A Representação da Sexualidade Feminina em A casa da paixão, de Nélida Piñon
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO AO LONGO DA HISTÓRIA
- 3.1 O papel da mulher na Grécia antiga
- 3.2 O papel da mulher na sociedade romana.
- 3.3 A mulher na idade média
- 3.4 O papel da mulher nos séculos XIX e XX.
- 3.5 O papel feminino na sociedade contemporânea
- 4. ASPECTOS E INSTINTOS DA SEXUALIDADE HUMANA
- 4.1 NÉLIDA PIÑON: VIDA E OBRA
- 4.2 A obra
- 5. ANÁLISE DA OBRA - A REPRESENTAÇÃO DA SEXUALIDADE FEMININA EM A CASA DA PAIXÃO, DE NÉLIDA PIÑON
- 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 7. REFERÊNCIAS
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.
1.
RESUMOA literatura contemporânea tem aberto portas para a discussão de assuntos que antes eram vistos como impróprios e motivadores de escândalos sociais, como é o caso da sexualidade, objeto de estudo do presente trabalho, que busca mostrar a representação da sexualidade feminina em A casa da paixão, de Nélida Piñon. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, explicativa e para a sua realização, se fizeram necessários autores dos campos da psicologia, sociologia e historiadores como Jung (2014), Freud (1948), Foucault (1940), Bergamasco (2015), Moniz (1982), entre outros tão importantes para tais reflexões. Ao final, constatou-se que a sexualidade feminina na obra, está representada na personagem Marta, na sua jornada de autoafirmação e descobertas, mostrando-se uma mulher à frente do seu tempo, que foge dos paradigmas impostos pela sociedade patriarcal em que vive, movida pelos seus interesses e desejos pessoais e sexuais.
Palavras-chave: A casa da paixão, Nélida Piñon, Literatura Feminina, Literatura Erótica, Sexualidade Feminina.
ABSTRACT
Contemporary literature has opened doors for the discussion of subjects that were previously considered as improper and motivators of social scandals, as is the case of sexuality, object of study of the present work, which seeks to show the representation of female sexuality in The House of Passion , by Nélida Piñon. It is a bibliographical research, qualitative, explanatory and for its realization, if necessary authors of the fields of psychology, sociology and historians like Jung (2014), Freud (1948), Foucault (1940), Bergamasco (2015), Moniz (1982), among others so important for such reflections. In the end, it was verified that the female sexuality in the work is represented in the character Marta, in her journey of self-affirmation and discoveries, showing herself a woman ahead of her time, who escapes from the paradigms imposed by the patriarchal society in which she lives, driven by their personal and sexual interests and desires.
KEY WORDS: The house of passion, Nélida Piñon, Feminine Literature, Erotic Literature, Feminine Sexuality.
2. INTRODUÇÃO
A presente monografia busca analisar a representação da sexualidade feminina em A Casa da Paixão, de Nélida Piñon, produzida em 1972. Esta obra distingue-se especialmente, pelo simbolismo que permeia o enredo. Piñon é praticamente uma das mais complexas autoras da contemporaneidade, e sua necessidade de reinvenção da escrita, por sobre o controle social da linguagem gerou um legado literário muito rico que lhe valeu a representação na Academia Brasileira de Letras (ABL), a qual presidenciou em 1997, sendo a primeira mulher em mais de cem anos a fazê-lo.
A Casa da Paixão é, segundo declarações da própria autora, uma obra que tem como missão ressignificar o processo de visão dos elementos que são comuns sobre a representação feminina na sociedade contemporânea, contemplando o engajamento da mulher como base para a sua autonomia como indivíduo, ao mesmo tempo em que visa a representação social máxima de sua expressão erótica/sexual de forma a estabelecer um elemento libertário, por meio do sexo.
Dois são os elementos presentes mais marcantes na obra A Casa da Paixão: o aspecto sexual e a presença da natureza. A obra se desenvolve com a predominância de apenas quatro sujeitos, que, unidos em conflitos e descobertas, tornam-se arquetípicos, atemporais. São eles, Marta, O Pai, sujeito a quem Piñon não atribuiu nome e o cria como figura ambígua, Jerônimo, pretendente arranjado de Marta, e a obscura e atraente Antônia, ama da moça.
Para se estruturar dentro de um limite, a autora põe as personagens no lar, sendo simbolicamente associado a uma prisão, onde todos estão envolvidos nas suas atividades, sejam elas valorizadas ou não.
Para Piñon, de fato, a força criadora do sexo deveria estar em evidencia. E isto se torna claro quando se tem o amadurecimento de Marta a partir das experiências que tem com Antônia e que se nega a ter, embora veladamente deseje. Jeronimo, representando ao mesmo tempo a liberdade e a prisão, sendo pois, que é submisso ao pai, mas ao mesmo tempo apaixona-se e doa-se a Marta, que, de início nega-o, mas em seguida aceitando-o e em partes, devorando-o em sua personalidade e ímpeto masculino, revela como o sexo pode ser, ao mesmo tempo promissor e perigoso.
Piñon não se assume feminista nesta obra, mas é evidente, especialmente pela época em que a obra fora publicada, que existe um efetivo apelo à liberdade sexual.
A todo momento a discussão sobre a formação da consciência de Marta revela-se, quando ao se familiarizar com o sexo, a personagem confirma sua própria essência. Todos estão, de alguma forma associadas ao sexo, e, da mesma forma, o sexo expõe a sua maior fraqueza: o pai, sente a necessidade de controle, e por desejar a própria filha, é controlado pela religião que não permite a consumação do seu desejo; Jerônimo que é introduzido como aliado do pai, a quem deposita a missão de “domar” a selvagem Marta; e Antônia, a quem a sexualidade animalesca torna-se objeto de curiosidade e de interesse, abrindo as portas ao sentimento de feminilidade de Marta.
Todas estas análises geram controvérsia sobre o posicionamento da autora em relação a grandes aspectos que são as bases da sociedade: a família e a religião. Discute-se pela obra a relação patriarcal no seio da família, a forma com que a sexualidade torna-se ao mesmo tempo sagrada e velada, e, principalmente, o enquadramento social da importância que existe sobre o papel de cada um nesse núcleo convivial.
No estudo, a sexualidade e suas diversas manifestações são apresentadas, tendo como principal análise, a relação construída entre as quatro personagens e sua diversidade de comportamentos, que, de modo geral, convergem para a sua convivência com a sensualidade e a sexualidade, que são discussões cada vez mais atuais e que na obra de Nélida Piñon são constantemente evocadas.
O presente texto monográfico se estrutura em quatro capítulos. Ao primeiro capítulo, são apresentados os principais arquétipos femininos ao longo da história, contemplando o papel da mulher e a forma com que este era interpretado nas diferentes eras da humanidade, iniciando-se a análise pela perspectiva arqueológica, greco-romana e tendo como auge a análise da figura feminina a partir do século XX, quando os movimentos feministas buscaram a autonomia no que mais tarde seria denominado “movimento feminista”, que exerceu influência tanto na sociedade quanto na literatura; o segundo capítulo aborda a discussão sobre a sexualidade e a psique humana, trata-se de uma análise sobre a mesma e suas formas de expressão na sociedade ocidental, considerando-a força importante e influenciadora social, definido principalmente pelas demandas de ação tomadas pelos sujeitos no que diz respeito às relações de poder e de interesses na sociedade humana; o terceiro capítulo apresenta uma breve biografia de Nélida Piñon, buscando situa-la no cenário literário em que a mesma está inserida; o quarto capítulo apresenta a análise dos aspectos sexuais femininos que aparecem na obra de Piñon, tendo como base estudos psicológicos e sociais de diversos autores do campo da psicologia, sociologia e história. Tem-se em seguida uma breve análise das informações apresentadas nas considerações finais.
Esta é uma pesquisa bibliográfica, qualitativa, explicativa e para a sua realização, se fizeram necessários autores dos campos da psicologia, sociologia e historiadores como Jung (2014), Freud (1948), Foucault (1940), Bergamasco (2015), Moniz (1982), entre outros tão importantes para tais reflexões.
Ao final, constatou-se que a sexualidade feminina na obra, está representada na personagem Marta, na sua jornada de autoafirmação e descobertas, mostrando-se uma mulher à frente do seu tempo, que foge dos paradigmas impostos pela sociedade patriarcal em que vive, movida pelos seus interesses e desejos pessoais e sexuais.
A relevância acadêmica do estudo reside, principalmente, na forma inovadora e diferenciada que Piñon introduz a temática da sexualidade em sua obra, buscando romper com o paradigma tradicional, o qual considera inadequado e limitador das possibilidades de atuação dos sujeitos, buscando uma literatura mais justa e representativa do papel feminino na sociedade. Para tanto, faz-se necessária uma abordagem deste papel desde a antiguidade até os dias atuais, como exposto a seguir.
3. A REPRESENTAÇÃO DO FEMININO AO LONGO DA HISTÓRIA
3.1. O papel da mulher na Grécia antiga
Os papeis sociais desempenhados pelas mulheres sofreram muitas modificações ao longo do mundo ocidental. A perspectiva social vigente desde a antiguidade clássica até os dias contemporâneos é a representação mais evidente disto e ao mesmo tempo, a constatação de que a realidade social atual tem, em muitos aspectos, reflexos do que acontecia no mundo e nas ideias em outros tempos. Eis a importância, portanto, de uma análise em linha histórica sobre o papel feminino.
No ocidente, a influência feminina sofreu muito com a visão oriental da representação social das mulheres. É importante considerar, por exemplo, o fato de que a sociedade oriental tem muitas modalidades de entendimento desta representatividade.
Na pré-história, além de evidências científicas fornecidas pela arqueologia, há indícios de que a humanidade viveu um apogeu da figura feminina, em termos culturais. Evidencias disto, dão-se a partir da quantidade de figuras femininas de importância no panteão dos deuses bárbaros. A exemplo, a Deusa Frigga1.
O papel das mulheres, até chegar ao contexto da Grécia clássica, sofreu modificações importantes decorrentes das condições socioeconômicas e domínio de tecnologias como a agricultura, por exemplo, que foram mais privilegiadoras da figura masculina, em desfavor das mulheres (ÀRIES, 1986).
Sobre isto, a realidade grega é uma excepcional perspectiva para se ter acerca da evolução da mulher em sociedade. A Grécia é dividida historicamente em três grandes épocas: o período pré-homérico (séc. XX-XII a.C.), o período homérico (sec. XII-VIII a.C.), o período arcaico (séc. VIII-VI a.C.) e o período clássico (sec. V e IV a.C.). Cada período contribuiu para a formação do Estado e as definições culturais básicas (períodos pré-homérico e homérico), apogeu e queda da civilização grega (período arcaico e clássico), e tal como evoluiu a civilização, evoluiu também o papel feminino no decorrer dos séculos (TÔRRES, 2001).
O papel da mulher evoluiu na medida em também evoluiu em complexidade o contexto político e social grego. No período pré-homérico e homérico, percebe-se a ascensão de um modelo de mulher submissa, da qual pouco se difere o papel do escravo. Ela atuava nos bastidores e passava a ser uma espécie de “administradora” dos assuntos menores na casa. Este papel decorre principalmente pelo fato de que ao homem foram legadas outras tarefas da sociedade, e com o crescimento do universo político, o lar perde espaço para a tribo, a cidade (BOURDIEU, 2005).
No que se diz respeito às principais manifestações sociais, não cabia às mulheres, (além das severas restrições que eram impostas pelos seus companheiros), o contexto religioso, principal expressão de avanço do poderio social, bem como o contexto artístico, o que possibilita afirmar que, fora da mitologia, não haviam mulheres de destaque na religião nem na arte e que, apenas no período clássico grego, pelo que apontam as comédias, é que as mulheres entendem sua capacidade de influência e passam a atuar politicamente.
Sobre isto, em Política (1997), Aristóteles faz a seguinte colocação:
Todos possuem as diferentes partes da alma, mas possuem-nas diferentemente, pois o escravo não possui de forma alguma a faculdade de deliberar, enquanto a mulher a possui, mas sem autoridade plena, e a criança a tem, posto que ainda em formação. (...) Devemos então dizer que todas aquelas pessoas tem suas qualidades próprias, como o poeta (Sófocles, Ájax, vv.405-408) disse das mulheres: ‘O silêncio dá graça as mulheres’, embora isto em nada se aplique ao homem (p. 33).
Desta forma, é possível entender que, embora as mulheres fossem compreendidas como inferiores ou incompletas, o seu papel social é complementado, pela habilidade de atuar nos bastidores. Em Esparta, por exemplo, era admitido uma espécie de protagonismo feminino que não apenas causava espanto no cidadão médio ateniense, como também era motivo de escândalo em todo o mundo grego (TÔRRES, 2001).
As mulheres em Esparta eram exemplo da mentalidade da sua época sobre seu poder de atuação em sociedade, e ao menos denunciaram para a Grande História, a perspectiva de sua percepção no mundo. Esparta era uma parte integrante do Estado grego. Uma característica da Grécia antiga era o fato de que aquilo que os unia como povo não eram delimitações geográficas, já que para eles, cada cidade era um pequeno Estado, onde imperavam as leis, os costumes e, em alguns casos (como em Atenas), até os deuses.
Esparta foi uma cidade-estado que se especializou na guerra. A belicosidade espartana era tão grande que a expressão “espartano” serviu nos tempos modernos para delimitar o entendimento de tudo o que era rude, forte, mas que prepara para uma situação de adversidade (MARTINS, 2000).
Sua organização territorial e política se dava da seguinte maneira:
Esparta apresentava um sistema político inteiramente diferente do que Atenas desenvolvia: era uma cidade-estado fechada em si mesma, sob o controle oligárquico de talvez 8 ou 9 mil esparciatas proprietários de terra, com qualidades militares excepcionais. Isso era possível devido ao extenso trabalho dos hilotas, que retirava dos cidadãos qualquer encargo direto com a produção, permitindo-lhes o tempo necessário para o treinamento para a guerra (COULON et al., 2002, p. 04).
Na verdade, a disciplina a rigidez dos seus habitantes, deu-se em decorrência de que Esparta era uma cidade de território limitado, com uma população que estava em grande crescimento. Foi a necessidade de espaços para a criação de meios de sobrevivência que fez de Esparta uma população tão bélica e uma sociedade tão embasada em violência (COULON et al., 2002).
As mulheres da sociedade espartana tinham estatutos semelhantes aos homens. Neste sentido, especialmente se comparadas às mulheres em Atenas, cujo papel era mais delegado aos bastidores, as mulheres em Esparta tinham muitos dos direitos que aos homens eram mais comumente associados:
De acordo com os relatos dos antigos, a mulher espartana era livre para circular na cidade e recebia a educação estatal destinada a atender às necessidades do seu meio social. Essa mulher desempenhava a relevante função social de gerar filhos robustos e corajosos, ao passo que a mulher ateniense mantinha-se confinada em sua casa, aprendendo com as mulheres mais próximas, em geral a mãe, como administrar o lar e desenvolver as atividades domésticas, tais como; tecer, fabricar utensílios de cerâmica e cuidar dos filhos (SILVA, 2005, p. 11).
As mulheres espartanas estavam tão preocupadas com a guerra e os desdobramentos dela quanto seus maridos, razão pela qual, foram orientadas aos mesmos treinamentos que eram delegados aos homens e apesar de ter as mesmas obrigações que as demais mulheres do seu tempo, em Esparta, a mulher era capaz de tornar secundárias suas atividades domésticas, de modo a auxiliar, até mesmo ativamente seus maridos (RIBEIRO, 2005).
O treinamento espartano, assim como o foi nos anos de 1920, quando a Educação Física chegou ao Brasil, não tinha senão uma função específica: a função higienista. Acredita o senso comum da época, que a atividade física, bem como a melhor adaptação do corpo às dificuldades e adversidades, somadas à capacidade de procriar das mulheres, era responsável pela formação de uma nação de guerreiros cada vez mais preparados para desenvolver toda sorte de combates, ou seja, mulheres fortes e saudáveis, geram filhos fortes e saudáveis também.
Ainda sobre a educação espartana, Silva (2005) coloca:
De acordo com as Leis de Licurgo, as mulheres e os homens devem receber a mesma educação até os sete anos de idade, passada essa fase, há a distribuição das funções sociais dos cidadãos, conforme sua idade e sexo, cada qual tem seu espaço previamente determinado. Aos homens cidadãos destinam-se os cuidados com a guerra e as políticas interna e externa, às mulheres é reservada a prática de exercícios físicos que visavam à procriação de filhos robustos (p. 12).
Com isto, o que se percebe é que apesar de receberem a mesma educação inicial, as mulheres espartanas eram condicionadas à uma educação especial, que, mais tarde, autores como Xenofonte afirma ser direcionada com base nos estatutos legais vigentes, o que toca a realidade de outras mulheres no seu mundo.
Evidentemente este aspecto não é uma constante, já que o próprio Xenofonte, descreve a mulher espartana, ora como sendo amplamente engajada, comparando-as aos homens; ora como submissas e alienadas ao poder que o sexo masculino exerce sobre sua sociedade. Em todos os casos, portanto, grande controvérsia reside no papel da mulher espartana e de sua real dimensão de engajamento feminista (SILVA, 2015).
O mais provável é que, enquanto as atenienses tinham um modelo de vida mais direcionado às suas necessidades básicas da vida social, as mulheres espartanas, de acordo com a realidade de sua cidade, aprenderam a ter mais autonomia e a atuar sobre esta autonomia de maneira mais segura, visando seus próprios interesses que, ao mesmo tempo, eram também os interesses do Estado que representavam.
Mas as mulheres espartanas eram a exceção. A mulher grega, de modo geral, tinha pouca influência e controle sobre o seu próprio destino como pessoa e como cidadã, na acepção grega da época, que implicava na capacidade ou na habilidade de desenvolver atividades relativas ao mundo político, sendo que, antes disso, era visível a sua capacidade de submissão ao longo de seu amadurecimento como pessoa, desde a infância, quando é sujeitada ao pai, quanto na adolescência e vida adulta, quando o marido lhe impõe controle, até a velhice, quando os filhos homens, ou outro marido, indicado pelo seu, em caso de falecimento, lhe impõem regimes de conduta (ÀRIES, 1986).
Aqui, viu-se que na Grécia Antiga, à mulher, cabia o cuidado e o protagonismo apenas do seu lar, cuidando dos serviços domésticos e sendo educada desde o seu nascimento para isto. Com exceção de um grupo de mulheres: As Espartanas. Que mesmo no intuito de suprir interesses da sociedade, - como gerar filhos robustos - tinham permissão para participar dos assuntos políticos, por exemplo, do planejamento e até mesmo da guerra propriamente dita, podendo receber o mesmo treinamento conferido aos homens para tal.
Após isto, faz-se também necessária, uma abordagem sobre a mulher de Roma e a sua inserção na sociedade romana.
3.2. O papel da mulher na sociedade romana.
Roma foi provavelmente o mais prodigioso império e em sua fonte bebe a sociedade contemporânea. Nesta sociedade, a mulher era parte acessória da família, instituição de propriedade do homem. Na perspectiva romana, o núcleo familiar era o corolário da vida social, e, portanto, deveria refletir, no cotidiano, todos os aspectos que fossem relativos à perspectiva social nas praças e nos espaços de debate onde o homem deveria se impor (OLIVEIRA et al., 2007).
Na família romana, o papel do pai era indispensável e, de longe, o mais importante: da época clássica até o declínio do império, houve a preocupação sistemática em inferir que o pai era o dominador dos filhos menores, da mulher e dos escravos, considerando-se que os filhos eram seu legado posterior, e os escravos, parte de sua propriedade, seus bens de valor, e à mulher, cabia o mesmo papel encontrado na Grécia: o de administradora da vida privada, em face do excepcional destaque que o homem construía e mantinha dentro da sua vida pública (FUNARI, 1993).
Para o contexto romano, a mulher como predecessora de seu próprio destino, deveria conservar valores tradicionais, porque para os romanos, a vida privada dividia-se da vida pública, como no ser humano filosoficamente se diferencia o psicológico e o espiritual, da parte orgânica, prática.
Em Roma, mesmo o Direito, tido pelos juristas clássicos, como a expressão do que é bom, que na prática exercia fascínio místico na sociedade, encontrava fortes traços de controle e de domínio, onde a figura pública da mulher inexistia, atuando nos bastidores e a eles relegada. No contexto jurídico, a mulher não era sujeito pleno de direitos, e, no decorrer da sua vida, como ocorria na Grécia, tinha a sua tutela partilhada de acordo com o papel que viria a desempenhar em cada um dos estágios da sua vida como pessoa adulta: o instituto do patria potestas2 era a primeira forma de decisão sobre o ingresso na vida social romana, e, mesmo neste primeiro contato, que insistia na escolha, pelo pai, de quais filhos seriam alimentados, e, por conseguinte, viveriam, já os homens tinham precedência sobre as mulheres (GONÇALVES, 2014).
Na sua obra “História da Vida Privada”, em seu livro I, Áries (1986) mostra bem os bastidores da sociedade romana do século I d.C. e, na vasta coleção pictórica que o autor apresenta, em quase todos os afrescos, esculturas, peças utilitárias e demais meios de representação social que compunham parte da necessidade do romano médio em retratar o seu cotidiano, as mulheres são representadas como sendo parte acessória do contexto principal: se deusas, serão deusas do lar, apresentam pouca influência em eventos importantes, salvo as que foram sincretizadas a partir da arcaica religião grega; se mulheres convencionais, apenas boas donas de casa.
Ressalta o autor que, entre as importantes tarefas desempenhadas pela mulher no seu dia a dia, estava a de alimentar os escravos e cuidar da saúde destes, assegurar-se do andamento educacional dos filhos e de pequenos serviços “administrativos” do lar, pouco exercendo influência dos portões para fora de sua residência (ÀRIES, 1986).
Se se admite que, em parte as mulheres exerciam alguma influência, como decorrência de sua própria atuação no interior do lar, ressalta-se também o fato de que, em aspecto político, em Roma, estes assuntos eram de competência excepcionalmente masculina, não cabendo, portanto, às mulheres, participar de suas decisões.
Na dramaturgia e na literatura romana, poucos são os exemplos de mulheres que conseguiam impor-se. Somente no chamado período dinástico Júlio-Cláudio, as mulheres passaram a ser parte do jogo político, ainda assim como decorrência tanto da baixa incidência masculina, decorrente de guerras e de outros fatores sociais, quanto também por sua capacidade de exercer a sedução, tal como eram as relações descritas na literatura romana, cuja mais famosa é a influência que os homens faziam impor ao imperador Cláudio, conquistada por meio da desconstrução e seguinte reconstrução da percepção social e ideológica das mulheres da sua família: hora como mártires, hora como deusas (AZEVEDO, 2012).
O dimensionamento da mulher em Roma, portanto, avançou, ainda que a passos lentos e se refletiu de maneira mais direta no declínio do Império Romano, consequência direta do seu exorbitante crescimento, cuja expansão redefiniu os limites de suas terras, na medida em que a capacidade masculina de exercer controle político necessitou ser dividida, compartilhada (ÀRIES, 1986).
Após o exposto, faz-se importante agora, uma abordagem sobre a mulher medieval, situada entre a queda do Império Romano e a Idade Moderna.
3.3. A mulher na idade média
A Idade Média é o período que se divide entre a queda do Império Romano, em V d.C., até meados do século XVIII, com a transição para a Idade Moderna, cujo marco mais importante foi a elaboração e publicação da chamada Enciclopédia, que correspondia a uma espécie de compêndio coletivo, contendo a cultura e a manifestação da ciência do mundo conhecido da época (SCHIMIDT, 2008).
Porém, a Idade Média é mais conhecida pelo seu obscurantismo cultural, pelo apego exacerbado à religião e, principalmente, pelo espírito belicoso que permaneceu atuante na Europa durante todo o período, sendo responsável por uma série de elementos que podem ser considerados em conjunto, um dos maiores influenciadores do contexto cultural contemporâneo, já que, durante toda a sua existência (mais de mil anos), a restrição cultural e social da Idade Média gerou institutos que contemporaneamente influenciam de modo direto a percepção do universo social em todo o ocidente.
Aqui, é interessante ressaltar que, naquela época, ainda eram vigentes muitos institutos clássicos e arcaicos que dizem respeito à herança cultural dos impérios grego e romano no contexto europeu. A mulher, na perspectiva desta pesquisa, terá a sua realidade abordada a partir do universo europeu, já que foi ele quem influenciou diretamente a percepção social e política que impregna (MAINKA, 2011).
Ser mulher, na Idade Média, era ser parte, portanto, de uma série de valores morais, posturas ético-sociais e representações que estão ainda muito vinculadas à realidade social dos gregos e romanos que trouxeram sua bagagem cultural para o mundo ocidental. Em sua grande parte, a vida medieval era resultante da influência eclesiástica. A Igreja era a principal instituição da época, e era ela quem detinha poderes excepcionalmente importantes, como o controle das relações entre o Estado e os cidadãos, assim como a proteção e reprodução de valores considerados aceitáveis ou não. Mesmo os imperadores temiam o poderio religioso porque estar fora de uma religião, na perspectiva medieval, implicava em deslegitimar a sua condição, algo que era impensável para a época (HERMIDA, 2008).
A Igreja, de certa forma, humanizou o tratamento entre os sujeitos: ao proibir o instituto do patria potestas, a instituição impõe a todos o dever de cuidar de todos os que compõem a família, o que incluía a mulher. Porém, embora iguais em sorte, no que diz respeito ao seu papel social, a mulher nobre e a mulher do povo, camponesa, eram diferentes em essência. Era comum que muitas nobres fossem versadas em artes representativas (pintura e desenho) e mesmo que soubessem ler e escrever, embora fossem raros os casos e praticamente não exista literatura de entretenimento medieval assinada por uma mulher (SCHIMIDT, 2008).
O papel social da mulher na Idade Média, fosse nobre, fosse camponesa era influenciado pelo aspecto cultural religioso, que impregnou todo o período, assim, a mulher era vista tanto como pecadora, a exemplo de Eva no Velho Testamento, quanto virgem redentora, como a Virgem Maria, no Novo Testamento, constituindo-se na ideologia do tempo em questão, a tentação, quando representada na primeira acepção, quanto a redenção, o contato como Agnus Dei, no contexto religioso formal, tanto que é do conhecimento comum que em mosteiros e conventos, a participação das mulheres, especialmente nos séculos XII e XIII, era absoluta e respeitada não havendo intromissão masculina. A Igreja era claramente um campo dicotômico e era dessa forma que ela concebia e interpretava a figura feminina no contraste com o homem na cultura vigente (NASCIMENTO, 1990).
No entanto, ser homem ainda era muito confortável no período medieval, em relação às mulheres, que, embora tivessem assumido mais protagonismo, ainda estavam sujeitas a uma série de limitações impostas pela realidade social em que vivem, entre elas, a imposição do casamento e o peso de quase não ter vida civil fora dos vínculos com o marido.
O universo da conduta permitida para as mulheres medievais incluía desde o completo claustro, no caso das mulheres da nobreza, que, no interior de suas fortalezas atuavam como administradoras, ou, no caso das camponesas, como coadjuvantes no campo. As primeiras cidades não eram muito diferentes do que vivenciava-se no campo, e somente no século XVIII, salvo a prostituição, ocorreu o engajamento das mulheres no contexto da realização de trabalho remunerado (MACEDO, 2002).
A mulher na Idade Média encontrava no casamento a melhor forma de libertação em face da opressão paterna, o que, na verdade, se revelava como outra forma de dominação, que era a do marido, a qual, não raro apresentava os mesmos traços paternais. A vida campestre, associada à dificuldade social em que vivia fazia com que a expectativa de vida das pessoas fosse muito baixa, razão pela qual o estudo, quando disponível era algo destinado aos meninos, ao passo em que as mulheres casavam muito cedo, tanto para evitar tornar-se um peso na família, quanto para poder reproduzir, dada a necessidade de mão de obra no campo (MACEDO, 2002).
Houveram mulheres engajadas em ciências, artes e músicas na Idade Média, porém, a biografia destas revela que seus destinos sempre foram conflitantes com a sociedade da época, importando em punições tanto sociais quanto físicas, quando as mesmas eram acusadas de bruxaria, pelo simples fato de usar medicina natural, ou morar sozinhas, ou ainda quando resolvem engajar-se em campanhas militares (SILVA, 2014).
Até aqui, viu-se que ser mulher na Idade Média, muito tinha a ver ainda com a mulher de outras sociedades já abordadas neste estudo, como na Grécia e em Roma, e isto se deu pela influência que estas sociedades exercem ainda hoje na organização social contemporânea, o que facultou a estas mulheres medievais, nobres ou camponesas, a subserviência ao marido/lar e a religião, ambos, muitas vezes como uma forma de libertação pessoal um tanto contraditória, já que era a saída dos estatutos impostos pelo pai, para os estatutos impostos pela vida de mulher casada, considerando ainda os julgamentos religiosos e sociais quando se davam ao direito de pensar criticamente ou exercer o seu próprio pensamento.
Agora, é necessária uma abordagem sobre a mulher da Idade Moderna, no qual se inicia o apogeu da imagem figura que vem se perpetuando até os dias atuais.
3.4. O papel da mulher nos séculos XIX e XX.
Um período que tem influências significativas sobre a ascensão da mulher em sociedade é o que compreende os séculos XIX e XX. O século XIX inicia-se com a entrada do mundo na chamada Idade Moderna, que conclui um período de mais de dois milênios (um só de Idade Média) em que a mulher aparece como coadjuvante, mas, ao mesmo tempo, constrói o arcabouço necessário ao crescimento pessoal e à afirmação como sujeitos da mulher no contexto social.
Parte da transformação do status que se deu em função do processo de evolução do comércio, com o fim da era das navegações e o aparecimento dos modelos de comércio baseados na produção em série, uma invenção capitalista que tem como principal característica, a redefinição de papéis sociais, novos mecanismos de consumo e o crescimento hegemônica do capital. Neste limiar, a dicotomia socialismo e capitalismo foram se acentuando, mas na perspectiva do contexto social, as cidades tornaram-se novamente centros sociais ativos, transformando-se em espaços planejados e seguros, o que foi determinante para evitar a crise de saúde que imperou na Idade Média e que teve como égide, a peste negra (DALPHIN et al, 1986).
Importante observar que na Europa, com o crescimento do comércio devido a industria, a vida mudou o foco do campo, onde eram produzidos os víveres e as pessoas sentiam-se cada vez mais presas à tradição, para as cidades e as fábricas, onde o capitalismo modificou todo o processo de manutenção da vida. A especulação e o império do capital permitiram que novas convenções sociais surgissem e a imagem de mulheres trabalhadoras (apesar das desigualdades de condições) começou a surgir. As Leis das Terras expulsaram os camponeses, permitindo que as cidades crescessem e o comércio se transformasse no principal meio de vida na Europa do século XIX. Com isto, o papel das mulheres ganha ênfase, permitindo-se alguma liberdade, o que foi essencial (DALPHIN, et al, 1986).
A aristocracia educou suas filhas, e o Estado incipiente forneceu, com o intuito de permitir alguma instrução nas fábricas, a educação sistematizada que decantou no interesse pela cultura, responsável pelos primeiros movimentos feministas no mundo, inspirando o impasse e a controvérsia entre a existência da pessoa da mulher submissa no campo, e da mulher culta e engajada nas cidades.
Nos anos de 1850, já havia a clara aceitação de mulheres e crianças (muito novas, até) nas fábricas, bem como interesse em direitos trabalhistas para a classe. A partir de 1860, surgem os primeiros resquícios do pensamento feminista, resultado da análise crítica construída pelas mulheres, do seu papel social, o qual se desenvolve consequência evidente do compromisso e da necessidade de melhorias e transformações práticas na posição que ocupam no mundo.
Culturalmente foi possível observar a transformação no papel feminino a partir dos estudos na área do comportamento sociológico humano, permitindo ter a real noção de que os tempos modernos, especialmente com a melhoria na qualidade educacional e expectativa de vida, assim como da capacidade que as pessoas adquiriram de educar-se mais, seria mais profunda e apontava para a percepção de um padrão de comportamento feminino cada vez mais distanciado do elemento submisso e controlado que existia na Idade Média.
No mundo, figuras femininas de destaque começaram a ocupar as principais páginas dos jornais e dos periódicos em áreas que antes eram exclusividade dos homens, como a Física, a Química e a Biologia. No Brasil, os autores realistas no fim do século XIX, retrataram as mudanças na perspectiva comportamental mais explícita: a liberdade sexual, a revisão de condutas e o controle maior do corpo como parte da expressão da liberdade social. Estes conceitos não eram vazios, mas se espelhavam e personagens femininas reais, como Chiquinha Gonzaga, Maria Bonita, entre outras que se mostraram empenhadas em um protagonismo feminino diferenciado e explícito (ANELHE, 2007).
O espírito de mudanças prosseguiu fazendo efeitos; também; no século XX, quando o engajamento social das mulheres aumentou, especialmente após a Grande Depressão (1929), quando as mulheres aprenderam valores como empreendedorismo e engajamento social, o feminismo despontava como um movimento afirmativo e libertário, e a evolução científica que foi possibilitada pelos avanços tecnológicos permitiram um maior domínio e conhecimento sobre o próprio corpo. No século XX, pela primeira vez na história documentada humana, as mulheres saem dos bastidores e ganham funções cada vez mais importantes no contexto social, como parte do conjunto de mudanças que tiveram o arcabouço no século XIX (MAGALHÃES, 2015).
A mulher, antes vista como simples reprodutora/administradora do lar, passa a ocupar posições de destaque na sociedade no século XX: política e socialmente, mulheres iniciaram uma intensa luta pela conquista de direitos que, na perspectiva masculina, são aspectos cotidianos, como jornada de trabalho e salários equiparados, condições de crescimento econômico, possibilidade de escolha do momento da maternidade, assim como aspectos relacionados à sua individualidade como parte do caráter formador da sua personalidade, e da possibilidade de entendimento de mundo pautado na capacidade que possuem em defesa dos seus próprios ideais, contra ameaças oriundas da cultura prevalente nos séculos anteriores, cuja principal figura era o homem.
A imprensa do século XX noticiou em amplo aspecto, a evolução e foi ela mesma a principal documentadora do processo de engajamento feminino. Da pílula anticoncepcional aos métodos de reprodução in vitro, a tecnologia permitiu essa modificação, ao passo em que, na realidade social, cada conquista, desde a admissão nas fábricas à jornada de trabalho e os direitos trabalhistas efetivos, permitiu uma excepcional clareza e receptividade no mundo inteiro, dos ideais feministas pelo seu público-alvo (WOITOWICZ, 2014).
Aqui, vê-se uma mulher mais engajada socialmente, mergulhada em descobertas e possibilidades, em luta pelos seus interesses e em busca de conhecimento. A mulher do período que compreende os séculos XIX e XX foi a responsável pelo início do reconhecimento do pensamento feminista na sociedade contemporânea e propagação do mesmo, como posto no próximo tópico.
3.5. O papel feminino na sociedade contemporânea
O século XXI apresenta-se extremamente influenciado pelo fenômeno da economia de mercado e da Globalização como principal sintoma da modernidade que, de forma avassaladora, transforma a sociedade humana de modo igual. Na mesma perspectiva, torna-se necessário perceber que o pensamento marxista, a teoria do império do capital e das modalidades de influência social dos indivíduos, pautados no sentimento hedonista, redefiniu as habilidades dos indivíduos existirem e se expressarem no âmbito social como um todo (MARX, 2000).
Uma das principais características da pós-modernidade, fenômeno que historicamente é marcado pelo limiar, o desvendar de fronteiras sociais e pessoais que surgem com o avanço da Globalização no mundo, e o sentimento de diminuição em face das transformações tecnológicas e sociais que impulsionam a sociedade contemporânea, é o sentimento de coletivo, representado pelas redes intercomunicacionais e pelos fenômenos sociais pautados no compartilhamento de informações.
A pós-modernidade transformou a forma com que a humanidade desenvolve seus principais aspectos, entre eles, a percepção de sujeitos e a redefinição de habilidades, não mais a partir apenas de caracteres fenotípicos, mas pautado também na experiência social, na auto percepção e, ao mesmo tempo, na integração entre o sujeito e as demais pessoas do seu círculo: a sociedade pós-moderna é, antes de qualquer outra coisa, uma sociedade de “tribos”, na qual comportamentos semelhantes aglutinam os sujeitos e a receptividade a ideias mais progressistas – como o feminismo – encontra terreno fértil. Ser mulher é, automaticamente, reconhecer a autonomia que lhe é conferida pelo status de sua ideologia que é baseada na equidade e na luta pela equalização de oportunidades em uma sociedade que, cada vez mais, tem se libertado das barreiras sociais impostas pelo gênero:
A abordagem feminista pós-moderna é muito diferente das outras abordagens epistemológicas antigas. Para o feminismo pós-moderno, a nova perspectiva epistemológica tem como essência variados pontos de vista feministas contraditórios e conflituosos, considerando, portanto, a impossibilidade da noção unitária da verdade (LAGE et al., 2014, p. 03).
Ser mulher, portanto, no século XXI é entender que a sua realidade social desvinculou-se completamente, dado o andamento do tempo e a formação dos estereótipos necessários para a evolução social, do que o era ser mulher nos impérios greco-romanos, bem como quais aspectos podem ser considerados a partir desta etapa, do século XXI, para o universo feminino como um todo (LAGE et al., 2014).
A mulher contemporânea ainda enfrenta problemas que têm origem no século XIX, como por exemplo, a diferença nos regimes de trabalho, assim como a diferença de salários, passando pelo feminicídio, bem como a visão que a sociedade impregna, em todos os meios de comunicação, com relação ao modelo de experiência social que a mulher contemporânea procura ter e transparecer em face dos demais de seu círculo social. Todos estes espectros de luta reflete a ideia de que, no que diz relação ao processo de modificar a percepção da mulher inicia-se pela própria mulher e sua autoafirmação como sujeitos de direito e como parte do arcabouço que define a mulher no século XXI (CRUZ, 2013).
Nicholson (1990, apud CRUZ, 2013, p. 01) chega a afirmar que a perspectiva feminina é mais rica em possibilidades, uma vez que ela não está mais centrada apenas no aspecto do gênero: “a luta feminista se transfere para o nível pessoal e individual (...) o ângulo analítico deve inspirar uma ação que encurte a distância entre o indivíduo, a encarnação do poder democrático e as condições sociais do exercício do poder”.
Desta perspectiva, tudo o que diz respeito ao papel da mulher no século XXI é representado pelas transformações sociais que foram se perpetuando ao longo do processo de amadurecimento político e histórico brasileiro. Em aspecto geral, afirma-se a habilidade política, a capacidade de engajamento em movimentos sociais, e a representatividade em todas as esferas de atuação, não mais se limitando a mulher aos valores impostos, nem tampouco ao controle, seja pessoal, seja profissional. Essa discussão abrange também a perspectiva social do corpo.
A afirmação corporal implica no desvencilhar da figura clássica, como por exemplo a possibilidade apresentada pela pílula anticoncepcional, primeira forma contraceptiva feminina que depende exclusivamente da vontade da mulher. Mas isso não implica em afirmar que a feminilidade tenha se legado ao século XXI, ao contrário, é um aspecto que envolve poder e autoconhecimento que tem reminiscências em todos os aspectos sociais vivenciados pela mulher ao longo da história, como se analisará no capítulo a seguir.
4. ASPECTOS E INSTINTOS DA SEXUALIDADE HUMANA
Aqui, convém em primeira instância, compreender o que seria a sexualidade, indo além da representação do ato sexual em si, compreendendo a dimensão metafórica e expressiva que ela possui no imaginário social de todos os indivíduos a partir de sua essência.
Há acerca desta temática, uma espécie de analfabetismo sexual, quando a maioria das pessoas, insistem em confundir a sexualidade com genitalidade, coito, o sexo em si. Segundo Nunes e Silva (2006, p. 73) “A sexualidade transcende à consideração meramente biológica, centrada na reprodução e nas capacidades instintivas”. Estes, apesar de fazerem parte da sexualidade humana, não a definem, pois muito se associa apenas com o prazer sexual, quando é de um conceito muito mais amplo que vai além de quatro paredes, que envolve sim o desejo, afeto, amor, mas também valores e regras sociais e questões biológicas e culturais.
Sobre isto, a OMS – Organização Mundial da Saúde (1975 apud Egypto, 2003, p. 16) diz:
A sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar amor, contacto, ternura e intimidade; que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ao mesmo tempo sexual; ela influencia pensamentos, sentimentos, acções e interacções e, por isso, influencia também a nossa saúde física e mental.
Considerando isto e a amplitude do tema, pode-se dizer então que falar sobre sexualidade não é apenas falar sobre relação sexual, mas considerar sobretudo o entendimento de si mesmo, sobre quem se é com suas crenças e valores.
Tendo entendido isto e partindo à uma abordagem mais significativa, deve-se considerar que a sexualidade humana não está também sujeitada apenas ao determinismo animal, pois há na sua execução, além do instinto, a intencionalidade, no sentido de consciência e experiência numa dimensão dinâmica, dialética, processual e mutável, permitindo ao indivíduo novas significações e experiências (NUNES 1959).
“A sexualidade nos acompanha desde o momento em que nascemos até o momento de nossa morte”. Com esta afirmação, Freud (1948), médico neurologista e criador da psicanálise, chocou uma sociedade que via a sexualidade apenas de forma instintiva que deveria surgir na puberdade, resultante do amadurecimento do indivíduo que atraído pelo sexo oposto, estaria pronto para o ato sexual.
Para entender a dimensão dos paradigmas que envolvem a sexualidade, convém diferencia-la também do sexo biológico, da sexualidade mais próxima da sensualidade como característica típica da representação do poderio que o corpo, de diferentes ou de iguais biologicamente, exerce, e o desdobrar de símbolos e significados presentes na repressão social ao sexo, para o afloramento explícito da sexualidade na sociedade contemporânea. Iniciando com a percepção de gênero, pode-se afirmar que,
O gênero pode também ser designado como o verdadeiro aparato de produção através do qual os sexos são estabelecidos. Assim, o gênero não está para a cultura como o sexo para a natureza; o gênero é também o significado discursivo/cultural pelo qual a ‘natureza sexuada’ ou o ‘sexo natural’ é produzido e estabelecido como uma forma ‘pré-discursiva’ anterior à cultura, uma superfície politicamente neutra sobre a qual a cultura age (BUTLER, 1990, p. 07).
Conforme defendido pelo autor, o gênero pouco tem a ver com a sexualidade do ponto de vista cultural, mas está muito engajado na realidade social, habilitando os sujeitos para determinadas funções na vida cível e indica de forma efetiva, os papéis sociais a serem desempenhados.
A sociedade contemporânea tem buscado uma forma de descontruir e, paralelamente, reconstruir os conceitos acerca do gênero, levando a concepção anteriormente defendida por Butler (1990) (a de gênero como sustentáculo da personalidade coletiva), a ser vista em segundo plano.
Há uma dicotomia muito grande entre o aspecto biológico, definindo desde a anatomia externa até a gerência dos gametas que são responsáveis pela reprodução, até a “finalidade” cultural do gênero, permitindo assim a atração e, por meio da sua assimilação, a redefinição dos papeis e a capacidade de percepção da quantidade de elementos subjetivos da sexualidade, desde o retrato do ato carnal, até o seu processamento na cultura popular, na expressão social cotidiana, especialmente no que diz respeito ao despertar de interesses com o fim de estabelecimento de relacionamento, como também a forma cultural com que se admite (ou não) a vivência da própria sexualidade e a utilização do corpo como expressão de liberdade especialmente quando o mesmo é representado na literatura.
O âmbito da sexualidade (...) tem sua própria política interna, iniquidades e modos de opressão. Como acontece com outros aspectos do comportamento humano, as formas institucionais concretas da sexualidade humana, num espaço e num tempo determinados, são produtos da atividade humana. Elas são repletas de conflitos de interesse e manobra política, tanto de natureza proposital quanto circunstancial. Nesse sentido, sexo é sempre politizado. Há, porém, períodos históricos nos quais a sexualidade é mais contestada e abertamente politizada. Nesses períodos, o domínio da vida erótica é efetivamente renegociado (RUBIN, 1998, p. 100).
Sexualidade, nesse âmbito, é a expressão de identidade intermediada pelo ponto de vista coletivo e pelo interesse social nas figuras envolvidas. Isso significa, portanto, que a sexualidade é, ao mesmo tempo, influenciada como fenômeno cultural, e expressão de liberdade como instrumento de auto satisfação e auto realização.
No contexto cultural, a sexualidade se constrói dentro de uma diversidade de símbolos que na verdade buscam ocultar e, ao mesmo tempo, celebrar a sexualidade dentro do espaço social urbano ao redor do mundo (RUBIN, 1998).
A sexualidade que é vendida no dia-dia, por exemplo, é o resultado não de uma expressão biológica individual, como acontece com os animais selvagens e com os demais seres cuja natureza impede o controle psicológico, que permitem entender que a sexualidade não é algo aberto na sociedade ocidental, destarte o interesse nessa temática seja efetivamente de grande proporção.
Hegel, segundo Beauvoir (1970, p. 28), afirmava haver a necessidade de diferenciar as formas de sexualidade encontradas na natureza, mas segundo a autora:
A descrição de Hegel realça uma significação muito importante da sexualidade, mas seu erro consiste em fazer sempre razão da significação. Ê exercendo a atividade sexual que os homens definem os sexos e suas relações, como criam o sentido e o valor de todas as funções que cumprem: mas ela não está necessariamente implicada na natureza do ser humano.
Com isto, percebemos que Beauvoir reconhece a importância da visão de Hegel acerca da dimensão que a sexualidade apresenta na natureza, porém acrescenta que para entende-la é necessário ir além da sua significância, pois é a partir da vivência, do exercício que a sexualidade se cumpre no ser humano.
A sexualidade literária surge como parte da simbologia que, na cultura literária brasileira, se expressa desde o idealismo romântico ao pós-modernismo. Neste sentido, a psicanálise encontra a literatura, e a interpretação do status quo3 vigente é a de que a sexualidade passou a ser um “símbolo”, um distintivo de comportamento que é acoplado à ideologia de gênero dos sujeitos e, com o passar dos anos decantam em face do amadurecimento dos indivíduos e da sua vontade de se encaixar, socialmente, no mesmo coletivo ideológico:
É oportuno mencionar também que, para o modelo de sexualidade vigente, para um indivíduo fazer-se homem ou mulher era necessário que este se diferenciasse o máximo possível do outro sexo. Esta espécie de antagonismo entre os sexos, socialmente construído, ao mesmo tempo em que permite maior liberdade de movimento aos meninos (“montou no corrimão da escada e foi esperá-la lá em baixo”), limita e comprime o corpo feminino. O prazer do filho ao contemplar a mãe e o desejo de querer casar-se com uma moça que fosse igual a ela expressa o desejo de perpetuação do modelo de masculinidade e feminilidade vigentes (TELLES, 2002, p. 68).
Portanto, a sexualidade, para todos os fins interpretativos e para a literatura, construía-se com ênfase no gênero e na expressão deste para a sociedade.
Telles (2002), por sua vez, ratifica a ideia de que a simbologia sexual, o ícone, apresenta-se como arquétipo ideológico na sociedade que valoriza a diferença, e tem como premissa essencial a ideia de construção de modelos para representar ideários comuns.
Quando o corpo vira um símbolo, então, o inconsciente coletivo termina por associar o que diz respeito ao comportamento e ao controle, à pessoa que tem menos inibições com relação ao corpo (POLICARPO, 2011).
Sobre a condição e o poderio feminino acerca da representação da sua sexualidade, Bergamasco et. al. (2015, p. 03) coloca:
Assim, tradicionalmente, a mulher e a sexualidade feminina foram representadas na sociedade por meio de estereótipos correspondentes aos moldes patriarcais, sendo, muitas vezes, objetificadas, desvirtuadas e relacionadas ao pecado, à imoralidade, à sedução e tentação ou consideradas submissas e/ou indefesas, dentre outros atributos que lhe eram conferidos, quase sempre preenchendo um papel de negatividade perante o sexo masculino.
Nessa necessidade social de classificar os sujeitos a partir da sua relação com sua própria sexualidade, especificamente as mulheres, a literatura feminina assumiu mais os efeitos de tal tendência. De fato, é complexa a imagem feminina e suas múltiplas representações na literatura. Neste aspecto, a inspiração das mulheres voltou-se à expressão sensualizada como parte do contexto da libertação do modelo patriarcal onde repressivamente fora incluída (BARGAMASCO, 2015).
Nesta perspectiva, aflora-se o entendimento de que a sexualidade parte por uma série de meandros, e que, dentro da diversidade de simbologias disponíveis, torna-se possível perceber que existem múltiplos aspectos a serem considerados, entre eles, o de quanto a sexualidade é capaz de definir quem os sujeitos são e a forma com que o autor, ao dominar essa delimitação, torna possível a integração entre o personagem e a experiência que se deseja apresentar ao leitor, o que implica necessariamente na percepção do feminino:
A beleza física, sexualmente atraente, apesar de objeto de desejo masculino, não condiz com a figura materna que este mesmo masculino constrói. Assim, a narrativa sugere que beleza e virtude são incompatíveis, na medida em que uma mulher que provoca desejo sexual não demonstra ser confiável para exercer o papel de mãe e educar os filhos (BERGAMASCO et al., 2015, p. 03).
A imagem feminina na cultura literária liberta-se e liberta os sujeitos no entorno das relações sociais estabelecidas entre si, estando, portanto, como parte do arcabouço necessário à modificação das estruturas sociais que demandam a atenção em face da realização de diversas transformações culturais, como a passagem da adolescência à vida adulta, até simbologias mais profundas, como a transição entre tempos biológicos e o próprio ciclo vital, como o fizeram os clássicos greco-romanos (BERGAMASCO et al., 2015).
De fato, a sexualidade, por ser provavelmente a mais relevante das expressões humanas e admite uma quantidade e uma capacidade de integração simbólica, que somente o processo de assimilação de sua gênese por meio dos caracteres biológicos não seriam elementos suficientes para dar conta da complexidade envolvida no processo (TONELI, 2012).
A sexualidade é coextensiva à existência", pode entender-se de duas maneiras muito diferentes; pode-se dizer que todo avatar do existente tem uma significação sexual, ou que todo fenômeno sexual tem um sentido existencial: entre ambas as afirmativas uma conciliação é possível; mas muitas vezes limitam-se a passar de uma a outra. De resto, desde que se distingue "sexual" e "genital" a noção de sexualidade torna-se vaga. "O sexual em Freud é a aptidão intrínseca para animar o genital", diz Dalbiez. Mas nada é mais turvo do que a idéia de "aptidão", isto é, de possível: só a realidade fornece a prova indubitável da possibilidade. Freud recusou, não sendo filósofo, justificar filosòficamente seu sistema; seus discípulos pretendem que dessa maneira êle elude todo ataque de ordem metafísica. Há entretanto, por trás de todas as suas afirmações, postulados metafísicos; utilizar sua linguagem é adotar uma filosofia. São essas confusões que, tornando penosa a crítica, a exigem (BEAUVOIR, 1970, p. 59).
Não se pode admitir a existência de qualquer forma de vida biológica, sem que haja o intermédio daquilo que se convém admitir como sexualidade, ela é parte do bojo de fenômenos naturais de caráter orgânico, que determinam uma excepcional transformação na forma com que os indivíduos, sejam animais, sejam humanos, compreendem a sua existência e atuam no seu plano.
Os autores que se dedicaram ao estudo da diversidade de elementos que formam a sexualidade são eficazes ao se fazerem entender que ela se apresenta em múltiplas vias, e que as suas dimensões compreendem, como quase tudo, aliás, em que pese ao gênero humano, dimensões físicas, a carne, a matéria, e dimensões psíquicas, ideologias e culturais que emergem em momentos distintos, acompanhando o próprio amadurecimento do sujeito a partir de sua subjetividade e percepção de mundo.
Quando a proteção social contra possíveis “abusos” ou “libertinagens” envolvendo a sexualidade se expressa na forma de repressão, em muitos casos, como acontece com a mulher no decorrer da história humana, tais sentimentos e forças psicológicas, desaguam no mar da literatura, que desconhece os limites da realidade factual e se expressa cada vez mais dentro de especificações mais direcionadas ao campo do semiótico (POLICARPO, 2011).
O processo de migração da sexualidade para a realidade social é algo tão natural quanto a sua própria expressão na psique humana. Quando Foucault defende este princípio, percebe-se um esforço pela manutenção do aspecto anímico da força sexual, segundo o autor, capaz mesmo de impregnar toda uma geração cultural de maneira tal, que sua experiência interindividual seja moldada e modificada ao sabor do tempo, pelos interesses e pelos diversos mecanismos que possam dar vazão à experiência social humana (FOUCAULT, 2002).
Quando analisado pela perspectiva Foucaultiana, tem-se a explanação típica do diferencial necessário entre a sexualidade e a sensualidade. Para Foucault, em sua obra As metamorfoses de Eros (2002), a sexualidade, por ser explicitamente alvo do controle social, e esse controle, sendo naturalmente negativo e amplamente delimitador da expressão pessoal dos sujeitos, contém aspectos que permitem a expressão da sensualidade.
Sexualidade é gênero da qual a expressão sensual é espécie, e ambas se complementam na medida em que, ao faltar em um (sexualidade) corre livre no outro (sensualidade), permitindo que os aparelhos repressivos possam representar a sexualidade de maneira “aceitável”, segundo os padrões burgueses forjados desde o século XVIII com a literatura romântica, que eram verdadeiros códigos morais para as mulheres do seu tempo, a relação entre prazer é também associada ao contexto do poder:
O que produz duplo efeito: o poder ganha impulso pelo seu próprio exercício; o controle vigilante é recompensado por uma emoção que o reforça; a intensidade da confissão relança a curiosidade do questionário; o prazer descoberto reflui em direção ao poder que o cerca. Mas tantas questões urgentes singularizam no questionado os prazeres que experimenta; o olhar os fixa, a atenção os isola e anima. O poder funciona como um mecanismo de apelação, atrai, extrai essas estranhezas pelas quais se desvela. O prazer se difunde através do poder cerceador e este fixa o prazer que acaba de desvendar. O exame médico, a investigação psiquiátrica, o relatório pedagógico e os controles familiares podem, muito bem, ter como objetivo global e aparente dizer não a todas as sexualidades errantes ou improdutivas mas, na realidade, funcionam como mecanismos de dupla incitação: prazer e poder. Prazer em exercer um poder que questiona, fiscaliza, espreita, espia, investiga, apalpa, revela; e, por outro lado, prazer que se abrasa por ter que escapar a esse poder, fugir-lhe, enganá-lo ou travestí-lo. Poder que se deixa invadir pelo prazer que persegue e, diante dele, poder que se afirma no prazer de mostrar-se, de escandalizar ou de resistir. Captação e sedução; confronto e reforço recíprocos: pais e filhos, adulto e adolescente, educador e alunos, médico e doente, e o psiquiatra com sua histérica e seus perversos, não cessaram de desempenhar esse papel desde o século XIX. Tais apelos, esquivas, incitações circulares não organizaram, em torno dos sexos e dos corpos, fronteiras a não serem ultrapassadas, e sim, as perpétuas espirais de poder e prazer (FOUCAULT, 1999, p. 43).
Quando se expõe a dicotomia gênero e sexo, automaticamente se chega ao embate entre sensualidade e sexualidade no contexto simbólico, porque, se por um lado, Freud, em sua teoria psicanalítica dizia que o controle excessivo sobre o sexo era a fonte das expressões inconveniente das paranoias e dos distúrbios histéricos da mente feminina (vale salientar que o termo “histeria”, vem de homófona grega que significa “útero”), por outro lado Jung defende que a psique humana é rica em mecanismos de fuga dentro desse processo de repressão:
(...) Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente desprazerosos, fosse ela ou não capaz de produzir sintomas somáticos. Esclarecer o mecanismo dessa inversão do afeto é uma das tarefas mais importantes e, ao mesmo tempo, uma das mais difíceis da psicologia das neuroses. Em minha própria opinião, ainda estou bem longe de alcançar essa meta, e no contexto desta comunicação posso também acrescentar que até do que sei só me será possível apresentar uma parte (FREUD, 1942, p. 90).
A histeria, na percepção de Freud apesar de ser um distúrbio atribuível a qualquer pessoa, tradicionalmente é mais associado à psique feminina, uma vez que as mulheres, por suas características, têm maior suscetibilidade aos seus sintomas, ao passo em que elas são mais constantemente reprimidas no contexto social.
Para Jung, o universo consiste na apreensão de símbolos e no constante embate entre o símbolo e o processo de admissibilidade deste a partir do inconsciente coletivo. Dialogando com as ideias de Foucault, o “Eros” grego nada mais é do que a expressão simbólica do amor e do sexo, da sexualidade, que emerge de forma sensual na forma de crianças, seres indefesos, mas apaixonantes, as ninfas, as quais os clássicos representavam também seus interesses libidinosos, expondo a sexualidade sem, contudo, comprometer a integridade moral do seu tempo. Sensualidade e sexualidade aparecem como duas faces distintas do mesmo jogo moral que é intermediado pelo aporte simbólico que existe no contexto social (JUNG, 2014).
Para Foucault é extremamente necessária a utilização do jogo simbólico para a inserção da sexualidade na perspectiva literária, assim como é fato que a repressão ao sexo, à sexualidade como modo de controle social, se expressa nitidamente como uma referência clara ao surgimento e à manutenção do Leviatã e as formas de dominação mental e psicossocial dos sujeitos em cada um dos espaços que a sexualidade pode emprestar o fluxo vital (sexo = amor e intensidade em múltiplas dimensões aplicado), permitindo assim o monopólio do Estado em face dos interesses que nutre nessa forma de controle.
Saúde, progenitura, raça, futuro da espécie, vitalidade do corpo social, o poder fala da sexualidade e para a sexualidade; quanto a esta, não é marca ou símbolo, é objeto e alvo. O que determina sua importância não é tanto sua raridade ou precariedade quanto sua insistência, sua presença insidiosa, o fato de ser, em toda parte, provocada e temida. O poder a esboça, suscita-a e dela se serve como um sentido proliferante de que sempre é preciso retomar o controle para que não escape; ela é um efeito com valor de sentido. Não pretendo dizer que uma substituição do sangue pelo sexo resuma, por si só, as transformações que marcam o limiar de nossa modernidade (FOUCAULT, 1940, p. 137).
A necessidade do simbolismo é pungente, porque, como se percebe, a sexualidade é uma característica que suscita todos os elementos na construção dos contextos que se resumem à formação social e moral dos homens no espaço em que vivem, estabelecendo, dessa forma, a ideia de civilização.
Por outro lado, desconstrói o autor a ideia de proibição do sexo, compreendendo que, com o aumento da complexidade social encontrada na era contemporânea e considerando a globalização, há uma liberalidade maior do sexo (por meio da sensualidade). Isto se dá pelo fato de o sexo, a sexualidade ser uma característica humana que precede o Estado:
[...] não se trata de dizer: a sexualidade, longe de ter sido reprimida nas sociedades capitalistas e burguesas, se beneficiou, ao contrário, de um regime de liberdade constante; não se trata de dizer: o poder, em sociedades como as nossas, é mais tolerante do que repressivo e a crítica que se faz da repressão pode, muito bem, assumir ares de ruptura, mas faz parte de um processo muito mais antigo do que ela e, segundo o sentido em que se leia esse processo, aparecerá como um novo episódio na atenuação das interdições ou como forma mais ardilosa ou mais discreta de poder (FOUCAULT, 1999, p. 16).
Quando se trata, portanto de entender que a sexualidade mesclou-se com a sensualidade por meio dos símbolos, e, como defendido por Policarpo (2011), houve uma preocupação com o “abuso” da sexualidade, fica evidente que o que se extinguiu, e permitiu-se compreender como necessário, não foi senão a expressão da sexualidade como parte do mundo natural, o sexo, por assim dizer, em espaços considerados inconvenientes, porém, em conjuntura histórica, a análise permite observar claramente que existem pressupostos afirmativos quanto ao interesse na realização de promoção da sexualidade em praticamente todas as repressões culturais mais relevantes da humanidade.
Dos Cantares de Salomão, que compõem a literatura religiosa de expressão gigantesca no universo social ocidental, à literatura ultrarrealista que se praticou nos anos de 1980-1990 no Brasil e no mundo, o que mais se pode perceber é a expressão livre da sexualidade, porém, travestida de arquétipos morais que ensejam a admissibilidade no contexto da realidade social humana (FOUCAULT, 1999).
A sexualidade aparece no contexto humano de maneira muito direta, franca, e que, dentro dos padrões morais constituídos partindo dos modelos clássicos vigentes, ou valores vitorianos, como o quer Foucault, expressam a dificuldade de assimilação de modelos libertários dentro da realização dos aspectos mais íntimos dos sujeitos.
Mais adiante em seu estudo, Foucault representa os valores morais encontrados pelos sujeitos no seu aspecto básico essencial dentro de um arcabouço imagético mais amplo, na base que sustenta os institutos sociais mais íntimos da cultura humana contemporânea: a religião, a moral, a política e a ciência.
Em Jung (2014), esse processo de migração do contexto animalesco para a percepção da realidade a partir da base ideológica presente no esforço social de demarcação de aspectos morais mais importantes, quer na via do controle (que não proíbe, mas disfarça a sexualidade), quer por meio dos elementos supraculturais, que estão acima das manifestações conscientes na esfera cultural. Todo esse processo não seria possível se não fosse por meio do instrumento simbólico, que, para Freud também despertavam sentimentos, eram dinâmicos e esclareciam muitas características que a maioria dos sujeitos, ao serem reprimidos, não se permitiam expressar.
Neste aspecto mais científico encontrado na psicanálise, não existe a negação do contexto da sexualidade com a perspectiva cultural. Ao que parece, tanto os autores científicos, quanto aqueles que se interessam por áreas menos empíricas reconhecem que se há uma característica facilmente imputável à sexualidade.
Sem sombra de dúvidas esta característica só pode ser a versatilidade com que se consegue estabelecer as relações entre os aspectos físicos, os órgãos sexuais, e a simbologia, que seria necessariamente aquilo que corresponde à repressão do Estado e o emergir de comportamentos diversos e suscetíveis de variações, o que não os aliena da capacidade de serem legitimamente realizados, em primeiro plano, no subconsciente, especialmente quando se tem como ponto de análise, o comportamento sexual, a sexualidade em si, e que, portanto representam também as manifestações das partes mais particulares e intrínsecas às situações de mobilização que existem por dentro do processo de fixação dos modelos simbólicos que poderão ser utilizados mais seguramente para a fixação de padrões comportamentais que tenham como base, a sexualidade e a sua dualidade entre o racional e o irracional, o lógico e o desconexo:
Na experiência e na teoria psicanalítica. sexualidade não designa apenas as atividades e o prazer que decorrem do funcionamento do aparelho genital, mas toda uma série de excitações e de atividades presentes desde a infância, que proporcionam um prazer irredutível a satisfação de uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, função de excreção, etc) . e que se encontram a título de componentes na chamada forma normal de amor sexual (GUSMÃO, 2015, p. 02).
Em linhas gerais, o que pode definir a sexualidade e o que pode, essencialmente permanecer no controle do gênero e do aparato simbólico é simplesmente o interesse em que os seres humanos possam contrapor-se dentro de sua realidade social, sem que isso cause incômodo ou vergonha em face da forma repressiva com que a sociedade humana, na contemporaneidade foi moldada a partir de elementos distintos, mas demarcados, principalmente, pelo alto teor repressivo encontrado nas práticas que, mesmo no contexto cultural, não encontram vazão suficiente (GUSMÃO, 2015).
Portanto, compreender a sexualidade, é compreender que o ser humano é dual. Aliás, diga-se de passagem, a definição de sexualidade, que se aplica tanto no contexto das artes visuais quanto escritas, e que mesmo se encontram até mesmo na construção imagética proposta pela literatura brasileira e mundial no século XX, nada mais é do que a culminância de um sentimento social que se impõe na cultura ocidental.
Para perceber essa diferenciação, basta ver como as tradições entendem o corpo, a sexualidade, o próprio ato sexual, e a forma com que elas expõem o corpo, que no ocidente é o veículo do pecado, como parte de uma experiência positiva, uma expressão divinal ao se espojar no prazer sexual, sem, contudo, temer a repressão dos pares, como acontece no Ocidente (SILVA, 2013, p. 04).
Dito isto, no próximo capítulo, abordar-se-á a influência de Nélida Piñon e se perceberá mais claramente a forma com que, nas suas obras, as personagens femininas se aproximam tanto da sexualidade e como evolução dos enredos, a sexualidade se aprimora e se torna metafísica, para, em seguida, retornar à ideia/conceito da reinvenção do ser por meio do contato com a sua própria intensidade sexual.
4.1. NÉLIDA PIÑON: VIDA E OBRA
Nélida Piñon é carioca, nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1937, aos 03 de maio. Sua experiência de vida é urbana: filha de pais comerciantes, Nélida conhece a realidade social carioca da década de 1930, altamente influenciada pelas expressões sociais e políticas de sua época (L&PM, 2016). Uma curiosidade acerca de Piñon é o seu nome. Nélida é anagrama do nome “Daniel”, que pertencia ao seu avô.
A família de Nélida não é de origem brasileira. Seus ancestrais vieram da Galícia, região próximo a Portugal, tendo chegado nos anos de 1920 ao Brasil. Essa diversidade geográfica tem papel fundamental na obra de Piñon, ainda mais porque a autora teve contato com a literatura desde cedo, por meio de material fornecido pelos seus parentes próximos.
Sua experiência profissional começa com a graduação em Jornalismo na Faculdade de Filosofia da pontifícia Universidade Católica do Rio de janeiro (PUC/RJ) e sua experiência com o universo literário começa por meio da sua profissão, atuando em diversos periódicos, entre eles, Cadernos Brasileiros (1966), Tempo Brasileiro (1976), Impressões (1997), Cadernos Pedagógicos e Culturais (1993), Imagem Latino-Americana (1993), Encyclopaedia of Latin American Literature (1994), Review Latin American Literature and Arts (1995), O Dia (1995), além de ter uma vida relacionada à assessoria acadêmica em diversas instituições (L&PM, 2016).
Nélida sempre teve uma vida dedicada às artes literárias. Em 1965, criou a cadeira de Criação Literária da Academia Brasileira de Letras, quando teve a oportunidade de viajar pelos Estados Unidos, um prêmio pelo reconhecimento de sua obra dado pelo governo americano. Importante reconhecer também a sua atuação na América do Norte, uma vez que desempenhou atuação na universidade de Stanford, tendo sido titular da cadeira de Humanidades nesta instituição (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2016).
Na Academia Brasileira de Letras, Nélida Piñon desenvolveu uma história fundamental com a instituição: ocupa a cadeira de número 30, pelo valor e a originalidade de sua obra. Em 1996, em 05 de dezembro, Nélida assume o cargo de presidente da Academia, sendo a primeira mulher desde os cem anos anteriores.
4.2. A obra
A obra de Piñon inaugura-se com o “Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo”, lançado em 1961. Sua temática central é o pecado e a relação entre divindade e ser humano. O enredo se desenvolve por meio de um diálogo apresentado entre o protagonista principal e o seu anjo da guarda, fazendo com que o processo de desenvolvimento dos questionamentos essenciais. A obra teve muita influência de João Guimarães Rosa e da perspectiva social no contexto da literatura brasileira (NASCIMENTO, 2011).
Em 1969, Piñon lança a obra “Fundador”. Em sua trama, Nélida inicia a construção do seu universo imagético, libertando-se da influência realista, de João Guimarães Rosa, partindo à criação de personagens históricas e sua influência, assim como também tem aproveitado a sua trama para criar personagens novas, um salto diferencial em relação às primeiras obras, permitindo-se dessa forma, um campo abstrato mais significativo (ROCHA, 2007).
O interesse por temas metafísicos e relacionados ao espectro amoroso e carnal surge em 1979, com a criação da trama de “A Casa da Paixão”. Como o próprio título prenuncia, há uma importante mudança estrutural nos modelos de enredo, para captar essa nova essência, permitindo, dessa forma, estruturar-se em face de uma temática mais adulta que seria o perfil delineador de boa parte das referências de Piñon na contemporaneidade (ROSA, 2012).
Em 1984, Piñon publica “A República dos Sonhos”, um texto autobiográfico, que narra a vinda de uma família da Galícia para o Brasil no início do Século XX, desvelando ainda mais os aspectos emocionais que definiriam a obra de Nélida nos anos seguintes, especialmente em decorrência da efervescência política e da necessidade de adequação da língua escrita, com o passar do tempo, às características sociais que formam o tempo histórico em que o autor encontra-se imerso (PARDO, 2009).
Ainda nos anos de 1980, especificamente no ano de 1987, às vésperas da mudança constitucional, que abriria ó país para o contexto da democracia e do reconhecimento dos direitos sociais brasileiros, Piñon lança seu livro, “A Doce Canção de Caetana”. Este texto tem como principal enfoque, as denúncias dentro do contexto da realidade social e política em que se vivia no país àquela época. Na mesma linha, Piñon trabalha com as metáforas e a crítica social em “O Pão de Cada Dia”, o que definiu de uma forma muito intensa o seu estilo como autora:
Obras: Guia-mapa de Gabriel Arcanjo, romance (1961); Madeira feita cruz, romance (1963); Tempo das frutas, contos (1966); Fundador, romance (1969); A casa da paixão, romance (1972); Sala de armas, contos (1973); Tebas do meu coração, romance (1974); A força do destino, romance (1977); O calor das coisas, contos (1989); A república dos sonhos, romance (1984); A doce canção de Caetana, romance (1987); O pão de cada dia, fragmentos (1994); A roda do vento, romance infanto-juvenil (1996); O cortejo do divino (L&PM, 1999), Até amanhã outra vez (1999), O presumível coração da América (2002), Vozes do deserto (2004) (ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, 2016).
A obra de Nélida Piñon possui reconhecimento internacional diverso. Vários prêmios foram apresentados. Em 1970, “O Fundador” foi agraciada com o prêmio Walmap; “A Casa da Paixão” venceu o prêmio Mário de Andrade em 1973; “A República dos Sonhos”, por sua vez recebe o prêmio da Associação Paulista de Crítica de Arte, e pelo Pen Clube, vence o prêmio de ficção, em 1985; “A Doce Canção Caetana” recebe o prêmio José Geraldo Vieira, oferecido pela União Brasileira de Escritores de São Paulo (BRASIL, 2016).
Pelo conjunto da sua obra, Piñon já recebeu o prêmio Golfinho de Ouro, ofertado pelo Estado do Rio de Janeiro, em 1990, assim como pelo conjunto também recebeu o Prêmio da Bienal Nestlé, em 1991; também o prêmio Internacional de Literatura Juan Rulfo, em 1995, sendo o primeiro prêmio ofertado a uma mulher na latinoamérica (BRASIL, 2012).
O processo de formação da literatura de Nélida Piñon é o resultado de muita análise e refinamento, estabelecendo aspectos essenciais sobre o processo criativo, desde conhecimento sobre história, geografia, dentre outros aspectos, mesclando com a sua realidade psicossocial, resultado das experiências que a autora tem desenvolvido com o Brasil e com a cultura da Galícia, construindo, dessa forma, uma representação mais segura acerca das características das suas personagens, que se destacam pela força e pela vanguarda de sua expressão.
A prosa de Nélida Piñon é considerada por diversas críticas, uma prosa difícil (MONIZ, 1984). Boa parte dessa resistência advém, principalmente, da mensagem hermética e dissociada do padrão imposto pela prosa contemporânea. Piñon é uma autora de interesses difusos, em sua obra, mesclam simbolismos que têm como principal objetivo, subverter a lógica tradicional do processo criativo e, dessa maneira, tornar-se libertária, reacionária em relação à afirmação do processo de escrita como parte do empoderamento feminino na literatura:
[...] é ético para mim escrever bem, denunciar realidades que não foram denunciadas, traze-las à tona. No ético está, para mim, escrever bem. Acho que o melhor modo de servir o homem é subverter, dilacerar a sintaxe oficial”. Ora, a leitura torna-se um ato subversivo por excelência. Embora Piñon, como outras autoras brasileiras, rejeite a noção de uma literatura tipicamente feminina, os seus trabalhos sugerem que é preciso buscar inovações num mundo em que a linguagem e o significado são controlados e definidos pelo elemento masculino (...) (MONIZ, 1984, p. 130).
A tendência natural à primeira leitura de Piñon, portanto, não pode ser outra, senão o feminismo. Ela é, de fato, autora engajada com as temáticas femininas. Como a mesma afirma em entrevistas dadas, entretanto, sua ideia inicial não passa do desejo de afirmar-se e afirmar o seu gênero em face do patriarcado, como sua primeira obra Guia Mapa de Gabriel Arcanjo (1961) deixa bem a entender, a autora apenas quer apresentar figuras femininas autônomas, por mais que isso constantemente seja alvo do processo de identificação com o feminismo, ao relacionar uma de suas personagens, afirma “[...] então criei uma personagem feminina atrevida – eu já era uma feminista sem saber – a Mariela(...).” (CÂNDIDO, 2014, p. 01).
Fica evidente, portanto, que, ao não declarar seus objetivos feministas, Piñon apresenta personagens feministas fortes, que, com o passar do tempo e o amadurecimento de sua verve criativa, se transformam, sensivelmente, em mulheres engajadas e autônomas.
Sobre A Casa da Paixão, obra de 1972 reflete o decantar de sua visionaria vocação feminista. Como a autora afirmara sobre sua obra, a intenção no contexto da sua expressão, diferentemente do que se possa presumir, não é simplesmente contestar, é ressignificar.
De fato, a crítica à Piñon no contexto da sua literatura é o exótico, o novo, projetado e definido para o contexto da reconstrução, o rompimento com a atual forma de literatura, a qual é considerada androcêntrica, isto é, pausada no elemento masculino, com sua perspectiva direta, crua, sem a intensidade nem a transparência que o elemento feminino consegue propor na construção do discurso que se deseja imprimir (MONIZ, 1984).
Nas palavras da autora, em entrevista para El País ao crítico literário Antônio Jimenes Barca:
No creo que haya una manera masculina o femenina de escribir. Pero sí hay una sensibilidad digamos femenina de quien sufrió alguna represión, de quien a veces se queda al margen y tiene que inventar para entender. Aunque, bueno, ahí tiene Flaubert, que escribió Madame Bovary (BARCA, 2015).4
A motivação inicial não é o contraponto da relação homem/mulher, mas o sentimento de opressão que é característico da sociedade judaico-cristã ocidental, que impõe às mulheres uma posição que, na perspectiva da autora, não tem sentido em face da capacidade de percepção feminina, do que significam as relações sociais para elas e, principalmente, em decorrência da diminuição criativa imposta pela retórica masculina, expressa na prosa contemporânea (BARCA, 2015).
Em A Casa da Paixão, Piñon se aperfeiçoa em sua linguagem, algo que se observa bem trabalhado desde seu antecessor, Tempo das Frutas, obra de 1966, a qual trazia o trinômio: gênero, sexualidade e feminismo. A proposta de Piñon, a desconstrução do modelo androcêntrico de literatura, acabou se concentrando na metaforização dos sentimentos, externalização do contexto sexual, por meio de diversos artifícios e, seguindo a linha psicológica dos anos de 1970, o uso de simbolismos-chave dentro do contexto dos seus enredos, tramas que são baseadas em personagens que convergem em estilo elíptico, passando da extrema submissão, reconhecimento de sua condição, à experimentação e, por fim, à realização.
Não se nota em Piñon uma extenuada transformação no plano externo em suas personagens, isto é, elas não são marcadas pelo signo da fortuna, nem tampouco da audácia aventureira, como o fizeram os realistas e os românticos, em movimentos distintos na literatura brasileira no século XX (BARCA, 2015).
Até aqui, falou-se sobre a história e ascensão do papel feminino em sociedade, aspectos da sexualidade humana e, da vida e obra de Nélida Piñon, autora da obra objeto deste estudo, A casa da paixão. Agora, numa junção de tudo que foi posto anteriormente, passaremos à análise da obra, evidenciando o tema proposto.
5. ANÁLISE DA OBRA - A REPRESENTAÇÃO DA SEXUALIDADE FEMININA EM A CASA DA PAIXÃO, DE NÉLIDA PIÑON
A casa da Paixão relata, por meio da imersão do leitor em um núcleo familiar, a história da protagonista Marta, cujo pai, inominado na obra, tornou-se viúvo após o seu nascimento e, como personagens secundários, Antônia, agregada da casa (ama seca de Marta) e Jerônimo, objeto da atração e ao mesmo tempo dos conflitos que decorrem da relação de crescimento subjetivo de Marta (PIÑON, 1972).
O núcleo familiar de Marta é, em essência, comum, se levados em consideração os aspectos que formam a família contemporânea. Mas é no íntimo, nas relações com o universo campestre e na transformação dos sujeitos, que a descoberta se expõe.
Não é o exterior, as relações que se estabelecem entre os sujeitos no cru dos seus cotidianos que interessam, mas a desolada (ou no caso de Piñon, a apaixonada) transcrição da realidade que traz à luz os conflitos internos. A autora não se preocupa em preâmbulos, apresentando as suas personagens na medida em que considera conveniente que cada uma se apresente. Sobre este aspecto, introduz Marta como sujeito inseguro, esquivo e de intimidades ainda obscuras: “Da terra, Marta escolhia qualquer recanto. Fechava os olhos, tropeçando contra pedras, galhos, livros, perdendo às vezes a esperança. Até não suportar o próprio suor e exclamava: Aqui conhecerei o repouso” (PIÑON, 1972).
A relação errática inicialmente, se transforma na medida em que a personagem amadurece, estabelecendo novos estatutos pessoais, revelando diversos aspectos que antes, até para ela própria encontravam-se em confusão: “Parecia-lhe absurdo que o precipício para tantas andanças viesse a ser o próprio sexo, dourado e suas penugens trevas projetadas para frente, como lhe ordenavam os mandamentos” (p.11)
Marta é um nome simbólico que representa oposição ao patriarcalismo tanto na obra de Piñon quanto na liturgia:
Indo eles de caminho, entrou Jesus num povoado. E certa mulher, chamada Marta, hospedou-o na sua casa. Tinha ela uma irmã, chamada Maria, e esta quedava-se assentada aos pés senhor a ouvir-lhe os ensinamentos. Marta agitava-se de um lado para outro, ocupada em muitos serviços. Então, se aproximou de Jesus e disse: Senhor, não te importas de que minha irmã tenha deixado que eu fique a servir sozinha? Ordena-lhe, pois, que venha ajudar-me. Respondeu-lhe o Senhor: Marta! Marta! Andas inquieta e te preocupas com muitas coisas. Entretanto, pouco é necessário ou mesmo uma só coisa; Maria, pois, escolheu a boa parte, e esta não lhe será tirada (BÍBLIA SAGRADA, 2015, p. 01).
Marta e Maria são duas irmãs com temperamentos diferentes, e com posturas distintas diante do mundo. Maria simboliza a subserviência, condição constantemente valorizada na sociedade patriarcal. De fato, “criar é destino do homem” (PIÑON, 1972, p. 52), à mulher resta a submissão, o que era uma característica não condizente com a Marta original, a personagem bíblica.
Da mesma forma que a Marta de Piñon estava atada ao seu sexo, a Marta bíblica apresentava um comportamento relatado como incompatível à realidade social em que ambas viviam: o patriarcado não admitia certas liberdades femininas, ao passo em que estas, por sua vez, permaneciam nas sombras, ocultas e silentes, mas com bastante ímpeto transformador.
Piñon usa com fartura os símbolos para compor as imagens que revelam aspectos psicológicos das suas personagens. Numa análise sobre a obra, e a sua forma de abordagem, percebe-se os aspectos naturais como parte de uma simbologia que ora passa pela revelação crua das intenções “eu me sacrificarei ao sol, meu corpo está impregnado de musgos, ervas antigas, fizeram mazelas e o chá do meu suor (...)” (PiÑON, 1972, p. 43), ora esconde as relações sexuais, que, na perspectiva da autora, são etapas para revelação da mulher engajada.
Considerando que Moniz (1982, p. 131) põe a natureza como a quinta personagem do romance “Quatro personagens <<humanos>> (porque a Natureza também é personagem) se destacam (...)”, é perceptível a tamanha relação de intimidade que se dá entre os sujeitos e sua expressiva gama de fenômenos naturais que são a eles associados.
O uso destes simbolismos é uma característica do estilo amadurecido de Nélida Piñon. Na verdade, a escolha dos símbolos e o cuidado com a integridade psicológica das personagens produz, ao longo de toda a obra, a perspectiva verossimilhante que torna possível a empatia leitor/personagem por meio de constantes inferências à simbologia, ou do uso dos elementos que remetem a uma pretérita idade social que, na perspectiva de Carl Jung (2008), é comum a todos os sujeitos, e portanto, produzem os efeitos necessários à impressão que a autora deseja constantemente reforçar, qual seja, a animosidade, o sentimento biológico sobrepondo-se às convenções sociais:
O homem primitivo era muito mais governado pelos seus instintos do que o seu descendente, o homem “racional”, que aprendeu a “controlar-se”. Em nosso processo de civilização, separamos cada vez mais a consciência das camadas instintivas mais profundas da psique humana, e mesmo das bases somáticas do fenômeno psíquico, felizmente não perdemos essas camadas instintivas básicas; elas se mantiveram como parte do inconsciente, apesar de só se expressarem sob a forma de imagens oníricas (JUNG, 2008, p. 59).
Carl Jung admite que o símbolo, a imagem, especialmente as que são mais marcantes na perspectiva social, são atemporais, no que ele chama de inconsciente coletivo. Piñon, segundo Barca (2015) em sua entrevista no EL PAÍS, admite que não existe na sua intenção em produzir como autora, a obrigatoriedade do gênero sobre a linguagem, não há literaturas tipicamente masculinas ou femininas, ao contrário, são consideradas as suas imagens como sendo universais, comuns a todos os sujeitos, independente de seu gênero.
O mergulho simbólico de Piñon começa com a colocação do pai no centro, no espaço que permeia a vida de Marta, e, em contraposição à sua de extrema capacidade, a personagem passiva Antônia, que atua fugidiamente na sua posição submissa.
Antônia está presente em todos os momentos relevantes na trama (do nascimento de Marta à anunciação da chegada de Jerônimo ao contexto familiar), porém sua existência somente faz sentido quando a mesma passa a ser objeto de desejo confuso e proibido de Marta pela sua sexualidade.
Antônia, por conseguinte, consegue ser uma personagem de amplo espectro controverso: por um lado, representa a mãe, na prosa de Piñon, a terra, a proteção, mas por outro lado, representava também a submissão e o apego, mesclados com a sensação desagradável que o sexo por opressão lhe causara.
Na percepção organoléptica5 de Piñon, era o cheiro do sexo de Antônia que a definia, mas não sua aparência, que em segundo plano, torna-se grotesca a partir desse aspecto.
(...) Ela fede, Marta pronunciou estas palavras e apiedou-se do animal que servia à casa. Não podia imaginar aquele sexo escancarado, algum homem ali mergulhou como cobra. Temia Antônia livre para tais coisas. Uma mulher malcheirosa gozasse igual às espécies raras, aquelas mulheres magras e nervosas que de tão ágeis galgam paredes, lagartixas decepadas (PIÑON, 1972, p. 23).
Piñon consegue metaforizar no cheiro, a capacidade que Antônia tem de possuir Marta, de atraí-la. E logo, ao se fazer um passeio pelo enredo apresentado, percebe-se que, na verdade, não é repulsa o que sente Marta por Antônia, mas inveja pela liberdade que Antônia possui em relação a si mesma, ao seu sexo.
Apesar de Antônia ser descrita como um ser humano sem quase nenhum atributo sexual “convencional”, a descrição feita por Marta, a assemelha à terra, “imaginou a mulher tragada pelo fundo da terra, a terra nua e que esplendor (...)” (PIÑON, 1972, p. 25).
Esse jogo de atrações, portanto, contrabalanceia as relações que surgem dentro do contexto social na família. Carl Jung, em seu estudo sobre os símbolos na obra O Homem e Seus Símbolos (2008) afirma que certas imagens permanecem no inconsciente coletivo, alimentando-o com referências que não são senão a biblioteca de referências mais primitiva que o homem adquire: o símbolo significa-se e automaticamente, permite ao homem atribuir esse significado às coisas que outrora não conseguia acomodar como conhecimento, logo o autor convence ao seu público e se convence sobre a relevância de que o simbólico é extenuante e realizador do homem, na medida em que apenas este aspecto parece conter os elementos que são capazes de traduzi-lo:
O indivíduo é a única realidade. Quanto mais nos afastamos dele para nos aproximarmos de ideias abstratas sobre o homo sapiens, mais probabilidades temos de erro. Nessa época de convulsões sociais e mudanças drásticas, é importante sabermos mais a respeito do ser humano, pois muitas coisas dependem das suas qualidades mentais e morais (JUNG, 2008, p. 69).
A métrica jungiana na dosagem da compreensão entre o homem e seu papel social nada mais é do que o próprio homem. Não se limita a compreendê-lo dentro de outros mecanismos. Ao mesmo tempo, introduz o autora necessidade de buscar na referência simbólica e mitológica, o referencial de comportamento, dentro do simbolismo que traduz a natureza humana: “daí a importância essencial de compreendermos mitos e símbolos” (JUNG, 2008, p. 25).
Nesse aspecto, a mulher, na narrativa de A Casa da Paixão precisa nascer. E esse nascimento, que é tanto mais simbólico que efetivo, apesar de, em algum momento ter-se encontrado com o contexto expressivo – e em alguns aspectos traumáticos – do nascimento biológico, revela que esta parte da realidade de Marta ficou incompleta, dissociada do verdadeiro significado: Marta nasceu, mas não nasceu pra si, nasceu para o pai, o qual a desejara no mesmo instante e, ao que se percebe aprofundando-se a análise psicológica de Piñon se permite fazer, nunca teve o pai em Marta, olhares de filha, tanto que a tomaria por mulher, não fosse a vigilante expiação de Marta, com seu jeito de bicho, mas sua atratividade como ser misterioso e, ao mesmo tempo, necessário (PIÑON, 1972).
Como a mãe que Marta não teve, morta ao seu nascimento, Antônia, silente e com paciência, apresenta os riscos de ser mulher, e de ser submissa, mostra como os animais se reproduzem, e a importância desse ato para a sua afirmação como mulher. Engana-se o leitor que, ao vislumbrar o espectro de Antônia, a vê como coitada, pelo contrário, da sua forma grotesca e malcheirosa, emerge a figura espectral de bruxa, uma mulher influente, que, mesmo estando nos bastidores da dinâmica da casa, serve como referência para a redefinição dos aspectos que formam a personalidade de Marta, já que é inegável que, entre ambas, apesar de a boca de Marta negar, existe uma notável atração e uma revelação a cada encontro:
Ela é, para Marta, uma força feminina toda-poderosa e aterrorizadora que não deixa de ser uma presença maternal suave e envolvente. Antônia quem a ajuda vir ao mundo. Em primeiro lugar, ela foi a parteira ao leito de sua mãe; e em segundo lugar, Antônia a inicia nos mistérios divinos da vida. Como Ceres e Proserpina -os polos centrais da celebração dos Mistérios de Eleusis que eram organizados pelas/para as mulheres-, Antônia e Marta possuem um vínculo feminino (p. 30), inacessível aos homens. Elas praticam às ocultas os rituais secretos: orações e cantos, a mágica da cura e da criação (MONIZ, 1982, p. 133).
Mesmo esta relação, descrita inicialmente como subversiva e grotesca pelos veios que decide seguir, é, na verdade um vínculo de poder. Ensina Moniz (1982) que a metáfora com os mistérios de Elêusis é essencial nessa abordagem.
Eram tais mistérios, nada menos que o rito de afirmação das mulheres na Grécia. Elas, conhecedoras da mágica maior, a concepção, seguiam, tal como praticam atualmente as wicca6, preceitos herméticos fortes, e misturavam, como Piñon, elementos naturais estéreis e não estéreis, em partes do seu corpo, envolvendo-se em danças e ritos que presumiam mágicos. Esse primeiro encontro com a religião é típico das mulheres na sociedade grega, e tão arcaico que representa uma era que os próprios gregos do tempo de Homero, conheceram apenas por meio das lendas que chegaram aos seus ouvidos.
O sol, e a terra são complementares, assim como o Pai e Antônia na vida de Marta. Sua presença explica-se para equilibrar a personagem entre a austeridade e os impulsos do pai, e o desejo de perder-se em si mesma, que a filha nutria intimamente, a qual inicialmente só é saciada quando em contato direto com o fertilizante, com a terra e, por conseguinte, torna-se um catalisador de seus desejos. O ato sexual, portanto, ora transformado em demônio pela Igreja a qual o pai segue, torna-se uma expressão de liberdade e transformação, transmutação na verdade, dos aspectos negativos de sua personalidade para algo novo, intenso e transformador: universo (MONIZ, 1982).
Em seus estudos sobre a sexualidade, Freud (1905) relata comportamentos danosos e expressões físicas capazes de promover alterações na psique humana. A estes distúrbios ele encontra um termo apropriado: neurose. A neurose é a falha crítica, a ruptura do id7 com o superego e, por conseguinte, a sua expiação orgânica. Aparecem no sujeito neurótico comportamentos e sensações que se refletem no plano físico, mas na verdade têm origem no plano psicológico.
Em A Casa da Paixão, Piñon busca trazer à tona essa série infindável de conflitos, ao mesmo tempo em que associa a eles, os símbolos ancestrais constituídos basicamente da relação homem-natureza pela ótica de Marta. O gênio subversivo de Marta só encontra paz no seio do universo natural. No início da obra, associa-se ao fundo, à terra, musgos e coisas em decomposição: “a ardência e sua jornada de dor tomando-lhe os dedos dos pés primeiro, uma delicadeza de sombra” (PIÑON, 1972, p. 11).
Ao passo em que no evoluir da obra, a subversiva Marta assume a posição de Lilith8, a mulher rebelde de Adão, segundo a mitologia, estabelecendo para si, estatuto próprio, não temendo os riscos do aprendizado com Antônia, a quem no início considera repugnante, mas vê atraente posição, uma vez que ela é a detentora dos segredos daquilo que a faria plenamente mulher e, dessa forma, a libertaria dos domínios do pai. (FREUD, 1986).
Ao mesmo tempo, o pai depende de sua própria astucia para fazer-se respeitado, para surgir como poderoso que sempre fora na trama, no psicológico e na vida da filha, a quem gostaria de tomar por mulher. O mito do complexo de Elektra narrado por Freud, em cuja filha, sem saber, mata a mãe e casa-se com o seu próprio pai aparece quando a paixão de Marta, embora devotada e extremada em circunstancias mais intensas, acaba se fundindo ao desejo secreto que o pai tem, porém não possa satisfazê-lo em decorrência dos freios morais aos quais se sente atado em sua rotina cotidiana.
Nesse aspecto, essa paixão metamorfoseia o pai em perseguidor, e assim como Jung determina a mudança de sentidos, a partir da mudança simbólica, aparecem as primeiras menções ao pai mudando de aspecto, tornando-se homem com o fito de perseguir psicológica e fisicamente a filha, que age de maneira transgressora, em parte, influenciada pela sedução que Antônia lhe imprime, ainda que secretamente, como parte de uma necessidade incessante da sua natureza:
Antônia contou que ele sempre soube dos seus mergulhos na noite, mesmo sem invadir seu quarto, pois se agisse deste modo, como seria uma profanação, sim bastava o pai alisar a porta do meu quarto e pressentia passagem humana recente, minha filha passou por aqui, meu faro era de perdigueiro, jamais se equivocou, e não me perseguindo, deixava na entrada do meu quarto um copo de água, um ramo silvestre, outros indícios passou a inventar com o vencimento dos anos, nosso convívio tão de espinho, mesmo tocando piano ele ouvia, abençoava minha alegria de espécie esgarçada, e que não lhe convinha, de que se faz a gloria de quem se exalta deste modo, devia perguntar, tirava o relógio do bolso, olhava as horas, ainda que jamais dissesse vamos, termine logo, mal suporto orações aos mortos, pressentiu sempre que para provoca-lo, meu canto era de prantear os perdidos em ilhas, tumbas, galerias escuras, mas já pela manhã o corpo da filha que quis e escondeu o sentimento como recolhia tesouros outros que mais do que a mãe inventei para ele (...) (PIÑON, 1972, p. 45).
Neste jogo de necessidades, nenhum dos três, Antônia, o pai ou Marta, estava satisfeito. Antônia não conseguia, pelos diversos atributos falhos que possuía, sentir-se plena na ausência de Marta, a quem ensinava os segredos sexuais, no escuro da noite, sendo esta elemento feminino clássico, símbolo de intempéries e de inconstâncias.
Marta, atraída pelo pai, era, ao mesmo tempo, repreendida pelos seus valores religiosos, os quais, por sua vez, pouco lhe diziam de verdadeiro: preferia a subversão dos passeios noturnos e do degredo de Antônia, ainda que, no decorrer da obra, esta não lhe acrescentasse nada além do que a sua fome natural pela sua sexualidade.
A repressão leva como afirma Freud em seus estudos sobre a sexualidade, a uma saída proposta pelo subconsciente. E, se de um lado, o pai, mesmo sentindo em seu íntimo a atração pela filha, sendo esta possivelmente reconhecida e retribuída, por outro não se atrevia a lançar-se adiante no corpo de mulher que Marta assumira e assumiria de novo. A narrativa apresenta então sua solução: Jerônimo, jovem escolhido pelo pai para desposar Marta (FREUD, 1988).
Jerônimo surge na trama em um momento-chave, o ponto em que a tríade pai-Antônia-Marta, encontra-se em quase colapso, quando Marta não se contém em seus impulsos, ao mesmo tempo em que evolui como mulher, chamando e despertando ainda mais a atenção do sol, para quem, no seu íntimo, percebia guardada. Porém, seu instinto complexo e sua natureza selvagem não se permitia amar, o que, de todo modo, gerava conflitos, quando o pai, preocupado talvez consigo mesmo, estabelece novo estatuto: Marta precisa de um homem, alguém que lhe tose o espírito audacioso, e, dessa forma, permita-se conter todos os ânimos da casa.
Jerônimo, cujas intenções não são claras para a sua escolha possui também, como Marta, interessante menção aos arquétipos humanos: ensina Moniz (1982, p. 134) “Jerônimo (ieros: Sagrado; onymos: nome) é um nome que sugere várias conotações. Ele é o “Nome Sagrado”, a “Voz do Pai” que impõe estruturas masculinas e nomes adâmicos”.
Quando se analisa a perspectiva de Jerônimo na obra, observa-se uma imersão ainda maior na simbologia que encontra relações entre ele e o universo animal. Marta transmuta-o e a si mesma, estabelecendo-se no segundo momento da obra, como animal complexo, e tratando a ele como animal, sua nova condição, ao mesmo tempo em que também a perspectiva do processo de metamorfose de Jerônimo não são formas de diminuir-se ou de diminuí-lo. Ao contrario, apresenta-se como parte do esforço dado em transformar-se simbolicamente em algo que combatesse o interesse masculino, a sua subserviência em face dos interesses sobre a presença do mesmo ali.
São fortes os ímpetos que os unia e tão fortes quanto, os que os mantinha separados. Para Marta, Jerônimo era parte do pai, ao mesmo tempo em que repressor e violento, significando, portanto, parte impossível de amar, mas, como mulher, como natureza, por sua vez, o mesmo era também espectro de masculinidade “(...) e eu não queria, ou queria...” (PIÑON, 1972, p. 6), que também gerava a atração, tal como se esperava pelo pressuposto de que parte da sua transmutação envolvia também uma grande capacidade de reconhecer-se ser altamente capaz de seduzir, de promover ímpetos daqueles que, naturalmente, estariam interessados em sua carne.
A Casa da Paixão é, em primeiro aspecto, um romance de engajamento no aspecto sexual. Ainda que o aceite, no íntimo de Marta resiste a ideia de obrigação dentro da sua nova condição social, a de mulher casada “agora o pai teria vindo para relembrar a promessa (...)” (PIÑON, 1972, p. 57), porém, em uma sociedade patriarcal, o impulso cede à conveniência, e mesmo o momento de decisão entre a permanência e a repulsa a Jerônimo é sede de intensa controvérsia e interesses difusos em que entram em conflito Marta e Antônia, mas que, no fim, cede Marta ao seu próprio interesse como quem cede aos interesses do pai “(...) ele precisava dizer se Jerônimo parte, o pior fica em casa” (p. 59).
Assim, a dicotomia homem/mulher, civilizado/animalesco surge no corpo de ambos, e Jerônimo funde-se ao imaginário de Marta e sua simbologia de animal, é assimilada à sua realidade pessoal. Ambos viviam em campo de conflitos e dissidências, e, portanto, deveriam conviver como em estado de guerra, o que, de fato, acontece “Trato meu eu mantenho, ainda que mate depois” (p. 59).
A subjetividade de Jerônimo é algo inerente à personalidade de todos naquele lar. Em psicologia, dá-se espécie de síndrome de Estocolmo9: Jerônimo é algoz, mas também é salvador, e se percebe que, para o bem de todos, torna-se necessário sua presença ali “Jerônimo pertencia à casa, para onde quer que o mandassem, descobriu o pai.” (p. 61).
A transmutação final, o equilíbrio entre os opostos, surge no processo de ressignificação natural. Em Piñon, esse processo não poderia ser senão difuso no panorama natural. O universo de Marta é rico em essências e em modelos psicológicos, a assimilação de Jerônimo deu-se por meio da água, o que é bastante simbólico: ao embeber-se no mergulho no rio próximo à casa, tanto Jerônimo quanto Marta mergulham na essência que define a cada um, dimensionando assim seus conflitos, ao mesmo tempo em que metaforizando o sexo e a sensualidade, confundindo Piñon o leitor com uma série de referências à simbologia da água em face da relação conflituosa que se instala na realidade social de todos os envolvidos no destino de Marta.
A água é o corpo feminino, é a inconstância e a sutileza, maciez, aceitação, suavidade. É a ausência de resistência que caracteriza o ingresso de Marta sobre Jerônimo e vice-versa. Muda-se o campo de batalha, ao mesmo tempo em que se transmutam os aspectos conflituosos em suas personalidades:
Sempre que eu nadar de forma perfeita, de forma perfeita possuirei Marta. A fome do corpo orientava o passeio pelo rio... lavava a boca repetidas vezes, o paladar da coisa indisciplinada: água. Enchendo-lhe a boca, como se fosse a própria língua de Marta entre seus dentes (PIÑON, 1972, p. 83).
Assim, ao transmutar-se no meio aquoso, Jerônimo acaba por assimilar também o aspecto feminino que é típico da construção social no entorno da natureza, da sua maneira de interpor-se entre os animais e, dessa forma, propiciar uma visão específica da sua condição. Em Piñon, toda a água era a extensão do corpo de Marta, a qual, Jerônimo, por sua vez, consegue atentar e construir uma relação intima. Na medida em que se descobre na água, passa também a compreender Marta e, dessa forma, mescla-se com ela, tornando-se parte do princípio in-yang10, uma dualidade calcada principalmente na autonomia de suas partes, mas também em sua complementaridade (PIÑON, 1972).
Neste ponto, a narrativa passa a revelar o descortinar da nova perspectiva de Marta: deixa de lado o seu comportamento passivo, dependente do sol para fazer algum sentido e passa a ser parte do conflito da partilha do corpo, da demora em perceber-se complementar ao corpo de Jerônimo, em parte, porque o pai assim o desejara, em parte por causa da inexperiência e da necessidade. Mesmo assim, o encontro toma outras cores, outros sabores, todos relacionados com o aspecto de alimento, de nutrição.
Mesmo quando rompe aquilo que ela entende parte da sua subjetividade, Marta percebe a contextualização da nova condição com uma perspectiva natural: “Marta, vejo ainda caracóis na pele, tartarugas com carapaças fidalgas, mil formas, Marta, o ar de maçã, acaso não invadimos o Paraíso?” (PIÑON, 1972, p. 79).
Essa visão natural do sexo torna-se também antropofágica, e simbolicamente representa a mistura de Marta e Jerônimo, contrapondo-se à sua natureza estéril e submissa ao pai, mas ao mesmo tempo, não sendo de pleno sempre bem-vindo no espaço de Marta. Foi o suficiente esta nova percepção para que ambos pudessem compreender que estavam cada vez mais enleados, mais envoltos na sua paixão, e cuja água torna-se o elemento mais eficiente para a sua transmutação, sua mesclagem em um único ser: “Marta, sorria, você é o meu sexo, minha mais orgulhosa oliveira” (PIÑON, 1972, p. 79).
Essa confissão revela que a intensidade dos elementos que envolvem a ambos é plenamente interpretada como parte da própria metamorfose que induz ao pensamento mágico sobre a relação que ambos mantém.
A história de Marta, no pesar das ações de todas as personagens é, na verdade, a história de todas as mulheres, que, no seio da família patriarcal, sentem dificuldades e são rechaçadas continuamente, levadas a tomar decisões com as quais pouco ou nada estão familiarizadas, estabelecendo para si, institutos que não são os que realmente as fazem felizes. O patriarcado, sob tal perspectiva tende a ter o mesmo efeito castrador que Freud defende sobre a coerção, que, em demasia consegue impor consequências negativas aos sujeitos, tanto até que chegue o ponto de transformar-se em problemas orgânicos (FREUD, 1982).
Mesmo não sendo pela autora considerada uma obra feminista, A Casa da Paixão revela-se intensamente feminista. Sua posição sobre a mulher e o sexo, e a forma com que a mesma se desenvolve, envolvendo elementos naturais, trazendo para o campo do simbólico, tão relevante para Jung, que discutiu essa relação entre símbolo e significado na sociedade contemporânea, apontam a conclusão de que, na verdade, as mulheres procuram a mesma liberdade, as mesmas oportunidades e o engajamento que é devido ao homem desde cedo, como se fosse parte das obrigações que existem em ser homem (JUNG, 2008).
Por outro lado, a percepção de mundo da autora e a sua prosa enleada, em que ora se tem a confusão do narrador em primeira pessoa com o narrador onisciente, e a mescla das personagens com a ação, com o escopo social que envolve todos eles, e, principalmente com o isolamento em que se encontram.
O universo de Marta revela que as pessoas, como os animais, são mediados por elementos que são conscientes e inconscientes e, portanto, possuem dimensões de vida completamente difusas em relação aos espaços que convivem, ao modelo de expressividade que manifestarão e, principalmente, à forma com que lidam com a sua sexualidade (RAGO, 2014).
A Casa da Paixão é o sexo de Marta, o seu corpo:
Seus dedos mágicos trabalhavam em torno apenas e nos momentos penosos consentiu, por misericórdia e fidelidade ao sol, que os dedos, imitando garras, se ampliassem, cobrindo-lhe o sexo como o tecido branco do casulo. Exijo coragem e a natureza consente. Sem a imagem, cederia a qualquer galho, consentindo a ruptura desleal. Deixava então que a proteção bendissesse a sua casa, chamava de casa ao recanto difícil, impregnado de líquidos, também águas de um rio chinês (PIÑON, 1972, p. 12).
A tese principal nesse aspecto é a de que, sendo o corpo o templo de cada um, mantém-se sempre dentro dos limites sociais, porque é a sociedade repressora por natureza. Somente a solidão e o autoconhecimento são capazes de promover o engajamento pessoal e a libertação de qualquer forma de alienação. Ao se emancipar sexualmente, Marta consegue acomodar todas as figuras-chave que permeiam a sua perspectiva de mundo, sem, contudo, se perder nelas. Tanto o pai quanto Antônia não são senão manifestações da própria limitação que a personagem Marta encontra em relação ao processo de libertação dos domínios da mulher. Como salienta Piñon, em entrevista, “a família é o único que mata” (BARCA, 2015).
Assim, vê-se que a representação da sexualidade feminina em A casa da paixão está em Marta e permeia-se na sua relação com a natureza, símbolo de liberdade e a família, composta pelo pai, Antônia e Jerônimo, todos muito relevantes para as suas descobertas e realizações, que para a sua época, rompem com os paradigmas tradicionais, e fazem dela, uma mulher a frente do seu tempo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo visou contemplar o universo criativo de Nélida Piñon em A Casa da Paixão, obra de 1972 que introduz o que, na perspectiva da autora, consiste em um movimento de ruptura, não com a temática nem com o processo criativo, mas com a relação expressiva. A preocupação da autora foi a recriação do processo expressivo, atendendo a uma nova linguagem, mais livre, menos linear e calcada nos elementos naturais como parte do processo de expressão dos sentimentos e das ações, caracterizando cada personagem segundo esse tipo de adaptação.
A sexualidade em A Casa da Paixão é, portanto, veículo pelo qual chegam os principais aspectos positivos da percepção do crescimento e do amadurecimento psicológico e social da mulher. É a via de expressão por onde emanam todos os sentimentos e a mostra de que o verdadeiro lar é na verdade, o próprio corpo.
A realização deste estudo fez-se necessária, através da percepção de que a luta pelo engajamento feminino em todos os seus aspectos transcendeu os séculos passados, e se perpetua pelos que ainda virão, pois as conquistas já obtidas são frutos de lutas árduas e constantes registradas em toda a história da humanidade.
Consideramos então que a sexualidade feminina em A casa da paixão está representada na figura da personagem Marta, que na busca incessante pelas suas descobertas e autoafirmação, se descobre uma mulher movida pelos seus próprios desejos e interesses sociais, familiares e principalmente sexuais, rompendo com os princípios da sociedade patriarcal em que vive, e mesmo que cumprindo com algumas imposições desta sociedade como é o caso do casamento, o faz para satisfazer primeiramente a si mesma.
Sendo um todo não acabado, espera-se que este trabalho possa contribuir para os estudos feministas, abrindo espaço para o desenvolvimento de outras pesquisas nesta perspectiva.
7. REFERÊNCIAS
ALVES, Vera Lúcia Pereira. Configurações de gênero e sexualidade na literatura de auto-ajuda. In: Journal Of Applied Anthropology, São Paulo, 2007. Artigo científico.
AMARAL, Vera Lúcia do. Sexualidade. São Paulo, UNIDIS, 2007.
ANELHE, Daniele Almeida. A mulher no século XIX a partir da figura de Chiquinha Gonçaga. Rio de Janeiro, Fundação Osvaldo Cruz, 2007. Tese de conclusão de curso.
ÀRIES, George, Phillipe; DUBY, Georges. História da Vida Privada: do Império Romano ao ano mil. São Paulo, Cia das Letras, 1986.
ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa. Biblioteca de autores clássicos, 2005.
AZEVEDO, Sarah Fernandes Lino de. História, retórica e mulheres no Império Romano. Coleção Império Romano, série Estudos. Ouro Preto, UFOP, 2012.
BARCA, Antonio Jiménez. Nélida Piñon: “La família es lo único que mata”, 2015. Disponível em: http://cultura.elpais.com/cultura/2015/09/21/babelia/1442845704_980841.htmlAcesso em 25 de novembro de 2016.
BATAILLE, Georges. O erotismo. Porto Alegre, L&PM, 1987.
BEARZOTI, Paulo. Sexualidade: um conceito psicanalítico freudiano. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/anp/v52n1/24>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo: fatos e mitos. 4ª ed. São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1970.
BERGAMASCO, Adrielle dos Santos. A representação da mulher e da sua sexualidade na literatura de autoria feminina contemporânea. In Anais do IV Simpósio Internacional de Educação Sexual, Minas Gerais, Universidade Federal de Maringá, 2015. Tese de mestrado.
BETLER, Judith. Undoing gender. New York. Nova Yourque, London Rotledge, 1990.
COULON, Olga M. A. Fonseca; PEDRO, Fábio Costa. As cidades gregas: Atenas e Esparta. Disponível em: < https://profluizhist.files.wordpress.com/2008/04/atenas-e-esparta.pdf>. Acesso em 16 de novembro de 2016.
CRUZ, Lindalva Alves. Crítica epistemológica do feminismo. Disponível em: < http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppIII/html/Trabalhos/EixoTematicoD/57ef1026f04c70177699L>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
DALPHIN, Cécile; FARGE, Arlette; FRAISSE, Geneviêve; KLAPISCH-ZUBER, Christiane; LAGRAVE, Rose Marie; PERROT, Michelle; PÉZERAT, Pierrette; RIPA, Yannick; SCHIMITT-PANNIL, Pauline; VOLDMAN, Danièle. Tradução SOIBET, Rosana M; SOARES, Alves; COSTA, Suely Gomes da. A história das mulheres. Cultura e poder das mulheres: ensaio de historiografia. In: Gênero, Niterói. Vol. 02, nº 01, 2000. Artigo científico.
DAROS, Thuine Medeiros Vilela. Problematizando os gêmeos e as sexualidades através da Literatura Infantil. In: Revista Práticas de Linguagem. Paraná´(PR). Vol. 03, nº 02, julho-dezembro de 2013. Artigo científico.
FERNANDES, Ilmar Rodrigues. Figurações femininas no bordado textual de Nélida Piñon: um estudo de Tempo das Frutas. Montes Claros. Universidade Estadual de Montes Claros, 2014. Tese de Especialização.
FOUCAULT, Michel. História da Humanidade. 13ª ed. Freud, 1990.
__________ História da Sexualidade. Rio de Janeiro, Graal, 1999.
__________ História da Sexualidade: a vontade de saber. Vol. 01. 13ª ed. São Paulo, Digital Source, 1940.
__________ História da Sexualidade: o uso dos prazeres. 8ª ed. Rio de Janeiro, Éditions Galimard, 1984.
FREUD, Sigmund. Um caso de histeria: três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). São Paulo, Imago, 1948.
FUNARI, Pedro Paulo Abreu. Roma: Vida pública e vida privada. São Paulo, Atual, 1993.
GONÇALVES, Meire Lisboa Santos. A mulher Ofélia: um contraste entre o natural e o social. Disponível em: < http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/vertentes/v.%2019%20n.%202/Meire_Lisboa.pdf>. Acesso em: 19 de outubro de 2016.
GUSMÃO, Sônia Maria Lima de. A teoria do desenvolvimento humano segundo Freud e Rogers. Disponível em:
< http://gruposerbh.com.br/textos/artigos/artigo15.pdf>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
HERMIDA, Borges. História – geral e do Brasil. São Paulo, Ática, 2000.
JUNG, Carl. O Homem e seus símbolos. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2008.
LAGE, Fernanda de Carvalho; NASCIMENTO, Grasiele Augusta Ferreira. O feminismo pós-moderno, a equidade de gênero e a condição de agente da mulher. Disponível em: <http://publicadireito.com.br/artigos/?cod=dbe2ec22cee2bf46>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
MACEDO, José Rivair. A mulher na Idade Média. São Paulo, Contexto, 2002.
MAGALHÃES, Ana. Ser mulher no século XIX. Disponível em:
< http://oficinadepsicologia.blogs.sapo.pt/16848.html>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
MAINKA, Peter Johann. Os fundamentos da identidade europeia na antiguidade, na Idade Média e nos tempos modernos. In: Acta Scientarum Education. Maringá. Vol. 33, nº 01, janeiro de 2011. Artigo científico.
MARX, Karl. O capital. São Paulo, L&PM Editores, 2000.
MATTA, Luis Eduardo. Entrevista: Nélida Piñon – “nenhum enigma nos protege da nossa própria brutalidade afetiva”. Disponível em: < http://www.candido.bpp.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=751>. Acesso em 25 de novembro de 2016.
MONIZ, Naomi hoki. A casa da Paixão: estética e a condição feminina. Harward Universuty, 1982.
NASCIMENTO, Maria Filomena Dias. Ser mulher na Idade Média. Disponível em: < http://www.periodicos.unb.br/index.php/textos/article/viewFile/5807/4813>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
NASCIMENTO, Dalma. Passagens de nélida piñon em a república dos sonhos e o pão de cada dia. Rio de Janeiro, 2011.
NUNES, César Aparecido. Desvendando a sexualidade 1 - Campinas, SP 195
OLIVEIRA, Ângela Sampaio; VENTURINI, Renata Lopes. Uma breve reflexão sobre a família na Roma antiga. In: Anais da VI Jornada de Estudos Antigos e Medievais. São Paulo, 2009. Artigo científico.
PINHEIRO, Leonardo José Cavalcanti. O patriarcado na contemporaneidade: contextos de violência. In: Fazendo Gênero 8 – Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, 2008. Artigo científico.
PIÑON, Nélida. A Casa da Paixão. São Paulo, 1972.
POLICARPO, Verônica Mafalda Lumes de Melo. Indivíduo e sociedade: a construção social da experiência sexual. Lisboa, Universidade de Lisboa, 2011. Artigo científico.
PONTES, Ângela Felgueiras. Sexualidade: vamos conversar sobre isso? Lisboa, Universidade do Porto, 2014. Artigo científico.
PONTES, Ângela Filgueiras. Sexualidade: vamos conversar sobre sexo? Disponível em: < https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/24432/2/Sexualidade%20vamos%20conversar%20sobre%20isso.pdf>. Acesso em 16 de novembro de 2016.
RAGO, Margareth. Feminismo e subjetivismo em tempos pós-modernos. São Paulo, Unicamp, 2014. Artigo científico.
RIBEIRO, Margarida Calafate. Moura, Tatiana, entre Atenas e Esparta: Mulheres, paz e conflitos armados. In: Revista crítica de ciências sociais. Vol. 71, nº 01, junho de 2005. Artigo de revisão.
ROCHA, Luis Carlos Moreira. Gênero, raça e historicidade na escrita feminina dos anos 80: análise de A república dos sonhos, de Nélida Piñon. 2007
RUBIN, Gayle. Thinking sex: notes for a radical Theory of The polítics of sexuality, 1998. Artigo cientifico.
SCHIMIDT, Mário. História. São Paulo, Saraiva, 2008.
SILVA, André Cândido da. História das mulheres na Idade Média: abordagens e representações na literatura hagiográfica (século XIII). In: Anais do Congresso de História do Itajaí. São Paulo, 2014. Artigo científico.
SILVA, José Amilton da. O olhar das religiões sobre a sexualidade. Disponível em: < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/728-4.pdf>. Acesso em 19 de outubro de 2016.
SILVA. Maria Aparecida de Oliveira. Plutarco e a participação feminina em Esparta. In: Seculum, Revista de História. João Pessoa, janeiro-junho de 2005. Artigo científico.
TELLES, Lygia Fagundes. Feminismo. Disponível em: < http://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/10377/(Microsoft%20Word%20-%20disserta.pdf?sequence=3>. Acesso em 16 de novembro de 2016.
TONELI, Maria Juracy Filgueiras. Sexualidade, gênero e gerações: continuando o debate. Disponível em: < http://books.scielo.org/id/vfgfh/pdf/jaco-9788579820601-12.pdf>. Acesso em 18 de outubro de 2016.
TÔRRES, Moisés Romanazzi. Considerações sobre a Condição da Mulher na Grécia Clássica (sécs. V e IV a.C). in: Mirabilia. Ano 01, nº 01. São Paulo (SP), dezembro de 2001. Artigo científico.
VITALLINO, Samuel; BRASIL, Paulo; NICODEMUS, Augustus. Pornografia: realidade, perigos e libertação. Disponível em: < http://www.clickfamilia.org.br/Media/Document/Pornografia%20-%20Realidade,%20Perigos%20e%20Libertacao.pdf>. Acesso em 16 de novembro de 2016.
WOITOWICZ, Karina Janz. Páginas que não se apagam: A imprensa feminista na luta pelos direitos das mulheres no Brasil. In: Anais do VI Congresso Nacional de História da Mídia. Rio de Janeiro, 2014. Artigo científico.
1 Frigga detém o poder sobre os elementos e os seus reinos, mas a sua atribuição principal é como protetora do lar e da lareira, empenhando-se em criar e manter a harmonia e a paz familiar e grupal. Disponivel em: <http://www.teiadethea.org/files/jornais/jornaljaneiro09.pdf> Acesso: 08/06/2018
2 A patria potestas é o poder não só sobre os filhos como também sobre os netos dos filhos masculinos. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/notas-sobre-a-organizacao-da-familia-romana/12605#_ftn8> Acesso em: 07 de Junho de 2018.
3 Status Quo ou Status quo é uma expressão do latim que significa “estado atual”. Disponível em: <https://www.significados.com.br/status-quo/> Acesso: 03 de Abril de 2018
4 Eu não acho que haja uma maneira masculina ou feminina de escrever. Mas existe uma sensibilidade, digamos feminina, de alguém que sofreu alguma repressão, que às vezes fica à margem e tem que inventar para entender. Embora, bem, haja Flaubert, que escreveu Madame Bovary (BARCA, 2015).
5 (propriedades organolépticas (do grego, organon, organismo, letpos, que impressiona), sendo elas: cor, brilho, odor, sabor e textura. Disponível em: <https://www.infoescola.com/sentidos/propriedades-organolepticas/> Acesso: 03 de Abril de 2018.
6 Wicca é uma religião xamânica moderna baseada em rituais pagãos antigos, e também pode ser chamada de bruxaria. As crenças wiccanas fazer parte do neopaganismo, onde se enquadram os grupos que acreditam em crenças europeias anteriores ao cristianismo, como a religião celta. Disponível em: <https://www.significados.com.br/wicca/> Acesso: 08 de Junho de 2018.
7 Nos estudos da psicanálise e psicologia, o Id é responsável pelos instintos, impulsos orgânicos e os desejos inconscientes. O id é chamado de o “princípio do prazer". Disponível em: https://www.significados.com.br/id/ Acesso: 03 de Abril de 2018
8Disponível em: <http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/EST/Revistas_EST/III_Congresso_Et_Cid/Comunicacao/Gt06/Catia_Cilene.pdf> Acesso: 15 de Maio de 2018
9 A Síndrome de Estocolmo é um problema psicológico que acomete pessoas que sofreram a longos períodos de intimidação e passa a transmitir simpatia, amizade ou até mesmo amor pelo agressor. <http://www.saudicas.com.br/sindrome-de-estocolmo/> Acesso: 03 de Abril de 2018.
10 Yin Yang é um princípio da filosofia chinesa, onde yin e yang são duas energias opostas. Yin significa escuridão sendo representado pelo lado pintado de preto, e yang é a claridade. Disponível em: <https://www.significados.com.br/ying-yang/> Acesso: 03 de Abril de 2018
Publicado por: Aarin Leal
O texto publicado foi encaminhado por um usuário do site por meio do canal colaborativo Monografias. Brasil Escola não se responsabiliza pelo conteúdo do artigo publicado, que é de total responsabilidade do autor . Para acessar os textos produzidos pelo site, acesse: https://www.brasilescola.com.