À margem da cultura: o conceito de periferia aplicado a lei 16.496/2016 em São Paulo - SP
índice
- 1. RESUMO
- 2. APRESENTAÇÃO
- 3. INTRODUÇÃO
- 4. PERIFERIA: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E INDICADORES
- 5. PERIFERIA: PESQUISAS E CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DESIGUALDADES NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
- 5.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
- 5.2 CONSIDEREÇÕES SOBRE O CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE
- 5.3 CONSIDEREÇÕES SOBRE O SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISES DE DADOS
- 5.4 ESTUDOS SOBRE AS DESIGUALDADES NA CIDADE DE SÃO PAULO
- 6. PERIFERIA: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LEI 16.496/2016 QUE INSTITUI O PROGRAMA DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA DE SÃO PAULO
- 6.1 O MOVIMENTO CULTURAL DAS PERIFERIAS E O PROCESSO DE ESCRITA DA LEI
- 6.1.1 O 1º seminário de políticas públicas para a Periferia da zona leste
- 6.1.2 Ampliando o território-rede: a III Conferência Municipal de Cultura
- 6.1.3 A 1ª Mostra Cultural das Periferias
- 6.1.4 A organização em grupos de trabalho (GTs)
- 6.1.5 O GT Fomento Periferia
- 6.2 A LUTA PELA APROVAÇÃO DE UMA LEI DE INICIATIVA POPULAR: A LEI DE FOMENTO À PERIFERIA
- 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 8. REFERÊNCIAS
- 9. ANEXO A: LEI DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA DA CIDADE DE SÃO PAULO
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1. RESUMO
Periferia: um termo em efervescência na atualidade. A princípio, no senso comum, parece haver consenso sobre o seu significado. Porém, ao tentar definir objetivamente, evidencia-se o que aparentemente estava oculto: um termo em movimento e em constante disputa. De um lado, estão as definições do termo por meio da academia e da política institucional. De outro, a classe trabalhadora que, embora, muitas vezes, não saiba defini-la conceitualmente, vive e sente na pele o que é ser Periferia, suas virtudes e contradições. A inquietude desta pesquisa se faz em tentar evidenciar, conceitual e geograficamente, o que é Periferia concretamente, onde é que ela está localizada cartograficamente no município de São Paulo e quais são os critérios que a define, claro, segundo a análise e olhar de quem vive em uma das muitas quebradas1 da Periferia de São Paulo. Este estudo teve um caráter de aplicação prática na elaboração da Lei 16.496/2016 de Fomento à Cultura da Periferia da cidade de São Paulo, ou seja, diálogo e pesquisa que resultou em uma política pública estruturante em Lei.
Palavras-chaves: Cultura; Território; Territorialidades; Periferia; Vulnerabilidade; Urbano; Políticas Públicas.
ABSTRACT
Periphery: a term in current effervescence. At first, in common sense, there seems to be consensus on its meaning. However, in trying to define objectively, what is apparently hidden is evident: a term in motion and in constant dispute. On the one hand, there are definitions of the term through academia and institutional politics. On the other hand, the working class that, although often, does not know how to define it conceptually, lives and feels on the skin what it is to be Periphery, its virtues and contradictions. The restlessness of this research is made in trying to demonstrate, conceptually and geographically, what is Periphery concretely, where it is located cartographically in the city of São Paulo and what are the criteria that define it, of course, according to the analysis and look of who lives in one of the many streams of the Periphery of São Paulo. This study had a character of practical application in the elaboration of Law 16.496 / 2016 of Promotion to Culture of the Periphery of the city of São Paulo, that is, dialogue and research that resulted in a public policy structuring in Law.
Keywords: Culture; Territory; Periphery; Vulnerability; Urban; Public policy.
2. APRESENTAÇÃO
Esta pesquisa tem a ver com toda a minha trajetória de vida, da leitura e entendimento do mundo, no qual vem se aprimorando “aos trancos e barrancos” tanto com o olhar geográfico por meio da formação acadêmica quanto pelas experiências vividas do cotidiano. E é justamente “aos trancos e barrancos”, porque faço parte da classe trabalhadora, morador da Periferia que trabalha de dia para estudar a noite e sobreviver.
A inquietude se dá por meio de uma série de encontros e debates por meio de coletivos culturais da Periferia, que passam a se encontrar a partir de fevereiro de 2013, no qual pude participar intensamente de todo o processo. Em meio a tantas precariedades, existe a relação de solidariedade, a questão da identidade, das vivências do cotidiano e a certeza de que somos a maioria da população. Neste contexto vem a pergunta: O que nos une? Em comum temos a precariedade e solidariedade, que são adjetivos de um termo vivido por todos aqueles que se doaram e continuam se doando para participar destes encontros: Periferia; Periféricos ou Sujeitos Periféricos.
Sim, mesmo com tantas dificuldades, os coletivos culturais que estão longe do centro, nas margens e dos 4 cantos da cidade, decidem tentar se organizar, debater e lutar por políticas públicas para as quebradas afastadas da região central e centro expandido da cidade. Mas como? A cidade é enorme, as demandas são muitas e em grande parte especificas. Eis que surge a ideia de se criar uma política pública estruturante em Lei para fomentar e potencializar coletivos culturais periféricos com atuação comprovada em seu distrito e com integrantes residentes das Periferias, logo, pessoas que vivem e produzem arte e cultura em seu cotidiano, buscando inspiração no caos e na beleza dessa megalópole chamada São Paulo.
Se Periferia é um termo que nos une e se todos vivem e sentem na pele o que é “ser periférico”, logo, o conceito vivido e que dá unidade se define pela precariedade, pela violência, mas também pela solidariedade, esperança, contradição e potência. Sim, invertendo a lógica, nas quebradas são vários leões e leoas lutando diariamente para não serem mortos pelo caçador.
O que é óbvio para a população periférica não necessariamente se reverbera concretamente em políticas públicas para sanar tamanhas desigualdades sociais. E a problemática vem justamente desta “incompreensão” do Estado, que faz com que grupos de trabalho (GT’s) formados por coletivos culturais se debrucem em estudos e organização de encontros para fazer formações políticas sobre o termo Periferia e tantos outros, seminário sobre políticas públicas e mostras culturais que evidenciam o quanto pulsa a arte, a cultura e a vida nas margens da cidade.
Na medida em que o debate avança, se apresentam as dificuldades. Pensando em uma política pública estruturante em Lei para a cultura da Periferia, como definir dentro de uma Lei esse recorte? É social? Sim! É geográfico? Sim! Como definir então?
Dentre estudos e debates, muitos experimentos, exercícios e conversas acaloradas evidenciaram os conflitos ocultos no termo em disputa. Leis, decretos, portarias, editais públicos, mapas, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), estudos de mestrado, doutorado, publicações do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), da Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) por meio do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) e até mesmo definições práticas pelo GT Fomento à Periferia de quais são ou não distritos considerados periféricos entraram na roda de discussão. Já dá para imaginar que não foi fácil por uma série de fatores, mas principalmente pelas condições materiais das pessoas envolvidas, se dedicando em seu tempo livre, sem qualquer tipo de apoio, mas movidos pelo desejo e necessidade da concretização de uma política pública que supra uma lacuna, evidente a olho nu, tão presente em vossos cotidianos e, como já dizia slogan que intitulava a luta das quebradas: “defendendo o óbvio”.
Eis o enredo deste trabalho de conclusão de curso à ser desenvolvido, partindo da prática para a teoria, da teoria para prática para se chegar a práxis, ou seja, a saga da classe trabalhadora, que “enquanto descansa carrega pedra”, e que, se não fosse pelo sacrifício e persistência de diversas coletividades da cidade, não teria se chegado há lugar algum, ou seja, “é nóis por nóis”.
3. INTRODUÇÃO
Partindo do senso comum, pode-se definir Periferia como local de pobreza e violência. No dicionário2 Periferia significa zona longe do centro da cidade e; Pobreza provém de pouco favorecido ou de poucas posses. Grosso modo, é possível complementar a definição de Periferia com as características de precariedade no salário e na moradia, carência em políticas públicas de saneamento básico, infraestrutura, equipamentos públicos, educação, saúde, transporte, lazer e cultura, dentre outros fatores que influam diretamente na qualidade de vida urbana.
Ainda no senso comum, uma frase de uma letra de música dos Racionais MC’s: "Só quem é de lá sabe o que acontece". Não é possível falar da Periferia sem citar a violência, que em seu cotidiano está tão presente no genocídio da população preta, pobre e periférica. No fervor das manifestações que se desencadearam durante e após as jornadas de junho de 2013 (um ápice histórico no país), umas das frases de maior impacto que surgiu foi: “na Periferia as balas não são de borracha3”. Escancara-se aí algo que há tempos as Periferias vêm denunciando em suas músicas de Rap, Hip Hop e em tantas outras manifestações urbanas e artísticas, mas que, por justamente tratar da Periferia, do que está “à margem”, não vinham à tona pela mídia tradicional e posta em discussão pela sociedade.
A violência sofrida na Periferia, tão presente em seu cotidiano, só foi evidenciada quando determinado grupo (principalmente de estudantes universitários) sofreu na pele com a repressão e truculência da Polícia Militar (PM) durante as manifestações nas jornadas de junho de 2013. A partir daí, vem à luz uma discussão que remete desde o tempo da escravatura, por meio de levantes de resistência, fugas e denúncias, e, nos dias atuais, pelo fim da PM ou pela desmilitarização da PM. Bem, o fim da PM ou a desmilitarização da PM é somente a ponta do Iceberg e não será discutido nesta pesquisa. A questão é: de onde vem a violência?
Partindo desta breve introdução, é que se faz necessário mergulhar no conceito de Periferia para saber de onde vem e para onde vai este termo, que segue em disputa e em movimento no âmbito teórico, prático e concreto. Por meio de conceitos, dados, uma série de mapas, percepções e visões de mundo, tem-se como objetivo apresentar a definição de Periferia, esboçar um mapa do município de São Paulo com as delimitações do que viria a ser a Periferia na atualidade, e por fim, como a geografia pode servir para influenciar políticas públicas, utilizando como estudo prático de caso a Lei 16.496/2016 que instituiu o Programa de Fomento à Cultura da Periferia no Município de São Paulo.
4. PERIFERIA: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E INDICADORES
"Cada maloqueiro tem um saber empírico"
Criolo, música Esquiva da Esgrima
Periferia: E a geografia? O que tem a ver com isso? Se “a geografia é o estudo do ‘chão’ transformado pela humanidade que possui classes sociais distintas” (informação verbal)4, evidencia-se não só a transformação da paisagem, do lugar, do ambiente físico, como também as relações sociais que permeiam a história da humanidade segregada em classes sociais. Logo, a Periferia é uma segregação física e geográfica, mas não somente, como bem expõe Tiarajú:
O termo Periferia é, a princípio, geográfico. No entanto, sem a ciência de que existem características sociais próprias dentro desse espaço geográfico, a caracterização Periferia tal qual se compartilha em nossa sociedade não faria sentido. A luta pelas classificações sobre o que seja Periferia centrou-se no estabelecimento dos elementos contidos nas características sociais do termo (D’ANDREIA, 2013, p. 276).
Neste caldeirão, misturam-se ingredientes geográficos e sociais ao termo, ou seja, as relações geográficas estão atravessadas por características sociais englobando a qualidade de vida da sociedade como um todo. Ao falar em geografia social, vale dar uma pincelada em alguns escritos do final do século XIX e início do século XX, de Elisée Reclus, um militante anarquista e geógrafo, que em seu livro L’homme et la Terre (O homem e a Terra) discorre no texto “Migrações, êxodo rural e problemática do crescimento urbano” sobre a questão da aceleração do êxodo rural e a incapacidade da cidade absorver a população que para ela aflui, gerando miséria e fome. Classifica as cidades de acordo com suas funções, alertando para a organização do espaço urbano e para os problemas de higiene e de arte. Finaliza desenvolvendo ideias em prol da organização mais humana deste espaço, sugerindo a implantação de cidades-jardins (RECLUS, 1985, p. 33).
É no mínimo curioso (para não dizer revoltante) notar que estes problemas continuam presentes e atuais, e ainda “sem solução”, mas com muitos discursos bem elaborados que não conseguem sair do papel, ou melhor, dentro da lógica capitalista a desigualdade dá manutenção à ordem do Capital. No texto citado acima, o termo Periferia já aparece, no qual aponta indícios de sua gênese, por meio de uma crítica reflexiva:
Os proprietários moralistas dão conselhos ridículos aos camponeses para que se mantenham ligados à terra, enquanto suas ações desenraizam o camponês e lhe criam condições de vida que o obrigam a fugir para a cidade. Quem suprimiu os bens da comuna, quem reduziu e depois aboliu completamente os direitos de uso, quem desmatou as florestas e as landes5, privando dessa forma o camponês do combustível necessário? Quem cercou de muros a propriedade para marcar bem a constituição de uma aristocracia da terra? E depois, quando nasceram as grandes indústrias, não deixou o proprietário fundiário de procurar o pequeno tecelão do campo, os humildes artesãos de aldeia? E quando o camponês não possuía mais terras comunais, quando as pequenas indústrias lhe faltaram, quando os recursos diminuíram no mesmo momento em que aumentavam as necessidades e as ocasiões de gastar, é de se admirar que a fuga para as cidades tenha se tornado inevitável? Uma vez que o senhor não utilizava mais, de forma permanente, a mão-de-obra agrícola viu-se forçada a se exilar, condenada ao desemprego (RECLUS, 1985, p. 145).
A citação acima faz lembrar a acumulação primitiva6 do capital, não? Os atuais discursos bem elaborados dos políticos não seriam os mesmos dos proprietários moralistas de outrora? E as aglomerações populacionais não continuam sendo uma característica da cidade? Com tanta terra no Brasil, porque tem tanta gente aglomerada, sem-terra e sem teto? Não seria esta a gênese da Periferia? Ou seja, colocar milhares de pessoas a margem dos meios de produção e de subsistência?
Parafraseando com os dois conceitos que relacionam geografia e Periferia citados anteriormente, Reclus (1985, p. 156), em texto no início século XX, expõe que a “geografia não é coisa imutável; ela se faz, se refaz todos os dias: a cada instante se modifica pela ação do homem”. Neste sentido, os conceitos de geografia e Periferia estão atravessados pelas relações sociais que a humanidade ao longo do tempo vem estabelecendo, ou seja, uma sociedade dividida em classes sociais, e, portanto, Periferia, um objeto de estudo também da Geografia. Indo um pouco mais além, se trocar a palavra geografia por Periferia na definição acima teria sentido e coerência ficando assim: Periferia não é coisa imutável; ela se faz, se refaz todos os dias: a cada instante se modifica pela ação da humanidade, complementando, que tem classes sociais distintas.
A diferença é que a problemática urbana tomou uma proporção talvez inimaginável há 100 anos atrás, mas já naquela época, Reclus (1985) faz uma boa observação sobre a expansão das cidades ao expor que “o oratório se fez igreja, a torre de vigia se tornou castelo fortificado, caserna ou palácio; a aldeia se transformou em cidade, depois metrópole”.
Na medida em que as cidades crescem, crescem também as desigualdades, tornando-as visíveis a olho nu a discrepância de serviços e infraestrutura nos bairros afastados e, portanto, ontem quilombo, hoje favelas e Periferias urbanas. Fica a questão: crescimento econômico dentro da lógica capitalista serve para quem?
Por outro lado, talvez a arte e a cultura sejam um dos elementos mais fortes na atualidade que definem, denunciam e reivindicam o termo Periferia. Mas que também não são de hoje. E sobre isso vale destacar o que Reclus (1985, p. 159) já dizia no início do século XX:
A consciência da vida urbana se manifesta também pelas preocupações artísticas. Como Atenas outrora, como Florença, Nuremberg e outras cidades livres da Idade Média, nossas cidades modernas se preocupam com sua beleza: até a mais humilde aldeia não deixa de se dar um sino, uma coluna ou uma fonte esculpida. Arte bem triste e geralmente enfadonha é essa arte manipulada por professores com diplomas, sob o controle de uma comissão de incompetentes, tanto mais pretensiosa quando mais ignorante for. A arte real é sempre espontânea e não se acomoda, de forma alguma, às direções impostas pela administração das vias públicas.
Seria a Periferia parte de uma consciência urbana? Ou a consciência urbana em si? Poderia a arte e a cultura ser um indicador crítico do modo de vida urbano? Ou o inverso? E esta crítica a essa arte manipulada por professores com diplomas não faz lembrar da crítica à geografia dos professores elaborada por Yves Lacoste (1988)?
Para responder tantos questionamentos, se faz necessário tentar primeiramente entender quais são as características essenciais do termo Periferia. Reclus (1985, p. 162) expõe que
“O alto preço dos aluguéis urbanos naturalmente leva os trabalhadores a se deslocarem para a Periferia, e os empresários industriais favorecem o êxodo, pois provoca uma queda no preço da mão-de-obra. (...) o chefe de família se depaupera em longos trajetos, em más refeições, em repousos noturnos encurtados; além disso, o saneamento das aldeias suscita os mesmos problemas que os das cidades (APUD Vandervelde, Emile. L’exode rural)”.
Partindo da citação acima é possível evidenciar as características que se encaixam ainda hoje com o dia a dia da Periferia, como o custo de vida alto nos grandes centros urbanos faz com que os trabalhadores, sem condições de pagar aluguéis caros, procurem moradias em regiões afastadas do centro da cidade, ou seja, o baixo salário faz com que se assentem nas Periferias da cidade. Por conta disso, enfrentam longos trajetos diários e tem sua alimentação e descanso prejudicados, além do saneamento básico, ainda hoje precário em diversos locais da cidade e com o agravante das enchentes em diversos pontos.
A experiência social compartilhada do sentir-se periférico é fundamentalmente urbana. Morar na Periferia se contrapõe a habitar regiões mais bem estruturadas da cidade e com melhor poder aquisitivo. É possuir uma experiência urbana calcada fundamentalmente na segregação socioespacial, com grandes deslocamentos pela cidade no trajeto trabalho-moradia ou mesmo quando da procura de serviços somente oferecidos em bairros melhor estruturados. Esta experiência de segregação socioespacial, marcada fundamentalmente pelo deslocamento na cidade, pode se erigir por meio da utilização do automóvel e de uma rotina de trânsito, mas na maioria dos casos se expressa na utilização de transportes públicos, com certo nível de precarização e ratificador das grandes distâncias com a qual se estrutura a urbe paulistana. Tal experiência compartilhada de percepção da urbe também se expressa nas dificuldades no mercado laboral, no acesso a serviços públicos de qualidade, nas opções de lazer e cultura distribuídas de maneira desigual pela cidade (D’ANDREIA, 2013, p. 139).
A Periferia expressa, concreta e justamente, a desigualdade na qual está inserida a população de determinado território, a qualidade de vida em detrimento da ausência de infraestrutura, lazer e cultura, bens e serviços e principalmente pelo longo trajeto nos transportes públicos.
Infelizmente, não se concretizou democraticamente o ideal de cidade-jardim de Reclus (1985, p. 163), conforme discorreu:
Todos os homens, sem exceção, conseguirão respirar o ar em quantidade suficiente, gozar plenamente da luz do sol, saborear a beleza das áreas sombreadas e o perfume das rosas, alimentar generosamente sua família sem receio de que o pão venha a faltar em sua cesta? Se assim for, mas somente então, as cidades poderão atingir seu ideal, transformando-se exatamente conforme as necessidades e aos prazeres de todos e tornando-se corpos orgânicos perfeitamente sadios e belos.
Primeiro que chega a ser até poético (ou utópico) para os dias de hoje. Este ideal de cidade-jardim não só não se concretizou como ficou restrito a uma ínfima parcela da população, com o agravamento da desigualdade, ou seja, a privilegiada classe burguesa detentora dos meios de produção nutre-se com a exploração da maioria da população periférica. A peculiaridade de São Paulo talvez resida, principalmente, na exacerbação do contraste entre acumulação e pobreza (CAMARGO, 1976, p. 19).
Esta peculiaridade faz da megalópole chamada São Paulo, uma das mais desiguais do país com uma imensa população segregada nas periferias da cidade, no qual é possível notar empiricamente em uma viagem de trem rumo as suas bordas, como exemplo, um trem que parte da estação Brás sentido à Calmon Viana, extremo leste da região metropolitana. A segregação já é evidente se comparar a qualidade dos serviços entre o metrô e o trem, se exacerbando ainda mais quando se extravasa o município e adentra na região metropolitana de São Paulo. E como já dizia a música “Sujeito Periférico”, de Tita Reis, “[...] trem lotado / a noite em corpos fustigados / poentes sem paixões”. Por trás dos “problemas urbanos” está a vida dos habitantes da cidade, que se organiza na repartição dos benefícios do desenvolvimento e na distribuição do preço a pagar (CAMARGO, 1976, p. 22).
Existem, portanto, elementos decisivos que refletem diretamente na qualidade de vida urbana, e consequentemente, definem o termo Periferia, como bem expõe Camargo (1976, p. 22 e 23):
As condições de vida de uma população dependem de uma série de fatores, ligados direta ou indiretamente às formas de produção e distribuição da riqueza. Para a maioria da população de São Paulo, constituída de trabalhadores assalariados e de suas famílias, as relações de emprego são decisivas. Tanto pelas condições em que se exerce o trabalho, como pela remuneração que determina seu acesso aos bens e serviços à disposição dos habitantes da cidade. Mas, ao lado da organização empresarial, a própria organização do espaço urbano, da infraestrutura e dos serviços da cidade determinam a “qualidade de vida” da população.
Entre os objetos necessários à vida na cidade, muitos podem ser comprados individualmente, como alimentos, as roupas, os móveis e utensílios domésticos, os livros, os automóveis, as casas etc. O mesmo ocorre com certos serviços, do atendimento médico individual ao uso de táxis, do corte de cabelo à limpeza de roupas, e muitos outros. A distribuição de acesso a esses bens e serviços depende diretamente da quantidade de dinheiro à disposição do eventual comprador, isto é, da distribuição de renda.
Há serviços cujo uso é coletivo, embora o acesso a eles exija também pagamento individual: as redes de água e esgoto, eletricidade, telefones, os transportes coletivos, certos divertimentos públicos e atividades culturais etc. Teoricamente estão à disposição de todos que possam pagar por eles. Mas seu acesso pode ser mais fácil ou mais difícil, não somente em função dos preços ou tarifas, mas também do investimento público ou privado necessário para sua instalação e funcionamento. Esse investimento, na maior parte das vezes, é decidido em função de sua rentabilidade possível, ou de sua “viabilidade”. Isso significa que esses serviços são organizados de preferência para os consumidores que seguramente podem pagar por eles.
Por outro lado, há uma série de bens e serviços cujo custo recai, não sobre o consumidor individual, mas sobre a coletividade, através dos impostos: a abertura e calçamento de ruas, parques e praças, a organização do trânsito, o recolhimento de lixo, a iluminação pública etc. Esses bens e serviços também se repartem desigualmente, segundo a distribuição de renda, através de um mecanismo indireto que é a valorização imobiliária. Os terrenos e moradias são mais caros nas áreas melhor servidas e os preços dos imóveis funcionam como um mecanismo de reserva das instalações e dos serviços municipais, em benefício dos que podem pagar mais.
A distribuição espacial da população na cidade acompanha assim a condição social dos habitantes, reforçando as desigualdades existentes. Há muitos anos, uma favelada do Canindé [Carolina Maria de Jesus] escrevia que “a favela é o quarto de despejo da cidade”. Hoje em dia, a expressão “Periferia”, que serve para designar os bairros afastados do centro, tornou-se sinônima, em certos meios, da noção de marginalização ou de exclusão social.
O agravamento dos problemas que afetam a qualidade de vida da população em São Paulo não atinge a cidade em geral. Sobretudo a partir das últimas três ou quatro décadas, surgem e se expandem os bairros periféricos que, juntamente com os tradicionais cortiços e favelas, alojam a população trabalhadora. É nessas áreas que se concentram tanto a pobreza da cidade como a de seus habitantes.
Esta caracterização social e econômica é a essência do termo Periferia. A distribuição da riqueza e consequentemente a renda sem dúvida alguma é o indicador principal e fator determinante. Ninguém mora na beira de um córrego por que quer, pois, a situação de vulnerabilidade nada mais é do que a consequência de seus rendimentos financeiros proporcionada pela segregação em classes sociais e na concentração da riqueza para uma parte ínfima da sociedade que está no topo da pirâmide. A concentração da pobreza da cidade e de seus habitantes nada mais é do que o reflexo do sistema capitalista, produtor da desigualdade instaurada e regulamentada por meio do planejamento e gestão do Estado. A pobreza então nada mais é do que a exclusão econômica e social. A Periferia é ferida exposta de um sistema econômico e social doente.
Emergente, a questão da moradia é decisiva para a qualidade de vida da população e principalmente para a classe trabalhadora. Até a década de 1930, no início da industrialização, as empresas construíam as moradias chamadas “vilas operárias” para alojar os trabalhadores próximos aos seus locais de trabalho, por meio da venda ou aluguel. Isso porque até este período o custo dos terrenos era baixo e estas moradias eram destinadas a uma pequena quantidade de mão de obra mais qualificada, tornando viável o investimento das empresas em troca da diminuição das despesas dos operários, garantindo sua sobrevivência com salários rebaixados.
O crescimento industrial e sua intensificação trouxeram consigo um grande fluxo migratório, criando condições para o aumento da produção com uma grande força de trabalho abundante e barata, e gerando também um grande excedente de mão de obra. Com o crescimento da população trabalhadora, aumenta a demanda por moradias populares e consequentemente a valorização dos terrenos tanto residenciais como para as fábricas, logo:
As empresas transferem assim o custo da moradia (aquisição, aluguel, conservação do imóvel) e os de transporte para o próprio trabalhador e os custos dos serviços urbanos básicos, quando existentes, para o âmbito do Estado. Deste momento em diante as vilas operárias tendem a desaparecer e a questão da moradia passa a ser resolvida pelas relações econômicas no mercado imobiliário. Surge no cenário urbano o que será designado “Periferia”: aglomerados, clandestinos ou não, carentes de infraestrutura, onde vai residir a mão de obra necessária para o crescimento da produção (CAMARGO, 1976, p. 25).
O crescimento industrial e o crescimento da população caminham juntos com a especulação imobiliária e a acumulação de capital, refletindo diretamente na qualidade de vida da população e na precariedade da cidade, no qual o Estado não consegue acompanhar a velocidade “desenvolvimentista” e planejar o território, restringindo os investimentos públicos à dinâmica de valorização-especulação do sistema imobiliário-construtor (CAMARGO, 1976, p. 26, adaptado).
A cidade então se desenvolve de forma desigual e de acordo com os interesses de mercado, ou seja, seguindo a cartilha do sistema capitalista que em nome do lucro, desvaloriza o trabalho e o trabalhador e valoriza os seus bens existentes e potenciais, impondo ao Estado e a classe trabalhadora as suas regras.
O Estado por sua vez, não consegue regular o sistema capitalista, seguindo apenas a sua regra, tornando a cidade um lugar para o desenvolvimento das empresas que a sugam e não das pessoas que a habitam e produzem a riqueza.
A especulação imobiliária criou um método perverso, que persiste até hoje, de parcelamento e valorização da terra na cidade para garantir a reprodução do Capital:
(...) o novo loteamento nunca era feito em continuidade imediata ao anterior, já provido de serviços públicos. Ao contrário, entre o novo loteamento e o último já equipado, deixava-se uma área de terra vazia, sem lotear. Complementando o novo loteamento, a linha de ônibus que o serviria seria, necessariamente, um prolongamento a partir do último centro equipado. Quando estendida, a linha de ônibus passava pela área não loteada, trazendo-lhe imediata valorização. O mesmo ocorreria com os demais serviços públicos: para servir o ponto extremo loteado, passariam por áreas vazias, beneficiadas imediatas do melhoramento público. Desta forma, transferia-se para o valor da terra, de modo direto e geralmente antecipado, a benfeitoria pública (...) (CARDOSO, F.H. et al. apud CAMARGO, 1976, p. 29).
Acompanhando esse crescimento industrial, vem um grande boom populacional:
O vertiginoso crescimento demográfico da região, que entre 1960-1970 foi de 5,5% ao ano, junto com o processo de retenção dos terrenos à espera de valorização levou ao surgimento de bairros cada vez mais distantes. Amontoam-se populações em áreas longínquas, afastadas dos locais de trabalho, impondo-se distâncias de deslocamento cada vez maiores. Acentua-se o processo de criação de “cidades-dormitório”, verdadeiros acampamentos desprovidos de infraestrutura. Neste contexto, além do trabalho e da moradia, os transportes passam a ser um dos problemas cruciais (CAMARGO, 1976, p. 29, 30).
Com estes apontamentos é possível notar que, o que a princípio é desordem ou desorganização, na verdade está bem estruturado e planejado, mas não segundo a lógica de ordenação de desenvolvimento para as pessoas e sim para servir a lógica do lucro e a multiplicação de capital por meio da especulação imobiliária, ou seja, a cidade cresce e se desenvolve pela desigualdade que alimenta, gerando ao mesmo tempo lucro e miséria, fatores estes indissociados e sobrepostos.
Por outro lado, também surge o questionamento de até que ponto os movimentos sociais de moradia devem lutar por construção de novas moradias ou se seria melhor focar e concentrar energia em políticas habitacionais que limitem a quantidade de propriedades de moradia que cada cidadão pode ter, forçando a ter uma redistribuição de moradias dando uso social e de posse coletiva da sociedade. Outro pensamento é se teria de haver uma descentralização da cidade, como o exemplo de São Paulo, que, nos dias atuais não tem mais como crescer e está chegando a atingir o caos, com um excesso de tudo e ao mesmo tempo com muitas pessoas morando em outros municípios podendo chegar até 100 quilômetros de distância do seu local de trabalho. Camargo (1976, p. 61) faz uma boa síntese:
Na medida em que a iniciativa social e política das classes trabalhadoras continuar bloqueada, será difícil vislumbrar uma cidade verdadeiramente humana em São Paulo. Pois é o capital – e não a força de trabalho – que deteriora a vida metropolitana. Para o capital a cidade é fonte de lucro. Para os trabalhadores é uma forma de existência.
Outro fator crucial é o deslocamento no transporte público coletivo, no qual se desloca a classe trabalhadora em longos trajetos com condições precárias em horário de pico, agravando ainda mais as condições de vida, ou seja, as pessoas se deterioram e deixam de viver suas vidas no trajeto casa-trabalho-casa, numa situação talvez de servidão que se remete a um fragmento do navio negreiro de outrora ainda presente nos dias atuais. Da mesma forma, esta estratificação da cidade se relaciona com a cor de pele da população, que se remete ao processo de gentrificação7 no qual está presente desde o surgimento de São Paulo. Ou seja, a segregação é econômica, de classe, de gênero e racial, conforme será evidenciado no capítulo 2.
As favelas, em sua grande maioria, se constituíram seguindo os passos da industrialização, fornecendo ao mercado mão de obra barata para execução de serviços “não qualificados”. Na medida em que os terrenos ocupados passam a ter valor, aumenta a pressão da especulação imobiliária e, consequentemente, a expulsão das pessoas para locais mais distantes, até mesmo para outros municípios, ou seja, para a Periferia da cidade ou da região metropolitana.
A distribuição de renda está relacionada ao processo de acumulação de capital, no qual a organização do próprio processo produtivo determina a forma como a riqueza produzida se distribui entre salários e lucros (CAMARGO, 1976, p. 63). A partir da produção do excedente, extraindo o seu valor, pode ser reaplicado para o aumento da produção, ou revertido em retirada de lucros por parte do empresário, ou aumento de salário para os empregados. As duas primeiras hipóteses agregam ao patrimônio do patrão, enquanto a última nas melhorias de condições de vida dos trabalhadores.
Os trabalhadores explorados, aumentando a produção sem ter aumento de salário, contribuem involuntariamente (espoliados) para a concentração de renda e aumento de patrimônio dos empresários. Com os salários abaixo do necessário para sobrevivência, os trabalhadores são forçados a se submeter as horas extras, bicos e a buscar formas de reduzir custos. Desta forma, a moradia é um dos principais fatores, tendo como opção, em casos extremos, as favelas, cortiços ou terrenos para autoconstrução em locais afastados da cidade, para que assim, consigam manter a subsistência. O desenvolvimento econômico que deveria ser para melhorar as condições de vida coletiva, torna-se individual com o agravamento e perpetuação das desigualdades sociais existentes.
A discriminação racial, entre outros fatos, mostra que a permanente reprodução das desigualdades na sociedade paulistana pouco tem a ver com a “livre competição no mercado” que a ideologia capitalista apregoa como explicação do caráter “natural” das hierarquias sociais (...) (CAMARGO, 1976, p. 95).
Uma das formas de perpetuação das desigualdades também se reproduz pela discriminação racial8, no qual os negros são colocados em segundo plano, principalmente no mercado de trabalho, onde o empregador, no processo seletivo, entre um branco e um negro, na maioria das vezes, opta por selecionar o branco.
A reprodução das desigualdades na sociedade paulistana atinge os trabalhadores em geral, mas afeta em especial certas camadas: jovens, mulheres, velhos e negros são mais radicalmente excluídos das oportunidades de emprego e remuneração. Não se trata, porém de situações “particulares”. Ao estabelecer diferenciações desse tipo no interior das classes trabalhadoras, o sistema econômico pode explorar mais intensamente a sua força de trabalho. E selecionar aqueles que, numa situação de emprego restrito, poderão ser exauridos e substituídos a baixo preço (CAMARGO, 1976, p. 104).
Nota-se que a perpetuação e concentração dos meios de produção estão nitidamente relacionados a cor da pele da população, ou seja, a segregação é econômica e tem cor, no qual os negros compõem a maior parte da população nas bordas da cidade como assalariados ou no mercado informal com baixa remuneração, sofrendo na pele o preconceito herdado do sistema escravocrata que se reproduz com novas roupagens até os dias atuais.
A Periferia, portanto, é fruto do processo de acumulação do capital, que para se reproduzir e se perpetuar, segrega a sociedade em classes, gênero e raça. Entre as características e indicadores expostos que podem evidenciar tamanhas desigualdades estão os dados de renda, moradia, transporte público (tempo de deslocamento) e a cor da pele.
A Periferia em si também tem seus desdobramentos, é precariedade e violência, mas também é solidariedade e potência. Assumi-la como tal [Periferia], representa também a tentativa de criar uma unidade de classe trabalhadora, excluída dos meios de produção, e que são a maioria da população, portanto, para se emancipar a humanidade se faz necessário, num processo simultâneo e paralelo, compreender e igualar as questões de raça e gênero e sucumbir com as classes para, como disse Milton Santos (2012, p.125), recuperar a centralidade da humanidade no processo histórico.
4.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE TERRITÓRIO, AS TERRITORIALIDADES E AS MULTITERRITORIALIDADES
“O espaço é a ‘prisão original’, o território é a prisão que os homens constroem para si”. Raffestin
Como visto em algumas citações acima, a questão do território está posta em discussão e para assumi-la como uma categoria-chave da geografia, se faz necessário explicitar o que se entende por território, territorialidades e as multiterritorialidades. A construção do conceito de território é complexa e, segundo Saquet (2015, p. 24):
É preciso superas as concepções simplistas que compreendem os territórios sem sujeitos sociais ou esses sujeitos sem territórios e apreender a complexidade e a unidade do mundo da vida, de maneira (i)material, isto é, as interações no e com o lugar, objetiva e subjetivamente, sinalizando para a potencialização de processos de desenvolvimento.
O território significa natureza e sociedade; economia, política e cultura; ideia e matéria; identidades e representações; apropriação, dominação e controle; des-continuidades; conexão e redes; domínio e subordinação; degradação e proteção ambiental; terra, formas espaciais e relações de poder; diversidade e unidade. Isso significa a existência de interações no e do processo de territorialização, que envolvem e são envolvidas por processos sociais semelhantes e diferentes, nos mesmos ou em distintos momentos e lugares, centradas na conjugação, paradoxal, de des-continuidades, de desigualdades, diferenças e traços comuns. Cada combinação específica de cada relação espaço-tempo é produto, acompanha e condiciona os fenômenos e processos territoriais.
Precisamos conhecer melhor as abordagens e concepções, e a ligação dessa reflexão no nível do pensamento com a nossa vida diária, elaborando procedimentos para a pesquisa, para o ensino e para a concretização de projetos de desenvolvimento territorial que considerem a maioria da população, com saúde de qualidade, educação, lazer, habitação, ou seja, novos elementos societários e um novo arranjo territorial, com autogestão e autonomia para os sujeitos. Para isso, é fundamental compreender e redimensionar as relações de poder.
Relações de poder que estão nas famílias, nas universidades, no Estado em suas diferentes e complementares instâncias, nas fábricas, na igreja ... enfim, em nossa vida cotidiana. Relações que são vividas, sentidas e, às vezes, percebidas e compreendidas diferentemente. Assim são os territórios e as territorialidades: vividos, percebidos e compreendidos de formas distintas; são substantivados por relações, homogeneidades e heterogeneidades, integração e conflito, localização e movimento, identidades, línguas e religiões, mercadorias, instituições, natureza exterior ao homem; por diversidade e unidade; (i)materialidade. Eis do que estou tratando.
Diante dessas reflexões, é possível perceber as diversas forças que operam dentro de um mesmo território, e que, conceitualmente, adota-se a seguinte definição de território:
(...) a partir da concepção de espaço como um híbrido – híbrido entre sociedade e natureza, entre política, economia e cultura, e entre materialidade e “idealidade”, numa complexa interação tempo-espaço, como nos induzem a pensar geógrafos como Jean Gottman e Milton Santos, na indissociação entre movimento e (relativa) estabilidade – recebam estes os nomes de fixos e fluxos, circulação e “iconografias” [na acepção de Jean Gottman], ou o que melhor nos aprouver. (...) o território pode ser concebido a partir da imbricação de múltiplas relações de poder, do poder mais material das relações econômico-políticas ao poder mais simbólico das relações de ordem mais estritamente cultural (HAESBAERT, 2004a: 79 apud HAESBAERT, 2007, p. 27).
Quanto a questão da territorialidade,
No nosso ponto de vista não é apenas “algo abstrato”, num sentido que muitas vezes se reduz ao caráter de abstração analítica, epistemológica. Ela é também uma dimensão imaterial, no sentido ontológico de que, enquanto “imagem” ou símbolo de um território, existe e pode inserir-se eficazmente como uma estratégia político-cultural, mesmo que o território ao qual se refira não esteja concretamente manifestado – como no conhecido exemplo da “Terra Prometida” dos judeus, territorialidade que os acompanhou e impulsionou através dos tempos, ainda que não houvesse, concretamente, uma construção territorial correspondente segundo Haesbaert (2007, p. 25).
Neste sentido, talvez o processo de construção de uma política pública para Periferia, e seus desdobramentos que serão apresentados nos capítulos 2 e 3 levando em conta o(s) território(s), seja um ensaio e/ou tentativa de criação de uma nova territorialidade tanto no enfoque epistemológico9, quanto num sentido ontológico10, conforme a síntese elaborada por Haesbaert (2007):
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Territorialidade num enfoque mais epistemológico:
“abstração”, condição genérica (teórica) para a existência do território (dependendo, assim, do conceito de território proposto)
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Territorialidade num sentido mais ontológico:
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Como materialidade (ex. controle físico do acesso através do espaço material, como indica Robert Sack)
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Como imaterialidade (ex. controle simbólico, através de uma identidade territorial ou “comunidade territorial imaginada”)
-
Como “espaço vivido” (frente aos espaços – neste caso, territórios, formais-institucionais), conjugando materialidade e imaterialidade.
Entende-se então que, no cotidiano de um território convivem territórios múltiplos e/ou as territorialidades que formam as multiterritorialidades:
(...) a existência do que estamos denominando multiterritorialidades, pelo menos no sentido de experimentar vários territórios [e/ou territorialidades] ao mesmo tempo e de, a partir daí formular uma territorialização efetivamente múltipla, não é exatamente uma novidade, pelo simples fato de que, se o processo de territorialização parte do nível individual ou de pequenos grupos, toda a relação social implica uma interação territorial, um entrecruzamento de diferentes territórios. Em certo sentido, teríamos vivido sempre uma “multiterritorialidade”. (HAESBAERT, 2004A:344 apud HAESBAERT, 2007, p. 35).
As multiterritorialidades se referem então a toda dinâmica que ocorre no(s) território(s), que são múltiplas em seu cotidiano sendo movimentadas por diversos atores, como exemplo, dentro de um mesmo território tem uma territorialidade na cultura e uma territorialidade na saúde com diferentes formas de se movimentar e interagir com a população e com as relações de poder que podem ser tantos locais quanto global, articulando o vivido com a economia, a política e o simbólico.
No que tange a influência dos novos adventos da dimensão tecnológico-informacional, destaca-se que
A principal novidade é que hoje temos uma diversidade ou um conjunto de opções muito maior de territórios/territorialidades com os/as quais podemos “jogar”, uma velocidade (ou facilidade, via Internet, por exemplo) muito maior (e mais múltipla) de acesso e trânsito por essas territorialidades – elas próprias muito mais instáveis e móveis – e, dependendo de nossa condição social, também muito mais opções para desfazer e refazer constantemente essas multiterritorialidades (HAESBAERT, 2004A:344 apud HAESBAERT, 2007, p. 39).
Cabe comentar aqui, como exemplo, as muitas das articulações dentro do Movimento Cultural das Periferias (MCP), tanto para mobilizações quanto para construção de documentos que envolviam participantes de diferentes regiões da cidade, não seria possível sem as redes virtuais, uma por conta da mobilidade física e também temporal, e outra por conta das precariedades materiais das coletividades participantes. Se por um lado os adventos tecnológicos-informacional dinamizam a integração entre os territórios-rede, como exemplo a comunicação instantânea, por outro torna-se preocupante se pensar a aparato ao qual uma minoria dispõe para usufruir da multiterritorialidade. Segundo Haesbeart,
Numa breve (in)conclusão, apontando também para desdobramentos futuros, podemos afirmar que o mais importante neste debate diz respeito a implicações políticas do conceito de multiterritorialidades, suas repercussões em termos de intervenção na realidade concreta ou em termos estratégicos de poder. Como já afirmamos, é necessário distinguir, por exemplo, entre multiterritorialidades potencial (a possibilidade de ela ser construída e ou acionada) e a multiterritorialidades efetiva, realizada:
(...) enquanto uma elite globalizada tem a opção de escolher entre os territórios que melhor lhe aprouver, vivenciando efetivamente uma multiterritorialidade, outros, na base da pirâmide social, não tem sequer a opção do “primeiro” território, o território como abrigo, fundamento mínimo de sua reprodução física cotidiana (HAESBAERT, 2004a: 360 apud HAESBAERT, 2007, p. 42).
Ou seja, os territórios e/ou multiterritorialidades se movimentam também de forma desigual, e por isso, se faz necessário um pensar e agir mais lúcido, de forma estratégica, levando em conta a multiplicidade das territorializações para se alcançar a transformação desejada, logo, (in)conclui que:
Geograficamente falando, pensar multiterritorialmente significa pensar tanto em múltiplos poderes (ou “governanças”) quanto em múltiplas identidades (em espaços culturalmente híbridos) e mesmo em múltiplas funções (a “multifuncionalidade” econômica) – em síntese, um debate complexo em prol da perspectiva maior de construção de uma outra sociedade, ao mesmo tempo mais universalmente igualitária e mais multiculturalmente reconhecedora das diferenças humanas (HAESBAERT, 2007).
Eis o desafio para humanidade frente ao grande império capitalista que está pesquisa com seus capítulos a seguir estão longe de responder, mas que talvez possa trazer indícios para o “pulo do gato11”. Fica também outro questionamento que reflete as angústias dos dias atuais: “como organizar movimentos políticos de resistência através de um espaço tão fragmentado e, em tese, multi-escalar e ... desarticulado?” (HAESBAERT, 2007, p. 37).
Diante de toda a discussão acima, fica a consideração do porque o termo Periferia aparece em muitos momentos como “Periferias” no plural, seja por suas especificidades, seja pelas territorialidades e multiterritorialidades contidas dentro dela. Não é por acaso que a Rosalina Burgos (2013) intitula seu livro de Periferias Urbanas.
O capitulo a seguir evidência um pouco do que foi discutido neste capítulo e aponta para estudos no qual serviram de base, referência e inspiração para delimitação geográfica do que viria a se tornar a Lei de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo.
5. PERIFERIA: PESQUISAS E CONSIDERAÇÕES SOBRE AS DESIGUALDADES NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
A ideia principal deste capítulo é apresentar alguns estudos que serviram de base, inspiração e argumentação para a criação da Lei de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo. Alguns indicadores, como renda, moradia, trabalho, transporte público (tempo de deslocamento), expectativa de vida, genocídio, cor da pele e gênero, são elementos que evidenciam as desigualdades nos territórios e reforça a necessidade de inverter a lógica vigente. Defender o óbvio é preciso.
5.1. CONSIDERAÇÕES SOBRE INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA
A principal fonte de dados do Brasil com uma base consistente é a do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)12. Por meio do senso demográfico, são levantados diversos dados e indicadores, no qual, por meio deles, é possível elaborar diversos estudos, cruzar indicadores e extrair sínteses e leituras da realidade. Para se ter uma da dimensão destes levantamentos de dados, o orçamento do Censo está calculado em R$ 1,677 bilhão13.
Os dados do IBGE servem de estudo e análise para diversos órgãos governamentais e não governamentais, entidades, institutos, universidades, etc., dentre os quais pesquisados, se destacam o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) e a Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE).
Segundo o seu sítio14, o IBGE tem como missão institucional retratar o Brasil com informações necessárias ao conhecimento de sua realidade e ao exercício da cidadania.
Dentre suas principais funções, se destacam:
O IBGE se constitui no principal provedor de dados e informações do País, que atendem às necessidades dos mais diversos segmentos da sociedade civil, bem como dos órgãos das esferas governamentais federal, estadual e municipal.
O IBGE oferece uma visão completa e atual do País, através do desempenho de suas principais funções:
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Produção e análise de informações estatísticas
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Coordenação e consolidação das informações estatísticas
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Produção e análise de informações geográficas
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Coordenação e consolidação das informações geográficas
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Estruturação e implantação de um sistema de informações ambientais
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Documentação e disseminação de informações
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Coordenação dos sistemas estatístico e cartográfico nacionais
Histórico
Durante o período imperial, o único órgão com atividades exclusivamente estatísticas era a Diretoria Geral de Estatística, criada em 1871. Com o advento da República, o governo sentiu necessidade de ampliar essas atividades, principalmente depois da implantação do registro civil de nascimentos, casamentos e óbitos.
Com o passar do tempo, o órgão responsável pelas estatísticas no Brasil mudou de nome e de funções algumas vezes até 1934, quando foi extinto o Departamento Nacional de Estatística, cujas atribuições passaram aos ministérios competentes.
A carência de um órgão capacitado a articular e coordenar as pesquisas estatísticas, unificando a ação dos serviços especializados em funcionamento no País, favoreceu a criação, em 1934, do Instituto Nacional de Estatística - INE, que iniciou suas atividades em 29 de maio de 1936. No ano seguinte, foi instituído o Conselho Brasileiro de Geografia, incorporado ao INE, que passou a se chamar, então, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
Desde então, o IBGE cumpre a sua missão: identifica e analisa o território, conta a população, mostra como a economia evolui através do trabalho e da produção das pessoas, revelando ainda como elas vivem.
Segundo o IBGE (2011)15,
Setor censitário é a unidade territorial de controle cadastral da coleta, constituída por áreas contíguas, respeitando-se os limites da divisão político-administrativa, do quadro urbano e rural legal e de outras estruturas territoriais de interesse, além dos parâmetros de dimensão mais adequados à operação de coleta.
Esta unidade territorial de controle cadastral na qual compõe o setor censitário é
a área que delimita o trabalho de cada recenseador no trabalho de coleta de informações. O Brasil foi dividido em 316.574 setores, de tamanho e formato variável, na tentativa de distribuir o trabalho de recenseamento. Nas regiões urbanas, cada setor agrupa, em média, de 250 a 350 domicílios. Para respeitar o anonimato da população, o IBGE suprime informações de setores com cinco domicílios ou menos, pois os dados divulgados poderiam permitir a identificação de indivíduos. (Estadão, 201116)
É por meio do IBGE que se pode ter grandes estudos sobre a desigualdade no país, levantamento e mapeamento de favelas e habitações precárias, como exemplo, uma matéria que saiu no jornal O Estado de São Paulo, no qual aponta que “segundo o IBGE, SP concentra 19% do total de “aglomerados subnormais” do País17”. Segundo o jornal:
A Pesquisa Aglomerados Subnormais - Informações Territoriais, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostra que 37% dos moradores de favelas paulistanas demoram mais de uma hora para chegar ao trabalho em contraste com 30% dos moradores das demais áreas da cidade.
Em outro trecho tem o relato de um morador: "Falta tudo: asfalto, luz, saneamento. Se a gente pudesse não morava aqui”. Vale ler a matéria para sentir o sangue ferver perante tanta desigualdade.
O IBGE, portanto, cumpre um importante papel na sociedade brasileira e seu aprimoramento deve ser constante para se conhecer melhor o país por meio de estudos e análises que reverberem em políticas públicas para combater as desigualdades em todo território nacional. Se não bastasse a olho nu ver tanta desigualdade, os dados também estão aí para comprovar. O que é que falta?
5.2. CONSIDEREÇÕES SOBRE O CENTRO DE ESTUDOS DA METRÓPOLE
O Centro de Estudos da Metrópole (CEM) é uma das instituições citadas algumas vezes durante o processo de formulação da Lei de Fomento à Periferia. Em seu sítio de internet18 se apresenta da seguinte forma:
O Centro de Estudos da Metrópole (CEM/Cepid) é uma instituição de pesquisa avançada em ciências sociais, que investiga temáticas relacionadas as desigualdades e à formulação de políticas públicas nas metrópoles contemporâneas.
Sediado na Universidade de São Paulo e no CEBRAP, o CEM é constituído por um grupo multidisciplinar, que inclui pesquisadores demógrafos, cientistas políticos, sociólogos, geógrafos, economistas e antropólogos – cuja agenda de pesquisa está voltada basicamente ao estudo de dimensões relacionadas ao acesso dos cidadãos ao bem-estar. Dessa forma, as pesquisas desenvolvidas estão voltadas aos mecanismos por meio dos quais os cidadãos podem sair da situação de pobreza, a saber: a ação do Estado; mercado de trabalho e as redes de relacionamento e associativas.
Os pesquisadores do Centro aplicam distintas metodologias em suas investigações. Alguns adotam técnicas quantitativas (estudos de grande “n” com tratamento estatístico. Outros empregam técnicas qualitativas (com “n” pequeno e estudos de caso), além daqueles que realizam trabalho etnográfico.
O modelo de pesquisa adotado segue o das ciências sociais, ou seja, um professor orientador (coordenador de pesquisa) e seus orientandos, tendo em vista que um importante objetivo do Centro é a formação de novos pesquisadores. As equipes de pesquisa são formadas por investigadores em diferentes estágios da carreira; alunos de iniciação científica, de mestrado, de doutorado (com bolsas de estudo vinculadas aos respectivos programas universitários) e pesquisadores com bolsas de pós-doutorado.
As linhas mais recentes de pesquisa estão voltadas ao estudo de fatores que afetam a trajetória recente das desigualdades no Brasil, esperando obter contribuições teóricas que possam ser úteis para o conhecimento científico e para formuladores de políticas públicas. Pesquisas de longo prazo em escala nacional, com abordagem multidisciplinar, e colaboração com equipes de investigação nacionais e internacionais são as estratégias fundamentais desta proposta.
A instituição, criada em 2000 busca ser um centro de nível internacional, que também esteja comprometido com a difusão do conhecimento e transferência de tecnologia.
O Centro é uma instituição financiada pela FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) por meio de um novo modelo de organização da investigação científica implementado nos Cepids (Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão). Em sua trajetória, o Centro também contou com o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tendo sido um INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) até 2014.
As instituições associadas ao CEM são: o NEPO (Núcleo de Estudos da População), da Universidade Estadual de Campinas; o Departamento de Sociologia, da Universidade de São Paulo; o Departamento de Ciência Política, da Universidade de São Paulo; o Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP); o Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper); o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e o NECI (Núcleo de Estudos Comparados e Internacionais), da Universidade de São Paulo.
O CEM, sendo um instituto de pesquisas avançadas, produz uma série de estudos e publicações, além de fomentar cursos, debates e palestras que enriquecem e aprofundam as análises de como se desenvolvem as metrópoles para influir na elaboração de políticas públicas. Também é interessante saber que estas instituições existem e conhecer como estão organizadas e suas metodologias aplicadas nos estudos e pesquisas.
Em uma matéria publicada em 08/04/2015 pela Agência USP de Notícias19, o estudo do CEM [se confirma na teoria o que os moradores das Periferias vivem na prática] faz comparativos entre o censo demográfico de 2000 e 2010, no qual aponta que a segregação na cidade se manteve em um patamar muito elevado neste período. “O estudo se baseia em dados sobre escolaridade, emprego e renda na cidade e revela que a segregação é hierárquica em termos sociais”, diz a matéria. O estudo apresenta um mapa no qual é possível visualizar a segregação territorial em classes sociais na região metropolitana de São Paulo, segundo o censo do ano 2000:
Mapa 1: Censo de 2000 aponta maior homogeneidade nos bairros periféricos
Fonte: http://www.usp.br/agen/?p=205968 (CEM)
Neste mapa, nota-se a segregação em classes existente na cidade. E onde está a elite no território? Segundo publicado na matéria
“A distribuição clássica dos grupos sociais na cidade, assim como nas demais metrópoles latino-americanas, indica os grupos mais ricos e escolarizados nas áreas centrais, dotadas de infraestrutura, e grupos de baixa renda nas áreas periféricas marcadas por precariedade”, afirma Marques. (Agência USP de notícias, 2015)
Pensando na criação de uma política pública para a Periferia, haveria de se criar um critério no qual o território e as pessoas fossem um elemento definidor, caso contrário, haveria o risco, em um chamamento público aberto de forma igual para toda a cidade, de reproduzir a grande desigualdade que há na mesma, pelas razões óbvias acima apresentadas.
5.3. CONSIDEREÇÕES SOBRE O SISTEMA ESTADUAL DE ANÁLISES DE DADOS
A Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE) por sua vez, faz uma análise e sistematização de dados voltado para o Estado de São Paulo, trabalhando com os dados do IBGE, dentre outros. O Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS) é um de seus produtos/estudos. No sítio de internet, se apresenta da seguinte forma:
O Seade, fundação vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de São Paulo, é hoje um centro de referência nacional na produção e disseminação de análises e estatísticas socioeconômicas e demográficas. Para isso, realiza pesquisas diretas e levantamentos de informações produzidas por outras fontes, compondo um amplo acervo, disponibilizado gratuitamente, que permite a caracterização de diferentes aspectos da realidade socioeconômica do estado, de suas regiões e municípios e de sua evolução histórica.
Ao longo de mais de 35 anos de atuação, o Seade tem se constituído em uma segura e sempre atualizada fonte de dados sobre o estado de São Paulo. As habilidades que a instituição desenvolve continuamente a capacitam para a criação e aprimoramento de metodologias e ferramentas para a formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas, o que tem levado instituições das mais diferentes áreas de atuação a contratá-la para a prestação de serviços técnicos.
Sua extensa e diversificada linha de produtos e serviços tem auxiliado cidadãos, gestores públicos, empresários e jornalistas a compreender melhor as características específicas da realidade paulista, as mudanças sociais, as transformações econômicas e os impactos das políticas públicas nos seus 645 municípios.
Para disseminar sua produção, a Fundação Seade orienta-se pelas seguintes diretrizes:
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Uso da internet como principal instrumento de disseminação;
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Gratuidade de acesso;
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Disponibilização de todo o acervo recente de informações;
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Disponibilização, sempre que possível, dos microdados resultantes das pesquisas;
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Fornecimento de metadados, como definições, classificações utilizadas, notas que sejam relevantes para a compreensão da informação;
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Pesquisa e desenvolvimento permanente de sistemas e ferramentas para apresentação de informações;
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Transferência de tecnologia e compartilhamento de soluções com instituições congêneres e parceiras.
Os estudos IPVS são bem interessantes e trabalham com setores censitários, no qual é possível se extrair dados e informações numa escala micro e com um detalhamento melhor. No capítulo 3 há um mapa de um dos estudos utilizados pelo Atlas Sócio Assistencial da cidade de São Paulo, no qual é tema de debate durante a pesquisa e elaboração da Lei.
A vulnerabilidade social é foco desta pesquisa, portanto, cabe definir que
Vulnerabilidade social é um conceito multidimensional que se refere à condição de indivíduos ou grupos em situação de fragilidade, que os tornam expostos a riscos e a níveis significativos de desagregação social. Relaciona-se ao resultado de qualquer processo acentuado de exclusão, discriminação ou enfraquecimento de indivíduos ou grupos, provocado por fatores, tais como pobreza, crises econômicas, nível educacional deficiente, localização geográfica precária e baixos níveis de capital social, humano, ou cultural (sobre o conceito de capital, ver BOURDIEU, 1987, 1989, 1990), entre outros, que gera fragilidade dos atores no meio social (XIMENES, 2010).
Os estudos a seguir evidenciam que a vulnerabilidade social tem “CEP”, classe e cor.
5.4. ESTUDOS SOBRE AS DESIGUALDADES NA CIDADE DE SÃO PAULO
5.4.1. O Município de São Paulo
Segundo o censo de 2010 do IBGE20, o município de São Paulo tem uma população de 11.253.503 pessoas com uma densidade demográfica de 7.398 hab./km². O município possui 96 distritos e 32 subprefeituras, conforme os dois mapas ilustrativos (2 e 3) a seguir:
Mapa 2 (ilustrativo): os 96 distritos do Município de São Paulo
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo (2014)
Mapa 3 (ilustrativo): Subprefeituras do Município de São Paulo
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade São Paulo (2014)
Estudos e indicadores sistematizados foram objetos de pesquisa e análise para se entender melhor os territórios e suas prioridades e serão apresentados a seguir.
5.4.2. O mapa da juventude da cidade de São Paulo
“Não há geografia sem drama”.
Yves Lacoste
A Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) elaborou um estudo em 2014 para a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo (SMDHC)21, no qual traça um perfil multidimensional da juventude (pessoas com idade entre 15 e 29 anos) que congrega indicadores demográficos, sócio econômicos, educação, habitação, saúde, trabalho, cultura e cidadania digital. A juventude na cidade de São Paulo está estimada em 25% da população. O mapa da juventude da cidade de São Paulo retrata de diversas maneiras a desigualdade que há nos territórios destacando as especificidades. Cabe destacar aqui que a desigualdade entre a juventude e os mapas se sobrepõem em vários momentos, com os agravantes, se comparados a cor da pele (branco e negro) e gênero (homem e mulher).
Gráfico 1: população total e jovens de 15 a 29 anos no Município de São Paulo 2000-2013.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade São Paulo (2014)
Nota-se com este gráfico, que embora a população da cidade esteja aumentando, a população jovem está diminuindo gradativamente.
Segundo o estudo da Unicamp (2014, p. 7),
considerando a distribuição da população do Município de São Paulo segundo distritos, a Tabela 1 mostra que os distritos com menor população em 2013 foram Marsilac (8.278 pessoas), Barra Funda (14.865) e Pari (17.875), e os de maior volume populacional foram Grajaú (369.471) e Jardim Ângela (308.424).
Tabela 1: População Residente segundo distritos do Município de São Paulo, 2000-2013
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade São Paulo (2014)
A tabela 1 apresenta a população de todos os distritos do município de São Paulo e suas variações. Seguindo a mesma linha, o mapa 4 a seguir apresenta onde reside a população total e a juventude:
Mapa 4: População residente total e jovem de 15 a 29 anos de idade. Distritos do município de São Paulo, 2013.
Fonte: Mapa da Juventude do Município de São Paulo, 2014
O gráfico e o mapa acima dão uma ideia de como está distribuída a população total e a juventude na cidade, onde observa-se já de início menores concentrações populacionais nas áreas centrais e maiores concentrações nas bordas da cidade e da mesma forma a juventude. A seguir elenca-se outros mapas para ir traçando e desvendando as desigualdades presentes nos territórios. A renda é uma delas:
Mapa 5: rendimento médio mensal dos jovens de 15 a 29 anos de idade responsáveis por domicílio segundo sexo. Distritos do Município de São Paulo, 2010.
Fonte: Mapa da Juventude do Município de São Paulo, 2014
Como este mapa é possível notar a gritante concentração de renda nas áreas centrais com o agravante da diferença de gênero entre homens e mulheres. Nota-se a diminuição de renda para as mulheres refletida nos distritos em que residente, ou seja, fica mais evidente a desigualdade e uma das hierarquias da segregação.
Mapa 6: Participação relativa dos jovens de 15 a 29 anos de idade no distrito segundo categorias selecionadas de renda per capita domiciliar.
Distritos do Município de São Paulo, 2010.
Fonte: Mapa da Juventude do Município de São Paulo, 2014, p. 70
Até este ponto, o estudo conclui que,
Em termos de renda, a localização do distrito de residência também é fundamental na análise das condições de vida da população jovem. Independente de sexo, grupos etários ou raça/cor, os distritos que apresentam o valor (em reais) da maior renda média mensal dos jovens responsáveis pelos domicílios, ou a maior participação de jovens no grupo de renda domiciliar per capta de 2 ou mais salários mínimos, foram aqueles situados em áreas mais centrais, especialmente Moema, Jardim Paulista, Pinheiros, Alto de Pinheiros, Itaim Bibi, além de Socorro, em 2010. Já os distritos com menores níveis de renda média mensal dos jovens responsáveis pelos domicílios foram aqueles localizados no extremo sul do município (Marsilac, Parelheiros, Jardim Ângela) ou extremo leste (Jardim Helena e Cidade Tiradentes).
Acrescentando a variável sexo nesta análise, observou-se que o diferencial de renda entre homens e mulheres é maior na população total do município do que entre os jovens. Enquanto a renda média mensal do total de responsáveis pelos domicílios foi estimada em um valor próximo a R$ 3.600 para os homens e de R$ 2.300 para as mulheres do Município de São Paulo em 2010, entre os jovens responsáveis pelos domicílios as rendas foram estimadas em valores próximos a R$ 2.020 para os homens jovens e de R$ 1.700 para as mulheres jovens.
Segundo a raça/cor autodeclarada pela população jovem responsável pelo domicílio verifica-se, como ocorre no país, no estado e no município, que os responsáveis brancos declararam um rendimento muito maior que os negros (aproximadamente R$ 3.900 contra R$ 1.450) no Município de São Paulo, em 2010. Note-se que o rendimento médio mensal dos jovens brancos responsáveis pelo domicílio era próximo de R$ 2.400, duas vezes maior que o dos negros, cujo rendimento médio era de quase R$ 1.200 em 2010 (UNICAMP/MJCSP, 2014, p. 87).
Ou seja, a renda é concentrada nos distritos mais centrais onde está grande parte da população branca e nos extremos estão as menores rendas com os agravantes de
os distritos localizados nas áreas mais afastadas do centro da capital paulista, como Marsilac, Parelheiros, Jardim Ângela (região sul) e Jardim Helena, Lajeado e Cidade Tiradentes (extremo leste), possuem uma população com maior participação de jovens, maior participação de população negra jovem, maior chefia negra do domicílio, maior participação de chefia masculina do domicílio, e renda média menor em comparação com os distritos localizados mais na área central do município.
Assim, é altamente significativa a desigualdade entre os distritos mais centrais e aqueles considerados mais periféricos em função de sua localização, mencionados anteriormente. A renda média do responsável pelo domicílio é um exemplo evidente disso. Enquanto a renda média do responsável jovem chegava a R$ 8.750, em 2010, em Itaim Bibi (área mais central), nos distritos da área sul não chegava a R$ 1.000 no mesmo ano (UNICAMP/MJCSP, 2014, p. 87).
Portanto, a renda e a localização são indicadores essenciais para se pensar políticas públicas, evidenciar as desigualdades e principalmente a vulnerabilidade social nos territórios. A segregação é acima de tudo, econômica, e o pior, extremamente desigual. Os mapas se sobrepõem e é possível visualizar uma determinada classe e onde estão as outras. Então, se pergunta aos governantes ditos progressistas, qual é a sua prioridade?
Mapa 7: Taxas de mortalidade por homicídios e intervenções legais (por 100 mil) na população de 15 a 29 anos por sexo.
Distritos do Município de São Paulo, 2010-2013.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo, 2014.
Para o Governo do Estado de São Paulo parece que a prioridade é nítida ao que se refere a Segurança Pública, e no Brasil não é muito diferente. Segundo Atila Roque22, diretor da Anistia Internacional, “no país há uma ‘classe perigosa’, composta por jovens negros e moradores da Periferia. É com esta premissa que opera a repressão policial no país”. Ou seja, o negro é suspeito, o morador da Periferia é suspeito, por conta da sua classe, por conta da sua cor. Se é negro, e da Periferia, já nasce alvo. As segregações são múltiplas, e principalmente racial.
Mapa 8: População de 15 a 29 anos abaixo da linha de pobreza, por raça/cor.
Subprefeituras do Município de São Paulo, 2010.
Nota: Foram considerados como pobres as pessoas com renda domiciliar per capta maior que zero e menor que ½ do salário mínimo de 2010 (equivalente a R$255,00). Essa linha de pobreza foi deflacionada para julho de 2010 utilizando o INPC. O universo de pessoas é limitado aquelas de 15 a 29 anos que vivem em domicílios particulares permanentes.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo, 2014.
O mapa acima expõe a diferença gritante entre brancos e negros abaixo da linha pobreza. E isso porque não este estudo não está levando em conta as habitações precárias, ou subnormais, como chama o IBGE, ou seja, as favelas, cortiços e ocupações. O próximo mapa expõe os indicadores de pobreza extrema:
Mapa 9: População de 15 a 29 anos abaixo da linha de pobreza extrema, por raça/cor.
Distritos do Município de São Paulo, 2010.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo, 2014.
E assim os mapas das desigualdades se sobrepõem, seja na questão do trabalho, da educação, da habitação e tantos outros fatores que refletem diretamente na qualidade de vida da população no geral, ou seja, a urbanização é crítica23, não é para todos, é para quem pode pagar por ela. A seguir, para fechar este bloco, apresenta-se alguns mapas relacionados ao tempo de deslocamento que não podem faltar na argumentação das diferentes Periferias.
Mapa 10: População de 15 a 29 anos ocupada que gasta mais de uma hora no deslocamento casa-trabalho por raça-cor.
Distritos do Município de São Paulo, 2010.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo, 2014.
Mapa 11: População de 15 a 29 anos ocupada que gasta mais de uma hora no deslocamento casa-trabalho por sexo.
Distritos do Município de São Paulo, 2010.
Fonte: Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo, 2014.
Mapa 12 (ilustrativo): Tempo de deslocamento no transporte público.
Fonte: http://mundogeo.com/blog/2013/02/04/mapa-mostra-o-tempo-de-deslocamento-do-transporte-publico-de-sao-paulo/ Acesso em 15/11/2017.
Os três mapas acima retratam um pouco da realidade do dia a dia de grande parte da população que gasta o seu tempo em longos trajetos de ida e volta do trabalho. Este indicador reflete diretamente na qualidade de vida, principalmente se for relacionado ao transporte público, na maioria das vezes é agravado por conta das superlotações. Logo, como exposto no capítulo 1, o tempo de deslocamento no transporte individual e coletivo, ou seja, a mobilidade urbana, é um indicador essencial para se entender as Periferias de São Paulo, pois reflete em mais uma segregação, portanto, há Periferias no centro? Ou, o que há são bolsões de exclusão? Pois um morador de uma favela ou cortiço no centro de São Paulo, de uma forma ou de outra, tem consciência de mesmo estando numa condição precária tem a vantagem de estar próximo ao trabalho e serviços públicos, e consequentemente, o tempo livre de vida é maior, como será visto a seguir.
5.4.3. Mapas Sínteses: A cor da vulnerabilidade
Em 2016, a Rede Nossa São Paulo lança o Mapa da Desigualdade 201624, no qual, traz dados das desigualdades entre os 96 distritos da capital, baseado em pesquisas do IBGE e da Fundação Instituto Pesquisas Econômicas (FIPE), com um relatório que apresenta indicadores com vários eixos temáticos tais como educação, saúde, renda, cultura, transporte, etc. Dentre eles, cabe destacar uma matéria que saiu na “Revista Super Interessante” e circulou nas redes sociais, sintetizando em um mapa ilustrativo (com o nome “Morrem cedo”) a expectativa de vida por distrito. Observe:
Mapa 13: Índice de expectativa de vida por distritos (2015)
Fonte: https://super.abril.com.br/sociedade/em-mais-de-13-dos-bairros-de-sp-moradores-morrem-antes-de-aposentar/# [Acesso em 10-08-2017]
O mapa fala por si só, mas praticamente é uma síntese dos outros mapas apresentados anteriormente, pois a precariedade criada pela imensa desigualdade capitalista reflete diretamente no tempo de vida das pessoas. Mais chocante é saber que a diferença de expectativa de vida comparando os extremos, de quem mora no Alto de Pinheiros para quem mora na Cidade Tiradentes, é de 25 anos. É de 25 anos de vida a menos. Dentre as causas, mortalidade infantil, trabalhos exaustivos, homicídios e saúde precária.
Em 2015 foi publicada no sítio G125 a matéria “Parelheiros tem 7,8 vezes mais negros que Pinheiros, diz levantamento”, com estudos feitos da Secretaria Municipal de Promoção e Igualdade Racial. Segundo exposto na matéria, o levantamento aponta que a população negra está concentrada na Periferia de São Paulo e destaca que “No bairro de Parelheiros, na Zona Sul da capital, o percentual de negros é de 57,1%, enquanto em regiões nobres como no distrito de Pinheiros é de apenas 7,3%. Isso representa 7,8 vezes mais que o percentual do bairro da Zona Oeste da capital”. Isso porque está baseado no censo demográfico de 2010 do IBGE, no qual 37% da população (4,1 milhões) se declararam negros (pretos ou pardos). A segregação racial e de gênero também é expressa por meio do trabalho e renda. Segundo o levantamento:
Quando o assunto é emprego formal, os negros ocupam apenas 32,5% das vagas enquanto os brancos ficam com 66,3%. Se focarmos a posição da população negra/negro nos cargos de chefia, a diferença é ainda mais discrepante, já que os afrodescendentes ocupam 3% dos cargos de liderança. E mesmo quando exercem as mesmas funções que os brancos e possuem o mesmo nível de escolaridade, os homens negros recebem 31,5% e as mulheres negras ganham 37,5% menos. (G1, 2015).
E o indicador de renda:
Quanto maior é a porcentagem de negros, menor é a renda média domiciliar da subprefeitura. Enquanto a subprefeitura de Pinheiros, a mais branca da cidade, possuía uma renda de R$ 17.045,25, na subprefeitura de Parelheiros, o bairro com maior concentração de negros, era de R$ 1.973,84.
Dentro de cada subprefeitura, onde há a mesma oferta de emprego e educação, também existe diferença entre as raças. Em Pinheiros, a renda média do branco é de R$ 17.737,14 e do negro R$ 9.228,74, ou seja, 1,9 vezes menor. Em Parelheiros, o negro ganha 1,2 vezes menos já que recebe uma média de R$ 1.780,76, e o branco, R$ 2.254,87.
A renda média domiciliar de acordo com a cor do responsável pelo lar aponta que a diferença entre negros e brancos é de 2,5 vezes. Nos domicílios chefiados por brancos, a renda média é de R$ 7.095 e entre os domicílios com responsáveis negros a renda é de R$ 2.867,61. (G1, 2015)
A matéria do G1 ainda mostra os dados da violência, que foram extraídos do Programa de Aprimoramento das informações de Mortalidade no Município de São Paulo (PRO-AIM) “indicam que no ano de 2013, 61,5% dos homicídios ocorridos entre pessoas do sexo masculino com faixa etária entre 15 e 29 anos eram de jovens negros, o que indica maior vulnerabilidade desta população”. Por fim, o mapa da população negra no município:
Mapa 14: Concentração da População Negra por Subprefeitura
Fonte: http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/parelheiros-tem-78-vezes-mais-negros-que-pinheiros-diz-levantamento.html [Acesso em 15-07-2017].
Pode-se concluir, analisando estes dois mapas, que a segregação é econômica, é social e é racial. Os afrodescendentes, incluindo-se aí os negros, nordestinos e indígenas, embora participem da produção da riqueza e com o pagamento de impostos, não só não usufruem de forma igualitária desta riqueza, como também são segregados e discriminados de diferentes formas. Se olhar ao longo dos séculos nota-se que pouca coisa mudou, estas segregações são os elementos históricos do sistema capitalista se reproduzindo e se perpetuando a partir deles.
5.4.4. Os mapas da cultura
No que tange os equipamentos públicos municipais de cultura26 e apoios financeiros por editais públicos, a desigualdade não é diferente, segue a mesma lógica, quanto mais distante da região central, mais escassas são as oportunidades. Os mapas a seguir foram extraídos do sítio eletrônico Observa Sampa da Prefeitura de São Paulo, no qual utiliza como fonte de indicador os dados da Secretaria Municipal de Cultura (SMC) e Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano (SMDU), dão ideia da discrepância no município.
Mapa 15 (ilustrativo): Equipamentos de cultura: Bibliotecas, 2013
Fonte: ObservaSampa – Observatório de Indicadores da Cidade de São Paulo. http://observasampa.prefeitura.sp.gov.br/ [Acesso em 2015]
Dentre os equipamentos, as bibliotecas são as mais distribuídas no município, mas ainda há muitos distritos que não tem ao menos uma, e se for levar em conta o acervo, a qualidade e o funcionamento das mesmas, também é questionável devido as limitações tais como a escassez dos livros, dentre outros fatores.
Mapa 16 (ilustrativo): Equipamentos de cultura: Espaços Culturais, 2013
Fonte: ObservaSampa – Observatório de Indicadores da Cidade de São Paulo. http://observasampa.prefeitura.sp.gov.br/ [Acesso em 2015].
Mapa 17 (ilustrativo): Equipamentos de cultura: Museus, 2013
Fonte: ObservaSampa – Observatório de Indicadores da Cidade de São Paulo. http://observasampa.prefeitura.sp.gov.br/ [Acesso em 2015].
Mapa 18 (ilustrativo): Equipamentos de cultura: teatro, cinema e shows, 2013
Fonte: ObservaSampa – Observatório de Indicadores da Cidade de São Paulo. http://observasampa.prefeitura.sp.gov.br/ [Acesso em 2015].
Os equipamentos públicos municipais de cultura evidenciam a centralidade de investimentos na área da cultura. Com exceção das Bibliotecas, o restante é escasso, e dos existentes, é questionável se for considerar o seu funcionamento e até que ponto estão realmente disponíveis para a população e para qual público. Segundo uma matéria do G1, “Sé e Pinheiros concentram mais da metade dos pontos culturais de SP”27, isso porque, segundo a matéria, 74% dos pontos incluídos na lista são particulares. Os mapas acima comprovam as desigualdades.
Este processo de escassez visto acima reflete diretamente nas iniciativas de grupos e coletivos culturais que passam a ocupar, de forma autônoma e independente, espaços públicos abandonados para suas atividades culturais. O Movimento Cultural das Periferias elaborou em 2015 um dossiê com o mapeamento de quatorze espaços públicos ocupados por coletivos culturais, todos na(s) Periferia(s) de São Paulo. Em 2017, já são mais de vinte ocupações.
No mapa a seguir, publicado em um artigo de Aluízio Marino28, é possível notar as desigualdades nos investimentos relacionados a contratações artísticas e programas culturais na cidade São Paulo.
Mapa 19 (ilustrativo): Recursos pagos (per capita) pela SMC dividido pelas subprefeituras (2013)
Elaboração: Aluízio Marino, a partir de dados do portal cultura transparente http://www.culturatransparente.org/ (2016)
Fonte: Aluízio Marino [Acesso em 01-11-2017].
O mapa acima aponta um investimento em reais (R$) que varia na gradação de 0,50 (cinquenta centavos) até 1,7 (um real e setenta centavos) per capta, logo, conclui-se que a maior parte do orçamento e dos investimentos na cultura fica nos distritos centrais da cidade. A seguir um mapa de uma das edições do Fomento ao Teatro da Cidade de São Paulo:
Mapa 20 (ilustrativo): Fomento ao Teatro – Circulação (em amarelo) e temporada (em laranja) de espetáculos – 22ª edição, 2013
Fonte: https://fomentoaoteatro.wordpress.com/livro-fomento-ao-teatro-12-anos/ [Acesso em 12-12-2015].
O Fomento ao Teatro, instituído pela Lei 13.279/2002, é o principal programa de incentivo ao teatro da cidade de São Paulo, com duas edições ao ano contemplando 30 projetos com duração de até 2 anos. Neste mapa é possível notar tanto a centralidade das temporadas (apresentações fixas) quanto a escassez das circulações dos espetáculos nas regiões mais afastadas da cidade.
E por fim, o Programa de Valorização de Iniciativas Culturais (VAI)29, uma política pública criada pela Lei 13.540/2003, que é uma das principais ações de incentivo cultural na cidade voltada para jovens de baixa renda, conseguindo assim atingir grande parte dos distritos afastados da cidade.
Mapa 21 (ilustrativo): Distribuição de projetos por local de realização (VAI I e VAI 2), 2016
Fonte: Secretaria Municipal de Cultura/Cidadania Cultural, 2016.
Cabe destacar que o Programa VAI é uma política cultural importante, principalmente para as Periferias, pois impulsiona os coletivos para realização de seus fazeres artísticos. Embora tenha uma boa capilaridade no território, o apoio financeiro é insuficiente para estruturar os coletivos a médio e longo prazo. O mapa abaixo expressa o quão desigual são os investimentos culturais na cidade:
Mapa 22 (ilustrativo): Total de recursos pagos pela SMC dividido pelas subprefeituras (2013)
Elaboração: Aluízio Marino, a partir de dados do portal cultura transparente http://www.culturatransparente.org/ (2016)
Fonte: Aluízio Marino [Acesso em 01-11-2017].
Muitos destas coletividades (dentre outras), que passaram pelo Programa VAI, passam a se juntar para reivindicar uma série de pautas e políticas públicas, principalmente para a Periferia da cidade, justamente por entender as limitações impostas ao seu cotidiano, seja por meio de equipamentos públicos ou investimentos em políticas culturais. É assim se forja, a partir de 2013, juntamente com a união de diversas coletividades, redes, agentes e artistas culturais, o Fórum de Cultura da Zona Leste (FCZL) e no ano seguinte, o que viria a se chamar Movimento Cultural das Periferias (MCP), uma junção de coletivos culturais periféricos lutando por políticas públicas para a Periferia, de modo a criar condições de estruturar os seus fazeres artísticos a médio prazo para organizar e potencializar suas ações.
6. PERIFERIA: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA LEI 16.496/2016 QUE INSTITUI O PROGRAMA DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA DE SÃO PAULO
A Lei 16.496/2016, que institui o Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo é fruto de uma intensa articulação, mobilização e luta de agentes, coletivos, redes e fóruns da cidade de São Paulo. Ao todo, foram quase quatros anos de caminhada e muita luta para se chegar ao término da escrita de uma Lei vinda das quebradas, ou seja, de iniciativa popular, com embates sistemáticos junto aos poderes legislativo e executivo para que a mesma fosse aprovada e efetivada. Cabe destacar que esta é apenas uma de tantas lutas travadas pelo Movimento Cultural das Periferias (MCP) na cidade. Este capítulo tem o caráter de relatar e apresentar o processo que culminou nesta importante política pública voltada para o território, uma luta simbólica e concreta.
6.1. O MOVIMENTO CULTURAL DAS PERIFERIAS E O PROCESSO DE ESCRITA DA LEI
“o inimigo maior – o imperialismo – e o inimigo imediato – a burguesia e latifundiários locais e nacionais”
Michael Lowy
O recorte histórico do que viria a se tornar o Movimento Cultural das Periferias (MCP) tem sua origem no início do ano de 2013. Não por acaso, este ano emblemático vem com o fervor e ares de mudanças. Movimento Passe Livre, Jornadas de Junho, entre outras coisas. Na área da cultura não foi diferente. O município de São Paulo inicia o ano com uma nova gestão na prefeitura com o Fernando Haddad do Partido dos Trabalhadores a frente com seu slogan “um homem novo para um tempo novo”. De certa forma, isto teve influência na renovação das esperanças de novos rumos para a cidade e para cultura, e consequentemente para as Periferias da cidade. Isto não quer dizer que a questão política partidária deu o tom dos movimentos culturais ou que os mesmos se moveram em função deste.
O que aconteceu na cidade talvez tenha sido fruto de muitos desejos reprimidos, de muita opressão da velha política dos balcões de negócio e dos coronelismos cotidianos tão visíveis nas quebradas. A cultura dentro deste contexto sendo segregada entre a arte erudita (com altos financiamentos públicos) e arte popular (com pouquíssimos financiamentos públicos) movida principalmente pela rede de solidariedade e, na maioria das vezes, no voluntariado. Por outro lado, obviamente, os agrupamentos e coletivos também são fruto de políticas públicas culturais que chegaram nas bordas da cidade, mesmo que de forma tímida e com pouco aporte financeiro. O Programa VAI é o principal impulsionador para organização da juventude periférica em coletivos culturais, que ao longo de uma década, expõe as suas limitações.
Neste contexto, agentes, coletivos, redes e movimentos culturais passam a se encontrar para discutir políticas públicas para Periferia. Isso não quer dizer que as coletividades passam a se juntar somente neste momento. Muitos vêm com acúmulos de outras experiências, seja de partidos políticos, de movimentos sociais, de igrejas ligadas a teologia da libertação, de redes e fóruns ou simplesmente de enfrentamentos de poderes locais em sua região.
O ponto de partida de aproximação destes grupos/coletivos ocorre em 05 de fevereiro de 2013 em um chamado “Existe Diálogo em SP” da SMC, na figura do então secretário de cultura Juca Ferreira. Este encontro reuniu mais de 500 artistas da cidade inteira das mais variadas linguagens, com o intuito de ouvir e mapear as demandas e reivindicações para a cultura na cidade.
O bom deste diálogo foi promover o encontro das pessoas, que mesmo se cruzando em diversos momentos na cidade, pouco tempo tinham para se encontrar e debater sobre os problemas do seu cotidiano ligados a produção cultural. A partir deste encontro, integrantes da Rede Livre Leste, IMCITA (Integração dos Movimentos Culturais de Itaquera) e Cultura ZL decidem lá mesmo marcar um encontro organizado por eles mesmos para debater sobre os problemas das quebradas da zona leste.
O primeiro encontro organizado da zona leste ocorre em Ermelino Matarazzo no dia 14/02/201330, não por acaso, uma região que até então não possuía um único equipamento cultural público. Estiveram presentes neste encontro aproximadamente 35 pessoas integrantes de coletivos culturais de diversos distritos da zona leste31, tais como Itaim Paulista, Cidade Tiradentes, São Miguel, São Mateus, Itaquera, Guaianases, Ermelino Matarazzo, etc.
O que todos tinham em comum? Moradores da Periferia, trabalhadores e trabalhadoras da cultura com muitas demandas e reivindicações locais. O interessante deste 1º encontro foi a identidade periférica que se formou. Na medida em que as pessoas faziam suas falas, as outras se identificavam automaticamente com as mesmas. Isso porque eram as pessoas que sentiam na pele as dificuldades ali relatadas. Parece estranho, mas o óbvio precisa ser dito: na Periferia a democracia ainda não chegou, o que vigorava no campo da cultura (e que continua ainda hoje e em muitas áreas) eram os intermediários dos coronelismos regionais que dificultavam a ação dos grupos de forma conjunta. Ou seja, ficou constatado durante este primeiro encontro que as dificuldades dos coletivos de Itaquera eram as mesmas dos coletivos de Ermelino, Cidade Tiradentes e tantos outros. As pessoas ali presentes queriam ter voz, queriam ser ouvidas, queriam ser protagonistas e sem intermediários.
Com tantas demandas, no qual foi apelidado de “muro das lamentações”, foi chamado um novo encontro, para o dia 28/02/2013, tendo como pauta a elaboração de um dossiê com documentos e reivindicações dos coletivos, grupos e artistas da zona leste para ser entregue ao então Secretário de Cultura Juca Ferreira. Participaram deste encontro aproximadamente 80 pessoas.
Em paralelo a isso, estavam ocorrendo encontros de coletivos culturais também em Guaianases. Para se ter uma ideia da precariedade, uma reunião marcada pelos coletivos daquela região na Casa de Cultura de Guaianases (espaço alugado pela subprefeitura) teve que ocorrer em uma Casa do Norte na mesma rua, pois, ao chegarem no local marcado para reunião, a Casa simplesmente estava fechada e sem qualquer aviso prévio, ou seja, desrespeito total com artistas locais. Nesta reunião, dentre tantas discussões, os coletivos de Guaianases decidem participar do Encontro Zona Leste marcado para o dia 28/02/2013.
Figura 1: reunião dentro da casa do norte em Guaianases, 2013.
Fonte: Acervo do autor, 2013.
No 2º Encontro Zona Leste, a reunião ficou mais cheia, em torno de 100 pessoas, com a participação de integrantes dos coletivos de Guaianases. Neste encontro, ficou evidente, para além das pautas, o que unia todos e todas ali presentes: moradores da Periferia em busca de melhores condições dos seus fazeres artísticos. E com essa junção de coletivos de diversas regiões da zona leste surgiu o nome Fórum de Cultura da Zona Leste. Durante o debate, em meio a tantas demandas levantadas, surge a ideia (proposta por Luciano Carvalho do Coletivo Dolores), de se criar uma política pública estruturante em Lei voltada para as Periferias que suprisse uma lacuna exposta. Esta ideia vem inspirada na Lei de Fomento ao Teatro32, criada em 2002 e um importante marco para a cultura e principalmente para o teatro na cidade de São Paulo, que se tornou uma referência para o Brasil e América Latina.
A ideia de uma política pública estruturante é justamente para se garantir condições dignas de organização, planejamento, pesquisa e produção com remuneração do tempo de trabalho com mais dedicação e suprir as necessidades básicas de sobrevivência, de modo que os fazeres artísticos não sejam realizados apenas no “tempo livre” dos integrantes, pois a realidade dos artistas da Periferia é esta, a maioria trabalha em algum emprego formal e/ou informal e no momento de folga se dedica aos fazeres artísticos, fazendo com que muitos desistam com o passar dos anos. E, a ideia de ser uma Lei, uma política pública de Estado que perpasse qualquer governo, ou seja, a Lei está acima do governo de plantão, sendo uma vez aprovada, deve ser cumprida e executada por qualquer governo de qualquer partido.
A política pública de governo leva o “carimbo” da gestão, que por sua vez, pode ou não ter continuidade em uma nova gestão. E as políticas públicas de governo são um dos grandes problemas de toda a população, pois em troca de governo muita coisa é descontinuada por ter a marca da gestão anterior, o que acaba prejudicando a vida cotidiana das pessoas, principalmente das periféricas que, por estar mais longe, acabam desassistidas e/ou descontinuadas por falta de conhecimento e/ou interesse por parte do poder público.
Com tantas demandas e reivindicações, foram elencados os pontos em comum ali apresentados e foi encaminhado a criação de um grupo de trabalho33 para elaboração de uma Carta de reivindicações para ser entregue ao Secretário de Cultura. A mesma cabe destaque por conter elementos significativos, fruto das discussões nos encontros (FCZL, 301334):
PARA MUDAR O PANORAMA CULTURAL DA PERIFERIA, ZONA LESTE
Por uma política pública estruturante em Lei para a Periferia
A Zona Leste de São Paulo traz em sua história de luta um traço cultural inconfundível. Junto das lutas por moradia, infraestrutura, saúde, educação e transporte, marca presença a resistência de movimentos culturais históricos como Vento Leste e Movimento Popular de Artes de São Miguel (MPA).
O caráter de resistência cultural se intensificou na década de 90 por meio da cultura Hip-Hop e cresceu em diversidade na última década (2000) com o apoio de políticas públicas descentralizadoras como o VAI (Valorização de Iniciativas Culturais) e a Lei de Fomento ao Teatro.
No último período, na contramão do sucateamento dos espaços públicos como CEUs e Casas de Cultura, os coletivos culturais da Zona Leste intensificaram os fazeres artísticos e ampliaram os diálogos políticos entre si e com a sociedade.
Neste contexto, surge o Fórum de Cultura da Zona Leste (em processo de ampliação e interlocução com outras regiões da cidade) cujo objetivo é criar uma discussão coletiva permanente entre os mais diversos segmentos da cultura com o intuito de fomentar a ampliação de políticas públicas para coletivos de Periferia visando a distribuição e descentralização de recursos.
Como prerrogativa o Fórum parte da garantia da participação popular na construção e deliberação das políticas públicas a serem implementadas e exige transparência no empenho dos recursos.
Apresentamos algumas de nossas reivindicações elaboradas a partir de encontros e plenárias realizadas em diversos pontos da zona leste:
-
Criação de política pública estruturante em Lei para cultura na Periferia;
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2% do orçamento municipal para a cultura;
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Manutenção e fortalecimento do programa VAI e criação do programa VAI 2 com dotação orçamentária própria;
-
Criação do Fundo Municipal de Cultura;
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Retorno da gestão das Casas de Cultura para a Secretaria Municipal de Cultura e criação de mais espaços culturais na zona leste.
Assinam este documento: Coletivos, Grupos, Artistas e cidadãos dos distritos de Ermelino Matarazzo, São Miguel, Penha, Itaquera, São Mateus, Itaim Paulista, Cidade Tiradentes, Guaianases e Aricanduva.
São Paulo, 15 de março de 2013.
(Documento lido e entregue para Alfredo Manevy e Gil Marçal, representantes da SMC)
Este primeiro documento traz elementos essenciais, já desenhando algumas diretrizes futuras. O título da Carta “Para mudar o panorama cultural da Periferia, zona leste” aponta que a pasta da cultura não vai nada bem na Periferia, ou seja, faz um recorte explicito direcionando para Periferia, o que subentende que são necessárias mudanças drásticas de olhar. O subtítulo por sua vez encabeça a pauta principal da Carta: “Por uma política pública estruturante em Lei para a Periferia”. Esta foi a primeira vez que a ideia da Lei de fomento à cultura da Periferia torna-se pública e chega aos ouvidos do poder público de plantão, mas não seria a única. Os militantes e coletividades ali envolvidas no início não tinham ideia da grande batalha que viria pela frente com o slogan “defendendo o óbvio”.
As coisas simples precisam constantemente ser ditas: é o capital – e não a sua força de trabalho – que deteriora a vida metropolitana. Para o capital, a cidade e a classe trabalhadora interessam como fonte de lucro. Para os trabalhadores a cidade é o mundo onde devem procurar desenvolver suas potencialidades coletivas. Entre os dois existe um mundo de diferenças. E um mundo de antagonismos. Kowarick (1979, pág. 53)
Dentro da Periferia, existem as Periferias, suas especificidades, as territorialidades, as multiterritorialidades, como expõe o resumo inicial da Carta acima: “Pessoas diferentes, ideias diferentes, anseios diferentes, bairros diferentes, mas com o mesmo objetivo: valorização para quem faz arte e cultura na zona leste”.
Se tem uma coisa que causa espanto e assombro na gestão pública é quando cidadãos, agentes, movimentos culturais, etc., vão falar de valorização, orçamento e recursos financeiros. Quando a conversa chega nesse ponto, é notável como o rumo do diálogo é desviado para outros assuntos. Valorização não quer dizer somente reconhecimento e divulgação do trabalho, mas sim remunerar de forma digna o trabalho realizado de modo a garantir a excelência na produção e fruição do mesmo, ou seja, criar potência e qualidade nos fazeres artísticos. Viver de arte em um país periférico chega a ser um privilégio e os questionamentos que surgem nesta época é: por que para as Periferias só chegam as migalhas e respingos do orçamento público?
O sucateamento dos espaços públicos é algo que cabe destaque na vida dos paulistanos. É impressionante como são descontinuados diversos programas e projetos e mesmo os próprios equipamentos culturais são levados ao abandono até chegar ao limite para o seu fechamento. Por ironia do destino, essa discussão está novamente na ordem do dia (2017), na figura do prefeito de plantão, João Dória, que chegou ao absurdo de se criar uma secretaria de desestatização e parcerias. Defender o óbvio é resistir.
O Fórum de Cultura da Zona Leste também nasce apontando o futuro ao dizer que está “em processo de ampliação e interlocução com outras regiões da cidade”, e na prática consegue expandir e ampliar as discussões fazendo uma circulação para outros distritos da zona leste e mais à frente, chega aos quatro cantos da cidade, e cabe destaque, agregando as mais diversas linguagens e segmentos artísticos nos encontros e discussões apontando também para a bandeira de lutar pela “ampliação de políticas públicas para coletivos de Periferia visando a distribuição e descentralização de recursos”.
A questão dos recursos aparece novamente no corpo da Carta apontando como objetivos a distribuição e descentralização de recursos públicos, discussão orçamentária tida como tabu até então, e pede mais participação popular na construção e deliberação de políticas públicas e exige transparência. Isso porque em se tratando de novos programas e políticas culturais há poucas iniciativas de construção do poder público com a população, e no que tange a transparência orçamentária, a planilha financeira é sempre o último item a ser discutido, caso haja tempo, mas, o tempo, tempo não dá.
Para fechar a análise desta primeira Carta, as principais reivindicações em ordem de prioridades são listadas em tópicos de forma sucinta. A primeira delas é a política pública estruturante em Lei, que durou quase 4 anos para concretização da mesma e será detalhada mais adiante todo o processo de construção. O segundo item “2% do orçamento para cultura”, uma luta que segue em andamento, no qual em 2016 foi aprovado o orçamento de 0,9% para 2017. Esta bandeira continua sendo uma luta anual e o MCP vem fazendo estudos do orçamento para pautar de forma incisiva. Como exemplo, no dia 31/10/2017 ocorreu uma audiência pública sobre o orçamento para a cultura da cidade de São Paulo, com plenário lotado e muitas pessoas do lado de fora, com muitas denúncias de que, embora o orçamento e arrecadação da cidade tenham aumentado, a projeção é de cortes na cultura.
O terceiro item “Manutenção e fortalecimento do programa VAI e criação do programa VAI 2 com dotação orçamentária própria” teve avanços ainda no mesmo ano de 2013, no qual foi aprovado na Câmara Municipal de São Paulo a alteração na Lei do Programa VAI para criação do Programa VAI 2, por meio de um projeto de alteração de lei proposto pelo então vereador Nabil Bonduk, e contou com a mobilização de diversos coletivos culturais fazendo pressão para votação e aprovação da mesma.
O quarto item “Criação do Fundo Municipal de Cultura” não houve avanços até então. O projeto de Lei permanece parado na Câmara Municipal de São Paulo e por enquanto sem perspectivas de andamento. Para se ter uma ideia de como andam as coisas, existe o Sistema Nacional de Cultura do Ministério da Cultura (MINC), um sistema federal que regulamenta a esfera federal, estadual e municipal. Nem precisa dizer como está o MINC hoje, mas para ter este sistema implantado é necessário ter o Fundo Municipal de Cultura e o Plano Municipal de Cultura elaborados e aprovados pelo Legislativo do Município. A tramitação do fundo está parada e o Plano Municipal aprovado no final de 2016 pela gestão anterior, segue sendo ignorado pela atual gestão 2017-2020 e não dá sinais de que irá cumpri-la. Enfim, esta é a situação no qual está inserida toda população, que depende da vontade política do governo de plantão para que as leis sejam executadas.
O último item “Retorno da gestão das Casas de Cultura para a Secretaria Municipal de Cultura e criação de mais espaços culturais na zona leste” também foi uma saga que merece uma breve narrativa para contextualização de sua importância e será retomada mais adiante.
Esta primeira Carta foi entregue no dia 15/03/2013 aos representantes da SMC durante o encontro chamado pela Escola de Cidadania de Ermelino Matarazzo, dentro da Igreja do Padre Ticão, liderança antiga da região. O secretário não compareceu, mas os militantes culturais que apareceram fizeram a leitura e distribuição da Carta aos presentes, além de uma série de reivindicações. Cabe destacar que estes militantes não tinham nenhuma relação de vínculo com a igreja ou com o padre.
Os encontros continuaram a circular pelas quebradas da zona leste e o quinto encontro, realizado no dia 29/04/2013 no distrito José Bonifácio, sede do Coletivo ALMA e Reação Arte e Cultura, com a participação de aproximadamente 80 pessoas e, por uma questão de metodologia, as discussões foram divididas em grupos menores para garantir direito a fala de todos presentes, para depois uma síntese do que foi discutido no grupo menor para o geral. Dentre as ideias que surgiram para suprir tantas demandas, foi encaminhado a criação de três de grupos de trabalho (GT’s): GT Formação, responsável por organizar as formações políticas do FCZL; GT Políticas Públicas, responsável por organizar o seminário sobre políticas públicas; e o GT Mostra, responsável por organizar a 1ª Mostra Cultural das Periferias.
O sexto encontro, realizado no dia 29/05/2013 no Centro Cultural da Penha, foi organizado pelo GT Formação e como temática um assunto que ainda não estava bem resolvido entre as coletividades participantes, havia dúvidas sobre o uso do termo Periferia e por isso necessitava de um melhor entendimento. Para afinar este entendimento, foi convidado para esta formação um morador da Periferia da zona leste, Tiarajú Pablo D’Andrea, sociólogo e sambista, autor da tese de doutorado “A formação dos sujeitos periféricos: cultura e política na Periferia de São Paulo35”.
A tese de Tiarajú serviu como base teórica para sustentar as ações e argumentações do movimento no que diz respeito a Periferia, pois é o termo que dá unidade na atualidade. Em outras palavras, alguém em algum momento parafraseou com uma síntese: “Periféricos do mundo inteiro, uni-vos!” Se antes era proletário, hoje é periférico. Se antes alguém tinha alguma dúvida, depois deste encontro ficou nítido o que os une: sentir na pele o que é ser periférico e se reconhecer como tal, logo, se assumir enquanto periférico é reconhecer a dimensão urbana da desigualdade (D’Andreia, 2013, p. 155).
Para explicar melhor o sentimento acima, vale citar o geógrafo Milton Santos (2012, p. 144):
No fundo, a questão da escassez aparece outra vez como central. Os “de baixo” não dispõem de meios (materiais e outros) para participar plenamente da cultura moderna de massas. Mas sua cultura, por ser baseada no território, no trabalho e no cotidiano, ganha a força necessária para deformar, ali mesmo, o impacto da cultura de massas. Gente junta cria cultura e, paralelamente, cria uma economia territorializada, uma cultura territorializada, um discurso territorializado, uma política territorializada. Essa cultura da vizinhança valoriza, ao mesmo tempo, a experiência da escassez e a experiência da convivência e da solidariedade. É desse modo que, gerada de dentro, essa cultura endógena impõe-se como um alimento da política dos pobres, que se dá independentemente e acima dos partidos e das organizações. Tal cultura realiza-se segundo níveis mais baixos de técnica, de capital e de organização, daí suas formas típicas de criação. Isto seria, aparentemente, uma fraqueza, mas na realidade é uma força, já que se realiza, desse modo, uma integração orgânica com o território dos pobres e o seu conteúdo humano. Daí a expressividade dos seus símbolos, manifestados na fala, na música e na riqueza das formas de intercurso e solidariedade entre as pessoas. E tudo isso evolui de modo inseparável, o que assegura a permanência do movimento.
Para além de conceituações, definições, características, indicadores, etc., o pensamento de Milton Santos expresso acima no sentimento do “ser periférico”, é como se só a razão não explicasse, há mais sentimentos e elementos que dão sentido ao termo, é uma relação emotiva e orgânica. A revolução virá quando se conseguir expandir este entendimento por todas as Periferias.
D’Andrea (2013) vai mais além ao denominar o sujeito periférico como quem “tomou posse de sua condição de periférico, quem se transmutou de ser passivo a ser ativo dessa condição, de periférico em si para periférico para si”, portanto:
O sujeito periférico deve portar o orgulho de ser periférico; deve reconhecer-se como pertencendo a uma coletividade que compartilha códigos, normas e formas de ver o mundo; deve possuir senso crítico com relação à forma como a sociedade está estruturada; e deve agir para a superação das atuais condições.
O sujeito periférico existe na realidade social. Sua maior expressão se encontra nas ações políticas dos movimentos sociais populares e na ação política dos coletivos artísticos da Periferia. (D’Andreia, 2013, p. 175)
Estas coletividades culturais que se denominam periféricas e passam a agir politicamente a partir dessa condição são militantes sociais e, portanto, sujeitos periféricos.
O sétimo encontro, realizado no dia 26/06/2013 no Engenho Teatral, um teatro ao lado metrô Carrão, foi organizado pelo GT de Políticas Públicas e teve como temática a organização e discussão dos temas do 1º seminário de políticas públicas para a Periferia. Este encontro teve um importante papel sobre qual direcionamento dar para o seminário. Luís Carlos Moreira, integrante do Grupo Engenho Teatral e do Movimento Arte Contra a Barbárie contribuiu com uma série de provocações necessárias, expondo a relação do Estado com o Mercado e suas problemáticas dentro do sistema capitalista. Enfim, fez os participantes refletirem sobre os limites e contradições do Estado, de se reivindicar mais Estado, ou seja, uma luta reformista. “Mas e aí?” disse uma das integrantes, “Cortamos os pulsos?” completou. Optou-se por seguir a luta, tentar se organizar é o primeiro passo e o processo de construção também é uma formação política.
6.1.1. O 1º seminário de políticas públicas para a Periferia da zona leste
O Cartaz de divulgação do seminário traz o seu roteiro com indicações do que estava por vir:
Figura 2: Cartaz de divulgação do 1º Seminário de Políticas Públicas para a Periferia
Fonte: dossiê de políticas públicas (FCZL, 2013)
Dentre as atividades previstas, tem-se: a construção de uma Carta coletiva que fundamente as ações do grupo e oriente as reivindicações para apresentar ao Secretário de Cultura, ou seja, a elaboração de uma Carta de princípios e um documento com as demandas e propostas do FCZL.
O local escolhido foi o CDC Vento Leste, localizado na Cidade Patriarca, sede do Coletivo Dolores e de mais 8 grupos. Não por acaso, é um local de fácil acesso ao metrô, e com dois grandes salões, banheiros e cozinha, além de uma grande área externa.
O evento, realizado nos dias 20 e 21/07/2013, por ser aberto ao público em geral, teve um momento de lançamento do FCZL com apresentação e contextualização do percurso percorrido até então, uma preocupação em acolher e integrar novas coletividades e agentes na luta. Um segundo momento, “Debate e ato estético: o que queremos para a cultura na Periferia? Levantamento das demandas locais”, contou com um painel e com muita criatividade, engraçada inclusive. As pessoas que iam chegando podiam pegar um papel postit colorido e ir fixando suas demandas no painel com uma bala chamada “Juquinha”, parodiando com o apelido do secretário de cultura Juca Ferreira. Foi um jeito engraçado de se falar de demandas sérias. Durante o debate sobre “o que queremos” haviam duas pessoas36 fazendo a sistematização das demandas no quadro ao lado “como queremos”. O almoço foi coletivo feito em muitas mãos reavivando os vínculos comunitários e de solidariedade tão característico nas Periferias. O grupo Pau e Corda (do estado do Rio Grande do Norte) animou o início da tarde de sábado com sua batucada em tambores com materiais reutilizados (baldes de lata e plástico).
O CDC se encheu de gente. Os coletivos, agentes, artistas e cidadãos queriam ouvir o que o secretário tinha a dizer sobre políticas culturais voltadas para a Periferia. De certa forma há de se reconhecer sua abertura ao diálogo e dispor a participar de um evento de organização autônoma fora do ambiente institucional. Detalhe: este entendimento deveria ser normal.
Na mesa da tarde, o Secretário chegou com sua equipe e foi bem recebido, mas sem ser poupado. Ao entrar, se depara com um painel “O que queremos e Como queremos” fixados com balas Juquinha. Já deu para ver que as “crianças” não estavam para brincadeira. Foi feita a fala de abertura por um dos integrantes do FCZL e para surpresa do secretário a palavra foi passada para ele dizer “o que a secretaria municipal de cultura tem para a Periferia”. Este “estranhamento” desarticulou o secretário, pois no geral, a estratégia dos políticos é chegar, ser assediado/elogiado e ouvir as demandas para somente depois falar o que as pessoas querem ouvir.
O secretário pode falar de suas experiências e ressaltou muito a questão dos Pontos de Cultura e sua atuação no MINC. Sobre Periferia, ele que é da Bahia (mas é um homem branco) ainda estava conhecendo a cidade e comentou perceber como é nítida, pelo percurso que fez até chegar no local, a transição de morfologia urbana que há no trajeto para a Periferia, principalmente após a ponte Aricanduva. Mas se posicionou contrário à ideia de uma política pública estruturante em Lei para a Periferia, isso porque, ao seu ver, poderia ser uma política segregacionista e que na cidade já havia políticas arejadas e sendo estudadas suas ampliações. Gaguejou em alguns pontos e as argumentações que vieram dos presentes na sequencia foram categóricas no que diz respeito em como é desigual e segregada a cidade, e a disparidade e centralidade dos investimentos públicos não fica atrás, seguindo a mesma lógica. Em seguida vieram mais questionamentos que deixaram o ar mais tenso. Este foi o primeiro confronto de ideias.
Organização é a chave, dá objetividade, unidade e foco. Quem diria que coletivos culturais periféricos poderiam argumentar e defender tão bem seus princípios e pontos de vista. O assumir-se como sujeito periférico é como recuperar a autoestima e se libertar da síndrome de vira lata.
Na mesa do dia seguinte com o tema “Panorama das Políticas Públicas de Cultura” Luís Carlos Moreira relata um pouco do contexto histórico do Movimento Arte Contra à Barbárie que culminou na Lei de Fomento ao Teatro e dá um panorama do cenário daquele momento. Basicamente, segundo ele, “é uma luta por migalhas do Estado, o grosso do dinheiro vai para os grandes empresários, mas é necessária uma disputa ideológica para gente tentar se organizar. Ana Paula do Val faz uma explanação e mostra uma série de dados sobre a cultura, seus avanços e retrocessos.
No período da tarde, entram em cena a formação e discussão dos GT’s Políticas Públicas, Fomento Periferia e Carta de princípios. O GT de Políticas Públicas fica com incumbência de sistematizar as demandas apontadas no painel com elementos que surgiram durante o seminário. O GT Fomento Periferia fica com a incumbência de dar início a escrita da Lei de fomento à Periferia, criar uma diretriz básica da essência da Lei. O GT Carta de Princípios fica com incumbência de redigir uma Carta que apresente o FCZL, os princípios e as bandeiras de luta. Após os debates de cada GT, ocorreu a apresentação sistematizada das discussões de cada um dos GTs.
A Carta de princípios teve um breve esboço e sua finalização ficou para semana seguinte. A mesma será analisada mais à frente. O GT Fomento Periferia apresentou as diretrizes da Lei de fomento à Periferia, que consta no Informe de Políticas Públicas. O GT de Políticas Públicas apresentou a síntese de todos apontamentos e discussões durante o seminário e publicou na semana seguinte o documento intitulado “Informe número 1 do seminário de políticas públicas para a Periferia”37.
Este informe foi um importante registro documental e representou todo o acumulo das discussões realizadas antes e também no seminário, ou seja, uma sistematização objetiva do pensamento que circulou naquele momento, e de certa forma, um posicionamento político sobre o que aqueles coletivos e agentes pensavam sobre políticas públicas para cultura, indo além da esfera municipal.
O documento foi tão propositivo e as discussões tão proveitosas que nos dois finais de semana seguintes que se sucederam a pré-conferência e a 3ª conferência municipal de cultura, as pessoas que participaram do seminário e puderam estar neste encontro institucional “roubaram a cena”. A Periferia chegou organizada e propositiva.
6.1.2. Ampliando o território-rede: a III Conferência Municipal de Cultura
Embora sabendo das limitações institucionais, um dos encaminhamentos do seminário foi participar de forma propositiva na pré e na 3ª conferência municipal de cultura. As propostas estavam debatidas e bem frescas nas mentes dos integrantes do FCZL. Taticamente foram elencados os principais pontos a serem defendidos nos 4 eixos da conferência, dentre eles, o principal, a política pública estruturante em Lei, chamada de Fomento à Periferia.
A partir deste momento, a ideia que nasce na zona leste se espraia para os quatro cantos da cidade. Diversos coletivos culturais e artistas da cidade estavam ali e puderam ouvir, conhecer e debater sobre as diretrizes gerais da Lei de Fomento à Periferia. Para quem vivia nas bordas da cidade e conhecia o cotidiano e os perrengues de se fazer cultura na/da Periferia, a identificação foi imediata. Em cada eixo que se apresentava a proposta, a empolgação era imediata, óbvia. Não teve quem não fechasse com a proposta, teve quem não entendeu a proposta, por razões óbvias: não era morador da Periferia, pode ter se sentido excluído. Mas a demanda era gritante (e da maioria), foi a vez da Periferia, pelo menos na área da cultura, entrar em cena e ser a protagonista.
As diretrizes gerais tiradas durante o seminário do FCZL38 para a Lei de Fomento à Periferia que serviram como base argumentativa utilizada na 3ª Conferência Municipal de Cultura foram:
Proposta de política pensada por este Fórum que consiste em:
-
Um programa de fomento que contemple projetos culturais de coletivos de Periferia;
-
Programa estruturado em Lei, com dotação orçamentária própria e mecanismos de reajustes pré-estabelecidos;
-
Visa a estruturação e potencialização de trabalhos continuados nas Periferias;
-
Direciona-se às múltiplas linguagens artístico culturais;
-
Tem caráter distinto dos programas VAI I e II no que se refere à faixa etária (sem restrição de idade como no VAI I), ao tempo de duração do projeto e a quantidade de recursos destinados por projeto (no mínimo R$ 100.000,00).
O interessante nesta 3ª Conferência, é que, por chegar um grupo de coletivos organizados em um fórum, com as demandas previamente discutidas e organizadas causou um grande choque no poder público e em muitos ali presentes. Tanto que durante o seminário, o FCZL foi convidado para participar inclusive da organização desta conferência e teve posteriormente um texto com suas impressões sobre essa participação publicado no livro resultado da mesma. Para além das demandas urgentes de artistas, grupos, coletivos e servidores públicos, a grande novidade era a proposta da criação de uma política pública estruturante em Lei para a Periferia, para os coletivos das Periferias. Os integrantes de coletivos periféricos ali presentes sentiram a importância de se concretizar uma política pública desse porte na cidade, o que traria bons frutos estruturais e organizativos e mais dignidade em seus fazeres artísticos, na sobrevivência individual e coletiva.
Em cada um dos 4 eixos de discussão, foram levantados uma série de demandas e reivindicações, e ao final, elaborado um texto com as diretrizes debatidas. Logo após todas as diretrizes foram para uma plenária geral para votação, elencando as 30 propostas prioritárias eleitas. Dentre elas, a proposta “Lei de Fomento à Periferia foi a 2ª mais votada, com 210 votos, conforme descrição:
Instituir uma Lei de Fomento à Periferia que vise a estruturação e potencialização de coletivos artísticos da Periferia sem delimitação de linguagens e dotação orçamentária própria com reajuste anual previsto na Lei (VAL et al., 2014, p. 57).
A proposta da Lei também aparece como a 15ª mais votada:
Criação e ampliação de um “Fomento Periferia” em forma de Lei, com valores mínimos de R$ 100.000,00 por projeto e/ou de acordo com as referências da tabela de convênios e prestação de serviços do município (VAL et al., 2014, p. 59).
Se somasse as duas propostas, seria a proposta mais votada da conferência. Além dela, outras pautas importantes discutidas no fórum também apareceram: Mapeamento e ocupação de espaços ociosos, Casas de Cultura, Orçamento da cultura, Ocupação de espaços públicos ociosos, Conselho Municipal de Cultura e Pontos de Cultura.
Cabe um parêntese aqui no que diz respeito a importância dos registros. O próprio FCZL, desde seu início, teve a preocupação de registrar e tornar público, de forma sistematizada, Cartas com seu posicionamento político. Neste sentido, as Cartas e documentos produzidos comunicam, legitimam e dão segurança para não ter distorções no processo.
Em 2014, finalmente a SMC faz a publicação do livro “Participação e cidadania cultural: a experiência da III Conferência Municipal de Cultura”, com a devolutiva de todo o processo. Esta publicação saí tardiamente e de forma tímida, mas é um importante registro. O poder público, em seu livro faz um balanço, no qual vale destacar alguns trechos:
“Cidadania cultural: [...] A recorrência de reivindicações desse tipo no conjunto de propostas aprovadas pode ser entendida à luz do público presente nas diferentes etapas da Conferência. A tônica dos grupos de discussão foi fortemente conduzida por representantes das culturas populares e das Periferias, bem como outros grupos tradicionalmente excluídos, que estavam presentes em maior proporção do que os representantes das classes artísticas. A emergência dessas vozes – bastante perceptível, por exemplo, nos textos assinados pelo Fórum de Cultura da Zona Leste e pelos representantes da comunidade surda, que integram este mesmo volume – refletem não só a organização e articulação de “novos” agentes culturais da cidade, como também a insuficiência de espaços de diálogo e de participação que os representem.
A força dessas reivindicações, assim como dos agentes e movimentos que as assumem, pode ser entendida também, num plano mais amplo, a partir da passagem de um paradigma de democratização cultural – em que esses grupos são vistos, via de regra, somente como potenciais consumidores do que é produzido por uma classe artística -, para um paradigma de democracia cultural – que considera todos os cidadãos como potenciais produtores e criadores. (VAL et al., 2014, p. 59)
Os movimentos organizados podem fazer a diferença nestas instâncias de poder e de participação. Porém, além das limitações, há uma descrença em quais resultados concretos se dará tais discussões. Muitas das pessoas que participaram do Seminário organizado pelo FCZL não tiveram ânimo para participar da Conferência organizada pelo poder público, justamente por não acreditar que surtiria algum efeito. Mesmo dentro dos debates da III Conferência teve quem cobrasse uma devolutiva do que avançou do resultado da II Conferência. Enfim, enquanto FCZL, o encaminhamento foi de taticamente participar desta instância como mais uma instância de luta (e não somente a única) para mais à frente não ser deslegitimado por não ter participado desta discussão. Foi produtivo por espalhar as ideias pela cidade e ampliar a rede de articulação territorial.
Outro ponto do balanço publicado foi a questão do território e identidade, no qual cabe destacar:
O território, outro tema transversal a todos os eixos de discussão, teve um impacto expressivo na formulação das propostas. Este foi reivindicado como direito e identidade, articulando-se às demandas de cidadania cultural. As propostas aprovadas que envolviam essa temática foram diversificadas e tiveram forte participação de agentes e movimentos culturais vinculados às regiões periféricas da cidade. Isso porque, como é sabido, a distribuição geográfica de São Paulo se caracteriza pela formação de um centro expandido e de um extenso entorno de bairros periféricos (onde está concentrada a maior parte da população) que, no geral, são bastante desprovidos no que diz respeito a equipamentos e políticas culturais.
Sabe-se também que nestes territórios há uma produção cultural bastante intensa, que já se tornou referência simbólica para além das fronteiras da cidade e do país. Nas diversas etapas da Conferência, não foram poucas as vezes em que os participantes apontaram que esta produção cultural periférica recebe um apoio e suporte ainda precários por parte do poder público, indicando que o reconhecimento e a valorização da municipalidade em relação à expressão cultural destas comunidades ainda é pequeno.
O desenvolvimento de ações de caráter descentralizado que alcancem de forma mais efetiva os diversos territórios e que os integrem a um processo amplo de cidadania cultural é um desafio que se coloca constantemente à Secretaria Municipal de Cultura. (VAL et al., 2014, p. 64)
O que é obvio precisa ser dito. E visto. A desigualdade é gritante no município de São Paulo, defender a Periferia enquanto pertencente à cidade e apontar propostas que dão conta do território em desvantagem eram necessárias e se faziam urgentes. “Acabou o caô” com bem dizia Aloysio Letra, ou seja, acabou a hipocrisia e reivindicar Periferia enquanto espaço de território e identidade é trazer à tona o porquê não se investe onde está a maioria da população da cidade. Portanto, é necessário expor os “muros invisíveis” da cidade para que mais pessoas tomem consciência das segregações e passem a refletir, agir e combater.
Para fechar este bloco sobre a III Conferência, cabe expor alguns trechos do texto “A Periferia foi cobrar ... e agora?”39 de autoria do Fórum de Cultura da Zona Leste publicado neste mesmo livro. Neste texto é cobrado o mesmo empenho por parte do poder público, transparência e vontade política para o cumprimento das propostas ali apresentadas (FCZL, 2014, p. 72) e reforça seus princípios:
Propomos outro modo de agir politicamente, buscando uma formação consistente, cobrando diálogos coerentes aos nossos princípios, os quais não compactuam com a recorrente política de bancada, e reivindicando ações mais diretas e estruturais.
Ou seja, em se tratando de políticas culturais e poder público, ainda havia (e há) muito o que se avançar. A vontade política é um fator (na maioria das vezes) determinante para se concretizar políticas públicas em todas as áreas e o que ainda impera são as descaradas políticas de balcão e/ou assistencialistas não estruturantes. O texto citado acima também termina com apontamentos importantes:
A pergunta “A Periferia foi cobrar ... e agora?” feita no título deste texto é um chamamento de duas vias. Ao governo representa uma cobrança para que seja posto em ação um plano resultante da participação direta da sociedade no projeto político para a cidade; aos movimentos fica a responsabilidade de não recuar no processo de participação, monitorar e pressionar o Estado para que execute as demandas da população. Resistir não é tarefa fácil. A militância periférica precisa lidar com mais afinco às investidas da vida. Temos mais patrões e ônibus cheios para enfrentar. Não trabalhamos em instituições que permitem a militância remunerada e nem em coletivos fomentados que consideram a luta política parte do trabalho. Existe uma hegemonia historicamente organizada para permanecer nos espaços de poder e os movimentos periféricos são o contraponto, quiçá o único capaz de transformar essas estruturas e práticas que fazem da participação política um privilégio. E agora José?”
Para além da cobrança, é um relato sobre a hegemonia que há no poder e nas instâncias de decisão e principalmente a importância de participação e pressão por parte da população e dos movimentos organizados. Outra questão é a militância periférica, realmente precarizada por conta das condições materiais do cotidiano, no qual dificulta a participação política da grande maioria da população, ou seja, a participação popular é comprometida por conta da precariedade no qual está submetida a maioria da população.
Para além da participação institucional, a partir da III Conferência, com a ideia da Lei de Fomento à Cultura Periferia pulverizada entre diversas coletividades da cidade, as articulações entre movimentos periféricos40 se iniciam, a proposta toma corpo e passa a pertencer a cidade, todos querendo saber mais detalhes desta Lei, a ser debatida mais adiante.
6.1.3. A 1ª Mostra Cultural das Periferias
Ainda em 2013 as articulações continuaram intensas. O GT Mostra Cultural entra em cena fazendo três encontros no mês de setembro no Itaim Paulista e Cidade Tiradentes. A ideia da Mostra é evidenciar a grande produção cultural periférica da zona leste e fazer uma agitação e divulgação na cidade. Isso porque quem não circula pelas quebradas e principalmente pessoas contrárias à ideia de uma Lei para a Periferia achavam que na Periferia havia pouca produção, trabalhos amadores, sempre desvalorizando e colocando em segundo plano de forma pejorativa.
A Carta de apresentação da programação da Mostra41 traz como elemento principal o levantamento da bandeira “Pela Lei de Fomento à Periferia” e um posicionamento político de sua organização. Na apresentação cabe destacar:
O Fórum inaugura na cidade uma articulação entre movimentos, coletivos, artistas, projetos culturais e pesquisadores cujas práticas e territórios são diversos, mas que mantém uma luta coletiva comum que é a não mercantilização da cultura e a respectiva construção de políticas estruturantes em Lei.
Na medida em que as ações aumentam, a produção de conteúdo também e mais elementos surgem referentes a argumentação da Lei:
A proposta de Lei nasce dentro do Fórum como uma possibilidade de melhor equiparação do investimento em cultura na cidade como um todo, sendo as Periferias as que possuem maior população e produção cultural mais intensa, porém com menor acesso aos equipamentos e bens culturais e, sobretudo, aos recursos de incentivo e fomento a projetos de arte e cultura.
A arte, enquanto mercadoria, recebe críticas e é recusada, e o convite para participar da Mostra é direcionado para aqueles que concordam com este posicionamento:
Portanto, o Fórum de Cultura da Zona Leste convida a todos aqueles que acreditam que a cultura não deve ser posta à serviço do capital, bem como reconhecem a cultura como um direito, sendo responsabilidade do Estado o oferecimento de políticas que viabilizem modos e meios de produção que não desejam estar enquadradas na lógica do mercado para sua continuidade. O Fórum convida a todos para que seja a Mostra um grande manifesto em favor da produção cultural das Periferias.
A partir deste momento, quem (das coletividades) ainda não estava sabendo desta proposta passou a saber. A ideia era torna-la pública. Para tal, a composição da programação artística e política aconteceu sem nenhum recurso público por parte da organização da Mostra. Foi feita uma articulação entre artistas, coletivos e espaços culturais independentes, juntando as programações que os coletivos tinham e colocando em uma grande programação única.
O boca-a-boca se espalhou a tal ponto que muitos queriam fazer parte da tal programação por se identificar com a proposta. A ideia inicial, que era de divulgar a agenda dos coletivos durante duas semanas, se ampliou para cinco semanas de programação com agenda, inclusive, de outras regiões da cidade.
Dentro da Mostra, encaixou-se uma série de encontros de Formação Política, organizado pelo GT Formação, que discutiu temas como “a Lei de Fomento à Periferia, com integrantes do FCZL na zona sul”, “Arte Pública”, “Guerras Culturais, com Daniel Púglia, (ZS)”, “Literatura Marginal: textos e contextos, com Erica Pessanha”, “Estado, afinal, o que é isto?, com Luís Scapi”, “Economia Criativa, com Diogo Noventa”, “As mulheres nos movimentos sociais”, “A Periferia na universidade, com Rafael Alves”, “O Genocídio da juventude negra, com Juninho do Círculo Palmarindo”, “Mulheres negras e periféricas, com Débora Marçal e Débora Garcia”, “Economia Solidária, com André Miani”, “Espaços de Ocupação, com as ocupações Centro Cultural Arte em Construção (ZL), Sacolão das Artes (ZS), CICAS (ZN) e Quilombaque (noroeste).
A primeira mesa foi realizada no dia 13 de outubro de 2013, na zona sul de São Paulo, no Sacolão das Artes, um espaço público ocupado por coletivos culturais periféricos. Este encontro teve a participação de aproximadamente 50 pessoas, dentre eles pesquisadores, artistas e integrantes de coletivos culturais. Integrantes do FCZL estiveram presentes para falar sobre a ideia da Lei de Fomento à Periferia e sobre o que estavam entendendo sobre o termo Periferia. Por fim, se desde a III Conferência muitos já haviam abraçado a causa e estavam participando e acompanhando o percurso da zona leste, este encontro veio para selar a união e luta na cidade. Tanto que escreveram o texto “Periferia em luta”42 publicado no Jornal Voz da Leste (um jornal cultural e comunitário da zona leste) relatando suas impressões e posicionamento, no qual cabe destacar alguns pontos:
Quanto mais avançam as forças de produção da vida no sistema capitalista e, consequentemente, a exploração da classe trabalhadora, o chamado de Marx43 se reafirma com mais intensidade, levando os trabalhadores a se reorganizarem na luta contra a opressão e exploração da sociedade atual. (Rede Popular de Cultura M’Boi Campo Limpo/Sacolão das Artes, 2013)
Aqui, o entendimento parte de uma visão Marxista44 no qual a organização dos coletivos culturais periféricos nada mais é do que uma tentativa de reorganização da classe trabalhadora, entendo-os como trabalhadores da cultura que lutam contra a opressão e exploração do sistema capitalista.
Entende-se por Periferia não só um espaço geográfico afastado do centro, mas o espaço onde, dentre outras coisas, reside um conjunto da classe trabalhadora; um lugar onde a cultura é produzida e fruída por essa classe.
E comungam com a definição do termo Periferia exposto por Tiarajú D’Andreia (2013):
Ao longo destes últimos anos, houve um deslocamento no jogo de referências e remissões que o termo Periferia parece mobilizar. Não mais entendida apenas como local de pobreza, privação e sofrimento de comiseração, a Periferia passa a ser um termo utilizado como marcador de presença ativa de populações vistas não sob o signo da fragilidade, mas da potencialidade.
Os elementos sociais do termo vão sendo entendidos e evidenciados, no qual constarão em documentos mais adiante.
A última mesa de formação dentro da Mostra, com a temática “Espaços de Ocupação”, foi o primeiro encontro do que veio a se formar o “Bloco de Ocupação Cultural de Espaços Públicos”, um GT que mais adiante passou a ser composto por quatorze espaços públicos ocupados por coletivos culturais na cidade [em 2017 chega a vinte]. A discussão se deu em torno da dificuldade que os coletivos culturais têm em conseguir usar os equipamentos culturais públicos, de conseguir uma sede própria para realizar suas ações, assim como as dificuldades que há em manter tais espaços em atividade na Periferia sem ou com muito pouco recurso público oriundos de apoio cultural. Para além disso, o pior, um imenso trabalho para revitalizar um espaço público ocioso abandonado pelo Estado para depois não ter reconhecimento e sofrer com constantes ameaças de despejo. Ou seja, mesmo com diversas ações voltadas para as comunidades, a maioria destes grupos aguardam até hoje a cessão de uso do espaço por parte do poder público.
Em meio a Mostra Cultural, há uma convocação para um encontro urgente para discussão das pautas sobre o orçamento da cultura no município para 2014 e sobre o posicionamento da SMC perante as demandas apresentadas. Em resumo, mesmo com todas as movimentações, participações e argumentações sobre ter um olhar especial para a Periferia, na prática, o poder público estava fazendo muito pouco para resolver as demandas apresentadas. Entre o discurso e a prática, coletivos culturais, como o “Sarau O que dizem os Umbigos” estavam sendo mal recebidos e maltratados na Casa de Cultura de Itaim Paulista. E este não era um caso isolado, é a semente de uma revolta que vai se transformar no GT Casas de Cultura, com escrachos públicos e ações diretas para resolver o problema pela raiz.
Enfim, a Mostra Cultural foi de 12 de outubro a 19 de novembro de 2013, movimentou muitas ideias e ações práticas também. A abertura foi em Itaquera, tendo como ponto de partida o Metrô Itaquera com um cortejo de diversos grupos à Favela da Paz, que por sua vez, sofria ameaça de despejo por conta da copa do mundo em 2014. O encerramento aconteceu no CDC Vento Leste, com muita batucada, música e cerveja.
Enquanto acontecia a Mostra, foram produzidas quatro Cartas direcionadas aos Vereadores da Cidade de São Paulo, relacionadas ao descaso junto com a pasta da cultura, ao rebaixamento do orçamento que na época era de 0,9% sendo rebaixado para 0,7%, conforme estudo publicado pelo FCZL45 em que aponta uma distorção entre o que estava sendo dito e o que de fato estava sendo feito. Isto causou uma imensa irritação tanto do poder legislativo quanto do executivo por serem questionados sobre a veracidade dos dados apresentados por estes órgãos. Na segunda Carta onde consta o estudo também é publicada a crítica:
Enquanto não houver esclarecimentos públicos e dados informados de forma simples e transparente, essa é a única conclusão possível. Exigimos que sejam abertas as contas públicas de forma nítida, transparente e objetiva, e que a pasta da Cultura tenha orçamento DIRETO de 2% do Município!
2% para Cultura já!
Enfim, a denúncia que se faz também é sobre como o orçamento da cidade é algo fechado, de difícil acesso e de entendimento da população. O empenho nos investimentos e descentralização dos recursos não entram no papel, ficam apenas no discurso e na prática mantem a concentração dos investimentos em programas que atendem as regiões centrais da cidade. E para completar, as audiências públicas que deveriam ter a presença da sociedade são feitas em toque de caixa, e mesmo assim, quando há mobilização da sociedade à participar, as mesmas (que ocorrem durante a semana em horário comercial) podem ser remarcadas em cima da hora e transferidas para outros dias e horários, dificultando a mobilização e participação social. Embora o Fórum, junto com outros movimentos e entidades tenha participado de reuniões e encontros desde mês de outubro com representantes da Frente Parlamentar, SMC e SEMPLA, pouco se avançou e repercutiu no orçamento aprovado de 2014, portanto ficou o questionamento:
O relatório orçamentário apresentado pela Comissão de Finanças nesta segunda-feira não apresenta estas discussões e as pautas apresentadas pelos movimentos e cooperativas artísticas. Perguntamo-nos então: para que servem estes canais de diálogo como as conferências e audiências públicas? Solicitamos maior comprometimento desta casa no que tange ao interesse da maior parte da população (FCZL, 201346).
Ao final, e nos últimos dias do ano de 2013, o orçamento anual foi aprovado com ínfimos avanços para a cultura, com o agravante de gerar um grande desgaste entre os militantes que compareceram em muitas idas e vindas na Câmara Municipal de São Paulo.
Ainda em novembro de 2013, é publicado no Jornal Voz da Leste uma matéria47 redigida por Harika Maia e Queila Rodrigues com o tema “FCZL: Periferias em luta” com subtítulo “#PeloFomentoàPeriferia e outras questões ...”. O texto faz uma contextualização e sintetiza o primeiro ano do FCZL, expressando como seus integrantes se veem no processo no qual estão inseridos:
O Fórum de Cultura da Zona Leste se consolidou neste processo coletivo com a clareza de que tratava de questões locais e estruturais, interligadas pela história e desigual lógica da urbanização e política paulistana. Entendendo-se parte de um contexto integrado e complexo. A organização é regional, mas de interesse comum a todas Periferias. “Periferia é Periferia em qualquer lugar”, já cantava Racionais MC’s lá na zona sul.
A Leitura que se faz da questão da cultura é transversal e estrutural, passa por todas as esferas da sociedade e interage com as forças políticas em jogo. Acreditando na potência criadora e crítica das práticas dos sujeitos periféricos, o FCZL defende a valorização das manifestações artísticas e culturais locais, marginalizadas justamente por não serem passíveis de troca e lucratividade segundo a racionalidade do mercado, uma vez que seu fazer artístico está baseado nas redes solidárias e comunitárias, não submisso aos valores hegemônicos e voltados prioritariamente a um público com baixa capacidade de consumo e acesso inconstante às produções e atividades artístico-culturais.
O objetivo é criar um espaço aberto e continuo de discussão sobre políticas públicas (governamentais ou não) e estimular a produção artístico-cultural nas Periferias da cidade. Defende-se a ampliação dos horizontes de oportunidades e possibilidades de projetos de vida que possam ser pensados fora do esquema do mercado do trabalho tal como se encontra hoje; pela vida não pautada na necessidade de reprodução da força de trabalho; por uma conscientização emancipatória do indivíduo e a construção de projetos coletivos “na ótica do capitalismo nós não produzimos mercadoria, nossa produção é simbólica”.
O que o fórum propõe é dar maior visibilidade à Periferia, reconhecendo a arte como parte integrante da cidade e valorizando as criações culturais desenvolvidas pelos sujeitos periféricos. Pois são estes que, por meio da arte, poetizam o cotidiano e tornam visíveis e manifestas suas questões e lutas. A condição periférica leva o artista-cidadão à luta política.
Nota-se como a maturidade e a consciência individual e coletiva vão se aprofundando a cada texto, trazendo à tona os entendimentos de mundo e as reflexões sobre o que é ser periférico e, qual é o papel a ser desempenhado nessa história. O texto potente e direto confirma a característica de potência que o sujeito periférico consciente tem na sociedade, e aos poucos as bases argumentativas e essenciais para construção da Lei vão se desenvolvendo.
Isso porque, quando surgiu a ideia de reivindicar uma política pública estruturante em Lei, talvez de início ninguém soubesse ao certo como as coisas se desenvolveriam. Talvez de início achava-se que dando a ideia, a SMC se incumbiria de desenvolver o restante, o qual não ocorreu. Somente a ação e o processo puderam formar as bases para a construção da mesma. De certa forma, trata-se, no fundo, de um movimento de educação política [...] (Brant e Singer, 1981, p. 117).
6.1.4. A organização em grupos de trabalho (GTs)
Finalmente, chega-se ao ponto principal dessa monografia. No 1º seminário de políticas públicas criam-se alguns GT’s para dar conta dos trabalhos: Políticas Públicas, Fomento Periferia e Carta de princípios. O GT Políticas Públicas cumpre sua função ao organizar o seminário e publicar na semana seguinte o 1º Informe de Políticas Públicas para a Periferia. O GT Fomento Periferia cumpre sua função inicial ao dar diretrizes do que seria a proposta de Lei, que também sai no 1º informativo. O GT Carta de Princípios dá início a escrita da Carta, que se torna complexa e exige uma certa maturidade e amadurecimento das ideias que ainda não estavam tão nítidas. O segundo semestre de 2013 foi um turbilhão de acontecimentos no país, basta citar as Jornadas de Junho, no qual todos estavam envolvidos de uma forma ou de outra. Os acontecimentos ocorridos no país não serão abordados nesta pesquisa por razões óbvias: é necessário um recorte.
No campo da cultura no município, ocorreu, logo após o seminário, na semana seguinte, as pré-conferências municipais e no outro fim de semana a III Conferência. Somando-se ao turbilhão de acontecimentos vem a organização da Mostra, as formações dentro da mostra, o estudo do orçamento, diversas reuniões e audiências sobre o orçamento, conflitos envolvendo as casas de cultura e outros equipamentos culturais, ameaças de despejo de sede de grupos ocupantes de espaços públicos, etc. Enfim, em meio a tudo isso, uma das dificuldades dos movimentos culturais foi conseguir compartimentar tudo dentro das caixinhas, o que é impossível. A militância se envolve com as pautas e lutas, os GT’s se misturam e no final “está tudo junto e misturado” como já dizia o ditado popular.
Em fevereiro de 2014, é publicada uma matéria na Revista CITA, escrita por Queila Rodrigues com o título “Toda ocupação tem uma (motiv)ação: a luta dos coletivos artísticos das Periferias pela regularização dos espaços culturais independentes e comunitários”, no qual dá bom panorama desta bandeira de luta. Afinal, por que ocupam?
Por motivos diversos, tais como: dificuldade de diálogo; burocratização do acesso; gestão privada ou limitação física dos espaços públicos; ausência destes equipamentos em regiões afastadas do centro; ou também por escolha, dadas as especificidades de algumas iniciativas não se enquadrarem nos modelos de organização oferecidos pelos escassos e sucateados espaços culturais disponíveis, a organização autônoma dos coletivos independentes reflete a realidade de diversos grupos da cidade e se apresenta como uma demanda pendente de discussão e encaminhamento.
Para dar conta de suas ações, muitos coletivos vislumbraram como alternativa a ocupação de espaços públicos ociosos, com histórico de abandono e que, por meio de suas atividades artístico-culturais passaram a cumprir uma função social em bairros/comunidades que pouco ou nada são atendidas pelas políticas de cultura da cidade. Por meio da revitalização destes locais e ressignificação deles, contribuíram para transformação de cada espaço abandonado, em um lugar de convivência criativa, formadora e produtora de cultura. (RODRIGUES, 2014)
O primeiro encontro deste grupo de trabalho, nomeado Bloco de Ocupação Cultural de Espaços Públicos aconteceu durante a Mostra Cultural das Periferias realizada em novembro de 2013. Participaram deste encontro integrantes do CDC Vento Leste (ZL), CICAS (ZN), Quilombaque (ZO/Noroeste), Sacolão das Artes (ZS), ALMA (ZL) e Centro Cultural Arte em Construção (ZL), com mediação de Fernando Ferrari, articulador cultural e integrante do Sacolão das Artes.
Diante dos relatos semelhantes entre ameaças de despejos, dificuldades e ao mesmo tempo muitas esperanças e processos criativos diversos, opta-se pela construção de um mapeamento dos espaços ocupados na cidade, assim como, a construção de um dossiê que apresente o histórico e panorama de cada ocupação e suas reivindicações. Para resumir 2014, 2015 e 2016: O dossiê foi elaborado, foram feitas reuniões com os poderes executivo e legislativo, até a tentativa de um decreto que regularizasse a situação quase saiu do papel, mas se perdeu nas burocracias sem fim. As ocupações são espaços de resistência e por isso é muito complexo para tratar, vira e mexe sofrem ameaças de despejo, o que acarreta em uma série de articulações e mobilizações para manter a ocupação, ou seja, as relações de poder estão sempre latentes e em alerta.
Para se ter uma ideia, em 2017, a Ocupação Cultural Ermelino Matarazzo recebe uma notificação de despejo pela subprefeitura, fruto de perseguição política por conta de um embate entre membros do coletivo gestor do espaço, no qual, ao recusar (educadamente) uma proposta do secretário de cultura André Sturm, o mesmo o ameaça dizendo “Vou quebrar sua cara”. A conversa foi gravada e o coletivo resolveu publicar o áudio, que repercutiu por toda a cidade. Esse fato gerou imensa revolta e foi o mote que faltava para a ocupação da sede da secretaria de cultura, localizada no centro da cidade, em que se pedia a demissão imediata do secretário. Em uma gestão autoritária, o secretário não foi demitido e agora a perseguição continua ocorrendo e consequentemente a luta contra essa postura também.
Retomando o ponto principal, para todas atividades e ações descritas anteriormente foram realizadas diversas reuniões, encontros, troca de e-mails, debates e produções via mídias sociais (grupos de e-mail, What’s App e Messenger) que entravam madrugada a dentro. E é de certa forma que se continua até os dias atuais esta articulação que encurta os caminhos desta imensa cidade desigual.
O FCZL chama um novo encontro para o dia 04/04/2014, o 1º encontro de (re)organização do ano. E a pauta era: “Avaliação 2013 e; continuamos na briga?”. Isso porque o ano de 2013 foi muito intenso, com muitos atos, reuniões, mobilizações, manifestações, etc., talvez um reflexo do rumo sombrio que o país estava tomando e, na área da cultura, no município, com um governo municipal dito progressista pouco se avançava. Enfim, na reunião, mesmo aos trancos e barrancos, optou-se por seguir na luta.
Na zona sul, os debates e escrita da Lei continuam e no dia 26/04/2014 a Rede Popular de Cultura M’Boi Campo Limpo chama uma reunião aberta com os coletivos da zona sul com as seguintes pautas: “o que é a Lei de fomento à Periferia? Em que estágio se encontra a reivindicação? Como está a mobilização dos movimentos? Quais os próximos passos?”. Vale destacar que este chamamento ocorreu em outros locais também. Este chamamento faz parte de um processo informativo, formativo de apropriação simbólica e de chamado (ou de se preparar) para a luta.
O principal documento produzido pelo FCZL, e que depois vem a ser endossado por outros movimentos da cidade, é aprovado no dia 23 de maio de 2014, reunião esta realizada na Casa de Cultura de São Mateus.
O GT Carta de princípios, criado durante o seminário, dá início a escrita e a Carta vai sendo debatida hora presencialmente, ora virtualmente por meio de e-mails. Com tantas demandas e ações práticas não foi possível fazer uma grande plenária para sua apresentação e aprovação, por isso a escrita foi realizada em grande parte virtualmente. Nos encontros presenciais que iam acontecendo eram levadas sempre a última versão impressa para apontamentos e considerações. O encontro no Sacolão das Artes foi um destes no qual a Carta foi lida e debatida e, com algumas ressalvas, aprovada. Mas enfim, retomando 2014 com a Carta ainda não tornada pública, fez-se necessário um encontro final para sua aprovação, realizado em São Mateus. A Carta de princípios sai com o nome de “Manifesto Periférico - Pela Lei de Fomento à Periferia”. Este manifesto é considerado o primeiro texto base do que viria a se tornar a Lei de fomento à Periferia, pois expressa a concepção de Periferia para os coletivos, evidencia o seu posicionamento político e leitura de mundo e dá as diretrizes gerais da Lei.
Compreendemos PERIFERIA como espaço urbano geograficamente identificável, abrigo das classes trabalhadoras brasileiras, da maioria da população negra, indígenas urbanos e imigrantes e cujos traços culturais são entoados pela heterogeneidade resultante do encontro (nem sempre pacífico) desta convivência multicultural atravessada pela desigualdade social. Periferia, não por acaso, substantivo feminino no qual se inscreve a história corrente de inúmeras mulheres. Museu sem teto ou paredes, bolsões de expressões ancestrais, tradicionais e experimentações inovadoras, cuja geografia é território, marca identitária e também espaço de exclusão econômica, com excesso de polícia e ausência de políticas públicas que procurem agir na resolução das consequências de um processo histórico de brutalidades sociais, desigualdades e injusta distribuição de riquezas (FCZL, 2014).
A questão do território é colocada em evidência e o desafio principal posterior foi como fazer esse recorte, evidenciando a grande desigualdade existente no município. O manifesto expõe seu posicionamento político ao dizer que:
O termo PERIFERIA convocado neste manifesto representa um ato político. Assumi-la como marca identitária significa evidenciar as disparidades sociais, econômicas, geográficas e culturais historicamente impostas, assim como, neste contexto, considerar a desproporção de verbas públicas destinadas à produção cultural das quebradas.
Reconhecer a capacidade de sua população em mediar as contradições por meio da produção cultural e da elaboração cotidiana de mecanismos que garantam a sobrevivência coletiva, é compreender este território periférico como lugar de resistência política. Ainda que as Periferias tenham características específicas entre si, a unidade está aí: relacionam-se com a questão urbana em posição de desvantagem política, visto que historicamente os olhos das políticas públicas buscaram privilegiar investimentos nas áreas centrais da cidade, estimulando, mesmo que não intencionalmente, novas lógicas de convivência, sociabilidade e manifestações culturais nos territórios periféricos.
O que buscamos é a reparação histórica, é inverter a lógica do mercado. Fundamentados no ponto de vista de quem vive e produz cultura neste lugar, a Periferia, e por entender a tirania do processo de mercantilização que a tudo padroniza e homogeneíza; que busca transformar em mercadoria toda a produção humana e que, portanto, exerce forte pressão às manifestações culturais nas quebradas para que se transformem em produtos à venda (FCZL, 2014).
Se reconhecer, enquanto periférico, é ter consciência da segregação imposta pelo sistema capitalista. Periferia é ferida exposta de uma sociedade doente, é apontar a raiz de um problema estrutural e sistêmico, que atinge não só a cultura, mas a vida humana como um todo. É questionar a ordem social vigente, é não se conformar, é resistir e pôr o dedo na ferida, é ser anticapitalista. O posicionamento perante o papel do Estado e as políticas neoliberais são denunciadas no trecho a seguir:
Reivindicamos do Estado sua contraparte, assegurando políticas públicas que viabilizem nossas práticas artísticas e culturais não baseadas no lucro e na exploração; que existam mecanismos de fomento onde a gratuidade seja garantida, a auto sustentabilidade econômica não seja uma meta, a subjetividade das Periferias não seja transformada em mercadoria e que as nossas produções não estejam reféns de um gosto universalizado, tampouco nossas particularidades simbólicas sejam catalogadas como moeda de troca.
O governo do Estado, há cerca de duas décadas, é pautado por políticas neoliberais, sem praticamente qualquer política pública voltada para grupos culturais ligados aos movimentos sociais. Na cidade de São Paulo, embora existam políticas mais arejadas e com maior diálogo com os movimentos, ainda há muito por fazer e avançar. Nossa contribuição parte da premissa de que a discussão sobre financiamento direto, garantido em Lei, e a descentralização de verbas é necessária e se faz urgente.
Defendemos que os estados e municípios parem de despejar milhões de reais, fruto de arrecadações dos cidadãos, para o pagamento de JUROS das dívidas públicas – que representa hoje 13% do orçamento do município de São Paulo48, em detrimento do investimento de apenas 0,7% de seu orçamento na cultura49 (situação repetida nas esferas estaduais e também federal). Esta política de irresponsabilidade social engessa todos os governos, independentemente da coloração partidária e desconsidera a maior parte da população, a população periférica, produtora das riquezas com a força de seu trabalho e, ao mesmo tempo, distanciada do usufruto desta produção.
O papel do Estado é questionado. O mesmo, que deveria estar a serviço da coletividade, segue as regras ditadas pelo Mercado em detrimento do sacrifício e exploração da maioria da população, com a concentração da riqueza produzida socialmente na mão de poucos privilegiados, no qual afeta diretamente, de forma perversa as Periferias da cidade.
A segunda parte da Carta apresenta, de forma direta e simples, os principais pontos que constarão na Lei de fomento à Periferia. Cabe ressaltar que, embora a ideia tenha sido levantada para o poder público desde março de 2013 e reforçada na III Conferência Municipal de Cultura no mesmo ano como a 2ª proposta mais votada, até este momento não havia qualquer manifestação de apoio ou interesse por parte da municipalidade em desenvolver este projeto de Lei. A ideia nasce de iniciativa popular e se desenvolve pelos próprios trabalhadores da cultura da cidade:
Enquanto sujeitos periféricos residentes e atuantes às margens da metrópole, propomos e defendemos a criação de uma LEI de FOMENTO à PERIFERIA, capaz de estruturar econômica e poeticamente as coletividades das quebradas.
O QUE É o FOMENTO PERIFERIA? É uma Política pública de investimento direto, estruturada em Lei e com dotação orçamentária própria, cuja iniciativa potencialize a capacidade criativa e a articulação dos coletivos artísticos periféricos, levando em conta a sua pluralidade materializada em poéticas diversas.
A QUE(M) SE DESTINA? Direcionada à produção cultural periférica, cujo protagonismo é o de coletivos culturais com atividades continuadas.
O QUE APOIA? Fomentará pesquisas, criação, formação, difusão e manutenção das atividades artístico-culturais, assim como manutenção dos espaços públicos ociosos por estes coletivos, ocupados e geridos com garantia de autonomia política e administrativa.
NO QUE DIFERE DE OUTRAS LEIS E EDITAIS? Diferente de outras iniciativas também importantes como o VAI II e Pontos de Cultura, por contemplar não somente sedes “pontos específicos” e por dispor de maior aporte econômico às parcelas contempladas. O Fomento Periferia cobre uma lacuna que inviabiliza os saltos poéticos a que estamos inscritos.
OU SEJA... Uma POLÍTICA PÚBLICA proposta e produzida por agentes culturais periféricos de modo a distanciar-se da lógica mercantilista, do caráter eventual das ações culturais e da competitividade desigual dos editais, considerando a cultura um direito humano, garantindo a descentralização dos recursos e uma produção cultural autônoma, singular e continuada, orientada pelas relações sociais estabelecidas por/entre agentes artístico-culturais e suas comunidades.
O manifesto, a partir de sua publicação, passa a ser panfletado das mais variadas formas que envolvam ações culturais na cidade, principalmente nas Periferias. No dia 30 de maio de 2014 sai uma reportagem da TVT com a entrevista50 de alguns integrantes da zona leste e sul explicando quais são as ideias centrais da Lei, segundo o manifesto. Este vídeo se multiplica em grupos de e-mails e redes sociais. A partir deste momento, zona leste e zona sul seguem alinhadas.
Em agosto de 2014, os movimentos resolvem cobrar uma dívida antiga com a prefeitura, as Casas de Cultura, atrasando ainda mais a redação da Lei de Fomento à Periferia, mas por outro lado, por meio de uma ação direta, consegue uma vitória concreta para a Periferia. Foi elaborada uma “Carta-denúncia sobre as casas de cultura no município de SP”51 com mais de 120 assinaturas de coletivos culturais da cidade, denunciando o poder público por seu descaso por mais de 10 anos e a inércia da nova gestão que nada tinha feito até aquele momento para mudar o quadro de “balcão de negócios” que se encontravam os equipamentos culturais públicos. Foi uma Carta-bomba, um escracho na gestão. Se não bastasse isso, a ação direta consistiu em integrantes dos movimentos comparecerem em um cerimonial do Ministério da Cultura e da Prefeitura de São Paulo, intitulado “Mapas Culturais / SP Cultura”, em parceria público privada com o “Instituto Tim”, realizado na Praça das Artes em São Paulo no dia 04/08/2014, no qual estavam presentes diversas autoridades da época, dentre elas a ministra da cultura Marta Suplicy, o prefeito Fernando Haddad, o Secretário de Cultura Juca Ferreira, dentre outros tantos na plateia.
A presença de militantes da cultura no evento gerou incomodo, a
Carta foi panfletada na hora para todos os presentes e durante a fala de um poeta convidado termina sua apresentação com a frase “nóis é ponte e atravessa qualquer rio” passando a palavra para uma militante com uma Carta na mão que aguardava um momento para intervenção. A Carta foi lida para todo o público presente, causando imenso constrangimento ao prefeito, ao secretário e aos membros do governo ali presentes. A Carta termina com o refrão “Chega de sermão, queremos ver ação, chega de frouxura, queremos mais cultura!” e na sequência é lido os 120 nomes de coletivos que assinaram a Carta e dito que “isso também é mapeamento cultural”.
A partir daí o clima esquentou, movimentos periféricos “jogaram o bolo da festa no chão” e de uma relação tida como “amistosa” passaram a serem vistos como “belicosos”. Diante do fato, no mesmo momento o prefeito comprometeu-se resolver o problema em trinta dias. A partir deste momento começa uma contagem regressiva diariamente lembrada nas redes sociais, compartilhadas por muitos coletivos. No dia 26/09/2014, houve o retorno das Casas de Cultura, antes sob gestão das subprefeituras, para a secretaria de cultura por meio de um decreto. Foi uma vitória para os movimentos e coletivos culturais e para a cidade, reascendendo os ânimos para as lutas.
Em um governo que se dizia progressista, faltou mais empatia e transparência no processo, logo, no dia de assinatura do decreto integrantes dos movimentos compareceram com a segunda Carta intitulada “Defendendo o óbvio parte 2: ou sim, a cultura salva vidas!”52. Para a surpresa de muitos, os microfones foram cortados e a Carta foi lida sem microfone mesmo. A Carta apontava para a imensa desigualdade na distribuição de recursos e investimentos na Periferia da cidade e apresentava uma série de propostas para área da cultura. E isso porque não foi anunciado previamente em quais condições as mesmas retornariam para a SMC, ou seja, um retorno no escuro. Se antes a SMC estava resistente com a ideia da Lei, neste momento as coisas tornaram-se mais difíceis.
No dia 30/04/2015 é publicada a Carta “Defendendo o óbvio parte 3: por mais cultura nas Periferias”53, elaborada pela “Frente Pelas Casas de Cultura” e direcionada ao prefeito e ao novo Secretário de Cultura, Nabil Bonduki. Os movimentos voltam a pressionar a gestão pública para que se tome providências relacionadas ao balcão de negócios nas Casas de Cultura que se mantem após 2 anos e 4 meses de reivindicações de melhorias e mudanças estruturais, dentre as pautas, a Casa de Cultura de Ermelino Matarazzo, uma reivindicação histórica de mais de 20 anos só concretizada em 2016 e agora em 2017 por ironia do destino (e das forças políticas) está sob ameaça de fechamento.
Na Carta, atacam o discurso da “governabilidade” e da “correlação de forças”:
Estamos indignados sim, pois, em nome da "governabilidade" e da "correlação de forças", as Periferias seguem sangrando e pagando um alto preço. Em nome da "governabilidade" principalmente os jovens das Periferias sofrem com o genocídio, com as drogas e álcool, com a TV e o tédio, e os idosos de depressão, cigarro e cirrose. O custo Periferia é alto. E o tal “direito à cidade”?! Não chega pra Periferia? Ainda nos falta muitas opções de cultura.
O interessante do processo de organização dos coletivos em uma frente, em um Movimento é o entendimento que vai se criando sobre como funcionam (ou não) as forças políticas e a política na cidade. Apontam para a falta de prioridade e de vontade política para resolver os problemas das Periferias. As estratégias políticas que os governos adotam para se conseguir uma base de parlamentares que lhe garantam a maioria no plenário para aprovação de seus projetos são as mais variadas, uma delas é por meio do loteamento de secretarias, de subprefeituras, de cargos. Na cultura a situação não era diferente. Cada região tinha um “dono” que mandava no pedaço. Na medida em que se conhece como as forças “da velha política” atuam, mais distante a juventude quer ficar dos partidos políticos. Enfim, esta Carta contou com mais 300 assinaturas de grupos, coletividades, movimentos, cidadãos e agentes culturais, em especial das Periferias e culminou em um ato-cortejo que saiu de frente do Teatro Municipal de São Paulo (símbolo da elite paulistana e da desigualdade na cultura) para a audiência pública vexatória para o poder público. Após este episódio, finalmente houve uma reestruturação nas Casas de Cultura com a troca da maioria dos Coordenadores, investimentos em equipamentos e programação.
6.1.5. O GT Fomento Periferia
No dia 13 de junho de 2014 foi marcada uma reunião com integrantes da “Rede Viva Periferia Viva”54 em Perus, região oeste/noroeste. Participaram deste encontro integrantes do Fórum de Cultura da Zona Leste e da Rede Popular de Cultura M’Boi Campo Limpo (zona sul). Segundo a ata de reunião55, destaca-se alguns pontos discutidos: breve histórico e apresentação dos processos das redes / regiões e a ideia do Fomento à Periferia; a agenda do GT Fomento Periferia; a necessidade de se criar mais espaços para se trocar os acúmulos das redes; compreensão do conceito de Periferia como quem está à margem: indígenas, quilombolas, movimentos LGBT, o centro marginalizado ...; importância de um recorte político e de classe para evitar os oportunistas (periféricos por conveniência). Como encaminhamento, a Rede Viva Periferia Viva adere oficialmente ao movimento e passa a fazer parte do GT Fomento Periferia.
Os integrantes saem deste encontro com a missão de cada GT regional (GT’s Leste, Sul e Noroeste) debater e esboçar uma proposta para ser sistematizado em um único documento para ser debatido em um encontro presencial reunindo os 3 GT’s. Em termos de organização, as reuniões ficam pré-estabelecidas semanalmente intercalando reuniões regionais e gerais, ou seja, em uma semana é regional e outra é geral para juntar os GT’s.
O encontro presencial realizou-se no dia 18/07/201456 e para esta reunião foi chamado Luís Carlos Moreira, do Engenho Teatral, participante do movimento Arte Contra a Barbárie e um dos redatores da Lei de Fomento ao Teatro. Moreira passa a integrar o GT com o papel de ser o provocador e de fazer o trabalho de conversão das ideias do texto base para a linguagem jurídica no formato de Lei. No que diz respeito a pauta Fomento à Periferia, foram discutidos temas que deviam se refletir (ou não) na criação da Lei, tais como homogeneização; identidades periféricas; presença juvenil; trabalhos em rede sem perder identidade; realidade geográfica notória (segregação socioespacial), estudo de diferenças para reflexão; estratégia para democratizar recursos; marco simbólico importante para desencadear mais ações; a relação com os políticos; trabalho precário; sujeito histórico; forma de organização; dinheiro e sobrevivência; formar uma prática de consciência; disputa de migalha no cofre do Estado para tentar se organizar; ideologias; como colocar conceitos periféricos dentro da Lei; de onde vem o dinheiro para a Lei; como vestir o objetivo e sujeito na Lei?; definição da questão geográfica; custo-cidade; pensar na favela do moinho; entrelaçar conceitos, natureza do trabalho, condição social e prestação de contas.
É importante destacar estes elementos por estarem refletidos diretamente na Lei ou por estarem presentes de alguma forma no Movimento Cultural das Periferias, ou seja, reflexões que reverberam até os dias atuais, tanto positiva quanto negativamente em suas contradições. Estas discussões, que acabam por se tornarem amplas, contribuem para o processo de formação política dos militantes.
Alguns dias após a reunião, foi enviado um e-mail elencando uma série de anexos contendo a ata de reunião e materiais para estudo:
1. Ata de reunião do Encontro de GT’s Fomento Periferia realizada no dia 18/07/2014 no centro (aberta para complementações, alterações, etc.);
2. Manifesto periférico, no qual traz argumentos importantes para a Lei de fomento à Periferia;
3. Contatos dos participantes do GT Fomento Periferia;
4. Mapa das regiões apontadas no edital Agente Comunitário de Cultura;
5. Lei Fomento ao Teatro;
6. Lei VAI I e II;
7. Edital Fomento ao Teatro;
8. Decreto que regulamenta o VAI;
9. Edital do VAI;
10. Edital Agente Comunitário de Cultura.
Durante a reunião do dia 18/07/2014, no debate sobre a questão geográfica da Periferia, foi citado como exemplo o chamamento público da Secretaria Municipal de Cultura, da Prefeitura Municipal de São Paulo, o Edital nº 05/2014/SMC/NFC – Chamamento de propostas do Programa Agente Comunitário de Cultura – 201457, que fazia uma distribuição de bolsas para agentes comunitários de cultura levando em conta a vulnerabilidade dos distritos do município, no qual dividia a cidade em 3 áreas. Neste e-mail aparece como anexo um elemento novo, um mapa do município com a divisão das subprefeituras e distritos, com uma adaptação feita por Marcello (um dos integrantes do GT) no qual constavam os distritos e as áreas que pertenciam.
No dia 30/07/2014, na reunião dos GT’s são discutidos e redigidos os seguintes pontos do texto base da Lei: objetivo geral e específico; definição de Periferia; bolsões de pobreza na área central; definição do sujeito. A distribuição geográfica não entrou em pauta neste dia por questão de tempo.
Na reunião do dia 21/08/2014 há duas questões importantes à se destacar: 1) O conceito de Periferia elaborado pelo FCZL que constava no esboço do texto base é retirado do mesmo, pois, por se tratar de uma Lei e de termos jurídicos, é decidido que a definição de Periferia não se dará pelo discurso ideológico e político, mas sim pelos critérios à serem definidos no recorte social e geográfico. Outro ponto importante é a delimitação geográfica: neste encontro são projetados o mapa e os critérios que definem a seleção do edital do Agente Comunitário de Cultura. Neste edital, o caráter geográfico é um elemento definidor aliado aos índices de renda per capita e de população, do qual são distribuídas 150 bolsas por todo o município de São Paulo, conforme a definição (SMC, 2014):
Para fins de distribuição das vagas disponíveis, serão consideradas 3 (três) áreas geográficas compostas por distritos, denominadas “Área 01”, “Área 02”, e “Área 03”, conforme descrito abaixo:
Para distribuição das bolsas foi utilizado como critério a “Proporcionalidade de domicílios particulares (permanentes ou improvisados) com renda per capita de até meio salário mínimo” (IBGE-2010), expressos na definição das áreas e no número de vagas disponíveis para as mesmas.
De acordo com o critério acima, o município de São Paulo ficou dividido da seguinte maneira:
ÁREA 01: Alto de Pinheiros, Barra Funda, Bela Vista, Belém, Butantã, Cambuci, Campo Grande, Consolação, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Lapa, Liberdade, Moema, Perdizes, Pinheiros, República, Santa Cecília, Santana, Santo Amaro, Saúde, Tatuapé, Tucuruvi, Vila Leopoldina, Vila Mariana. (10 vagas).
ÁREA 02: Água Rasa, Aricanduva, Artur Alvim, Brás, Campo Belo, Carrão, Casa Verde, Cidade Líder, Cursino, Freguesia do Ó, Ipiranga, Jabaquara, Jaguaré, Limão, Mandaqui, Morumbi, Pari, Penha, Pirituba, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Sacomã, São Domingos, São Lucas, Sé, Socorro, Vila Andrade, Vila Formosa, Vila Guilherme, Vila Maria, Vila Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente, Vila Sônia. (35 vagas).
ÁREA 03: Anhanguera, Brasilândia, Bom Retiro, Cachoeirinha, Campo Limpo, Cangaíba, Capão Redondo, Cidade Ademar, Cidade Dutra, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Guaianases, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jaçanã, Jaraguá, Jardim Helena, Jardim São Luís, José Bonifácio, Lajeado, Marsilac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Perus, São Mateus, São Miguel, São Rafael, Sapopemba, Tremembé, Vila Curuçá, Vila Jacuí. (105 vagas).
Para este edital, seguindo os critérios estabelecidos acima, as 150 vagas foram distribuídas proporcionalmente conforme a porcentagem da população com renda per capta de meio salário mínimo de cada uma das áreas, logo: área 1 = 7% da população = 10 vagas; área 2 = 23% da população = 35 vagas; área 3 = 70% da população = 105 vagas.
No edital, não constava o mapa com a representação cartográfica, por isso, foi adaptado, por um dos integrantes do GT para ilustrar o território evidenciando os distritos de maior vulnerabilidade social e como se daria a tal distribuição:
Mapa 23: Município de São Paulo com distribuição em 3 áreas
Fonte: MCP/Marcello. Adaptado (2014)
Com a visualização do mapa os participantes deste encontro puderam ter um panorama geral do território e visualizar as áreas de maior vulnerabilidade. Por se tratar de uma discussão inicial, acharam interessante e optaram por utilizar a definição das regiões utilizando estes mesmos critérios para delimitação da Periferia na cidade. O debate sobre a distribuição geográfica voltará mais adiante.
Parênteses. 2014 também foi ano de eleição. Em época de eleição a “Periferia” é “prioridade”. Outubro. Eleições presidenciais vão para segundo turno e os candidatos são Aécio Neves e Dilma Rousseff. Os movimentos sociais começam as discussões sobre o voto crítico, contra retrocessos e as Periferias viram o centro das atenções políticas de campanha. Os movimentos culturais começam a discutir se vale se posicionar ou não. Na sexta socialista, organizada no “fundão” da zona leste, em Guaianases, é tirado de se elaborar uma Carta manifestando apoio ao voto crítico contra a direita. No “fundão” da zona sul coletivos discutem a escrita de uma Carta de reivindicações para cultura e demais setores com a “guinada à esquerda”.
Eis que diversos coletivos, por meio de seus integrantes resolvem juntar a Carta da zona leste com a Carta da zona sul para escrever um grande manifesto sobre como as Periferias estão pensando politicamente, o que reivindicam de mudanças para o Brasil. Foi articulada uma grande rede virtual para escrita da Carta online, no qual participaram mais de 80 pessoas da cidade ligadas à coletividades culturais periféricas, resultando no documento “Coletivos Culturais Periféricos em favor da reeleição de Dilma Rousseff”58. O manifesto contou com mais de 400 assinaturas de coletividades e cidadãos de São Paulo e diversos estados brasileiros. Cabe apenas destacar que a Carta consiste em 3 blocos: o 1º é argumentativo, no qual se expõe o perigo de retrocessos sociais; o 2º são expostas pautas prioritárias estruturantes para o país, como a demarcação das terras indígenas, a reforma urbana, 10% para educação pública, reforma agrária, etc.; e, 3º bloco, as pautas da cultura vinculadas à arte pública. O manifesto termina com os dizeres “um pé no voto, uma vida na luta”. Infelizmente a “guinada à esquerda” não ocorreu, deu no que deu.
Este parêntese se faz necessário para expressar que, embora os coletivos periféricos estivessem numa luta local em seu município, estavam atentos e refletindo sobre os rumos do país, inclusive, para além das eleições.
Voltando à luta no município, no dia 27/10/2014, na sede do Cordão Folclórico Sucatas Ambulantes, ocorre um encontro geral dos movimentos que estavam construindo a Lei de Fomento à Periferia e outras frentes. Esta junção de redes e frentes passam a se chamar oficialmente Movimento Cultural das Periferias (MCP) (em construção). Em princípio, compunham o Fórum de Cultura da Zona Leste, a Rede Popular de Cultura M’Boi Campo Limpo (ZS), a Rede Viva Periferia Viva (Zona Oeste/Noroeste) e o CAP – Coletivos Culturais Cidade Ademar Pedreira (ZS). Mais há frente a outras adesões e articulações em conjunto. Pouco tempo depois vem da zona sul a arte gráfica do logotipo do Movimento Cultural das Periferia.
Figura 3: Logotipo do Movimento Cultural das Periferia (MCP, 2015)
Fonte: MCP/Facebook, 2015.
No dia 04/02/2015 o GT Fomento Periferia da zona sul faz uma reunião e aponta uma limitação ou possível problema. Trata-se do distrito de Pirituba, no qual possui um grande condomínio de luxo que eleva a renda do distrito, retirando o mesmo da área 3 que seria considerada prioritária para a Lei e colocando na área 2 como intermediária.
No dia 25/02/2015 foi publicada a “Nota Pública Periférica”59 convocando todas as coletividades periféricas a retomar as articulações e mobilizações para as lutas na cidade, muitas demandas levantadas em 2013 e 2014 e muitas ainda sem solução, dentre elas, a escrita da Lei, que estava atrasada. Este chamado se fez necessário com o intuito de não deixar as mobilizações se esfriarem, pois no período entre fim de ano e início de ano as pessoas se dispersam e demoram um tempo até retomar as atividades relacionadas a militância.
Nos dias 07 e 08/02/2015 foi feita uma imersão do GT Fomento Periferia Geral no CDC Vento Leste para acelerar o processo e fazer o fechamento do texto base. O texto base ficou pronto do dia 25/02/2015 e no dia 12/03/2015 sai a primeira versão “Frankenstein” da Lei. Esta versão é uma compilação entre o texto base e elementos de várias Leis, decretos e editais existentes já em formato de Lei. Nesta primeira versão, se mantem os critérios de distribuição geográfica do Agente Comunitário de Cultura, mas tem um apontamento para estudo e debate sobre o edital dos pontos de cultura de 201460, no qual utiliza os índices de vulnerabilidade social do SEADE.
Segundo o edital, os critérios de avaliação, bem como a pontuação, referentes aos indicadores de vulnerabilidade social são:
Índice de Vulnerabilidade Social da área de localização da ação |
Vulnerabilidade Muito Alta – 20 pontos |
De 0 a 20 pontos |
Vulnerabilidade Alta – 15 pontos |
||
Vulnerabilidade Média – 10 pontos |
||
Baixa, Muito Baixa ou Nenhuma Vulnerabilidade – 0 pontos |
Com a seguinte descrição:
7.1.5. As categorias de vulnerabilidade social utilizadas na tabela acima estão baseadas no índice Paulista de Vulnerabilidade Social – Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados – SEADE. 2010, também utilizadas pela Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social – SMADS.
O IPVS trabalha com micro áreas – setores censitários – e fornece a localização das áreas que abrigam os segmentos populacionais mais vulneráveis dentro de cada município (SEADE, 2010ª) e utiliza os indicadores população, rendimento médio de domicílios, idade média dos responsáveis pelo domicílio, responsáveis pelos domicílios com menos de 30 anos, mulheres jovens responsáveis pelo domicilio, crianças de 0 a 5 anos no total da população. Abaixo o mapa apresentado como resultado do estudo do IPVS:
Mapa 24 (ilustrativo): vulnerabilidade no município de São Paulo (SEADE, 2010ª)
Em discussão pelo GT Fomento Periferia, nota-se que o IPVS é calculado por setor censitário, e não por distrito. Portanto, seria importante fazer um recorte por distritos com maior incidência de vulnerabilidade social. O GT conclui que este estudo, por meio de seus indicadores, tem um grau de detalhamento auto, mas talvez insuficientes por retratar um tipo de família tradicional ou até mesmo com um excesso de indicadores que ocultam algo, ou seja, opta-se por manter os critérios do Agente Comunitário de Cultura por ser mais direto e objetivo. As aulas de estatística na faculdade também trazem um olhar mais atento aos dados e as interpretações dos mesmos, pois os dados mesmo sendo exatos podem ser manipulados, ou seja, também pairou uma desconfiança no ar, no qual, ao olhar o mapa é como se houvesse uma “pacificação” nos territórios. Outro ponto é: por a Lei ser para coletivos e não para indivíduos, não seria necessário um nível de detalhamento tão grande, a não ser, para possíveis comprovações de um determinado local em que o coletivo atua dentro dos bolsões de exclusão, como exemplo, dentro da Favela do Moinho na região central.
Em continuação a análise do edital dos pontos de cultura61, nota-se a distribuição geográfica no município por macrorregiões:
7.1.10. Após receberem a pontuação, os projetos serão classificados em ordem decrescente e por macrorregiões da cidade, a saber, norte, sul, leste oeste e centro.
7.1.11. Para este edital a macrorregião centro compreende a subprefeitura da Sé; a macrorregião norte compreende as subprefeituras de Casa Verde, Freguesia do Ó, Jaçanã, Pirituba, Perus, Vila Maria e Santana; a macrorregião sul compreende as subprefeituras do Ipiranga, Vila Mariana, Campo Limpo, M´Boi Mirim, Cidade Ademar, Santo Amaro, Capela do Socorro, Jabaquara e Parelheiros; macrorregião leste compreende as subprefeituras de Aricanduva, Mooca, Penha, Sapopemba, Vila Prudente, Itaim Paulista, Itaquera, Guaianases, Ermelino Matarazzo, São Miguel, São Mateus e Cidade Tiradentes; a macrorregião oeste compreende as subprefeituras de Lapa, Butantã e Pinheiros.
7.1.12. Para garantir a melhor distribuição geográfica dos pontos de cultura que receberão apoio financeiro, serão selecionados os projetos com maior pontuação, considerando-se a população por macrorregião da cidade conforme distribuição aproximada abaixo:
Macrorregião |
Centro |
Leste |
Norte |
Oeste |
Sul |
%º aprox. |
4% |
35% |
20% |
9% |
32% |
Neste caso, em se tratando de uma divisão por macrorregiões, traz um indicador importante que é a população de cada região da cidade. A reflexão que o GT faz é se grande parte das políticas públicas levassem em consideração a distribuição de acordo com a população de cada macrorregião já seria um grande avanço para a cidade, portanto, o indicador “população” é essencial para uma política territorial.
No dia 19/03/2015 sai o logotipo “Pela Lei de Fomento à Periferia”. A ideia do logotipo surgiu para que todas coletividades usassem nos materiais de divulgação de suas atividades artísticas, de modo que fosse uma campanha de disseminação da ideia e da luta na cidade. Esta estratégia funcionou muito bem e se disseminou nos quatro cantos da cidade. Em todos os lugares onde se tinham atividades culturais (principalmente periféricos) constava o logo no material de divulgação.
Figura 4: logotipo de divulgação e mobilização da Lei de Fomento à Periferia
Fonte: Acervo MCP, 2015.
No dia 29/03/2015 ocorre mais uma imersão de escrita da Lei, desta vez, no Engenho Teatral. Dentre as pautas, foi feita a discussão sobre as zonas e as áreas que compreendem a Periferia, pensando também em outras possibilidades, com destaque para área 3 e/ou um raio geográfico de 10 km que circunde o centro e com formas de contemplar os bolsões. Até então, os bolsões, que compreendem as favelas e cortiços na região central da cidade estava definida como
§ 6º. Bolsões de Exclusão
A presente Lei pode comprometer até 10% de seu orçamento para contemplar atividades culturais de coletividades que se situam em bolsões de exclusão na região central da cidade e/ou em regiões que não se enquadram no mapa de vulnerabilidade social, desde que, com as mesmas características descritas no objetivo desta Lei.
Foi citado nesta reunião o Centro de Estudos da Metrópole (CEM) como possível provedor de dados e análises referentes aos bolsões. A título de registro, foi enviado um e-mail no dia 30/03/2015 com o registro dos pontos discutidos. Após a discussão, ficou agenda uma reunião para o dia 02/04/2015 com os participantes trazendo mais elementos para se tomar a decisão sobre as áreas e bolsões. No dia 31/03/2015 o Moreira envia por e-mail a 1ª versão da Lei.
Em uma pesquisa sobre o CEM, notou-se o trabalho comprometido e engajado (como o exposto no capítulo 2) em várias áreas como a de mobilidade urbana, educação, saúde, desigualdade social, divisão territorial, base cartográfica das favelas, etc. Porém, nota-se também que os estudos são feitos, em sua maioria, por meio de projetos financiados pela FAPESP, CEPID, dentre outros, mas que, não há uma constância de atualizações destes estudos que pudessem ser utilizados como referência dentro de uma Lei, portanto, a questão que surgiu durante os debates foi, no caso da utilização de dados e estudos do CEM, como seria atualizada a Lei? Eis a questão. Logo, a utilização dos estudos do CEM como referência na Lei foi descartada por conta da necessidade de ter um mecanismo de atualização periódica que até aquele momento não se sabia ao certo como seria.
No dia 02/04/2015 ocorre mais uma reunião do GT Fomento Periferia. Neste momento, a participação de integrantes dos 3 GT’s regionais é reduzida ao ponto de ter apenas 2 ou 3 pessoas da Periferia. As precariedades se refletem na própria limitação de participação dos integrantes dos GT’s. A argumentação sobre os estudos do CEM foi entendida e superada. Mas o debate esquenta e chega-se ao ponto de se questionar se a divisão da cidade em áreas não estaria segregando a cidade ou reforçando a segregação. Diante do impasse, ainda sem dados consistentes que garantisse o entendimento sobre uma atualização automática, opta-se por fazer um exercício entre os presentes de abrir um mapa do município com as divisões por distritos e apontar quais pertencem a Periferia e quais não. Após este exercício, a maioria decide por utilizar como referência estes distritos escolhidos divididos em 2 áreas, uma central e outra periférica, referendados pelo poder de decisão do GT, no qual, alguns ficaram responsáveis por trazer na próxima reunião um dossiê com argumentações que comprovassem e legitimassem tal entendimento.
A cidade é segregada e complexa, e
Não obstante, a centralidade da reprodução do capital ainda comanda a produção do espaço urbano, mantém e repõe os termos da relação centro-Periferia, guardando claramente uma tendência à dispersão. A simultaneidade da expansão e da acumulação do capital, conjugadas à escassez da riqueza socialmente produzida, está presente na manutenção de empobrecidos, tanto nas longínquas Periferias quanto nos centros históricos das cidades. Neste sentido, os fundamentos da desigualdade, ao se reproduzirem, levam ao aprofundamento das separações (segregação socioespacial), enfim, aos termos da barbárie. (BURGOS, 2013, p. 56)
Ora, assumir a cidade como segregada não significa concordar com a segregação ou que está se reforçando esta divisão. Não foi a Periferia quem criou o centro. A ideia da Lei nasce com a proposta de se fazer chegar uma política pública que contemple de fato os coletivos culturais periféricos, principalmente os que estão nas bordas da cidade, pois, quanto mais distante do centro, mais escassos são os recursos e apoios culturais. O recorte de uma Lei que aponte para a Periferia deve excluir uma parte da cidade? Ou a Periferia é uma parte invisibilizada da Cidade?
No 16/04/2015, há uma contraproposta à decisão tomada pela maioria do GT, no qual há uma diferença em dividir a cidade em duas áreas (centro e Periferia e bolsões) de três áreas (área 1, área 2 e área 3 (conforme o edital Agente Comunitário de Cultura)), pois surge a questão: os distritos que estão numa região intermediária próximo ao centro expandido são diferentes dos distritos das bordas da cidade. Uma questão é o adensamento populacional e a outra é a precariedade ao qual a população está submetida. Os bairros mais antigos e já consolidados em termos de infraestrutura e serviços nos distritos intermediários são considerados subúrbios e em muitos casos (ou em mutação para) bairros de classe média.
Para além da relação Centro-Periferia há uma região intermediária que não se considera Periferia, ou seja, a negação da Periferia, talvez por ter atingido uma certa qualidade vida se afastando da precariedade, e de fato, não se deve esquecer do tempo de deslocamento e do deslocamento precário. Não é à toa que muitos manifestos, Cartas e chamados se inicia com o dialeto “salve quebradas”. Este dialeto “quebrada(s)” se refere a Periferia de comunidade ou de favela mesmo, de precariedade, de afetividades do lugar, dos becos e vielas, de “pisar no barro”, do “olho no olho”, da relação de solidariedade e parceria, de compartilhar os mesmos “venenos e perrengues”, ou seja, as barbáries do cotidiano ou as “múltiplas tretas simultâneas” e/ou as multiterritorialidades.
A partir daí o tema é recolocado em questão, retoma-se o impasse da distribuição geográfica e esta pendencia se estende até meados de julho com duas as propostas caminhando em paralelo. Enquanto isso, outros pontos da Lei vão avançando e sendo redigidos.
Sobre a distribuição geográfica para determinar as Periferias, utilizando a proposta do programa Agente Comunitário de Cultura, embora muitos periféricos se identificassem com a proposta, dentro do GT este assunto era polêmico por não se conseguir traduzir o critério “Proporcionalidade de domicílios particulares (permanente ou improvisados) com renda per capita de até meio salário mínimo” do IBGE 2010. O Moreira foi chato nessa questão e com razão. Isso porque, neste critério, faltava um elemento, uma porcentagem de como se fazia o recorte de cada área e sua proporção, ou seja, o mapa falava por si para os sujeitos periféricos, mas faltava os dados e os critérios que dessem credibilidade e um possível mecanismo de atualização automática. Só tinha um critério, faltava o outro.
Na reunião do dia 01/06/2015, dentre as pautas, é relatado o problema acima, os presentes se comprometem a pesquisar e apresentar novos dados ou novas ideias. No dia 10/06/2015 Katia (Brava Companhia) e Rita (Sacolão das Artes) enviam algumas fotos do Atlas Sócio Assistencial da Cidade de São Paulo utilizando como critério “Setores Censitários classificados segundo concentração de domicílios com renda per capta de meio salário mínimo do censo 2010 do IBGE” agrupados conforme legenda no mapa 25, no qual há divisão em 6 grupos e, lembrando que em áreas urbanas um setor censitário varia de 250 a 350 domicílios:
Nº de domicílios com renda per capta de ½ salário mínimo:
-
1 a 5
-
6 a 10
-
11 a 20
-
21 a 40
-
Acima de 40 domicílios
-
Sem informação (cinza)
Mapa 25: vulnerabilidade social segundo concentração de domicílios com renda per capta de até meio salário mínimo.
Fonte: Atlas Sócio Assistencial da Cidade de São Paulo (2015)
Com este estudo em mãos, a legenda aponta o outro critério “nº de domicílios” definindo como foram agrupamentos os dados, intervalos de 5 em 5 domicílios aumentando a gradação até chegar no último que consta acima de 40 domicílios, totalizando 5 agrupamentos válidos. Neste sentido, teve-se uma visão mais crítica e detalhada da vulnerabilidade da população de baixa renda da cidade, com a nitidez de quanto mais afastado do centro, maior é a concentração da população e menores são os seus rendimentos.
No dia 17/06/2015 foi agenda uma reunião do GT Fomento Periferia com o Cleber, geógrafo e técnico do departamento de Cidadania Cultural da SMC. Compareceram neste encontro Marcello e Moreira. O que se queria entender é como se chegou no resultado final da distribuição geográfica do programa do Agente Comunitário de Cultura, ver os dados e como se deu os cálculos do critério. O Cleber gentilmente explicou passo a passo como se chegou ao resultado fornecendo os dados, os critérios e um mapa, conforme abaixo:
Tabela 2: distritos com renda per capta de ½ salário mínimo
Localidade |
Renda e Rendimento - Domicílios Particulares com Renda per Capita de até 1/2 Salário Mínimo (Em %) |
População |
População com renda de até meio salário mínimo |
Marsilac |
41,56 |
8.259 |
3432 |
Parelheiros |
36,08 |
130.913 |
47233 |
Jardim Helena |
35,36 |
135.075 |
47763 |
Lajeado |
32,93 |
164.451 |
54154 |
Cidade Tiradentes |
32,64 |
211.309 |
68971 |
Itaim Paulista |
32,64 |
223.974 |
73105 |
Iguatemi |
32,63 |
127.418 |
41576 |
Jardim Ângela |
32,53 |
294.979 |
95957 |
São Rafael |
31,83 |
143.821 |
45778 |
Perus |
30,79 |
80.101 |
24663 |
Grajaú |
29,89 |
360.538 |
107765 |
Vila Curuçá |
28,03 |
149.030 |
41773 |
Vila Jacuí |
27,91 |
142.365 |
39734 |
Guaianazes |
27,78 |
103.948 |
28877 |
Brasilândia |
27,61 |
264.764 |
73101 |
Pedreira |
27,52 |
144.165 |
39674 |
Capão Redondo |
24,96 |
268.481 |
67013 |
Cidade Ademar |
24,79 |
266.479 |
66060 |
São Miguel |
24,05 |
92.124 |
22156 |
Parque do Carmo |
23,87 |
68.222 |
16285 |
Sapopemba |
23,49 |
284.503 |
66830 |
Jaraguá |
23,41 |
184.451 |
43180 |
São Mateus |
23,19 |
155.138 |
35977 |
Itaquera |
22,74 |
204.841 |
46581 |
Ermelino Matarazzo |
22,53 |
113.556 |
25584 |
Anhanguera |
22,32 |
65.561 |
14633 |
Jardim São Luís |
22,15 |
267.617 |
59277 |
José Bonifácio |
21,73 |
123.970 |
26939 |
Tremembé |
21,62 |
196.952 |
42581 |
Bom Retiro |
21,5 |
33.825 |
7272 |
Jaçanã |
21,33 |
94.585 |
20175 |
Campo Limpo |
20,66 |
211.186 |
43631 |
Cidade Dutra |
20,65 |
196.317 |
40539 |
Cachoeirinha |
20,64 |
143.555 |
29630 |
Cangaíba |
20,09 |
136.628 |
27449 |
Vila Andrade |
19,94 |
126.439 |
25212 |
Cidade Líder |
19,67 |
126.512 |
24885 |
Raposo Tavares |
19,61 |
100.086 |
19627 |
Vila Maria |
19,4 |
113.467 |
22013 |
São Domingos |
17,63 |
84.825 |
14955 |
Ponte Rasa |
17,5 |
93.929 |
16438 |
Vila Medeiros |
17,32 |
130.005 |
22517 |
Aricanduva |
16,25 |
89.664 |
14570 |
Pirituba |
15,77 |
167.879 |
26475 |
Sacomã |
15,56 |
247.681 |
38539 |
Jaguaré |
15,3 |
49.797 |
7619 |
Rio Pequeno |
15,25 |
118.401 |
18056 |
Pari |
14,55 |
17.277 |
2514 |
Jabaquara |
14,51 |
223.699 |
32459 |
Jaguara |
13,79 |
24.902 |
3434 |
Artur Alvim |
13,64 |
105.317 |
14365 |
Vila Formosa |
13,6 |
94.792 |
12892 |
Casa Verde |
13,41 |
85.608 |
11480 |
Morumbi |
13,36 |
46.839 |
6258 |
São Lucas |
13,32 |
142.323 |
18957 |
Vila Matilde |
12,54 |
104.931 |
13158 |
Vila Prudente |
12,51 |
104.225 |
13039 |
Limão |
12,48 |
80.245 |
10015 |
Freguesia do Ó |
12,42 |
142.349 |
17680 |
Vila Sônia |
12,35 |
108.247 |
13369 |
Água Rasa |
12,22 |
84.971 |
10383 |
Ipiranga |
12,06 |
106.797 |
12880 |
Penha |
11,65 |
127.791 |
14888 |
Cursino |
11,52 |
109.029 |
12560 |
Mandaqui |
11,46 |
107.543 |
12324 |
Carrão |
11,45 |
83.238 |
9531 |
Brás |
10,66 |
29.229 |
3116 |
Socorro |
10,66 |
37.794 |
4029 |
Campo Belo |
10,36 |
65.760 |
6813 |
Sé |
10,21 |
23.620 |
2412 |
Vila Guilherme |
10,05 |
54.295 |
5457 |
Campo Grande |
9,47 |
100.631 |
9530 |
Belém |
9,33 |
45.010 |
4199 |
Pinheiros |
9,17 |
65.345 |
5992 |
Jardim Paulista |
9,01 |
88.651 |
7987 |
Tucuruvi |
8,8 |
98.447 |
8663 |
República |
8,65 |
56.898 |
4922 |
Itaim Bibi |
8,56 |
92.474 |
7916 |
Liberdade |
8,39 |
69.030 |
5792 |
Cambuci |
8,19 |
36.872 |
3020 |
Moema |
7,95 |
83.261 |
6619 |
Santo Amaro |
7,94 |
71.462 |
5674 |
Consolação |
7,82 |
57.342 |
4484 |
Santana |
7,37 |
118.845 |
8759 |
Santa Cecília |
7,34 |
83.606 |
6137 |
Saúde |
7,17 |
130.671 |
9369 |
Alto de Pinheiros |
7,16 |
43.128 |
3088 |
Vila Leopoldina |
7,09 |
39.360 |
2791 |
Mooca |
7,04 |
75.613 |
5323 |
Lapa |
6,93 |
65.692 |
4552 |
Barra Funda |
6,71 |
14.371 |
964 |
Tatuapé |
6,64 |
91.563 |
6080 |
Butantã |
6,38 |
54.184 |
3457 |
Bela Vista |
5,99 |
69.406 |
4157 |
Vila Mariana |
5,81 |
130.427 |
7578 |
Perdizes |
5,42 |
111.087 |
6021 |
Fonte: SMC/Cidadania Cultural (2015)
Logo, a porcentagem estabelecida para o recorte e divisão em 3 grandes áreas foi a seguinte:
Domicílios com até meio salário mínimo per capita
-
distritos com até 10% compõe a área 1
-
distritos de 10,01% até 20% compõe a área 2
-
distritos acima de 20% compõe a área 3
Esta era a informação que faltava e que não constava detalhado no edital do programa Agente Comunitário de Cultura. Nesta reunião também foi gerado o mapa e disponibilizado com a definição e os critérios completos estabelecidos, conforme a seguir:
Mapa 26 (ilustrativo): Distritos do município de São Paulo dividido em 3 áreas
Fonte: SMC (2015)
A questão que fica é o porquê uma parte do critério ficou oculto no edital público do Agente Comunitário de Cultura, assim como o mapa apresentado acima. O mapa por si só comunica muita coisa de forma objetiva e prática. Mais do que isso, enfatiza o papel da geografia de analisar dados e informações e trazê-los à tona, de uma forma ou de outra, uma visão de mundo, como neste, para um planejamento territorial. Segundo Lacoste (1988, p. 51)
O desenvolvimento do processo de espacialidade diferencial acarretará, necessariamente, cedo ou tarde a evolução coletiva de um saber pensar o espaço, isto é, a familiarização de cada um com um instrumento conceitual que permite articular, em função de diversas práticas, as múltiplas representações espaciais que é conveniente distinguir, quaisquer que sejam sua configuração e sua escala, de maneira a dispor de um instrumental de ação e de reflexão. Isso é que deveria ser a razão de existir da geografia.
É de se pensar de como se difundir este mapa, estes dados e os instrumentos de como manipulá-los em prol da maioria da sociedade. Partindo do exemplo acima, poderia se criar outras escalas para se chegar numa política pública mais abrangente ou específica dependo da temática, enfim, elementos para reflexão e ação. Aluízio Marino, doutorando em Planejamento Territorial pela Universidade Federal do ABC (UFABC) vem difundindo estas técnicas e conhecimentos desde 2015, não só entre coletivos culturais, mas para outros movimentos e segmentos da sociedade.
A partir do entendimento dos dados, novas ideias vão surgindo e se aprimorando. No dia 28/06/2015 o Moreira envia uma nova proposta de redação com a inclusão de um critério que define Periferia os distritos que estão “total ou parcialmente fora do centro expandido da cidade”. Cabe reproduzir aqui a pesquisa feita na época:
Mapa 27 (ilustrativo): Centro expandido da cidade de São Paulo.
Fonte: Google. Disponível em: https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=1Xg6ACUNSiuS0IOr7p7t9c6IvLx4&hl=en_US&ll=-23.568949674056366%2C-46.660604999999975&z=12 [Acesso em 12/11/2017].
A descrição no google62, mesmo informal, também é interessante, pois retrata um pouco do que se entende por centro expandido:
O Centro Expandido da cidade de São Paulo é uma área da cidade localizada ao redor do centro histórico, e delimitada pelo chamado minianel viário, composto pelas marginais Tietê e Pinheiros, mais as avenidas Salim Farah Maluf, Afonso d'Escragnolle Taunay, Bandeirantes, Juntas Provisórias, Presidente Tancredo Neves, Luís Inácio de Anhaia Melo e o Complexo Viário Maria Maluf.
Esta região da cidade concentra a maior parte dos serviços, empregos e equipamentos culturais e de lazer da cidade, assim como a população de maior renda, salvo exceções. Dentro desta área, vigora desde 1997 uma restrição municipal à circulação de automóveis em função do número final das placas. Conhecida popularmente como "rodízio", esta restrição recebe formalmente o nome de Operação Horário de Pico.
Isso porque a mobilidade urbana e consequentemente o tempo de deslocamento para se chegar ao trabalho ou acessar determinados serviços interfere diretamente na qualidade de vida das pessoas, ou seja, quanto mais distante, maior é a desvantagem em usufruir da cidade, é o que a Amélia Damiani chama de urbanização crítica, ou seja,
É a impossibilidade do urbano para todos, a não ser que se transforme radicalmente as bases da produção e da reprodução sociais. A diversidade dos movimentos urbanos e sua separação mútua vem corroborar com o não desvendamento das radicais causas da situação enfrentada: não há moradia e emprego para a maioria – faminta e alvo da violência -, pois a negatividade absoluta do trabalho assim se traduz, sem política como alternativa, sobram as igrejas pentecostais, renovando a já tradicional relação entre messianismo e fome (cf. Bastide, 1958). Não há o urbano para todos. Esta é a radicalidade do urbano na História, colocada hoje com clareza suficiente. Todo o aparato teórico-conceitual que sempre explicou a miséria e o desemprego, ou o subemprego, com faces do capitalismo dependente, acabou por obscurecer o limite que estamos vivendo. Os pobres sobrevivem à custa de uma economia que envolve os próprios pobres e quase exclusivamente eles: são os serviços e o comércio nas áreas periféricas. As relações dentro do circuito inferior de que fala Milton Santos. As várias temporalidades do capital, tão cara às minhas próprias interpretações, já não são suficientes (Damiani, 2000, p. 30).
Pensando nas discussões gerais dentro do MCP e no GT, a reivindicação e um dos critérios, que acabam por ser contemplados na Lei, é fomentar coletivos culturais onde seus membros sejam residentes e atuantes na Periferia. Embora a reivindicação da Lei seja de cunho reformista, reivindicam a presença do Estado, mas não necessariamente a cultura do Estado, e sim, os recursos do Estado, fruto da arrecadação dos impostos que a população paga, para desenvolver com mais dignidade e potência a sua própria cultura periférica. Por isso, a questão da distribuição geográfica levando em conta o território é tão importante e de difícil decisão, a questão posta era a de como criar um mecanismo que garantisse com que os recursos públicos chegassem nas bordas da cidade com a proporção adequada e justa, que se chegasse como regra e não como exceção. No dia 30/06/2015, sai a 4ª versão da Lei, com duas propostas de redação:
ARTIGO 4º - PROPOSTA 1: Moreira Art. 4º - Para efeitos desta Lei, entende-se por Periferia os Distritos do Município de São Paulo relacionados no Inciso I deste artigo por apresentarem as seguintes características: a) estão total ou parcialmente fora do Centro Expandido da cidade; b) cada um deles tem mais de 10% (Dez Por Cento) de seus domicílios particulares com renda de até meio salário mínimo; c) concentram mais de 90% (Noventa Por Cento) da população do município com rendimento de até meio salário mínimo; I. Periferia: Áreas: Água Rasa, Anhanguera, Aricanduva, Artur Alvim, Brasilândia, Cachoeirinha, Campo Limpo, Cangaíba, Capão Redondo, Carrão, Casa Verde, Cidade Ademar, Cidade Dutra, Cidade Líder, Cidade Tiradentes, Cursino, Ermelino Matarazzo, Freguesia do Ó, Grajaú, Guaianases, Iguatemi, Ipiranga, Itaim Paulista, Itaquera, Jabaquara, Jaçanã, Jaguara, Jaguaré, Jaraguá, Jardim Ângela, Jardim Helena, Jardim São Luís, José Bonifácio, Lajeado, Limão, Mandaqui, Marsilac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Penha, Perus, Pirituba, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Sacomã, São Domingos, São Lucas, São Mateus, São Miguel, São Rafael, Sapopemba, Socorro, Tremembé, Vila Andrade, Vila Curuçá, Vila Formosa, Vila Guilherme, Vila Jacuí, Vila Maria, Vila Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente. § 1º - Os critérios definidos no caput deste artigo têm como referência os levantamentos do IBGE em 2010, que fazem parte do Anexo desta Lei. § 2º - A cada novo recenseamento do IBGE, a Secretaria Municipal de Cultura atualizará as tabelas do Anexo mencionado no parágrafo anterior e publicará no Diário Oficial do Município, através de Portaria do Secretário da Pasta, a relação atualizada dos Distritos relacionados no Inciso I deste artigo e no artigo 5º *. NÃO DIZ QUANDO, O QUE SUGERE NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO BOM RETIRO, BRÁS E PARI FORAM ELIMINADOS DA RELAÇÃO ANTERIOR II. Bolsões são áreas com altos índices de vulnerabilidade social localizadas dentro dos seguintes Distritos: Alto de Pinheiros, Barra Funda, Bela Vista, Belém, Butantã, Cambuci, Campo Belo, Campo Grande, Consolação, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Lapa, Liberdade, Moema, Mooca, Morumbi, Perdizes, Pinheiros, República, Santa Cecília, Santana, Santo Amaro, Saúde, Sé, Tatuapé, Tucuruvi, Vila Leopoldina, Vila Mariana, Vila Sônia. § 1º - Os Bolsões poderão receber até 10% (Dez Por Cento) do orçamento previsto conforme artigo 5º. § 2º - Durante sua análise, discussão e julgamento, cada Comissão de Avaliação prevista no artigo 11 decidirá sobre a pertinência ou não da inserção de um coletivo em um bolsão. § 3º - Através de Portaria, o Secretário Municipal de Cultura atualizará a relação dos incisos I e II deste artigo com base no recenseamento do IBGE, no IPVS – Índice Paulista de Vulnerabilidade Social do SEADE e na divisão distrital do Município.
|
ARTIGO 4º - PROPOSTA 2: Marcello (baseado nos dados do Agente Comunitário de Cultura) Art. 4. Para efeitos desta Lei, para fins de atender seus objetivos, foram utilizados os dados do Censo Demográfico de 2010 do IBGE/Seade, agrupados em 3 (três) áreas compostas por distritos, de acordo com os seguintes critérios: I. “Proporção de domicílios particulares (permanentes ou improvisados) com renda per capita de até meio salário mínimo em relação ao total de domicílios particulares”.
II. População com renda per capita de até meio salário mínimo nos distritos da cidade de São Paulo:
§ 1º. As 3 (três) áreas compostas por distritos, denominadas “ÁREA 01”, “ÁREA 02” e “ÁREA 03”, estão expressas na definição abaixo:
§ 2º. A presente Lei irá comprometer:
§ 3º. Os dados devem ser revistos e atualizados pela Secretaria Municipal de Cultura de acordo com os últimos indicadores disponíveis do IBGE/Seade. § 5º. Caso não houver habilitados em número suficiente de acordo com o determinado no § 2º do artigo 4º, a Comissão de Avaliação poderá realocar o orçamento considerando a seguinte ordem de prioridade: “ÁREA 03, “ÁREA 02” E “ÁREA 01”. |
Parênteses. Ao mesmo tempo, neste período acontecia uma série de reuniões sobre os espaços públicos ocupados por coletivos culturais, com elaboração de dossiê e pressão no poder executivo para solucionar o problema.
No dia 09/07/2015 ocorre mais uma reunião do GT Fomento Periferia, no qual, dentre tantas questões, opta-se pela 2ª proposta de divisão em áreas, com o acréscimo de mais uma para resolver a questão de alguns distritos que tinham características das áreas 2 ou 3, mas que estavam na região central. Outro ponto acertado foi de garantir a distribuição dos recursos, que passou a ser na mesma porcentagem que o total da população de cada área, ou seja, [7% para área 1 e 4], [23% para área 2] e [70% para a área 3]. A redação ficou da seguinte forma:
Art. 4º - Para efeitos desta Lei, divide-se a cidade em 04 (quatro) Áreas e entende-se por Periferia os Distritos do Município de São Paulo relacionados nas Áreas 2 e 3, Inciso II e III deste artigo.
I - Área 1 – Define-se pelos Distritos que concentram até 10% de seus domicílios com renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Alto de Pinheiros, Barra Funda, Bela Vista, Belém, Butantã, Cambuci, Campo Grande, Consolação, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Lapa, Liberdade, Moema, Mooca, Perdizes, Pinheiros, República, Santa Cecília, Santana, Santo Amaro, Saúde, Sé, Tatuapé, Tucuruvi, Vila Leopoldina, Vila Mariana.
II - Área 2 – Define-se pelos Distritos que concentram entre 10,01 e 20% de seus domicílios com renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Água Rasa, Aricanduva, Artur Alvim, Campo Belo, Carrão, Casa Verde, Cidade Líder, Cursino, Freguesia do Ó, Ipiranga, Jabaquara, Jaguara, Jaguaré, Limão, Mandaqui, Morumbi, Penha, Pirituba, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Sacomã, São Domingos, São Lucas, Socorro, Vila Andrade, Vila Formosa, Vila Guilherme, Vila Maria, Vila Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente, Vila Sônia.
III - Área 3 – Define-se pelos Distritos que concentram mais de 20% de seus domicílios com renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Anhanguera, Brasilândia, Cachoeirinha, Campo Limpo, Cangaíba, Capão Redondo, Cidade Ademar, Cidade Dutra, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Guaianases, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jaçanã, Jaraguá, Jardim Ângela, Jardim Helena, Jardim São Luís, José Bonifácio, Lajeado, Marsilac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Perus, São Mateus, São Miguel, São Rafael, Sapopemba, Tremembé, Vila Curuçá, Vila Jacuí.
IV - Área 4 – Define-se pelos Distritos com as características das Áreas 2 e 3 mas que se encontram dentro do Centro Expandido da cidade de São Paulo, a saber: Bom Retiro, Brás, Pari e Sé.
§ 1º - O cruzamento de dados para o estabelecido no caput deste artigo encontra-se nas Tabelas Anexas fornecidas pela Secretaria Municipal de Cultura, a partir das quais esta Lei estabelece os seguintes critérios para o conceito de Periferia:
a) são Distritos que se localizam total ou parcialmente fora do Centro Expandido da cidade;
b) cada um deles tem mais de 10% de domicílios particulares com renda de até meio salário mínimo;
§ 2º - A cada novo recenseamento do IBGE, a Secretaria Municipal de Cultura atualizará as tabelas do Anexo mencionado no parágrafo anterior e publicará no Diário Oficial do Município, através de Portaria do Secretário da Pasta, a relação atualizada dos Distritos relacionados nos Incisos I a IV deste artigo.
Art. 5º - Para efeitos desta Lei, entende-se por Bolsões com altos índices de vulnerabilidade social conjuntos de residências com mais de 10% de domicílios particulares com renda de até meio salário mínimo localizados nas Áreas 1 e 4 do artigo 4º.
Art. 7º - A presente Lei irá comprometer:
a) 70% do orçamento definido no artigo 6º e seus parágrafos para contemplar Coletivos que se situam na ÁREA 3 definida no artigo 4º.
b) 23% do orçamento definido no artigo 6º e seus parágrafos para contemplar Coletivos que se situam na ÁREA 2 definida no artigo 4º.
c) 7% do orçamento definido no artigo 6º e seus parágrafos para contemplar Coletivos que se situam nos Bolsões mencionados no artigo 5º.
Mapa 28 (ilustrativo): Distribuição geográfica da Lei de fomento à Periferia.
Fonte: Movimento Cultural das Periferias (elaboração: Aluízio Marino) 2015
Após esta versão, ainda houve alguns ajustes pelo GT, mas permaneceu esta essência. Finalmente, no dia 23/07/2015 encerra-se a escrita do que viria a se tornar a Lei de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo. Talvez seja ousado dizer, mas foi garantido minimamente um princípio de equidade na distribuição territorial, pois as áreas não estão no mesmo patamar de igualdade, logo, são necessárias diferenciações para se chegar ao objetivo esperado.
Mas espera, a saga ainda não acabou. Ainda faltava passar pelo crivo do legislativo e executivo e convencê-los da importância desta Lei para a cultura da cidade, ou seja, defender o óbvio é preciso.
Sobre os integrantes dos coletivos culturais que participaram do GT Fomento Periferia, cabe destacar as condições materiais (dinheiro e trabalho) e temporais (tempo livre e deslocamento) foi algo que impactou diretamente na participação (ou não) dos mesmos no processo, alguns participaram no início, outros mais no final, alguns de vez em quando, mas o mais importante foi a resistência e persistência para se chegar até o final. Participaram dos GT’s:
Zona Leste: Marcello Nascimento de Jesus e Thiago de Oliveira Silva (ALMA), Elaine Mineiro (No Batente), Luciano Carvalho (Dolores Boca Aberta), Queila Rodrigues e Daniel Marques da Silva (Sarau O que dizem os umbigos), Harika Maia (Pesquisadora e SMC), Leandro Hoehne (Do Balaio), Edson Paulo (O Buraco ‘Oráculo).
Zona Sul: Fernando Ferrari e Fernando Rangel (Sarau A voz do povo), Katia Alves e Fábio Resende (Brava Companhia), Aurélio Prates (A princesa da zona urbana), Josiel Medrado e Rita Carneiro (Sacolão das Artes), Dessa (CITA), Cleber Moreira (SMC).
Zona Noroeste: José Soró e Cleiton Fofão (Quilombaque).
Zona Norte: Luiz Sendro (CICAS).
Centro: Luís Carlos Moreira (Engenho Teatral), Natalia Siufi (Parlendas).
6.2. A LUTA PELA APROVAÇÃO DE UMA LEI DE INICIATIVA POPULAR: A LEI DE FOMENTO À PERIFERIA
O processo da escrita da Lei foi bem cansativo para os integrantes do GT. Isso porque era feito no tempo livre, nos momentos de folga em que as agendas casavam (ou nem sempre) e em meio a uma turbulência de acontecimentos na cidade e no Brasil. Dadas as condições materiais, foi o melhor que pode ser feito dentro do contexto no qual estavam inseridos. O grupo de trabalho havia concluído sua tarefa e agora era o momento de dar a boa nova, dar uma devolutiva para as coletividades nos quatro cantos da cidade, espalhar a notícia, apresenta-la e debate-la.
Para isso, foi feita uma nova Carta, publicada no dia 30/07/2015, contando o histórico do processo e um resumo com os principais pontos que trazem a Lei (FCZL, 2015):
SALVE, SALVE PERIFAS!
*UM POUCO DO HISTÓRICO DA
LEI DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA*
Desde o início de 2013 diversas coletividades culturais periféricas vêm se juntando pela cidade para lutar, discutir e reivindicar políticas públicas pras Periferias.
Em um primeiro encontro convocado pela articulação de movimentos culturais da zona leste formada por Rede Livre Leste, IMCITA e Cultura ZL foram levantadas quais eram, de forma integrada, as pautas de política de cultura mais urgentes nas quebradas. E um segundo momento juntou-se aos encontros o movimento cultural de Guaianases e diversos outros artistas e agentes culturais. Em várias quebradas a certeza de que somos muitos. Foi o tempo de começar a se juntar.
Em Ermelino colou pessoas de Itaim Paulista, São Miguel, Cidade Tiradentes, Guaianases, Itaquera, Vila Nhocuné, Artur Alvim, Penha, São Mateus ... Depois começou a migração, um rolê em várias sedes de grupos e espaços públicos na Cidade Tiradentes, Guaianases, São Miguel, Sapopemba, Carrão, Cohab II, e várias. Dá-lhe quebrada! Nesse histórico de caminhada é que se forma o Fórum de Cultura da Zona Leste. O fórum cresceu e ganhou apoio de outros grupamentos da cidade. É aí que cola a Rede Popular de Cultura M'boi Campo Limpo, CAP - Coletivos Culturais de Cidade Ademar e Pedreira e a Rede Viva Periferia Viva.
Juntos fizemos uma frente periférica na 3ª Conferência Municipal de Cultura (2013) e emplacamos vários temas das Periferias como prioridade na cidade. Até o Secretário de Cultura foi num encontro nosso em 2013, na ZL, pra entender o assunto. Fizemos uma mostra de arte da Periferia envolvendo todas as quebradas, o bagulho ficou monstro!
Muitas tretas pra resolver e, então, fizemos vários grupos de trabalho pra desenrolar. Um dos grupos era o da LEI DE FOMENTO À PERIFERIA. Em cada região tinha um GT do fomento Periferia. Depois juntava no centro pra comparar os debates dxs parças da Noroeste, Leste e Sul. Mais de 20 manos e minas trampando pra tentar criar uma Lei vinda da quebrada.
Tudo isso em meio a ações artísticas e lutas pela valorização da cultura periférica, 2% pra cultura, casas de cultura, bloco de ocupações culturais de espaços públicos, festas, atos, reuniões, saraus, etc. Em 2015 chegaram pesado os movimentos regionais Fórum de Cultura de São Mateus e Movimento Cultural de Ermelino Matarazzo para puxar a Frente pelas Casas de Cultura juntamente com diversos coletivos. Pow!
2013, 2014 e 2015 envolvidos em juntar as quebradas numa só força. De lá da Sul vem o nome Movimento Cultural das Periferias (em construção) pra tentar batizar tantas frentes. Os movimentos seguem se encontrando em formações, seminários, conferências e mostras. Segue chamando mais quebradas pra colar, a cidade é gigante! E vem amadurecendo a proposta e esboço da LEI DE FOMENTO À PERIFERIA.
Agora, com um pouco mais confiança sobre o que queremos e como queremos, apresentamos a síntese do que poderá ser a LEI DE FOMENTO À PERIFERIA. Resultado de muito trampo de guerreiras e guerreiros que fecharam num corre pra coletividade. Leia e discuta na sua área, com grupos e coletivos culturais essas ideias que dizem respeito a todos nós. Em breve faremos uma chamada pública em cada zona periférica para discutir e aprimorar, aí sim, o projeto de Lei. O debate continua.
É nóis por nóis!
[Movimento Cultural das Periferias] São Paulo, julho/2015.
A segunda parte da Carta, com uma crítica ao Estado e os principais pontos da Lei:
FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA
Somos muitos fazendo cultura na Periferia. Mas o dinheiro público, que seria de todos, não chega pra gente. Nada diferente do que acontece com a saúde, educação, moradia, transporte... O investimento público só chega como migalha. O grosso da grana vai pros banqueiros, pras grandes empresas daqui e de fora.
Vamos cobrar uma parte, uma pequena parte do que historicamente nos devem, através do PRÊMIO DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA DE SÃO PAULO. É uma Lei que estamos fazendo, está quase pronta, para obrigar o prefeito, qualquer prefeito de qualquer partido, a investir anualmente dinheiro público na cultura das quebradas.
Por enquanto, a ideia da Lei é a seguinte:
-
É um PRÊMIO de 100 a 300 mil reais (atualizado anualmente) para coletivos de cultura DA Periferia e que atuam NA Periferia (valores menores ou ações individuais devem colar no VAI 1 e 2);
-
O PRÊMIO será distribuído duas vezes por ano num total de até 20 milhões de reais, atualizados anualmente;
-
Pra se inscrever, o coletivo deve ter no mínimo 03 (três) anos de história e dizer como pretende continuar seu trabalho, com um projeto de, no máximo, 02 anos de atividades;
-
03 (três) pessoas vão representar esse coletivo;
-
O valor exato do PRÊMIO (entre 100 e 300 mil reais) será estabelecido pelo coletivo e tem que ser igual àquilo que o coletivo precisa para continuar suas atividades, conforme o Plano de Trabalho mencionado no item 3 acima;
-
Mas o principal critério para o coletivo ganhar o PRÊMIO é seu histórico e não o plano de trabalho, ou seja, o PRÊMIO é para continuidade dessa história;
-
O coletivo pode voltar a concorrer ao PRÊMIO sempre que tiver concluído o Plano de Trabalho de um PRÊMIO anterior;
-
Quem decidirá sobre a distribuição dos PRÊMIOS serão Comissões de Avaliação formadas pelo governo e pelos coletivos;
Fique atento e por dentro: nas discussões, você pode melhorar ou mudar essas ideias. Em breve, haverá reuniões na sua área para ler e discutir o projeto de Lei.
São Paulo, julho/2015.
MOVIMENTO CULTURAL DAS PERIFERIAS (EM CONSTRUÇÃO)
De certa forma, a crítica no início da segunda parte desta Carta lembra a questão da urbanização crítica de Amélia Damiani já citado anteriormente, é uma denúncia de quem é o verdadeiro inimigo. A cidade não é para todos e o texto faz esta crítica. O “vamos cobrar uma parte” dá o tom que mobilizações próximas serão necessárias e a linguagem coloquial ou o dialeto típico da Periferia instiga a leitura da Carta, uma identidade instantânea, muitas pessoas se sentiram representadas com a forma com que a mesma foi escrita.
Para resumir, são traçadas algumas estratégias de ação, o chamado “salve geral nas quebradas”: cada grupo que participou do processo de escrita se comprometeu a fazer pequenas reuniões para apresentar para outros 3 grupos próximos; os movimentos regionais se comprometeram a convocar encontros em suas macrorregiões para apresentação da Lei; impressão e distribuição de panfletos em sedes dos grupos, equipamentos culturais e ações artísticas; pedir para todos os coletivos inserir em seu material de divulgação o logotipo “Pela Lei de Fomento às Periferias”; impressão de banners e faixas para colocar nas sedes, encontros, eventos, e principalmente nos atos, etc..
Para as atividades acima, o dinheiro vem da grande rede de solidariedade engajada com a luta: empréstimo e doação de alguns integrantes, doação de prestação de serviço como o silk da camiseta, coletivos que estavam com algum apoio financeiro doaram recursos para confecção de camisetas, que com a venda, subsidiou os demais itens e até mesmo as passagens de ônibus de alguns militantes que estavam sem dinheiro. Nas mídias sociais e nos grupos de E-mail, What’s App e Messenger as informações foram bem propagadas de modo que em pouco tempo grande parte dos coletivos da cidade estavam sabendo das movimentações. De certa forma, o movimento desenvolve uma metodologia própria de propagação e pressão. A luta concreta também é um fator mobilizador importante.
No que tange a parte jurídica, o texto da Lei também foi apresentado para alguns advogados parceiros, no qual, no geral, aprovaram a escrita sem grandes apontamentos. Alguns quiseram “enxugar”, mas a ideia era a de ter uma Lei com o máximo de detalhamento possível para não dar base para interpretações e legislações em cima da Lei de modo que ocorresse distorções na regulamentação, ou seja, a Lei nasce com todos os dispositivos que a regulamentam no corpo da mesma, não sendo necessário nenhuma regulamentação por decreto posterior. Cabe ressaltar que se fosse depender de decreto posterior, a mesma provavelmente iria “morrer na praia”.
As apresentações da Lei eram uma devolutiva do processo, mostrar os principais pontos e colher críticas e sugestões de possíveis melhorias. No geral, houve pouquíssimos apontamentos e sugestões, foram mais dúvidas. Isso porque, o tempo do processo e escrita foram longos justamente por conta de cada termo, cada palavra foi bem debatida e justificada. Enfim, abaixo os principais locais onde ocorreram as apresentações:
Figura 5: Alguns dos locais onde ocorreram apresentações da Lei (2015)
Fonte: Acervo MCP (2015)
Dentre estes locais, cabe relatar dois deles. A apresentação na zona sul, no Jardim Ângela, foi feita dentro da Igreja Santo Mártires, um local histórico importante de formação e mobilização da década de 1970 e 1980 dos movimentos populares, e que se mantem até hoje em atividade frente às lutas populares. A apresentação foi feita não para artistas e coletivos culturais (embora tivessem alguns), mas sim para um movimento de moradia sem teto, a Ocupação Terra Prometida, do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto). Esta foi considerada um teste de ferro para ver se a população concordava com a lógica de distribuição das Periferias. A apresentação do mapa foi o auge do encontro, as pessoas se identificaram nele e concordaram com a lógica perversa imposta e segregacionista da cidade. Mais do que um mapa, era uma denúncia sobre as grandes desigualdades no qual todos estavam inseridos, as questões da moradia, da saúde, da renda, da precariedade estavam expostas ali, em uma única imagem. “A distribuição de recursos e investimentos públicos na cidade deveria seguir esta lógica” falou uma das lideranças do movimento de moradia, ou seja, a inversão da lógica de forma radical, o óbvio.
Figura 6: Apresentação da Lei na zona sul
Fonte: MCP/Facebook, 2015
Na zona norte a apresentação foi para diversos coletivos da região, dentro da Ocupação Cultural CICAS. O debate foi proveitoso, quiseram entender nos mínimos detalhes. Dentre os coletivos participantes, estava o coletivo Casa no Meio do Mundo, com duas figuras que viriam a se somar no MCP, Ingrid Felix e Jesus dos Santos, dando um novo fôlego para as lutas.
Nas apresentações também eram exibidos alguns dos mapas que constam no capítulo 2, os mapas da cultura, no qual se evidência a grande desigualdade existente no território no que se refere a políticas culturais.
No dia 24/09/2015 a proposta da Lei é apresentada a Secretaria Municipal de Cultura, representada pelo então secretário Nabil Bonduki e sua secretária adjunta Maria do Rosário Ramalho. A apresentação foi amistosa e bem recebida. Ao final, foram feitos alguns apontamentos e expressa a necessidade de uma revisão mais detalhada da proposta. A partir daí, nos próximos encontros começa uma longa jornada de explicar nos mínimos detalhes o porquê de cada termo e palavra descrito na Lei. De uma relação amistosa de início, passa-se a uma relação tensa e muitas vezes conflituosas mais ao final. Isso porque vários pontos considerados essenciais para o MCP foram alvo de problematizações para possíveis mudanças. Teve um momento em que a SMC elaborou uma nova proposta da Lei, uma nova redação totalmente modificada em relação a proposta apresentada pelo MCP. Esta proposta da SMC foi recusada na íntegra, o que gerou um grande desconforto.
A partir daí foi uma discussão ponto a ponto, um novo grupo de trabalho com dois membros da SMC e dois membros do MCP. Por parte do MCP os pontos alvos de discussão eram debatidos internamente e apresentados à SMC. Foi um longo processo de debate e convencimento, o que atrasou ainda mais o processo de aprovação da Lei. Em alguns pontos o MCP teve que ceder, em outros não abriu mão.
Dentre os pontos cedidos e sofreram alteração: a) a ideia de os coletivos contemplados receberem um Prêmio pelas ações realizadas (analisadas pela comprovação seu histórico continuado de no mínimo 3 anos) para continuar realizando suas atividades por mais dois anos com a simplificação das burocracias) foi substituída para Programa, no qual a liberação de recurso é feita em parcelas mediante prestação de contas e relatórios em etapas; b) a ideia de ter dotação orçamentária própria com o recurso total já definido na Lei foi retirado, disso a SMC foi categórica em dizer que mesmo se passasse pela câmara municipal seria vetado pelo executivo. A questão de ter o recurso já definido na Lei obrigaria a ter reservado no orçamento anual o recurso para tal, ou seja, uma verba “carimbada” não passível de alteração. A Lei de Fomento ao Teatro tem este dispositivo e sofre ataques e tentativas de alteração por conta disso, é a única no município e talvez no Brasil na área da cultura; c) a seleção de projetos que estava prevista para ser semestral passa a ser anual, no qual, segundo a SMC não tinha (tem) servidores públicos suficientes para atender tal demanda; e d) os outros pontos foram mais o formato de redação, ajustes e correções.
Dentre os pontos em que o MCP não cedeu, foram:
a) de ser exclusivamente para pessoa física, ou seja, o coletivo contemplado teria como representante legal um membro do núcleo para assinar o termo de parceria. Isso porque em diversos editais públicos há exigência de o representante ser pessoa jurídica, no qual inviabiliza a participação de uma série de coletivos, principalmente da Periferia, que não estão institucionalizados com um CNPJ. O objetivo de ser pessoa física era justamente para excluir “atravessadores” e “oportunistas de plantão” em muitos casos na figura das ONG’s (Organizações Não Governamentais) e um não a institucionalização dos coletivos, que não é a sua atividade fim;
b) de ser para coletivos que tenham em seu núcleo, o mínimo de 3 pessoas sendo residentes e atuantes da/na Periferia. Isso parece simples, mas é comum “oportunistas de plantão” de aproveitarem para ir “levar cultura para Periferia”, ou seja, o pensamento colonizador ainda é hegemônico. A ideia da Lei é a de fomentar coletivos que são da região com seus integrantes moradores da Periferia, ou seja, os que estão lá no dia a dia e sentem na pele o que é ser periférico. O requisito “residente e atuante” é uma das formas de amarrar a Lei ao território;
c) da distribuição geográfica, este é o ponto central (aliado aos residentes e atuantes um uma das áreas) no qual garante que sejam contemplados os coletivos da borda da cidade, ou seja, a divisão territorial em áreas é fundamental. Nada melhor do que os fazedores e residentes nas regiões em que o projeto de Lei se destina para decidir os rumos entendidos como essenciais, como Lacoste (1988, p. 169) expõe que
[...] por causa mesmo do caráter eminentemente estratégico do raciocínio geográfico, desde que ele esteja ligado a uma prática, grupos relativamente pouco numerosos (de algumas centenas a alguns milhares de pessoas), conscientes de ocupar um espaço delimitado sobre o qual eles tem direitos, podem participar verdadeiramente de uma pesquisa sobre as formas de organização espacial de suas atividades e sobre as mudanças positivas e negativas que são suscetíveis de ali serem operadas, desde que eles hajam compreendido que o saber que dali retiram vai lhes permitir se organizar e se defender melhor.
Enquanto as discussões se acirram” com o executivo a campanha na rua entre os coletivos se intensificam. Nos materiais de divulgação, nos eventos culturais, saraus, encontros, debates, nas camisetas, etc., em que tivesse algo relacionado a cultura aparecia o logo “Pela Lei de Fomento à Periferia”. O prefeito, em eventos públicos também era cobrado, seja por meio de uma faixa, um banner, um Cartaz e até uma placa feita a mão. Artistas de renome como Mano Brown, Chico César, dentre outros também manifestaram apoio a Lei. Em outubro sai uma matéria na Rede Brasil Atual sobre as movimentações63.
Figura 7: reunião de mobilização.
Fonte: MCP/facebook (2015)
Na SMC outra desculpa que surgiu foi a de não ter orçamento. Se não bastasse o MCP ter que escrever a Lei, teve que iniciar a jornada de luta por orçamento para destinação à Lei. Foram intensas pressões na Câmara Municipal de São Paulo, com diversas idas e vindas, pressão nos vereadores, nos gabinetes, nas comissões de orçamento, nos relatores do orçamento e nas audiências públicas que culminou em um grande ato no dia 09/11/2015 chamado “Dia D das Periferias”. Durante todas as apresentações da Lei nas quebradas os participantes eram avisados que haveria um grande ato sendo necessária a presença de o máximo de pessoas possível. Obviamente não foi fácil, as audiências públicas de orçamento são feitas durante a semana em horário comercial, dificultando a participação popular, pois a maioria das pessoas estão trabalhando, poucas com horários diferenciados e flexíveis. Mesmo com as dificuldades, conseguiu-se na principal audiência ter uma participação de aproximadamente 120 pessoas que lotaram o plenário da câmara exigindo a destinação de recursos para a Lei. Dos R$ 20 milhões que o MCP exigia para a rubrica da Lei para 2016, foram destinados pela Câmara Municipal, R$ 14 milhões, o que foi considerado uma vitória.
Figura 8: Dia D na Câmara Municipal de São Paulo. Pressão pelo orçamento.
Fonte: MCP/Facebook, 2015.
Havia dois caminhos para aprovação da Lei: uma era via executivo, ou seja, a prefeitura colocava em votação como prioridade do governo; ou, via legislativo, a proposta seguir pela tramitação na câmara, o que poderia ser rápido ou lento se estendendo por meses ou até anos. Diante da incerteza e empecilhos colocados pelo executivo na figura da SMC, optou-se por seguir os dois caminhos em paralelo: foi protocolado o projeto de Lei original do MCP na Câmara em novembro de 201564, e em paralelo pressão no executivo também. Cabe destacar a visibilidade no qual este projeto de Lei tomou. Muitos vereadores procuraram integrantes do MCP, oferendo assessoria e apoio. A decisão do MCP foi a de não se atrelar a nenhum vereador e estrategicamente coloca a proposta da Lei como sendo “da casa”, ou seja, de todos os vereadores favoráveis ao projeto de Lei 624/2015 poderiam requerer a coautoria da mesma.
No dia 30/12/2015 o MCP consegue uma reunião com o prefeito da época, Fernando Haddad, no qual foi apresentado os principais pontos do projeto de Lei, o histórico do MCP e por meio de mapas, as grandes desigualdades que haviam na cultura, principalmente nas Periferias. Neste dia, a SMC apresenta uma nova minuta da Lei com diversas modificações, o que gera uma série de debates ao longo de 2016.
Dentre os pontos de alteração, a tentativa de incluir na Lei um sistema de pagamento chamado bolsa cultura e um mecanismo de reconhecimento dos espaços públicos ocupados por coletivos culturais. Principalmente estes dois itens que não haviam sido pensados e escritos dentro da Lei ocasiona uma série de debates e desentendimentos, isso porque não havia discussão suficiente e uma proposta amadurecida. Chegou-se ao entendimento que não deveria entrar na Lei justamente por não haver consenso e debate suficiente. A proposta da bolsa foi aceita de princípio, porém, recusada no final pelo próprio jurídico da prefeitura. O projeto de Lei foi encaminhado da SMC para o jurídico da prefeitura em março, porem fica empacado por algumas semanas.
A partir de abril de 2016 as pressões se intensificam por todos os lados, no dia 04/04 o então secretário de cultura Nabil Bonduki volta para a câmara para exercer a sua função de vereador e a Maria do Rosário assume a secretaria de cultura. Integrantes do movimento vão a posse para cobrar do prefeito e da secretária a aprovação da Lei. Na câmara de vereadores, a pressão se intensifica na comissão de justiça. Para se aprovar uma Lei, é necessário passar por 4 comissões65 e esta é a primeira. No dia 19/04/2016 é feito um ato pela aprovação da Lei e execução das políticas culturais66, puxado pelo MCP e pelo Fórum do Hip Hop MSP, com aproximadamente 100 pessoas, saindo do pátio do colégio em cortejo até a Secretaria das Subprefeituras, no qual é cobrado um recurso de 11 milhões destinados para atividades culturais nas subprefeituras. Detalhe: o secretário não sabia do que se tratava e ficou de ver. Parênteses: este recurso não foi proposto pelos movimentos culturais, foi uma manobra dos vereadores que, diante da pressão dos movimentos culturais, pegaram “carona” e inseriram esta rubrica para ser dividida nas 32 subprefeituras, para obviamente, fortalecer os seus currais eleitorais. Já que criaram, foi cobrado a execução com participação popular e transparência no processo. Após ser protocolado ofício com as exigências, o cortejo passa pela prefeitura, protocola uma Carta exigindo providencias e segue para a câmara municipal. Na câmara há um grande tumulto inicial, GCM’s impendem a entrada de manifestantes, o clima fica tenso, o problema é resolvido e a Carta/ofício exigindo execução e transparência são protocoladas nos gabinetes dos vereadores.
O projeto de Lei é aprovado pela Comissão de Justiça e vai para Comissão de Administração. Pela demora da tramitação, o MCP faz pressão no Colégio de Líderes, no qual tem um caráter de encaminhar votações emergenciais para o Congresso de Comissões (em que tem membros das 4 comissões). O projeto de Lei é aprovado em primeira votação na câmara, em meio a um “empurra-empurra” da câmara jogando para o governo e o governo jogando para a câmara. No dia 21/06/2016 a Lei é aprovada em segunda votação na Câmara Municipal de São Paulo67 68. No dia 29/06/2016 é feito um ato público em frente à Prefeitura de São Paulo intitulado “Ato Maçarico: Descongela Já” acompanhado de uma “Carta Aberta a População de São Paulo”69, explicando o porquê da manifestação e de suas reivindicações, no qual, expõe o descongelamento do orçamento da cultura e sancionamento e execução da Lei aprovada.
Por fim, após muita pressão e mobilização, a Lei municipal 16.496 que institui o Programa de Fomento à Cultura da Periferia da Cidade de São Paulo é sancionada no dia 20 de julho de 2016 pelo Prefeito Fernando Haddad, com um orçamento liberado (pasmem) no valor de R$ 9 milhões de reais. Que fique registrado: o MCP fez um cálculo inicial com um valor que considerava justo de 20 milhões de reais, na Câmara Municipal na votação do orçamento de 20 caiu para 14 milhões de reais, e no momento de sancionamento, de 14 caiu para 9 milhões de reais.
Mapa 29: Coletividades envolvidas diretamente na construção e efetivação da Lei.
Fonte: Aluízio Marino/MCP (2015)
O primeiro edital público saiu em 04/09/2016 e possibilitou contemplar 31 projetos de coletivos culturais da Periferia com duração de até 2 anos de duração.
Ninguém lá em 2013 achou que seria fácil, mas era inimaginável que seria que tão difícil aprovar uma Lei de iniciativa popular vinda das quebradas com argumentos tão óbvios que são as grandes desigualdades contidas na cidade. Estudos, literaturas e pesquisas e arcabouços teóricos não faltam, e para além disso, as desigualdades são visíveis a olho nu. No campo simbólico e concreto, foi uma experiência riquíssima, com muito aprendizado e muita potência. E a luta continua.
Mapa 30: Localização dos inscritos no 1º edital público do Programa de Fomento à cultura da Periferia da Cidade de São Paulo.
Fonte: SMC (2016)
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Fragilidades e Potências, Conflitos e Contradições
“Que horas são? Não sei responder
Que horas são? Pra que você quer saber?
Provavelmente a hora não vai estar certa
Pra poder melhorar a vida dessa brava gente da favela”.
Thaide e DJ Hum
Toda esta experiência coletiva advinda de indivíduos que se juntam em coletivos, se agrupa em redes regionais e se unem em um movimento em prol de objetivos em comum, demonstra que um outro mundo é possível, ou que uma outra globalização é possível. Se juntar para discutir sonhos, utopias, os problemas do dia a dia, organizar bandeiras de luta, entendimentos de mundo e pensar a sociedade não é tarefa fácil, ainda mais quando as condições materiais não estão dadas.
O processo de construção do Movimento Cultural das Periferias e de uma de suas bandeiras, a Lei de Fomento à Periferia, trouxe para discussão a(s) Periferia(s) em si. Todos sabem que a Periferia existe e de uma forma ou de outra faz parte da urbanidade, mas o que é feito de concreto? A função principal desta Lei é a denúncia da imensa desigualdade econômica, social e racial no qual a maioria da população está submetida, de forma imposta pelo sistema capitalista. Esta segregação em classes sociais atinge perversamente a classe trabalhadora, especialmente os negros e mulheres. O objetivo utópico, a reparação histórica, dependerá de um grande levante popular, inverter a lógica e a implosão do sistema capitalista.
A geografia deu sua contribuição em evidenciar as desigualdades no território e se fez pensar a partir dele, o que demonstra, a importância do raciocínio geográfico na qualidade de saber estratégico (Lacoste, 1988). A potência que um mapa tem em evidenciar fatos e sintetizar informações no território traz a visão do todo, e possibilita um agir a partir dele.
Sobre as pesquisas, um fato talvez recente nos últimos anos é que estes sujeitos periféricos manifestam o cansaço em ser apenas objetos de pesquisa e passam a entrar “pelas frestas” da universidade para produzir novos conhecimentos e contar suas histórias. Ainda é tímido e simbólico se levar em conta que na(s) Periferia(s) está a maioria da população, ainda se tem muito o que “ocupar” nestes espaços, mas já é um início.
No que tange a cultura, em especial a periférica, a efervescência existente hoje sempre existiu, nas aldeias, nos quilombos, nas favelas, nas quebradas, a produção da cultura se faz no dia a dia, a diferença talvez seja que com as melhorias nos meios de comunicação, principalmente por conta da internet e mídias sociais tenham tido mais visibilidade. Também é inegável os avanços trazidos pelo Programa VAI, que proporciona um apoio para os coletivos exercerem suas atividades, na qual, instigando sonhos mais altos.
A Lei de Fomento à Periferia é uma luta simbólica, mas também concreta. A proposta de ter um aporte financeiro maior para coletivos nas bordas da cidade é uma aposta para que estes tentem se organizar de uma forma mais estruturada, com mais dignidade e qualidade em suas ações, para poder pensar melhor o chão em que pisam para transformá-lo, multiplicar reflexões e potências, no campo simbólico e concreto.
Deve-se levar em conta a conjuntura política da época, a eleição de um prefeito do partido dos trabalhadores que foi eleito pela maioria da classe trabalhadora, trouxe novas esperanças depois de um longo período de governos anteriores, as eras Serra/Kassab que chegaram aos extremos dos coronelismos e da politicagem. Há de se reconhecer que houve diferenças consideráveis de uma gestão para outra e que influíram na participação popular. Mas não foi só isso. A conjuntura estava para muito além das urnas, muitas ideias em ebulição, uma série de atos e manifestações ocorreram em paralelo com as lutas da cultura, ou melhor, juntas se entender que a cultura em seu sentido amplo age conscientemente pela transformação radical da sociedade e por isso está intrinsecamente ligada as questões sociais do seu tempo.
No campo do governo institucional, vê-se nitidamente pessoas empenhadas em exercer suas funções e dar o seu melhor, mas também é possível observar as instâncias burocráticas ditando as regras e as mesmas “engessando” os avanços possíveis de serem dados. No fim das contas, a burocracia amedronta e o que vale é a vontade política, e para tal, enfrentamentos e em muitos momentos a radicalidade são essenciais para o progresso.
O Movimento Cultural das Periferias traz consigo uma marca inconfundível: a potência. A militância com que os sujeitos periféricos encampam as lutas e rompem fronteiras, alimenta esperanças de um mundo melhor. São ingovernáveis, insurgentes, rebeldes, as vezes camicases, e também amorosos, dóceis e solidários. A fragilidade está nas condições materiais, que impõem uma série de limitações impedindo o seu desenvolvimento pleno e ações continuadas. Essa talvez seja a angústia, principalmente da juventude, de querer transformar a realidade e não ter as condições materiais para tal.
Os desafios
“(...)A força da alienação vem dessa fragilidade dos indivíduos que apenas conseguem identificar o que os separa e não o que os une”. Milton Santos
No decorrer do processo de construção da Lei (e de uma série de acontecimentos) surgem diversas problematizações, e nestes momentos, muitas fragilidades são expostas e discutidas. As questões LGBT, de gênero, de raça e classe estão atravessadas no cotidiano das pessoas e refletem diretamente nos diversos encontros e reuniões, que ora aprofunda-se nas discussões para expor as contradições sobre a falta de conhecimento e entendimento de determinadas temáticas, ora mantem-se o foco de forma pragmática para se conseguir avançar nas pautas principais. Neste sentido,
A questão da legitimidade do feminismo como parte integrante do movimento de transformação social é a mesma que afeta os outros movimentos que lutam contra a discriminação e subordinação de determinados grupos, como o dos negros (ou das minorias raciais) ou dos homossexuais (ou outros desviantes da chamada “normalidade”). De um ponto de vista tático, parece fazer sentido perguntar se estes movimentos “parciais” devem ter prioridade face à luta de todos contra a exploração e a opressão inerentes a qualquer sociedade de classes. Mas a experiência histórica tem mostrado que a exploração e a opressão que atingem, em última análise, a grande maioria da população, se fazem sentir de modos diversos conforme o sexo, a raça, a religião, o lugar de moradia, etc. das pessoas. Abstrair estas diversidades para alcançar uma unidade formal no plano político só pode ter por resultado provocar a divisão das inevitáveis rebeldias em movimentos separados que, em lugar de encontrar seu denominador comum na identificação das estruturas sociais que originam a opressão e a exploração, tendem a se fechar e a competir entre si. (Brant e Singer, 1981, p. 117)
Muitas dessas discussões feitas durante o processo vão reverberar com mais profundidade somente após a aprovação da Lei, no qual é realizado em fevereiro de 2017 o “1º Seminário: Insurgências periféricas – a cidade que queremos!” com as mesas de discussão intituladas “Lutas políticas e libertárias no Brasil”, “Olhares de luta pela América Latina”, “A cidade que temos – histórico de lutas populares”, “Ações para a cidade que queremos – Grupos de trabalho”, isso acompanhado de um espaço para as crianças chamado de “Ciranda”. Nestas mesas se desdobram temáticas sobre “Racismo”, “Machismo e Sociedade Patriarcal”, “Avanço do conservadorismo na América Latina”, “Produção, trabalho e desigualdades socioespaciais nas Periferias urbanas” e “Retrocessos na política cultural”.
As temáticas apresentadas acima se tornam linhas transversais da organização seguinte, no qual os encontros de formação, o MCP passa a chamar de Uni Diversidade de Saberes70, que começa a ser implementado ao longo de 2017, tendo como definição
UNI DIVERSIDADE DE SABERES é um espaço de troca, vivências e práticas em torno da produção de conhecimento com foco em Território, Participação Social / Direitos Humanos, Economia e Comunicação Popular.
Cada encontro da Uni Diversidade é organizado em roda, de forma que saberes acadêmicos terão o mesmo peso que griots, militantes de movimentos sociais, pesquisadorxs independentes e artistas. A ideia é que cada encontro seja um escambo, troca entre saberes de diferentes vertentes sobre um mesmo tema ou assunto. Os escambos acontecem todas as quartas-feiras com início às 19h, em 4 regiões periféricas da cidade.
Esta ideia é fruto do processo destes anos de luta e convivência, no qual aponta para a necessidade de se ter momentos para formações políticas. Ou seja, uma proposta de encontros para se ampliar as visões de mundo e de entendimento das diferenças para se chegar a unidade. É um chamado para reflexão com mais cuidado e pés no chão, entender as opressões para combate-las71, e como bem disse Lacoste (1988) “Saber pensar o espaço para saber nele se organizar, para saber ali combater” e construir a unidade tão desejada. Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos!
Brava Gente - Thaide e DJ Hum
Quatro e meia da manhã hora de levantar
Calor, chuva ou frio tem que trabalhar
Trancam os filhos em casa pra não correrem perigo
Ou trabalham juntos neste paraíso
Dez ou doze horas ganhadas com muito suor
E você acha que é só? Não!
A batalha mais triste no seu território
Que, infelizmente, fica em frente ao seu dormitório
Não vá pensando que a vida desses pobres coitados
De repente se transforma em um mar de rosas
E quando será que os relógios da vergonha e da justiça
Irão acertar as horas, enquanto deste lado
Puxamos o barco sem sair do lugar
Outro lado de braços abertos fica à esperar
Que os ponteiros se acertem e deem a hora certa
E melhorem a vida dessa brava gente da favela
Que horas são? Não sei responder
Que horas são? Pra que você quer saber?
Provavelmente a hora não vai estar certa
Pra poder melhorar a vida dessa brava gente da favela
Que sempre espera e não desespera
Vive atado, amarrado, vida longa pra quimera
Enganados cara a cara como sempre
Sem saídas eminentes
Falo pro meu povo, falo da minha gente
Falo da minha terra, brava, brava gente
Anos de trabalho sem reconhecimento
Anos e anos de luta e sofrimento
E no final eles querem sossego e só
E lhes negam 147 % do seu suor
Se chove ninguém consegue dormir
Porque a qualquer momento a casa pode cair
A mãe olha para o filho e reclama
Lá fora tá chovendo e ele sujou o pé na lama
Ela corre tranca portas e janelas
Pois está ouvindo os tiros
pai diz que na esquina tem jornais clareados à vela
Essa é a vida rotineira dessa brava gente da favela
Que horas são? Não sei responder
Que horas são? Pra que você quer saber?
Provavelmente a hora não vai estar certa
Pra poder melhorar a vida dessa brava gente da favela
Que sempre espera e não desespera
Vive atado, amarrado, vida longa pra quimera
Enganados cara a cara como sempre
Isso já não nos surpreende
Refrão
Às quatro e meia é obrigado a acordar
E mesmo assim vai trabalhar
E mesmo assim tem que batalhar
Às vezes vai a pé, às vezes nem vai
Busão lotado, cuidado com a marmita pra não amassar
Eu faço isso tudo isso porque sou muito pobre
Mas eu tenho fé que isso há de mudar
Quando os relógios conseguirem se acertar
Trazendo a esperança, trazendo alegria,
Trazendo a bondade, paz e harmonia
Deus nosso pai é senhor do tempo,
Deus nosso pai é senhor do tempo
E o homem também diz:
Favela é onde moram pessoas com dignidade
Suas crianças sem rumo observam o mundo
Criam alternativas maneiras de agarrar a liberdade
Até que um dia com orgulho encontre o seu prumo
Ligamos a TV, e vemos tudo em branco e preto
A vergonha e a justiça cobertas com um manto
Mas não um manto divino como vocês pensam
E sim dos hipócritas que nos argumentam
Existem códigos de tudo que se possa ter
E a cada dia nasce outro, isso nos impressiona
E nós também, temos um código que faz temer
É o código do silêncio, este sim funciona
Nas favelas nascemos com a educação
Já os ricos imundos com a discriminação
Não me entendam mau quando eu cito os ricos imundos
Essa mensagem é só pra quem a carapuça servir
E quando eu digo favelas não é só pros favelados
É também pros mendigos e injustiçados
Que dia e noite, noite e dia imaginam
Uma vida diferente como seria
Infelizmente os relógios sempre se atrasam
Não tem jeito deles darem uma hora certa
Digo isso sem apelo e muita coragem
Porque sou fruto e faço parte
Dessa brava gente da favela
Que horas são? Não sei responder
Que horas são? Pra que você quer saber?
Provavelmente a hora não vai estar certa
Pra poder melhorar a vida dessa brava gente da favela
Que sempre espera e não desespera
Vive atado, amarrado, vida longa pra quimera
Enganados cara a cara como sempre
Isso já não nos surpreende
8. REFERÊNCIAS
Brant e Singer (orgs.). São Paulo: o povo em movimento. Petrópolis: Vozes, 1981.
D’ANDREA, Tiarajú Pablo. A Formação dos Sujeitos Periféricos: Cultura e Política na Periferia de São Paulo. Tese de Doutorado, USP, 2013.
BURGOS, Rosalina. Periferias Urbanas: o chão dos catadores no urbano periférico. São Paulo: Humanitas, 2013.
CAMARGO, Cândido Procópio Ferreira de (org.). São Paulo 1975: crescimento e pobreza. São Paulo: Loyola, 1976.
DAMIANI, Amélia Luísa. A metrópole e a indústria: reflexões sobre uma urbanização crítica. Terra Livre, v. 15, São Paulo, 2000. Disponível em: http://www.agb.org.br/publicacoes/index.php/terralivre/article/view/359 [Acesso em 08-11-2017].
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____. Manifesto Periférico pela Lei de Fomento às Periferias. Blog do Fórum de Cultura da Zona Leste. Publicado em junho de 2014. Disponível em: http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com/2014/06/manifesto-periferico-pela-Lei-de.html [Acesso em 06-11-2017].
____. Lei de Fomento às Periferias: Histórico e Apresentação. Blog do Fórum de Cultura da Zona Leste. Publicado em julho de 2015. Disponível em: https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2015/07/Lei-de-fomento-Periferia-historico-e.html [Acesso em 13-11-2017].
HAESBAERT, Rogério. Território e Multiterritorialidade: um debate. GEOgraphia – Ano IX – nº 17, 2007b. Disponível em: http://www.geographia.uff.br/index.php/geographia/article/viewFile/213/205 [Acesso em 01-11-2017].
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KOWARICK, Lúcio. A Espoliação urbana. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
LACOSTE, Yves. A geografia – Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra; tradução Maria Cecília França. – Campinas, SP: Papirus, 1988.
RECLUS, Elisée. Migrações, êxodo rural e problemática do crescimento urbano. In: ANDRADE, M. (org.). Élisée Reclus. São Paulo: Ática, 1985. (Coleção Grandes Cientistas Sociais; 49).
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9. ANEXO A: LEI DE FOMENTO À CULTURA DA PERIFERIA DA CIDADE DE SÃO PAULO
LEI Nº 16.496, DE 20 DE JULHO DE 2016
(PROJETO DE LEI Nº 624/15, DOS VEREADORES ALFREDINHO – PT, ANTONIO DONATO – PT, ARSELINO TATTO – PT, CLAUDINHO DE SOUZA – PSDB, ELISEU GABRIEL – PSB, JAIR TATTO – PT, JULIANA CARDOSO – PT, MARQUITO – PTB, NABIL BONDUKI – PT, PAULO FIORILO – PT, QUITO FORMIGA – PSDB, REIS – PT, SENIVAL MOURA – PT, TONINHO VESPOLI – PSOL, USHITARO KAMIA – PDT E VAVÁ – PT).
Institui o Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo
FERNANDO HADDAD, Prefeito do Município de São Paulo, no uso das atribuições que lhe são conferidas por lei, faz saber que a Câmara Municipal, em sessão de 21 de junho de 2016, decretou e eu promulgo a seguinte lei:
DA FINALIDADE E DAS DEFINIÇÕES
Art. 1º Fica instituído o Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo, no âmbito da Secretaria Municipal de Cultura, para apoiar financeiramente projetos e ações culturais propostos por coletivos artísticos e culturais em distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, especialmente nas áreas periféricas do Município.
§ 1º A seleção dos projetos e ações culturais no âmbito desse programa se dará por meio de editais públicos.
§ 2º Constituem projetos e ações culturais passíveis de apoio financeiro, no âmbito do programa:
I - gestão, manutenção e programação de espaços culturais autônomos e já existentes;
II - pesquisa, criação, produção, difusão e circulação de produções culturais e artísticas das áreas periféricas e dos bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, reconhecendo as mais diversas formas destas expressões;
III - autoformação e multiplicação de saberes no coletivo e para a sociedade civil;
IV - arranjos produtivos econômicos locais, como estúdios comunitários, produtoras culturais, editoras, dentre outros;
V - processos de articulação de redes e fóruns coletivos em torno de temas da cultura.
Art. 2º O Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo tem por objetivos:
I - ampliar o acesso aos meios de produção e fruição dos bens artísticos e culturais pela população residente em distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, especialmente nas áreas periféricas do Município;
II - consolidar o direito à cultura e diminuir as desigualdades socioeconômicas e culturais presentes nos distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, especialmente nas áreas periféricas do Município;
III - fortalecer e potencializar as práticas artísticas e culturais relevantes, com reconhecido histórico de atuação, em distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, especialmente nas áreas periféricas do Município;
IV - descentralizar e democratizar o acesso a recursos públicos;
V - reconhecer e valorizar a pluralidade e a singularidade vinculadas às produções culturais e artísticas nos distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, especialmente nas áreas periféricas do Município;
VI - apoiar a continuidade da ação dos coletivos culturais em suas localidades e intercâmbio de ações, com melhoria de qualidade de vida das comunidades do entorno.
Art. 3º Para efeitos desta lei, coletivo artístico ou coletivo cultural é um agrupamento de, no mínimo, 3 (três) pessoas com trabalho artístico ou cultural em andamento durante os 3 (três) últimos anos em relação às datas limites de inscrição.
§ 1º Cada coletivo será representado, para efeitos desta lei, por um núcleo de 3 (três) pessoas que, obrigatoriamente, deverão residir, durante todo o período estabelecido no “caput” deste artigo, nos distritos ou bolsões com altos índices de vulnerabilidade social.
§ 2º Os integrantes do núcleo responsável pelo coletivo deverão ter idade mínima de 18 (dezoito) anos.
Art. 4º Para efeitos desta lei, divide-se o Município de São Paulo em 4 (quatro) áreas e entende-se por distritos com altos índices de vulnerabilidade social aqueles situados na periferia do Município, relacionados nas Áreas 2 e 3, de que tratam os incisos II e III deste artigo, conforme o percentual de domicílios particulares, permanentes ou improvisados, com renda per capita de até 1/2 (meio) salário mínimo, de acordo com o Recenseamento Geral de 2010 realizado pelo IBGE, na seguinte proporção:
I - Área 1: composta pelos distritos em que até 10% de seus domicílios auferem renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Alto de Pinheiros, Barra Funda, Bela Vista, Belém, Butantã, Cambuci, Campo Grande, Consolação, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Lapa, Liberdade, Moema, Mooca, Perdizes, Pinheiros, República, Santa Cecília, Santana, Santo Amaro, Saúde, Sé, Tatuapé, Tucuruvi, Vila Leopoldina, Vila Mariana;
II - Área 2: composta pelos distritos em que entre 10,01% e 20% de seus domicílios auferem renda de até meio salário mínimo per capita, com exceção dos situados no centro expandido de São Paulo, a saber: Água Rasa, Aricanduva, Artur Alvim, Campo Belo, Carrão, Casa Verde, Cidade Líder, Cursino, Freguesia do Ó, Ipiranga, Jabaquara, Jaguara, Jaguaré, Limão, Mandaqui, Morumbi, Penha, Pirituba, Ponte Rasa, Raposo Tavares, Rio Pequeno, Sacomã, São Domingos, São Lucas, Socorro, Vila Andrade, Vila Formosa, Vila Guilherme, Vila Maria, Vila Matilde, Vila Medeiros, Vila Prudente, Vila Sônia;
III - Área 3: composta pelos distritos situados na área periférica do Município, em que mais de 20% de seus domicílios auferem renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Anhanguera, Brasilândia, Cachoeirinha, Campo Limpo, Cangaíba, Capão Redondo, Cidade Ademar, Cidade Dutra, Cidade Tiradentes, Ermelino Matarazzo, Grajaú, Guaianases, Iguatemi, Itaim Paulista, Itaquera, Jaçanã, Jaraguá, Jardim Ângela, Jardim Helena, Jardim São Luís, José Bonifácio, Lajeado, Marsilac, Parelheiros, Parque do Carmo, Pedreira, Perus, São Mateus, São Miguel, São Rafael, Sapopemba, Tremembé, Vila Curuçá, Vila Jacuí;
IV - Área 4: composta pelos distritos situados no centro expandido do Município em que mais de 10% de seus domicílios auferem renda de até meio salário mínimo per capita, a saber: Bom Retiro, Brás, Pari e Sé.
Parágrafo único. A cada novo recenseamento do IBGE, a SMC publicará no Diário Oficial do Município a relação atualizada dos distritos relacionados nos incisos I a IV deste artigo.
Art. 5º Para efeitos desta lei, entende-se por bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, os setores censitários localizados nas Áreas 1 e 4 em que mais de 10% (dez por cento) de domicílios auferem renda de até 1/2 (meio) salário mínimo.
DA GESTÃO DE RECURSOS DO PROGRAMA
Art. 6º O Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo terá anualmente dotação própria no orçamento municipal.
Parágrafo único. A SMC poderá utilizar até 3% (três por cento) da dotação destinada ao Programa para pagamento dos membros da Comissão de Seleção, assessorias técnicas, divulgação, pesquisa e acompanhamento, acervo, serviços e despesas decorrentes de sua execução.
Art. 7º A destinação dos recursos de apoio a projeto observará as seguintes proporções:
I - 70% (setenta por cento) para projetos propostos por coletivos artísticos e culturais residentes e atuantes na Área 3;
II - 23% (vinte e três por cento) para projetos propostos por coletivos artísticos e culturais residentes e atuantes na Área 2;
III - 7% (sete por cento) para projetos propostos por coletivos artísticos e culturais residentes e atuantes nos bolsões com altos índices de vulnerabilidade social, observado o disposto no art. 5º.
Parágrafo único. Caso não haja inscritos suficientes para garantir a proporção prevista nos incisos I, II e III do “caput” deste artigo, a Comissão de Seleção poderá remanejar recursos, respeitados os princípios e objetivos desta lei e a priorização da Área 3.
Art. 8º O Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo poderá receber recursos provenientes de outras fontes, como transferências governamentais, fundos culturais, doações de pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, com ou sem fins lucrativos.
Art. 9º Para fins de desenvolvimento do projeto artístico ou cultural selecionado, o coletivo receberá um subsídio de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Art. 10. O subsídio financeiro a que se refere o art. 9º desta lei será destinado a cobrir despesas de recursos humanos com o desenvolvimento do projeto pela equipe fixa e despesas gerais, como:
I - material de consumo;
II - locação de espaço e equipamentos;
III - compra de equipamentos e outros materiais permanentes;
IV - manutenção e administração de espaços;
V - produção de material gráfico e publicações;
VI - pagamento de serviços de terceiros sem caráter contínuo;
VII - despesas de transporte diretamente vinculadas à execução do projeto.
§ 1º Os recursos serão depositados na conta corrente do representante legal do coletivo, permitido o repasse parcelado de acordo com o cronograma das ações do projeto previsto no Plano de Trabalho.
§ 2º O coletivo deve identificar no Plano de Trabalho os integrantes da equipe fixa e indicar a categoria de despesa de recursos humanos, de acordo com a experiência e o nível de responsabilidade de cada participante.
§ 3º O pagamento das despesas de que trata o “caput” deste artigo não configura relação empregatícia ou de prestação de serviço com o Poder Público, sendo destinado ao apoio de atividades de interesse público e caráter cultural e de formação reconhecida, obedecido o disposto no Plano de Trabalho do projeto e os termos desta lei.
DAS INSCRIÇÕES
Art. 11. A SMC abrirá inscrições gratuitas em junho de cada ano para a apresentação de projetos culturais propostos por coletivos interessados em receber o subsídio do programa.
§ 1º As inscrições serão realizadas, no formato online ou presencial, em locais de fácil acesso, garantidos locais para esse fim nas regiões Centro, Norte, Sul, Leste e Oeste, conforme edital a ser publicado no mês de maio pela Secretaria Municipal de Cultura, responsável pela ampla divulgação do Programa.
§ 2º A Secretaria Municipal de Cultura divulgará em todos os seus equipamentos, nas Subprefeituras, e por outros meios possíveis, os dias, horários e locais para as inscrições, bem como os modelos de declarações exigidos no art. 13 desta lei.
§ 3º À exceção do disposto no § 4º deste artigo, a Secretaria Municipal de Cultura não poderá impor formulários, modelos, tabelas ou semelhantes para as inscrições.
§ 4º A publicação do edital de que trata o § 1º deste artigo será acompanhada dos modelos de declarações exigidos no art. 13 desta lei.
§ 5º No ato da inscrição, a Secretaria Municipal de Cultura entregará um cartão de inscrição do coletivo contendo o número de inscrição, o nome do coletivo, o distrito, a área ou bolsão e o nome de seu representante legal com o respectivo número de RG/RNE e CPF.
§ 6º Em caso de inscrição online, será gerado comprovante com os dados citados no § 5º deste artigo e, se necessário, enviado por meio eletrônico ao representante legal do coletivo.
§ 7º Excepcionalmente, no primeiro ano de vigência desta lei, a abertura das inscrições poderá ocorrer em período distinto do previsto no “caput” deste artigo.
Art. 12. A inscrição de um projeto artístico ou cultural para concorrer no Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo será feita, obrigatoriamente, para uma determinada área ou bolsão, conforme definidos nos arts. 4º e 5º desta lei.
§ 1º Só poderá se inscrever para concorrer à Área 3 o coletivo cujos integrantes do núcleo residam e atuem nessa Área há, pelo menos, 3 (três) anos.
§ 2º Só poderá se inscrever para concorrer à Área 2 o coletivo cujos integrantes do núcleo residam e atuem nas Áreas 2 ou 3 há, pelo menos, 3 (três) anos.
§ 3º Para se inscrever como concorrente a um bolsão, o coletivo terá que indicar justificadamente a existência do bolsão nos termos do art. 5º desta lei e os integrantes de seu núcleo deverão residir e atuar no bolsão ou nas Áreas 2 ou 3 há, pelo menos, 3 (três) anos.
§ 4º A Comissão de Seleção decidirá sobre a pertinência do pedido de inscrição de que trata o § 3º deste artigo.
Art. 13. A inscrição de um projeto cultural será feita pelos integrantes do núcleo do coletivo, de forma conjunta, e deverá conter as seguintes informações, além de outras exigidas em regulamento:
I - quanto às informações e aos documentos do coletivo e de seus integrantes:
a) nome do coletivo e de seus integrantes;
b) dados cadastrais das 3 (três) pessoas que compõem o núcleo do coletivo;
c) declaração, sob as penas da lei, de cada uma das 3 (três) pessoas do núcleo do coletivo, indicando os distritos ou bolsões em que residem;
d) histórico do coletivo e portfólio: relato das principais atividades desenvolvidas pelo coletivo, acompanhado com datas, locais, publicações, como textos, fotos, vídeos, cartazes, folhetos, programas, jornais, revistas, blogs, sites, redes sociais, cartas de referência, declarações de terceiros ou outros documentos que registrem sua atuação em uma ou mais áreas ou bolsões, abarcando, ao menos, os últimos 3 (três) anos, contados a partir do último dia de inscrições;
e) relação dos integrantes do coletivo no momento da inscrição e de outros membros que tenham feito parte de sua trajetória, indicando funções, tipo de participação, datas ou informações que ajudem a avaliar seu histórico;
f) objetivos do coletivo;
g) currículos dos integrantes do núcleo do coletivo e dos outros integrantes;
h) declaração dos integrantes do núcleo do coletivo e, quando houver, dos integrantes citados na execução do plano de trabalho afirmando que:
1. concordam com todos os termos da inscrição ao Programa;
2. não são funcionários públicos do Município; e
3. não estão impedidos de contratar com a Administração Pública;
i) declaração do núcleo do coletivo de que os membros do coletivo e o próprio coletivo não possuem débitos com a Prefeitura, conforme modelo a ser fornecido pela SMC;
j) indicação de 1 (uma) pessoa da sociedade civil para compor a Comissão de Seleção, mediante aceite do indicado, caso o coletivo inscrito tenha quem indicar;
II - quanto às informações e aos documentos do projeto e do Plano de Trabalho:
a) justificativas do projeto e das atividades a serem desenvolvidas;
b) Plano de Trabalho com previsão de até 2 (dois) anos de duração;
c) orçamento do projeto, observados os valores previstos no art. 9º desta lei, podendo conter:
1. recursos humanos para equipe fixa, formada por no mínimo três integrantes do coletivo com atuação permanente durante todo o período de desenvolvimento do projeto;
2. material de consumo: papelaria, livraria, tecidos, cenário, higiene, limpeza, dentre outros;
3. locação de espaço e equipamentos;
4. material permanente: eletroeletrônicos, mobiliário, instrumentos musicais, filmadoras, mesas de som, móveis, dentre outros;
5. reformas, manutenção e administração de espaço;
6. produção das atividades e despesas correlatas;
7. material gráfico e publicações;
8. fotos, gravações e outros suportes de divulgação, pesquisa e documentação;
9. despesas de energia, água, esgoto, luz, telefonia e internet;
10. transporte, carretos, condução;
11. alimentação dos integrantes do coletivo;
12. despesas bancárias;
13. impostos, taxas, tributos e eventuais encargos sociais;
14. serviços de terceiros: serviços de qualquer natureza prestados de forma não continuada por pessoas físicas ou jurídicas.
§ 1º Todas as despesas apresentadas no orçamento devem estar diretamente vinculadas às atividades descritas no projeto.
§ 2º As pessoas físicas com participação eventual no projeto deverão ser pagas por meio de depósito ou transferência eletrônica para sua conta nominal, com emissão do respectivo documento fiscal.
Art. 14. O coletivo que já tiver concorrido ao Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo poderá concorrer novamente.
§ 1º Se o coletivo já tiver recebido recursos do programa, para receber recursos em uma nova edição será necessário comprovar a conclusão do projeto executado e apresentar a prestação de contas sem pendências.
§ 2º É vedada a inscrição de coletivo que tenha projeto em andamento ou a ser iniciado com recursos de qualquer programa de fomento à cultura do Município de São Paulo.
§ 3º Não será permitida a participação de uma mesma pessoa como membro fixo em mais de um Núcleo ao mesmo tempo, mas não se impede sua participação como membro eventual em Planos de Trabalho e fichas técnicas diferentes.
Art. 15. É vedada a inscrição de projetos originários dos poderes públicos municipal, estadual ou federal.
DA COMISSÃO DE SELEÇÃO
Art. 16. A seleção de projetos será anual e feita por uma Comissão de Seleção, composta por membros integrantes da Administração Pública e da sociedade civil com conhecimento, pesquisa e atuação em ações culturais em áreas periféricas.
§ 1º O número de integrantes poderá variar de acordo com a expectativa do número de inscritos, tendo no mínimo 3 (três) integrantes, sendo 1 (um) da sociedade civil e 2 (dois) da Administração Pública.
§ 2º Não poderá compor a Comissão de Seleção qualquer pessoa e seus parentes em primeiro grau e cônjuges que estiverem participando de um coletivo ou plano de trabalho concorrente ao Programa.
§ 3º O Secretário Municipal de Cultura nomeará 2 (dois) membros da Comissão, sendo um para Presidente.
§ 4º Os coletivos elegerão 1 (um) membro da Comissão, nos termos do art. 17 desta lei.
§ 5º A Comissão será formada por 3 (três) membros, que avaliarão até 100 (cem) inscrições de coletivos.
§ 6º Havendo mais de 100 (cem) coletivos inscritos, a Comissão receberá 2 (dois) novos integrantes para cada conjunto de até 100 (cem) inscrições excedentes, sendo 1 (um) indicado pela SMC e 1 (um) eleito pelos coletivos.
§ 7º Os membros da Comissão de Seleção só poderão participar de um coletivo ou plano de trabalho contemplado por esta lei após um ano do término dos trabalhos da Comissão que integraram.
§ 8º Os representantes da sociedade civil na Comissão de Seleção farão jus à remuneração a ser paga logo após a etapa de seleção de propostas, sem prejuízo das demais atividades de acompanhamento junto à equipe do Programa.
Art. 17. Em até 5 (cinco) dias úteis após o término das inscrições, a SMC afixará, em local visível, em todos os locais de inscrição, a quantidade total de inscritos e a relação dos nomes indicados pelos coletivos nos termos do art. 13, inciso I, alínea “j”, desta lei, classificados de forma decrescente de acordo com a quantidade de indicações recebidas.
§ 1º Será eleito para Comissão de Seleção o nome que receber mais indicações dos coletivos.
§ 2º A mesma listagem registrará, por ordem de votos, os suplentes.
§ 3º Em caso de empate, serão utilizados como critério de desempate, na seguinte ordem:
I - mulher negra ou indígena;
II - lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, travestis, transgêneros, queer e intersexuais;
III - homem negro ou indígena;
IV - área de atuação estabelecida conforme art. 4º desta lei, sendo prioritárias as mais periféricas;
V - tempo de experiência, pesquisa e atuação.
Art. 18. Em até 5 (cinco) dias úteis após a divulgação do resultado, o Secretário Municipal de Cultura fará publicar no Diário Oficial do Município a composição da Comissão de Seleção, com suplentes e ordem de votação.
§ 1º Na mesma publicação, o Secretário Municipal de Cultura convocará os titulares para apresentação de documentos comprobatórios de que estão aptos a compor a Comissão e convocará a primeira reunião da Comissão em data, hora e local por ele designados em um prazo não superior a 20 (vinte) dias úteis após a divulgação mencionada no “caput” deste artigo.
§ 2º Em caso de impedimento de algum membro da Comissão que provoque vacância, a Secretaria Municipal de Cultura adotará providências para sua imediata substituição.
§ 3º Na impossibilidade de substituição prevista no § 2º deste artigo, inclusive para a substituição de titular ou Presidente por ele indicado, o Secretário Municipal de Cultura designará imediatamente um substituto para a Comissão, sem prejuízo ou paralisação de seus trabalhos e respeitadas as demais exigências desta lei.
Art. 19. Cabe à SMC dar condições físicas, financeiras e materiais para os trabalhos da Comissão de Seleção.
Art. 20. A Comissão de Seleção terá 30 (trinta) dias, contados a partir de sua primeira reunião, para encerrar seus trabalhos e entregar à SMC a lista dos projetos escolhidos.
§ 1º A Comissão de Seleção entregará também uma lista de suplentes, em ordem classificatória, contendo 1/3 (um terço) do número de coletivos selecionados.
§ 2º Na primeira reunião, a SMC informará à Comissão de Seleção o valor disponível para seus trabalhos com base nas determinações desta lei e na Lei Orçamentária.
Art. 21. A Comissão de Seleção tomará suas decisões por maioria simples de votos.
Parágrafo único. O Presidente só terá direito a voto em caso de empate.
Art. 22. A Comissão de Seleção poderá solicitar à SMC e a outros órgãos e entidades da Prefeitura Municipal de São Paulo apoio técnico para seus trabalhos.
Art. 23. A Comissão de Seleção decidirá sobre casos não previstos, no âmbito de sua competência e nos termos desta lei.
Art. 24. Das decisões finais da Comissão de Seleção não cabe recurso.
DOS CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO
Art. 25. São critérios de avaliação a serem empregados pela Comissão de Seleção na seguinte ordem:
I - a análise dos elementos previstos no art. 13 desta lei, em especial o histórico do coletivo, os objetivos do coletivo e do projeto, a justificativa do projeto e as atividades propostas;
II - a relevância do coletivo para o respectivo distrito e a pertinência de sua continuidade em função dos objetivos expostos no art. 2º desta lei;
III - as justificativas que comprovem a relevância da atividade já desenvolvida pelo coletivo na Área ou no bolsão;
IV - as dificuldades de sustentabilidade econômica do coletivo: quanto maior a dificuldade, maior a necessidade de outorgar o subsídio;
V - a coerência entre o plano de trabalho com o histórico e a proposta de continuidade do coletivo;
VI - a coerência do orçamento em relação ao plano de trabalho;
VII - a diversidade de linguagens, de formas de expressão cultural, de propostas e a distribuição proporcional conforme as áreas descritas no art. 4º desta lei.
DOS PROJETOS SELECIONADOS
Art. 26. O Secretário Municipal de Cultura publicará no Diário Oficial do Município as listas dos contemplados e dos suplentes em até 5 (cinco) dias úteis contados a partir de sua entrega pela Comissão de Seleção.
Parágrafo único. No mesmo prazo, a SMC comunicará o resultado ao núcleo de cada coletivo contemplado.
Art. 27. Para a formalização do Termo de Compromisso, o representante legal do coletivo deverá apresentar, no prazo máximo de 5 (cinco) dias úteis a contar da comunicação a que se refere o art. 26 desta lei, o aceite para desenvolver o projeto, comprometendo-se a entregar os seguintes documentos em até 20 (vinte) dias úteis:
I - cópia do RG/RNE e do CPF;
II - comprovante bancário de abertura de conta corrente para fins exclusivos do projeto;
III - declaração de autorização para crédito do subsídio na conta corrente bancária de que trata o inciso anterior.
Art. 28. Estando correta a documentação, o representante legal do coletivo assinará o Termo de Compromisso em que constarão os respectivos direitos e obrigações, comprometendo-se a executar na íntegra o Plano de Trabalho.
§ 1º A Secretaria Municipal de Cultura providenciará o Termo de Compromisso em até 30 (trinta) dias úteis contados da entrega da documentação exigida no art. 27 desta lei.
§ 2º A assinatura do Termo de Compromisso pelo representante legal do coletivo vincula todos os membros fixos participantes do projeto às suas cláusulas.
Art. 29. Em caso de não assinatura do Termo de Compromisso, desistência ou impedimento do coletivo em receber o subsídio, a SMC convocará, pela ordem de classificação, os integrantes da lista de suplentes.
Art. 30. Cada coletivo contemplado terá um processo administrativo próprio para a formalização do Termo de Compromisso, de modo que o impedimento de um não prejudique o andamento dos demais.
DA PRESTAÇÃO DE CONTAS, DAS PENALIDADES E DISPOSIÇÕES GERAIS
Art. 31. A prestação de contas se dará por meio de relatórios de andamento e acompanhamento do Plano de Trabalho, além de planilhas e comprovantes fiscais, conforme disciplinar ato de SMC.
Art. 32. Em caso de inexecução do projeto aprovado ou de rejeição da prestação de contas, o coletivo e seus integrantes serão considerados inadimplentes perante a Prefeitura Municipal de São Paulo, sendo impedidos de formalizar ajustes de qualquer natureza, receber qualquer apoio, financeiro ou não, e de se inscrever em quaisquer editais da Prefeitura por um período de 5 (cinco) anos ou até o ressarcimento integral ao erário dos valores recebidos.
Parágrafo único. A declaração de inadimplência obriga o coletivo e seus integrantes à devolução, integral ou proporcional, dos valores recebidos através do programa, acrescidos de juros e correção monetária, contados da data da declaração até a data da efetiva devolução dos recursos, sem prejuízo de outras penalidades previstas, como a inclusão das pessoas físicas no Cadastro Informativo Municipal – CADIN, a inscrição dos valores em dívida ativa e o ajuizamento das medidas judiciais pertinentes pela Procuradoria Geral do Município.
Art. 33. Durante a vigência do Plano de Trabalho, o beneficiário do programa deverá fazer constar em todo o material de divulgação do coletivo os logotipos da SMC e do Programa de Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo e, no caso de inexistência destes, registrá-los nominalmente.
Art. 34. Os valores de que trata esta lei serão corrigidos anualmente, no mês de fevereiro, pelo IPCA/IBGE (Índice de Preços ao Consumidor Amplo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) ou por outro índice que vier a substituí-lo.
Art. 35. As despesas decorrentes da implantação desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 36. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO, aos 20 de julho de 2016, 463º da fundação de São Paulo.
FERNANDO HADDAD, PREFEITO
FRANCISCO MACENA DA SILVA, Secretário do Governo Municipal
Publicada na Secretaria do Governo Municipal, em 20 de julho de 2016.
1 É uma gíria periférica que se refere aos becos e vielas, ruas estreitas, lugares precários, relações afetivas com o lugar, no qual pode designar a Periferia da Periferia para quem conhece os seus meandros.
2 Minidicionário Houaiss da língua portuguesa, Rio de Janeiro, 2009. [Acesso em 19-05-2015].
3http://jornalggn.com.br/noticia/nas-Periferias-a-guerra-nao-e-feita-com-bala-de-borracha [Acesso em 19-05-2015].
4 Definição dada à geografia na disciplina de História do Pensamento Geográfico durante aula ministrada pelo Professor Luís Fernando de Freitas Camargo no 1º semestre de 2009 no curso de Licenciatura em Geografia do IFSP.
5 Landes: vegetação secundária formada principalmente por arbustos de aspecto pobre, dominante nas áreas primitivamente recoberta pelas florestas temperadas europeias.
6 Refere-se ao capítulo 24 do Livro 1 de “O Capital” de Karl Marx.
7 trata-se de um processo de substituição dos habitantes de uma região, por aqueles de uma classe mais abastada, associado a modificações físicas, sociais, culturais e imagéticas. Vale reforçar que o processo de gentrificação é econômico, de classe e racista.
8 Racismo é uma ideologia que cria hierarquia entre as pessoas.
9 Ramo da filosofia que se ocupa dos problemas que se relacionam com o conhecimento humano, refletindo sobre a sua natureza e validade. "epistemologia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/epistemologia [Acesso em 24-11-2017].
10 Conjunto estruturado de termos e conceitos que representa um conhecimento sobre o mundo. "ontologia", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://www.priberam.pt/dlpo/ontologia [Acesso em 24-11-2017].
11 O pulo do gato é uma expressão de origem popular com um significado curioso. Reza a lenda que, a pedido da onça, o gato ensinou todos os truques de suas acrobacias. Se achando muito esperta, a onça teve certeza de que teria o gato em suas garras. ... Com um salto para trás, o gato escapuliu.
12 O IBGE é uma entidade da administração pública federal, vinculada ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que possui quatro diretorias e dois outros órgãos centrais.
Para que suas atividades possam cobrir todo o território nacional, o IBGE possui a rede nacional de pesquisa e disseminação, composta por:
• 27 Unidades Estaduais (26 nas capitais dos estados e 1 no Distrito Federal)
• 27 Supervisões de Documentação e Disseminação de Informações (26 nas capitais e 1 no Distrito Federal)
• 584 Agências de Coleta de dados nos principais municípios.
13 https://censo2010.ibge.gov.br/materiais/guia-do-censo/operacao-censitaria.html [Acesso em 09-10-2017].
14 https://www.ibge.gov.br/o-ibge.html [Acesso em 09-10-2017].
15 http://www.ipea.gov.br/redeipea/images/pdfs/base_de_informacoess_por_setor_censitario_universo_censo_2010.pdf . Acesso em 12/11/2017 [Acesso em 09-10-2017].
16 http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,site-permite-mapear-dados-do-censo-2010-na-sua-vizinhanca,739527 [Acesso em 12-11-2017].
17 Matéria no Estado de São Paulo sobre o auto índice de favelas na região metropolitana de São Paulo. http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,ibge-sp-concentra-19-do-total-de-aglomerados-subnormais-do-pais,1093777 [Acesso em 14-11-2017].
18 http://www.fflch.usp.br/centrodametropole/ [Acesso em 14-11-2017].
19 Agencia USP Notícias faz uma matéria sobre segregação na cidade de São Paulo produzida pelo CEM. http://www.usp.br/agen/?p=205968 [Acesso em 15-05-2017].
20 https://cidades.ibge.gov.br/brasil/sp/sao-paulo/panorama [Acesso em 15-11-2017].
21 Na época, a Prefeitura de São Paulo havia construído um sítio eletrônico chamado https://portaldajuventude.prefeitura.sp.gov.br/ no qual, dentre outras informações estava disponível o estudo “Mapa da Juventude da Cidade de São Paulo. Ao reconsultar o link recentemente nota-se que o mesmo foi retirado do ar.
22 Entrevista concedida a Ponte Jornalismo, disponível no sítio https://ponte.org/letalidade-da-pm-de-sp-e-escandalosa-diz-diretor-da-anistia-internacional-no-brasil/ [Acesso em 16-11-2017].
23 Este conceito, de Amélia Damiani, será retomado mais à frente no capítulo 3.
24 Mapa da Desigualdade de São Paulo (2016). Disponível em: http://www.nossasaopaulo.org.br/arqs/mapa-da-desigualdade-completo-2016.pdf?v=2 [Acesso em 10-08-2017].
25 Portal G1. “Parelheiros tem 7,8 vezes mais negros que Pinheiros, diz levantamento”. Disponível em http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2015/09/parelheiros-tem-78-vezes-mais-negros-que-pinheiros-diz-levantamento.html [Acesso em 15-07-2017].
26 São considerados equipamentos públicos municipais de cultura: Centros Culturais, Teatros, Museus e Casas Históricas, Escolas de Formação, Bibliotecas, Bosques de Leitura, Pontos de Leitura, Ônibus-Biblioteca, Casas de Cultura e CEUs.
27 http://g1.globo.com/sao-paulo/noticia/2014/07/se-e-pinheiros-concentram-mais-da-metade-dos-pontos-culturais-de-sp.html . [Acesso em 04-11-2015].
28 http://culturadigital.br/politicaculturalcasaderuibarbosa/files/2017/07/Anais-VIII-Semin%C3%A1rio-Internacional-Pol%C3%ADticas-Culturais-FCRB.pdf [Acesso em 16-11-2017].
29 Programa da Secretaria Municipal de Cultura, criado pela Lei 13.540/2003, que estimula, a partir de editais de seleção de projetos, a criação e o fortalecimento de coletivos culturais formados principalmente por jovens residentes nos territórios periféricos da cidade.
30 https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/02/14022013-19h-encontro-zona-leste.html. Acesso em 31-10-2017.
31 O Jornal Voz da Leste se fez presente e registrou este encontro. http://vozdaleste.blogspot.com.br/2013/02/reuniao-de-movimentos-culturais-da-zona.html [Acesso em 06-11-2017].
32 Esta Lei é fruto do movimento Arte Contra a Barbárie, reuniu artistas e grupos teatrais que se contrapunham a arte como mercadoria expressa principalmente na Lei Rouanet.
33 O grupo de trabalho foi composto por 3 integrantes de coletivos: Luciano Carvalho e Tita Reis (Coletivo Dolores Boca Aberta Mecatrônica de Artes) e Marcello Nascimento (Coletivo ALMA).
34 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/03/15032013-Carta-ao-secretario-de-cultura.html . [Acesso em 31-10-2017].
35 O debate problematizou quatro questões principais de sua tese: por que nos últimos vinte anos houve um crescimento do número de atividades e coletivos de produção artística em toda a Periferia de São Paulo? Qual alcance da ação política desses coletivos artísticos? Qual o significado atual do termo Periferia? Como se forma um sujeito periférico?
36 Harika Maia e Queila Rodrigues.
37 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/07/1-informe-do-1-seminario-de-politicas.html [Acesso em 30-10-2017].
38 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/07/1-informe-do-1-seminario-de-politicas.html [Acesso em 30-10-2017].
39 Texto escrito por Leandro Hoehne, integrante do FCZL e membro do grupo de circo Do Balaio.
40 Rede Popular de Cultura M’Boi Campo Limpo, Coletivos Cidade Ademar Pedreira (CAP), ambos da zona sul, e Rede Viva Periferia Viva (Quilombaque) da zona noroeste.
41 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/10/1-mostra-cultural-das-Periferias.html [Acesso em 05-11-2017].
42 https://issuu.com/vozdaleste/docs/vozleste-2_issu . Jornal Voz da Leste. Texto escrito por integrantes do Sacolão das Artes - Capão Redondo - zona sul de São Paulo. [Acesso em 06-11-2017]
43 Referência ao chamado publicado no livro Manifesto Comunista: “Trabalhadores do mundo inteiro, uni-vos!”
44 Marxismo é um método de análise socioeconômica sobre as relações de classe e conflito social, que utiliza uma interpretação materialista do desenvolvimento histórico e uma visão dialética de transformação social. A metodologia marxista utiliza inquéritos econômicos e sociopolíticos e que se aplica à crítica e análise do desenvolvimento do capitalismo e o papel da luta de classes na mudança econômica sistêmica.
45 http://passapalavra.info/2013/11/87836 [Acesso em 05-11-2017].
46 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2013/ [Acesso em 05-11-2017].
47 Jornal Voz da Leste, disponível em https://issuu.com/vozdaleste/docs/vozleste-2_issu [Acesso em 06/11/2017].
48 Referência utilizada no Manifesto http://www.estadao.com.br/noticias/cidades,divida-pode-afetar-sp-por-mais-30-anos-afirma-cruz,1104322,0.htm [Acesso em 16/12/2013].
49 Estudo realizado pelo Fórum de Cultura da Zona Leste baseado em dados oficiais publicados pela SEMPLA. Acesse o conteúdo completo em http://passapalavra.info/2013/11/87836 [Acesso em 16/12/2013].
50 A matéria foi retirada do ar recentemente.
51 https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2014/08/denuncia-sobre-as-casas-de-cultura-do.html [Acesso em 07-11-2017].
52 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2014/09/defendendo-o-obvio-parte-2-ou-sim.html Acesso em 07/11/2017].
53 https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2015/04/casas-de-cultura-defendendo-o-obvio.html [Acesso em 09-11-2017].
54 A Rede Viva Periferia Viva, fundada em 27/08/2011, reúne artistas, agentes socioculturais, educadores, técnicos e gestores, iniciativas, grupos e coletivos culturais e ambientais da cidade e da Grande São Paulo, que se identificam pela atuação na Periferia através da cultura como agentes de transformação social através de práticas criativas e colaborativas.
55 Ata na integra disponível em https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2014/06/13062014-ata-de-reuniao-gt-fomento.html [Acesso em 01-11-2017].
56 Ata na integra disponível em https://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2014/07/18072014-ata-de-reuniao-mcp.html [Acesso em 01-11-2017].
57http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/EDITAL%20PROGRAMA%20AGENTE%20COMUNITARIO%20DE%20CULTURA_1401217560.pdf [Acesso em 04-05-2015].
58 O manifesto por ser lido no endereço eletrônico http://manifestoPeriferiacomdilma.blogspot.com.br [Acesso em 09-11-2017].
59 http://forumdeculturadazonaleste.blogspot.com.br/2015/02/2015-um-salve-todas-as-quebradas-nota.html [Acesso em 09-11-2017].
60 http://www.cultura.gov.br/documents/10180/0/Edital+de+Pontos+de+Cultura+Final_16_12_13+-+Vers%C3%A3o+Final+S%C3%A3o+Paulo.pdf/5b718b79-f5ef-4f92-955c-cda41966e5ff . Foi conferido no edital, trata-se dos Itens7.1.4. e 7.1.5. [Acesso em 10/11/2017].
61 http://www.cultura.gov.br/documents/10180/0/Edital+de+Pontos+de+Cultura+Final_16_12_13+-+Vers%C3%A3o+Final+S%C3%A3o+Paulo.pdf/5b718b79-f5ef-4f92-955c-cda41966e5ff . Itens 7.1.10, 7.1.11 e 7.1.12. [Acesso em 10/11/2017].
62 Google. Centro Expandido da cidade de São Paulo. https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=1Xg6ACUNSiuS0IOr7p7t9c6IvLx4&hl=en_US&ll=-23.568949674056366%2C-46.660604999999975&z=12 [Acesso em 12-11-2017].
63 http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2015/10/artistas-paulistanos-propoem-projeto-de-Lei-para-financiar-cultura-na-Periferia-4007.html . Acesso em 13 de novembro de 2017.
64 O projeto de Lei inicial está disponível para consulta no link da Câmara Municipal de São Paulo: http://documentacao.camara.sp.gov.br/iah/fulltext/projeto/PL0624-2015.pdf . [Acesso em 13-11-2017].
65 As Comissões Permanentes de Caráter Técnico-Legislativo são sete e tem a competência de analisar, promover estudos e pesquisas, realizar audiências públicas, fiscalizar e convocar responsáveis pela administração direta ou indireta para prestar informações sobre assuntos inerentes às suas atribuições, emitir pareceres e votar projetos submetidos a sua análise. São elas: Comissão de Constituição, Justiça e Legislação Participativa (CCJLP); Comissão de Finanças e Orçamento; omissão de Educação, Cultura e Esportes; Comissão de Administração Pública.
66 Neste dia aparece Pablo Paternostro, integrante da Cia Porto de Luanda e MAP (Movimento Aliança pela Praça, de São Miguel).
67 http://www.camara.sp.gov.br/blog/camara-aprova-criacao-do-premio-de-fomento-a-cultura-periferica/ . Acesso em 14/11/2017.
68 http://www.redebrasilatual.com.br/radio/programas/jornal-brasil-atual/2016/06/vereadores-aprovam-projeto-de-iniciativa-popular-de-fomento-a-cultura-da-Periferia-de-sp [Acesso em 14-11-2017].
69 Carta aberta a população elaborada pelo MCP e Fórum do Hip Hop MSP. Disponível em https://www.facebook.com/notes/movimento-cultural-das-Periferias/Carta-aberta-a-popula%C3%A7%C3%A3o-de-s%C3%A3o-paulo/1750196461860474/ [Acesso em 14-11-2017].
70 https://www.facebook.com/events/1871460109784927/ [Acesso em 15-11-2017].
71 https://blogdaboitempo.com.br/2017/11/10/entender-as-opressoes-para-combate-las/ [Acesso em 13-11-2017].
Publicado por: Marcello Nascimento de Jesus
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