Agricultura
A posição de domínio da espécie humana na Terra seria inconcebível se não lhe tivesse ocorrido, desde seus primeiros ensaios de vida em grupo, metodizar e incrementar a extração de alimentos que a natureza espontaneamente lhe dava. O surgimento de técnicas de plantio e, a seguir, de criação de animais foi o pilar central da formação de sociedades estáveis em que o homem passou de coletor, ou predador, a construtor engenhoso da sobrevivência grupal.
O conjunto dessas técnicas deu forma à mais antiga das artes, que iria transformar-se, ao passar dos séculos, numa ciência de leis codificáveis e em renovação permanente: a agricultura, palavra que deriva do latim ager, agri (campo, do campo) e cultura (cultura, cultivo) -- o modo de cultivar o campo com finalidades práticas ou econômicas.
Origens e desenvolvimento
Todos os indícios sugerem que a agricultura surgiu independentemente em várias regiões do planeta. No tocante ao cultivo das principais espécies, acredita-se que tenha despontado em três grandes áreas: a China, o Sudeste Asiático e a América tropical. Povos europeus e africanos podem ter iniciado por conta própria o cultivo de algumas plantas, com que complementariam a caça e a pesca.
Além das três áreas fundamentais citadas, talvez se deva acrescentar o nordeste da África, onde prosperou a poderosa civilização egípcia, vários milênios antes da era cristã.
No Velho Mundo, a agricultura surgiu em zonas áridas ou semi-áridas, tirando partido das margens úmidas dos rios, para lutar contra a escassez das chuvas. Na América, a agricultura desenvolveu-se principalmente em planaltos pouco chuvosos onde hoje estão a Bolívia, o Peru, o México e o extremo sul dos Estados Unidos. Atribui-se a data muito remota o início do cultivo de alguns tubérculos no sopé dos Andes. E é certo que, do lado oposto, nas huacas peruanas do litoral, encontram-se, em níveis arqueológicos que remontam a cerca de 2000 a.C., algumas plantas já cultivadas, como a pimenta, a abóbora e o feijão.
Na árida costa peruana, a agricultura se fazia e se faz em terras regadas por rios provenientes dos Andes. Em época posterior teve início o cultivo do milho, o cereal americano por excelência, cultivado desde os grandes lagos norte-americanos até o Chile. No Brasil, os índios o plantavam também. As espigas, na origem, eram pequeníssimas e equivaliam, no tamanho, a uma moeda moderna. Na gruta dos Morcegos, no Novo México, Estados Unidos, pode-se observar, nas sucessivas camadas arqueológicas, como elas se tornaram progressivamente maiores, graças à seleção das mais graúdas para o plantio. De suma importância para os índios, o milho -- e outros vegetais, como a batata, o amendoim, a mandioca e o fumo -- foi uma das grandes dádivas que a América proporcionou ao resto do mundo.
Em muitas civilizações, o desenvolvimento da agricultura não tardou a associar-se ao da criação de animais.
A existência de excedentes de alimentos permitia manter junto aos núcleos de povoação um número expressivo de cabeças de gado, com o que se acelerou o processo de domesticação das espécies. Tudo isso acarretou mudanças profundas na vida humana, que passou a orientar-se, cada vez mais, pelos ciclos agrícolas. A necessidade de registrar a duração dos períodos de semeadura, crescimento e colheita estimulou o desenvolvimento da astronomia e do calendário, assim como a medição dos campos contribuiu para que se fixassem princípios de geometria e matemática. Os fatos relacionados à agricultura adquiriram significado religioso e festivo, dando origem a tradições e ritos.
O mundo antigo. Graças ao plantio metódico de alimentos floresceram as antigas civilizações da Caldéia, Assíria, China, Índia, Palestina, Grécia e Roma. Em 2800 a.C. os chineses já usavam o arado, incentivados pelo imperador Cheng Nung, tido por fundador de sua agricultura. Os chineses cultivavam o arroz, o sorgo, o trigo e a soja, da qual tiravam subprodutos, e também criavam o bicho-da-seda para empregar seus fios no fabrico de tecidos de grande valor. Com o tempo, passaram a exportá-los para o Império Romano, e em tal quantidade que Tibério proibiu o uso da seda, para evitar a catastrófica evasão do ouro.
Na Índia, Caldéia, Assíria, Arábia, Pérsia, Etiópia e outras partes, igualmente remoto foi o início do cultivo de outras plantas cuja importância econômica nunca cessou de crescer, como mangueira, figueira, pessegueiro, romãzeira, pereira, videira, cafeeiro, cravo, pimenta, canela.
Irrigação. Muitos povos pré-históricos aprenderam desde cedo a controlar a água, a fim de distribuí-la em seus campos no momento oportuno, ou de ampliar a área cultivada. Assim surgiu a irrigação, com técnicas às vezes elaboradas: canais, feitos de bambu, de barro cozido ou de pedra; comportas; túneis para transposição de bacias; aquedutos; noras para elevar a água etc. Em muitas regiões, o homem construiu, de longa data, terraços com costados de pedra seca. Essa paisagem caracteriza o mundo rural mediterrâneo, como também, de modo mais espetacular, os Andes peruanos e o Sudeste Asiático.
No Mediterrâneo, onde os verões extremamente secos começam entre 15 de junho e 15 de julho, um sistema de rotação bienal de terras, implantado na antiguidade, manteve-se até a época contemporânea graças a seu perfeito ajustamento às condições ecológicas da região. A produção de cereais em campos arados dá ênfase aos trigos de inverno, semeados no outono e que, à chegada da rigorosa estiagem, já estão próximos da maturação. Num mesmo campo, as culturas temporárias se alternam a cada ano com as terras de pousio, ou de descanso.
No Peru, a agricultura pré-colombiana chegou a graus extraordinários de refinamento e intensidade, permitindo que a produção se organizasse numa região onde agricultores modernos talvez morressem de fome. Essa região é a cordilheira peruana, que não forma, como na Bolívia, um altiplano, mas é sulcada por vales íngremes em cujo fundo penetra a selva amazônica, enquanto os altos estão cobertos de neve eterna. As culturas irrigadas e adubadas, em terraços e solos artificiais, são obra de um povo que foi chamado de megalítico ou pré-incaico e que seria provavelmente da raça dos quíchuas, embora mais desenvolvido.
Os quíchuas atuais ignoram quem fez essas construções engenhosas e as admitem como naturais. Os terraços nas encostas abruptas, exigência da falta de terras planas, atingem notáveis dimensões: seus muros de arrimo, com três a cinco metros de altura, são feitos com pedras de formato não-geométrico, porém encaixadas sem argamassa. Comumente a largura dos terraços varia de três a cinco metros, embora sejam freqüentes, sobretudo nas encostas inferiores, larguras maiores. Nos fundos dos vales, os cursos dos rios tiveram trechos retificados e estreitados, para deixar mais espaço cultivável, como ocorreu no rio Urubamba, perto de Pisac, e a cerca de oito quilômetros a jusante de Ollantaytambo.
Os terraços pré-incaicos, que se chamam andenes, donde o nome da cordilheira, eram irrigados por canais e aquedutos, construídos também com blocos de pedra justapostos sem argamassa, pelos quais corria a água resultante do derretimento de geleiras e neve.
Técnicas elaboradas faziam com que a água, após irrigar um terraço, caísse num terraço inferior sem provocar erosão. O engenho posto na conquista de espaço e irrigação, a grande diversidade de plantas em cultivo (batata e feijão, goiaba e abacaxi, tomate e coca etc.) e a aplicação de adubos como o guano e o peixe, transportados da costa em lhamas, caracterizam o sistema peruano de agricultura intensiva como um dos mais perfeitos que o mundo conheceu.
A irrigação tomou notável impulso nos vales do Tigre, Eufrates, Indo e vários rios chineses, mas foi ao longo do Nilo que seus efeitos sobre a civilização e a história se tornaram mais óbvios. O sofisticado sistema agrícola egípcio começou a esboçar-se ao fim do período neolítico, no quinto milênio a.C., e apoiou-se em culturas, animais e instrumentos oriundos principalmente da Ásia e, em menor escala, da Etiópia.
Egito. No terceiro milênio, ao instalar-se o poder dos faraós sob o qual se estruturariam mais de mil anos de alta civilização, uma rede de canais constantemente ampliada já se estendia pelo vale do Nilo, para controlar suas cheias. Quando o Nilo transborda, entre junho e setembro, suas águas podem subir de seis a oito metros. Muito acima ou abaixo desses limites, as cheias causavam irremediáveis desastres. Os aspectos danosos dessas cheias puderam, no entanto, ser evitados graças à ação do homem e a obras colossais, como o lago regulador Méris, atribuído a Amenemhat III, que recolhia a água em excesso para distribuí-la nas fases de escassez.
As águas sob controle acabaram por acumular na planície um depósito de limo de fertilidade espantosa, que fez da calha do Nilo uma faixa verdejante a cortar o deserto. As terras do vale pertenciam aos deuses ou ao faraó. As dos primeiros eram entregues aos templos e seu arrendamento revertia em benefício do clero; as do último, cultivadas por lavradores reais ou felás, destinavam-se a manter a massa de funcionários. Soldados, príncipes e chefes (guerreiros) podiam também ocupar terras, mediante arrendamento. Os camponeses não eram escravos, nem servos da gleba, nem tampouco homens livres, mas rendeiros (inquilinos) do faraó. O trabalho em comum era obrigatório.
As famílias camponesas e os animais de carga viviam em aldeias lineares (metrocomia), à beira do tabuleiro desértico. As terras do vale eram controladas por um duplo registro cadastral, segundo os nomes dos campos e das pessoas que os cultivavam. Permitiam-se trocas e doações de terras, desde que inscritas e taxadas nesse cadastro. Os impostos eram muito elevados. Uma legião de escribas mantinha o cadastro atualizado; e outra, de agrimensores, relocava as parcelas do terreno, à medida que as cheias iam baixando. Todos os anos determinavam-se previamente as áreas a cultivar e sua ordem. Certas culturas, como as oleaginosas __ sésamo, cártamo, linho, mamona __, eram monopólio real.
Os egípcios cultivavam principalmente cereais, que constituíam a base de sua alimentação: trigo, cevada, sorgo. Entre os têxteis, sobressaíam o papiro e o cânhamo, aos quais se acrescentou, em fase bem posterior, o algodão. Favas, lentilhas, grão-de bico e alho-porro integravam o elenco de legumes, ao passo que as frutas mais comuns eram melão, melancia, romã, figo, uva, azeitona, amêndoa, alfarroba e tâmara. Plantas tintoriais e odoríferas, como as roseiras, completavam os moldes do universo agrícola. O estado comprava as safras e fornecia crédito aos agricultores.
O Egito antigo conheceu muito cedo, no setor da pecuária, a caça, o cativeiro e a seleção de animais. Criavam-se várias raças de bois, burros, cabras, porcos e carneiros, além de antílopes e gazelas da própria África e cavalos procedentes da Ásia. Um papel todo especial no trabalho agrícola foi atribuído ao boi, elevado à categoria de divindade (o boi Ápis) e, segundo a tradição, uma dádiva da Índia ao Egito.
Do Egito a agricultura passou à Grécia, onde inspirou a Hesíodo um poema didático, Os trabalhos e os dias, e a Teofrasto dois trabalhos técnicos, As pesquisas sobre as plantas e As causas das plantas, que sobrevivem ainda como manifestações pioneiras.
Roma. Os romanos, de posse de uma múltipla herança, deram grande valor ao campo e sistematizaram o emprego de técnicas fundamentais como a enxertia e a poda. Columela, com sua obra Sobre a agricultura, tornou-se o mais célebre especialista de Roma, enquanto Públio Catão fez o louvor da classe agrária e garantiu por escrito, 200 anos antes de Cristo, que a agricultura é a profissão "que menos expõe os homens a maus pensamentos".
Em Roma, de início, os lavradores formavam a vanguarda do patriciado: só proprietários de terras podiam comandar a defesa da pátria. Casos como o de Cincinato, que deixou uma chefia no exército para retornar à charrua, não foram raros. A agricultura romana progrediu até a época dos antoninos. O poder central, em seus avanços imperialistas, assenhoreou-se das terras conquistadas, escravizando os habitantes, e distribuiu-as entre os patrícios. A agricultura tornou-se assim atividade servil. Mas suas bases foram minadas pela crescente concentração urbana de escravos fugidos e pequenos proprietários arruinados. Ante a nova situação, Plínio o Antigo declarou: "Latifundia perdidere Italiam" ("Os latifúndios arruinaram a Itália"). Apenas seis aristocratas chegaram a possuir a maior parte dos domínios romanos no norte da África; Nero mandou assassiná-los e apoderou-se de suas terras. Com o gradativo declínio da força inicial do campo e o colapso econômico-social de Roma, preparou-se o terreno para o advento de uma nova estrutura agrícola nas partes mais ativas da Europa.
Idade Média. O cultivo de plantas forrageiras e de outros cereais que não o trigo, como a aveia e a cevada, generalizou-se na Europa ao longo da Idade Média. Cessadas as lutas e a insegurança decorrentes das migrações conhecidas como "invasões dos bárbaros", instalou-se, nas regiões em que se estabeleceram povos germânicos, o sistema chamado de rotação trienal ou dos três campos. Tal sistema, cuja característica básica era sua subordinação à economia de subsistência, estendeu-se ao leste europeu depois de prevalecer nas partes central e ocidental do continente.
As terras de uma comunidade eram divididas em três folhas ou campos (Fluren, em alemão), ao redor da aldeia, com suas casas e culturas de quintal. Numa dessas folhas, os camponeses faziam uma lavoura de inverno, geralmente de trigo ou centeio semeado no outono, à qual sucedia uma lavoura de verão, que podia ser de cevada, aveia ou leguminosas. No terceiro ano, aquela folha era deixada em descanso, convertendo-se em pasto para o gado comunal.
O afolhamento era feito em três anos e submetia cada folha, rotativamente, a dois cultivos (um de inverno, outro de verão) e a um descanso. Aproveitavam-se, pois, dois terços das terras aráveis, enquanto no Mediterrâneo utilizava-se somente metade (rotação bienal). Cada família camponesa possuía em cada folha uma parcela, de forma alongada e sem cercas, visto que na mesma folha todos os terrenos eram arados em conjunto. Além das folhas se estendia uma faixa de pasto comum permanente, em que o gado de todos os habitantes da aldeia ia pastar. Mais longe ainda estava localizada a floresta comunal, onde os camponeses se abasteciam de lenha e caça.
No esquema de distribuição das áreas habitáveis prevaleciam os traçados alongados, com as aldeias se formando pelas beiras de estrada. O habitat concentrado estimulava os hábitos comunitários, embora associados à propriedade privada do solo. O feudalismo se entrosou nessa organização econômico-social. Na propriedade dominial, os camponeses, transformados em servos da gleba, pagavam seu tributo em espécie (cereais, vinho, pequenos animais); e na propriedade privada do senhor, em corvéia (trabalho gratuito). O senhor lhes retribuía com uma certa segurança: a defesa militar.
Durante sua longa dominação da Espanha, a partir do século VIII, os árabes introduziram numerosas fruteiras e plantas de importância essencial, como o algodão. A agricultura européia, já um ponto de encontro de tradições bem diversas, tornar-se-ia cada vez mais eclética com a posterior expansão das grandes rotas marítimas. O contato com novas terras permitiria importar e aclimatar espécies antes desconhecidas e que às vezes teriam, como aconteceu com a batata, um papel de extraordinário relevo nas dietas mais rotineiras.
Sob esse aspecto, há uma linha de apropriações incessantes que parte das novidades surgidas na Espanha arabizada, atravessa a era das descobertas e desemboca, nos séculos XVIII e XIX, no período dos grandes domínios coloniais nos trópicos. Ao aumentarem, ao longo dessa linha, seu patrimônio de recursos naturais, os europeus prenunciaram um dos traços mais típicos da agricultura moderna: seu absoluto ecletismo, decorrente da transferência intercontinental de espécies e produtos.
Dois momentos sociais de grande peso histórico afetaram profundamente, na Idade Média, a agricultura européia: nos séculos XII e XIII, o surto demográfico que se espalhou pelo continente, provocando uma febre de urbanização e a conseqüente derrubada de novos trechos de mata; no século XIV, as epidemias de peste que dizimaram a população, gerando escassez de mão-de-obra no campo e uma retração ponderável do mercado agrícola. Todos esses fatores se uniram para levar a uma fase de crise na agricultura, com o abandono ou a perda de muitas terras produtivas.
Aos mosteiros, centros de saber na época feudal, coube uma atuação à parte. Os monges, em particular os beneditinos, dedicaram-se com inventividade a seus campos, drenando pântanos, elaborando novas técnicas e plantando seus próprios cereais, pomares e vinhedos. Além disso, copiaram e conservaram muitos documentos antigos e contemporâneos sobre a agricultura. O tratado mais difundido na Idade Média foi Sobre a agricultura comum, no qual Petrus Crescentius, senador de Bolonha, compilou e condensou, em 1240, tudo o que se conhecia em seu tempo. Depois de muito copiado, esse livro, após a descoberta da imprensa, saiu em várias edições, precedendo as obras clássicas sobre o tema editadas nos séculos XVI e XVII.
A agricultura de Flandres, no final da Idade Média, deu um exemplo altamente expressivo do que pode o esforço humano ante condições adversas. Os solos dessa região ou eram arenosos __ e portanto excessivamente permeáveis, ressecando facilmente, mesmo sob o clima úmido, e deixando-se penetrar pelo frio __ ou eram argilosos, pesados, difíceis de trabalhar pelo arado e duros na estação seca.
Não obstante, desde o século XIV aboliu-se o sistema de rotação trienal em Flandres, e as terras de pousio foram substituídas por pastos artificiais e culturas de nabos. Os lavradores aplicavam toda espécie de adubo a seu alcance: a lama dos canais, restos de comida, estrume de gado e sobretudo dejetos humanos __ adubo tão representativo de Flandres quanto da China. Assim, no século XVII, às culturas de verão __ cereais ou linho __ sucediam as culturas de inverno, constituídas sobretudo de raízes, como o nabo e a cenoura.
Enquanto a Europa central e a ocidental nem sequer vislumbravam um rompimento com a tradição da rotação trienal, já a agricultura intensiva dos Países Baixos apresentava um mosaico de campos de beterraba, linho, fumo, chicória, favas, feijão, batata, entremeados de ricas pastagens para gado leiteiro.
A cidade e o campo. A decadência do sistema de rotação trienal da Idade Média teve como causa básica a industrialização urbana, iniciada com a criação de manufaturas. A burguesia mercantil que nelas se apoiava passou a adquirir madeira, lã e outros produtos do campo em quantidades cada vez maiores. Os nobres, levando uma vida parasitária, mas dispondo de força militar, interessaram-se em participar dos negócios. Exploraram diretamente as florestas, impedindo que os camponeses aí cortassem lenha e caçassem, e começaram a tomar e a cercar os pastos antes comunais.
Na Inglaterra, onde o processo se evidenciou, a nobreza se interessou em vender lã às manufaturas de Flandres e, mais tarde, à burguesia do próprio país. O fechamento dos campos comuns, que deu origem na Inglaterra às chamadas enclosures, teve uma evolução rápida: 121.500 hectares foram cercados de 1710 a 1760, e desse ano até 1840 cercaram-se aproximadamente 2.800.000ha. Com isso se consolidava o latifúndio, um dos marcos no estabelecimento da agricultura moderna.
Com o início da revolução industrial e a crescente importância das cidades fabris, a Inglaterra foi cenário de um fenômeno que pouco a pouco se irradiou pelo Ocidente e, mais tarde, pelo resto do mundo: o rápido aumento das populações urbanas e o declínio progressivo das populações rurais. A participação do campo no conjunto da população inglesa, que era de 35% em 1811, desceu para 28% em 1831. Essa redução se fez sentir de maneira mais drástica no contingente rural masculino, que de 1.243.057 nesse último ano passou a 1.207.989 em 1841. Nas décadas subseqüentes, a população empenhada em atividades agrícolas sofreu diminuições em valores absolutos: de 2.084.153 em 1851, desceu para 2.010.454 em 1861 e 1.657.138 em 1871.
Na França, durante a revolução de 1789, os camponeses aboliram à força a comunidade territorial, a coerção da corvéia e os tributos, repartindo em pequenas propriedades contínuas as folhas e os pastos comuns. Na Alemanha, a mudança mais notável ocorreu em 1848, através de desapropriações em que os camponeses compraram partes das terras dos nobres, por quantia cujo total foi da ordem de um bilhão de marcos.
Apesar das revoluções agrárias que agitaram a Inglaterra durante a Idade Moderna, os camponeses foram derrotados, e a aristocracia latifundiária reorganizou a estrutura econômico-social nos meios rurais. Uma nova paisagem foi criada com pastos permanentes, limitados por cercas vivas, para a criação de carneiros. Empregados ou arrendatários cultivavam as terras e após certo número de anos as devolviam com novos pastos formados. Esse sistema rotativo de culturas e pastagens (field-grass system) se expandiu para Gales, Escócia e Irlanda, e ainda era encontrado no século XX em regiões pastoris do hemisfério sul.
Enquanto essas mudanças se verificavam no oeste da Europa, as descobertas marítimas dos séculos XV e XVI iam cada vez mais abrindo os mercados coloniais às metrópoles daquela parte do mundo. Os portugueses foram pioneiros nas formas de exploração desses mercados, primeiro pelo escambo, depois pela implantação de engenhos de açúcar. Os mais antigos engenhos, com seus canaviais, foram os da ilha de Fernando Pó (atual Bioko), no golfo da Guiné, trabalhados por judeus escravizados pela Inquisição. Entretanto, a agroindústria do açúcar só alcançou sua plenitude na costa do Brasil.
As regiões dos trópicos e subtrópicos úmidos, fora do Extremo Oriente, ao tempo do capitalismo mercantilista, isto é, até o século XVIII, conheciam três formas principais de economia rural: a economia de subsistência dos nativos, baseada no sistema de roças; as chamadas plantations, com monocultura de cana, algodão ou café, em solos férteis de várzeas ou florestas, com mão-de-obra escrava; e as fazendas de criação, em pastos nativos, nas savanas e campinas, com o sistema de livre pastoreio.
As várzeas foram desde a pré-história áreas de eleição para o desenvolvimento da agricultura porque, além de naturalmente férteis, tinham essa fertilidade renovada todos os anos através das enchentes. Nessas condições, só impõem restrições às culturas permanentes; as plantas temporárias podem ser cultivadas livremente nas várzeas, seja em monocultura anualmente repetida, seja em diversidade total, sem risco de esgotarem o solo.
Evolução das pesquisas
Intensificando-se a exploração da terra, na Idade Moderna, intensificaram-se também as preocupações científicas em relação à vida das plantas e ao melhor aproveitamento do solo. Já em meados do século XVI, o naturalista e ceramista francês Bernard Palissy projetou-se como pioneiro da agronomia, a ciência da agricultura, ao enfatizar que os cuidados com o solo e a adubação eram essenciais à racionalização dos cultivos. Em palestras e escritos que marcaram época, Palissy procurou converter em leis o saber de ordem prática que os lavradores detinham; assinalou por exemplo como as cinzas da palha queimada restituíam à terra os sais que as plantas tinham extraído para com eles nutrir seu crescimento.
Grande influência sobre o progresso agrícola teve também Olivier des Serres, que substituiu em sua granja-modelo de Pradel os métodos tradicionais de pousio pela adubação verde. Coube-lhe introduzir na França, com sucesso, várias espécies estrangeiras, como a garança, o lúpulo e sobretudo a amoreira. Sua obra Théâtre d'agriculture des champs (1600; Panorama da agricultura dos campos), traduzida para várias línguas, manteve-se em longo uso na Europa, como uma enciclopédia agrícola.
Teorias como a dos "sucos próprios da terra", sustentada por Jan Baptista van Helmont e Francis Bacon, segundo a qual o nutriente mais importante das plantas era a água, foram difundidas na mesma época. Em 1741, J. A. Kulbel lançou a teoria do humo, afirmando que nessa matéria deveria residir o princípio da vegetação. Entre 1735 e 1750, Buffon organizou plantios experimentais e trabalhou já com auxílio de químicos no então Jardim do Rei, em Paris.
Em diferentes partes da Europa, pesquisadores de orientações bem diversas debruçaram-se sobre a mesma intenção: a de estabelecer as bases da nutrição vegetal a partir dos vislumbres propiciados pelas leis e avanços da química. Francis Home, na Grã-Bretanha, verificou que o nitrato de sódio, o sulfato de potássio e outros sais tinham influência decisiva sobre o crescimento das plantas. A água não era pois seu nutriente único, embora fosse o condutor de muitos outros.
Em 1775, Joseph Priestley descobriu que as plantas purificavam o ar. Em 1777, Lavoisier criou o princípio da indestrutibilidade da matéria e afirmou que "na natureza nada se perde, nada se cria, tudo se transforma". Em 1779, Jan Ingenhousz descobriu a fotossíntese, demonstrando que na ausência da luz solar as plantas deixavam de purificar o ar. Giovanni Fabroni, que publicou suas Reflexões sobre a agricultura em 1780, fez ressurgir a teoria do humo ao garantir que a terra vegetal permitia prescindir das lavras e adubos e era o verdadeiro segredo da fertilidade.
A teoria revivida do humo, após prevalecer várias décadas, foi afinal refutada, em 1840, por Justus von Liebig, que estabeleceu que as fontes essenciais da nutrição vegetal eram de natureza inorgânica. Coube-lhe observar que os solos se tornavam impróprios pela deficiência ou ausência de um só dos constituintes necessários. Daí para a frente, todas as pesquisas convergiram para mostrar o papel do anidrido carbônico do ar, do nitrogênio do solo e dos sais minerais na alimentação das plantas.
Na virada do século XIX para o século XX, foi possível determinar a função dos fermentos e dos microrganismos do solo, que transformam o nitrogênio orgânico em nitrogênio amoniacal e este, por sua vez, nos nitritos e nitratos assimiláveis pelas plantas. Em 1804, Nicolas-Théodore Saussure definiu a origem e a natureza dos sais, mostrou que as plantas decompõem e fixam a água, a partir da atuação das raízes, e também como são suscetíveis à ação do ar atmosférico. Toda essa longa seqüência de pesquisas, em suas marchas e contramarchas, conduzia diretamente à grande realização específica do século XX: sua agricultura cientificamente racionalizada, com base na adubação e defesa por produtos químicos.
No tocante às descobertas dos pesquisadores, outro fato de relevo para a agricultura em larga escala e de cunho científico foi a confirmação das leis de Gregor Mendel, também realizada no raiar do século XX. Entre 1856 e 1864, esse padre e botânico morávio dedicou-se à hibridação de ervilhas para mostrar o que há de previsível nos caracteres transmitidos por hereditariedade. Suas experiências, embora tivessem tido êxito, caíram no esquecimento. Mas foram retomadas, por volta de 1900, por Hugo de Vries, Karl Erich Correns, Eric Tschermak e outros, de cujos trabalhos isolados decorreu a genética. A ciência da hereditariedade, levada sem demora à prática no domínio agrícola, permitiu aprimorar, por seleção e hibridação, as novas raças de plantas e animais que afinal sobrepuseram-se, em todo o mundo, às espécies silvestres não sujeitas à intervenção humana.
Efeitos da mecanização
O fenômeno historicamente conhecido como revolução industrial foi o impulso que gerou a modernização da agricultura inglesa, a partir da segunda metade do século XVIII. Ao mesmo tempo, deu em linhas gerais o modelo de produtividade em constante fomento que seria o grande trunfo do ocidente moderno e em etapas graduais se aplicaria às regiões mais diversas.
Sob o aspecto do imediatismo da prática, a indústria nascente influenciou a agricultura ao fornecer-lhe as primeiras máquinas realmente eficazes. Sob o aspecto econômico, forneceu-lhe mercados urbanos em expansão, não só pelo número maior de habitantes, mas também por seu poder aquisitivo igualmente maior.
Dois fatos essenciais, e hoje de valor emblemático, caracterizaram a agricultura da primeira era industrial: a introdução do arado de aço, cuja venda começou no Reino Unido em 1803, e a aplicação de adubos e corretivos, a princípio naturais: marga, calcário, argila, estrume, salitre. Ao arado de aço não sucedeu logo uma genuína mecanização das lavouras, o que só ocorreria, e ainda assim lentamente, no século XX. Mas o aço foi logo usado com proveito em partes de outras máquinas, como a grade e o rolo compressor.
O campo, com a introdução de novas máquinas, tornou-se mais dependente da cidade. Os lavradores ingleses, consolidado o poder dos nobres em seus latifúndios, transplantaram-se em massa para as áreas urbanas ou emigraram para os Estados Unidos. Na Nova Inglaterra, como se pusessem em prática os ideais liberais do século XVIII, constituíram pequenas propriedades de tipo familiar que estavam destinadas a um belo futuro.
Na mesma época, outras inovações foram concebidas no próprio meio rural, como a substituição do boi pelo cavalo na tração do arado. Mas a transformação fundamental, para alguns autores, foi a rotatividade de culturas em terras enxutas, ou seja, sem irrigação, associada à criação de gado estabulado. Essa técnica, difundida a princípio sob o nome de sistema de Norfolk, tornou-se conhecida também como sistema inglês ou "jardinagem do tipo ocidental".
Em Norfolk fazia-se a correção dos solos arenosos com argila e marga. As propriedades grandes, predominantes, eram cultivadas em arrendamento a longo prazo. A rotação de culturas usual era a quatro termos: nabo, cevada, trevo e trigo, com variações. Na essência, faziam-se cultivos sucessivos de cereais de inverno (sobretudo trigo, centeio ou cevada), raízes (beterraba, nabo ou batata) e forragens (como o trevo). Evitava-se que duas colheitas de cereais se sucedessem imediatamente. O sistema inglês dava ênfase à produção de cereais e gado bovino, e não de ovinos, como o field-grass system anterior. Entre uma colheita e o plantio seguinte, o solo era arroteado e adubado com esterco ou composto.
É interessante notar que o novo sistema agrícola não surgiu nas terras mais férteis da Inglaterra, mas justamente nos solos pobres de Norfolk, onde se mantinham contatos tradicionais com os Países Baixos através do comércio de tecidos e de pescado. O novo sistema foi o ponto de partida para a seleção de raças de bovinos especializadas na produção de leite ou de carne e para a diversificação da produção agropastoril.
Na realidade, o sistema inglês foi um aperfeiçoamento do sistema flamengo, que permitiu a generalização da agricultura intensiva, associada à pecuária, em terras não irrigadas. Ao irradiar-se da Inglaterra, difundiu-se muito depressa na Europa ocidental e central, assim como no leste e Middle West (meio-oeste) dos Estados Unidos. A expansão dos mercados urbanos na Europa e, a seguir, nos Estados Unidos, provocou uma especialização agrícola ou criatória em determinadas áreas. A propósito, já se lembraram o queijo de Cheshire, os perus de Norfolk, os patos de Aylesbury, o lúpulo de Kent e o mel de Hampshire. Em escala bem maior, tomaram vulto extraordinário, para firmarem-se como tradições de longa data, por exemplo, a floricultura dos Países Baixos; a pecuária leiteira da Normandia ou da Dinamarca; os olivais das penínsulas ibérica, itálica e dos Balcãs; e a citricultura do leste espanhol, do sul da Itália ou, nos Estados Unidos, da Califórnia e da Flórida.
A invenção do arado de aço permitiu aos farmers do Estados Unidos romperem o emaranhado de raízes dos férteis solos das pradarias e estepes da bacia do Mississippi e lançarem pouco depois, no mercado mundial, imensas quantidades de cereais, especialmente trigo, a baixo preço, concorrendo seriamente, na própria Europa, com a produção regional. Em 1807 foi posto em serviço o primeiro barco a vapor. Em 1815 outro navio desse tipo fez a primeira travessia do Atlântico. Com a navegação mais ágil, já em meados do século XIX o Reino Unido praticamente abandonou as lavouras de cereais, porque dispunha de grandes quantidades de grãos, a baixo preço, procedentes dos Estados Unidos. Enquanto isso, países mais longínquos, como o Chile e o Peru, mandavam para a Europa, ainda em frotas de veleiros, expressivos carregamentos de salitre extraído de suas costas desérticas.
Nos trópicos úmidos, a agroindústria do açúcar foi aperfeiçoada com a evaporação a vácuo, inventada no Reino Unido em 1813, a qual, além de melhorar o aspecto do produto, aumentou a capacidade de produção industrial. Esse fator exigiu a intensificação da lavoura, que passou a adotar o sistema de culturas repetidas ou de monocultura (one-crop system) nos canaviais, em campos arados e adubados.
A partilha do mundo tropical e subtropical entre as grandes potências colonizadoras, nos séculos XVIII e XIX, colocou os capitais e a técnica desses países em contato com grandes massas de população pobre, atrasada e passível de ser transferida, em regime de servidão ou escravatura. A forma de economia criada pelos portugueses nos engenhos de cana foi adaptada para muitos outros produtos, além do açúcar, recebendo dos ingleses o nome genérico de plantations. Disseminaram-se as plantations de copra, chá, café, borracha, algodão, banana, cacau, agave, assim como também geraram grandes fortunas as destinadas à produção de fumo (na Virgínia, nos Estados Unidos), anil (Venezuela) e paina (Indonésia).
As plantations concentraram-se em certas partes do mundo colonial e semicolonial, especialmente no sul e sudeste da Ásia, no Caribe, sul dos Estados Unidos, costa do Brasil e África oriental. Como fontes de matérias-primas e alimentos, constituíram um dos motivos da organização da economia rural no mundo dos trópicos e subtrópicos, em função dos mercados europeus e norte-americanos. As monoculturas intensivas das plantations, em cultivos permanentes ou repetidos, entraram em vivo contraste, nessas regiões tropicais, com as roças desordenadas e pobres dos nativos.
Formação agrícola do Brasil
Embora vivessem fundamentalmente da caça, da pesca e da coleta de frutas e outros produtos das matas, como o mel silvestre, os índios brasileiros não eram de todo nômades. Plantavam milho, mandioca, fumo, amendoim, e dispunham de alguma tradição no lidar com a terra. Auguste de Saint-Hilaire acreditava que os colonizadores europeus tinham aprendido agricultura com os índios, e é certo que alguns de seus métodos foram mantidos pela tradição dos caboclos. Foi essa que deu continuidade, em toda a extensão do território, ao sistema de roças de subsistência, que permaneceu quase inalterado, enquanto a agricultura de procedência européia se implantava e sofria alterações enormes.
O plantio da cana-de-açúcar e sua transformação industrial nos engenhos instalados pelos portugueses em certos pontos da costa, a partir de 1534, constituíram a primeira atividade economicamente estável da agricultura no Brasil. A evolução do ciclo da cana foi muito rápida. Cinco anos depois de seu início, já havia trinta engenhos em Pernambuco, 18 na Bahia e dois em São Vicente. Passados mais cinqüenta anos, subia para 256 o número total de engenhos concentrados na produção de açúcar.
No fim do século XVI, o país ainda não tinha um milhão de habitantes, mas a agricultura, diante das excelentes condições naturais, evoluía a contento para abastecer a metrópole. Além da cana, os colonizadores já cuidavam também de plantar fava, feijão, batata-doce, cará, algodão, árvores frutíferas e as espécies oriundas do patrimônio dos índios, como o milho e a mandioca. Paralelamente à expansão dos canaviais, com mão-de-obra de escravos africanos, foi implantada a criação de gado, não só para fornecer tração aos engenhos, como também para prover de carne as povoações pioneiras instaladas na costa. A pecuária, com o tempo, ampliou essas funções iniciais, interiorizando-se cada vez mais pelos sertões ainda brutos.
Foi também nos primórdios da investida agrária na faixa litorânea brasileira que a ganância extrativista de portugueses e piratas de procedência diversa começou a causar severos danos à integridade ecológica do país recém-descoberto. Derrubado indiscriminadamente e levado para a Europa como matéria-prima para tintas e obras de marcenaria de luxo, o pau-brasil (o muirapiranga, ibirapita ou arabutã dos índios) constituiu um dos primeiros itens das exportações brasileiras e acabou sendo dizimado no estado silvestre. Na mesma linha, a mata atlântica sofreu pilhagens contínuas para a extração de preciosas madeiras que escasseariam com o tempo, como jacarandá, jequitibá, maçaranduba e pau-ferro.
Além dos solos ainda virgens e do bom clima sem catástrofes, outro fator foi decisivo para permitir os progressos da agricultura em sua fase de formação no Brasil: a mão-de-obra abundante. No fim do século XVII, havia na colônia, cuidando basicamente das lavouras -- em mãos de apenas cem mil brancos --, 175.000 africanos e 25.000 índios escravizados.
Graças à conjunção desses fatores, a cana-de-açúcar pôde ser, a certa altura, a maior exploração tropical do mundo, desempenhando papel bem semelhante ao que mais tarde iria ter o café, sob o Brasil independente, ou a soja, no final do século XX.
Diversas culturas, como o fumo, que se irradiou da Bahia para chegar até Santa Catarina e o Rio Grande do Sul, tiveram centros de dispersão bem marcados. O café ingressou no Brasil pela Amazônia, em 1730, e daí passou ao Maranhão. Efetuando lenta mas segura migração norte-sul, desde fins do século XVIII, conquistou áreas cada vez mais amplas do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e São Paulo, de onde depois se estendeu ao Paraná. A formação das lavouras de café, tal como acontecera com as de cana e com a pecuária, estruturou-se em bases latifundiárias e dependeu em proporções ainda maiores do trabalho escravo.
No começo do século XIX, a vocação de grande celeiro já estava consolidada para o Brasil, que então exportava, para várias partes do mundo, expressivas quantidades de açúcar, café, cacau, algodão, arroz, além de madeiras e matérias-primas variadas de extração vegetal.
Em 1850 cessou o tráfico de escravos. A partir daí, a fixação de imigrantes europeus no campo, por estímulo governamental, tornou-se o fato essencial para que a agricultura brasileira iniciasse o processo de diversificação que a caracterizou no século XX. Os imigrantes, sobretudo alemães e italianos, romperam com a tradição de monocultura em bases latifundiárias e, tirando partido do clima semelhante ao da Europa, introduziram no extremo sul do país novos cultivos: trigo, aveia, cevada, centeio, alfafa. Além disso, plantaram os primeiros vinhedos, para a fabricação de vinho, e numerosas frutas não tropicais, como maçã, pêra, marmelo, pêssego, que posteriormente se irradiariam com êxito para outras regiões.
Grande importância econômica sempre tiveram as espécies nativas, como a seringueira e o guaraná da região Norte, a erva-mate da região Sul, ou a carnaúba e o babaçu do Nordeste, cujo cultivo metódico tomou impulso com o tempo, para afinal sobrepor-se ao extrativismo do início.
A constante introdução de novas espécies, o alargamento das fronteiras agrícolas __ com o aproveitamento de áreas, como as do cerrado e da caatinga irrigada __ e a transferência de cultivos, com sucesso, de uma região para outra, foram notas de destaque nos períodos mais recentemente vividos.
Cultivos especializados para posterior processamento na indústria, como juta, agave (sisal) ou pimenta-do-reino, tornaram-se cada vez mais comuns, valendo-se com freqüência de impulsos originais, partidos de novas levas de imigrantes, como os japoneses, que foram essenciais para o progresso da horticultura e pomicultura.
A cana voltou à ordem do dia como matéria-prima de álcool combustível, dividindo com imensos laranjais, no interior de São Paulo, terras por onde antes tinha passado o café. Em outras áreas desmatadas pelos avanços agrícolas, como no Espírito Santo, processou-se a introdução do eucalipto, originário da Austrália e a mais comum das árvores usadas em reflorestamento.
Ao encerrar seu quinto século de existência, o Brasil, que de início exportava papagaios e araras, junto com a árvore que lhe deu o nome, tinha uma agricultura dinâmica e altamente diversificada, que o situava como um grande celeiro. Em vez de coisas exóticas, exportava alimentos para o mundo, principalmente soja, café, laranja, cacau, amendoim, e outros produtos valiosos da terra, como o algodão e o açúcar.
Principais áreas agrícolas do mundo
Publicado por: Soraya Grams da Silva
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