INOVAÇÃO TECNOLÓGICA: Uma revisão da abordagem shumpeteriana e neoschumpeteriana acerca do progresso técnico

índice

  1. 1. RESUMO
  2. 2. INTRODUÇÃO
  3. 3. A BIOGRAFIA DE SCHUMPETER
    1. 3.1 NASCIMENTO, FORMAÇÃO FAMILIAR, ACADÊMICA E CARREIRA
    2. 3.2 INFLUÊNCIAS
      1. 3.2.1 Karl Max
      2. 3.2.2 León Walras
      3. 3.2.3 Carl Menger
      4. 3.2.4 Bohm-Bawerk
    3. 3.3 PRINCIPAIS OBRAS
  4. 4. SCHUMPETER E A INOVAÇÃO
    1. 4.1 A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO
    2. 4.2 SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO
      1. 4.2.1 O estado estacionário da economia
      2. 4.2.2 A perturbação do equilíbrio e o desenvolvimento endógeno
      3. 4.2.3 A mudança na vida econômica
      4. 4.2.4 A destruição criadora e a empresa monopolista
      5. 4.2.5 O crédito bancário
      6. 4.2.6 O empresário empreendedor
      7. 4.2.7 O ciclo econômico
    3. 4.3 AS CRÍTICAS A TEORIA SCHUMPETERIANA
  5. 5. A ABORDAGEM NEOSCHUMPETERIANA ACERCA DO PROGRESSO TÉCNICO6
    1. 5.1 SÍNTESE HISTÓRICA DA TEORIA DA INOVAÇÃO PÓS SCHUMPETER
    2. 5.2 A TAXONOMIA DAS INOVAÇÕES
    3. 5.3 PARADIGMAS E TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS
      1. 5.3.1 Paradigmas Tecnológicos e o processo de seleção
      2. 5.3.2 Trajetórias tecnológicas e progresso técnico
    4. 5.4 O RITMO E A DIREÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO
      1. 5.4.1 O ritmo do progresso técnico
      2. 5.4.2 A direção do progresso técnico
    5. 5.5 A TEORIA EVOLUCIONÁRIA DA MUDANÇA ECONÔMICA
    6. 5.6 DIFUSÃO TECNOLÓGICA
      1. 5.6.1 A importância da difusão tecnológica
      2. 5.6.2 Modelos de difusão tecnológica
      3. 5.6.3 Determinantes e condições para o processo difusivo
    7. 5.7 CONHECIMENTO, APRENDIZAGEM E APROPRIABILIDADE TECNOLÓGICA
      1. 5.7.1 Conhecimento e Aprendizagem
      2. 5.7.2 Apropriabilidade tecnológica
  6. 6. CONCLUSÃO
  7. 7. REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
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1. RESUMO

O presente trabalho apresenta uma breve revisão teórica e histórica da teoria da inovação, principalmente ao longo do século XX, período em que ela se desenvolveu, ganhou importância e extenso corpo teórico na ciência econômica. Esta dissertação se desenvolve a partir da vida e obras de Joseph Schumpeter, passando pela sua teoria e culminando nas abordagens dos autores neoschumpeterianos. Desta forma, o referencial teórico utilizado neste trabalho é relativamente extenso, contendo principalmente historiadores econômicos, teóricos da economia industrial e teóricos da corrente evolucionária da mudança econômica. Os autores principais são: Schumpeter, McCraw, Rosenberg, Dosi, Freeman, Perez, Pavitt, Nelson, Winter, Soete, Malerba e Orsenigo. Schumpeter, ao defender as inovações radicais (destruição criativa) como fundamentais para entender a dinâmica capitalista, rompe com a tradição neoclássica e inicia uma nova corrente de pensamento econômico. Corrente que toma forma principalmente a partir da década de oitenta com a contribuição das linhas de estudo americana e inglesa (Sussex). Apesar de ainda demandar muitos estudos empíricos e de não ter respostas para diversas questões, as formulações neoschumpeterianas abrangem temas de relevada importância para explicar as diferenças de crescimento econômico entre diferentes países e regiões. Muitos destes temas têm corpo teórico específico e apresenta extensa bibliografia na literatura econômica.

Palavras-chave: Schumpeter. Neoschumpeterianos. Inovação tecnológica. Mudança econômica.

ABSTRACT

This paper presents a brief theoretical and historical review of innovation theory mainly throughout the twentieth century, during which it has developed, has gained importance and extensive body of theory in economics. This dissertation develops from the life and works of Joseph Schumpeter, through his theory and culminating in the approaches of neoschumpeterians authors. Thus, the theoretical framework used in this study is relatively extensive, containing mainly economic historians, theorists of industrial economics and theoretical evolutionary chain of economic change. The main authors are: Schumpeter, McCraw, Rosenberg, Dosi, Freeman, Perez, Pavitt, Nelson, Winter, Soete, Malerba and Orsenigo. Schumpeter, to defend the radical innovation (creative destruction) as fundamental to understand the capitalist dynamics, breaks with the neoclassical tradition and start a new chain of economic thought. Current takes shape mainly from the eighties with the contribution of American and British (Sussex) lines of study. Although still require many empirical studies and not have answers to many questions, neoschumpeterians formulations cover topics of high importance to explain the differences in economic growth between different countries and regions. Many of these issues have specific theoretical body and has extensive bibliography in the economic literature.

Keywords: Schumpeter. Neoschumpeterians. Technologic innovation. Economic change.

2. INTRODUÇÃO

A inovação tecnológica é objeto de estudo da ciência econômica desde os primeiros escritos econômico-científicos (Adam Smith, 1776; David Ricardo, 1817; Karl Marx 1867). Autores econômicos clássicos, neoclássicos, marxistas e contemporâneos procuraram entender e explicar a participação do progresso tecnológico na economia e na sociedade. O tema foi tratado por alguns desses autores com maior ou menor relevância, dados os contextos específicos de cada um deles. Porém, sabe-se, sobretudo nos dias atuais, que o progresso tecnológico é um dos protagonistas do crescimento e do desenvolvimento econômico.

O avanço tecnológico é, indubitavelmente, um importante componente na história da humanidade. E não é referido, com isso, apenas à sua contribuição para a economia de qualquer sociedade, dito que facilmente poderia ser contestado. É referido, portanto, à sua contribuição para o desenvolvimento humano. Não se faz necessária uma apresentação de forma massiva e esmiuçada da importância deste tema para a atualidade, sobretudo devido ao claro e visível impacto que o progresso tecnológico trouxe para a sociedade global, principalmente no período pós Revolução Industrial – mas não apenas neste. As inovações prodigiosamente implementadas, principalmente aquelas que foram capazes de produzir uma “destruição criadora”, não raro, foram capazes de mudar sociedade inteiras, seja no âmbito econômico, seja no âmbito propriamente social. Desde uma inovação primitiva no modelo de plantio agrícola do século VIII, ou a criação inovadora da máquina de tear ou, ainda, na invenção do carro, não parece difícil a observação do quanto o avanço tecnológico, alcançado pelas invenções, inovações, melhorias técnicas etc., mudou a vida e o comportamento social.

No senso econômico, porém, convém destacar a distinção existente entre invenção e inovação. Toda inovação foi uma invenção, a recíproca, porém, não é verdadeira. A invenção, conforme Torres (2012), refere-se à criação de um artefato que pode ou não ter relevância econômica, sendo, portanto, entendida como inovação somente após ser transformada em mercadoria ou em uma nova forma de produzir mercadoria, e que possa ser explorada economicamente. Para Manhães (2006), a invenção pode, ainda, representar apenas uma ideia, um esboço, ou um modelo para um novo dispositivo, processo ou sistema. Já a inovação refere-se à novas combinações de recursos já existentes para produzir mercadorias antigas de forma mais eficiente ou para acessar novos mercados. Ela se concretiza quando ocorrem transações comercias envolvendo aquele novo dispositivo, produto, sistema ou serviço.

A inovação é uma invenção que foi aceita pelo mercado, no sentido de que foi comercializada ou posta em produção atendendo às necessidades dos seus consumidores ou público alvo, ao passo que, uma ideia, esboço ou modelo que não pôde produzir transações ou que não se tornou comercializável – seja porque não obteve êxito em sua comercialização ou implantação, seja porque ainda não se iniciou o processo de divulgação ou vendas – não passa de uma invenção. Sendo esta divulgada ou comercializada e, por conseguinte, atendendo às necessidades para a qual foi designada, passa a ser não mais uma invenção, e sim um produto, processo, sistema, serviço etc., inovador.

A inovação pode, ainda, ser dividida em incremental ou radical. A primeira refere-se à introdução de qualquer tipo de melhoria (técnica, funcional, etc.) em um produto, processo ou organização da produção. A segunda refere-se à introdução de um novo produto, processo, sistema ou forma de produção inteiramente nova. Este tipo de inovação representa uma cisão estrutural com o paradigma tecnológico anterior e origina um novo paradigma, criando novos mercados, novas indústrias e setores, novos sistemas tecnológicos e implicando em profundas mudanças no tecido social.

Para que o avanço tecnológico produzisse o progresso econômico e social que foi citado acima, um componente importante se fez necessário: a difusão tecnológica. Para Torres (2012), a difusão de novas tecnologias é tão relevante, ou talvez ainda mais, que a própria inovação. Apesar da importância da capacidade de geração de invenções e inovações que uma nação pode ter, sem a difusão necessária, pouco progresso econômico seria obtido. Torres (2012) acrescenta ainda que se as inovações ficarem restritas a um determinado grupo (indivíduos ou empresas) os impactos sobre o agregado econômico serão pouco relevantes. Conforme Júnior (2015) trata-se de um instrumento essencial para o desenvolvimento tecnológico de um país.

Nesse contexto, um dos maiores expoentes teóricos da abordagem da inovação e de seus impactos no processo econômico foi Joseph Alois Schumpeter. Para McCraw (2012), Schumpeter está para o capitalismo assim como Freud está para a mente. Seu legado inconfundível é a sua percepção pioneira de que a inovação radical – que ele chamou de destruição criativa – é a força propulsora do desenvolvimento econômico capitalista. Além disso, com a sua formulação acerca do empresário empreendedor, Schumpeter contribuiu significativamente para o fortalecimento da participação do empreendedor no sistema capitalista – comumente utiliza-se a expressão “empreendedor schumpeteriano” para diferenciá-lo do empreendedor tradicional. Suas formulações também contribuíram para a popularização do conceito de estratégia empresarial e com a questão da geração do crédito.

Contudo, somente no fim do século XX ficaria inteiramente clara a importância da contribuição de Schumpeter. A partir de 1980, à medida que a inovação ganhava evidência – inclusive repousada no grande avanço tecnológico da chamada quinta revolução industrial – os escritos de Schumpeter começaram a alcançar um público cada vez maior. Jornalistas e estudiosos passaram a encontrar nos seus textos respostas às suas perguntas. Conforme McCraw (2012), no centésimo aniversário de nascimento de Schumpeter, a revista Forbes apontava que em Schumpeter – e não em Keynes – podia ser encontrado a melhor orientação quanto às rápidas mudanças econômicas. No final do século XX e início do século XXI os escritos de Schumpeter passaram a ganhar ainda mais destaque. Conforme aponta McCraw (2012), em 1986 um grupo de estudiosos fundou a Sociedade Internacional Schumpeter, que confere um prêmio a melhor publicação na tradição schumpeteriana. Há também publicações periódicas relacionadas às formulações schumpeterianas como as constantes no Journal of Evolutionary Economics, Journal of Institutional Economics, Economic Devolopmentand Cultural Change, no Journal of Economic History, em Business History Review e muitas outras. Além disso, após a morte de Schumpeter o Departamento de Economia de Harvard passou a conceder, anualmente, um prêmio em sua memória a um aluno que se destacasse. A Universidade de Graz também promove anualmente uma série anual de Conferências Schumpeter.

Os trabalhos de Schumpeter influenciaram diversos outros autores. A partir das suas conclusões autores econômicos passaram a tratar da inovação e da mudança tecnológica em seus trabalhos, tais como: Slow (1956), Abramovitz (1956), Griliches (1957), Denison (1967), Romer (1986) e outros. Com o avanço dos estudos acerca da inovação e do progresso tecnológico uma escola econômica se desenvolveu e é conhecida atualmente como Escola Evolucionária da Mudança Tecnológica, composta pelos autores denominados neoschumpeterianos. Esta escola é composta pela corrente norte americana – iniciada principalmente pelos autores Richard R. Nelson e Sidney G. Winter – e pela corrente da Sussex – iniciada principalmente pelos autores Giovanni Dosi, Keith Pavitt, Christopher Freeman, Luc Soete, Franco Malerba, Gigi Orsenigo e Carlota Perez. Estes autores oferecem uma vasta contribuição para o entendimento de diversos temas que não foram abordados em sua totalidade por Schumpeter (1939; 1961; 1997) ou que até mesmo não foram discutidos em sua teoria. Temas como paradigmas e trajetórias tecnológicas, determinantes do ritmo e da direção do progresso técnico, processos de difusão, aprendizagem e apropriabilidade tecnológica, entre outros. Na atualidade, cada um destes temas apresenta um corpo específico de estudos com a contribuição teórica e empírica de diversos outros autores. Além disso, trata-se de importantes temas para a explicação das diferenças de desempenho econômico entre países e regiões e de importantes componentes para o processo de catching-up.

Assim, o objetivo deste trabalho é apresentar a evolução da teoria da inovação tecnológica assentado no referencial teórico schumpeteriano e neoschumpeteriano. O objetivo geral pode ser divido em três objetivos específicos, onde cada um destes corresponde a cada um dos três capítulos desta dissertação. Na primeira sessão é apresentada a biografia de Schumpeter, desde a sua formação, influências, carreira e principais obras. Na sessão seguinte, dois grandes temas são abordados. No primeiro, são apresentados estudos apontando a importância da inovação para o crescimento econômico – tal como Schumpeter defendera – e, depois, a Teoria do Desenvolvimento Econômico (TDE) formulada por Schumpeter. Por fim, na sessão três é apresentada uma revisão teórica das principais abordagens dos autores neoschumpeterianos.

No tocante a metodologia adotada nesta monografia, conforme Gil (2002), toda pesquisa pode ser classificada com base em seus objetivos gerais, onde pelo menos três grandes grupos são considerados: pesquisa exploratória, pesquisa descritiva e pesquisa explicativa. Este trabalho utiliza-se da pesquisa exploratória, que tem como objetivo proporcionar ao leitor maior intimidade com o assunto abordado (Gil, 2002). Do ponto de vista empírico e operativo, uma pesquisa pode ser classificada de acordo com os procedimentos adotados de coleta e análise dos dados levantados, é o que Gil (2002) chama de delineamento. Esta monografia valeu-se da pesquisa bibliográfica como procedimento de coleta de dados. Para Lakatos e Marconi (2009), uma pesquisa bibliográfica, ou de fontes secundárias, abarca toda a bibliografia tornada pública (livros, boletins, revistas, jornais, etc.), inclusive àquelas postas por meio de comunicação oral (rádio, gravações, filmes, documentários, etc.). Ainda conforme estes autores, a pesquisa bibliográfica não se trata de uma mera repetição do que já fora dito ou escrito, mas acomoda uma análise do tema pesquisado sobre um novo prisma, enfoque ou abordagem, podendo proporcionar conclusões inovadoras. Para Gil (2002), boa parte dos estudos exploratórios pode ser definida como pesquisas bibliográficas. Desta forma, a metodologia adotada neste trabalho é a exploratória bibliográfica.

3. A BIOGRAFIA DE SCHUMPETER

Neste primeiro capítulo procura-se apresentar a biografia de Schumpeter, suas principais obras e o seu legado, antes do aprofundamento na análise da sua contribuição para a ciência econômica, principalmente aquela relacionada à inovação tecnológica. A inclusão de um capítulo completo e à parte dos demais tratando apenas da biografia de Schumpeter se justifica pelo fato de que sua contribuição para a teoria da inovação não foi apenas resultado dos seus estudos, mas das influências que recebeu e experiências que vivenciou. Conforme o historiador Thomas K. McCraw (2012, pág. 9), trata-se de “[...] um dos maiores economistas que jamais existiram, e também uma personalidade eletrizante.” Além disso, foi “um dos maiores inovadores intelectuais da história das ciências sociais.” (McCraw, 2012, pág. 502). Schumpeter costumava dizer “que pretendia tornar-se o maior economista do mundo” McCraw (2012, pág. 27) e para isso, estudava horas e horas por dia. Não restavam dúvidas quanto à sua dedicação em aprender. Quando morreu em 1950, observa McCraw (2012, pág. 531), “muitos amigos consideraram que o trabalho o havia levado à morte. Durante quase cinco décadas,” acrescenta, “sem esmorecimento, ele investigara cada aspecto do capitalismo [...]”. Schumpeter tinha grande interesse em que as pessoas pudessem conhecer bem o funcionamento do sistema capitalista. Ele investiu grande energia, por exemplo, não só em analisar e explicar a inovação para outros especialistas, mas às vezes também para os leigos. Schumpeter acreditava, conta McCraw (2012, pág. 22), “que o mundo só poderia beneficiar-se plenamente do capitalismo se as pessoas entendessem como ele funciona.” Para isso, complementa McCraw (2012, pág. 531), Schumpeter “acreditava que teriam de olhar além do que viam imediatamente à sua frente – venalidade, desigualdade, corrupção –, imaginando a elevação dos padrões de vida que em longo prazo só o capitalismo poderia proporcionar”. Por sua dedicação não apenas ao estudo da ciência econômica, mas também ao estudo da história, direito, literatura, negócios, sociologia, psicologia, matemática e ciência pública, ele tornou-se não apenas um simples economista, mas, no dizer de um contemporâneo seu, talvez o último dos grandes polímatas (McCraw 2012).

3.1. NASCIMENTO, FORMAÇÃO FAMILIAR, ACADÊMICA E CARREIRA

Schumpeter, o enfant terrible1, nasceu no dia 08 de fevereiro de 1883 em Triesch, na Morávia, província austríaca hoje pertencente à Tchecoslováquia. Foi ele o único filho do fabricante de tecidos Alois Schumpeter2 (McCraw, 2012). À época do nascimento de Schumpeter, cerca de 4.400 habitantes viviam em Triesch, local onde os Schumpeter estavam entre as principais famílias daquele povoado, já que ao longo de quatrocentos anos viviam lá. Sua mãe, Johanna, era procedente da cidade de Iglau, de maioria germanófana, onde seu pai e seu avô haviam se destacado como médicos, à época de seu nascimento (McCraw, 2012).

Aos quatro anos de vida, uma perda mudou por completo a vida e o destino de Schumpeter. Durante uma caça seu pai, aos 31 anos de idade, sofre um acidente e morre. Sua mãe, um ano após a perda do marido, sofre ainda a perda de seus pais. Em 1888, pouco depois destes traumas, Jozsi, como Schumpeter era conhecido na família, e sua mãe, Johanna, mulher orgulhosa e notável, deixam Triesch e se mudam para Graz, cidade austríaca de 150 mil habitantes e de fala alemã (McCraw, 2012). McCraw (2012, pág. 25) observa que “Johanna viu-se sozinha numa cidadezinha isolada, cheia de contraparentes importantes.” Longe de querer passar o resto da vida sob a proteção da família do falecido marido, “[...] começou a fazer grandes projetos para o filho, projetos que jamais poderiam ser concretizados na pacata Triesch” (McCraw 2012, pág. 25).

Conforme McCraw (2012), Johanna não era rica, contudo herdou parte da propriedade dos pais e detinha alguns direitos do marido sobre o negócio da família e, com estes recursos, se instalou em um minúsculo apartamento alugado no centro de Graz e posteriormente em um mais amplo, próximo da universidade. O sistema educacional das províncias de fala alemã do império Austro-Húngaro era melhor que o da maioria das outras regiões da Europa (McCraw, 2012). Jozsi e sua mãe tinham uma relação extremamente próxima e enquanto Schumpeter crescia “sua diligente mãe começou a imaginar maneiras para que ambos pudessem ascender a níveis mais elevados da estratificada sociedade austríaca” (McCraw 2012, pág. 26). Ela estava decidida “a obter para Jozsi prerrogativas […] que ele jamais poderia alcançar como órfão de um empresário de província” (McCraw 2012, pág. 26). Desta forma, Johanna “[…] se transformou numa espécie de diretora de cena da vida do filho, sempre preocupada em encontrar palcos em que ele pudesse exibir mais plenamente sua capacidade” (McCraw, 2012, pág. 27).

Quando Schumpeter estava com cerca de nove anos, sua mãe voltou sua atenção para um general de três estrelas aposentado, que era mais de trinta anos mais velho que ela. Conforme McCraw (2012), Sigmund von Kéler – o general – serviu por quase quatro décadas no exército austro-húngaro. Kéler pertencia à nobreza austríaca, algo que chamou a atenção de Johanna (McCraw, 2012). Ambos se casaram em 1893, ela com trinta e dois anos e ele com sessenta e cinco. De toda sorte, a união deles trouxe significativas consequências para Schumpeter que, à época do casamento, só tinha dez anos. Graças à posição social de seu padrasto, Schumpeter deu prosseguimento à sua formação nas melhores escolas do império, privilégio que provavelmente não conseguiria de outra forma (McCraw, 2012). Johanna não cessou de buscar a ascensão do filho, ao contrário, a perseguiu cada vez mais. McCraw (2012) aponta que não muito depois de seu segundo casamento ela mudou-se com a sua família para Viena, cidade com uma população perto de dois milhões de habitantes. Lá, Schumpeter foi matriculado em uma conceituada escola preparatória, fundada pela imperatriz oitocentista Maria Tereza. A escola Theresianum era uma das melhores e mais exigentes escolas da época. Ali, ele adentraria o mundo social da aristocracia. Conforme Oliveira (2014, pág. 101) destaca, nesta escola ele se torna

perito em esgrima e equitação, fluente em cinco línguas clássicas e modernas e adquirido, pelas amizades que fez neste ambiente, ‘os modos requintados, os hábitos promíscuos e os gostos extravagantes de uma sociedade aristocrática’ (Nasar, 2012, p.191-2). Essas características vão acompanhá-lo em sua vida e ajudam a entender porque, de certo modo, ele se colocaria num plano superior nos ambientes que frequentava e tendia a atrair a antipatia de seus colegas de trabalho […].

Após terminar os estudos no Theresianum Schumpeter matriculou-se, em 1901, na Universidade de Viena, uma universidade de “primeira”, sendo considerada uma versão austríaca de Oxford ou Cambridge (McCraw, 2012). A sua passagem por esta academia havia sido brilhante, tendo se tornado um dos melhores alunos da escola (McCraw, 2012). Na universidade Schumpeter cursou Direito que, à época, conforme apontou Rubens Vaz da Costa: “as universidades imperiais incluíam no estudo de Direito cursos e exames complementares de economia e ciência política” (Schumpeter, 1997, pág. 5).

Logo após concluir o curso de direito na faculdade de Viena, Schumpeter foi para o Egito trabalhar em um escritório de advocacia e também como assessor financeiro de uma princesa. Após seis anos no Cairo e com a publicação do seu primeiro livro (A Natureza e a Essência da Economia Teórica), Schumpeter iniciou a sua carreira acadêmica lecionando na faculdade de Czernowitz, onde ficou por dois anos. Quando completou 28 anos e com o sucesso do seu segundo livro (Teoria do Desenvolvimento Econômico), Schumpeter assumiu a cadeira de professor de economia política na faculdade de Graz (McCraw, 2012). Com o crescente respeito que ganhava na comunidade acadêmica, em 1913 foi convidado para lecionar na Universidade de Columbia durante dois semestres, tendo recebido lá muitos elogios (McCraw, 2012). Conforme McCraw (2012, pág. 89), “quanto mais conferências dava, mais notoriedade ganhava, e logo estaria sendo convidado a falar em outras importantes universidades.” Em 1918 após uma conferência que ganhou ampla notoriedade, e depois de já há algum tempo se envolvendo em questões políticas, Schumpeter foi nomeado secretário de Estado das Finanças na primeira República Austríaca (McCraw, 2012). Posteriormente, em março de 1919, recebeu o cargo de Ministro das Finanças, recomendado por Rudolf Hilferding. “Transferiu-se então”, aponta McCraw (2012, pág. 108), “para a majestosa sede barroca do Ministério das Finanças e pôs mão à obra. Sem consultar praticamente ninguém, trabalhou na concepção de um programa de recuperação econômica da Áustria”, o que por fim não foi implantado. Schumpeter não foi bem-sucedido à frente deste ministério, sobretudo devido a sua oposição à política oficial do governo de unificar a Áustria com a Alemanha (McCraw, 2012). Essa oposição culminou na rejeição de Schumpeter pela maioria dos integrantes do governo, principalmente pelo Ministro das Relações Exteriores Otto Bauer (McCraw, 2012).

Depois de sua saída do Ministério, Schumpeter, após receber do parlamento austríaco uma autorização para abrir um banco em Viena, fez uma aliança com um financista e tornou-se presidente do Banco Biedermann, tendo, inclusive, obtido várias ações dele (McCraw, 2012). Schumpeter ganhou muito dinheiro enquanto funcionário do banco, porém, perdeu rapidamente. Sua experiência nos negócios, à semelhança da experiência no ministério das finanças, também terminou em fracasso (McCraw, 2012). Com a economia austríaca em grandes dificuldades e ainda com a queda na bolsa de valores de Viena em 1924 – que perdeu três quartos do seu valor – Schumpeter perdeu toda a sua fortuna e se afundou em dívidas com as quais teve que lidar durante vários anos. Conforme McCraw (2012, pág. 119):

Neste momento, ele se demitiu do Banco Biedermann, pressionado pelos outros diretores. Teve de reembolsar a instituição por seus saques a descoberto, valendo-se de empréstimos de amigos. No fim das contas, conseguiu pagar todas as dívidas, mas foram necessários muitos anos de trabalho duro.

Após a frustação nos negócios, Schumpeter retorna a vida acadêmica. Em 1925, após um convite da Universidade de Bonn, Schumpeter volta a lecionar. As contribuições de Schumpeter permaneceram recebendo notoriedade e em 1927 ele recebe um convite para lecionar em Harvard, onde permaneceu durante um ano como professor convidado (McCraw, 2012). Schumpeter não ficou muito tempo em Bonn, poucos anos após esse primeiro convite ele retorna, definitivamente, para Harvard. Conforme Oliveira (2014, pág. 103), “em 1927, 1928 e 1930 lecionou na Universidade de Colúmbia e, em 1932, desligou-se da Universidade de Bonn e se estabeleceu, definitivamente, nos Estados Unidos, em Cambridge (Massachussetts).”

3.2. INFLUÊNCIAS

McCraw (2012, pág. 50) aponta três correntes ou escolas que inicialmente influenciaram Schumpeter, “a Escola Clássica, […] a Escola Histórica Alemã […] e a corrente marginalista”. Estas influências representaram importante participação na formação do seu pensamento econômico, sobretudo a influência marxista e walrasiana.

Schumpeter também recebeu grande influência de outros autores neoclássicos – contemporâneos a ele ou não – muitos dos quais teve a oportunidade de conhecer pessoalmente3. Estas influências contribuíram significativamente para a formação do pensamento econômico dele e à sua análise do capitalismo. Dentre os principais autores, quatro autores merecem atenção: Karl Marx, León Walras, Carl Menger e Eugen von Bohm-Bawerk. A seguir é apresentada a ligação de cada um destes autores com Schumpeter.

3.2.1. Karl Max

Numa leitura de Capitalismo, Socialismo e Democracia – publicado em 1942 – é possível observar a admiração que Schumpeter tinha por Karl Max a despeito da sua visão de capitalismo ser diferente. No capítulo três deste livro, ao falar do Marx Economista Schumpeter (1961, pág. 42) o chama de “um homem muito erudito” e também de “gênio e profeta”. Schumpeter (1961) ainda reconhece o esforço de Marx afirmando que

Nada pode ser atribuído a qualquer falta de estudo ou treino da técnica da análise teórica. […] era leitor insaciável e trabalhador infatigável. […] qualquer coisa que lesse, era meditada, estudando cada fato ou argumento com uma paixão de minúcias […]. (Schumpeter 1961, pág. 42)

Alguns autores apontam a influência de Marx ou do marxismo sobre Schumpeter, tais como Rubens Vaz da Costa ao acrescentar que as ideias de Karl Marx, a quem Schumpeter admirava e respeitava, representaram uma das maiores influências intelectuais em sua formação científica” (Schumpeter, 1997, pág.8). Para Oliveira (2014, pág. 102), Schumpeter, apesar de discordar das ideias marxistas, “considerava-o uma mente superior, um verdadeiro gênio […]. Não surpreende, assim que, embora em trincheira oposta à de Marx, tenha sido influenciado por seu pensamento.” Vian (2007, pág. 1) em consonância com os demais, afirma que “Schumpeter sofreu influência do pensamento marxista, […], e dos pensadores marxistas da Áustria, como Hilferding, do qual ele adota alguns conceitos em seus livros e trabalhos sobre o socialismo”.

Não obstante a sua admiração por Marx, Schumpeter não era simpatizante do marxismo, conforme já apontado anteriormente, sendo, por vezes, crítico àqueles que eram adeptos a este movimento. Em seu livro Capitalismo, socialismo e democracia vê-se por diversas vezes Schumpeter (1961) combatendo os argumentos marxistas e apresentando contra-argumentos. Apesar disso, a análise feita por Marx com relação ao capitalismo, sobretudo o seu dinamismo destemperado o seu provável futuro, serviram à Schumpeter nas suas conclusões teóricas.

3.2.2. León Walras

León Walras foi um dos três pioneiros da doutrina marginalista, uma corrente de pensamento que surgira no século XIX. Schumpeter tinha grande admiração por ele, a quem considerava um dos maiores economistas de todos os tempos (Oliveira, 2014). Talvez, o grande anseio de Schumpeter pela busca de uma “economia exata, uma ciência de rigor indisputável, como a física, com uma capacidade definida de previsão (McCraw, 2012, pág. 17)”, basicamente através da matemática, provenha da influência de Walras. Nas palavras de Rubens Vaz da Costa (Schumpeter, 1997, pág. 8):

Maior ainda que a influência exercida por Marx, foi à inspiração na obra do economista francês Léon Walras. Influenciado por Walras, Schumpeter adquiriu o interesse pela formulação matemática e econométrica das questões econômicas, além de optar pela concepção de modelos econômicos para explicar a realidade e para a compreensão do processo de desenvolvimento capitalista.

3.2.3. Carl Menger

Carl Menger compõe o grupo de economistas marginalistas, e representa aquele que mais influência exerceu sobre o pensamento econômico de Schumpeter. Dentre suas formulações, Menger (1983) “demonstrou que o valor atribuído pelos consumidores [teoria do valor econômico subjetivo] a cada item mudava com as alterações ocorridas em suas posses” (McCraw, 2012, pág. 57).

A influência de Menger foi exercida, de certa forma, de maneira indireta. Isso porque alguns professores de Schumpeter foram alunos de Menger, o que fez com que Schumpeter tivesse acesso às suas formulações, doutrinas, teorias, etc. dentre as quais, por exemplo, a que se refere ao conceito de utilidade marginal (McCraw, 2012). Esta serviu à Schumpeter nas suas conclusões acerca do individualismo metodológico.

Em algumas passagens do seu livro Teoria do Desenvolvimento Econômico, Menger é citado por vezes de forma direta e por vezes de forma indireta. Por exemplo, ao falar de Capital e poder de compra, Schumpeter (1997, pág. 121) observa:

Essa resposta nos levaria praticamente ao conceito de capital de Menger. Certamente chamo isso de “meu capital” inúmeras vezes. Além disso, também não há nenhuma dificuldade em distingui-lo, enquanto “fundo”, do “fluxo” de rendimentos, de modo que aqui damos um passo em direção a Irving Fisher. Novamente é lícito dizer que posso aplicar num empreendimento essa mesma soma ou emprestá-la a um empresário.

3.2.4. Bohm-Bawerk

Bohm-Bawerk foi um dos alunos de Menger e o mais importante professor de Schumpeter (McCraw 2012). Antes de lecionar na faculdade de Viena, Bohm-Bawerk já havia sido ministro das finanças da Áustria por três vezes. Schumpeter o via como com tendo “voz impressionante em qualquer polêmica, […] brandia […] um ‘bisturi afiado’” (McCraw 2012, pág. 54). Tendo sido ele próprio marcado por suas incisões, Schumpeter via em Bohm-Bawerk “um temível debatedor, ao qual muitos adversários faziam o maior cumprimento que um homem pode receber: se eximir de enfrentá-lo” (McCraw 2012, pág. 54).

Bawerk também foi citado diversas vezes por Schumpeter (1997) em seu livro Teoria do Desenvolvimento Econômico. Ademais, foi ele editor dos três primeiros artigos publicados pelo jovem Schumpeter4 quando este iniciou a faculdade, conforme aponta Oliveira (2014, pág. 101): “ao se formar, [...] o gosto pela teoria econômica moderna [...] já se entranhara definitivamente em sua vida e se tornara dominante e ele já publicara três artigos em mensário editado por Böhm-Bawerk.”

3.3. PRINCIPAIS OBRAS

Schumpeter escreveu alguns livros, resenhas e vários artigos acadêmicos e de revistas periódicas, não apenas tratando de economia, mas também de sociologia (McCraw, 2012). Muitos escritos podem ser encontrados em páginas da internet ou mesmo em bibliotecas. Os seus principais livros são: A Natureza e a Essência da Economia Teórica (1908), A Teoria do Desenvolvimento Econômico (1911), Ciclos Econômicos (1939), Capitalismo, Socialismo e Democracia (1942) e História da análise econômica, publicado postumamente, em 1954.

A Natureza e a Essência da Economia Teórica – de 1908, o primeiro livro escrito por Schumpeter, foi publicado quando ele tinha apenas vinte e cinco anos. McCraw (2012) aponta que Schumpeter o escreveu durante sua primeira longa viagem à Europa e à Inglaterra, logo após concluir a faculdade e demorou apenas dezoito meses para termina-lo. Trata-se de um livro pouco conhecido, sendo, inclusive, por algumas vezes esquecido até mesmo pelo próprio Schumpeter (McCraw, 2012). Essa pouca fama se deu por algumas razões: “ele pretendia reavaliar amplamente a disciplina, reconciliando a Escola Histórica Alemã com os marginalistas austríacos”, aponta McCraw (2012, pág. 69).

Esse seu primeiro manuscrito continha mais de seiscentas páginas e fora publicado pela primeira vez em 1908. Para McCraw (2012), A Natureza e a Essência da Economia Teórica, continha dois objetivos: reconciliar escolas já existentes e, com o atingimento deste primeiro objetivo, transformar a economia na Europa central. Porém, nenhum destes dois objetivos logrou o êxito almejado. Ao que parece, nenhum economista ligado à Escola Austríaca estava interessado em uma aproximação com a Escola Histórica Alemã, e vice-versa. Menos de mil exemplares deste livro foram vendidos (McCraw, 2012).

A maior parte do que Schumpeter escreveu diz respeito ao equilíbrio estático (estado estacionário), do fluxo circular e das trocas constantes. O livro não faz qualquer recomendação em matéria de políticas públicas, e também não dá muita atenção aos escritos de ordem psicológica de Menger e Wieser (McCraw, 2012). Para Silva (2012, pág. 113), este primeiro livro “foi escrito para os economistas germânicos e pretendia ser um livro de divulgação e de esclarecimentos sobre o que Schumpeter entendia ser a fronteira da economia teórica”. O livro se aproximava da teoria walrasiana. Walras recebeu um exemplar do livro e o considerou importante. Ao receber Schumpeter na Suíça em 1910, Walras pediu a ele que agradecesse ao seu pai pelo importante livro que escrevera. Naturalmente, Walras ficou surpreso com a juventude do visitante e confuso quanto à autoria do livro (McCraw, 2012, pág. 71).

Para Silva (2002, pág. 112), várias questões são apontadas por Schumpeter neste livro, dentre elas estão:

(i) a diferença entre estática e dinâmica e entre estado estacionário e desenvolvimento; (ii) o caráter científico da ciência econômica; (iii) a epistemologia instrumentalista da economia teórica, o pragmatismo metodológico e os limites cognitivos da ciência econômica; (iv) a separação (demarcação) entre a economia e os outros campos de conhecimento; (v) a relação da economia com as ciências sociais (sociologia, história) e com a estatística; (vi) o papel da matemática na economia.

Várias características e considerações constantes em A Natureza e a Essência da Economia Teórica voltariam a permear os demais livros de Schumpeter. Observa-se, porém, que Schumpeter (1982) dá pouca ênfase à inovação, à mudança e a destruição criadora neste livro, temas que estariam fortemente presentes em obras posteriores como A Teoria do Desenvolvimento Econômico, Capitalismo, socialismo e democracia e Ciclos econômicos. Uma breve análise destes três livros é feita no capítulo dois deste trabalho.

A História da Análise Econômica, seu último livro, foi concluído em 1954. McCraw (2012, pág. 475) aponta que “ao longo da década de 1940, Schumpeter trabalhou com afinco em seu maior e mais ambicioso livro.” Dessa vez, Schumpeter não escreveu sozinho. Sua esposa Elizabeth o ajudou, sobretudo no seu fechamento, dado que Schumpeter havia falecido em 1950. McCraw (2012) afirma que “[…] durante toda uma década, os Schumpeter passariam a maior parte do tempo isolados em Taconic ou mergulhados em pesquisas na Biblioteca Kress da Escola de Negócios de Harvard.” Schumpeter passou os últimos nove anos da sua vida trabalhando neste livro que, ao final, conteve 1260 páginas. Trata-se da sua obra mais longa. McCraw (2012, pág. 478) observa: “Escrevendo ao editor, ele [Schumpeter] dizia: ‘Este livro descreverá o desenvolvimento e o destino da análise científica no campo da economia, da época greco-romana ao presente’”. Schumpeter cita Platão, Tomás de Aquino, Adam Smith, David Ricardo e outros autores para, conforme McCraw (2012, pág. 477), capturar:

Em detalhes a gradual evolução do pensamento econômico. Como todas as grandes histórias intelectuais, retrata sucessivas gerações de analistas, baseando-se no trabalho dos antecessores ou deixando de fazê-lo. Identifica pensadores importantes, seja por caminhos produtivos ou não. Mostra como ideias potencialmente seminais muitas vezes se perdem, para serem redescobertas décadas ou mesmo séculos depois.

Para Vian (2007, pág. 2), Schumpeter (1964) “[…] mostra que a economia pode ser estudada do ponto de vista histórico, com o uso de dados estatísticos, através da teoria pura [...] e do ponto de vista da sociologia econômica”.

A História da Análise Econômica rendeu várias críticas, ensaios e resenhas de diversos autores, tais como, Simon Kuznets: “é um livro monumental e grandioso” (McCraw, 2012, pág. 497). George J. Stigler: “[…] parece-me de grande elegância intelectual seu empenho de divorciar a qualidade das análises das políticas a que estavam associadas” (McCraw, 2012, pág. 497).

Jacob Viner, da American Economic Review (McCraw 2012, pág. 497):

Contribuições gregas, latinas clássicas e medievais, italianas, espanholas, suecas e holandesas, além, naturalmente, da literatura alemã, francesa e inglesa, são citadas com base nos textos originais. […] em nenhum outro exemplo de literatura de nossa disciplina, […], podemos encontrar, numa limitação de espaço comparável, uma exposição tão brilhante e modesta das realizações analíticas de outros economistas por um colega que é ele próprio um mestre.

Além destes, Friedrich von Hayek: “ninguém extrairá mais proveito [do livro] que os economistas da geração mais jovem […] nenhuma outra obra está mais apta a mostra-lhes o que precisam saber se não quiserem ser apenas economistas […]” (McCraw, 2012, pág. 498). Dois autores – G.B. Richardson, de Oxford e Lionel Robbins, da London School of Economics – compararam Schumpeter a Keynes (McCraw, 2012). Richardson, ao escrever sobre Schumpeter, aponta: “Quero crer que Schumpeter fosse superior a Keynes como erudito, pelo menos no campo da economia.” (McCraw, 2012, pág. 498).

4. SCHUMPETER E A INOVAÇÃO

Neste segundo capítulo é apresentada a importância da inovação para o desenvolvimento econômico e as contribuições dos escritos de Schumpeter para a economia da inovação tecnológica. Na esteira deste objetivo, o capítulo foi subdivido em duas partes, apresentando, primeiramente, um breve comentário acerca da importância da inovação para o desenvolvimento econômico e, depois, a teoria do desenvolvimento econômico de Schumpeter que em consonância com o objetivo deste trabalho, tem a inovação, a destruição criadora e o progresso tecnológico como pilares.

4.1. A IMPORTÂNCIA DA INOVAÇÃO PARA O CRESCIMENTO ECONÔMICO

A inovação tecnológica se constitui em um dos mais importantes meios pelos quais diversas nações obtiveram impulsos para o seu desenvolvimento econômico (catching-up). Para Tigre (2006, pág. 2), a inovação “[...] constitui uma ferramenta essencial para aumentar a produtividade e a competitividade das organizações, assim como para impulsionar o desenvolvimento econômico de regiões e países”. Tigre também afirma que há muitos exemplos de países que “[...] vêm conseguindo superar o subdesenvolvimento graças a investimentos em educação e tecnologia e à entrada bem-sucedida em setores mais inovadores e dinâmicos da economia [...]” (Tigre, 2006, pág. 2). De igual modo, Ruffoni et al (2014, pág. 1) aponta que é “possível afirmar que existe uma relação positiva entre progresso tecnológico e crescimento econômico”. Na mesma direção, Feitosa (2011, pág. 31) observa que “a inovação e o conhecimento passam a ser concebidos como os principais fatores que definem a competitividade e o desenvolvimento dos países”.

Trabalhos empíricos foram realizados a partir da década de 1950 na busca pelo entendimento das variáveis que determinam e o crescimento econômico (Ruffoni et al, 2014). Conforme Rosenberg (2006, pág. 49),

Na verdade, a crescente atenção dedicada aos historiadores econômicos ao progresso técnico nos últimos anos deveu-se, em grande medida, a um reconhecimento do papel central do progresso técnico no crescimento econômico. Esse reconhecimento pode ser atribuído aos artigos de Moses Abramovitz (1956) e Robert Solow (1957). Ambos os artigos exploraram a importância quantitativa do progresso técnico no crescimento econômico de longo prazo na economia norte-americana.

Solow (1957) foi o primeiro a inserir a variável tecnologia na função de produção (Torres, 2012). Além destes, esforços significativos foram feitos, como de Griliches (1957), Denison (1967), Romer (1986), Parker e Klein (1966) e outros.

Estudos estatísticos mais recentes foram feitos. Conforme aponta Ruffoni et al (2014), nos estudos de Pavitt e Soete (1982) e Fagerberg (1988), os resultados obtidos demonstraram a existência de uma relação positiva entre o nível das atividades de inovação e o da produtividade dos países. No resultado do estudo feito para o período de 1973 até 1983 e apresentado por Fagerberg (1988), Ruffoni et al (2014, págs. 5 e 6) destaca que “que os países apresentam uma tendência de relação positiva entre o nível de desenvolvimento tecnológico e o de crescimento econômico”, conforme pode ser observado nas figuras 2.1 e 2.2.


Figura 2.1: Relação entre P&D e PIBpc e entre PAT (valores médios da década). Fonte: Ruffoni et al (2014).


Figura 2.2: Relação entre PIBpc de 1973 a 1983 (valores médios da década). Fonte: Ruffoni et al (2014).

Ruffoni et al (2014) apresenta ainda outro estudo semelhante ao anterior, porém, levando em consideração o período de 1883 a 1993. O resultado obtido reforça “a tese de que gastos mais elevados de P&D tendem a empurrar um país para patamares superiores de renda” (Ruffoni et al, 2014, pág. 10).

Desta forma, Ruffoni et al (2014, pág. 12) conclui:

Constata-se uma evolução significativa das idéias quanto ao papel da tecnologia como um fator explicativo das diferenças nas taxas de crescimento econômico entre os países. Desde as considerações teóricas e ao longo dos dados apresentados, a importância da tecnologia como uma fonte de crescimento econômico ficou evidente.

Um estudo mais simples nesse sentido foi feito por Nicolsky (2001). Dada à afirmação frequente de que sem um maior investimento em ciência e tecnologia um pais não pode crescer, o autor analisa seis economias (americana, japonesa, alemã, francesa, taiwana e coreana) com “o propósito […] de reunir dados inter-relacionados de economia e P&D para que se possa questionar a veracidade dessa afirmativa” (Nicolsky, 2001, pág. 80).

À semelhança dos demais autores e estudos citados anteriormente, Nicolsky (2001) conclui:

Ou seja, precisamos urgentemente estabelecer um novo paradigma para o nosso desenvolvimento, para que este gere um crescimento sustentado a longo prazo e dependa essencialmente das nossas próprias decisões. Esse paradigma é a inovação tecnológica e, no esforço de criar essa nova cultura, todas as instituições de pesquisa têm um papel fundamental e indeclinável. […] A opção pela inovação tecnológica é uma decisão estratégica mais ampla, que deveria ser um eixo de atuação, um norteamento e um fator de tração para uma política industrial de crescimento sustentado do país, com o objetivo de fazer a economia expandir-se, elevar o nível de emprego e da renda per capita, e, principalmente, de distribuí-la de forma mais justa. Portanto, deve estar inserida em um conjunto de políticas públicas.

Costa (2015, pág. 19), por sua vez, ressalta que “[…] a inovação é reconhecidamente considerada como se constituindo em um dos principais fatores de crescimento econômico e de melhoria das condições de vida das sociedades”.

Hoje, mais do que nunca, pontos importantes da Teoria do Desenvolvimento Econômico de Schumpeter parecem ter total contemporaneidade, apesar de ela ter sido concebida na primeira metade do século XX. Schumpeter foi o primeiro autor a dar relevada atenção à inovação tecnológica, representando um distanciamento da teoria neoclássica tradicional. “Na obra de Schumpeter”, aponta Bezerra, “a inovação passa a ser enxergada como a principal responsável pela diversidade e variedade no sistema, afastando o sistema das posições de equilíbrio” (Bezerra, 2010, pág. 8).

4.2. SCHUMPETER E A TEORIA DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO

Schumpeter, em termos de proximidade histórica, estava relativamente próximo dos grandes nomes da Economia quando ainda estava na faculdade – apenas a pouco mais de cem anos dos primeiros escritos econômicos. Além disso, ele foi contemporâneo de alguns escritores – não só economistas – que talvez não imaginasse que teriam tão notoriedade ou reconhecimento quanto eles têm hoje, tais como Otto Bauer, Rudolf Hilferding, Emil Lederer e Lodwingvon Misses, John Maynard Keynes, Max Weber entre outros. Alguns deles participaram de seminários ao lado de Schumpeter, outros, foram oponentes em debates sobre economia. De todo modo, Schumpeter viveu em um momento em que a Ciência Econômica ganhava impulso e obtinha cada vez mais arcabouço teórico, momento do qual a escola neoclássica estava em voga e se desenvolvia.

4.2.1. O estado estacionário da economia

Schumpeter em seu segundo livro, denominado A Teoria do Desenvolvimento Econômico – Uma investigação sobre lucros, capital, crédito, juro e o ciclo econômico – publicado em 1911, inicia apresentando o fluxo circular da vida econômica para lançar as bases da sua teoria. A análise inicial do funcionamento da economia, conforme aponta Oliveira (2014, pág. 105)

É fundamental para Schumpeter, pois é de seus elementos constitutivos que se poderá, de um lado, identificar os fatores que dão início à mudança, ou ao desenvolvimento, e, de outro, apreender como interagem, neste processo, aqueles elementos, determinando os ciclos econômicos.

Segundo Schumpeter (1997), o comportamento econômico pode ser definido como sendo o comportamento dirigido para a aquisição de bens por troca ou produção, e dado que a esse comportamento todos nós nos voltamos, ele conclui que “todos devem, ao menos em parte, agir economicamente” (Schumpeter 1997, pág. 28). Nota-se que há uma separação social de classes, enquanto diferentes em suas atividades principais. A despeito de cada indivíduo se constituir um sujeito econômico, apenas uma parcela dos agentes está voltada para o aspecto econômico, enquanto a outra está voltada para outros aspectos, aponta Schumpeter (1997). Daquela parcela depende muito mais a vida econômica da sociedade do que desta, apesar de ambas estarem estritamente ligadas. Schumpeter (1997) concentra a sua análise naquele grupo social que tem como atividade principal o comportamento econômico e o usa para exemplificar o funcionamento da economia, antes de avançar na análise das causas do desenvolvimento econômico. Schumpeter (1997, págs.76-81) vai adiante, aprofunda seu estudo apresentando, na forma de uma “imagem mental de um mecanismo econômico”, um “Estado organizado comercialmente” que tem em vigor “a propriedade privada, a divisão do trabalho e a livre concorrência”. Na busca pela satisfação das suas necessidades, os agentes estão interligados e são interdependentes, na medida em que, de um lado, se estabelecem em uma rede de conexões econômicas e sociais precedente das relações comerciais e, de outro, estão todos na posição de compradores e de vendedores, produzindo ou consumindo algum bem produzido por outro. No modelo apresentado por Schumpeter (1997), todos os agentes, alicerçados em suas experiências empíricas anteriores, produzem a quantidade necessária para o consumo agregado. Ano após ano, a experiência precedente orienta a produção necessária para o atendimento das necessidades vigentes. “As famílias e as empresas tomadas individualmente agem, então, de acordo com elementos empiricamente dados e de uma maneira também empiricamente determinada” (Schumpeter 1997, pág. 28) A esse contínuo e imutável processo, Schumpeter (1997, págs. 27 e 28) chamou de fluxo circular da vida econômica. Ao observar que “em qualquer lugar do sistema econômico” há uma demanda “esperando solicitamente cada oferta” e que, portanto, “todos os bens encontram um mercado”, e que os vendedores aparecem como compradores “em medida suficiente para adquirir os bens que manterão seu consumo e seu equipamento produtivo no período econômico seguinte e no nível obtido até então, e vice-versa”, ele conclui que o fluxo circular da vida econômica é fechado e destaca: “o fluxo circular do sistema está fechado e todas as contribuições e cotas devem se cancelar reciprocamente qualquer que seja o princípio segundo o qual é feita a distribuição”. Contudo, as mudanças ou alterações que ocorrem na vida econômica não foram deixadas de lado na análise schumpeteriana, com isso, ele observou:

Obviamente, isso não significa que não possa haver alguma mudança em sua atividade econômica. Os dados podem mudar e todos agirão de acordo com essa mudança, logo que for percebida. Mas todos se apegarão o mais firmemente possível aos métodos econômicos habituais e somente se submeterão à pressão das circunstâncias se for necessário. (Schumpeter, 1997, pág. 28).

O fluxo circular da vida econômica apresentado por Schumpeter (1997) representa uma conexão com a teoria econômica neoclássica. Leon Walras (1996) fez uma das primeiras tentativas no sentido de explicar o equilíbrio econômico, iniciando os estudos da chamada Teoria do Equilíbrio Geral. Schumpeter (1997) volta a falar dessa posição de equilíbrio quando está tratando das mudanças que ocorrem no âmago do sistema, e destaca – o que também fizera no capítulo primeiro – que, no sistema econômico, há uma tendência para uma posição de equilíbrio, “tendência que nos dá os meios de determinar os preços e as quantidades de bens, e pode ser descrita como uma adaptação aos dados existentes em qualquer momento” (Schumpeter 1997, pág. 73). Porém, neste ponto em especial ele rompe com a teoria neoclássica ao introduzir a mudança econômica sob uma perspectiva diferenciada.

4.2.2. A perturbação do equilíbrio e o desenvolvimento endógeno

A posição de equilíbrio que foi citada no tópico anterior foi introduzida principalmente pela estrutura teórica e conceitual concebida na lei de Walras (1996) em seu livro Compêndio dos Elementos de Economia Política Pura – livro publicado em de 1938. A teoria do equilíbrio geral aponta que todos os preços e quantidades trocadas numa economia tendem a posição de equilíbrio – não necessariamente a mesma posição. Para Hunt & Lautzenheiser (2013, pág. 382),

A lei de Walras é, em realidade, uma identidade de definição. Mostra que, com qualquer conjunto de preços, a demanda por todas as coisas trocadas tem de ser igual à oferta de todas as coisas trocadas. […] Portanto, toda demanda individual é, ao mesmo tempo, uma oferta de alguma quantidade e, por isso, se essas procuras e ofertas individuais forem agregadas, os totais terão de ser iguais.

Por não se tratar do objeto de estudo deste trabalho, detalhes da Teoria do Equilíbrio Geral não são abordados. No estudo do desenvolvimento econômico, Schumpeter (1997) se depara com as mudanças existentes na vida econômica. Ele passa, então, a concentrar seus esforços em investigar esses fenômenos e como eles acontecem. Ao fazer isso, ao menos dois fatos ocorrem: primeiro, o seu inevitável rompimento com o princípio neoclássico da existência de uma economia completamente estática e, segundo, lança a base conceitual necessária para a inserção da inovação e do progresso tecnológico como motor do desenvolvimento econômico – processo que ocorre a partir de dentro.

Schumpeter (1997) observa a existência de dois tipos de mudanças: a mudança contínua e a mudança descontínua, sendo aquela passível da análise estática tradicional e esta, ao contrário, completamente fora do âmbito desta mesma análise. Nas suas palavras,

a análise ‘estática’ não é apenas incapaz de predizer as consequências das mudanças descontínuas na maneira tradicional de fazer as coisas; não pode explicar a ocorrência de tais revoluções produtivas nem os fenômenos que as acompanham. (Schumpeter 1997, pág. 73).

A análise estática só consegue averiguar a nova posição de equilíbrio após a ocorrência dessas mudanças descontínuas. Ao chegar à conclusão da incapacidade da análise estática, ele pontua:

A razão pela qual colocamos assim o problema e nos afastamos da teoria tradicional não reside tanto no fato de que as mudanças econômicas, especialmente, se não unicamente, na época capitalista, ocorreram efetivamente assim e não mediante adaptação contínua, mas reside no fato de serem elas fecundas” (Schumpeter, 1997, pág. 74).

Ao atribuir importância à dinâmica existente na vida econômica que surge em decorrência da perturbação do equilíbrio – em contraposição ao estado estático – Schumpeter (1997) afasta-se da teoria neoclássica, de modo que, para Feitosa (2011, pág. 32), “o enfoque schumpeteriano busca superar os limites da teoria neoclássica, embasado nos modelos de equilíbrio geral com mercados perfeitamente competitivos”. Oliveira (2014, pág. 1), referindo-se a Schumpeter, também aponta que a “sua principal obra, Teoria do desenvolvimento econômico [...] afastou-se da tradição dessa escola de considerar o crescimento como dado, prisioneiro de um quadro estacionário, e colocou a economia em movimento, […]”.

Mas em que a mudança econômica está relacionada com o desenvolvimento econômico? Schumpeter constrói um caminho lógico antes de iniciar o estudo do desenvolvimento econômico e demonstrar essa relação. A mudança descontínua e revolucionária ocorrida no âmago da vida econômica é o que impulsiona o seu desenvolvimento. Contudo, antes de se tratar das causas das mudanças descontínuas, deve se analisar a questão do desenvolvimento endógeno.

Conforme aponta Tigre (2006), a escola neoclássica via a mudança tecnológica como um fator externo, ou seja, como um fator exógeno. Costa (2014, pág. 13), por sua vez, aponta que no modelo teórico neoclássico “a análise de equilíbrio significa que o sistema econômico apenas ajusta-se às mudanças geradas externamente, mas sem alterar os seus parâmetros estruturais”. Desta forma, não há para a concepção neoclássica, no sistema econômico, tendência a mudanças e “elas, quando ocorrem, não se devem a movimentos endógenos, próprios do funcionamento da economia, mas de eventos que são estranhos a ela” (Costa 2014, pág. 13).

Contudo, Schumpeter (1997) reconhece apenas as mudanças que surgem dentro da vida econômica como aquelas que proporcionam o desenvolvimento econômico: “entenderemos por ‘desenvolvimento’, portanto, apenas as mudanças da vida econômica que não lhe forem impostas de fora, mas que surjam de dentro, por sua própria iniciativa” (Schumpeter 1997, pág. 74). Schumpeter (1997) baseia sua afirmação no fato de que se as mudanças que proporcionam o desenvolvimento econômico vierem de fora da vida econômica, não há, então, um desenvolvimento econômico, visto que esse desenvolvimento econômico não poderia ser explicado economicamente “e que as causas e portanto a explicação do desenvolvimento […]” deveriam "ser procuradas fora do grupo de fatos que são descritos pela teoria econômica” (Schumpeter 1997, pág. 74).

Mas não foi apenas Schumpeter (1997) que deu a devida atenção a mudança endógena como importante componente do desenvolvimento econômico. Possivelmente, Marx também o influenciou nessa questão. Tigre (2006, pág. 37) aponta,

A mudança tecnológica constitui um elemento fundamental na obra de Marx, tanto pela influência que tem no avanço da sociedade, quanto por seus impactos no processo de trabalho. Ele considera a tecnologia um elemento endógeno presente nas relações produtivas e na valorização do capital. (Grifo nosso).

Costa (2012, pág. 23) também observou o enfoque endógeno dado por Marx, ao afirmar que ele “identificou as forças principais da mudança como resultado endógeno do sistema, e menos pelos choques externos”.

Apesar de Schumpeter, em 1911, tratar do desenvolvimento como sendo endógeno, o trabalho seminal de Solow (1957), aponta Junior (2015), influenciou diversos outros estudos no sentido de demonstrar que o crescimento econômico se dava a uma série de fatores exógenos aos países. Contudo, a partir da década de oitenta, cerca de 20 anos após o trabalho seminal de Solow (1957), ocorre uma mudança na perspectiva do mainstream. Essa mudança ocorre, sobretudo, “[...] pela atribuição do crescimento econômico a fatores endógenos ao sistema, e não mais a fatores externos que afetam as economias nacionais” (Junior 2015, pág. 1).

4.2.3. A mudança na vida econômica

Uma vez apresentado que o desenvolvimento econômico se dá via mudanças internas, e não externas, Schumpeter (1997) passa a analisar onde, especificamente, ocorrem estas mudanças. De imediato Schumpeter (1997, pág. 75) aponta que elas ocorrem “[...] nos canais do fluxo, [...] que altera e desloca para sempre o estado de equilíbrio previamente existente”. Schumpeter (1997) observa ainda que essas mudanças – que são espontâneas e descontínuas – ocorrem na esfera da vida industrial e comercial, e não na esfera das necessidades dos consumidores dos produtos finais. Nesse ponto, há uma importante questão que norteará o restante da sua teoria, visto que ela passará a concentrar-se no produtor – e posteriormente introduzirá o empresário empreendedor. Schumpeter (1997) considera que a mudança econômica endógena propulsora do desenvolvimento econômico, ao que ele chama de inovação, não se dá no lado da demanda, e sim da oferta. Naturalmente, o comportamento dos consumidores e a sua fundamental importância na teoria do fluxo circular não são totalmente desprezados, porém, a mudança endógena que foi referida anteriormente não se dá nas necessidades dos consumidores – portanto, a ênfase dada por Schumpeter (1997) concentra-se na questão da mudança, que é muito mais intensa no lado da produção do que no lado do consumo. Com isso, Schumpeter (1997, pág. 76) aponta:

Entretanto, é o produtor que, via de regra, inicia a mudança econômica, e os consumidores são educados por ele, se necessário; são, por assim dizer, ensinados a querer coisas novas, ou coisas que diferem em um aspecto ou outro daquelas que tinham o hábito de usar.

O desenvolvimento a que se refere Schumpeter (1997) não é aquele proveniente de simples combinações novas e originadas de ajustes contínuos feitos no aparato produtivo. Essas pequenas mudanças contínuas não se caracterizam como sendo um fenômeno novo ou um desenvolvimento no sentido schumpeteriano, apesar de em alguns casos proporcionarem crescimento. A mudança referida por Schumpeter (1997, pág. 76) é aquela ocorrida de forma descontinuada, conforme ele aponta: “[...] na medida em que não for este o caso, e em que as novas combinações aparecerem descontinuamente, então surge o fenômeno que caracteriza o desenvolvimento.” As novas combinações que darão origem as mudanças e consequentemente ao desenvolvimento econômico, conforme Schumpeter (1997, pág. 76) são:

Introdução de um novo bem;

Introdução de um novo método de produção;

Abertura de um novo mercado;

Conquista de uma nova fonte de oferta de matéria-prima ou de bens semimanufaturados;

Estabelecimento de uma nova organização de qualquer indústria, como a criação de uma posição de monopólio.

4.2.4. A destruição criadora e a empresa monopolista

Essas mudanças ocorridas no ventre da vida econômica e que são fruto das novas combinações – que Schumpeter (1997) atribui cinco tipos – produzem o processo chamado por ele de destruição criadora ou destruição criativa. Trata-se de um processo de “[...] mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o antigo e criando elementos novos” (Schumpeter 1934, pág. 110). Schumpeter (1997) em sua Teoria do Desenvolvimento Econômico publicada em 1911 atribui ao empresário empreendedor o título de agente principal do desenvolvimento econômico capitalista. Porém, em seu livro Capitalismo, Socialismo e Democracia, publicado em 1934, essa prerrogativa recai não mais ao empresário, e sim as inovações:

O impulso fundamental que põe e mantém em funcionamento a máquina capitalista procede dos novos bens de consumo, dos novos métodos de produção ou transporte, dos novos mercados e das novas formas de organização industrial criadas pela empresa capitalista. (Schumpeter 1961, pág. 110)

Para Schumpeter (1961, pág. 110), “este processo de destruição criadora é básico para se entender o capitalismo. É dele que se constitui o capitalismo e a ele deve se adaptar toda a empresa capitalista para sobreviver”.

Com o advento das inovações e das tempestades de destruição criadora, a concorrência passa a não ser apenas via preços, mas, sobretudo, a vias de ordem qualitativas, representadas por “novas mercadorias, novas técnicas, novas fontes de suprimentos, novo tipo de organização. [...] tal tipo de concorrência é muito mais eficaz do que o outro.” (Schumpeter 1961, pág. 112). Além disso, conforme aponta Schumpeter (1961, pág. 134) “[...] a concorrência perfeita desaparece, e sempre desapareceu, em todos os casos em que surge qualquer inovação”. Portanto, a empresa monopolista adquire especial atenção de Schumpeter (1961) no processo de desenvolvimento econômico. Ao analisar com maiores detalhes onde ocorre o maior progresso, ele conclui que “[...] a pista não nos conduz às portas das firmas que funcionam em condições de concorrência comparativamente livre, mas exatamente aos portões das grandes empresas [...]” (Schumpeter 1961, pág. 112). A firma atuante no sistema de concorrência perfeita é, em diversos casos, inferior em eficiência interna – principalmente tecnológica – em relação às grandes empresas. Assim sendo, reside na grande empresa – ou nas empresas monopolistas – uma maior probabilidade de surgirem as inovações tecnológicas. Essas empresas, conforme Schumpeter (1961, pág. 130):

Não surgem apenas no processo da destruição criadora e funcionam de maneira inteiramente diferente do esquema estático, mas, em numerosos casos de importância decisiva, proporcionam a forma necessária para a obtenção do êxito. Criam a maior parte daquilo que exploram. Daí a conclusão habitual de que a influência que exercem, sobre a produção a longo prazo carece de valor.

Isso porque o monopolista dispõe de métodos superiores aos demais métodos existentes nos pequenos empreendimentos, permitindo a grande empresa vantagens em suas políticas de P&D. E não apenas isso, o monopolista possui também privilégios de ordem financeira e de fornecimento, além de acesso a preços mais competitivos do ponto de vista de seus insumos. Igualmente, no que se refere ao desenvolvimento tecnológico, à empresa monopolista “[...] pode alargar a esfera de influência dos cérebros privilegiados [...]” (Schumpeter 1961, pág. 130) ou obter melhores sistemas ou equipamentos de pesquisa e desenvolvimento, obtendo, com isso, vantagens que podem não estar acessíveis aos pequenos empreendimentos.

Por fim, Schumpeter (1961, pág. 136) conclui que “[...] devemos [...] reconhecer que a grande empresa transformou-se no mais poderoso motor desse progresso e, em particular, da expansão a longo prazo da produção total.”

4.2.5. O crédito bancário

Schumpeter (1997) trata o crédito bancário como componente necessário para o financiamento das novas combinações que produzirão as mudanças e argumenta que nem mesmo a ortodoxia conservadora poderia negar que a estrutura industrial do início do século XX teria se erguido sem o crédito. Com isso, Schumpeter (1997) faz uma conexão entre o crédito e as inovações ao afirmar “[...] que o crédito é primariamente necessário às novas combinações” e que “[...] na realização de combinações novas, o ‘financiamento’, como um ato especial, é fundamentalmente necessário, na prática como na teoria” (Schumpeter 1997, pág. 80). Além disso, Schumpeter (1997) define o banqueiro – a quem ele atribui o título de capitalista “par ecellence” – como sendo “essencialmente um fenômeno do desenvolvimento” e quem torna “possível à realização de novas combinações,” e “autoriza as pessoas, por assim dizer, em nome da sociedade, a formá-las. É o é foro da economia de trocas” (Schumpeter, 1997, pág. 83).

4.2.6. O empresário empreendedor

Schumpeter (1997) considera que a causa principal do desenvolvimento econômico não reside nas novas combinações de meios de produção ou na introdução de novos bens, tampouco não abertura de um novo mercado. Também não pertence ao crédito essa prerrogativa, mas sim ao empresário5. Conforme Marins (2006, pág. 4), para Schumpeter (1997)o desenvolvimento econômico está fundamentado em três pilares básicos, a saber: o crédito bancário, as inovações tecnológicas e a figura do empreendedor [...]”. Calazans (1992, pág. 641) também aponta que “o sistema teórico schumpeteriano está assentando sobre três elementos essenciais: a teoria da inovação, o empresário e a criação do crédito...”. São, portanto, estes os elementos com a qual Schumpeter trabalha em sua análise, porém, ele afirma: “embora os três elementos formem um todo, o terceiro pode ser descrito como o fenômeno fundamental do desenvolvimento econômico” (Schumpeter, 1997, pág. 83).

A partir daí o empresário assume grande importância na teoria shumpeteriana. Schumpeter (1997) inicia fazendo uma distinção entre empresários e capitalistas, sendo os últimos essencialmente apenas aqueles que detêm o capital – distinção já existente e aceita em sua época. Já ao tratar da pessoa do empresário, Schumpeter (1997) se afasta do conceito tradicional da sua época [...] ao deixar de incluir todos os dirigentes de empresas, gerentes ou industriais que simplesmente podem operar um negócio estabelecido...” (Schumpeter 1997, pág. 83). Schumpeter (1997, pág. 85) rejeita ainda a definição “[...] marshalliana do empresário, que trata a função empresarial simplesmente como ‘administração’”, por não ressaltar o que considera “ser o ponto chave e o único que distingue especificamente a atividade empresarial de outra”. O ponto chave, para Schumpeter (1997), pode ser observado quando ele afirma:

Mas, qualquer que seja o tipo, alguém só é um empresário quando efetivamente ‘levar a cabo novas combinações’, e perde esse caráter assim que tiver montado o seu negócio, quando dedicar-se a dirigi-lo, como outras pessoas dirigem seus negócios. (Schumpeter 1997, pág. 86).

A distinção apresentada por Schumpeter (1997) perdura até os dias atuais. Frequentemente é possível observar expressões como “[...] empreendedor schumpeteriano [...]” (Araújo 2012, pág. 23), “[...] empresário schumpeteriano [...]” (Calazans 1992, pág. 640), “[...] empresário inovador [...]” (Oliveira 2014, pág. 99) referindo-se ao empreendedor que não apenas administra um negócio ou detém o capital, mas que constantemente apresenta produtos ou serviços inovadores. Para Schumpeter (1997), a capacidade de realizar combinações novas existe em um número muito pequeno de pessoas. Portanto, “[...] os empresários são um tipo [de pessoa] especial, e o seu comportamento um problema especial, a força motriz de um grande número de fenômenos significativos” (Schumpeter 1997, pág. 88 – 89).

Nesse sentido, conforme Feitosa (2011, apud Cário e Pereira, 2002), pode-se afirmar que “o desenvolvimento econômico é resultado da ruptura do fluxo circular em determinado momento e o estímulo para o início de um novo ciclo está na inovação tecnológica, resultante da ação de empresários empreendedores”. Para Marins (2016, pág. 4), “os empreendedores são os responsáveis pelo desenvolvimento econômico, pois eles alimentam o dinamismo do sistema econômico, tornando-o competitivo e gerador de novas oportunidades”. Deixando de lado a figura do empresário empreendedor, Schumpeter (1997) passa a tratar dos ciclos econômicos para reforçar a sua tese acerca das inovações.

4.2.7. O ciclo econômico

De maneira geral, o ciclo econômico refere-se a um período de tempo em que ocorrem uma expansão ou uma retração da atividade econômica agregada. Conforme Araújo (2012, pág. 13 apud Possas, 1987, p. 42), “o ciclo, com maior ou menor ênfase na causalidade econômica, é visto como fruto de perturbações ou desajustes que geram flutuações em torno de uma posição [...] de equilíbrio”. O conceito de ciclo econômico é amplamente discutido na literatura econômica, obtendo conceitos diferenciados pelo mainstream (frequentemente ortodoxos) e pela heterodoxia econômica. Os pesquisadores dos ciclos também podem, por sua vez, serem classificados em dois grupos: os estatísticos econômicos e os teóricos dos ciclos econômicos. Enquanto os primeiros buscam descrever os fatos observados, os últimos objetivam encontrar as causas das flutuações econômicos observadas pelos estatísticos (Araújo, 2012).

Para Araújo (2012) a definição de ciclo econômico oferecida por Burns e Mitchell (1946) é bastante difundida:

Business cycles are a type of fluctuation found in the aggregate economic activity of nations that organize their work mainly in business enterprises: a cycle consists of expansions occurring at about the same time in many economic activities, followed by similarly general recessions, contractions, and revivals which merge into the expansion phase of the next cycle; this sequence of changes is recurrent but not periodic; in duration business cycles vary from more than one year to ten or twelve years; they are not divisible into shorter cycles of similar character with amplitudes approximating their own. (Araújo 2012, pág. 13 apud Burns & Mitchell, 1946, p. 03).

A partir desta definição de Burns e Mitchell (1946), cincos pontos principais podem ser observados nos ciclos econômicos, a saber: (i) são flutuações da atividade econômica agregada, e não de uma atividade específica; (ii) há expansões e contrações da atividade econômica; (iii) as variáveis econômicas apresentam movimentos conjuntos e apresentam padrões regulares e previsíveis ao longo do ciclo econômico; (iv) o ciclo econômico é recorrente, porém, não é periódico, não sendo possível determinar com precisão as suas manifestações; e (v) o ciclo econômico é persistente.

De outra forma, pode-se compreender o ciclo econômico como sendo um processo transitório de desequilíbrio em relação ao estado de equilíbrio geral da economia. As causas destes desequilíbrios são amplamente oferecidas pela literatura econômica através das várias correntes de estudo, como, por exemplo, àquelas apresentadas pelo maisntream, por Schumpeter, por Keynes, por Harrod, dentre outros. Contudo, não serão apresentadas no presente trabalho todas estas diferentes abordagens dos ciclos econômicos, apenas a abordagem schumpeteriana.

Schumpeter (1997) entende que os ciclos econômicos ocorrem em decorrência das inovações tecnológicas:

O boom termina e a depressão começa após a passagem do tempo que deve transcorrer antes que os produtos dos novos empreendimentos possam aparecer no mercado. E um novo boom se sucede à depressão, quando o processo de reabsorção das inovações estiver terminado” (Schumpeter 1997, pág. 202).

Essas inovações, que Schumpeter (1961, pág. 110) chama de revoluções, “são permanentes” e “ocorrem em explosões discretas, separadas por períodos de calma relativa”. Este processo, porém, jamais deixa de acontecer “no sentido de que há sempre uma revolução ou absorção dos resultados da revolução, ambos formando o que é conhecido como ciclos econômicos” (Schumpeter 1961, pág. 110).

Schumpeter (1997, pág. 203) considera que as situações alternantes existentes no sistema econômico capitalista “são a forma que o desenvolvimento econômico toma na era do capitalismo” e que “a flutuação econômica em forma de onda, e não a própria crise, aparece como a coisa fundamental a ser explicada”. Para Schumpeter (1997, pág. 204), “o nexo causal começa antes de tudo com os meios de produção que são comprados com o capital e que o boom se materializa antes de tudo na produção de plantas industriais (fábricas, minas, navios, ferrovias etc.)”. Schumpeter (1997) explica esse boom como sendo criado a partir do aparecimento generalizado de novos empreendimentos sobre os empreendimentos já existentes, considerando que esses novos empreendimentos não surgirão a partir dos antigos, mas representarão um rompimento e atuarão ao lado deles, eliminando-os através da concorrência do mercado. Esse processo conduzirá a economia a um estado de desequilíbrio, a um boom. Contudo, o esgotamento deste processo, ou seja, quando sucede uma grande difusão da inovação e ocorre a absorção dela pelo mercado, sobrevém um período de depressão econômica.

4.3. AS CRÍTICAS A TEORIA SCHUMPETERIANA

Apesar da sua importante contribuição, as formulações de Schumpeter acerca do progresso técnico apresentaram deficiências em diversos aspectos, ou se mostraram insuficientes frente às diversas questões que surgiram posteriormente. Questões como, por exemplo, qual a direção do pregresso técnico bem como o seu ritmo, como ocorre o processo de geração das inovações, como se dá a difusão tecnológica, dentre outras. Conforme Marins (2006, pág. 4), “a despeito de todos os méritos da abordagem schumpeteriana, há uma série de críticas [...] especificamente no que se refere ao tratamento dado à inovação tecnológica”. Já para Torres (2012), apesar de explicar toda a importância da inovação para o desenvolvimento econômico, Schumpeter “não elaborou uma teoria de inovação propriamente dita.” (Torres, 2012, pág. 13).

Marins (2006, pág. 5), avalia que Schumpeter (1912, 1942) “[...] acaba não examinando como se dá o processo de geração e difusão tecnológica em si. A inovação tecnológica, assim, acaba sendo vista como uma caixa-preta.” Com isso, a teoria schumpeteriana se mostra insuficiente para demonstrar, por exemplo, o funcionamento do processo de inovação no âmbito intra-organizacional (Marins, 2006). Meier & Baldwin (1968) assim como para Baran & Sweezy (1966), por sua vez, criticam a visão Schumpeteriana que coloca as inovações no centro das crises (Moricochi & Gonçalves 1994). Baran & Sweezy (1966) destacam ainda a baixa frequência da destruição criadora no capitalismo monopolista ao afirmar que “[...] no capitalismo monopolista o ritmo pelo qual as novas técnicas substituirão as velhas será mais lento do que a teoria econômica tradicional nos leva a supor” (Baran & Sweezy, 1966 apud Moricochi & Gonçalves, 1994).

Um importante trabalho crítico foi feito pela autora Carolyn Solo (1951) em Inovation in the capitalist process: a critique of the Schumpeterian theory. Em primeiro lugar, conforme Torres (2012), a economista discorda da distinção e da possível desconexão entre invenção e inovação, apresentados por Schumpeter. Torres (2012) avalia que se ‘invenção’ é definida como a criação de novo conhecimento, a mudança tecnológica resulta da aplicação desse novo conhecimento, [...] este não pode ocorrer sem aquele.” (Torres 2012, pág. 13). Em segundo lugar, Solo (1951) argumenta que Schumpeter (1997) não explica em sua teoria a origem da inspiração do empreendedor para realizar novas combinações (Torres, 2012). Em terceiro lugar, Solo (1951) afirma que a “[...] inovação não requer necessariamente novas empresas e novas instalações, as invenções e sua aplicação podem ser feitas pelas empresas já estabelecidas” (Torres 2012, pág. 14). Além destes três pontos, Moricochi & Gonçalves (1994) apontam que Solo (1951) não concorda com a afirmação de que não sobrevive a firma que não inova. Conforme os autores, a inovação pode ser considerada apenas com um dos esforços da firma na busca pela sobrevivência. Afirmam que “há casos [...] em que uma firma que está inovando é deslocada por outra que não inova, mas que dispõe de maior poderio econômico ou capacidade e habilidade de venda” (Moricochi & Gonçalves 1994, pág. 33). Desta forma, para os autores, a concepção de Solo (1951) de que a afirmação de Marshall, segundo a qual a firma se utiliza de todas as armas ofensivas a que dispõe na busca pela sobrevivência, parece ser mais apropriada do que a ênfase dada por Schumpeter à inovação.

Celso Furtado (1983) também apresenta uma análise com importantes críticas a Teoria do Desenvolvimento Econômico de Schumpeter em seu livro Teoria e Política do Desenvolvimento Econômico. Em sua análise, Schumpeter encontrava-se em posição privilegiada ao observar o processo econômico do lado da produção. Essa mudança de perspectiva, conforme Furtado (1983), é que torna a obra de Schumpeter tão atual e o distancia dos neoclássicos. Contudo, Furtado (1983, pág. 45) avalia que a TDE “[...] vale mais pela mudança de enfoque que por sua capacidade explicativa do processo de desenvolvimento econômico”. O espírito da empresa, elemento constante na TDE, também é criticado por Furtado (1983) ao observar que Schumpeter (1997) o coloca como “[...] uma categoria abstrata, independente do tempo e de toda ordem institucional. É, aparentemente, um dom do espírito humano, assim como a ‘propensão para troca’ de Adam Smith.” (Furtado, 1983, pág. 45). Com as suas formulações acerca da mudança que ocorre na vida econômica e do estabelecimento de um novo equilíbrio, a TDE de Schumpeter mais se aproxima de uma teoria do lucro do que de uma teoria do desenvolvimento, aponta Furtado (1983). Além disso, a ideia de desenvolvimento formulada por Schumpeter (1997) se apresenta vaga e o conceito de “novas combinações” ou “inovação” oferecido também não é claro (Furtado 1983). Furtado (1983) também contraria Schumpeter (1997) ao afirmar que a inovação não é necessariamente o resultado do espírito de empresa, “[...] é muitas vezes resultado do esforço das empresas para encontrar aplicações para os cursos que se lhes acumulam automaticamente” (Furtado 1983, pág. 46). Para mais, o aumento do lucro pode ser obtido através da redução de custos, portanto, a introdução de inovações (sejam melhorias técnicas, de processos ou ainda novas combinações) encontra aí um grande estímulo. Por fim, Furtado (1983, pág. 47) afirma que “a teoria das inovações é de enorme importância mas conduz a equívoco pretender formulá-la independentemente da teoria da acumulação de capital”. Desta forma, Furtado (1983) demonstra que a espinha dorsal do processo de geração de inovações encontra-se na acumulação de capital que, apesar de Schumpeter (1997) reconhecer isso, ele o faz afirmando que a introdução de uma inovação fará surgir, por meio do sistema de crédito, os recursos necessários para o financiamento desta inovação. Furtado (1983), porém, refere-se à necessidade da acumulação de capital para o processo de difusão tecnológica, tão importante para o desenvolvimento econômico. Observa ainda à ausência, na teoria do desenvolvimento de Schumpeter, dessa questão. Com efeito, aponta que o simples fato de se introduzir “[...] uma nova máquina numa economiacomo a máquina de tear – “não é um puro ato de inovação, pois exige a convergência de determinadas condições que a justifiquem economicamente” (Furtado 1983, pág. 47).

Para Costa (2014, pág. 9), Schumpeter “[...] não deixou um corpo teórico estruturado e bem desenvolvido sobre a geração e a difusão de inovações para fundamentar a mudança econômica. Essa tarefa”, prossegue, ficou a cargo dos “economistas denominados evolucionários ou neoschumpeterianos”.

Conforme Feitosa (2011), duas correntes investigativas surgiram após as ideias de Schumpeter. A primeira consiste tão somente em uma gama de trabalhos estatísticos para o apontamento das inovações em determinados períodos. A segunda se desenvolve no sentido mais estrutural, analisando o processo de constituição das configurações tecnológicas. Essa última que, conforme Feitosa (2011), origina os neoschumpeterianos, analisa o “[...] processo de transformação econômica e institucional sob o impacto das inovações tecnológicas, bem como a relação entre cada momento histórico e a inovação [...]” (Feitosa 2011, pág. 33), e tem por objetivo apontar a emergência de novas técnicas e novos sistemas econômicos. No âmago dessa discussão, surgem duas linhas de estudo, a saber: a corrente evolucionista (americana) e a corrente inglesa (representada pelos economistas da Sussex) (Bezerra, 2010; Feitosa, 2011). Os principais expoentes evolucionistas são Nelson e Winter, já os principais expoentes da corrente inglesa são Giovanni Dosi, Keith Pavitt, Christopher Freeman, Luc Soete, Franco Malerba, Gigi Orsenigo e Carlota Perez, dentre outros (Bezerra, 2010; Feitosa, 2011).

5. A ABORDAGEM NEOSCHUMPETERIANA ACERCA DO PROGRESSO TÉCNICO6

Não muito tempo após as formulações de Schumpeter, diversas questões acerca da inovação tecnológica foram apresentadas sem que se encontrassem as respostas na teoria schumpeteriana. Questões sobremodo importantes como, por exemplo, acerca do processo de difusão tecnológica (que é tão, ou talvez, mais importante, que o próprio processo de inovação). Além disso, Schumpeter (1961; 1997) não apresenta uma estrutura teórica acerca do processo de geração e difusão das inovações. Uma tentativa de apresentar esta estrutura e diversos outros aspectos importantes acerca da inovação tecnológica foi feita por diversos autores, os chamados neoschumpeterianos. Neste capítulo são apresentadas as principais formulações acerca do progresso técnico sob a perspectiva de autores posteriores a Schumpeter – e até mesmo contemporâneos – influenciados por ele ou não. Para o atingimento deste objetivo, este capítulo foi subdivido em dois principais sub tópicos. O primeiro apresenta uma resumida historiografia – pós Schumpeter – das principais formulações acerca do progresso técnico que se traduziram em um complemento ou um contraponto às formulações schumpeterianas. O segundo apresenta de maneira resumida a contribuição dos principais autores neoschumpeterianos para as questões acerca dos paradigmas e trajetórias tecnológicas, os mecanismos de indução do progresso técnico, a teoria evolucionária da mudança econômica, e o processo de difusão, aprendizado e apropriabilidade tecnológica.

5.1. SÍNTESE HISTÓRICA DA TEORIA DA INOVAÇÃO PÓS SCHUMPETER

Conforme Carneiro (2003), uma pesquisa realizada em 1990 apontou mais de mil e novecentos trabalhos que faziam referência às contribuições de Schumpeter, o que demonstra a abrangência da influência schumpeteriana sobre diversos autores. Muitos, na busca por dar prosseguimento às formulações acerca da inovação feitas principalmente por Schumpeter, apresentaram diversas obras contendo trabalhos empíricos, ensaios, análises, conceitos, classificações, alternativas, etc. Obviamente, torna-se muito difícil ou talvez impossível a reunião de toda esta literatura em um único capítulo. Por esta razão, a seguir está apresentada apenas uma pequena parcela desta bibliografia.

Um primeiro trabalho foi feito pelo autor russo naturalizado americano Simon Kuznets (1930), contemporâneo de Schumpeter, acerca do importante papel da inovação de produtos no crescimento econômico de longo prazo (Rosenberg, 2006). Para Kuznets (1930) “[...] as altas taxas de crescimento agregado das economias industrializadas têm sido o reflexo de mudanças contínuas na composição do setor industrial e de seu catálogo de produtos” (Kuznets 1930 apud Rosenberg 2006, págs. 19-20). Com isso, pode se dizer que Kuznets (1930) faz coro com Schumpeter (1997) tanto no que se refere à mudança na vida econômica no lado produtivo – e não no lado da demanda – como também no crescimento endógeno. Contudo, Kuznets (1930) se distancia na questão da continuidade, visto que Schumpeter (1997) avalia que o crescimento econômico advém de mudanças descontínuas e não contínuas. Contudo, não foi apenas Kuznets (1930) que admitiu a continuidade das mudanças. Naturalmente, não havia consenso entre os economistas acerca disso. Rosenberg (2006) aponta que havia uma outra escola de pensamento – em contraste com a schumpeteriana – que considerava as mudanças tecnológicas continuas e não descontínuas e essa escola pode ter a sua origem traçada até Marx.

Diferentemente de Kuznets (1930), Strassmann (1959) se opôs a visão schumpeteriana ao observar os dados da produção americana no período de 1850 a 1914 e concluir que tecnologias novas e antigas coexistiram tranquilamente durante várias décadas (Rosenberg, 2006). Com isso, ele pretendia demonstrar que a produção daqueles bens produzidos com as tecnologias antigas continuou a crescer, mesmo após a introdução de novas tecnologias (inovações). Em suas palavras:

With the growing emphasis on structural change and Schumpeterian innovation in economic development, the paradoxical concept “creative destruction” has come into wide use among economists and economic historians. [...] But the concept has been applied to economic situations rather casually. This paper suggests that “creative destruction” is not an at description of the way dominant production methods succeeded one another in the United States from 1850 to 1914. (Strassman 1959, pág. 335).

A.P. Usher (1954), historiador econômico americano, introduziu um ponto importante na teoria da inovação ao apresentar a cumulatividade, no processo inventivo, como fator significativo. Diferentemente de Schumpeter (1939; 1997), que via apenas a inovação sob a forma de destruição criativa – aquela que aparece destruindo a tecnologia antiga e criando a nova – como sendo de fundamental importância para o desenvolvimento econômico, “Usher chamou atenção [...] para a importância cumulativa, no processo inventivo, de um grande número de mudanças, individualmente de pequena magnitude” (Rosenberg 2006, pág. 22). Usher (1954) também se distanciou de Schumpeter ao preocupar-se em analisar a natureza do processo inventivo e as forças que o influenciavam, e não simplesmente as suas implicações (Rosenberg, 2006). Ademais, Usher (1954) apresenta um esclarecimento acerca da distinção entre invenção, inovação e mudança tecnológica (Rosenberg, 2006).

Dado que Schumpeter (1934; 1997) ocupou-se mais intensamente com as consequências das inovações e Usher (1954) com as suas origens, uma tentativa de unir e harmonizar os elementos de ambos os trabalhos foi feito por Vernon Ruttan (1959), economista americano. Conforme Rosenberg (2006, pág. 23), Ruttan (1959) “[...] sugeriu como a teoria de Usher pode ser usada para complementar a teoria de Schumpeter nos casos em que está última se mostra fraca e talvez deficiente”. Contudo, observa Torres (2012), Ruttan (1959) considera a distinção entre invenção e inovação pouco relevante. Apesar disso, sugere um adjetivo complementar as inovações, de acordo com a sua natureza:

Então, para Ruttan, sob o guarda-chuva da ‘inovação’ estariam todas as ‘novas coisas’ nas áreas da ciência, da tecnologia e da arte. Assim, quando for necessária maior precisão na definição, o termo ‘inovação’ poderia ser acompanhado de um adjetivo, como ‘inovação científica’, ‘inovação técnica’, ‘inovação organizacional’. (Torres 2012, pág. 8).

Seabury Colum Gilfillan (1935a; 1935b), sociólogo americano, também apresenta o progresso técnico como se consistindo de um contínuo acréscimo de pequenas melhorias (Rosenberg, 2006), em contraposição à formulação schumpeteriana que dava ênfase as inovações de grande porte. Para Rosenberg (2006) apesar de Gilfillan (1935) estar mais preocupado com as questões sociais do progresso técnico, ele fornece uma importante e detalhada visão da natureza gradual e fragmentária do processo histórico deste progresso. Louis Hunter (1949), em seu livro Steamboats on the western rivers, an economic and technological history também apresentou as inumeráveis adaptações e pequenos melhoramentos realizados por vários artesãos, contramestres e mecânicos durante a histórica do barco a vapor nos Estados Unidos (Rosenberg, 2006).

Dado o abandono da escola neoclássica a análise do progresso técnico, uma tentativa de retomar a discussão acerca da importância da inovação para o crescimento econômico foi feita Robert Solow (1957) e Moses Abramovitz (1956). Em seus trabalhos pioneiros, Solow (1957) e Abramovitz (1956) quantificam os determinantes do crescimento do produto per capta dos Estados Unidos durante o período 1909 a 1949 e 1869 a 1953, respectivamente (Costa, 2014). O resultado dos estudos feitos pelos autores aponta que o desempenho econômico norte americano pouco se deu devido ao emprego dos fatores de produção de capital e de trabalho (Costa, 2014). No estudo de Solow (1957), uma parte significativa do crescimento (87,5%) não era explicada pelo uso destes fatores. Torres (2012) observa que esse resíduo se refere à contribuição da mudança técnica. Abramovitz (1956), por sua vez, observa que no período analisado – 1869 a 1953 – o produto nacional líquido per capta praticamente quadriplicou, ao passo que a população e o capital per capta triplicaram. Esses dados, argumenta Torres (2012, pág. 8) “[...] sugerem que o incremento não se deve apenas ao aumento na disponibilidade de recursos, mas também de outro elemento, nomeadamente, ganhos de produtividade”. Estes ganhos de produtividade teriam as suas causas em gastos específicos em investimentos em pesquisa, educação, saúde.

[...] podemos, eventualmente, ser capazes de atribuir com precisão a contribuição de cada um desses recursos à medida que aprendermos a traçar a conexão entre esse investimento no conhecimento e sua contribuição marginal social [...]. Além deste ponto, no entanto, existe o crescimento gradual do conhecimento aplicado que é, sem dúvida, o resultado da atividade humana, mas não desse tipo de atividades que envolvem a escolha custosa que nós pensamos como insumo econômico. (Abramovitz, 1956 apud Torres 2012, pág. 9).

Por sua vez, Richard Nelson (1959), conforme aponta Torres (2012), apresentou um trabalho fundamental para descrever as invenções, sobretudo no que se refere à pesquisa científica básica e a sua relação com o progresso tecnológico. Segundo Torres (2012), devido aos resultados incertos e o tempo que pode demorar para uma invenção tornar-se útil para a sociedade, “[...] a pesquisa básica tem sido financiada, em sua grande maioria, pelos governos e por instituição sem fins lucrativos, como as universidades” (Torres 2012, pág. 15). Além de Nelson (1959), Arrow (1962a) também explora o papel das invenções e da pesquisa básica. Para Torres (2012, pág. 16),

Arrow conclui que o esforço inventivo da iniciativa privada é menor do que o socialmente desejado, e que esse espaço pode ser preenchido pelo governo, universidades e institutos de pesquisa, cujo incentivo à atividade inventiva não reside exclusivamente na exploração comercial de seus resultados (como é o caso da pesquisa básica).

Jacob Schmookler (1962), no entanto, apresentou um trabalho empírico com conclusões diferentes das conclusões de Nelson (1959) e Arrow (1962a). Conforme Torres (2012, pág. 16), “[...] o autor defende que a demanda da sociedade exerce influência determinante sobre a atividade inovadora”. Desta forma, não seria o avanço científico um importante fator a determinar o progresso das inovações, e sim a demanda. Conforme Schmookler (1962, pág. 1):

The fundamental conclusion of this paper is that technological progress is intimately dependent on economic phenomena. The evidence suggests that society may indeed affect the allocation of invective resources through the Market mechanism somewhat as it affects the allocation of economic resources generally.

Albert Fishlow (1966), economista americano, em consonância com Usher (1954), Gilfillan (1935a; a935b), Hunter (1949), apresenta um estudo acerca da produtividade e o progresso técnico no sistema ferroviário norte americano e conclui que “seu carácter cumulativo e a ausência de uma inovação singular marcante não devem ocultar sua rapidez. No espaço de cerca de quarenta anos – de 1870 a 1910 –, a capacidade dos vagões de carga mais que triplicou” (Fishlow 1966, pág. 635 apud Rosenberg, 2006, pág. 24). Com isso, Rosenberg (2006, pág. 24) conclui que:

Fishlow constatou que a maior contribuição para a redução de custos se deveu, acima de tudo, a uma sucessão de melhoramentos no projeto de locomotivas e dos vagões de carga, embora esse processo não incluísse qualquer invenção memorável ou facilidade identificável.

A uma interessante conclusão chegou Samuel Hollander (1965) – importante economista francês na área de história do pensamento econômico. Conforme Rosenberg (2006, pág. 24), Hollander (1965) conclui que “[...] os efeitos cumulativos de pequenas mudanças técnicas sobre a redução dos custos foram maiores que os das grandes”. Hollander (1965), à semelhança dos autores citados anteriormente, se afasta expressivamente da formulação schumpeteriana sobre o impacto das inovações radicais (destrutivas) ao enfatizar o impacto das inovações incrementais. Mas não foi apenas Hollander (1965) que chegou a esta conclusão. Conforme Rosenberg (2006), Jonh Enos (1958; 1962) em seu estudo acerca de quatro importantes processos técnicos de refino de petróleo durante o século XX descobriu que as reduções de custos provenientes dos melhoramentos introduzidos posteriormente nas inovações principais foram muito maiores. Ele observa que “as evidências da indústria de refino de petróleo indicam que o aperfeiçoamento de um processo contribui muito mais para o progresso técnico do que o seu desenvolvimento inicial” (Enos 1958, pág. 180 apud Rosenberg 2006, pág. 24-25).

O Economista norte americano Paul Romer (1990) empreendeu uma tentativa de elaborar um modelo de crescimento econômico em que a mudança tecnológica fosse explicada endogenamente (Torres, 2012). Em seu trabalho, Romer (1990) parte de três premissas:

(i) a mudança tecnológica é o coração do crescimento econômico;

(ii) a mudança tecnológica decorre da ação intencional das pessoas de acordo com incentivos no mercado; e

(iii) o custo de criar uma invenção é fixo, mas ela pode ser usada várias vezes sem custos adicionais. (Torres 2012, pág. 11).

Romer (1990) identifica o capital humano como sendo um componente do nível tecnológico que tem as características dos bens econômicos tradicionais, podendo ser explorado economicamente e servir de incentivo à mudança tecnológica (Torres, 2012). Nesse sentido, Torres (2012, pág. 11) avalia que “[...] quanto maior a atividade inventiva e o capital humano, maiores devem ser os efeitos sobre o crescimento do produto de uma nação”

Na busca por responder se os avanços científicos direcionam o progresso tecnológico ou se cabem às necessidades sociais (demanda) essa prerrogativa, Christopher Freeman (1979, pág. 206) aponta que:

market demand is not necessarily the sole, or even the principal, determinant of the scale and direction of inventive and inovative activity - still less of scientific activity. Recent research shows that the influence of the markets may vary greatly with cyclic changes (birth, growth, and decline) and descontinuities in industry. In addition, change plays a far greater role in competitive survival and growth than it is comfortable to admit.

Em conjunto com Perez (1988), Freeman também apresenta uma taxonomia das inovações para entender como ocorrem as transformações das estruturas produtivas a partir da evolução tecnológica no decurso da história (Conceição, 2013). Para compreender as diferenças entre invenção, inovação e difusão,

Freeman e Perez (1988, p. 47) distinguem as inovações em quatro tipos: inovação incremental, inovação radical, novos sistemas tecnológicos e mudanças de paradigma tecnoeconômico, ou revoluções tecnológicas. (Conceição, 2013, pág. 91).7

Freeman (1979) também observa que a relação entre ciência, tecnologia e inovação não é idêntica em cada setor de atividade. Para Torres (2012), essa formulação deu origem a Taxonomia concebida por Pavitt (1984).

Por sua ordem, Pavitt (1984) propôs uma classificação de setores econômicos de acordo com a criação ou incorporação de inovações tecnológicas (Torres, 2012). Para Conceição (2012, pág. 58), “[...] Pavitt (1984) sugere uma ampla taxonomia buscando mostrar que os comportamentos das firmas e formas organizacionais são altamente afetados pelos padrões setoriais de inovação e aprendizado tecnológico”. Para Bezerra (2010), o objetivo do estudo de Pavitt (1984) é o de identificar diferentes grupos de indústrias de acordo com o seu padrão setorial de inovação. Desta forma, “[...] o autor considera as possibilidades de oportunidades tecnológicas, geração de conhecimento e cumulatividade de conhecimento tecnológico, apropriabilidade tecnológica e tacitividade do conhecimento” (Bezerra 2010, pág. 46). O resultado do trabalho de Pavitt (1984) demonstra que existem padrões diferentes de inovações, dadas as diferenças setoriais existentes – diferenças nas formas de aprendizado, nos vínculos com a ciência, nos critérios de busca e seleção de inovação, relação de cooperação entre as firmas, entre outros (Bezerra, 2010). A classificação formulada por Pavitt (1984) compreende cinco setores, a saber:

(i) setores dominados por fornecedores, em que a mudança tecnológica deriva, essencialmente, dos fornecedores de equipamentos e insumos;

(ii) setores dominados pela escala nos quais a acumulação tecnológica é gerada pelo projeto, pela criação e pela operação de sistemas produtivos complexos;

(iii) setores baseados em ciência, nos quais a tecnologia é gerada principalmente por atividades de P&D; e

(iv) setores fornecedores especializados que transmitem tecnologia para toda a indústria, na forma de software, instrumentos, insumos e componentes, máquinas. (Tigre 2006, pág. 139).

Duas outras taxonomias são apresentadas alternativamente. A primeira refere-se à formulada por Ferraz, Kupfer e Hanguenauer (1996), “[...] que diferenciam os setores segundo o padrão de competição e natureza do produto ou processo de produção” (Tigre 2006, pág. 139). Para estes autores, os setores são agrupados em produtores de commodities, setores tradicionais, produtores de bens duráveis e seus fornecedores e, por último, em difusores do progresso técnico (Tigre, 2006). A segunda taxonomia refere-se à apresentada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que classifica os setores industriais em alta, média-alta, média-baixa e baixa intensidade tecnológica (Cavalcante, 2014).

A partir da década de oitenta, trabalhos importantes para a literatura acerca do progresso técnico foram produzidos por duas linhas de estudo. A primeira, representada principalmente pelos autores americanos Richard R. Nelson e Sidney G. Winter e a segunda, representada principalmente pelos autores da universidade de Sussex, Giovanni Dosi, Keith Pavitt, Christopher Freeman, Luc Soete, Franco Malerba, Gigi Orsenigo e Carlota Perez (Bezerra, 2010; Feitosa, 2011). Alguns dos trabalhos destes e de outros autores são apresentados adiante.

5.2. A TAXONOMIA DAS INOVAÇÕES

Uma importante classificação das inovações foi feita por Freeman e Perez (1988) em Technical change and economic theory. Para os autores, há uma distinção entre invenção e inovação, e esta última classifica-se em quatro tipos: inovação incremental, inovação radical, novos sistemas tecnológicos e mudanças de paradigma tecnoeconômico, ou revoluções tecnológicas (Conceição, 2013).

Para Freeman e Perez (1988), as inovações incrementais, que são representadas por sucessivos melhoramentos em produtos e processos existentes, ocorrem a todo instante, seja na indústria ou na atividade de serviços, porém, com diferentes taxas entre indústrias e países (Conceição, 2013). Ganhos de eficiência técnica, aumento da produtividade, mudanças para melhoria da qualidade dos produtos e reduções de custos são exemplos de inovações incrementais (Conceição, 2013). Estas inovações podem ser resultado do trabalho de pesquisa e desenvolvimento (P&D), ou do incremento de melhorias promovidas por engenheiros, técnicos ou usuários finais. As inovações radicais, por sua vez, são representadas por eventos descontínuos e frequentemente fruto do trabalho de P&D das empresas, universidades ou laboratórios de pesquisas. Desta forma, as inovações radicais englobam inovações de produtos ou processos, bem como o surgimento de novos ramos industriais ou de serviços ou de empresas. A figura 3.1 apresenta graficamente as trajetórias das inovações incrementais e radicais. Uma diferenciação entre inovação incremental e inovação radical pode ser extraída do argumento apresentado por Tigre (2006 pág. 87) de que “[...] muitas carroças enfileiradas não formam um trem. Ou seja, a inovação radical rompe os limites da inovação incremental, trazendo um salto de produtividade e iniciando uma nova trajetória tecnológica incremental” e pelo argumento de Conceição (2013, pág. 93):

De acordo com Freeman e Perez (1988, p. 46, tradução nossa), ‘[...] não existiria maneira de o nylon emergir de uma sucessão de aperfeiçoamentos do processo de produção da seda ou do algodão’, nem mesmo a energia nuclear poderia surgir das inovações incrementais do uso do carvão ou do petróleo.”


Figura 3.1: Trajetórias de inovações incrementais e radicais em processos. Fonte: Tigre (2006)

O conceito de sistema tecnológico relaciona-se com mudanças na tecnologia e que impactam vários ramos da economia, podendo gerar novos setores. Conforme (Conceição 2013, pág. 94), “[...] baseiam-se na combinação de inovações radicais e inovações incrementais, juntamente com as mudanças organizacionais ou administrativas que afetam mais de uma firma”. Mudanças no paradigma tecnológico ou revolução tecnológica, por sua vez, referem-se a mudanças nos sistemas tecnológicos de modo que o comportamento de toda a economia é afetado. Toda a estrutura produtiva é afetada acarretando em reduções de custos, mudanças na produção e distribuição de bens ou serviços e transformações institucionais e sociais (Cribb, 2002; Conceição 2013). Conforme Tigre (2006), uma mudança de paradigma tecnoeconômico envolve vários Clusters de inovações radicais e incrementais e pode afetar quase todos os ramos da economia. As mudanças, portanto, não ocorrem na perspectiva da trajetória tecnológica, e sim através da determinação uma nova trajetória, que norteará os sistemas tecnológicos até que um novo paradigma apareça. Desta forma, um paradigma tecnológico oferece guias cognitivos para todos os agentes que querem promover a tecnologia (Cribb, 2002). A tabela 3.1 apresenta a taxonomia da mudança tecnológica formulada por Freeman (1997).


Tabela 3.1: Taxonomia das mudanças tecnológicas. Fonte Tigre (2006).

Os longos ciclos de desenvolvimento são atribuídos a sucessivos câmbios de paradigmas tecnológicos – como a eletricidade, a máquina a vapor, a microeletrônica – que consistem em fatores-chaves contidos nas mudanças econômicas e tecnológicas globais (Tigre, 2006; Conceição, 2012). Tigre (2006) apresenta três características básicas para uma mudança de paradigma tecnoeconômico ou revolução tecnológica:

Custos baixos com tendências declinantes: somente grandes reduções de custos podem motivar mudanças de comportamento nos agentes econômicos. [...] Oferta aparentemente ilimitada: os fatores-chave não podem ser escassos, pois precisam estar disponíveis de forma abundante e sustentável em longo prazo. [...] Potencial de difusão em muitos setores e processos: um fator-chave não pode ser de uso restrito a poucos setores específicos, mas deve ser potencialmente aplicável em termos universais. (Tigre 2006, pág. 88-89). (grifo nosso)

5.3. PARADIGMAS E TRAJETÓRIAS TECNOLÓGICAS

5.3.1. Paradigmas Tecnológicos e o processo de seleção

A ideia de paradigma tecnológico proposta pelos autores neoschumpeterianos surgiu como uma resposta às limitações das concepções teóricas demand pull e technology push (Conceição, 2012; Bezerra, 2010). Isso se deve, sobretudo, devido estas teorias não considerarem a inovação como um processo reativo, perseguido pelas empresas independentemente dos sinais de mercado (Bezerra, 2010).

De maneira ampla, um paradigma tecnológico, conforme definido por Dosi (2006), pode ser analogicamente assemelhado ao paradigma científico de Thomas Kunh (1995). Desta forma, um paradigma tecnológico é definido como “[...] um modelo e um padrão de solução de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados, derivados das ciências naturais, e em tecnologias materiais selecionadas” (Dosi 2006, pág. 41). Esse padrão de resolução de problemas tem por base o conhecimento e as experiências acumuladas ao longo do tempo (Bezerra, 2010; Feitosa, 2011). Ao determinar o campo de inquirição, os problemas, os procedimentos e as tarefas, etc., o paradigma tecnológico atua como um norteador das trajetórias tecnológicas e do progresso técnico. Além de definir as oportunidades a serem perseguidas e aquelas a serem abandonadas, o paradigma tecnológico determina as oportunidades tecnológicas para as inovações subsequentes, assim como os procedimentos necessários para explorá-las (Bezerra, 2010). Desta maneira, a resolução dos problemas tecnológicos no âmago organizacional das firmas ocorre por prescrições habituais que levam à concentração de esforços em um conjunto de soluções possíveis (Conceição, 2012). Apesar dos múltiplos comportamentos dos agentes econômicos e da diversidade nos processos de pesquisa, aprendizado, experiência e competição nos mercados, observa-se “[...] a existência de uma mudança tecnológica padrão relativamente invariante” (Conceição 2012, pág. 52) bem como “estruturas do conhecimento e formas em que o conhecimento tecnológico é acumulado” (Dosi & Nelson 2009, pág. 14).

A compreensão da tecnologia dentro do conceito de paradigma tecnológico implica a existência de:

(i) um corpo específico de práticas – na forma de processos para alavancar particulares fins – juntamente com um conjunto de artefatos requeridos do lado dos insumos;

(ii) distinta noção de design dos instrumentos ou dispositivos específicos;

(iii) corpo específico de entendimento, parcialmente privado, mas compartilhado entre profissionais do campo. (Conceição 2012, pág. 53).

Para Bezerra (2006), a emergência de um novo paradigma tecnológico pode ocorrer quando a exploração das oportunidades se torna decrescente e seus custos tornam-se elevados, momento no qual avanços na ciência e na tecnologia determinarão o surgimento de novos paradigmas. Para Conceição (2012), a emergência de novos paradigmas (novos padrões) está relacionada a mudanças exógenas, enquanto o progresso técnico está relacionado às mudanças endógenas – ao longo das trajetórias definidas por este paradigma.

Dentro de um conjunto de possibilidades de paradigmas tecnológicos existentes, a escolha (seleção) não envolve apenas critérios objetivos, mas também incertezas, uma vez que as consequências das atividades da inovação não podem ser conhecidas antecipadamente, e de as empresas não conhecerem todas as alternativas disponíveis (Bezerra, 2010). Para Dosi (2006), um novo paradigma tecnológico passa pelo dispositivo seletivo que é composto por três elementos: as forças econômicas, os fatores institucionais e os fatores sociais. À vista disso,

O ambiente econômico e social afeta o desenvolvimento tecnológico de duas maneiras: em primeiro lugar, selecionando a ‘direção da mutação’ (isto é, selecionando o paradigma tecnológico), e depois selecionando entre as mutações de um modo mais darwiniano (isto é, a seleção ex-post entre tentativas e erros schumpeterianos). (Dosi 2006, pág. 50).

Neste conjunto de possibilidades de direções de desenvolvimento tecnológico existentes, um primeiro nível de seleção acontece na forma de questões bastante genéricas, do tipo: “[...] é concebível alguma aplicação prática? É possível que a aplicação hipotética seja comercializada?” (Dosi 2006, pág. 44). Desde a etapa inicial de pesquisa até a fase de produção, o carácter determinante da seleção vai aumentando, de modo que a seleção é feita em cada nível deste processo. Durante este percurso, a participação do fator econômico, que também atua como seletor, define cada vez mais a forma real que será assumida pelo paradigma, dentro de uma gama maior de trajetórias possíveis (Dosi, 2006). Diversos outros fatores podem influenciar o processo de seleção de um novo paradigma tecnológico, tais como:

(I)... os interesses econômicos das organizações envolvidas em P&D nessas novas áreas tecnológicas; (ii) a história tecnológica das mesmas, seus campos de especialização, etc.; e (iii) variáveis institucionais stricto sensu, como as de órgão públicos, do setor militar, etc. (Dosi 2006, pág. 48).

Além destes, outros critérios seletores são citados por Dosi (2006, págs. 49-51): “[...] capacidade de redução de custos da nova tecnologia e [...] seu potencial de economizar mão de obra. [...] padrões dos conflitos industriais e sociais... [...]” e, ainda, “o mercado”.

5.3.2. Trajetórias tecnológicas e progresso técnico

Uma trajetória tecnológica refere-se “[...] a atividade ‘normal’ de resolução de problemas determinada por um paradigma” (Dosi 2006, pág. 45). Para Bezerra (2011), refere-se ao modo de formular e solucionar os problemas tecnoeconômicos existentes dentro do paradigma tecnológico. Desta maneira, uma trajetória tecnológica consiste em um grupo de direções tecnológicas possíveis, cujos limites exteriores são definidos pela natureza do próprio paradigma, sendo, por isso, comparado a um cilindro em um espaço multidimensional (Dosi, 2006). Para Bezerra (2010, pág. 41), “constitui-se no modo de formular e solucionar determinados problemas tecnoeconômicos dentro do paradigma tecnológico.” Levando-se em consideração que as firmas são condicionadas pelas escolhas passadas, as trajetórias tecnológicas tendem a manter continuidade ao longo do tempo – tendo “[...] impulso próprio” (Dosi 2006, pág. 45) –, e mantendo a mesma direção de busca, apenas aprimorando as suas habilidades e conhecimentos específicos naquela atividade, até que surja um novo paradigma tecnológico (Bezerra, 2010). O progresso técnico, nesse sentido, ocorre dentro dos limites do paradigma tecnoeconômico8 existente, sendo resultado do aperfeiçoamento técnico (incrementos).

5.4. O RITMO E A DIREÇÃO DO PROGRESSO TÉCNICO

5.4.1. O ritmo do progresso técnico

Existem grandes diferenças entre as sociedades, no que tange às suas capacidades de gerar inovações acomodadas às suas necessidades. O progresso técnico assume diferentes e variadas formas e caminhos no tempo e no espaço em cada sociedade em particular. A geração, adoção e utilização de novas tecnologias também assumem semelhantes características em cada país. Conforme Rosenberg (2006), as diversas maneiras complexas e sutis, bom como o funcionamento de amplos contextos sociais, de suas instituições, valores e suas características particulares de incentivo, contribuem para essa grande diferenciação entre as sociedades. O ritmo do progresso técnico pode estar ligado a inúmeros fatores.

Rosenberg (2006) apresenta a resposta de diversos autores a esta questão em seu livro Inside the Black Box: Technology and Economics, pulicado em 1983. Para Karl Marx, a dinâmica tecnológica estava diretamente ligada à emergência histórica das instituições capitalistas, que, por sua vez, proporcionam uma expansão da produtividade, acelerando a mudança técnica e a acumulação de capital (Rosenberg, 2006). De outra forma, partindo do contexto histórico do surgimento do capitalismo, o argumento de White (1967) aponta a religião como fator determinante para a emergência do capitalismo, desta forma:

[...] White atribui ao mesmo tempo o dinamismo tecnológico da Europa pós-medieval e a recente crise ecológica ao ‘axioma cristão de que a natureza não tem outra razão para existir, exceto servir ao homem’ (White 1967, pág. 1207). (Rosenberg 2006, pág. 27).

Landes (1969), por sua vez, demonstra a razão pela qual a moderna tecnologia industrial tenha surgido primeiramente na Europa Ocidental sob duas características diferenciadoras (Rosenberg, 2006):

Em primeiro lugar, a Europa vivenciou um quadro de desenvolvimento político, institucional e legal que proporcionou uma base especialmente eficaz para o funcionamento de empreendimentos econômicos privados. [...] a Inglaterra encontrava-se em uma posição superior à do restante da Europa [...]. O segundo aspecto [...] segundo Landes, foi o alto valor atribuído a manipulação racional do meio ambiente. [...]. Essa Revolução científica – como atualmente nos referimos a ela – foi um acontecimento unicamente europeu. (Rosenberg 2006, pág. 30).

Além disso, a civilização europeia, diferentemente das demais, tinha “[...] uma pronta disposição para aprender e tomar emprestados avanços de outras culturas, especialmente em matéria tecnológica” (Rosenberg 2006, pág. 31). A capacidade de aprendizado e a assimilação dos europeus o diferenciavam das demais sociedades.

Um importante determinante do ritmo do progresso técnico reside no papel da ciência (Rosenberg, 2006). Contudo, apesar do amplo consenso de que o progresso técnico dependeu e depende cada vez mais da dela, diversos autores apresentam posições contrárias. Os rudes procedimentos empíricos, as abordagens por tentativa e erro, as várias gerações de tecnólogos sem formação escolar não impediram o progresso técnico, observa Rosenberg (2006). Hall (1963), acerca do século que precedeu o ano de 1760, assinala:

Não temos muitas razões para crer que, nos países primordiais, em qualquer grau, a erudição ou a educação formal tivessem algo a ver com ela; pelo contrário, parece provável que praticamente todas as técnicas da civilização até uns duzentos anos atrás foram obra tanto de homens desprovidos de educação formal como de seres anônimos. (Hall, 1963 apud Rosenberg 2006, pág. 33).

Charles Gillispie (1957), por seu turno, demonstra ceticismo à ideia de que “[...] a ciência teórica exerceu uma influência fecunda e mesmo causativa sobre a industrialização” (Gillispie, 1957 apud Rosenberg 2006, pág. 33-34). Desta forma, a afirmação de que a ciência deveu muito mais à máquina a vapor do que a máquina a vapor deveu à ciência é concordada por Gillispie. Rosenberg (2006) observa ainda que um alto grau de originalidade científica e um panorama científico de excelente qualidade não foram requisitos necessários ou mesmo suficientes para o dinamismo tecnológico dos últimos três séculos (podendo ser confirmado pelas histórias da Inglaterra, França, Estados Unidos, Japão e Rússia).

5.4.2. A direção do progresso técnico

Enquanto o ritmo do progresso técnico refere-se à velocidade com que determinadas sociedades alcançam o desenvolvimento tecnológico, a direção do progresso técnico reporta-se ao sentido ou a propensão que o progresso tecnológico assume em determinado tempo e em determinada sociedade.

Uma direção do progresso técnico é dada por Hicks (1932) ao argumentar que as invenções são naturalmente dirigidas à redução de fatores que estejam se tornando relativamente caros – por exemplo, a mão-de-obra (Rosenberg, 2006). Outros economistas, porém, apresentam posições contrárias ao afirmarem que os homens de negócios racionais admitem reduções de custo de qualquer natureza e não em apenas aquelas em fatores específicos. É o que aponta, por exemplo, Salter (1960, p. 43-44 apud Rosenberg 2006, pág. 35):

Se [...] a teoria implica que uma mão-de-obra mais cara estimula a busca de conhecimento novo voltado apenas especificamente à poupança de mão-de-obra, então ela está sujeita a sérias objeções. O empresário está interessado em reduzir seus custos totais, não custos particulares, como mão de obra ou de capital.

Habakkuk (1962) chega a uma conclusão semelhante à de Hicks (1932) ao analisar o progresso tecnológico norte-americano durante o século XIX. Habakkuk (1962) observa uma intima ligação entre a tendência a poupar mão-de-obra e o fato de o progresso tecnológico ter sido mais rápido nos Estados Unidos. Porém, diferentemente de Hicks (1932), essa propensão aconteceu devido à escassez de mão-de-obra e a abundancia de recursos e não devido a um encarecimento de algum fator específico (Rosenberg, 2006).

David (1975) avançou nessa discussão observando que os preços relativos dos fatores oferecem influência entre quais tecnologias serão adotadas e estas, por sua vez, influenciam a trajetória da tecnologia subsequente (Rosenberg, 2006). Na concepção de David (1975), as escolhas feitas trazem consequências “[...] no longo prazo interligando o preço dos fatores, a escolha das técnicas e a direção da mudança tecnológica” (Rosenberg 2006, pág. 37). Desta forma, a direção do progresso técnico dependerá das escolhas acerca do que produzir e de como produzir.

Schmookler (1962), conforme já apontado anteriormente, lança luz sobre a demanda como fator determinante da direção do progresso tecnológico. Ao analisar dados da indústria ferroviária norte americana Schmookler (1962) conclui “[...] que variações na venda de equipamentos induzem variações no esforço inventivo” (Rosenberg 2006. Pág. 40). Na trincheira oposta, Nelson (1959), Arrow (1962a), Rosenberg (1974) e Parker (1961) veem no lado da oferta algum fator determinante de direção da mudança tecnológica.

5.5. A TEORIA EVOLUCIONÁRIA DA MUDANÇA ECONÔMICA

Uma prática frequentemente adotada pelos autores neoschumpeterianos – além de outros autores econômicos e não econômicos – refere-se ao empréstimo de termos das ciências naturais para sua utilização na teoria econômica. Exemplos deste emprego podem ser encontrados em expressões como “teoria evolucionária”, “seleção natural do mercado”, “genética organizacional”, “genes (rotinas)”, etc., Nelson e Winter (2005), principais expoentes da corrente evolucionária, influenciados por diversas abordagens, incluindo a schumpeteriana, marxista, austríaca e as “gerencialista” e “comportamentalista”, dentre outras, apresentam uma teoria alternativa à teoria ortodoxa tendo como preocupação central “[...] os processos dinâmicos que determinam conjuntamente os padrões de comportamento da firma e os resultados de mercado ao longo do tempo” (Nelson & Winter 2005, pág. 39).

A extensão histórica da corrente evolucionária, porém, pode ser traçada a partir de Veblen (1898), que foi o primeiro a atribuir o caráter evolucionário a ciência econômica a partir de concepções darwinistas (Conceição, 2014). O seu trabalho consistia em uma tentativa de demonstrar uma teoria evolutiva capaz de captar o movimento e a evolução das instituições econômicas (Conceição, 2014). Apesar disso, Nelson e Winter (2005) não fazem nenhuma referência a trabalho de Veblen (1898) em sua teoria evolucionária da mudança econômica (TEME).

A TEME de Nelson e Winter (2005) consiste em uma demonstração de como a teoria econômica ortodoxa apresenta deficiências e de que forma uma teoria alternativa pode ser inserida no contexto em que a ortodoxia se apresenta falha (Nelson & Winter, 2005). Os autores assinalam que “a teoria ortodoxa [...] parece errada ou inadequada sobre vários aspectos. Portanto, é possível iniciar sua crítica por qualquer uma de várias perspectivas diferentes” (Nelson & Winter 2005, pág. 45). Três pontos principais extraídos da teoria ortodoxa são inicialmente e frequentemente rejeitados na TEME: a racionalidade dos agentes, a concepção de equilíbrio geral e a maximização de lucros.

As ações das firmas não são tratadas por Nelson e Winter (2005) como maximizadoras de lucros em um conjunto de escolhas bem definidas e dadas, mas, de maneira diferente, os autores apenas entendem que as firmas são motivadas pelo lucro e com a busca de maneiras de aprimorar seus lucros. Desta forma, afirmam os autores: “[...] rejeitamos [...] a noção de comportamento maximizador como explicação de por que as regras de decisão são o que são [...]” (Nelson & Winter 2005, pág. 32). Os agentes econômicos, portanto, não reagem instantânea e perfeitamente a mudanças nas condições de mercado, perfazendo com que o equilíbrio seja mantido (Marins, 2006). Apesar disso, entender o comportamento dos agentes é fundamental, uma vez que, quase sempre, a mudança econômica ocorre em decorrência de um processo que foi moldado pelas percepções dos agentes sobre as consequências das suas ações (Conceição, 2014).

Ao mesmo tempo a TEME atribui importante papel a firma enquanto propulsor do desenvolvimento econômico. Os modelos formulados por Nelson e Winter (2005) analisam o comportamento das firmas em determinado ramo de atividade e nesse sentido, o comportamento intra-organizacional é observado como fundamental para a viabilidade do desenvolvimento tecnológico. As rotinas assumem importância sendo vistas como um conjunto de habilidades organizacionais fundamental para o desenvolvimento das competências da firma, além de trazerem consigo o estoque do conhecimento acumulado pela empresa (Nelson & Winter, 2005; Marins, 2006). Desta forma, as rotinas armazenam e carregam conhecimento e habilidades das firmas, que são traduzidas nas suas práticas e comportamentos (Conceição, 2014). Uma hierarquia de rotinas organizacionais é proposta por Nelson e Winter (2005) e os procedimentos e regras são classificados como de ordem inferior e superior (Marins, 2006).

5.6. DIFUSÃO TECNOLÓGICA

5.6.1. A importância da difusão tecnológica

Para Rosenberg (2006), o processo de difusão de novas tecnologias é um dos temais mais intensamente investigados na história econômica e, conforme Torres (2012), a difusão é tão ou mais importante que o processo de geração de inovações. Isso por que se as inovações ficarem restritas a um determinado grupo de indivíduos ou empresas, os impactos sobre o agregado econômico seriam insignificantes (Torres, 2012). Em via de regra, o processo de difusão tecnológica depende de uma sequência de melhoramentos nas características de uma invenção – no seu desempenho, por exemplo –, de modificações, adaptações e ajustes graduais, de maneira que haja uma melhor adaptação dos seus consumidores ou demandantes e, além disso, da disponibilidade de introdução de outros insumos complementares, de modo a tornar a inovação ainda mais útil (Rosenberg, 2006). Outros fatores estão envolvidos no processo de disseminação de novas tecnologias, como a incerteza, os processos de aprendizagem, a imitação e o feedback em torno da inovação original (Nelson, 2006; Fuck & Vilha, 2011; Torres, 2012). Para Rogers (2003), a difusão é “o processo em que uma inovação é comunicada através de certos canais, ao longo do tempo, entre os membros de um sistema social” (Rogers 2003, pág. 5 apud Bicalho & Dantes 2009, pág. 5). Torres (2012, pág. 8), por sua vez, entende que a difusão refere-se ao “[...] amplo uso de uma nova tecnologia pelos agentes de uma determinada economia”, e completa apontando que: “[...] o termo [é] usado para descrever o processo pelo qual indivíduos e empresas de uma sociedade adotam uma nova tecnologia, ou substituem uma tecnologia antiga por uma mais nova” (Torres 2012, pág. 18).

Os impactos da difusão tecnológica vão desde o contexto social – sobre os empregos e as qualificações, por exemplo (Ricardo, 1996; Smith, 1996;); econômico – afetando estruturas industriais, destruindo e criando empresas e mercados e afetando o ritmo de crescimento econômico dos países (Schumpeter, 1939; 1961; 1997) – e ambiental – seja causando crises ecológicas (White, 1963) ou trazendo soluções autossustentáveis.

Estudos como o de Mansfield (1968), Phillips (1971), Schwartzman (1976) e Charles River Associates, (1980), dentre outros, demonstram que as firmas inovadoras tendem a crescer mais rapidamente e que o sucesso no processo de inovação e difusão pode determinar a participação da firma no mercado em que atua (Nelson, 2006). Além disso, o processo de inovação e difusão de novas tecnologias pode proporcionar lucros extraordinários e uma posição monopolista no mercado (Schumpeter, 1961; 1997). Por esta razão, é interessante, do ponto de vista do inovador, manter a exclusividade sobre a inovação (Torres, 2012). Porém, se amplamente difundida e utilizada, as inovações podem abranger a sociedade como um todo, dados os benefícios que a disseminação de uma nova tecnologia pode resultar – sejam reduções de custos, melhoria da qualidade dos produtos ou processo, melhoria do padrão de vida, etc. (Torres, 2012). Desta forma, observa-se um conflito social no processo difusivo (Torres, 2012).

5.6.2. Modelos de difusão tecnológica

Os modelos de difusão tecnológica podem ser analisados de uma perspectiva teórica e prática. A abordagem teórica se acomoda em dois modelos distintos. No primeiro, conforme Cribb (2002), o processo difusivo é interpretado por modelos tradicionais, onde é colocado à parte do processo inovativo, sendo considerado separado e distinto das inovações – neste caso, a difusão e a inovação acontecem em momentos diferentes. No segundo, representado por concepções mais recentes, a difusão e a inovação tecnológica são interdependentes (Cribb, 2002). Do ponto de vista prático (empírico), dois tipos de modelos básicos são apresentados. No primeiro, a disseminação tecnológica é analisada a partir de ondas de inovações, por esta razão, estes modelos são chamados de modelos indutivos (Tigre, 2006). No segundo, os modelos probabilísticos ou estocásticos, representam as possibilidades de a difusão acontecer (Tigre, 2006).

Rogers (2003) formula um modelo onde à difusão assume cinco etapas distintas, porém interligadas: conhecimento, persuasão, decisão, implementação e confirmação. Desta forma,

A etapa de conhecimento ocorre quando um indivíduo toma conhecimento sobre a existência da tecnologia e obtém algum entendimento sobre seu funcionamento. A persuasão é quando o indivíduo forma uma atitude em relação à inovação, podendo ser favorável ou desfavorável. A etapa da decisão é aquela em que um indivíduo entra na atividade, levando-o a adotar ou rejeitar uma inovação. A implementação é a etapa em que uma inovação é colocada em uso. E, por fim, a etapa de confirmação que ocorre quando o indivíduo busca reforçar a decisão de inovar. (Bicalho & Dantes 2009, pág. 6). (grifo nosso).

Porém, o primeiro modelo empírico foi apresentando por Mansfield (1961), onde a vida de uma inovação tecnológica ao longo do processo de difusão ocorre através de uma função assimétrica “S”. Mansfield (1961) chega a esta conclusão ao estudar a velocidade com que doze inovações se disseminaram de uma empresa para outra em quatro ramos de atividade (Rosenberg, 2006). Conforme Tigre (2006, pág. 93), Mansfield (1961) “[...] mostrou que a evolução temporal da adoção de uma tecnologia pode ser representada por uma função logística de crescimento, conhecida como ‘Lei de Pearl’”. Desta maneira, a difusão tecnológica apresenta quatro fases distintas ao longo do modelo em forma de “S”, demonstrado na figura 3.1. A primeira, denominada introdução, refere-se ao momento no qual repousa uma grande incerteza sobre os resultados da inovação e poucas empresas adotam a nova tecnologia (Tigre, 2006). Depois, na fase de crescimento, o processo de difusão se intensifica na medida em que o conhecimento acumulado aumenta e o desempenho tecnológico melhora (Tigre, 2006). Em seguida, no período de maturação, os incrementos são feitos com menor frequência e as vendas começam a se estabilizar (Tigre, 2006). Por fim, na fase de declínio, alguns usuários deixam de usar a tecnologia em decorrência do surgimento e difusão de outras inovações (Tigre, 2006). Uma ressalva, porém, é feita por Tigre (2006) ao analisar que algumas trajetórias tecnológicas não seguem necessariamente o padrão em “S”, indo diretamente da fase de crescimento para a fase de declínio – é o caso do Fax.


Figura 3.2: Fases da difusão tecnológica conforme modelo “S”. Fonte Tigre (2006).

5.6.3. Determinantes e condições para o processo difusivo

Um pioneiro trabalho analítico sobre um período de mil anos foi feito por Bloch (1935) ao analisar a introdução da roda d’água e a sua adoção generalizada (Rosenberg, 2006). Em Avènement et conquêtes du moulin à eau, Bloch (1935) demonstra a correlação existente entre a mão-de-obra servil e as mudanças econômicas e legais e a forte dependência, no passado, que a difusão tecnológica tinha com relação a movimentação dos trabalhadores especializados – esta última dependência também demonstrada por outros autores (Rosenberg, 2006). Hall (1967, pág. 85 apud Rosenberg 2006, pág. 42) observa que:

Parece bastante claro que na maioria dos casos do século XVI – e na verdade por muito tempo depois – a difusão da tecnologia ocorreu principalmente persuadindo-se trabalhadores especializados a emigrar para regiões onde suas habilidades não eram ainda abundantes.

Rosenberg (2006) pontua que até mesmo a Inglaterra no século XIX se utilizou deste mesmo mecanismo pessoal para um processo transmissão de tecnologia. Landes (1969) também assinala a maior contribuição feita pelos britânicos ao continente americano no século XIX não “[...] foi o que fizeram, mas o que ensinaram” (Landes 1969, pág. 150 apud Rosenberg 2006, pág. 43). Desta forma, o aumento da independência do continente americano – sobretudo norte americano – se deu em grande medida da transmissão homem-a-homem dos conhecimentos do trabalho (Landes, 1969).

David e North (1971) demonstram como a redução de custos de aquisição de informação necessária sobre novas tecnologias podem resultar em melhoria do ambiente para a mudança tecnológica (Rosenberg, 2006). Saxonhouse (1974) também verifica o impacto positivo da redução de custos de aquisição de informações na indústria têxtil japonesa, fator preponderante para um processo de difusão “super-rápido” (Rosenberg, 2006).

O trabalho de Griliches (1957; 1960) foi o primeiro no estudo da difusão de sementes híbridas de milho nos Estados Unidos, representando um divisor de águas (Torres, 2012; Nelson, 2006). Griliches (1960) demonstra como fatores econômicos – lucros esperados e ganhos de escala – determinam as diferentes taxas de difusão da semente híbrida no país (Torres, 2012). Além disso, assinala Torres (2012, pág. 19), “[...] a difusão dependeu, em certa medida, da capacidade dos fornecedores em adaptar as sementes às condições locais, o que mostra que a tecnologia original sofre alterações no processo de difusão”.

Rosenberg também apresenta alguns fatores importantes que influenciam o processo de difusão: o impacto cumulativo de modificações, adaptações, aperfeiçoamentos técnicos e suas influências (Rosenberg, 1972) e a importância histórica da indústria de bens de capital (Rosenberg, 1963a; 1963b).

Torres (2012) assinala que o emprego da difusão só ocorrerá se o custo de sua implementação for menor que o custo para manter a tecnologia antiga. Além disso, as relações Inter setoriais são importantes, visto que o emprego da nova tecnologia assume diferentes caminhos e resultados em cada setor em particular (Torres, 2012).

César (2012) avalia que o ambiente em que atua o inovador tem papel importante no processo de disseminação das inovações. Além do ambiente natural do mercado, os subsistemas político, tecnológico, cultual e científico – cada qual com características próprias – precisam apresentar algum grau de congruência para que o processo de difusão obtenha sucesso.

Tigre (2006) apresenta esclarecimentos importantes acerca dos condicionantes para a difusão tecnológica em seu livro Gestão da Inovação. Organizados em três grupos principais, os condicionantes podem ser de ordem técnica, econômica e institucional. Sob o prisma técnico, quanto mais complexa for a tecnologia, maior será a necessidade de suporte técnico e, por conseguinte, o processo difusivo encontrará maiores impasses devido as incertezas, poucas informações e riscos inerentes ao pioneirismo (Tigre, 2006). Uma vez que normalmente o processo de difusão de uma tecnologia não acontece de maneira isolada, a coevolução de um conjunto relacionado de inovações também pode impactar a sua difusão. Desta forma, “[...] à medida que uma tecnologia se difunde, surge a necessidade de desenvolvimento de um conjunto de outras tecnologias complementares para apoiá-la” (Tigre 2006, pág. 95). Alguns tipos de inovações são aprimoradas e melhor desenvolvidas na medida em que mais usuários as adotam e fornecem um feedback aos produtos. Desse modo, a capacidade da firma ou do setor de avaliar e incorporar diferentes componentes tecnológicos representa um fator determinante no processo de difusão, assim como a flexibilidade organizacional das empresas para reagir a mudanças e a sua capacidade cognitiva de absorver novos conhecimentos (Tigre, 2006). Portanto, do ponto de vista técnico e organizacional, “[...] o sucesso na introdução de novas tecnologias depende fundamentalmente da capacitação das empresas para absorverem eficientemente novos equipamentos, sistemas e processos produtivos” (Tigre 2006, pág. 96).

Na esfera econômica, aponta Tigre (2006), os custos de aquisição e implantação da nova tecnologia, as expectativas de retorno do investimento, os custos de manutenção e possibilidade de aproveitamento de investimentos já realizados, bem como os custos de transação (representados pelo risco de o usuário ficar cativo ao fornecedor) impactam o ritmo de difusão. Outros fatores condicionantes também estão relacionados à utilidade da inovação, visto que estas podem ter aplicação restrita a determinado setor ou ser útil em diversos setores, assim como podem ser orientadas para apenas um etapa do processo produtivo ou para diversas etapas (Tigre, 2006). Outros fatores que afetam o potencial de difusão estão acomodados no mercado consumidor – mercado interno ou externo; mais concentrado ou menos concentrado etc. – (Tigre, 2006).

Na esteira institucional, Tigre (2006) aponta cinco fatores condicionantes importantes, além da estratificação social, da cultura, da religião, e do regime jurídico em que o processo difusivo permeará:

(i) disponibilidade de financiamentos e incentivos fiscais à inovação; (ii) clima favorável ao investimento no país; (iii) acordos internacionais de comércio e investimento; (iv) sistema de propriedade intelectual; e (v) existência de capital humano e instituições de apoio. (Tigre 2006, pág. 98).

5.7. CONHECIMENTO, APRENDIZAGEM E APROPRIABILIDADE TECNOLÓGICA

5.7.1. Conhecimento e Aprendizagem

A relação entre conhecimento, aprendizagem e inovação é tratada de diferentes formas nas diversas áreas das ciências sociais, e a literatura que trata a respeito destes assuntos encontra-se fragmentada e dispersa (Filho & Guimarães, 2010). Os dois primeiros (conhecimento e aprendizagem) são tratados não apenas na esfera econômica, mas também na Sociologia, na Psicologia, na Administração, dentre outras. Filho e Guimarães (2010) apontam que os primeiros estudos acerca do conhecimento e da aprendizagem (C&A) no âmbito organizacional iniciaram com os trabalhos de Polanyi (1958), Simon (1979) e March e Simon (1981). A partir de então, surgem duas principais abordagens teóricas acerca do C&A, uma com ênfase cognitiva e uma com ênfase social.

Na visão cognitiva, Chiva e Alegre (2005), Von Krogh (1998), Spender e Grant (1996) e Grant (1996) apontam que o conhecimento refere-se a um ativo que pode ser codificado, armazenado, mensurado e transmitido para outros indivíduos (Filho & Guimarães, 2010). A aprendizagem, segundo Chiva e Alegre (2005), está relacionada ao processo que permite organizar, processar, interpretar e responder a informações provenientes do ambiente interno e externo (Filho & Guimarães, 2010). Nesse sentido, “inclui a aplicação de princípios de aprendizagem individual na tentativa de identificar processos-chave e padrões de aprendizagem comuns aos diversos contextos organizacionais” (Filho & Guimarães 2010, pág. 130).

Na visão social, o conhecimento está relacionado às questões que podem influenciar e incentivar a sua criação e compartilhamento envolvendo, portanto, “[...] processos individuais e sociais de criatividade, inovação, motivação e comunicação” (Filho & Guimarães 2010, pág. 130). A aprendizagem, ainda nesta visão, conforme Lave e Wenger (1991), Gherardi e Nicolini (2003), Chiva e Alegre (2005) e Elkjaer (2005), relaciona-se

À forma como indivíduos interpretam ou atribuem significado às suas experiências no trabalho e considera os indivíduos como seres sociais que aprendem e constroem coletivamente a compreensão do contexto que os cerca. Nessa linha, as organizações são consideradas sistemas sociais de interação entre indivíduos. (Filho & Guimarães 2010, pág. 130).

Desta maneira, os processos de conhecimento e aprendizagem na teoria da inovação se constituem fatores-chave para a geração e difusão de inovações, tanto no âmbito intra-organizacional, inter-organizacional, inter-setorial, etc., como no âmbito macroeconômico. Tatsch (2007) aponta que estes dois elementos são indispensáveis, seja para indivíduos, empresas, regiões ou países. Malerba (1992) e Scheffer e Schenini (2004) veem o processo de aprendizagem como elemento fundamental no processo de inovação e criação de riquezas no âmbito das empresas (Júnior et al, 2011). Com isso, o fator cumulativo assume relevância, na medida em que a prática repetitiva e a experimentação reduzem os elementos de incerteza e proporcionam “[...] um conhecimento prévio tanto das tecnologias em uso, quanto nos mercados nos quais atuam” (Scheffer & Schenini, 2004, p.3 apud Júnior et al 2011, pág. 532). Filho & Guimarães (2010) observam ainda que a aprendizagem – e também o conhecimento – estão sobrepostos e explicam as mudanças organizacionais a partir de dois elementos: a solução de problemas e a aquisição de capacidades de resposta às necessidades do ambiente. Tigre (2006) também assinala a repetição e a experimentação como elementos intrínsecos ao processo de aprendizagem, e acrescenta que além de cumulativa, a aprendizagem é “[...] coletiva (no âmbito da firma) e depende fundamentalmente de rotinas organizacionais codificadas ou tácitas” (Tigre 2006, pág. 74).

O conhecimento codificado citado por Tigre (2006) refere-se àquele disponível no mercado (livros, cursos, base de dados, etc.) e, por conseguinte, transacionável. O conhecimento tácito, por sua vez, refere-se ao saber não disponível em manuais, não estruturado e não codificado, sendo diferente de pessoa para pessoa e que é considerado a dimensão mais intrínseca do conhecimento (Tatsch, 2008; Filho & Guimarães, 2010). O processo de aprendizado, por sua vez, tem sido referenciado como processo de mudança e adaptação nas rotinas, processos e procedimentos. Essas mudanças e adaptações são oriundas da aquisição e do desenvolvimento de novos conhecimentos aplicados na resolução de problemas e na criação de significados compartilhados entre indivíduos e organizações (Filho & Guimarães, 2010).

Rosenberg (2006) aponta a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) como sendo parte do processo de aprendizagem na geração de novas tecnologias. Nesse sentido, a P&D consiste em várias formas diferentes de aprendizado que contribuem para o processo de inovação. Para Rosenberg (2006, pág. 186), o processo de aprendizagem “[...] envolve a aquisição de conhecimentos a respeito da natureza” e uma parcela destes conhecimentos pode apresentar uma aplicação produtiva. A P&D participa do processo de aprendizagem procurando e descobrindo características que poderão contribuir para o desenvolvimento de um novo produto ou até mesmo para o melhoramento de um produto já existente (Rosenberg, 2006).

No paradigma tecnológico atual, a habilidade de aprender coisas novas e de forma rápida se torna indispensável para a sobrevivência das organizações. Nesse sentido, uma ênfase maior ao aprendizado em contraposição ao estoque de conhecimento é dada pelas firmas (Tatsch, 2008). Desta forma,

o sucesso individual de firmas, de regiões e de economias nacionais reflete suas capacidades para aprenderem e também para esquecerem, com o intuito de aprender coisas novas. É uma economia em que a mudança é rápida, em que habilidades se tornam logo obsoletas e novas são requeridas. (Tatsch 2008, pág. 66). (grifo nosso).

A taxonomia da aprendizagem

Malerba (1992) apresenta os principais tipos de aprendizado a partir de um estudo que considera a relação entre aprendizagem nas empresas e mudanças técnicas incrementais. Essa taxonomia pode ser dividida em dois grandes grupos: o aprendizado interno e o aprendizado externo (Tatsch, 2008):


Tabela 3.2: Tipologia da aprendizagem. Fonte: Júnior et al (2011)

A concepção do aprender fazendo surge a partir do trabalho seminal de Arrow (1962b) The Economic Implications of Learning by Doing. Conforme Filho e Guimarães (2010), Arrow (1962b) propõe a aprendizagem como fruto da experiência, onde apenas durante o processo de solução de problemas no âmago das firmas é que ela pode ser observada e durante repetidas ações bem-sucedidas realizadas em resposta aos estímulos do meio ambiente. Rosenberg (2006) aponta que esta é uma forma de aprendizagem ocorrida no estágio da produção industrial, ou seja, depois de completadas as etapas de P&D. Desta forma, o processo de Learning by Doing consiste no desenvolvimento de crescentes habilidades produtivas – melhorias – que podem impactar diretamente no custo da mão-de-obra por unidade de produto (Rosenberg, 2006). Nessa mesma esteira, Pisano (1994) observa que a premissa intrínseca ao aprender fazendo assenta-se no fato de que somente a experiência produtiva pode demonstrar as diferenças entre o desempenho atual e o desempenho potencial (Filho & Guimarães, 2010). Rosenberg (2006) observa que o processo de aprender fazendo se constitui numa gama de possibilidades de pequenas melhorias, porém, cumulativamente muito grande, que pode ser obtida através do envolvimento direto no processo produtivo. Contudo, trata-se de uma “[...] fonte de inovação tecnológica que não é usualmente reconhecida de forma explícita como componente do processo de P&D e que não recebe investimentos diretos [...]” (Rosenberg 2006, pág. 187).

Para Filho e Guimarães (2010), o aprender fazendo relaciona-se com a ideia de capacidades dinâmicas, que é definida por Teece, Pisano e Shuen (1997), e Eisenhardt e Martin (2000) como sendo “[...] a habilidade de uma organização integrar, construir e reconfigurar competências organizacionais internas e externas para responder às mudanças contextuais” (Filho & Guimarães 201, pág. 132).

Rosenberg (2006) cita quatro categorias de aprendizagem pela prática (aprender fazendo), a saber:

(i) a produção de novo conhecimento científico; (ii) a incorporação de novo conhecimento ao projeto de um novo produto; (iii) a aprendizagem de novas atividades produtivas quando um produto novo é posto em produção; (iv) a aprendizagem de meios para melhorar o próprio processo produtivo. (Rosenberg 2006, pág. 188).

A aprendizagem pelo uso (learning-by-using), por sua vez, relaciona-se à utilização do produto, máquina, equipamento, insumo, etc. e está mais voltada à adaptação da firma às novas tecnologias (no caso de bens de capital, por exemplo), deste modo, o learning-by-using decorre não da experiência envolvida na produção do produto, e sim da sua utilização pelo usuário final (Tatsch 2008; Rosenberg, 2006). Nesse sentido, mudanças no produto podem ser feitas pelas empresas em decorrência da experiência dos consumidores (Tigre, 2006).

A aprendizagem pela pesquisa (learning-by-searching) está associada a atividades formais de criação de conhecimento, como P&D (Tatsch, 2008). Além disso, conforme Tigre (2006, pág. 123), refere-se também “à busca de informações e tecnologias pelos diferentes meios hoje disponíveis, com destaque para a Internet.”.

O aprendizado a partir de avanços em ciência e tecnologia (learning from advances in Science and technology) vincula-se à absorção de novos desenvolvimentos em ciência e tecnologia, sobretudo aqueles realizados em universidades e centros tecnológicos (Tatsch 2008; Tigre, 2006).

O processo de aprendizagem a partir de excedentes Inter indústrias (learning from inter-industry spillovers) relaciona-se ao processo de contratação de técnicos experientes de outras empresas, com vistas a se obter o conhecimento de determinado processo produtivo, ou mesmo conhecimento de características do mercado a um baixo custo (Tigre, 2006).

A aprendizagem pela interação (learning-by-interacting) refere-se ao aprendizado obtido na cadeia produtiva de empresas à jusante e à montante, tais como fornecedores e usuários. Lundvall e Johnson (1994) preconizaram o entendimento de aprendizagem por interação e destacaram as novas formas de aquisição de conhecimento no cenário econômico global, sobretudo na atual era das tecnologias da informação e comunicação (TIC’s) (Filho & Guimarães, 2010). Lundvall (1996) demonstra como a complexidade das bases de conhecimento e de mudanças no ambiente interno e externo – cada vez mais rápidas – contribuíram para o crescimento das redes de conhecimento entre as firmas, o que motivou relações seletivas e de longo prazo para a produção e distribuição de conhecimentos (Filho & Guimarães, 2010). O aprendizado por interação privilegia as fontes de conhecimento externas às firmas através de um processo de cooperação entre firmas de uma mesma indústria.

Há ainda o aprendizado por imitação (learning-by-imitating) e o aprendizado por cooperação (learning-by-cooperating), onde o primeiro refere-se um processo autônomo e não-cooperativo, que pode ser ocorrer na forma de engenharia reversa, em que a empresa desmonta o equipamento a ser copiado e o reproduz a partir das suas dimensões e características técnicas. O segundo refere-se ao modo de aprendizagem que ocorre a partir da cooperação com outras empresas, universidades, centros tecnológicos e de pesquisa e com outras organizações (Tatsch, 2008).

A partir da taxonomia proposta, Malerba (1992) apresenta algumas hipóteses acerca de trajetórias incrementais, de diferenciação horizontal e vertical de produtos, bem como de mudanças tecnológicas radicais (Tatsch, 2008). Desta forma, o learning-by-doing, o learning-by-using e o learning-by-interacting com fornecedores de equipamentos estimulam trajetórias incrementais; o learning-by-interacting com fornecedores de matérias-primas estimula trajetórias de mudanças técnicas incrementais relacionadas às alterações nos materiais utilizados; o learning-by-interacting com usuários estimula trajetórias de diferenciação horizontal do produto; já o learning-by-searching, especialmente no que tange à P&D, estimula trajetórias de diferenciação vertical de produto em termos de qualidade e desempenho (Tatsch, 2008). A direção tecnológica assumida pela firma dependerá dos seus processos de aprendizagem, do estoque de conhecimento e de captações acumuladas ao longo do tempo (Tatsch, 2008).

As redes tecno-econômicas

Para Conceição (2014), as firmas não inovam de maneira isolada, mas através de um processo coletivo de interação com outras organizações. As redes-tecnoeconômicas surgem a partir da integração entre a dimensão social e a dimensão da inovação e representam formas de arranjo de mercado com a participação de atores heterogêneos com fortes relações entre ciência, tecnologia e mercado (Filho & Guimarães, 2010). Tigre (2006) avalia que estas redes de firmas representam um reespecialização de grandes empresas em suas competências centrais. As características do paradigma tecnológico atual exigem cada vez mais uma especialização produtiva e a formação redes que representam uma cooperação entre empresas (Tigre, 2006). A relação existente entre os agentes envolvidos em uma rede tecno-econoeconômica frequentemente são pautadas por acordos estratégicos de longo prazo e pelo mútuo comprometimento dos parceiros em investimentos (Tigre, 2006).

Para Sousa e Mello (2001), a trajetória de um produto não segue um curso à parte de tudo e de todos, mas é influenciada pelas constantes negociações e alinhamento de interesses ocorridos entre todos os agentes envolvidos. Desta forma, a trajetória deve ser vista como decorrente de uma rede que lhe dá sustentação, ou como um processo em permanente construção (Sousa & Mello, 2001). Para Nascimento (2004), estas redes representam as relações entre diferentes nós (indivíduos, organizações, instituições, regras, objetos técnicos) envolvidos em atividades de pesquisa, desenvolvimento, difusão e adoção de novas tecnologias. As networks (redes) podem ser ajustadas ou reajustadas dependendo das alianças estratégicas, desenho de inovações ou necessidades de consumidores (Filho & Guimarães, 2010). Desta forma, novas relações e novas formas de organização podem surgir a partir das relações dinâmicas entre as organizações, o que acentua a ideia de dinamismo e complexidade do processo inovativo (Filho & Guimarães, 2010).

Os clusters industriais

Piekarski e Torkomian (2008) apresentam uma larga conceituação e identificação de clusters industriais a partir de uma revisão teórica. No presente trabalho, porém, o assunto está abordado de forma bastante sucinta.

O processo de aprendizagem e conhecimento no sentido que é apresentado no tópico anterior, associado ao processo de interação e de cooperação entre as várias organizações e apoiados em redes de firmas, dentre outras questões, contribuem para o surgimento de clusters industriais – chamados de Arranjos Produtivos Locais (APL’s) no Brasil. O processo de evolução da tecnologia assim como a emergência de novas tecnologias propicia o surgimento de novas dinâmicas territoriais de desenvolvimento (Conceição, 2014), como o Vale do Silício na Califórnia, a Rota 128 em Massachusetts e os distritos industriais da Terceira Itália. Diferentemente das relações horizontais focadas em abordagens setoriais tradicionais, o estudo dos clusters destaca a relevância e a eficiência coletiva proporcionada pelas relações verticais entre empresas diferentes e pela sua interdependência sinergética – o que demonstra que as relações entre fornecedores, principais produtores e usuários finais são tão importantes para a geração de inovação quanto à concorrência de mercado) – (Piekarski e Torkomian, 2008).

Uma série de termos relacionados a arranjos (ou sistemas) produtivos são propostos na literatura, tais como: redes de empresas; aglomerações (clusters); distritos e polos industriais; dentre outros. Entre as diversas definições que Piekarski e Torkomian (2008) apresentam, destaca-se a de Altenburg e Meyer-Stamer (1999) que, de forma ampla, aponta que um cluster refere-se a uma concentração local (geográfica) de uma atividade econômica determinada. O Sebrae (2002), por sua vez, define os clusters ou APL’s como “empresas fisicamente próximas e fortemente relacionadas aos agentes locais que apresentam a mesma dinâmica econômica” (Piekarski e Torkomian 2008, pág. 42). Muitas outras definições podem ser encontradas, assim como uma taxonomia dos clusters em dois grupos: cluster vertical e cluster horizontal (Piekarski e Torkomian 2008, pág. 42).

5.7.2. Apropriabilidade tecnológica

Uma implicação importante acerca do aprendizado pela imitação (learning-by-imitating) refere-se à questão da apropriabilidade tecnológica. Isso porque há um conflito social, conforme já abordado no tópico 3.6.1., que decorre da disputa entre a empresa inovadora e o mercado. Conforme demonstra Lima e Cabral (2009), a habilidade das empresas de apropriarem todo ou parte do valor criado por suas inovações é de suma importância para que haja o interesse em manter os investimentos em pesquisa e desenvolvimento. Em contrapartida, porém, está o mercado e os consumidores, que poderiam auferir muito mais benefícios se aquela inovação tecnológica pudesse ser imitada ou copiada – e até mesmo melhorada Lima e Cabral (2009).

A apropriabilidade tecnológica refere-se, “[...] ao exame dos fatores ambientais que governam a habilidade do inovador em obter os lucros gerados por uma inovação [...]” (Lima & Cabral, 2009, pág. 3). Lima e Cabral (2009) acrescentam ainda que esses fatores estão ligados à natureza do conhecimento e a eficácia dos mecanismos de proteção. Tigre (2006), por sua vez, aponta que a apropriabilidade refere-se à possibilidade de o inventor ou inovador manter o monopólio da inovação por um determinado período de tempo. Dosi (1988) argumenta que a apropriabilidade refere-se aquela propriedade do conhecimento tecnológico – e de artefatos de mercado – e do ambiente legal que possibilite a retenção dos benefícios gerados pelas inovações e a sua proteção “[...] em graus variados, como ativos rentáveis, contra a reprodução ilícita por parte de outros agentes, diferindo entre indústrias e entre tecnologias” (Fuentes e Tavares 2008, pág. 2). Feltre (2004) observa que os problemas de apropriabilidade aparecem quando alguns agentes conseguem usar o novo conhecimento (oriundo da inovação) a um custo relativamente baixo (Fuentes e Tavares, 2008).

O interesse pelo tema surgiu a partir de dois trabalhos. O primeiro foi o de Teece (1986), que ofereceu uma contribuição importante para essa discussão ao separar o regime de apropriabilidade em dois: mais forte – quando os conhecimentos da inovação são tácitos e/ou os mecanismos de proteção são eficazes – e regime de apropriabilidade mais fraco – quando os conhecimentos acerca da inovação são codificáveis e/ou os mecanismos de proteção são ineficazes (Lima e Cabral, 2009). Dando continuidade ao trabalho inicial de Teece (1986), Levin et al (1987), em um estudo empírico, procuraram compreender as condições de apropriabilidade em mais de cem empresas e analisar a percepção delas em relação aos mecanismos de apropriabilidade (Lima e Cabral, 2009). Em um estudo mais recente, Barros (2006) procura responder se os mecanismos de apropriabilidade são substituíveis ou complementares. Em resposta a esta questão, Barros (2006) demonstra que as patentes e os outros mecanismos de apropriabilidade trabalham como complementos – e não como substituíveis – e que as empresas, ao desenvolvem estratégias de apropriação, o fazem de forma sincronizada, ou seja, ao mesmo tempo (Lima e Cabral, 2009).

Mecanismos de apropriabilidade

Na busca por amenizar a tensão existente entre os incentivos para a inovação e a difusão dos benefícios das inovações, leis foram criadas para regulamentar o monopólio das invenções por meio de concessão de patentes ou outros direitos que garantem a exclusividade e a propriedade da inovação (Lima e Cabral, 2009). Os mecanismos legais de proteção dividem-se em duas grandes áreas. Primeiro, a Propriedade Industrial, que engloba as patentes de invenção, as patentes e os modelos de utilidade, desenhos industriais, marcas registradas, indicações geográficas, registros de marcas e proteção de cultivares, etc. (Tigre, 2006; Lima e Cabral, 2009). E segundo, o Direito Autoral (copyrights), que se refere à proteção de obras literárias, artísticas e científicas, programas de computador, topografias de circuito integrado, domínios da internet e cultura imaterial (Tigre, 2006; Lima e Cabral, 2009).

Além destes, outros mecanismos – não legais – também podem impedir a transferência de conhecimento tecnológico ou fortalecer o domínio sobre a inovação, como o segredo industrial ou do comércio, recursos de lead time, tempo e custo de imitação, contratos e legislação trabalhista, as atividades de gestão dos recursos humanos, etc. (Tigre 2006; Lima e Cabral, 2009).

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho teve como objetivo analisar a evolução histórica da inovação tecnológica iniciada em Schumpeter a partir de uma perspectiva teórica. Conclui-se que durante a segunda metade do século XX houve uma grande e rápida evolução dos conceitos e abordagens acerca da mudança econômica. Principalmente após a década de oitenta, novas interpretações e interações entre estas diferentes abordagens foram concebidas, produzindo uma consistência ainda maior para o corpo teórico da inovação.

Verificou-se que os estudos acerca do progresso tecnológico não se iniciarem totalmente em Schumpeter, visto que os economistas Clássicos já haviam tratado – ainda que de forma pormenorizada ou sob outra perspectiva – acerca do avanço tecnológico. Os escritos dos economistas neoclássicos, por sua vez, pouco contribuíram para a teoria da inovação.

Ao observar o progresso tecnológico sob a perspectiva da produção (ou seja, sob a ótica da oferta e não da demanda), Schumpeter enxergou que a mudança econômica (a perturbação do equilíbrio) frequentemente emerge a partir de dentro (efeito endógeno) e é proporcionada pelo empresário empreendedor por meio da introdução de bens ou serviços inovadores. Desta forma, foi a mudança de perspectiva que o permitiu obter conclusões diferentes das predominantes à sua época e, assim, romper com a tradição neoclássica. Isto demonstra a importância – e talvez a necessidade – que há em se analisar por diferentes ângulos os diversos processos econômicos, com vistas a se obter conclusões inéditas.

Constata-se, a partir deste estudo, que o próprio Schumpeter mostrou ser um inovador ao romper com a visão econômica predominante à sua época e defender de forma tão relevante à importância das inovações para a dinâmica capitalista. Com isso, ele mesmo produziu uma inovação incremental na teoria econômica. A difusão da sua abordagem possibilitou muitos outros incrementos extraídos de estudos teóricos e empíricos fazendo com que a teoria da inovação tomasse corpo e se transformasse numa escola de pensamento econômico.

Observam-se alguns dos principais elementos abordados neste trabalho na contribuição de Schumpeter. A sua teoria inicialmente consistia em uma invenção, ainda que parcialmente influenciada por teorias precedentes. Após a publicação da Teoria do Desenvolvimento Econômico (1911) e Capitalismo, Socialismo e Democracia (1939) e a consequente discussão em torno das suas formulações, esta invenção se tornou um inovação na teoria econômica que rapidamente atingiu o estágio de difusão, seguido por um intenso processo de aprendizagem e reprodução teórica.

A partir deste forte processo de aprendizado, discussão e reprodução, novas linhas de estudo emergiram com ritmos e direções próprias, porém, inter-relacionadas e contidas nos limites da mudança tecnológica. Infere-se que cada uma delas possui corpo teórico próprio e abrangente, envolvidos por uma extensa bibliografia. Conclui-se ainda que boa parte dos estudos e conclusões relacionadas a estas novas abordagens estão em construção, demonstrando que o estado-da-arte da teoria evolucionária ainda não foi atingido. Nesse sentido, percebe-se que uma parcela significativa da teoria da inovação carece de avanço em estudos empíricos.

Apesar disso, a abordagem neoschumperiana discorre sobre diversos temas importantes para explicar as diferenças de crescimentos entre países e regiões. Os processos de difusão e aprendizagem tecnológica se mostram sobremodo importantes para o contexto competitivo entre as firmas, regiões e países. Deste modo, os países com melhores habilidades de difusão e aprendizagem tecnológica tendem a apresentar um desenvolvimento tecnológico superior. Isso implica dizer que não apenas o processo de geração se torna importante para o crescimento econômico, mas principalmente o processo difusivo.

Políticas de incentivo à geração, difusão e aprendizado tecnológico devem ser implantadas, porém, mecanismos de proteção e apropriabilidade não devem ser esquecidos. A perspectiva de lucros extraordinários para o inovador permanece sendo um importante – ou principal – motivador da busca por novos bens, serviços, sistemas, etc. Os investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) resultam da expectativa de monopólio da inovação.

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1 Este apelido, que quer dizer Criança Terrível ou indivíduo independente, Schumpeter adquiriu durante os dois anos em que lecionou na Universidade de Czernowitz (Fabrício, 1998).

2 Coincidentemente, Schumpeter nasceu no mesmo ano que Jonh Maynard Keynes. A propósito, conforme apontou Rubens Vaz da Costa, Schumpeter e Keynes, contemporâneos que se conheceram pessoalmente, nunca demonstraram nenhuma afinidade intelectual ou ideológica (Schumpeter, 1997).

3 Exemplos são os apontados pelo historiador Thomas K. McCraw (2012, pág. 67 e 68): “Como em Berlim, travou contato com todos os economistas importantes encontráveis a uma distância razoável. Depois de absorver o que tinham a oferecer os melhores cérebros da London School of Economics, tomou o trem para Cambridge. Lá, tomou café da manhã com Alfred Marshall, quarenta anos mais velho e o economista mais famoso do mundo. […] Também passou uma hora com Philip Wicksteed, um teólogo cuja contribuição para a teoria econômica levou muitos anos para ser devidamente reconhecida. Em Oxford, gostou muito de se encontrar com Francis Y. Edgeworth, de sessenta e dois anos, editor do Economic Journal, o mais importante periódico do ramo”.

4Estes artigos, conforme relatou o historiador Thomas K. McCraw em seu livro O Profeta da Inovação (2012, pág. 63), foram divulgados em 1905. Schumpeter escreveu um aos vinte e dois anos e dois aos vinte anos.

5 Essa sua posição, porém, foi alterada quando da publicação do seu livro Capitalismo, socialismo e Democracia, de 1934. A ênfase dada por Schumpeter passa a recair sobre as inovações, ao que ele atribui a destruição criadora.

6 O termo progresso técnico ou progresso tecnológico é usual na literatura econômica e pode ser considerado como tendo o mesmo sentido de inovação utilizado por Schumpeter (1997). Contudo, os termos mudança técnica e mudança tecnológica não devem ser entendidos como sinônimos, visto que o primeiro está relacionado à mudança no produto final e o último está relacionado ao processo de invenção, inovação e difusão de tecnologia. Desta forma, os termos progresso técnico, progresso tecnológico e mudança tecnológica podem ser entendidos como sinônimos e, portanto, tem o mesmo sentido de inovação no sentido utilizado por Schumpeter (Torres, 2012).

7 Estes quatro tipos de inovações são detalhados no sub tópico 3.2.

8 Conforme Tigre (2006, pág. 73), “a aplicação do conceito de paradigmas científicos de Thomas Kuhn no estudo da evolução da ciência à economia assume várias terminologias, tais como paradigma tecnológico (Dosi, 1982) e paradigma técnico-econômico de Carlota Perez”.

 

Por Daniel Gonzaga de Melo


Publicado por: Daniel Gonzaga de Melo (http://linkedin.com/in/danielgmelo)

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