A transformação do Rap em produto midiático: legitimação x descaracterização do estilo musical

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RESUMO: Desde o início do século XXI está acontecendo uma transformação significativa na criação e no tratamento social do Rap. O estilo musical passou por grandes momentos: de brado de revolta contra opressão e marginalizado a produto midiático presente nos grandes meios de comunicação. Buscando compreender como o Rap se disseminou e está presente nas grandes mídias, é necessário entender suas origens: principais influências, início do gênero, nomes importantes e marcos históricos. Do que é feito esse estilo musical? Qual a intenção do Rap? O Rap é arte, com criação totalmente livre, sem intenção de venda ou é criado visando lucro? O Rap ainda significa resistência? A mudança do discurso faz parte de um avanço ou é a venda do movimento para a Indústria Cultural de Massa? O trabalho possui a intenção de analisar o processo de transformação do estilo musical de acordo com o contexto social em que está inserido, gerando reflexão acerca do posicionamento do Rap e seus fundamentos até chegar ao momento de maior visibilidade na Indústria de entretenimento, o que está gerando confronto de posicionamentos entre integrantes do movimento cultural.

PALAVRAS-CHAVE: cultura popular; indústria de entretenimento; mercado fonográfico; movimento cultural; Rap; visibilidade midiática.

1. INTRODUÇÃO

O projeto de pesquisa é decorrência da observação feita a partir do mercado fonográfico, especificamente, no Rap. O trabalho é constituído por uma análise do cenário do Rap desde suas origens, no século XX até o século XXI, evidenciando as transformações ocorridas sempre relacionadas ao contexto em que se encontra a sociedade.

Há uma busca em destacar o cenário cultural e as construções sociais acerca do estilo musical. Desde a marginalização do som, visto como um som violento e criminoso, surgido no improviso dos encontros casuais dos integrantes até os dias atuais, em 2016, com o tratamento do Rap como produto fonográfico, com letras bem elaboradas, construção em grandes gravadoras e com visibilidade midiática.

O Rap tem sua origem atrelada a um meio de produção cultural com o objetivo de expressão de revolta e resistência a um sistema hierárquico de poder. Em 2016, no atual cenário, o Rap é, muitas vezes, um produto fonográfico produzido por profissionais que buscam alcançar sucesso de vendas e popularidade, gerando lucro através da arte.

Para gerar análise completa do estilo musical e suas conquistas, é preciso examinar todos os pontos de produção: contexto social, produção e disseminação do consumo da música Rap.

Se, no início, o Rap abordava temas políticos, com duras críticas que evidenciavam as diferenças sociais existentes, atualmente há o Rap ostentação, que se vangloria de suas conquistas financeiras, autoafirmação sobre sua existência e relações sociais; e há ainda o Rap mais romantizado, com um discurso mais leve e passível de disseminação nos meios de comunicação de massa.

O rap vai sempre mudar. Acho que é fundamental porque a mudança é o novo e o novo é o que vem para tomar, é o que vem para modificar. Se eu quero falar de amor hoje, eu vou falar de amor hoje (HELIÃO, 28/07/2013).

O momento marcante em que o Rap se encontra passa por uma ambiguidade. Ao mesmo tempo em que existem rappers com plena resistência aos meios midiáticos e à Cultura de Massa, é possível perceber, lentamente, a crescente de artistas adentrando a Indústria de Entretenimento, conquistando espaço e visibilidade desse segmento musical.

Se antes havia o pensamento unânime de que “o rap surge da rua de maneira espontânea” (NEGUS, 2011, p. 24), hoje essa visão já se encontra dividida.
Visando obter resultados concretos e bem respaldadas, o trabalho recorreu a teorias acerca da Cultura de massa, Indústria Cultural, Modernidade Líquida, Sociedade do Consumo e Globalização. É preciso compreender o contexto histórico e social para melhor entendimento da cultura popular.

As culturas locais recriam-se sob o signo da globalização, de tal forma que também se apropriam das novas possibilidades, alcançando visibilidade através dos meios de comunicação e criando possibilidade de intercâmbios, o que acarreta uma permanente possibilidade de recriação (GUIMARÃES, 1998, p.250).

Os conceitos abordados no presente trabalho são embasados em falas de teóricos, sociólogos e profissionais do movimento do Rap, sempre evidenciando a relação do referido estilo com os meios de comunicação de massa, que são de extrema importância para a disseminação da cultura popular. Conforme Thompson afirma “nasce na atividade de produção, transmissão e recepção do significado das formas simbólicas” (THOMPSON, 1998, p. 42).

Na área da Publicidade, o Rap é analisado como um produto enquanto linguagem cultural e consumível que está ganhando cada vez mais visibilidade midiática, possuindo posicionamento realizado de acordo com o interesse do público consumidor. A música além de ser arte passa a ser trabalhada como um produto fonográfico.

Com a crescente visibilidade midiática do Rap e sua ascensão no cenário musical, há cada vez mais pessoas impactadas por suas mensagens, o que gera adequação de seus produtores. Tal fato está gerando embate no movimento, pois muitos integrantes temem que o estilo perca sua essência diante de tantas modificações, como novas vertentes que difundem o conteúdo de forma mais segmentada com as preferências musicais e de discurso. Se antes o artista fazia sua obra e sentia-se bem quando alguém se identificava, hoje existem casos de artistas que já compõem pensando em um público-alvo a ser atingido.

A comprovação dos dados se dá a partir da análise de letras de rimas e Raps, com significativas mudanças de um tempo-espaço para outro. É utilizado o método comparativo, pois a pesquisa exige a necessidade de comparação dos cenários sociais a fim de compreender o motivo de transformações e adequações realizadas no Rap ao longo dos anos.

No capítulo um há uma abordagem introdutória sobre o que é o Rap, como o estilo foi construído, local de origem, como chegou ao Brasil e como esse movimento influenciou a sociedade da época.
No capítulo dois ocorre uma visão ampla da sociedade, englobando conceitos como Sociedade do Consumo, Modernidade Líquida e Cultura de Massa, além de temas mais contemporâneos, como a Globalização e o perfil do novo consumidor, o Espaço Urbano e suas peculiaridades. A pesquisa bibliográfica de referência inclui nomes como Baudrillard, Bauman, Adorno, Canclini, e Foucault, evidenciando a relação existente entre contexto social e expressões discursivas.

O último capítulo, três, evidencia as diferenças entre os discursos e os rappers que se destacavam no cenário passado, com uma geração mais atrelada a questões sociais e a atual geração, que visa lucrar com as composições.
As demonstrações expressivas como o Rap são reflexos do cotidiano vivido. É importante observar as transformações que circundam a sociedade, seja em campo tecnológico, cultural e/ou artístico. Tais transformações geram novos posicionamentos de críticas e produtos, exigindo novas maneiras de compreensão acerca da realidade.

2. CAPÍTULO 1 - O RAP TEM VOZ

Tipicamente periférico, o Rap tem suas origens ligadas à rua, aos povos mais pobres e marginalizados perante os grandes núcleos da sociedade. Presente num contexto urbano, o estilo é uma das principais culturas populares. (WOOZ, 10/11/2016)
Iniciado em guetos, o Rap surgiu como necessidade de expressão para um grupo de jovens que estavam à margem da sociedade local. Com o passar do tempo, o movimento do Rap sofreu diversas transformações e críticas. Foi visto como música violenta e criminosa, como apologia à drogas ilícitas e houve muita resistência tanto por parte da sociedade, que não aceitava o som como compatível aos seus interesses quanto dos integrantes do movimento, que possuíam a intenção de afastamento de toda a padronização social.

Os participantes ativos do Rap procuravam enfatizar sua revolta contra o sistema hierárquico social e a padronização que era determinada. O Rap está fora da linha de cultura modelo e, durante muitos anos, fez questão de permanecer, evidenciando que estava a parte da sociedade. (WOOZ, 10/11/2016)

No presente capítulo, há uma identificação do Rap como movimento: sua história, suas origens e trajetória até alcançar a visibilidade midiática que está alcançando nos últimos anos.

É importante destacar a visibilidade conquistada pelo Rap, mas é necessário compreender como isso é influenciado pela sociedade e se esse fato reafirma o Rap ou se descaracteriza os fundamentos desse fenômeno cultural. Hoje, os rappers dialogam com um público bastante amplo, mas, no início, era algo restrito aos frequentadores das rodas culturais.

As estruturas de construção do Rap foram se modificando de acordo com as necessidades, se adaptando até conseguir se firmar na sociedade, mostrando a que veio e a sua força existencial, especialmente no Brasil, que é o foco da pesquisa.

3. Origem do Rap e seus princípios

O Rap, Rhythm And Poetry (em livre tradução, Ritmo e Poesia) é um estilo musical originário do Hip Hop. Caracterizado pelo ritmo acelerado, a linha melódica é secundária. Nesse gênero musical, o mais importante é a letra, geralmente repleta de questões cotidianas, abordando a luta contra a opressão social, entre outros temas. Podendo ser reproduzido a capella1 ou com beatbox² (música ao fundo), o rap costuma ser uma forma de brado de pessoas pobres das grandes cidades.

A origem do Rap é atrelada aos guetos jamaicanos, quando, por volta de 1960, os sistemas de som surgiram e passaram a ser dispostos em espaços públicos para animar os bailes. O estilo desenvolveu-se entre as classes mais pobres, como forma de resistência e espaço para expor pontos de vista político e social. Nos bailes, havia a participação de MC’s (Mestres de Cerimônia), que bradavam palavras de ordem rimada, expondo questões sócio-políticas de forma festiva. (DA SILVA ARAÚJO, 10/11/2016)

Já nos primeiros anos da década de 70, muitos jovens jamaicanos foram para os EUA, fugindo da crise social e econômica que atingira a Jamaica. Entre esses jovens, estava o DJ jamaicano Kool Herc, que levou a tradição dos “Sound Systems”para Nova York, atrelando também a improvisação de versos juntamente às ‘’bases’’ de músicas já existentes, como o reggae. Acostumado com o sucesso conquistado na Jamaica, Herc acreditou que nos EUA não seria diferente e que logo conseguiria o engajamento do público. (WOOZ, 10/11/2016)

Como esperado por Herc, as grandes festas se popularizaram entre as classes mais pobres e foi questão de tempo para invadir o espaço de outras classes sociais. Em 1980, o rap acabou se misturando com outros estilos musicais, diversificando ainda mais a construção do gênero. A partir dessas misturas, o Rap originou outros gêneros, como acid jazz³, raggamufin 4 e o dance rap. Ora o Rap era apresentado com letras expondo a desigualdade social, ora se apresentava com o estilo “gangsta rap”, que é relacionado ao poder das máfias, assassinatos, promiscuidade, agressividade policial e tráfico de drogas.

As diversas vertentes do Rap fizeram com que houvesse a popularização de uma expressão artística cultural de forma ampla e acelerada. A partir do impulso crescente, o Rap chegou a dominar o Top 40, fazendo parte da lista de músicas de boates e festas universitárias. Em 2002, com o rapper Eminem, o Rap chegou a um Em âmbito nacional, o rapper Sabotage lançou "Rap é Compromisso!" em 2001, álbum obteve mais de 1 milhão de cópias e atingiu o selo de Diamante Triplo com sua vendagem.

A partir desse momento, os rappers passaram a enxergar a grandeza do estilo e as produções passaram a cada vez envolver mais dinheiro: pensavam em dinheiro, falavam sobre dinheiro, escreviam sobre dinheiro. Como uma reação em cadeia, o rap foi obtendo cada vez mais sucesso e popularização.

4. A temática do Rap no Brasil

Em 1980, o artista Luiz Carlos Miele gravou “Melô do Tagarela“, uma música produzida a partir do clássico “Rappers Delight“ (1979), do trio de rappers Sugarhill Gang — precursores do estilo nos EUA. A partir dessa faixa, Miele passou a ser considerado o criador do primeiro Rap no Brasil. (G1, 14/10/2015)

Segundo Yoshinaga,
O compacto Melô do Tagarela (RCA, 1980) é considerado o primeiro registro de RAP produzido no Brasil, apesar de não corresponder diretamente ao contexto do HIP-HOP como “cultura de rua”. A canção não foi gravada por um MC, mas sim pelo apresentador de televisão Miéle, e tratava-se de uma paródia da própria “Rapper’s Delight”, da banda Sugar Hill Gang - canção considerada o primeiro registro de RAP em todo o mundo. Apesar da proposta satírico- humorística, a letra de “Melô do Tagarela” gravada por Miéle criticava fatos políticos e sociais da época, em versos como: É, sim, de  morrer de rir / Quando a gente leva a sério o que se passa por aqui / (...) No supermercado, a oferta da semana / Tudo a preço de banana, o anúncio é um colosso / Vou comprar alguma coisa, tô vidrado no almoço / Meu cruzeiro, espero a carne / Pago um quilo, levo um osso / Levo um carro de dinheiro e trago as compras no meu bolso / E sobe outro edifício, tome apartamento / Falta grana e sobra gente, sobra lixo e falta vento / Ai, ai, não consigo respirar, / Meu pulmão virou um tanque de óleo diesel, em vez de ar / (...) Lar, doce lar, mas quem mora no subúrbio / Perto do bar, toda noite tem distúrbio / Já tá todo mundo alto, se arranca que é um assalto / “Mas levaram a minha grana e sou eu quem vou em cana?” / (...) Lar, doce lar, tão pequeno nunca vi / Para o Sol entrar em casa, um dos dois tem que sair / É moderna a construção, e o tijolo é tão fininho / Que eu ouço quando sobe o aluguel do meu vizinho / É, sim, de morrer de rir (...) (YOSHINAGA, 2001, pp. 45-6).

Entretanto, a produção cultural brasileira divide opiniões. Há quem diga que Jair Rodrigues, na verdade, é o grande pioneiro do estilo musical. “Deixa isso pra lá“, canção lançada em 1964 – quando o estilo não havia se formado nem mesmo em suas origens – é apontada como marco do Rap devido ao estilo de declamar as palavras, enfatizando os versos de forma forte. (G1, 08/05/2014).

Outra discussão brasileira é acerca do Repente (arte que tem como base o improviso cantado), onde dois cantores, utilizando pandeiros, obtém um ritmo e, a partir dele, produzem rimas. A mistura de música com declamação de palavras se assemelha bastante ao free style do Rap. Trata-se de duas pessoas rimando em forma de desafio, comumente praticado nos EUA. Discute-se que, em terras brasileiras, o Repente seja precursor do Rap.

Por volta de 1980, o Rap chegou ao Brasil. O grande marco inicial foi em São Paulo, mais precisamente na 24 de Maio, onde revistas e discos acerca do gênero musical era comercializado. A partir dessa propagação, o local virou ponto de encontro de jovens da periferia de São Paulo para dança de Break, que consiste em movimentar o corpo de acordo com a batida do som. Aos poucos, o encontro foi aumentando seu público e começou a gerar revolta em lojistas e comerciantes da região. Não demorou muito para os jovens serem perseguidos e expulsos por  lojistas e policiais. Sendo inviável a continuidade dos encontros na Rua 24 de Maio, os pioneiros do movimento no Brasil foram obrigados a encontrar outro lugar, partindo para o redor da estação São Bento (ESSINGER, 10/11/2016).

A partir do novo local de encontro definido, os encontros começaram a acontecer com maior frequência e foi conquistando cada vez mais apoiadores. Vários jovens buscavam opção de lazer nos fins de semana e enxergaram ali um espaço para propagação de novos ideais e estilo de vida. Enquanto acompanhavam as apresentações dos dançarinos de Break, os jovens começaram a cantar e improvisar rimas a partir do som que estava no ambiente. Tal interação não durou muito. O falatório durante a apresentação de dança gerou divisão entre os dançarinos de Break e os rappers, o que fez com que os primeiros permanecessem na estação São Bento e forçou a migração do outro grupo, apelidado de “tagarelas”, para a Praça Roosevelt.
O Rap, no início, era considerado “funk falado” e foi duramente criticado e pouco aceito pela sociedade, pois era considerado imoral, sendo associado a uma imagem violenta e criminosa (CAMARGOS, 2015).

Produzidos pelo DJ Theo Werneck, os primeiros shows do gênero ocorreram em São Paulo, em Teatro Mambembe.

No final de 1997, houve o grande momento do Rap brasileiro, com o lançamento do disco “Sobrevivendo no Inferno”, dos Racionais Mc’s. O trabalho produzido pela gravadora Cosa Nostra (própria do grupo) vendeu cerca de 500 mil cópias, ultrapassando a periferia paulistana e evidenciando o quanto, aos poucos, o Rap conseguia espaço na sociedade e se difundia como importante cultura popular, conquistando um público fiel e aumentando o seu potencial como arte e, também, como forma de expressão contra o sistema. (ROLLING STONE, 25/11/2014)

5. Os rappers

Se em 1970 o cenário do Rap era constituído em grande parte por jovens anônimos que se uniam para diversão ao embalo das caixas de som de forma despretensiosa, a partir de 1980, houve a propagação de grandes nomes no Rap graças à migração do movimento, o que permitiu que os rappers conquistassem público fiel e, consequentemente, fama perante a sociedade.
A partir dessa visibilidade, o estilo dos rappers começou a chamar a atenção da sociedade, tanto de forma negativa quanto de identificação. A influência dos rappers americanos era tão forte que ditava moda.

"Até a comercialização do rap, as tendências de moda giravam em torno da população branca", conta a autora que pesquisa moda urbana desde a década de 1990. "O hip hop foi revolucionário porque forçou a indústria da moda a reconhecer o poder dos afro-americanos e dos latinos como consumidores. Por anos, os estilistas e as fábricas buscavam inspiração nas ruas para criar linhas de roupas, mas até a década de 1980 o consumidor urbano não era reconhecido como um público viável." (apud TERRA, 26/10/2012).

Na década de 1990, por exemplo, era comum homens usarem casacos largos e, até mesmo, substituírem os dentes por próteses de ouro, sendo fortemente influenciados pelo estilo Gangsta Rap, que é constituído por nomes consagrados como Snoop Dogg e 50 Cent.

Outra grande influência dos rappers foi a construção de gangues, grupos que andavam trajando roupas parecidas e agiam de forma diferenciada, demonstrando poder e ostentação diante os demais. Os rappers serviram de inspiração para uma geração: o público comprou seus ideais, seu estilo de vestimenta e comportamento. Não era mais só o ritmo que estava em questão. O Rap começava a ir além. O Rap passou a se tornar forte referência de construção social. (ABRAMOVAY, 2004, p.135-144) Em âmbito nacional, os grandes nomes são Racionais Mc’s, Gabriel, O Pensador, e, até mesmo, a mistura com outros gêneros musicais, como o movimento mangue beat, presente na canção de Chico Science & Nação Zumbi.

Apesar de todo o sucesso alcançado, Os Racionais Mc’s eram dos únicos grupos musicais que recusavam a participação nas grandes emissoras. Indo contra o princípio de que Rap deveria ser contrário à mídia e a cultura POP, Gabriel, O pensador, ao apresentar um rap para outro tipo de público, fez a categoria Rap existir na premiação do VMB, da MTV, e faturou três prêmios consecutivos.

Vencendo preconceitos e ganhando o grande público, há dezenas de rappers surgindo a cada dia. Se ante era fundamental que o conteúdo saísse da periferia para haver legitimação, hoje isso já não é uma unanimidade no cenário musical. Há rappers espalhados por todo o país. Seja em favelas, em condomínios de luxo e até mesmo em estúdios e grandes gravadoras, o que gera uma divisão entre os profissionais desse meio artístico.

6. O Rap passa por legitimação ou descaracterização?

Com o Rap devidamente incorporado no cenário musical brasileiro, a resistência aos grandes meios de comunicação não é mais tão unânime. Há uma divisão no cenário atual, onde muitos rappers defendem o posicionamento nos veículos, tanto como forma de divulgação do trabalho quanto revolta contra o sistema e, por outro lado, muitos rappers são contra a exposição midiática, pois seria uma forma de ser “vendido” para o sistema de cultura de massa. A questão é bastante forte, conforme explica Bezerra:

A partir desse contexto, a cultura hip-hop passa a se expandir e ser um alvo do mercado e da própria mídia. Este mercado se desenvolvia e a ideia da mídia enquanto inimiga era mitificada no universo do hip-hop. Por isso, a questão se torna ambígua: de um lado a mídia representaria o lugar do discurso dominante criticado e, do outro, mais um canal para que o mesmo alcance um maior número de pessoas. Dessa forma se estabelecem as posições contra ou a favor, os “vendidos” e os “conservadores” (BEZERRA, 2009, p.86).

É fato que o Rap está ganhando cada vez mais espaço nas mídias tradicionais. Com representantes frequentando os meios de comunicação, participando de programas e divulgando suas músicas. O rapper americano Sen Dog, músico do Cypress Hil (grupo de Rap formado em 1986), em uma entrevista, além de declarar que "A indústria do rap é muito forte e poderosa" (apud MENEZES, 18/03/2015) afirmou que, apesar da expressiva colaboração da internet, as rádios levaram o Rap a um novo patamar. "O rádio está aceitando mais o artista de rap do que quando nós estouramos", disse o cantor. "Antes as rádios tinham medo de tocar algumas músicas, hoje elas tocam tudo" (apud MENEZES, 18/03/2015). Tal declaração confirma que os rappers foram encontrando, ao longo dos anos, liberdade nos meios de comunicação de massa para disseminar ideais através de suas músicas.

7. CAPÍTULO 2. A SOCIEDADE E SUAS TRANSFORMAÇÕES

Para entender como o Rap é consumido, é preciso compreender acerca da sociedade atual e suas formas de consumo. Antes de entender como a comunidade se relaciona, é preciso observar a individualidade do humano, o conflito relacionado à amplitude de opções disponíveis ao meio em que vive, o tempo e espaço em que  a realidade é contextualizada e como o indivíduo tem se portado diante desse atual cenário.

O presente trabalho gera reflexão sobre o Rap estar alocado em Arte ou Produto fonográfico. Tal definição não é fácil, pois engloba diversos questionamentos que vão além do cenário midiático. É preciso recuperar teorias acerca da Sociedade e Consumo. Além disso, é válido compreender conceitos sobre arte e consumidores na era da globalização.

Para Friedrich Nietzsche, filósofo alemão, “a arte e nada mais que a arte! Ela é a grande possibilitadora da vida, a grande aliciadora da vida, o grande estimulante da vida“ (NIETZSCHE, 2006, p.36). Ou seja, a arte seria a válvula de escape para as dores da vida. Para Nietzsche, a existência da arte é para que a realidade não destrua o indivíduo.

Segundo Oscar D'Ambrosio, “arte é interpretação da vida (realidade). Vincula- se a fatores religiosos, políticos, sociais e simbólicos” (D’AMBROSIO, 10/11/2016).

O Rap, enquanto arte é expressivo e original. Até o momento em que o estilo musical se rende aos meios de comunicação. Aos poucos, o Rap foi sendo identificado como música. Música rentável e transmitida nos grandes veículos de comunicação. Além da globalização e colaboração da internet, cada vez mais acessível e fundamental no processo de disseminação de conteúdo.

Para análise e reflexão acerca das transformações que a sociedade moderna realizou, este capítulo discute a construção da sociedade e as formas de consumo existentes. Historicamente, o Rap já foi tratado como um produto cultural incompatível com os interesses da Indústria Cultural de Massa.

Contudo, o movimento cultural foi ganhando espaço nas grandes mídias,  alcançando visibilidade e começou a ser não só enxergado de forma diferente, mas construído de maneira diferente. O Rap, hoje, não é apenas um brado de revolta contra as opressões sociais. O Rap é música e vende. O Rap virou o jogo e consegue ser enxergado como um produto cultural rentável.

8. Cultura de massa / Indústria Cultural

Segundo Adorno e Horkheimer, Indústria Cultural é definida como um sistema político e econômico que produz bens de cultura: filmes, livros, músicas populares, programas de TV etc. - a fim de obter controle social através de mercadorias . Em "Dialética do Iluminismo" (1947), um dos estudos mais representativos da Escola de Frankfurt, há relatos sobre a inauguração da Modernidade, havendo confronto entre razão e ciência.
O conceito de Indústria Cultural, segundo Adorno, “impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente” (ADORNO,1999, p. 8).
Seguindo esse conceito, a cultura passou por mercantilização, onde há a construção de “bem cultural”, que é produto do processo de conhecimento do humano e do cenário em que ele está inserido. O valor dos “bens culturais” está relacionado à garantia da identidade cultural.
Cultura de massa, a expressão anteriormente utilizada, acaba representando outro aspecto da construção da cultura: o conceito de Cultura de Massa está atrelado à arte, à construção da arte pelo próprio povo. Já na Indústria Cultural, a arte é um produto midiático, elaborado estrategicamente para ser vendido e consumido em longa escala. A produção é realizada com o propósito de venda.

O Rap oscila entre ambos os conceitos. De acordo com suas origens, é cultura de massa, criada pelo povo para o próprio povo. O Rap é arte. Num segundo momento, mais atual, é possível observar o Rap como participante de uma Indústria Cultural, onde há a elaboração de letras que almejam venda em longa escala, sendo repercutidas em grandes veículos de comunicação.

Numa sociedade majoritariamente capitalista, há a intenção do lucro.

Portanto, geram necessidades de consumo a cada instante.

Filme e rádio não têm mais necessidade de ser empacotados como arte. A verdade, cujo nome real é negócio, serve-lhes de ideologia. Esta deverá legitimar os refugos que de propósito produzem. Filme e rádio se autodefinem como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus diretores-gerais tiram qualquer dúvida sobre a necessidade social de seus produtos. [...] A racionalidade técnica hoje é a racionalidade do domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena (HORKHEIMER; ADORNO, 2002, p.170).

De acordo com os autores, a criação em série da arte reduz o seu valor para gerar conformismo a fim de conseguir o fim da resistência individual.

A indústria cultural se desenvolveu com a primazia dos efeitos, do exploit tangível, do particular técnico sobre a obra, que outrora trazia a ideia e que foi liquidada. O particular, ao emancipar-se, tornara-se rebelde, e se erigira, desde o Romantismo até o Expressionismo, como expressão autônoma, da revolta contra a organização. [...] A isso põe fim a indústria cultural. Só reconhecendo os efeitos, ela despedaça a sua insubordinação e os sujeita à fórmula que tomou o posto de obra (HORKHEIMER; ADORNO, 2002, p.174)

Segundo os teóricos, a Indústria Cultural gera a dominação por parte do sistema, reforçando a subordinação da sociedade diante o que lhe é imposto. De acordo com Adorno, as mensagens transmitidas pelos meios de comunicação geram vítimas da Indústria. Os receptores seriam induzidos ao consumo de produtos de baixa qualidade, havendo dominação política,

9. Modernidade Líquida e A Sociedade de Consumo

Bauman compara os mundos irrevogavelmente distintos que foram retratados por Aldous Huxley (Brave New World) e George Orwell (1984): enquanto G. Orwell previa um mundo miserável, com escassez e muita necessidade para habitantes tristes e assustados; Aldous Huxley previa um mundo de abundância e saciedade, contendo habitantes alegres e sem preocupações aparentes.

Bauman, em sua obra, menciona a carta de Horace Walpole a Sir Horace Mann, de 1769, que dizia “o mundo é uma comédia para os que pensam, e uma tragédia para os que sentem”. Segundo a explicação dada pelo sociólogo polonês, “ordem” significa monotonia, repetição e previsibilidade, afirmando que nesse mundo não há espaço para o que não tiver uso ou propósito existente.

O debate entre Orwell e Huxley pode ser comparado ao confronto entre socialismo e capitalismo: onde capital, administração e trabalho estavam condenados a ficar juntos por muito tempo, talvez para sempre, para o bem e para o mal. Segundo o estilo fordista, o capitalismo pesado era o mundo dos "mandantes", já o capitalismo leve possui "amizade" com o consumidor permitindo que nenhuma autoridade pudesse se manter por tanto tempo e menos ainda atingir a posição de exclusividade. O autor prevê que a maior parte da humanidade corre o risco de obter agonia ao escolher objetivos e não na procura dos meios para os fins, que não exigem tanta reflexão. Os consumidores encontram-se infelizes justamente por causa desse excesso de escolhas. Há um mundo repleto de oportunidades e possibilidades infinitas com cada uma mais apetitosa e atraente que a anterior. Tudo ocorre em função do indivíduo: descobrir suas capacidades e aperfeiçoá-las para que assim possa obter melhor aproveitamento e benefícios.

A vida foi transformada em uma festa de compras, o que torna o mundo um depósito abarrotado de mercadorias. Tal transformação mexeu ainda com o lado "sentimental" e parte da sociedade, que visa apenas à competição entre os indivíduos, abandonando a cooperação e solidariedade humana. Até mesmo a procura de exemplos, conselho e orientação tornou-se um vício. Aliás, o mundo dos consumidores: as possibilidades são infinitas, o que impede a chance de o indivíduo obter a satisfação plena.

Na obra A Sociedade de Consumo, Jean Baudrillard associa a questão social do consumo à felicidade adquirida em seu ato de compra, o que ele batiza como “a propensão natural para a felicidade”. Para o sociólogo e filósofo, a felicidade – ou a busca dela é o que move a sociedade de consumo. Na sociedade atual, essa saga em busca da felicidade deriva de fatores como a evolução da sociedade, com redefinição das relações interpessoais: “O consumo surge como sistema que será a ordenação dos signos e a integração do grupo; constitui simultaneamente uma moral (sistema de valores ideológicos) e um sistema de comunicação ou estrutura de permuta” (BAUDRILLARD 2005, p.91).

Em uma visão a respeito do novo modo de consumo existente na sociedade, Baudrillard enfatiza a estrutura de permuta. Ou seja, há trocas no mundo atual. Tudo é passível de ser trocado, não obrigatoriamente havendo necessidade para tal. O sociólogo francês enfatiza ainda a existência de grande consumo e abundância de produtos, o que gera a sociedade de desperdício, gastando e consumindo mais que o necessário.

Há ainda a ideia de que a sociedade está cada vez mais escravizada e dependente dos objetos. Há objetos para tudo. A sociedade está cercada por cada vez mais e mais objetos, sempre em grande escala.

Segundo Jean Baudrillard, “o valor de troca-signo é fundamental” (BAUDRILLARD, 1996: p.10). O autor ainda divide o processo de consumo em dois aspectos: um é referente ao processo de comunicação, que é constituído por meio de significação, onde o indivíduo consome através dos códigos e signos que o induzem a tal. O outro aspecto citado pelo autor é de diferenciação social e classificação. Nesse aspecto, o indivíduo consome visando algum determinado status social a ser mostrado ou conquistado (BAUDRILLARD, 2005: p.10).

Seguindo a  linha  de  pensamento  do  sociólogo,  tem-se  a  ideia  de  que  os objetos e seus usos refletem a pretensão de ascensão social e que, graças ao capitalismo, é a forma vigente de consumo e produz o progresso na escala social. A compra vai além do simples fato de ter algo. Trata-se do fato de conseguir algo que é capaz de promover distinção e conformidade.

10. Consumidores e seus hábitos

Canclini, em sua obra, Consumidores e Cidadãos, aborda o tema da globalização como uma forma reordeira do mundo. A tese do autor consiste em que as regras da democracia e distintas formas de participação coletivas em espaços públicos são cada vez menores se comparadas ao consumo privado de bens e meios de comunicação de massa.

Vamos nos afastando da época em que as identidades se definiam por essências a-históricas: atualmente configuram-se no consumo, dependem daquilo que se possui, ou daquilo que se pode chegar a consumir. As transformações constantes nas tecnologias de produção, no desenho de objetos, na comunicação mais extensivos ou intensivos entre sociedades – e do que isto gera na ampliação de desejos e expectativas – e do que isto gera na ampliação de desejos e expectadores – tornam instáveis as identidades fixadas em repertórios de bens exclusivos de uma comunidade étnica ou nacional (CANCLINI, 1999,p.39).

As mudanças socioculturais ocorrem gerando remodelação do consumo. Graças à Globalização, o popular possui o poder de ir cada vez mais longe, saindo do local e alcançando visibilidade expansiva.
O consumo ajuda a construir a identidade do ser humano. Observando seus comportamentos de consumo, é possível compreender sua função racional e ideológica. A diversificação dos gostos individuais gera uma base rica de concepção da democracia cidadã.

Para Canclini, o que tem grande participação no rompimento das massas populares na esfera pública foi o avanço tecnológico dos meios de comunicação. Os meios eletrônicos, principalmente, são condutores que desempenharam o avanço crucial da sociedade em relação ao consumo.

É possível perceber que o relacionamento do indivíduo com os meios    de comunicação mudou. A forma de se informar sofreu significativas mudanças. O público recorre aos meios para conseguir exercer seus direitos. Canclini gera o questionamento sobre haver uma nova forma de ser cidadão na atual sociedade.

Tanto o consumo quanto o multiculturalismo geram transformações na forma como o cidadão lida com o meio em que o envolve. A definição socioespacial é alterada para sociocomunicacional, a partir da qual as identidades são renovadas. Já segundo Hall, “a ideia de que as identidades eram plenamente unificadas e coerentes e que agora se tornaram totalmente deslocadas é uma forma altamente simplista de contar a estória do sujeito moderno” (HALL, 2003, p.24).

Com as transformações sociais, o indivíduo passa a se enxergar como inserido em grandes estruturas, gerando capacidade de se firmar e podendo ter sua identidade sendo construída constantemente.

11. O espaço urbano e suas peculiaridades

Nas cidades brasileiras, há blocos de separação entre os moradores do Plano Piloto e os moradores das periferias. Essa divisão, além de distanciar os núcleos urbanos geograficamente, torna difícil o acesso entre eles. Tal separação se dá financeiramente e culturalmente. (ABRAMOVAY, 2004, pp. 35-40)

Geralmente, os residentes do Plano Piloto se encontram numa espécie de redoma, cidade protegida, onde há organização espacial. A margem desse modelo, estão as periferias, locais vistos como mais violentos que o Plano Piloto. As diferenças ficam mais acentuadas quando as relações interpessoais são analisadas: enquanto na periferia há um relacionamento mais amigável e solidário, não havendo corriqueira afirmação de poderes políticos e econômicos, nos locais previstos no Plano Piloto existe um alheamento a essa realidade periférica. Tal pensamento é reforçado na obra de Abramovay:

As cidades de periferia são vistas por um lado como locais mais violentos que o Plano piloto e, por outro, como locais onde as relações interpessoais são mais amigáveis e solidarias, onde nao existe necessidade da constante afirmação de poder econômico e politico (ABRAMOVAY, 2004, p. 38).

Apesar de residirem na mesma cidade, a percepção de vida é bastante distinta entre os habitantes do Plano Piloto e das periferias. Tende a haver uma diferença brutal e perversa na distribuição de renda, o que gera a redução de oportunidades de emprego, estudos e cultura na periferia. (ABRAMOVAY, 2004, pp.36-60)

Analisando o discurso de residentes de periferias paulistas, o autor Caldeira (1984, p.42), nota uma visão curiosa entre o que é ser pobre e o que é ser rico: para compensar a pobreza material, os moradores menos favorecidos costumam atribuir valores intangíveis para seus relacionamentos. “No plano moral, a riqueza é dos pobres e eles são sempre descritos pelo positivo, enquanto os ricos são considerados pobres” (CALDEIRA, 1984, p. 42).

É importante destacar que as diferenças entre os núcleos urbanos não se restringem apenas ao plano interpessoal. Há desigualdade até mesmo em serviços públicos básicos, como rede de água, coleta de lixo, educação e saúde. Vive-se no país, atualmente, um verdadeiro apartheid social (VÉRAS, 2003, pp. 13-29), onde a estrutura de poder gera riqueza para poucos e pobreza para muitos, não permitindo nem o atendimento às necessidades básicas populacional.

A desigualdade também ocorre no campo da violência. No núcleo periférico, a violência é algo corriqueiro. Os moradores estão acostumados a ela. Violência essa que não ocorre somente com agressões físicas, furtos e delitos. Nesse âmbito, a violência ocorre também na forma discriminatória. Há diversos tipos de confronto; corporal, moral, armado ou discursado. Discriminação social, racismo e preconceito, infelizmente, constituem a realidade.

Foucault, em A Ordem do Discurso (1999, pp.140-159), relata sobre a política e os diferentes pontos acerca do poder. O autor explica a diferença existente entre os discursos cotidianos e os científicos: os cotidianos são mais breves que um pautado na política, por exemplo. Para ele, há diferentes tipos de discurso e há diferentes formas de segregações para tais.

Foucault esclarece que os discursos inseridos na sociedade são controlados, evidenciando formas de poder e de submissão. O filósofo expõe os meios de reprimir um discurso, através de tabu criado ou exclusão, que ocorre quando o discurso não corresponde às exigências sociais e é simplesmente descartado, gerando a segregação do indivíduo e, obviamente, do discurso.

O filósofo francês aborda as formas de dominação existentes na sociedade, evidenciando as diferenças que movem as atividades e relações humanas. Ele afirma que existe um regime ditatorial de classes e que, apesar de não saber uma alternativa para um modelo ideal de funcionamento da sociedade, ele defende a ideia de que é necessário expor todas as relações de poder político que oprimem a sociedade (FOUCAULT, 1999, pp 230-236).

Ainda segundo a obra do francês, a ordem do discurso é uma construção de características sociais. O contexto da sociedade é a base estrutural do texto. Ou seja, todo e qualquer elemento colabora para a formação dos sentidos do discurso. Isso, consequentemente, é um fato atrelado também ao entendimento da mensagem transmitida.

A maior distinção do homem para o restante dos animais é o poder de fala, o poder de exprimir seus sentimentos e opiniões. Jean-Jacques Rosseau, filósofo, traz importantes observações sobre a origem da linguagem. “Apresentam-nos a linguagem dos primeiros homens como línguas de geômetras e verificamos que são línguas de poetas (...). Não se começou raciocinando, mas sentindo" (ROUSSEAU,1998, p. 169). Pontuando a construção da linguagem, seus significados e a compreensão que lhe é atribuída, Rosseau não se limita à ideia de que o que é expresso vem de dentro, do íntimo humano. Indo além, o filósofo debate com outras teorias “Pretende-se que os homens inventaram a palavra para exprimir suas necessidades; tal opinião parece-me insustentável. O efeito natural das primeiras necessidades consiste em separar os homens e não em aproximá-los” (ROUSSEAU, 1998, p.163). Rosseau reforça a importância do contexto na construção da mensagem. A relação básica Emissão – Recepção – Compreensão ocorre da união da mensagem a ser transmitida e contexto em que é encontrada. Não há como ignorar o cenário.

Ao longo das transformações da sociedade, é notório que houve evolução nas construções de comunicação. Há novos canais, há novas maneiras de comunicar, mas, apesar disso, as práticas discursivas continuam englobando elementos básicos da comunicação: diálogo, emissor, receptor, mensagem, código, canal de comunicação, contexto e ruído.

Partindo do princípio de que discurso é a exposição de ideais e opiniões, é compreensível que ele seja utilizado como forma de persuasão por parte de seu emissor a fim de convencer o receptor acerca de determinado ponto de visa. Isso ocorre através da comunicação verbal, visual e, até mesmo, gestual.
O valor do discurso também é definido de acordo com quem fala. Ora, é facilmente perceptível que pessoas diferentes transmitindo a mesma mensagem possuem resultados diferentes: engajamento, críticas ou adoções/aceitações de ideias. As pessoas possuem influências distintas perante a sociedade e, com isso, o poder do discurso é variável.

CAPÍTULO 3 – O RAP É POP

Em 1990, o Rap enfrentava muito preconceito e o mercado fonográfico não era receptivo com o estilo. Com as constantes recusas de estúdios e gravadoras, os rappers enxergavam no improviso a forma de dar continuidade ao próprio trabalho. Rejeitados e, em grande parte, com recursos limitados, a solução era gravar composições dentro de casa.
Segundo MC Nay, rapper do grupo A’s Trinca:

A gente tinha que improvisar tudo, jogávamos lençóis nas paredes do quarto ou do banheiro porque nesses cômodos tínhamos uma acústica legal e pendurávamos o microfone no teto. Era assim que fazíamos o nosso som (NAY,14/10/2015).

Com rappers driblando as adversidades que o gênero enfrentava, o Rap foi se popularizando e ganhando o respeito e admiração de músicos de outros gêneros. Além de álbuns premiados, o estilo musical foi adquirindo fãs e admiradores.
Com o advento da internet, o Rap encontra um novo momento: enquanto a rede mundial de computadores revela rappers da nova geração, os rappers mais antigos encontram dificuldades para entender o novo cenário. É coerente se autopromover através da internet? É possível manter o estilo antigo, já com sucesso alcançado?

A cultura contemporânea vive esta tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade. “Os questionamentos mais radicais e lúcidos dos anos noventa à sensibilidade, ao pensamento e ao imaginário pós-industriais são hoje formulados
principalmente pelos que atravessaram a experiência tumultuosa de rupturas, renovações e desenganos da segunda metade do século XX (CANCLINI, 201, p.273).

Como visto anteriormente, vários pontos colaboraram para a geração desse novo momento, como Boas relata:

As sociedades civis aparecem cada vez menos como comunidades nacionais, i.e. unidades linguísticas, territoriais e políticas, para manifestarem-se            como        comunidades        hermenêuticas        de consumidores, ou seja, grupos de pessoas que compartilham gosto e pactos de leitura em relação a certos bens (gastronômicos, desportivos, musicais), os quais lhes fornecem identidades comuns. Não se pode todavia, generalizar as consequências sobre a cidadania desta participação crescente através do consumo. “As críticas apocalípticas ao consumismo continuam sublinhando que a organização    individualista    dos    consumos    tende    a    que    nos desconectemos,        como        cidadãos,        das        condições    comuns,        da desigualdade e da solidariedade coletiva.” ( p. 262) Canclini concorda em parte com esta visão, mas não deixa de apoiar a expansão das comunicações        e        do    consumo        por    gerarem   associações       de consumidores e lutas sociais, ainda que em grupos marginais, melhor informados sobre as condições nacionais e internacionais (BOAS, 30/10/2016).

O Rap segue a nova sociedade, tendo que se adaptar à realidade e se manter vivo no meio de tantas novidades. Tais adaptações, combinadas com o poder da internet, alcançaram mais visibilidade para o estilo, o que tem gerado intensa discussão: O Rap do século XXI é autoafirmação do que se construiu ao longo desses anos ou ele se rendeu às grandes mídias e perdeu sua identidade? Enquanto ainda há resistência por parte do movimento, outros artistas encontram na mídia uma forma de destacar o estilo e gerar visibilidade para a cultura gerada à margem do núcleo da sociedade.

12. Comparando os discursos

Recuperando o histórico do Rap nacional, em grandes cidades do país, como São Paulo e Rio de Janeiro, entre 1970 e 1980, havia muitos encontros de b.boys e MCs em locais públicos como São Bento e Praça Roosevelt entre 1985 e 1988, na região central de São Paulo, e, a partir de 1990, o Rap ganha destaca na periferia, havendo propagação de coletivos.

A cultura contemporânea vive esta tensão entre a modernização acelerada e as críticas à modernidade. “Os questionamentos mais radicais e lúcidos dos anos noventa à sensibilidade, ao pensamento e ao imaginário pós-industriais são hoje formulados principalmente pelos que atravessaram a experiência tumultuosa de rupturas, renovações e desenganos da segunda metade do século  (CANCLINI, 201, p. 273).

Apesar de todos os avanços tecnológicos, infelizmente, a sociedade ainda é bastante desigual. O Rap não perdeu sua essência. É possível traçar um paralelo entre o discurso feito nas décadas passadas e o atual, veiculado nas mídias. Ainda existe Rap criticando as injustiças sociais, mas é verdade que a expressiva maioria já não é sobre as desigualdades, algo comumente realizado por grandes nomes da geração passada. Essinger exemplifica citando Os Racionais:

“Fim de semana no parque” e “Diário de um detento”, que denunciavam o racismo e a falta de perspectivas para quem vive na favela. Mesmo se recusando a participar da grande mídia, venderam mais de um milhão de cópias do álbum “Sobrevivendo no inferno”, de 1997 — o marco da consolidação do rap no país (ESSINGER, 10/10/2015).

Teperman também cita os Racionais como exemplo do discurso acerca das diferenças sociais:

As letras do Racionais atacam a perpetuação da desigualdade, o racismo, a violência policial e outras mazelas da sociedade brasileira. E o fazem assumindo um posicionamento claro numa estrutura de classes, em franca oposição ao que eles próprios entendem como classe dominante (TEPERMAN, 2015, p. 78).

Em entrevista, Mano Brown, do Racionais MC’s, questionado sobre quanto tempo levou para ganhar dinheiro, revelou:

Eu vi dinheiro mesmo com “Homem na estrada”. Antes disso era couro de rato, trocando moedas. Os carros quebravam pra caralho, tudo o que ganhava, gastava. E o Brasil era difícil também. A gravadora era pequena, a gente vivia com problema financeiro sério, que nem o Santos [Futebol Clube, time do coração de Brown]. Quando lançamos “Homem na estrada” e “Fim de semana no parque” [do disco Raio-X Brasil, de 1993] que realmente virou outra coisa. Foi quando a gente mudou os temas, parei de falar só do movimento negro pra falar mais da periferia. Aí já estava perto do que calculei. Não onde está hoje, mas “Homem na estrada” estava perto do que eu calculei naquela época. Eu morava num barraquinho aqui nessa rua, numa casinha de um cômodo e meio. Um dia saí na rua e estava tocando “Fim de semana no parque” em três casas diferentes. Minha música… na minha rua… Alguma coisa estava errada, entendeu, ou estava começando a ficar certa. Ali cresceu. (BROWN, 07/2014).

Brown ainda foi além ao responder se ‘’Viver de arte é sofrido”

Não deveria ser. Por exemplo, se eu fosse um sambista, viveria de arte sem muita dor de cabeça, arte pela arte, e é muito respeitável por sinal, tá ligado? Como é o Fundo de Quintal, o Zeca [Pagodinho], o Revelação. São muito respeitáveis e não vivem nessa rota de colisão com filosofia. Eles vivem filosofias próprias, não deixaram que ninguém se apoderasse deles. Eles não quiseram ser a luz da humanidade. Houve ali um momento que foi colocado que o rap que tinha que ser a luz da quebrada, a luz da periferia, a luz dos caras. Uma coisa que veio de fora para dentro, que não foi denominada por nós. A mídia falou, a imprensa falou, os fãs falaram. Eu sempre gostei mais de ser o bandido do que ser o líder nas minhas músicas. Mais como um ombro do que como um mentor. Nada de ser mentor, sempre quis ser ombro, braço. Sempre quis ser braço. (BROWN, 07/2014).

Sobre a Indústria Fonográfica, Brown revela:

Existe um comércio sim, só que não é só a música, certo? Você tem que ter outras coisas para oferecer às pessoas. É som e imagem. Então já não é mais o fonográfico, já é um monte de coisa, já é uma calda longa. É a musica mais a imagem, mais a roupa, mais a pessoa, mais o posicionamento dela. É um monte de coisa. Já foi a época em que você vendia o CD e bastava. Hoje não basta mais. É muito pouco. Precisa de um monte de coisa. É um trabalho mesmo. (BROWN, 07/2014).

Se, no passado, o Rap era visto como crítica social, hoje ele é considerado por muitos fãs antigos como “modinha”, termo que se refere a algo que é produzido em larga escala apenas com o propósito de se popularizar, sem transmissão de conteúdo relevante. Além disso, há duras críticas sobre o estilo “ostentação” que está predominando no meio. “O rap de hoje difere muito em comparação com o que era “cuspido” nos seus “primeiros” dias. Numa entrevista, Kadaff (Kalibrados) disse: “Antigamente ouvíamos rap e íamos pro dicionário. Hoje em dia ouves rap e vais para loja da Gucci.” (apud, BANTUMEN, 21/07/2015)

Nos dias atuais, ainda existem composições que questionam o poder do Rap abertamente, evidenciando a audácia que é tão característica do movimento:

Será que o rap miscigena? / Que o preconceito reina? / Se não nos derem espaço a gente rouba a cena / Isso aqui não é EUA / Divisão de zona é coisa pequena / Pensamento estagnado te auto envenena (CLANDESTINO; 3030, 2012)

Ainda há batalhas de Rap, por exemplo. A diferença é que, se antes os encontros eram realizados majoritariamente entre pessoas de renda baixa, hoje o Rap é mais dissolvido entre a sociedade. Se, no passado, o sucesso ficava por conta dos Racionais Mc’s, grupo no qual nenhum dos quatro integrantes terminou o Ensino Médio, hoje existe roda cultural de batalha de Rap em bairros nobres da cidade, existe rapper de classe média/alta, branco e até mesmo profissionais de Comunicação estão fazendo Rap. Ou seja, um discurso que era restrito a uma realidade de opressão e de um nicho excluído da sociedade se transformou em música que é criada por qualquer pessoa, independente de sua classe social e/ou financeira.

Em seu próprio site, O Racionais MC’s definem sua postura ao longo dos 25 anos de carreira:

O Racionais Mc’s é um grupo brasileiro de RAP que surgiu no final dos anos 80 com um discurso que tinha a preocupação de denunciar o racismo e o sistema capitalista opressor que patrocinava a miséria que estava automaticamente ligada com a violência e o crime. Vinte e Cinco anos depois, Racionais Mc’s, ainda com um forte engajamento na luta contra o racismo e discriminação, vem deixando seu legado e construiu uma história ao lado das pessoas que sempre os acompanharam. (RACIONAIS OFICIAL, 10/09/2016).

Nos últimos anos, Mano Brown recebeu duras críticas. Foi acusado, inclusive, de ter se “vendido” ao sistema.

Há rappers que, inclusive, já reconhecem que sua realidade não é mais a de alguém à margem da sociedade, mas de alguém que possui uma vida tranquila e desejada por outros, como acontece na faixa “Chefe de Quadrilha”, do grupo Cone Crew Diretoria: “Esse é um pedaço do meu sonho, irmão / E ele é do tamanho do mundo / Pra alguns minha realidade é tipo um sonho então / Eu vou viver cada segundo.” (DIRETORIA, 2012)

Se antes o dinheiro era mencionado como o mal da sociedade, hoje existem rappers declarando abertamente que desejam dinheiro, que esperam obter lucro com o Rap. A faixa, também do grupo carioca, traz uma polêmica declaração:

Também quero o que há de bom, entro no palco com o pé direito / Pra ver se tudo se acerta e essa chama um dinheiro / Limpo sem esquema, sem treta, cadeia, algema / Hoje eu nem quero falar nisso porque isso chama problema (DIRETORIA, 2012)

O grupo carioca Cone Crew Diretoria, em uma de suas faixas mais polêmicas, “Chefe de Quadrilha”, faz duras críticas a políticos. A canção relata a história do político fictício Armando Golps. No videoclipe, lançado dois dias antes das eleições presidenciais de 2014, há referências diretas a políticos, através de máscaras representando o ex-presidente Lula, o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o ex-tesoureiro do PT, Delúbio Soares e o primeiro presidente eleito da Rússia, Bóris Yeltsin.

A faixa poderia ser mais uma crítica política, comum no meio do Rap, mas o grupo mescla com tons de deboche os interesses pessoais: “Eu quero um milhão / mas sem ter que rodar / Com o flagrante na mão ou então ter que roubar / Me envolver no mensalão pra minha conta engordar / Roubando da nação pra mim isso não dá”, o grupo critica a posição de políticos corruptos. Em contrapartida, afirma desejar obter privilégios “Mas também quero uma casa em frente ao mar / Viver de marachuá e não ter do que reclamar / Viver na regalia de um chefe de quadrilha / Mas com o respeito e a dignidade de um chefe de família” (DIRETORIA, 2014).
Indo além, o grupo complementa:

Quantas linhas vou escrever pra poder sair a melhor? / Quantos raps eu vou criar pra rasgar e fazer virar pó? / Já nem sei, mas também nem me preocupo / Tô pagando a minhas contas e viajando pelo mundo” [...] Trabalho e por isso espero / Tô farto de lero-lero / Vejo o crime faturando e com isso me desespero / Dinheiro sujo eu desprezo e por um bom futuro rezo / Oferta das Arábias (haha), dou risada e menosprezo / Na pista vejo uns esnobes, sou contra e existe um porém / Trabalho honestamente e não vejo notas de cem / Caminho humildemente, trilhando do lado do bem / Mas ter dinheiro não é pecado e eu quero um milhão também / Porque eu mereço (DIRETORIA, 2014)

O Rap não é mais restrito a expressar revolta ou expor alguma situação precária vivida. Hoje, existe até Rap romântico, mais pop, embalado a declarações de amor: “e me ama, vejo brilho no seu olhar / Mas deixa o tempo falar... / Tô precisando voar / Tu sabe que eu vou voltar... / Aguarda o tempo que dá / Vida longa, mundo pequeno, a gente ainda vai se encontrar” (ORIENTE, 2011).

O Rap tem a possibilidade de discursar sobre toda e qualquer temática. Há Rap sobre drogas, crimes, assassinatos. Ultimamente, há a crescente significativa das composições sobre relacionamentos e, algo bastante comum em outros estilos musicais também chegou ao Rap: a vertente dama x vagabundo, amores utópicos e complicados, como é possível ver na canção “Elas gostam assim”, fruto da parceria entre grandes nomes de duas gerações, Marcelo D2 e Projota: “O pai dela diz que eu sou ruim / Não presto e não tenho o dim / Sou vagabundo até o fim, enfim / Elas gostam assim, elas gostam assim” (PROJOTA; D2, 2014). A canção, inclusive, foi trilha sonora de uma novela global.

O DJ Baker expressa sua opinião a respeito da progressão do mundo musical, apontando que mudança não é exclusividade do Rap:

Os sons mudam e evoluem, é legal ver elementos da música eletrônica sendo incorporados. Chuck Berry não soava como os Beatles, que não soavam com os Ramones, que não soavam como o Queens Of The Stone Age, e assim por diante. É uma progressão. (BAKER, 13/07/2012).

O Rap, cada vez mais popular, parece cada vez mais direcionado ao público- alvo, sendo produzido de acordo com o que as pessoas querem ouvir. Se antes a música existia e era ouvida por quem se identificasse, hoje há a sensação de que ela é produzida visando atingir o sucesso com determinado público. Há o caminho inverso. A arte é feita para agradar ao indivíduo.

13. A inserção do Rap nos grandes meios de comunicação

O Rap é reconhecido! Isso é fato. O estilo está tão evidenciado na atual sociedade que até a Netflix, provedora global de filmes e séries de televisão via streaming e principal febre do momento, se rendeu ao estilo. Em agosto de 2016, a empresa, percebendo o forte apelo que a temática tem diante dos jovens, lançou a série “The Get Down”.

Ambientada no fim dos anos 1970 no Bronx, no norte de Nova York, a série gira em torno de Ezekiel (Justice Smith), um adolescente com grande habilidade para as palavras e poucas perspectivas para o futuro. Sabemos de cara, porém, que ele ultrapassará as dificuldades e se tornará um rapper famoso, já que sua história começa a ser contada dos anos 1990, quando ele se lembra do passado nas músicas que canta em um grande show. Com uma hora e meia de duração — praticamente um filme — o primeiro episódio narra o início dessa guinada, quando Ezekiel conhece o grafiteiro e aspirante a DJ Shaolin Fantastic. É ele quem apresenta Ezekiel, até então fã de música disco, às festas nas quais o rap nasceu, com DJs fazendo a batida para os MCs colocarem as letras (REIS, 10/09/2016)

A série é a mais cara já produzida pela Netflix (US$ 120 milhões nessa primeira temporada). O valor investido entrega a percepção de retorno que o Rap se tornou. Afinal, para investir um valor tão alto para geração de conteúdo, é porque a empresa aposta que haverá público para assistir e um grande retorno financeiro.

A inserção dos rappers nas grandes mídias não é novidade. É possível ver abaixo, num trecho sobre Gabriel, O Pensador, que fez críticas ao presidente de forma dura:

Em 1992, (...) mandou para a extinta RPC FM (atual FM O DIA)   uma fita demo de "Tô Feliz (Matei o Presidente)". A música foi ao ar pela primeira vez no dia 5, e tornou-se rapidamente a mais pedida da estação antes de sofrer censura cinco dias depois. O Ministério da Justiça justificou a atitude por considerar que incentivar ao assassinato  do  presidente,  então  passando  por  um   processo  de impeachment, e conter frases ofensivas ao  mesmo. A controvérsia se elevou pelo fato que a mãe de Gabriel, Belisa, ter sido assessora de Collor. Vinte dias depois da primeira execução de "Tô Feliz (Matei o Presidente)" Collor deixava o governo. O timing garantiu mais atenção a Gabriel, valendo reportagens na Veja e MTV Brasil, mas sem atrair as gravadoras. (WIKIPEDIA, 10/09/2016)

Tal fato, semelhante com o do Cone Crew Diretoria demonstra a diferença dos cenários: o vídeo do grupo carioca nunca ficou indisponível para acesso, diferentemente da faixa de Gabriel, O Pensador, que foi retirada menos de uma semana depois.
Em entrevista, o antropólogo Ricardo Teperman analisa o cenário atual:

Dá para dizer, agora, pela primeira vez, que os Racionais MCs saem do posto de figura central do rap nacional. E o Emicida passa a ocupar esse lugar, mas num contexto muito diferente (...) Com a experiência da Laboratório Fantasma, ele passou a pautar o mercado não só do rap, mas da música brasileira em geral. Assim como os Racionais inovaram na recusa em participar do mercado hegemônico, o Emicida inovou não só ao participar dele, mas ao fazê-lo de maneira nova e eficiente. A Laboratório Fantasma é um exemplo impressionante de construção de negócio na música (TEPERMAN, 2015).

Apesar do grande e respeitável nome dos Racionais, nem mesmo o grupo que é considerado parte dos artistas mais influentes do Brasil (RACIONAIS OFICIAL, 10/09/2016) pôde fugir da renovação exigida pelos tempos modernos. “Por todo esse tempo, era difícil fazer Rap sem olhar para os Racionais, mas esse ciclo está se encerrando” (TEPERMAN, 2015)

Em março de 2013, o rapper Marechal, juntamente com Marquinho, participou do Big Brother Brasil, reality show que é severamente criticado por ter conteúdo duvidoso. A participação gerou críticas e elogios. Revelando que foi convidado pelo próprio Marquinho, seu parceiro de longa data, Marechal afirmou não receber cachê da emissora. “A Globo não fazia ideia do que eu ia cantar”, disse ele. (apud JUNKES, 16/03/2013).

Após uma análise da participação do rapper na Rede Globo, Guilherme Junkes aformou : “A TV é um meio de comunicação fortíssimo e ainda é um ótimo lugar pra difundir uma mensagem. O primeiro passo para a compreensão é assimilar que o problema não é ir na TV e sim o que você vai fazer lá, saber o motivo de você estar lá” (JUNKES, 16/03/2013). Tal posição faz pensar sobre o propósito da migração cada vez mais comum de artistas de movimentos populares para os grandes veículos.

Filipe Ret, artista em evidência no cenário musical, em 2015, realizou o lançamento de uma música na Rádio FM O Dia. A música “Só pra você lembrar” já havia sido divulgada na internet anteriormente e os fãs aguardavam ansiosamente o seu lançamento na emissora de rádio. No momento do lançamento, aconteceu uma surpresa. Ret alterou a letra, modificando inclusive o refrão, que continha menções à maconha, sexo e bebidas. Após o episódio, o rapper foi duramente criticado, acusado de ter alterado sua arte para que pudesse vender. Por outro lado, fãs defendiam o posicionamento de Ret, alegando que para estar na rádio, seria necessário mexer na letra, a fim de atingir um público maior - composto, inclusive, por menores de idade. O cantor não se pronunciou sobre o assunto.

14. A visão de Filipe Ret, principal nome do cenário atual

Filipe Ret, visto como sucessor do Marcelo D2 (grande nome do Rap na década de 1990), é nascido e criado na zona sul do Rio de Janeiro. Transitando por bairros nobres como Catete e Laranjeiras, o rapper é formado em jornalismo e admirador da obra de Clarice Lispector. Em um meio de total informalidade musical, esse seria um fato inimaginável há algumas décadas.

Ret, em entrevista ao canal Studio62, revelou que conheceu o Rap com o Gabriel, O Pensador e que suas composições vieram da sua necessidade de se expressar. Além disso, o rapper cita os bailes funk como inspiração para começar a produzir suas próprias letras.

Filipe Ret explica o que pensa do país em relação ao Rap “O Brasil é sertanejo. Então é difícil, o Rap é uma parte muito pequena do Brasil. Eu não vejo assim não, eu acho que você tem que conquistar seu espaço, um respeito. Sendo quem você é.” (RET, 18/09/2014). O artista vai além e explica a diferença entre o eixo Rio e São Paulo e revela que considera o carioca mais sacana, mais debochado:

No Rio de Janeiro eu nasci entre a favela e o asfalto, na subida do morro. Minha mãe era professora em um colégio particular, então eu estudei de graça nesse colégio particular. Eu tinha acesso a uma galera que tinha grana, mais grana que eu. Na minha casa, eu encontrava com a galera da favela que era ali da rua. No Rio de Janeiro você tem muito isso, você lida muito com a galera mais rica e a galera mais pobre, esse paradoxo é muito comum no Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo, onde eu tenho vindo mais, eu vejo que é muito separado, muito separado mesmo, até a questão racial.[...] No Rio de Janeiro é como se fosse um ovo mexido, aqui (São Paulo) é um como se fosse um ovo estalado: centro e periferia. Lá é tudo meio misturado, isso é mais um motivo do nosso Rap ser diferente.
Não tem muito dessa divisão. É um pouco mais misturado. Eu acho que é mais interessante, não nasci aqui para fazer a comparação mas eu acho que é bem interessante essa parada do Rio de Janeiro. (RET, 18/09/2014).

O jovem artista explica sua visão acerca da situação do Rap na atualidade do país:

O Brasil é sertanejo. (risos) Então é difícil. O Rap é uma parte muito pequena do Brasil. Eu não vejo assim não, eu acho que você tem que conquistar seu espaço com respeito. Sendo quem você é. A luta do Rap hoje é conseguir entender que dinheiro não é teu inimigo. É tu pegar o dinheiro e mandar no dinheiro. Porque neguinho ainda pega o dinheiro assim [demonstra de baixo para cima com a mão]. Ainda é uma visão de coitado que a gente tem. Isso é o que mais me deixa injuriado porque isso me atrasa. Isso me prejudica. Prejudica todo mundo, prejudica toda a máquina. Acho que o principal é isso, acho que o que o Rap tem que, de novo, trazer essa verdade. Ser menos hipócrita, poder falar na lata aquilo que acha mesmo. Acho que esse é o caminho, a liberdade é o caminho. (RET, 18/09/2014).

Com declaração polêmica, o rapper expõe sua opinião sobre a atualidade do Rap no país e cita Mano Brown e seu novo posicionamento:

Acho que isso vem sendo um, até para os caras dos Racionais que foram os caras que ensinaram para gente o Rap. O Brown, que para mim é o cara mais importante do Rap nacional, e ver ele hoje mudando a opinião a dele em relação a isso, ver o reconhecimento dele de que a coisa mudou e de que é importante tratar o dinheiro que nem homem. Se não você trata o dinheiro que nem moleque, senão você está se colocando numa posição infantil. (RET, 18/09/2014).

Filipe Ret é influente não só como rapper, mas como co-fundador da gravadora TUDUBOM Records, uma das mais bem sucedidas gravadoras no Brasil no meio independente. Ao falar sobre a empresa, Ret revela abertamente que não a criou por dificuldade financeira de produzir seu álbum numa gravadora, mas sim por intenção de faturar com o negócio. Desde o início, Ret tinha a visão de que a gravadora iria prosperar:

A Tudubom [Records] é muito esse desejo, essa vontade de prosperar, de ir pra frente. De fazer a coisa prosperar  saudavelmente. O Rap precisa falar mais de dinheiro. Não estou falando que tem que ostentar. Estou falando que ele tem que entender que isso é importante para as coisas funcionarem, se não você vai morrer com cinquenta anos gritando do lado de fora do jogo que as regras estão erradas. Entra no jogo, joga essa porra. Ganha nessa porra e começa a falar o que você acha das regras, porque se não você vai ficar ali num cantinho que nem uma criança berrando, do lado de fora, chorando até morrer. [...] Sou muito feliz de ter esses caras do meu lado, de ter meu primo, de ter o MãoLee. Comecei com o MãoLee que até hoje é meu sócio junto comigo. Lembro até hoje de eu ir na casa dele, que é o home studio dele falando “MãoLee, a gente vai ganhar dinheiro”. Ele trabalhava no banco nessa época, falei “MãoLee, você vai sair do banco, a gente vai viajar o Brasil. Vamos embora”. Era só eu e ele pensando e botando a pilha máxima para a parada acontecer. (RET, 18/09/2014).

Sem delongas, Filipe Ret revela que, na visão dele, o Rap possui agressividade para gerar autoafirmação:

O Rap é essa autoestima. A certeza de que vai dar certo. Porque o Rap é a energia da rua. Desde quando eu pichava muro, eu queria me manifestar. Eu queria pegar aquele muro, naquele cantinho – isso é uma visão publicitária – você querer colocar o seu nome. Isso é uma visão egocêntrica também, de certa forma, de você colocar o seu nome. O Rap tem isso. O Rap é competitivo. O Rap quer ser melhor que o outro mesmo. Não é Rock. A parada vem das guerras de gangue, vem da galera que se reunia para se auto afirmar. Autoafirmação é legítima no Rap. O cara vai falar “eu sou foda, eu conquistei...”, isso é o ritmo e poesia agressiva da rua. É por isso que o gênero está ganhando. É porque o gênero faz questão de ganhar. O Rap faz questão de ganhar. O Rap não quer pequeno. Ele quer ser o maior do mundo. E está se tornando o maior do mundo mesmo. Você vê que hoje o top dez do mundo é hip-hop, é Rap. (RET, 18/09/2014).

Mais uma vez, falando sobre os ganhos com o estilo musical, Filipe Ret enfatiza que quer lucrar com vendas da arte que produz:

Então tem tudo a ver com o sangue mais quente do moleque que é mais pilhado. Você tem que ter um lado essência e o lado sagaz. O Rap é a mistura desses dois. É essência pra saber quem você sempre foi e quem você sempre vai ser, e a sagacidade pra defender a tua essência e vender a tua essência da melhor forma possível.
Vender sim. Por que não vender? Eu preciso. Eu quero ter uma família grande. Eu quero sustentar a família toda bacanamente. Meus parceiros... Eu quero ver todos ganhando bem com o dinheiro do Rap. (RET, 18/09/2014).

O posicionamento de Ret não faz parte uma unanimidade no mundo do Rap. Enquanto há jovens rappers como ele, indo em encontro às grandes mídias e ao sucesso obtido através da arte, também há rappers com um posicionamento mais distante desse universo glamouroso, com resistência aos meios de comunicação.

15. Legitimação x Descaracterização do Rap

Em 2011, a Revista Época publicou uma matéria com o título “O Rap virou Pop”. O subtítulo “Esqueça a militância política. Os novos astros do gênero querem falar é de amor e amizade” revelou a curva que o estilo musical estava traçando, cada vez mais se aproximando da popularização. A afirmação “O Rap virou Pop” é cada vez mais disseminada. Com o mesmo título, em 2012, o jornal O Globo mostra que o DJ americano Cosmo Baker considera a evolução como algo natural:

Na época em que Puffy aproximou o hip-hop do mercado comercial, o rap era algo a ser descoberto. Em 2012, ele é algo onipresente, e a molecada cresce ouvindo esses sons. Então, faz todo o sentido que o hip-hop seja música pop. É interessante ver como a galera mais nova filtra essas influências em seus trabalhos (apud NATAL, 19/07/2012).

Em matéria publicada na IG, a mudança de comportamento do Racionais Mc’s em relação à mídia recebeu destaque:

Desde que surgiu à frente dos Racionais, Mano Brown manteve o compromisso de não falar com a chamada grande imprensa. Oriundo do Capão Redondo, na zona Sul de São Paulo, o músico deu raras entrevistas, normalmente apenas para veículos  alternativos. Mas  em 2009, uma virada. O líder dos Racionais deixou sua aversão à mídia  tradicional  de  lado,  foi  capa  da  revista  "Rolling  Stone",    e rompeu com o paradigma que o grupo havia estabelecido para o hip hop nacional, de um gênero engajado, porta-voz da periferia. ( IG GENTE, 10/08/2016)

A relação com o posicionamento na mídia é tão divido que os próprios integrantes possuem divergência de opinião. Racionais Mc’s, um dos grupos de maior influência no mundo do Rap nacional, após décadas de silêncio diante da chamada “Grande Mídia”, resolveu ceder um pouco e se aproximar dos veículos de comunicação. O fato, obviamente, chamou a atenção de críticos e fãs.

Mano Brown parece ter mudado de opinião, pois ao falar sobre Emicida, forte nome atual do Rap e bastante ativo em programas televisivos, Brown diz “O Emicida tem essa grife de artista”, ainda realizando uma comparação com o início do seu grupo: “Ele foi reconhecido muito mais rapidamente do que a gente na época.”. Para finalizar, Brown revelou “Ele é um bom jogador. É um cara que sobrevive, um cara forte, inteligente”. (BROWN, 07/2014)
As críticas são severas, apontando que os estilos populares têm se afastado de suas origens e caminhando para o sistema de lucro:

Que o hip hop e o funk têm ligações desde quando surgiram, é evidente. Seja nas décadas de James Brown, Mano Brown; Cidinho e Doca, RZO; Guimê e Emicida, os estilos sempre dialogaram: na ideologia ou na origem. Hoje, ambos estão de mãos dadas, seguindo em direção à burguesia e dando as costas para um trabalho de base que deu frutos e ainda multiplica conhecimento (SILVA, 07/03/2014).

Joseh Silva, em publicação na Carta Capital, realiza um paralelo entre a postura do Rap nas diferentes gerações, apontando o forte poder de influência que o gênero musical possui perante a juventude das periferias:

Os shows de rap eram uma espécie de aula pública. Quando o grupo Z`África Brasil se apresentava, o público ia para casa conhecer mais sobre Zumbi dos Palmares. No show do Racionais MC`s, eram citados Martim Luther King, Malcon X e Che Guevara. No do GOG, Mahatma Gandhi. Nas aulas de rima, os Mc`s falavam de referências da origem do hip hop – África Bambaataa, Nelson Triunfo, King Nino Brown. Era a história contemporânea sendo contada e vivida por uma juventude que, não optou por ocupar as ruas para protestar contra as  mazelas sociais. Mas, no entanto, ocuparam escolas, bares,  praças,  beco  e  vielas,  com alusões que deram consistências ao trabalho. [...]Não levar em consideração que as letras do estilo funk  ostentação  são  fruto  de  uma política de consumo, é uma ingenuidade. Há pelo menos cinco anos, o governo federal vem pregando a falácia  do  surgimento  de  uma nova classe média. A inclusão pelo consumo tem sequelas.
Hoje, nas periferias, os adolescente andam com boné de 300 reais, tênis e celulares de mil reais. Há sempre relatos de jovens que foram assaltados quando voltam de festas ou baladas durante a madrugada. Corrente e relógio também são bem vindos.
Muitas vezes quem comete os assaltos são adolescente de bairros mais afastados. Eles querem ter. Eles anseiam ser a nova classe média. Eles querem exercer o consumo. Tenho, logo existo. (SILVA, 07/03/2014)

Joseh Silva finaliza dizendo:

O hip hop utilizou sua força de formador de opinião e fez um trabalho de base disseminando discursos de unidade e, libertação. São jovens que morreram para serem homens livres de verdade. Hoje são pouco os envolvidos, espaços e organizações continuam o trabalho.O funk e o rap contemporâneo têm muito o que aprender com o hip hop “noventista”. Ainda há pessoas que fazem um trabalho de muita relevância dentro do movimento, mas que aspira cuidados. (SILVA, 07/03/2014).

O episódio do Marechal no Big Brother Brasil é um bom exemplo da divisão de opiniões.

A TV é um meio de comunicação fortíssimo e ainda é um ótimo lugar pra difundir uma mensagem. O primeiro passo para a compreensão é assimilar que o problema não é ir na TV e sim o que você vai fazer lá, saber o motivo de você estar lá. [...] Marechal chegou lá e cantou “Vamos  voltar  à  realidade”,  uma  música  que  critica  duramente  a forma como as televisões conduzem a informação e ao Big Brother, retratado por George Orwell em seu livro “1984”. Muitos disseram que ele “foi ao inferno e cuspiu na cara do capeta” (JUNKES, 16/03/2013).

Emicida, outro nome da nova geração do Rap também já se pronunciou sobre o assunto do Rap estar inserido na TV e sobre as críticas recebidas:

X mudou de ideia, em uma viagem, ele entendeu ao ver brancos que não eram racistas que o problema não era a cor, era o pensamento racista, foi aí que ele se ligou que uma coisa é vingança e outra coisa é justiça. Sabe um cara que nunca mudou de ideia? Adolf Hitler. (EMICIDA, 10/10/2013)

Mano Brown não mudou somente de ideia, como dito por Emicida. Além de dar entrevistas, permitir música na TV, Brown está se adaptando ao novo cenário do Rap. O Mc lançou, em outubro de 2016, um clipe do seu novo projeto, seu disco solo, intitulado “Boogie Naipe”. Mais romântico, Brown se aventura num novo ambiente, inclusive gravando clipe em Nova York.

Embora tenha focado em canções mais românticas, Brown afirma que seu foco continua o mesmo de sempre: "Acho que posso continuar conversando com as pessoas o que eu quero conversar, sendo relevante na vida delas, quero ser companheiro nas horas difíceis, quero estar tocando nas cabeceiras das camas, nos toca discos, nos rádios dos carros. Quero que a minha música continue sendo popular e útil. [...] Nesse disco, meu trabalho é mais intimista, sim, são coisas que talvez não houvesse espaço em outros tempos, outras épocas e que se usou e abusou dessa tal palavra amor. E se lucrou muito com isso também, fazendo músicas que abordavam romance, vida pessoal, desencontros, felicidades e tristezas. Talvez eu procure humanizar um pouco. Humanizar [este tema] talvez seja a palavra certa", prometeu o rapper. (apud UOL, 14/10/2016)

Com outra visão, Eduardo, ex-Facção Central, não aceitou o convite para ir ao Programa do Jô, da Rede Globo.

“Quando você escreve um livro é como se o playboy falasse ‘agora cê escreveu um livro, é intelectual, é da hora, agora você pode colar com nóiz; pode vim no nosso programa'”, comentou ele sobre o volume 1 de “A guerra não declarada na visão de um favelado“. “Eu não quero ser um hit de verão. Eu não quero ser aquele cara que você curtiu porque tava em determinado programa. Eu quero que você curta minha música, respeite meu trabalho porque eu tenho valor”, disse. [...]“Eu acho que a revolução é aqui [na periferia]. Pra eu tá na televisão, primeiro a gente tem que mudar a televisão. A gente tem que exercitar aquele poder do boicote; realmente mudar a programação. Quando a gente tiver um programador, pelo menos, interessado em ouvir a periferia, aí sim você pode entrar dentro da televisão”, destacou ele. “Nesse momento, infelizmente, você tem uma televisão alienadora; uma televisão onde o genocídio é legitimado 24 horas por dia. Então, eu vejo a televisão como meu inimigo; eu não posso tá ali com meu inimigo”, concluiu (apud JUNKES, 02/12/2013).

Como observado, os próprios integrantes do movimento possuem opiniões diferentes e, muitas vezes, realizam críticas entre si. O Rap permite que cada um aja de determinada maneira. É um movimento liberal e respeita as diferentes visões de mundo que seus artistas possuem.

16. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As questões levantadas na pesquisa servem como orientadores para melhor compreensão do que está acontecendo com os movimentos populares urbanos, especificamente o Rap. É de suma importância resgatar conceitos acerca da sociedade, discurso e consumo para poder entender o cenário em que o Rap se encontra. Não há como analisar o Rap como um movimento destacado da sociedade. É necessário haver integração dos assuntos de diversas áreas para gerar uma percepção ampla e mais assertiva da dimensão do movimento em questão.
Os avanços da tecnologia e das relações interpessoais – que caminham juntamente - contribuem para o novo formato de apreciação do Rap. Se antes era considerado voz do povo, hoje ele também é pertencente à classe do entretenimento. Não é exclusividade do povo da periferia e não existe uma classe dominante dentro desse movimento. É um ritmo que pode ser produzido desde improviso, na rua, sem aparelhagem, até grandes apresentações, bem estruturadas, com equipamentos de ponta e equipe grandiosa.
Apesar das constantes modificações e crescimentos pertinentes ao estilo, ainda segue preconceito por parte da sociedade, que atrela o Rap ao consumo de drogas ilícitas e não possui visibilidade notória como outros estilos musicais, como o sertanejo, por exemplo, que foi citado pelo Ret. Ainda há barreiras a serem superadas e há cada vez mais formas de obter sucesso nessa realização.
O posicionamento dos rappers nos meios de comunicação de massa tem acontecido cada vez com mais frequência e cada vez de forma mais diversificada. Há rappers que apresentam músicas românticas, enquanto outros apresentam canções com teor político. Há aqueles que estão dispostos a modificar a letra para encaixar a música na programação das emissoras, enquanto outros recusam veementemente a participação em programas de grande repercussão.
É importante observar a diversidade existente no Rap. Por ser um movimento social, sempre abrangeu diferentes tipos de pessoas, vozes, sotaques e intenções, mas, especialmente, no cenário atual, em época de muito conteúdo e imediatismo nas relações, é cada vez mais comum a abertura do leque acerca de assuntos a serem tratados. O Rap nunca foi limitado, mas hoje está mais receptivo. Há mulheres cantando, há duplas, há ricos, pobres, brancos, beatmakers, backing vocals... Há uma infinidade de possibilidades de adentrar no gênero.
O interesse das grandes mídias no Rap é um ótimo sinal de espaço conquistado. O Marechal ter ido à Rede Globo cantar sobre 1984, de George Orwell sem a Globo saber do conteúdo que seria transmitido evidencia o quanto a forma de informar tem se modificado com o decorrer do tempo. O formato como a informação é conduzida está cada vez mais linear e isso engloba também a Indústria do entretenimento. Isso demonstra que a hierarquia tem, aos poucos, se transformado. É um longo trajeto e, talvez, seja somente a ponta do avanço, mas é inegável que as mudanças tem acontecido.
O Rap já passou por diversos momentos desde sua origem, no século passado. Certamente passará por novos e isso estará sempre atrelado ao contexto em que está inserido. O discurso tem se modificado de acordo com as necessidades populares. Isso não se restringe apenas ao Rap. É um processo de acompanhamento dos nichos sociais. Enquanto houver pessoas interessadas em determinada área, haverá produtores de tal conteúdo.
Por ser um movimento do espaço urbano, os acontecimentos são percebidos de forma mais intensa, pois são realizados em meio a questões fundamentais para o cotidiano social. O Rap trata de política, relacionamentos amorosos, familiares, drogas, sexo, bebidas, injustiça social e sobre todo e qualquer assunto que envolva o indivíduo e suas particularidades.
Por estar atrelado ao entretenimento, o Rap consegue atingir, especialmente a juventude, de forma mais interessante, sendo um poderoso instrumento para tratar de assuntos de extrema importância. Ora, o engajamento tende a ser mais aderido se ocorrido de forma prazerosa. No Rap não há quem dite regras. É um movimento aberto a novas experiências e novos comportamentos.
Com a pesquisa apresentada, há clareza na percepção de que o Rap tem crescido nos últimos anos. Em pleno cenário de conteúdo sendo produzido de forma colaborativa, é comum que haja a idealização de produzir algo visando determinado público-alvo. Isso não é errado. Assim como em outras áreas do consumo, é comum idealizar para quem construir o conteúdo, como e porquê construí-lo.
Assim como no gênero Rock, o Rap tem sido subdividido. Há uma ramificação sendo elaborada. Há conteúdo para todos os gostos, classe etária e social. A música é universal e atende a todas as idealizações. O indivíduo consegue encontrar o que lhe agrada em meio a uma infinita variedade de estilos e composições.
Como observado no decorrer da pesquisa, há divisão de opinião dentro do próprio movimento do Rap. Há artistas que consideram um grande avanço a inserção do estilo musical na mídia e, inclusive, apoiam o fato, considerando de extrema importância avaliar não somente o “estar na mídia”, mas saber que tipo de mensagem o artista está transmitindo ali. Por outro lado, há artistas que se recusam a compactuar com os grandes veículos de comunicação por considerarem-nos patrocinadores do apartheid brasileiro.
Sendo assim, não é possível obter uma conclusão definitiva, pois a discussão é recente e segue em aberto. Há um longo caminho a ser realizado pelo Rap e, como observado ao decorrer da pesquisa, esse caminho é sempre integrado aos avanços sociais. É preciso ter a concepção que a sociedade segue se modificando constantemente e esse fato certamente recai sobre os movimentos populares, inclusive os de entretenimento, como a música.
A sociedade é construída e reconstruída diariamente, assim como os movimentos urbanos, que buscam firmar seu espaço e conquistar valorização no meio em que se encontra. Ignorar a pluralidade do Rap é ignorar a pluralidade que se encontra na sociedade. Os movimentos sociais são reflexos do contexto em que se vive. Não deve haver delimitações para a criação humana.

17. REFERÊNCIAS

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ROLLING STONE, “Racionais MC's mostram renovação e influência da trap music em Cores & Valores”. Matéria publicada no portal Rolling Stone, disponível em http://rollingstone.uol.com.br/blog/cultura-de-rua/racionais-mcs- mostram-renovacao-e-influencia-da-trap-music-em-icores-valoresi#imagem0, acesso em 10/09/2016.

SILVA, Joseh. “O Funk e o Rap contemporâneo tem muito o que aprender com Hip Hop ‘noventista’” Matéria publicada no portal Carta Capital, disponível em http://www.cartacapital.com.br/blogs/speriferia/o-funk-e-o-rap-contemporaneo- tem-muito-o-que-aprender-com-hip-hop-201cnoventista201d-5780.html, acesso em 15/09/2016.

TERRA, Adriana. "Moda girava em torno da população branca antes do hip hop", diz pesquisadora americana “. Matéria publicada no portal Uol, disponível em http://estilo.uol.com.br/moda/noticias/redacao/2012/10/26/moda-girava-em- torno-da-populacao-branca-antes-do-hip-hop-diz-pesquisadora-norte- americana.htm?app=uol-generic&plataforma=ipad,    acesso    em    26/10/2012

WIKIPEDIA, “Gabriel, O Pensador”. Página publicada no sítio Wikipedia, disponível em https://pt.wikipedia.org/wiki/Gabriel,_o_Pensador, acesso em 10/09/2016.

Álbuns musicais

CLANDESTINO, Cacife. Ïsso que é som de Rap”. Mixtape produzido pelo Reeo Mix em 2012.
DIRETORIA, Cone Crew. “Bonde da madrugada, parte I“ Álbum gravado pela gravadora Cone Crew Diretoria em 2014.
ORIENTE, “Vida longa, mundo pequeno”. Single. Produção independente, 2011.
PROJOTA, “Foco, força e fé”. Álbum gravado pela Universal Music em 2014.

ANEXO A – Transcrição da entrevista com Filipe Ret

Entrevista cedida ao Studio62. Vídeo postado em 18/09/2014, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=zCl2QATgKCs&feature=youtu.be, acesso em 20/11/2016.

“Cara, eu conheci o Rap com o Gabriel, O Pensador. Com aquele primeiro disco do Gabriel, o Pensador, ele lançou em 1993 – eu tinha oito anos de idade. Através das letras dele, eu ficava tentando decorar as letras dele que na época, ali naquele momento eram as mais subversivas. E a aparência dele talvez, ele tinha barbicha e usava capuz... Ali eu descobri o Rap, que existia essa forma mais falada de história e de letras mais pesadas de tu cantar.
Eu gostava muito de desenhar quando eu era criança, eu gostava muito de desenhar em volume. Não sei se eu desenhava com qualidade, mas em volume eu desenhava bastante, eram vários desenhos (risos). Depois eu fui largando um pouco o desenho e fui começando a desenhar nas palavras, na linguagem. A pichação e o desenho me levaram muito para a composição. Tem muito a ver com a necessidade de se expressar.
Com dezesseis anos eu comecei a escrever as minhas linhas, até que mostrei para alguém, um parceiro – nunca vou esquecer do Agnaldo, parceiro que era componente do primeiro grupo de Rap que pertenci que se chamava Livre Arbítrio –, ele ouviu a minha rima e falou “Caralho! Isso é muito foda, Ret!” ali foi o primeiro estalo que eu vi que eu poderia escrever Rap também. E enfim, falando da minha loucura e o pessoal gostando. Foi com dezesseis anos que comecei a escrever minhas próprias linhas assim, não sei exatamente porque, mas eu sempre pensei em cantar. No fundo, acho que desde criança eu sempre achei que o máximo do máximo era o cara estar com o microfone cantando o que ele gostava de expressar ali.
Lá no Rio de Janeiro teve uma cultura muito forte de Funk e Rap, que eram os Funks proibidos que tinham nos bailes. Eu gostava muito de ir em baile Funk, achava aqueles Funks proibidos o máximo. Para mim, ver aqueles caras cantando aquela realidade, daquela forma, falando de drogas, da comunidade deles. Aquilo ali mexeu muito com a minha cabeça.

Mr. Catra nessa época foi um cara que trouxe um vocabulário novo para o Funk, antes dele cantar essas músicas putaria – que ele só canta putaria hoje
– ele cantava umas coisas mais doidas assim. Teve o momento do Planet Hemp também, que foi o momento que eu comecei a ouvir música de verdade, música com bateria e tudo mais. O meu pai podia ouvir também o que eu ouvia que eu só ouvia muito Funk então comecei a ouvir Planet Hemp que era uma música mais bacana. Acho que o Planet Hemp também foi um grande marco.
Meus pais sempre me apoiaram, eles sempre viram a minha necessidade de me expressar. Minha mãe, acho que sempre botou na minha cabeça desde criança que eu ia ser artista, ela desde criança falou isso, talvez tenha me influencia muito mesmo. Ela via que eu desenhava, e até mesmo nas besteiras que a gente faz ali na pré-adolescência, adolescência – ser pego pela polícia –, ela sempre achava que eu tinha essa necessidade de me expressar maior que as outras pessoas têm.
Dos dezesseis aos vinte e seis anos, dez anos, eu fiquei trabalhando no escritório do meu avô e eu achava que aquilo ali iria mudar minha vida, que alguma coisa fosse acontecer, ser promovido, eu ia ganhar minha vida ali. E não aconteceu, eu não conseguia evoluir naquele trabalho, era uma coisa meio chata. Dos dezesseis aos vinte e seis eu não ganhei mais de seiscentos reais por mês. Então me revoltei “estou com vinte e seis anos e estou ganhando seiscentos contos”, isso tem dois anos, estou vinte e nove.
Resolvi me atirar no Rap mesmo. Foi quando “Numa Margem Distante” como o MãoLee, que era o projetinho que eu tinha na época com vinte e seis anos. A gente fechou um show por seiscentos reais e poxa, estava ganhando quinhentos e pouco na empresa que eu estava trabalhando: em um dia eu posso ganhar o mesmo, fazendo o que eu amo, o que eu não gosto durante um mês – tinha coisa errada aí. Então precisava me dedicar ao Rap aí as coisas  no Rio de Janeiro foram começando a acontecer, as rodas foram começando a se formar nessa época e aí me atirei. Então começo a contar que tenho dois anos de estrada, não vou começar a contar desde quando comecei a escrever porque até então eu levava na brincadeira. Comecei a me dedicar mesmo a falar que preciso do dinheiro também dois anos atrás.
Rio de Janeiro é mais bonitão, as mulheres se vestem de shortinho. Aqui as meninas andam de calça, lá as meninas andam de shortinho. Isso é o

suficiente para cabeça do carioca ser diferente mesmo, ele é mais sacana, mais debochado. Ele chega atrasado em reunião. E acho que tem a ver, principalmente, com a geografia, costumo sempre achar isso. Sempre comparo com a questão física da cidade mesmo. A geografia da cidade é diferente. No Rio de Janeiro eu nasci entre a favela e o asfalto, na subida do morro. Minha era professora em um colégio particular, então eu estudei de graça nesse colégio particular. Eu tinha acesso a uma galera que tinha grana, mais grana que eu. Na minha casa, eu encontrava com a galera da favela que era ali da rua. No Rio de Janeiro você tem muito isso, você lida muito com a galera mais rica e a galera mais pobre, esse paradoxo é muito comum no Rio de Janeiro. Aqui em São Paulo, onde eu tenho vindo mais, eu vejo que é muito separado, muito separado mesmo, até a questão racial.
Um dia fomos almoçar, eu e MãoLee, a gente percebeu que estava sentado estava sério para caralho, era todo mundo branco e todo mundo que estava servindo era preta. Isso é uma coisa muito gritante aqui em São Paulo. No Rio de Janeiro é como se fosse um ovo mexido, aqui(São Paulo) é um como se fosse um ovo estalado: centro e periferia. Lá é tudo meio misturado, isso é mais um motivo do nosso Rap ser diferente. Não tem muito dessa divisão. É um pouco mais misturado. Eu acho que é mais interessante, não nasci aqui para fazer a comparação mas eu acho que é bem interessante essa parada do Rio de Janeiro.
O Brasil é sertanejo. (risos) Então é difícil. O Rap é uma parte muito pequena do Brasil. Eu não vejo assim não. Eu acho que você tem que conquistar seu espaço com respeito. Sendo quem você é. A luta do Rap hoje é conseguir entender que dinheiro não é teu inimigo. É tu pegar o dinheiro e mandar no dinheiro. Porque neguinho ainda pega o dinheiro assim [demonstra de baixo para cima com a mão]. Ainda é uma visão de coitado que a gente tem. Isso é o que mais me deixa injuriado porque isso me atrasa. Isso me prejudica. Prejudica todo mundo, prejudica toda a máquina. Acho que o principal é isso, acho que o que o Rap tem que, de novo, trazer essa verdade. Ser menos hipócrita, poder falar na lata aquilo que acha mesmo. Acho que esse é o caminho, a liberdade é o caminho.
Acho que isso vem sendo um, até para os caras dos Racionais que foram os caras que ensinaram para gente o Rap. O Brown, que para mim é o

cara mais importante do Rap nacional, e ver ele hoje mudando a opinião a dele em relação a isso, ver o reconhecimento dele de que a coisa mudou e de que é importante tratar o dinheiro que nem homem. Se não você trata o dinheiro que nem moleque, senão você está se colocando numa posição infantil.
A Tudubom [Records] é muito esse desejo, essa vontade de prosperar, de ir pra frente. De fazer a coisa prosperar saudavelmente. O Rap precisa falar mais de dinheiro. Não estou falando que tem que ostentar. Estou falando que ele tem que entender que isso é importante para as coisas funcionarem, se não você vai morrer com cinquenta anos gritando do lado de fora do jogo que as regras estão erradas. Entra no jogo, joga essa porra. Ganha nessa porra e começa a falar o que você acha das regras, porque se não você vai ficar ali num cantinho que nem uma criança berrando, do lado de fora, chorando até morrer.
Sou muito feliz de ter esses caras do meu lado, de ter meu primo, de ter o MãoLee. Comecei com o MãoLee que até hoje é meu sócio junto comigo. Lembro até hoje de eu ir na casa dele, que é o home studio dele falando “MãoLee, a gente vai ganhar dinheiro”. Ele trabalhava no banco nessa época, falei “MãoLee, você vai sair do banco, a gente vai viajar o Brasil. Vamos embora”. Era só eu e ele pensando e botando a pilha máxima para a parada acontecer.
São muitos problemas, você [entrevistador] tem empresa também. São muitos problemas mesmo, mas a gente consegue se virar. A gente ri pra caralho, a gente tem nosso jeito debochado de viajar de conviver, de fazer essa coisa acontecer. Acreditando na sua parada. Que a empresa é o meu nome, o nome do time é o meu nome. Então conquistar esses caras para estarem do meu lado trabalho é o meu maior trabalho, é ter jeito do meu lado acreditando em mim, acreditando que eu dou o meu máximo mesmo. E dou meu máximo mesmo, sou eu que vou chegar primeiro e vou sair por último.
Acho que o Rap é muito isso, o Rap é essa autoestima. A certeza de que vai dar certo. Porque o Rap é a energia da rua, desde quando eu pichava muro, eu queria me manifestar. Eu queria pegar aquele muro, naquele cantinho
– isso é uma visão publicitária – e querer por seu nome. Isso é uma visão egocêntrica também de certa forma de você colocar seu nome. O Rap tem isso, o Rap é competitivo. O Rap quer ser melhor que o outro mesmo. Não é

Rock. A parada vem das guerras de gangue, vem da galera que se reunia para se auto afirmar. Autoafirmação é legítima no Rap. O cara vai falar “eu sou foda, eu conquistei...”, isso é o ritmo e a poesia agressiva da rua. É por isso que eu o gênero está ganhando, porque o gênero faz questão de ganhar. O Rap faz questão de ganhar. O Rap não quer pequeno. Ele quer ser o maior do mundo. E está se tornando o maior do mundo mesmo. Você vê que hoje o top dez do mundo é hip-hop, é Rap.
Então tem tudo a ver com o sangue mais quente do moleque que é mais pilhado. Você tem que ter um lado essência e o lado sagaz. O Rap é a mistura desses dois. É essência pra saber quem você sempre foi e quem você sempre vai ser, e a sagacidade pra defender a tua essência e vender a tua essência da melhor forma possível. Vender sim. Por que não vender? Eu preciso. Eu quero ter uma família grande, eu quero sustentar a família toda bacanamente. Meus parceiros, quero ver todos ganhando bem com dinheiro do Rap.
Porque nessa parada eu sou muito focado. Eu levo isso muito a sério. É a forma mais séria e despretensiosa que alguém pode levar ao mesmo tempo. Com muita seriedade e com muito despretensão também, com muita informalidade, mas muito a sério. Eu seria muito frustrado e muito infeliz se não estivesse fazendo essa porra. Foda”.


Publicado por: Hinah Thamara Rodrigues Trindade Dias

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