocupação de resgatar o prazer e o divertimento da prática, não irá contribuir para a aprendizagem da Literatura como conteúdo disciplinar. Por conta disso, surge a necessidade de desenvolver, desde os anos iniciais, estratégias cognitivas para a compreensão da leitura e sua promoção com a finalidade de que a atividade em si alcance sua função social de forma prazerosa e estimulante, acrescentado a diversão como um de seus pressupostos.

Convergindo, portanto, (1) a necessidade de despertar, desde cedo, o interesse do aluno pela leitura, (2) o entendimento das sinapses cerebrais no processo da aprendizagem e (3) o estabelecimento de objetivos como propósito para motivar o hábito de ler; contextualizando-os no atual cenário extraclasse: competitivo, estimulante e tecnológico; a chamada gamificação surge como opção contemporânea de uma estratégia pedagógica inovadora.

Segundo Mattar (2010), “o aprendizado necessita de motivação para um envolvimento intenso, o que é atingido pelos games. Nesse aspecto, a motivação torna-se palavra-chave. Isso porque os games estimulam a superação de problemas de um modo que os educadores, com seus métodos convencionais, infelizmente, não conseguem. Ainda segundo o autor,

a educação dos nossos jovens, está hoje brutalmente segmentada: na escola, o ensino de um conteúdo descontextualizado que o aluno tem de decorar, passiva e individualmente; nos games, o aprendizado em simulações que o próprio jogador ajuda a construir, ativa e colaborativamente (MATTAR, 2010).

Transpor essa abordagem lúdica para dentro de sala de aula é o grande desafio para promover o “envolvimento intenso” citado pelo autor anteriormente. Esse envolvimento dar-se-á pela interação entre jogo e jogador, que ocorre devido à dinâmica dos problemas a serem superados e, de contrapartida, às recompensas pela superação dos mesmos. Essa concepção, embora mais comedida, já é adotada na educação onde as avaliações são os desafios e os resultados, as recompensas. Ao jogar, entretanto, o jogador não vê os desafios como obrigações, mas sim como oportunidade de testar e aperfeiçoar suas próprias habilidades. O autor esclarece que os jogos considerados analógicos “são utilizados em educação há bastante tempo, como palavras cruzadas, bingos, representações etc.” (MATTAR, 2010).

De acordo com McGonigal (2012), os jogos sempre estiveram presentes na história da humanidade. Ao longo do tempo, por exemplo, muitas foram as civilizações que participaram de competições importantes para a estruturação social do seu povo. A autora afirma que os jogos são atrativos não pela atividade de jogar simplesmente, mas pelas experiências (e pelo prazer) proporcionados ao indivíduo. Podemos destacar diversas sensações e sentimentos: adrenalina, aventura, desafio e o fato de estar imerso em uma atividade divertida, seja sozinho ou entre amigos, sem a desvantagem da obrigatoriedade que minimiza (ou até mesmo anula) a sensação do divertimento e prazer.

“O relacionamento entre jogos e educação, portanto, tem uma história anterior ao surgimento dos games.” (MATTAR, 2010). Os games, por sua vez,

não são mais apenas um produto que atende certo nicho de mercado, mas um elemento cotidiano para boa parte das pessoas. Videogames estão presentes cada vez em maior número nos domicílios brasileiros; isso sem falar na incrível disseminação dos aparelhos celulares e outros dispositivos móveis no país. (MATTAR, 2010)

Segundo Fardo (2013), a gamificação “trata-se de um fenômeno emergente, que deriva da popularidade dos games e de suas capacidades intrínsecas de motivar a ação, resolver problemas e potencializar as aprendizagens nas diversas áreas do conhecimento e na vida dos indivíduos”.

De acordo com Alves (2015) atividades gamificadas podem engajar diferentes públicos, com idades diversas. Tal engajamento está diretamente ligado a forma divertida como a aprendizagem é motivada e à relevância de seus conteúdos. Muitos pesquisadores estão trabalhando o potencial dos jogos para fins educacionais, evidenciando entre outros pontos a relação dos jogos com a motivação e o engajamento dos envolvidos. Para Vianna et al. (2013), a gamificação é, justamente, o uso da mesma dinâmica e estética dos games, só que em outros contextos que não os jogos em si, ou seja, quando participamos de um processo gamificado não significa que estamos participando de um jogo propriamente dito, mas sim que estamos nos apropriando de suas características mais eficientes para conseguirmos os mesmos benefícios alcançados por estes, como por exemplo: engajar pessoas, motivar ações, promover aprendizagem e resolver problemas. E quais seriam essas características?

Quadro 1 – Características de um processo gamificado.

Problematização (Desafios e missões)

Tarefas desafiadoras que o usuário (jogador) deve realizar dentro de um intervalo de tempo, sendo recompensado após sua conclusão (pontos ou medalhas).

Pontuação

Sistemas de pontos de acordo com as tarefas realizadas pelo usuário (jogador).

Medalhas
(Conquistas)

Elementos gráficos que o usuário (jogador) recebe por realizar com êxito tarefas específicas.

Níveis

Utilizado para mostrar ao usuário (jogador) seu progresso dentro do sistema (jogo), fomentando sua evolução.

Feedback

(Ranking)

Forma de visualizar o resultado de suas ações e o progresso/evolução dos outros usuários (jogadores), criando um senso de competição dentro do sistema (jogo).

Fonte: Adaptado de Klock et al. (2014).

“Para Prensky3, as crianças jogam games porque estão aprendendo, e adoram aprender quando o aprendizado não é forçado.” (MATTAR, 2010, p. 29). Autor de diversos livros que abordam o assunto, Prensky ficou famoso por cunhar as expressões nativos digitais e imigrantes digitais. João Mattar (2010) em seu livro Games em educação: como os nativos digitais aprendem, enaltece o trabalho do colega: “De todos os autores que tenho pesquisado, Prensky sempre me pareceu o mais fundamentado, criativo e articulado.” (MATTAR, 2010, p. 31).

Os nativos digitais (no caso, os alunos) seriam aqueles nascidos em meio a era da tecnologia, enquanto que os imigrantes digitais (os professores) nasceram na era analógica e acabaram migrando, somente durante a vida adulta, para o mundo digital. Essa diferença de gerações, portanto, prejudicaria o binômio ensino-aprendizagem.

Piaget (2003) afirma que “ensinar é provocar a aprendizagem. Portanto, o ato de ensinar está intimamente relacionado ao ato de aprender.” Segundo o autor, no ponto de vista do desenvolvimento da pessoa, jogar e brincar são uma necessidade porque iniciam uma boa relação com a realidade de forma agradável e permitem a integração no mundo das relações sociais.

Segundo Klock et al. (2014), os elementos dos games estão relacionados a satisfazer certas necessidades humanas como recompensas, status, desafios etc. É imprescindível que tais elementos estejam presentes para que um processo seja considerado, de fato, gamificado. Novamente, citando Fardo (2013), isso é possível, pois,

estratégias e pensamentos dos games são bastante populares, eficazes na resolução de problemas (pelo menos nos mundos virtuais) e aceitas naturalmente pelas atuais gerações que cresceram interagindo com esse tipo de entretenimento. Ou seja, a gamificação se justifica a partir de uma perspectiva sociocultural (FARDO, 2013, p. 70).

Nesse quesito, Saviani (2009) reforça a presença de uma educação assistemática, tida como uma espécie de educação difusa, extraescolar, informal e não institucionalizada, indiferenciada em todos os setores da sociedade. Segundo o autor, “portanto, há múltiplas formas de educação, entre as quais se situa a escolar. Segundo essa tendência, a escola não é a única nem mesmo a principal forma de educar.” (SAVIANI, 2008, p. 97). O autor estabelece, ainda – consoante ao proposto pela BNCC que relaciona Literatura à arte –, forte paralelismo entre educação e cultura:

A educação informal é uma manifestação do fenômeno educativo que, embora tenha sido suplantada pela educação formal, pela educação escolarizada, nem por isso desapareceu. Ela está presente no nosso contexto, e, nesse sentido, ela pode ser acionada, ela pode ser utilizada como um instrumento em função dos objetivos mais amplos da educação. (SAVIANI, 1994, p. 286)

Considerando o ponto de vista cultural, os games estão presentes cada vez mais nos lares brasileiros, e seu público é diversificado, de diferentes idades, incluindo quem está nas universidades e também no mercado de trabalho. Dentre os elementos já mencionados no universo dos games, a estrutura narrativa, os personagens, o cenário e o contexto histórico – entre outros –, estão fortemente enraizados nas inúmeras obras literárias existentes, desde os chamados Clássicos da Literatura até as obras contemporâneas de novos autores em ascensão. O que, de certa forma, facilita a adoção da gamificação como estratégia pedagógica de incentivo à leitura. Restando, assim, apenas a adoção das características que tornam um processo, de fato, gamificado, como um sistema de pontuação, conquistas, níveis progressivos de dificuldade, novos desafios, ranking e feedback.

Inspirado no estudo de caso realizado e publicado por Müller (2017), em seu artigo científico intitulado: Leitura literária: uma experiência gamificada, envolvendo alunos do sétimo ano do Ensino Fundamental de uma escola particular da cidade de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul; iniciamos nossa proposta de gamificação para a obra Vidas Secas4, de Graciliano Ramos.

Solé (1998) defende que as atividades de leitura devem ser organizadas da seguinte maneira: pré-leitura, leitura e pós-leitura. Partindo das observações da autora, o título do livro deve ser escrito no quadro e o professor deve solicitar aos alunos que analisem separadamente o significado de cada uma das palavras. Nesse caso: “Vidas” e “Secas”.

O resultado dessa reflexão deve ser afixado em um mural construído para o desenvolvimento de toda a atividade. O mesmo mural deve ser usado para fornecer feedbacks, estimulando a competição ao publicar, por exemplo, o ranking dos jogadores. Para complementar a pré-leitura, os alunos também recebem a tarefa de buscar informações na internet para conhecer um pouco mais sobre a vida do autor. Divide-se o grupo em duplas, que devem ler o material encontrado nas buscas e encontrar informações relevantes sobre o escritor que ajude a desvendar o assunto abordado no livro. As duplas apresentam de forma oral as descobertas e suas hipóteses com relação ao título, a capa e ao conteúdo da obra.

Após essa sensibilização inicial, é proposta uma atividade diferente para a leitura do livro: um jogo. Considerando as características descritas por Klock et al. (ver Quadro 1) e estipulado por Müller (2017), o jogo, propriamente dito, deve envolver Fases e Missões. Os capítulos do livro são usados como Fases e as Missões, por sua vez, relacionadas a cada capítulo, envolvendo uma certa pontuação. No caso de Vidas Secas, o livro possui treze capítulos – portanto, treze fases – que, por não terem uma linearidade temporal, podem ser lidos em qualquer ordem, o que favorece ainda mais a experiência da atividade como um jogo. Porém, o primeiro capítulo, intitulado Mudança, e o último, Fuga, devem – obrigatoriamente – serem lidos nessa sequência, pois apresentam uma ligação que, de certa forma, fecha um ciclo.

A leitura em si, uma das etapas preconizada por Solé (1998), deve ser realizada por capítulos, sendo um capítulo lido a cada semana. Assim, no decorrer das treze semanas, os alunos irão receber diferentes missões a serem cumpridas, todas relacionadas com a leitura dos capítulos. Na primeira fase, como sugestão, os alunos recebem três missões através de QrCodes5 publicados no Google Classroom6.

Quadro 2 – Missões da primeira fase do jogo.

Missões com a narrativa

Respostas no livro

Reflexão linguística

Missão 1

“Na planície avermelhada os juazeiros alargavam duas manchas verdes. Os infelizes tinham caminhado o dia inteiro, estavam cansados e famintos.” Descubra quem são os infelizes citados pelo autor? Liste todos eles.

Sinhá Vitória, o filho mais novo, Fabiano, o menino mais velho e a cachorra Baleia.

Para os mais observadores, há ainda o papagaio.

Descoberta dos personagens principais e suas características. Discussão sobre a personalidade de cada um deles. Porque o autor os chama de infelizes?

Missão 2

Escolha um dos personagens identificados na missão anterior para ser seu avatar no jogo. Construa seu personagem (pode desenhar ou criar usando montagens). Tire um print e compartilhe.

Qualquer um dos personagens já citados anteriormente (menos o papagaio que morreu de véspera).

Identificação com o personagem. Desenvolvimento de senso de empatia. Autoimagem.

Missão 3

Separe 15 palavras que você não conhece. Liste essas palavras e pergunte as pessoas o seu significado. Só em último caso, pesquise na internet. Acesse o site abaixo e crie um caça-palavras, tire um print e compartilhe.

(www.atividades
educativas.com.br/cacapalavras/fs.wordfinder.php)

Juazeiros, léguas, cambaio, aió, cuia, tiracolo, pederneira, fustigou, acuado, praquejando, moribundo, irresoluto, gutural, vaquejadas, novena, tangendo etc (depende do leitor)

Reflexão sobre o conhecimento prévio do leitor e sua experiência de vida. Maior compreensão e entendimento do texto.

Fonte: Adaptado de Müller (2017).

O prazo para o cumprir os desafios é importante e deve ser de, no máximo, uma semana. O sistema de pontuação também precisa ser bem definido. Quem finalizar primeiro a missão, deve – por justiça – ganhar mais pontos. De acordo com Müller (2017), o professor deve ter consciência de que as missões precisam envolver diferentes aspectos da leitura, priorizando, de forma criativa, os conteúdos a serem abordados a partir do texto. É muito importante aumentar o grau de dificuldade das missões conforme o avançar das fases, tornando a experiência cada vez mais desafiadora e estimulante. Na última fase do jogo, portanto, o desafio deve ser bastante complexo, conforme sugestão apresentada no Quadro 3.

Quadro 3 – Missão final do jogo.

Fase 13 - Fuga

Missão Final

Preste atenção nas imagens a seguir. Sua missão é descobrir com qual passagem do livro elas estão relacionadas. Escreva o número do capítulo e transcreva seu parágrafo correspondente na caixa de texto. Veja o exemplo no primeiro slide. Todas as imagens se relacionam a passagens presentes na obra.

Imagem

Respostas no livro

Capítulo V – O menino mais novo.

 

“Sinhá Vitoria cachimbava tranquila no banco do copiar, catando lêndeas no filho mais velho.”

Capítulo I – Mudança.

 

“Agora, enquanto parava, dirigia as pupilas brilhantes aos objetos familiares, estranhava não ver sobre o

baú de folha a gaiola pequena onde a ave se equilibrava mal.”

 

Fonte: Adaptado de Müller (2017).

Müller (2017), sugere uma apresentação de slides com dez imagens feita no Google Apresentações. O quadro acima exemplifica duas dessas imagens.

No total serão treze fases e cerca de vinte e oito missões. Na medida em que os grupos realizam as missões, a pontuação deve ser contabilizada em um documento compartilhado com todos, para que possam saber o andamento de seu grupo e também de seus resultados individuais (MÜLLER, 2017).

Para finalizar a atividade proposta, chegamos na última etapa, chamada por Solé (1998) de Pós-leitura. Nesse momento, é hora de realizar uma avaliação individual de todo o trabalho gamificado. O Quadro 4 traz o questionário a ser aplicado.

Quadro 4 – Questionário de Pós-leitura.

Perguntas

Opções de resposta

Você gostou de ler
“Vidas Secas”?

( ) Adorei.

( ) Gostei.

( ) Mais ou menos.

( ) Não gostei.

( ) Detestei.

Fazer o trabalho de leitura desta forma diferente foi:

( ) Fantástico. ( ) Muito complicado.

( ) Legal. ( ) Nem legal, nem chato.

( ) Difícil, mas legal. ( ) Muito chato.

Você acha que fazer o trabalho desta forma ajudou a entender melhor o livro?

( ) Sim, com certeza.

( ) Sim, um pouco.

( ) Não ajudou.

( ) Foi pior assim.

O fato de ter níveis, missões e pontuação:

( ) Me motivou para ler o livro.

( ) Ajudou a entender a história porque ia lendo por capítulos.

( ) Me motivou a querer fazer as tarefas para ganhar os pontos.

( ) Não me motivou em nada porque não gosto de ler.

( ) Me motivou e, mesmo não gostando de ler, achei bem legal.

( ) Fiquei muito estressado para cumprir as missões.

( ) Aprendi novos recursos computacionais ao fazer as missões.

( ) Achei que não mudou nada fazer o trabalho desta forma.

Fonte: Adaptado de Müller (2017).

Vale ressaltar que a atividade de gamificação referente ao livro Vidas Secas, apresentada aqui, trata-se apenas de uma proposta teórica formulada pelo autor e não um estudo de caso. Uma vez que o desenvolvimento deste trabalho se deu entre março e junho de 2020. Infelizmente, mesmo período em que as instituições de ensino foram obrigadas a fecharem como forma de combate ao COVID-19.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

No Brasil, vem se verificando, há algumas décadas, um esforço constante de órgãos competentes (MEC7, INEP8 etc.) em reconfigurar o ensino com a finalidade de adaptá-lo a um novo modelo de sociedade: mais dinâmica, imagética, informatizada e fragmentada. São muitas as políticas públicas que buscam essa aproximação. Dentre elas, a BNCC, que apresenta a Literatura logo na terceira das dez Competências Gerais da Educação Básica, tratando de valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção artístico-cultural.

Consoante às observações de Saviani, A BNCC também reconhece o contexto extraescolar nas práticas literárias, considerando seu papel na vida cotidiana das pessoas. Entre elas, há um grande destaque para as práticas digitais, previstas em várias habilidades da Base. Nota-se, portanto, uma preocupação de promover o aprendizado em sintonia com as possibilidades tecnológicas da vida contemporânea. Essas práticas digitais de leitura aproximam os estudantes dos recursos tecnológicos da realidade virtual e os capacitam a compartilhar críticas e impressões com os demais leitores. No que se refere ao potencial digital posto a serviço do ensino literário, a BNCC apresenta diferentes sugestões de exploração das obras ficcionais, dentre elas, a possibilidade de – após ler um livro de Literatura – postar comentários em redes sociais, seguir diretores, autores, escritores, produzir playlists, vlogs, fanfic, e-zines, booktuber etc.

E nesse mesmo cenário é que encontramos os games como manifestação sociocultural defendida por diversos autores já citados neste artigo científico. Apesar dos jogos eletrônicos – ou simplesmente, jogos – não aparecem explicitamente nas sugestões da Base, o documento estende a prática e o desenvolvimento da leitura na escola a produções derivadas de obras literárias, como filmes, animações, história em quadrinhos e paródias. Tais produções podem servir como adaptações dos clássicos, familiarizando o jovem leitor com esse universo de referências.

E é justamente nesse contexto de “adaptação dos clássicos” que propomos a gamificação como estratégia pedagógica consoante aos interesses supracitados.

Através da pesquisa em diferentes referenciais, foi possível estabelecer uma relação coerente e significativa entre Literatura, Educação e Games. A conexão desses três elementos como estratégia pedagógica de incentivo à leitura surge embasada em diversos conceitos que defendem e priorizam o aprendizado e contribuem para encontrarmos uma resposta plausível frente a uma dúvida educacional relevante: Como é possível, em plena era do lazer tecnológico, fazer com que os alunos do ensino regular – Fundamental e Médio – se interessem pelos Clássicos da Literatura?

Como visto anteriormente, considerando, dentre outros, (1) as contribuições de Solé e Kleiman quanto à importância da leitura; (2) o Construtivismo de Piaget e o papel ativo do sujeito como protagonista na construção de seu próprio conhecimento; (3) as explicações de Machado sobre o funcionamento do cérebro humano para potencializar o interesse no aprendizado; (4) a existência inegável de uma Educação Assistemática nos apresentada por Saviani; e, por fim, (5) os apontamentos de Mattar, McGonical, Fardo e Alves que defendem os jogos – eletrônicos ou não – como uma manifestação sociocultural enraizada em nossa sociedade, com aspectos cognitivos que favorecem sua utilização no meio acadêmico, fica claro que, indubitavelmente, a gamificação trata-se da alternativa correta para tal questionamento.

Assim, reitera-se a importância de atividades gamificadas como estratégia pedagógica a ser adotada pela escola a fim de despertar o interesse dos alunos pelo hábito da leitura. Tanto de obras literárias em geral, quanto – primordialmente, devido a seu valor histórico-cultural –, os Clássicos da Literatura, brasileira ou mundial.

5. REFERÊNCIAS

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ALVES, Flora. Gamification - como criar experiências de aprendizagem engajadoras. Um guia completo: do conceito à prática. 2ª ed. São Paulo: DVS, 2015.

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BARBOSA, José Juvêncio. Alfabetização e Leitura. São Paulo: Cortez, 1990.

BRASIL. Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Brasília: MEC. 2017. Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_20dez_site.pdf> Acesso em: 28 mar. 2020.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 20 jun. 2020.

COCH, D. & ANSARI, D. (2009). Thinking about mechanisms is crucial to connecting neuroscience and education. Cortex, 45, 546-547.

FARDO, Marcelo Luis. A gamificação aplicada em ambientes de aprendizagem. Renote – Novas Tecnologias na Educação, v. 11, nº 1, 2013.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 30. ed. São Paulo: Cortez, 1995.

GERALDI, João Wanderlei (Org.) et al. O texto na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Ática, 2006.

HARTMANN, Shirley Horácio de Gois, SANTAROSA, Sebastião Donizete. Práticas de leitura para o letramento no ensino superior. Curitiba: InterSaberes, 2012.

KAPP, Karl. The gamification of learning and instruction: game-based methods and strategies for training and education. Pfeiffer, 2012.

KLEIMAN, Ângela. Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura. Campinas: Pontes, 2002.

______. Oficina de leitura: teoria e prática. 7.ed. Campinas: Pontes, 2000.

KLOCK, Ana Carolina Tomé et al. Análise das técnicas de gamificação em ambientes virtuais de aprendizagem. Cinted, v. 12, nº 2, dez. 2014.

KOLB, B. & WISHAW, I.Q. Neurociência do Comportamento. SP: Manole, 2003.

LI, W.; GROSSMAN, T.; FITZMAURICE, G. GamiCAD: A gamified tutorial system for first time AutoCAD users. UIST’12 - Proceedings of the 25th Annual ACM Symposium on User Interface Software and Technology, 2012. p.103-112.

MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2013.

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? 19. Ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

MCGONIGAL, Jane. A realidade em jogo - por que os games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo. Trad. Eduardo Rieche. Rio de Janeiro: Best Seller, 2012.

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RAMPELOTTO, Helena de Paula; GIZÉRIA, Kátia. As Dificuldades na Formação do Hábito de Leitura em Alunos do Ensino Fundamental. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, São Paulo, v. 01. p 51-66, mai. 2017.

SAVIANI, Dermeval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. 10. ed. rev. Campinas: Autores Associados, 2008. (Educação contemporânea).

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SOLÉ, Isabel. ESTRATÉGIAS DE LEITURA. Porto Alegre: Artmed, 1998.

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1 Neurotransmissor sintetizado por certas células nervosas que age em regiões do cérebro promovendo, dentre outros efeitos, o prazer e a motivação. (MACHADO, 2013).

2 A BNCC de Arte (inclui-se aí a Literatura) propõe que a abordagem das linguagens articule seis Dimensões do Conhecimento que, de forma indissociável e simultânea, caracterizam a singularidade da experiência artística: Criação, Crítica, Estesia, Expressão, Fruição, Reflexão.

3 Marc Prensky, professor norte-americano, escritor e palestrante educacional que discute fortemente a necessidade de uma reforma na educação básica e defende, com muita propriedade, o uso dos games na educação.

4 Romance publicado em 1938 que pertence à segunda fase modernista, conhecida como regionalista, considerado uma das mais bem-sucedidas criações da época.

5 Código de barras bidimensional que pode ser facilmente escaneado usando a maioria dos telefones celulares equipados com câmera.

6 Google Sala de Aula, serviço gratuito disponibilizado na internet pela empresa Google que auxilia professores, alunos e escolas com um espaço on-line para a realização de aulas virtuais.

7 Ministério da Educação, órgão do governo federal que trata dos assuntos relacionados à educação em todo o território nacional.

8 Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, autarquia federal vinculada ao Ministério da Educação, cuja missão é subsidiar a formulação de políticas educacionais dos diferentes níveis de governo. 


Publicado por: Rafael Duarte Caputo

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