A Educação de Jovens e Adultos e o Movimento Brasileiro de Alfabetização

RESUMO

Este trabalho tem como objetivo apresentar, a partir de uma pesquisa bibliográfica, a Educação de Jovens e Adultos no Brasil, como prática social através de instituições formais ou não. Essa modalidade de ensino sempre enfrentou resistências e dificuldades, desde que os jesuítas eram responsáveis pela educação no Brasil Colônia. Na década de cinqüenta desse século, a Campanha de Educação de Jovens e Adultos, sofreu muitas críticas pelos métodos usados e foi extinta por não obter resultados positivos.  Surge nesse momento uma referência no panorama da educação para Jovens e Adultos: Paulo Freire. Com a pedagogia de Paulo Freire, nasce, nesse clima de mudança no início dos anos sessenta, a Educação Popular, que se articulava à ação política junto aos grupos populares: intelectuais, estudantes, pessoas ligadas à igreja Católica e a CNBB. Em 1964, foi aprovado o Plano Nacional de Alfabetização, que deveria atingir todo o país, orientado pela proposta pedagógica de Paulo Freire, mas, foi suprimida pelo golpe militar de 64 e substituída pelo Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). O presente trabalho, portanto, está voltado para a temática da Educação de Jovens e Adultos e tem seu foco no Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL), criado no ano de 1967. O MOBRAL foi uma iniciativa pensada e elaborada pelo regime militar vigente no Brasil (1964 – 1985), com a finalidade de defender seus interesses, enquanto classe dominante. Sob a máscara de erradicação do analfabetismo, sua preocupação era somente fazer com que seus alunos aprendessem a ler e escrever, sem uma preocupação maior com a formação do homem. A finalidade desse projeto de pesquisa é a de compreender o que esse movimento que hasteava a bandeira da Educação de Jovens e Adultos, significou na vida de pessoas que dele fizeram parte. Pessoas que acreditaram no MOBRAL, como instrumento de mudança social. O objetivo desse trabalho é: refletir sobre as iniciativas dos movimentos de Educação Popular, dissolvidos pelo regime militar, após o golpe de 64, e de entender qual o real processo de educação contido no MOBRAL.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 

2  A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

2.1 NOS CAMINHOS DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

2.2 PAULO FREIRE UM MARCO NA EDUCAÇÃO BRASILEIRA

2.3 A DITADURA: “ANOS DE CHUMBO”

2.4 O ANALFABETISMO E A EDUCAÇÃO POPULAR

2.5 O GOLPE NA EDUCAÇÃO

3  O MOBRAL

3.1 DESTITUIDA A EDUCAÇÃO POPULAR SURGE O MOBRAL

3.2 O MOBRAL E SUA REALIDADE

4 CONCLUSÃO

5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1 INTRODUÇÃO

Uma das causas do fracasso do MOBRAL no seu trabalho de alfabetização do jovem e do adulto brasileiros está relacionada aos recursos humanos: o despreparo dos monitores a quem era entregue a tarefa de alfabetizar. Tratava - se de pessoas não capacitadas para o trabalho em educação, que recebiam um“cursinho” de  treinamento de como aplicar o material didático fornecido pelo MOBRAL e ensinavam apenas a mecânica da escrita e da leitura, portanto, não alfabetizaram (SAUNER, 2002, p.59).

Ao longo de sua história, a Educação de Jovens e Adultos, como é hoje denominada, realizou-se como prática social através de instituições formais ou não. Na história do Brasil é possível perceber as dificuldades encontradas nessa modalidade de ensino, desde a época em que os jesuítas eram responsáveis pela educação até os dias de hoje.

Ainda na década de cinqüenta, deste século surgiram severas críticas à Campanha de Educação de Jovens e Adultos, devido ao caráter superficial do aprendizado, ao curto período e à inadequação do método para a população adulta, que era aplicado de forma igual nas diferentes regiões do país. E devido à campanha não ter obtido bons resultados em diversas regiões do país, sobretudo na Zona Rural, foi extinta logo em seguida. Depois disso surge, então, uma nova referência no panorama da educação brasileira para Jovens e Adultos: Paulo Freire.

Com a pedagogia de Paulo Freire, nasce, nesse clima de mudança no início dos anos sessenta, a Educação Popular que se articulava à ação política junto aos grupos populares: intelectuais, estudantes, pessoas ligadas à igreja católica e a CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Em 1964, foi aprovado o plano Nacional de Alfabetização. O Brasil todo deveria ser atingido e orientado pela proposta de Paulo Freire. Mas com o golpe militar de 64, toda essa proposta de uma educação inovadora foi suprimida e para substituí-la foi proposto o MOBRAL.

A exceção se dá somente na década de sessenta com o educador Paulo Freire. Este educador apresenta então uma proposta inovadora de educação que, em seguida, com o golpe militar de 64 foi suprimida e para substituí-la foi proposto o: MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização.

O presente trabalho, portanto, está voltado para a temática da Educação de Jovens e Adultos, e tem seu foco no “MOBRAL”, ou seja, Movimento Brasileiro de Educação, criado no ano de 1967.

Segundo, Cunha e Góes (2002, p. 57), havia um forte entusiasmo por mais esse movimento de alfabetização por parte de pedagogos da ditadura e dos economistas e militares travestidos em educadores que ignoravam que o analfabetismo só foi superado, historicamente, por dois caminhos, seja primeiro pela expansão das oportunidades de ensino público e gratuito, acompanhados ou precedidos por significativas melhorias do padrão de vida das classes populares; ou então, de campanhas maciças de educação popular durante ou logo após uma revolução, como na União Soviética, na China, em Cuba, no Vietnã e, mais recentemente na Nicarágua. Ele afirma, entretanto que o Brasil de 70, não se encontrava presente em nenhuma dessas duas condições.

Este movimento foi uma iniciativa pensada e elaborada pelo regime militar vigente no Brasil (1964 – 1985), com a finalidade de defender seus próprios interesses, enquanto classe dominante, que sobre a máscara de erradicação do analfabetismo e apesar dos textos oficiais negarem, é conhecido que sua primordial preocupação era tão somente fazer com que os seus alunos aprendessem a ler e a escrever, sem uma preocupação maior com a formação do homem.

A finalidade deste projeto de pesquisa é de compreender o que esse movimento, que hasteava a bandeira da alfabetização de jovens e adultos, significou na vida de pessoas que dele fizeram parte. De pessoas que acreditaram que o MOBRAL, era um instrumento de possibilidades para uma mudança social, através da educação.

Para dar mais estrutura à pesquisa, trabalhar com fontes escritas que abordem essa temática, partindo da visão de críticos e pensadores como: (Paulo Freire, 2005), (Moacyr Góes, 2002), (Luis Antonio Cunha, 2002), (Leôncio Soares, 2005), (Ana Maria de Oliveira, 2005), (Paolo Nosella, 2005), (Otaíza Romanelli, 2000), (Vanilda Paiva, 1987) ligados a área da educação, que retratam a luta para que a Educação de Jovens e Adultos se tornasse uma realidade de inclusão social. Uma proposta de educação ética como nos diz Paulo Freire:

A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar (FREIRE, 2005, p. 16).

A educação como uma realidade de inclusão social, enquanto construía este projeto de monografia, pude refletir sobre a razão de minha escolha pelo tema: Educação de Jovens e Adultos. Pude então remeter-me à minha infância e deixar voltar à mente as lembranças de dois momentos, em minha pequena cidade natal.

A primeira lembrança é a de que, meus pais eram provindos do meio rural e enquanto eu estava sob os cuidados de meus irmãos mais velhos, também crianças, meus pais freqüentavam uma escola noturna para a conclusão da antiga 4º série. Certo dia, era noite, fui acorrido de um mal estar e meus irmãos mais velhos, sem saberem  que providência tomar, levaram-me à escola  para que minha mãe tomasse então as devidas providências. Foi, nesse dia, que pude ver, pela primeira vez, uma sala de aula, e ainda, freqüentada por adultos.

Em relação à segunda lembrança, apenas para situar minha idade, devo dizer que já freqüentava a escola. E à noite, brincava com outras crianças, próximo de uma igreja, que tinha por nome: Nossa Senhora do Rosário. Não era a igreja matriz, da cidadezinha, ou seja, a mais importante. Era a igreja do morro, onde moravam em sua maioria, pessoas pobres e de cor negra. Essas condições descritas dos habitantes daquele morro, não provocavam ânimo à visão elitista do pároco local, e a igreja por anos, permaneceu fechada e abandonada.

Era ali, naquele local desprezado até para o culto cristão, que se realizavam as atividades pedagógicas do MOBRAL, uma analogia bem representada. Mais uma vez, a história do descaso e do preconceito se repetia, pois, sem banheiros e sob luzes fracas, os idosos ainda se esforçavam em materializar os seus sonhos de aprendizagem. Enquanto eu, ainda criança, olhava para aqueles rostos cansados e já marcados pelo tempo, sem compreender o porquê daquela realidade.

Questionava-se sobre a razão da existência de uma sala de aula como aquela. Imaginava que aqueles senhores e senhoras que ali estavam já deveriam saber o bastante até mesmo para ensinar às crianças. Mas, eu era apenas uma criança, e como tal não poderia realmente entender que vivíamos sob um sistema injusto, desigual e preconceituoso, que sempre privilegiou as elites em detrimento das camadas mais pobres.

Escrevendo essa monografia e percorrendo a trajetória histórica da Educação de Jovens e Adultos desde o Brasil Colônia, até aos anos de 1985, quando se encerraram as atividades do MOBRAL, foi que pude ver respondidas minhas indagações da infância. E, ao término deste trabalho, tudo o que espero é que ele possa ser um instrumento de conscientização de que a mudança é possível, de que o sonho pode se materializar.

2.1 Nos Caminhos da Educação Brasileira

Em relação à história da alfabetização de jovens e adultos no Brasil, é preciso observar que os primeiros vestígios da educação de adultos no Brasil são perceptíveis durante o processo de colonização, após a chegada dos padres jesuítas, em 1549. Convém ressaltar que esses se voltaram para a catequização e “instrução” de adultos e adolescentes, tanto de nativos quanto de colonizadores, diferenciando apenas os objetivos para cada grupo social.

Não podemos deixar de reconhecer que os portugueses trouxeram um padrão de educação próprio da Europa. No que tange a esse padrão de cultura transplantada, Romanelli (2000, p. 23) considera que essa cultura é ferramenta para impor e preservar os modelos culturais importados, que por si, inibem a possibilidade de criação e inovação culturais. É importante que se saliente que conforme Fernandes (1989, p. 355), as populações indígenas que por aqui viviam já possuíam características próprias de se fazer educação, e que a educação que era praticada por eles em suas tribos não tinha as marcas repressivas do modelo educacional europeu.

De acordo com Piletti (1996, p. 68), os jesuítas foram expulsos das colônias em 1759, por Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, primeiro-ministro de Portugal de 1750 a 1777, em função de radicais diferenças de objetivos. Enquanto os jesuítas preocupavam-se com o proselitismo e o noviciado, Pombal pensava em reerguer Portugal da decadência que se encontrava diante de outras potências européias da época. Nesse sentido, a educação jesuítica não convinha aos interesses comerciais emanados por Pombal. Ou seja, se as escolas da Companhia de Jesus tinham por objetivo servir aos interesses da fé, Pombal pensou em organizar a escola para servir aos interesses do Estado.

Somente no Império o ensino volta a ser ordenado. E, durante todo esse período, por força do Ato Adicional de 1834, a instrução primária esteve descentralizada, ficando a cargo das Províncias. Na verdade, o advento da República não alterou significativamente essa situação, ficando a educação ainda fora das preocupações principais do governo central.

No que diz respeito à difusão da alfabetização no Brasil, vale ressaltar que ela ocorreu apenas no transcorrer do século XX, caracterizada, como instrumento pelo qual seria possível combater a aristocracia agrária, “detentora” da hegemonia política do país. Como se pode notar, esta “aristocracia” agrária representava os interesses dos conservadores, denunciando a mobilização alfabetizadora e mostrando-se preocupada com a educação da classe proletária e manifestando-se contrária ao ensino obrigatório. Sendo assim, até fins do século XIX, as oportunidades de escolarização eram muito restritas, acessíveis quase que somente às elites proprietárias e aos homens livres das vilas e cidades, pode-se dizer que, a uma minoria da população.

Em relação à alfabetização no início do período republicano, Paiva (1987, p. 89) afirma, que, a partir da Primeira Guerra Mundial, o problema da educação ganha lugar de destaque nos discursos de políticos e intelectuais, que qualificavam o analfabetismo como vergonha nacional e creditavam à alfabetização o poder de elevação moral e intelectual do país, de regeneração da massa dos pobres brancos e negros libertos e de iluminação do povo e disciplinamento das camadas populares, consideradas incultas e incivilizadas. Nesse sentido, inicia-se uma campanha para a erradicação do analfabetismo, surgindo nesse cenário os primeiros “profissionais da educação” Nessa linha de raciocínio, surgem também preocupações com uma escola renovada e com um ensino de qualidade.  Sob essa perspectiva, mesmo diante desse quadro que salienta um avanço na trajetória da educação brasileira, cumpre-nos assinalar que devido às escassas oportunidades de acesso à escolarização na infância ou na vida adulta, até 1950, mais da metade da população brasileira era analfabeta, o que a mantinha excluída da vida política, pois o voto lhe era vedado.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial e do Estado Novo, surge a volta da democracia e vale ressaltar que com ela, também surgem as primeiras políticas públicas nacionais destinadas à instrução dos jovens e adultos. Porém, foi em 1947, que o governo brasileiro lança pela primeira vez a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos – CEAA, quando se estruturou o Serviço de Educação de Adultos do Ministério da Educação. Em relação a essa Campanha, Paiva (1987, p. 178) destaca que: 

A CEAA nasceu da regulamentação do FNEP e seu lançamento se fez em meio ao desejo de atender aos apelos da UNESCO em favor da educação popular. No plano interno, ela acenava com a possibilidade de preparar mão-de-obra alfabetizada nas cidades, de penetrar no campo e de integrar os imigrantes e seus descendentes nos Estados do Sul, além de constituir num instrumento para melhorar a situação do Brasil nas estatísticas mundiais de analfabetismo (PAIVA, 1987, p. 178).

No que diz respeito à perspectiva do governo brasileiro à criação da CEAA, em relação ao altíssimo índice do analfabetismo no Brasil, Stephanou e Bastos (2005, p. 266), argumenta em conformidade à visão de Paiva, que os índices de analfabetismo no Brasil, por esse período, atingiam cerca de mais da metade da população com 15 anos ou mais. E que esse era um dos fatores que deram sua contribuição na criação da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos. Nessa linha de posicionamento, o autor, aponta que nesse período duas outras campanhas foram criadas, mas, que obtiveram poucos resultados efetivos: a Campanha Nacional de Educação Rural, em 1952, e a campanha nacional de Erradicação do Analfabetismo, em 1958. No final dos anos 50, inúmeras críticas foram dirigidas às campanhas, devido ao caráter superficial do aprendizado que se efetivava num curto período de tempo e de inadequação dos programas, modelos e materiais pedagógicos, que não consideravam as especificidades dos adultos e a diversidade regional.

No final da década de 50 e início da de 60, começam a surgir movimentos de base voltados para a alfabetização de adultos. Como se pode notar, esses movimentos, paralelos à ação governamental, consistiam da ação da sociedade civil, que ansiava por uma mudança no quadro socioeconômico e político. Sob essa perspectiva, diversos grupos de educadores encontram a oportunidade de manifestar sua preocupação com a questão da alfabetização e a educação dos adultos. Cumpre analisarmos, que nesse momento, essa preocupação era geradora de novos métodos para a alfabetização. Em virtude dessas considerações, o analfabetismo não é mais visto como causa da situação de pobreza, mas como efeito de uma sociedade que tem como base a injustiça e a desigualdade. Esses movimentos de educação e cultura popular, em sua maioria adotaram a filosofia e o método de alfabetização proposto por Paulo Freire. Exemplos de programas empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados na ação política foram: o Movimento de Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, estabelecido em 1961, com o patrocínio do governo federal; o Movimento de Cultura Popular do recife, a partir de 1961; a Campanha de Pé no Chão se Aprende a ler, da Secretaria Municipal de Educação de Natal, e os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da União Nacional dos Estudantes (UNE). No que concerne a esses movimentos, Paiva (1987, p. 236) registra que os mesmos tinham como pretensão, encontrar um procedimento para a prática educativa ligadas às artes e à cultura popular e como ressalta a autora, fundamentalmente promover a conscientização das massas através da alfabetização e da educação e base.

A ditadura militar que entrou em vigor no Brasil em 1964 foi um período marcado por momentos de extremo autoritarismo, violência, repressão e por diversos outros meios de manter o regime. Compreender o conjunto de interesses e valores dos segmentos sociais que faziam parte do poder, naquele momento, é fundamental para entender como vários mecanismos autoritários, que buscavam o controle e o consenso da população, tentavam atuar nas diversas esferas da sociedade. Em virtude dessas considerações, oportuno se torna dizer que a educação esteve submetida aos mecanismos de controle desse regime militar. Nessa linha de raciocínio, reconhecemos que a educação se torna instrumento de conscientização das massas e de sua exploração, sob a ótica de grupos contrários à ordem vigente. Convém notar igualmente, que, sob a ótica dos grupos dominantes, a educação passa a ser instrumento de reprodução da ideologia das classes dominadas, mas, com as idéias e os valores próprios da classe dominante.

Por conseguinte, pode-se dizer que a repressão se abateu impiedosamente sobre as iniciativas dos movimentos populares de educação, minando toda possibilidade da educação como instrumento de transformação das massas. Nessa linha de posicionamento, a educação que até então era vista com descaso pelo Estado, ganha nesse cenário, prioridade e promoção. Vale lembrar, no entanto, que todos os intelectuais e seus projetos de uma educação libertadora, foram as primeiras vítimas da famigerada fúria da repressão. Conforme expõem Cunha e Góes (2002, p. 36), a repressão se voltava contra tudo e todos, que segundo sua ótica eram suspeitos de idéias subversivas. Demissão, suspensão e apreensão, eram instrumentos considerados eficazes a qualquer movimento considerado como inspiração “comunista”. Tal como ressalta o autor, reitores foram demitidos, sistemas educativos e programas educacionais não foram poupados. Professores e estudantes universitários foram expulsos das instituições onde lecionavam e estudavam e interventores eram nomeados para as instituições de ensino, que passavam a conviver com decretos, como o decreto – lei 477, que considerava suspeitos de subversão, todos os candidatos ao magistério e todos os professores, até que provassem o contrário.

Para o novo regime abater solenemente as iniciativas de movimentos voltados para a educação popular, era preciso cunhar um novo programa de alfabetização de adultos, ainda que o mesmo se restringisse, em muitos casos, a um exercício de aprender a “desenhar o nome”. A prática educativa do regime militar se contrapunha às iniciativas dos movimentos educacionais de base, que traziam em suas pautas, a alfabetização vinculada à problematização e conscientização da população sobre sua realidade de vida e de sua participação como agente de transformação dessa realidade.

Sob a perspectiva do novo regime, a alfabetização de jovens e adultos ganhou a feição de ensino supletivo, instituído pela reforma do ensino de 1971, mesmo ano em que teve início a campanha denominada Movimento Brasileiro de Alfabetização, que ficou conhecida pela sigla MOBRAL. Com um funcionamento muito centralizado, uma campanha que conclamava a população a dar sua contribuição – “você também é responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha mão domável, eu sinto a sede do saber”, canção da dupla, Dom e Ravel e aliciamento de alfabetizadores sem muita exigência, o Mobral espraiou-se por todo o país, mas não cumpriu sua promessa de erradicar o analfabetismo durante aquela década e, em 1985, na transição à democracia, acabou sendo extinto e substituído pela Fundação educar.

2.2 Paulo Freire, um Marco na Educação.

No que diz respeito ao educador Paulo Freire e sua obra, cabe-nos considerar a importância de sua perspectiva, em que pese à educação como instrumento de mudança social. Sob essa perspectiva, para Freire, a educação deve visar sempre à libertação, à transformação radical da realidade, para torná-la mais humana, permitindo assim que homens e mulheres sejam vistos e reconhecidos como sujeitos de sua história e não como meros objetos. A educação, na sua visão mais ampla, deve possibilitar a leitura crítica do mundo. Em relação ao papel da educação, para Paulo Freire (2002, p. 72) a alfabetização é mais que o simples domínio mecânico de técnicas para escrever e ler.

Em consonância com o que foi dito, Freire sempre demonstrou uma preocupação em relação a uma aprendizagem significativa, em toda sua discussão em relação à escolarização do aluno jovem e adulto, Freire enfatizou a importância de se associar o aprendizado da leitura e da escrita à revisão profunda nos modos de conceber o mundo e nas disposições dos jovens e adultos para tomar nas mãos o próprio destino.

Por conseguinte pode-se dizer que para o educador Paulo Freire, o mundo se apresenta ao mesmo tempo como inacabado e injusto. A educação, portanto, deve implicar na denúncia da realidade. O educador, diante disso, deve almejar uma sociedade melhor. A construção de uma nova realidade deve ser a utopia do educador. A utopia estimula a busca e, ao se denunciar certa realidade, ao mesmo tempo se estará buscando outra. Nosso desafio é organizar o procedimento utópico sem sufocar a capacidade utópica (FREIRE, 2002, p. 43). Nesse sentido o educador deve ter esse sonho de transformação de homens e mulheres fazedores de um amanhã melhor. Em virtude dessas considerações, cabe ressaltar que a filosofia educacional de Freire se fundamenta em dois elementos básicos: a conscientização e o diálogo. Na proposta de Freire é “a leitura de mundo que precede sempre a leitura da palavra (FREIRE, 2000, p.90). O educador deve conduzir o educando à leitura do seu contexto histórico e social, seu espaço, suas histórias e sua vida como um todo.Tudo isso deve ser ponto de partida e ponto de chegada para a aprendizagem. É preciso valorizar o saber de todos; o conhecimento que o aluno traz de seu meio não pode ser negado. Nesse sentido, no conceito de Freire tanto o aluno quanto o professor são transformados em pesquisadores críticos. Seu convite ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em uma determinada sociedade. Ele convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo; desafia-o a compreender que ele próprio também é um fazedor de cultura.

Ao se abordar o tema da Educação no Brasil, e principalmente da Educação de Jovens e Adultos, não é demasia salientar, que a perspectiva da educação brasileira, não seria a mesma sem a ótica social de Freire. Convém notar que o educador criou uma proposta para a alfabetização de adultos que inspira até os dias de hoje diversos programas de alfabetização e educação popular, desde o Centro de Cultura Dona Olegarinha, berço do Método Paulo Freire, nos anos 60.

Vale aqui, lembrar que em janeiro de 1962, Freire faz uma experimentação de seu método de educação, um método diferenciado que, segundo Cunha e Góes (2002, p. 19), se utiliza do eclético e de meios visuais, uma proposta como ressaltam os autores, do próprio Freire. Pertinente é a colocação dos autores, quando registram que essa experiência educacional, foi repetida por diversas vezes, valendo ressaltar que em todas elas, obtinham-se resultados semelhantes, ou seja, em um grupo de quatro alunos, no período de dois meses, com um tempo aproximado de trinta horas, um deles já liam trechos considerados difíceis. Sua compreensão inovadora da problemática educacional brasileira interpretava o analfabetismo como produto de estruturas sociais desiguais e, portanto, efeito e não causa da pobreza.

Paulo Freire nasceu no Recife, Pernambuco, Brasil, em 1921. Sua família fazia parte da classe média, mas Freire vivenciou a pobreza e a fome na infância durante a depressão de 1929, uma experiência que o levaria a se preocupar com os mais pobres e o ajudaria a construir seu revolucionário método de ensino. Por seu empenho em ensinar os mais pobres, Freire tornou-se uma inspiração para gerações de professores, especialmente na América Latina e na África. Pelo mesmo motivo, sofreu a perseguição do regime militar no Brasil (1964-1985), sendo preso e forçado ao exílio.

Embora tendo sido formado em Direito, logo descobriu sua vocação de Educador. Porém, não um educador formal, profissional, mas um educador para a liberdade. Sua primeira experiência foi no SESI – Serviço Social da Indústria, onde trabalhou com famílias operarias nos “Círculos de Pais e Professores”; e experimentou o que ele mesmo chamou de “uma educação social”.
A perspectiva de Freire reconhecia os analfabetos como portadores e produtores da cultura, o que se opunha de maneira contundente às representações de analfabetos até então preponderantes, fortemente marcadas pelo preconceito. No que tange a essa questão, Paiva, desenvolve considerações a respeito desse preconceito, difundido pela Cruzada Nacional de Educação:

Por exemplo, a cruzada só na década de 50 (após mais de 25 anos de atividade) reconhece publicamente o “perigo dos semi-letrados”. Sua larga sobrevivência em torno de uma concepção “filantrópica” e “humanitarista” da educação, apoiada numa visão deformada da realidade social, na qual a educação aparece como causa de todos os problemas, demonstra o quanto suas posições teóricas encontravam eco nos setores que a promoviam e o quanto estava difundido (e as campanhas ajudaram a fortalecer) o preconceito contra o analfabeto (PAIVA, 1987, p. 121).

Como já aludido anteriormente, para Paulo Freire a educação teria o papel de libertar os sujeitos de uma consciência ingênua, herança de uma sociedade repressora, agrária e oligárquica, transformando-a em consciência crítica. Em relação ao papel da educação na sociedade dentro da perspectiva de Freire, Stephanou e Bastos (2005, p. 269), apontam que para Freire, deve-se valorizar o analfabeto, como alguém capaz de produzir conhecimentos e que a educação deveria ter um caráter de diálogo e não ser resumida a uma relação cliente – banco. Segundo o próprio Freire:

A educação passa a ter sentido ao ser humano porque o seu existir se caracteriza como possibilidade histórica de mudanças. “Somos ou nos tornamos educáveis porque, ao lado da constatação de experiências negadoras da liberdade, verificamos também ser possível a luta pela liberdade e pela autonomia contra a opressão e o arbítrio” (FREIRE, 2000, p. 121).

No que diz respeito ao método de educação de Freire, para adultos, Veiga (1987, pp. 250 - 251), destaca que dentre outros métodos, principalmente aqueles elaborados por grupos cristãos e que obtiveram uma influência decisiva no Movimento de Cultura Popular de Pernambuco, o método de Freire, conforme já aludido anteriormente, foi o que mais trouxe influência sobre os profissionais ligados à área da educação.

2.3 A Ditadura: “Anos de chumbo”

No que diz respeito ao período da repressão política no Brasil, reconhecemos que, no dia 1º de Abril de 1964, o Brasil mergulha em uma nova fase da sua história. Durante 21 anos, o país viveu um regime de governo militar que marcou a nação, seu povo e suas instituições. Por conseguinte, podemos definir a Ditadura Militar como sendo o período da política brasileira em que os militares governaram o Brasil. Esta época vai de 1964 a 1985. Em consonância com o que foi dito, esse período foi caracterizado pela falta de democracia, supressão de direitos constitucionais, censura, perseguição política e repressão aos que eram contra o regime militar.

A rigor, a crise política se arrastava desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961. O vice de Jânio era João Goulart, que assumiu a presidência num clima político adverso. De acordo com Delgado e Ferreira (2007, p. 362), Goulart assumiu seus poderes com aprovação maciça da população. O autor, ainda ressalta que o plebiscito de 06 de janeiro de 1963, para a escolha da forma de governo, foi na verdade sua eleição para a presidência da República e que seu prestígio nesse momento era imenso, pois, seu programa tinha sustentação nas reformas de base e essa tendência era conhecida de todos. Sob essa perspectiva, do bem estar-estar social, estudantes, organizações populares e trabalhadores ganharam espaço, causando a preocupação das classes conservadoras como, por exemplo, os empresários, banqueiros, Igreja Católica, militares e classe média.

Cunha (2002, pp. 20-21) registra a presença de João Goulart em visita a uma aula de encerramento, de um projeto educacional em Angicos, no interior do Rio Grande do Norte. Tal como ressalta o autor, era uma aula voltada para a população pobre e analfabeta desta comunidade. O autor destaca que nesse momento, um dos alunos alfabetizados, quebra o protocolo e se dirige ao presidente, afirmando:

Naquele tempo anterior veio o presidente Getúlio Vargas matar a “fome da barriga”- que é uma doença fácil de curar. Agora, na época atual, veio o nosso presidente João Goulart matar a precisão da cabeça que o pessoal todo tem necessidade de aprendê. Temos muita necessidade das coisas que nós não sabia e que hoje estamos sabendo. Em outra hora nós era massa, e hoje já não somos massa, estamos sendo povo (CUNHA, 2002, p. 21).

Com base nas informações aduzidas, tenha-se presente que o conjunto de ações oferecidas por João Goulart desprestigiava claramente os interesses dos grandes proprietários, do grande empresariado e das classes médias.  Os setores conservadores temiam uma guinada do Brasil para o lado socialista. Vale lembrar, que neste período, o mundo vivia o auge da Guerra Fria.

De acordo com Bandeira (2001, p. 201), este estilo populista e de esquerda chegou a gerar até mesmo preocupação nos EUA, que junto com as classes conservadoras brasileiras, que temiam um golpe comunista.

Destarte, os partidos de oposição, como a União Democrática Nacional (UDN) e o partido Social Democrático (PSD), acusavam Jango de estar planejando um golpe de esquerda e de ser o responsável pela carestia e pelo desabastecimento que o Brasil enfrentava.

No dia 13 de março de 1964, João Goulart realiza um grande comício na Central do Brasil (Rio de Janeiro), onde defende as Reformas de Base. Neste plano, Jango prometia mudanças radicais na estrutura agrária, econômica e educacional do país.

Conforme já aludido anteriormente, a rejeição às Reformas de Base adquiria mais partidários e seis dias após o comício na Central do Brasil, em 19 de março, os conservadores organizaram uma manifestação contra as intenções de João Goulart. Foi a marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu milhares de pessoas pelas ruas do centro da cidade de São Paulo, nome comum de uma série de manifestações públicas organizadas por setores ultraconservadores da sociedade brasileira em resposta ao comício realizado no Rio de Janeiro, em 13 de março de 1964, pelo Presidente João Goulart.

Como se pode notar, o clima de crise política e as tensões sociais aumentavam a cada dia. No dia 31 de março de 1964, tropas de Minas Gerais e São Paulo saem às ruas. Para evitar uma guerra civil, Jango deixa o país refugiando-se no Uruguai.

De acordo com Toledo (1982, p. 96), com a deposição de João Goulart o poder real passa a ser exercido pelo Comando Supremo Revolucionário, composto por altos oficiais das três armas: o general Arthur da Costa e Silva, o almirante Augusto Rademarker e o brigadeiro Francisco de Mello. Foram esses militares que editaram o Ato Institucional nº 1 (AI-1), que estabelecia, entre outras coisas, a eleição indireta para presidente da República. Tenha-se presente que este instrumento também se tornava em cassa mandatos políticos de opositores ao regime militar e tirava a estabilidade de funcionários públicos.

De acordo com Romanelli (2000, p. 193), a internacionalização da economia brasileira não poderia mais coexistir com a política de massas e com os apelos do nacionalismo:

As contradições chegam a um impasse com a radicalização das posições de direita e esquerda. Os rumos do desenvolvimento precisavam então ser definidos, ou em termos de uma revolução social e econômica pró-esquerda, ou em termos de uma orientação dos rumos da política e da economia de forma que eliminasse os obstáculos que se interpunham à sua inserção definitiva na esfera do controle do capital internacional. Foi esta última a opção feita e levada a cabo pelas lideranças do movimento de 1964 (ROMANELLI, 2000, p. 193).

Quaisquer sinais de movimentação democrática, após os anos 64, eram massacrados aterradoramente pela preleção do senso comum burguês, alçando à condição de “comunista” toda e qualquer pessoa que defendesse os ideais democráticos e de liberdades que poderia crer. Convém notar igualmente que, por conta desta pseudo-ameaça, foi instaurada no Brasil a “Revolução Brasileira”, que possui este nome entre os historiadores, dadas as suas características marcantes de uma revolução, com o propósito de “varrer o país do comunismo”, imergindo a nação num dos períodos mais nebulosos e trágicos de toda a nossa história recente.

2.4 O Analfabetismo e a Educação Popular

Em relação à educação no Brasil e seus diversos processos de formação, cabe ressaltar a trajetória da educação popular, objeto desta pesquisa.

Desde o período Colonial, a educação popular era vista com um caráter mais religioso do que propriamente educacional. Paiva (1987, p. 53) chega a afirmar que é infactível falar da existência de uma educação popular nesse período. A autora ainda argumenta que nenhuma importância era destinada à educação popular, ressaltando que mesmo a hipotética educação de caráter religioso, administrada pelos jesuítas e outros religiosos, não resistiu à ação de Pombal.

Na linha do descaso pela educação popular ocorrido na colônia, Stephanou e Bastos (2005, p. 258) apontam que, no período sucessivo ao colonial, a alfabetização dos adultos era postergada em relação ao ensino secundário. Os autores registram que, devido a esse descaso, a educação popular não apresentava experiências sistemáticas e significativas.

No que concerne à época do Brasil Império, várias políticas educacionais preconizavam a necessidade de haver classes noturnas de “ensino elementar para adultos e analfabetos”. Assim, Stephanou e Bastos (2005, p. 260) registram que, a partir do Ato Adicional de 1834, as províncias se encarregariam de conduzir as instruções destinadas ao ensino primário e secundário. Ademais, os autores destacam o papel desse Ato Adicional, que visando à educação de adultos, formulou políticas de caráter específico para essa modalidade de ensino. Para Romanelli (2000, p. 40), a descentralização, desencadeada pelo Ato Adicional, fragmentou os escassos projetos e recursos existentes, contribuindo para a proliferação de leis contraditórias, e na prática pôs por terra a instrução elementar no Brasil Império. Nesse sentido, para Paiva (1987, pp. 53-54), toda ineficácia percebida após o Ato Adicional, quanto ao ensino primário e secundário, encontrou significativas apreensões a partir de 1870.

No que diz respeito à educação no contexto da Primeira República, de acordo com Zotti (2004, pp. 69-72), na década de 20, houve um entusiasmo geral pela educação e uma fase de otimismo pedagógico.

A Primeira República não herdou do Império um sistema articulado de ensino. Por isso, educadores e políticos questionaram o método educacional utilizado no império, o qual privilegiava a educação da elite e se propuseram a transformá-lo.

Nesse momento havia uma luta em torno de um sistema nacional de educação, justificado pela idéia de que o progresso do país decorreria de uma educação bem estruturada. O autor (ibid pp. 69-72) considera que, para esses “entusiastas da educação”, deveria se articular nesse sistema o ensino, do primário ao superior. Destarte, ler, escrever e fazer as quatro operações, que foram definições do ensino pelo decreto imperial de 1827, não seriam suficientes para possibilitar ao brasileiro, sua inserção no país que estava disposto a crescer economicamente. Pretendia-se que a década de 1920 transformasse radicalmente a educação. Há uma superestimação da educação primária e a idéia de ensino prático começa a ser difundida. Isto é, a educação forma o homem brasileiro e o transforma num elemento de produção, necessário à vida econômica do país e importante para a elevação dos padrões de vida. A implantação do novo modelo político e social no Brasil difunde a idéia de prosperidade nacional. O autor (ibid, pp. 69-72) assevera que, em relação à educação, a jovem República já nasce velha. Pois, ela traz consigo o ensino elitista dos tempos do Império e não apresenta mudanças que revertam esse quadro.

No que concerne à trajetória da educação de adultos no Brasil, pode-se considerar que a educação atravessou séculos por veredas tortuosas, reservada a uma elite dominante e totalmente exploradora, e sempre voltada à estratificação e ao predomínio social. Por diversos séculos, a sociedade esteve arraigada à concepção de predominância cultural, conformando-se na idéia básica de que o ensino era apenas privilégio de alguns. Daí em diante, a educação brasileira seguiu sua trajetória entre rupturas e construções.

Ponderadas as considerações até aqui indicadas, vale ressaltar que no Brasil do século XIX surgia um desafio, que consistia em preparar a transição entre a escravidão e a liberdade dando à sociedade a capacidade de ser moderna, com todas as nuances que a palavra moderna pudesse trazer, sem que, para tanto, ocorresse nenhum desequilíbrio na ordem vigente.

Na década de 1920, devido mesmo ao panorama econômico-cultural e político que se delineou após a Primeira Grande Guerra, o Brasil começou a se repensar. Em diversos setores sociais, as mudanças foram debatidas e anunciadas. Ademais, o setor educacional compartilhou do movimento de renovação. Inúmeras reformas do ensino primário foram feitas em âmbito estadual e a Revolução Industrial desempenhava sua influência na expansão do ensino. Segundo Romanelli (2000, p. 59), nesse século, o Estado opera como educador. Encara-se como responsável pela educação do povo diante das mudanças e exigências sobrevindas da sociedade industrial. Com tudo isso, ressalta a autora, havia a necessidade de se suprimir o analfabetismo na tentativa de proporcionar um mínimo de qualificação para o trabalho a um máximo de pessoas.

Sob essa perspectiva, o analfabetismo passa a ser visto como uma “chaga” que envergonhava e que impedia o país de ser referido entre as nações cultas. Para sanar essa chaga, ou seja, “regenerar” o povo que vivia no crepúsculo da ignorância e que precisava descobrir a lucidez da educação, para alcançar a “civilização”, Stephanou e Bastos (2005, p. 260) registram que os professores que se propunham ao ensino dos adultos, não auferiam rentabilidades ou gratificações para abrir aulas noturnas. Assim segundo esses autores, o ensino para adultos, ganhava então um caráter de missão.

O quadro apresentado corrobora a existência de uma rede de filantropia no Brasil no século XIX, em que as elites abonavam sua parte de subsídio na “regeneração” do povo.

De acordo com Paiva (1983, p. 92), existia, por parte de alguns intelectuais, o receio de que a alfabetização transformasse os futuros alfabetizados, criaturas incultas em elementos anarquistas, tornando-os armas perigosas à sociedade e para tanto, segundo esses intelectuais, era necessária uma formação moral a fim de controlar o “perigo” dessa “arma”.

Pertinente é a colocação de Paiva, quando registra a fala de Carneiro Leão, educador, professor, administrador e ensaísta, que em 1916, expunha: “toda essa gente vegetativa e inculta e que se contentava com ofícios depreciados, de posse da arte de ler e escrever poderia almejar coisas maiores, até mesmo almejar o emprego público”. O analfabeto ainda não obtém sua inserção em meio às elites e depende dessas mesmas elites intelectuais para se tornar produtivo, apropriado e livre dos vícios.

O analfabetismo, sob a ótica da classe dominante, estava na origem de todos os grandes problemas sociais no Brasil. No entanto, é preciso observar que essa ideologia mascara as reais causas desses problemas. Ademais, dentro dessa mesma visão, o analfabetismo constitui um mal arraigado na sociedade brasileira, praticamente tão antigo quanto o próprio país, e contrário às diversas campanhas de alfabetização que surgem no bojo de políticas educacionais. Não saber ler e escrever, portanto, é a forma extrema de lacuna educacional. Ideologicamente, é possível fazer remontar a apreensão com o analfabetismo como um mal disseminado na sociedade. Infere-se, pois, que o analfabeto passa da condição de vítima de um sistema, a ser encarado como o culpado.

Conforme já aludido anteriormente, o marco inicial voltado para essa preocupação será assinalado pela primeira campanha oficial – Campanha Nacional de Alfabetização de Adolescentes e Adultos – (CEAA), que para Paiva (1983, p. 204), já possuía desde seu lançamento o objetivo da sedimentação do poder político e das estruturas sócio-econômicas, ademais, a autora esclarece que nesse momento os detentores do poder político propõem a democracia liberal após a derrubada do Estado Novo, destarte, imperativo era então que se disseminassem os postulados do novo regime às massas. A CEAA foi desenvolvida a nível nacional a partir do ano de 1947 e coordenada pelo professor Lourenço Filho, que tinha em seus pronunciamentos, a visão do analfabeto como um marginal e a educação como arma para argüir esse marginalismo. Registra-se, ainda, conforme Toshie (1983, p. 1), que a Educação de Jovens e adultos quase sempre foi desenvolvida como campanha, isto é, algo passageiro, sem estrutura definida, momentânea, muitas vezes com uma orientação ruralista em que tendia mais ao equilíbrio eleitoral que apropriar essa modalidade de ensino às autênticas condições da zona rural.

Por conseguinte, pode-se evidenciar a CEAA- Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, como a primeira campanha para a educação de adultos no Brasil. Segundo seus idealizadores, essa Campanha constituía muito para uma área da educação que nunca fora estimada e que por sua ausência deixava à margem do processo os jovens e adultos analfabetos, proporcionando a proliferação da exclusão na sociedade. Nas palavras de Lourenço Filho, conforme Paiva (1983, p. 179) esse marginalismo desapareceria, se os adultos fossem submetidos a um processo de educação. De acordo com os idealizadores da Campanha, o país se tornaria mais coerente e solidário, homens e mulheres se ajustariam à vida social, dando mais acuidade para o bem estar e desenvolvimento social. Outra questão relevante para os propositores dessa Campanha consistia em que a educação seria a égide da nação e a resguardaria, quando esses mesmos homens e mulheres soubessem defender a saúde, trabalhar de forma mais hábil e viver melhor em seus lares e na sociedade em geral. Pertinente é a colocação da autora, quando registra a forma pela qual ponderava o diretor da Campanha do movimento:

A idéia central do diretor da Campanha é de que adulto analfabeto é um ser marginal “que não pode estar ao corrente da vida nacional” e a ela se associa a crença de que o adulto analfabeto é incapaz ou menos capaz do que o indivíduo alfabetizado. O analfabeto padeceria de minoridade econômica, política e jurídica: produz pouco e mal e é freqüentemente explorado em seu trabalho; não pode votar e ser votado; na pode praticar muitos atos de direitos. “O analfabeto não possui, enfim, sequer os elementos rudimentares da cultura de nosso tempo”. A educação dos adultos teria, portanto, objetivos de integração do homem marginal nos problemas da vida cívica e de unificar a cultura brasileira. Seus efeitos positivos se fariam sentir nos índices de produção, pois nas regiões mais produtivas, segundo Lourenço Filho, “há taxas de mais elevada cultura popular, com porcentagem maior de letrados. Esta educação, entretanto, deveria ser mais do que a simples alfabetização, sendo a aquisição das técnicas da leitura e da escrita apenas um meio para a “atuação positiva”; a pura alfabetização levaria os recém-alfabetizados à reabsorção pela “incultura ambiente” (PAIVA, 2003, p. 212).

Vale aqui lembrar, que outras vozes se fizeram uníssonas à melodia preconceituosa de Lourenço Filho. Vale aqui lembrar que o grande destaque teórico da posição foi Miguel Couto, médico clínico geral, político e professor brasileiro, que de acordo com Paiva, perpetrava uma analogia entre o problema do ensino com o da higiene, alocando toda a culpa dos problemas nacionais no analfabeto. A autora ratifica que nessa linha de raciocínio a ignorância era analisada por ele não somente como uma doença, mas a pior de todas, porque a todas conduz; e quando se aloja endemicamente, como na nossa terra, assume as magnitudes de verdadeira calamidade pública. Nessa linha de posicionamento, a autora destaca que para Miguel Couto: a ignorância que reduzia o homem, inevitavelmente reduzia também o país, tornando-o muito aquém da realidade avançada de outros países.

É o analfabetismo como um grande mal que cumpre extirpar do organismo nacional. Com sua autoridade de cientista, membro da Academia de Medicina do Rio de Janeiro afirmava que “o analfabetismo não é só um fator considerável na etiologia geral das doenças, senão uma verdadeira doença, e das mais graves. Vencido na luta pela vida, nem necessidades nem ambições, o analfabeto contrapõe o peso morto de sua indolência ou o peso vivo de sua rebelião a toda idéia de progresso, entrevendo sempre, na prosperidade dos que vencem pela inteligência cultivada, um roubo, uma extorsão, uma justiça. Tal a saúde da alma, assim a do corpo; sofre e faz sofrer; pela incúria contrai doenças e pelo abandono as contagia e perpetua.”... “O analfabeto é um microcéfalo: a sua visão física estreitada, porque embora veja claro, a enorme massa de noções escritas lhe escapa; pelos ouvidos passam palavras e idéias como se não passassem; o seu campo de percepção é uma linha, a inteligência, o vácuo; não raciocina, não entende, não prevê, não imagina, não cria” (PAIVA, 2003 p. 99).

Com base nos argumentos aduzidos, vale ratificar que toda essa trajetória de preconceitos, discorridos neste trabalho, em relação aos homens analfabetos e às mulheres analfabetas, concebe apenas diferentes nomes de uma mesma manipulação ideológica que rotula, desacredita e condena as pessoas analfabetas, ao mesmo tempo em que cumpre a função de efetivar e legitimar a sua exclusão, seja do voto, seja do emprego, seja de qualquer outra forma de aprendizado da cidadania. Resta ainda lembrar que todos esses preconceitos estão longe de constituir meros imprecisos ou mal-entendidos. Na realidade, eles concebem construções ideológicas que concorrem, de maneira articulada, para a assimilação negativa, o descrédito, a classificação e a exclusão efetiva das pessoas analfabetas e, por fim, para a legitimação dessa exclusão.

No que diz respeito à educação, cabe ressaltar que ela é um instrumento de inclusão social, que comporta mudança na vida de todas as pessoas, independentemente da idade ou classe social. Estudar pode não deliberar todos os problemas sociais, nem revogar com a injustiça social, mas é o meio pelo qual a pessoa pode reescrever sua própria história. Ademais, aprender a ler e escrever já não é, pois, memorizar sílabas, palavras ou frases, mas refletir criticamente sobre o próprio processo de ler e escrever e sobre o profundo significado da linguagem. É preciso observar que esta orientação reconstruída de ensino, contrasta o caráter da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), que tinha como objetivo não apenas alfabetizar, mas enraizar o trabalho educativo, desenvolvendo sua atuação no meio rural e no meio urbano. 

Em relação à trajetória da educação no Brasil, em seus diferentes períodos, Paiva (2003, p.18), acredita que toda educação é manifestação de uma conjuntura social determinada. A autora analisa que, por isso mesmo, as características dos diversos períodos da história da educação de um país acompanham seu movimento histórico, suas variações econômicas e sociais, suas lutas pelo poder político, por conseguinte, como ressalta a autora, a política da educação e a orientação do ensino assinalam de forma intensa o seu caráter histórico. Sob essa perspectiva, Romanelli aponta:

(...) que a evolução do sistema educacional, a expansão do ensino e os rumos que esta tomou só podem ser compreendidos, a partir da realidade concreta criada pela nossa herança cultural, evolução econômica e estruturação do poder político. Cada fase da história do ensino brasileiro vai refletir a interligação desses fatores: a herança cultural, atuando sobre os valores procurados na escola pela demanda social de educação, e o poder político, refletindo o jogo antagônico de forças conservadoras e modernizadoras, com o predomínio das primeiras, acabaram por orientar a expansão do ensino e por controlar a organização do sistema educacional de forma bastante defasada em relação às novas e crescentes necessidades do desenvolvimento econômico, este cada vez mais carente de recursos humanos   (ROMANELLI, 2000, p. 19).

Em consonância com o que foi dito, vale ressaltar a existência de diversos movimentos de alfabetização de adultos nas primeiras décadas do século XX, cabendo registrar que muitas foram mobilizações autônomas, pois, não havia uma política nacional e centralizada para a educação. Daí, observamos o aparecimento de campanhas contra o analfabetismo, que contavam com apoio de estados, e associações em que muitos intelectuais estavam congregados. A título de exemplificação, pode-se registrar nesse período a importância dos anos 30, para a demanda da educação de adultos. É nesse período que surge pela primeira vez a ótica da educação como instrumento de aporte para a transformação da sociedade em curto prazo.

Quanto à educação como uma proposta nova, transformadora, não discriminatória, mas promotora de cidadania, convém ponderar que em 1960, cristãos e marxistas empenham-se em movimentos de educação de adultos enfatizando a importância da cultura popular e sua difusão. De acordo com Cunha e Góes (2002, p. 11), alguns professores se propuseram a romper, ainda que aos poucos, com o conservadorismo do período e a pensar de forma destemida em mudanças, afinal, era preciso aprender com a realidade e trabalhar essa realidade em sala de aula. Quanto a essa questão, os autores ainda relatam que com a crise dos anos 50 – 60, um número significativo de professores, começou a estender seus olhares para o mundo e a estudá-lo. Portanto, essas décadas foram significativamente marcadas por projetos voltados à alfabetização de jovens e adultos, cujos objetivos se situavam em capacitar o povo brasileiro para uma participação ativa na vida social e política do país. Começa a se pensar em uma educação que tenha espaço para trocas de saberes, que busque integrar comunidade e movimentos populares na construção de sua identidade. Surge a conscientização de que a educação deve ter autonomia, ou seja, um espaço que não reproduza os interesses da classe dominante, mas que forme pessoas críticas, conscientes de seus direitos, curiosas por conhecer e descobrir, por fim, um lugar onde se possa exercer  uma escola cidadã.

No que concerne à educação como troca de saberes, Cunha e Góes (2002 p. 19), destacam que as experiências mais bem sucedidas nessa área foram conduzidas, por Paulo Freire e o resultado mais expressivo é obtido quando o educador alfabetiza cortadores de cana no interior do Rio Grande do Norte em 45 dias. Essa conquista marca a primeira oportunidade de aplicação significativa de suas teorias e dá visibilidade ao seu trabalho. Paulo Freire recebe um convite para reformular a alfabetização de adultos em todo país. Os autores Cunha e Góes (2002 p. 18) ainda desenvolvem considerações em torno dessa educação popular, afirmando sua importância no papel de transformação da sociedade, registrando que essa educação encerrava seu pacto nas forças políticas que se apoiavam no movimento popular.

Surgem os centros populares de cultura, ligados a UNE (União Nacional dos Estudantes) – CPC (Centros de Cultura Popular). Em 61, surge o MEB (Movimento de Educação de Base) com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), revisando os pressupostos metodológicos do movimento. Surge o combate ao anarquismo e Jânio Quadros defende o desenvolvimento de programas de educação de adultos. Nessa linha de raciocínio, vale ressaltar a importância do Governo de João Goulart, marcado por uma radicalização política jamais vista no Brasil. Foi precisamente pela primeira vez que as políticas de esquerda encontraram eco, adquirindo um papel proeminente. Ademais, foi um governo que contribuiu para o desenvolvimento da educação. Segundo registram Cunha e Góes (2002, p. 14), seu governo ainda encontrou tempo de propor à nação: o Plano nacional de Educação, Plano Trienal, a Comissão de Cultura Popular e o Plano Nacional de Alfabetização.

2.5 O Golpe na Educação

Em relação à educação como concepção de abertura e de valorização do homem como agente de sua história e não mais como artefato imóvel e passível, vale registrar a acuidade de movimentos educacionais nos períodos que compreendem os anos 40 – 60.

Conquanto não seja o foco desta monografia, vale ratificar, de acordo com Paiva (1987, p. 125), que a partir dos anos 30, advieram mobilizações precursoras em torno da temática da educação de adultos, como a experiência do Distrito Federal (1933-1935), onde a educação de forma inovadora surge como instrumento questionador e de ação política contra a ordem vigente. Dentro desse contexto, torna-se relevante apontar o destaque dado pela autora (ibid, p. 171) ao fato de que a partir dessa experiência é que se constata o primeiro caso de prisão a um profissional da educação no país, Pascoal Lemme, tendo como pretexto suas práticas educativas. Vale aqui lembrar que Paiva (1978, p. 119) aponta que nesse período o Distrito Federal empenhava-se com seus próprios recursos à difusão e expansão de sua rede escolar. Os resultados do Censo de 1940 indicavam um quadro crítico em relação ao número de analfabetos no país (ibid, p. 159). Segundo registra a autora, o Censo contabilizava a existência de 55% de analfabetos nas idades de 18 anos e mais, o que serviu de fundamento para acirradas discussões durante o Estado Novo.

Muitas pessoas que sonhavam com um mundo mais justo se levantaram tendo como meta transformar a educação e a escola em instrumento de reapropriação do conhecimento, e possibilitar, através desse conhecimento, a inserção do indivíduo na sociedade. Segundo Romanelli (2000, p. 109), nesse caso a educação passa a ser vista por dois ângulos que atendem a interesses diferenciados de acordo com as camadas sociais em fase de polarização. Conforme argumenta a autora, a mudança significa um risco para as camadas dirigentes, uma crescente ameaça à sua estabilidade, portanto é preciso manter a opção por uma educação conservadora e centralizada. Por conseguinte, pode-se dizer que para as camadas emergentes a mudança na educação deve caminhar em direção aos seus anseios. Nessa linha de pensamento, superar as condições que impedem o acesso à escrita e à leitura é um dos grandes desafios para esse momento histórico, onde toda forma de pobreza e exclusão social deve ser eliminada. Por conseguinte, é preciso pensar em uma educação que garanta a qualidade, pois, aprender a decodificar e ter posse do comprovante de escolarização não é o suficiente. Interpretar, analisar, conhecer, acrescentar, entender e, por fim, participar, interagindo em seu meio social é o que deve ser problematizado, levando o homem a avançar nas suas necessidades pessoais e profissionais. Dentro dessa ótica, Paulo Freire afirmava a importância da educação como um espaço de construção e de novas esperanças, rumo às lutas mais amplas, de forma que ninguém seja excluído:

a estrutura social é obra dos homens e que, se assim for, a sua transformação será também obra dos homens. Isto significa que a sua tarefa fundamental é a de serem sujeitos e não objetos de transformação, tarefa que lhes exige, durante sua ação sobre a realidade, um aprofundamento da sua tomada de consciência da realidade, objeto de atos contraditórios daqueles que pretendem mantê-la como está e dos que pretendem transformá-la (FREIRE, 2002, p. 48).

Em virtudes dessas considerações, tenha-se presente que esse período foi densamente assinalado por mobilizações em favor da educação de adultos. Sob essa perspectiva, vale ressaltar que entrava em pauta a discussão em torno do analfabeto e, ademais, uma luta para que se modificasse a visão preconceituosa sobre o mesmo, como um ser incapaz e deficiente. Sob a nova ótica de educadores voltados para uma educação conscientizadora, vale registrar que de acordo com Stephanou e Bastos (2005, p. 268), o adulto não alfabetizado deveria ser aceito como alguém que produzia cultura e saberes, contestando a concepção até então predominante do mesmo como ignorante e incapaz. Os autores ainda argumentam a importância de se problematizar a condição social em que viviam os analfabetos, contrapondo-se à crença de que nos mesmos é que se residiam os problemas da sociedade. Pertinente é a colocação dos autores, quando enfatizam a necessidade de uma revolução conceitual dentro dessa nova proposta de alfabetização, na qual a leitura do mundo deveria preceder a leitura da palavra, segundo as premissas de Paulo Freire. Dentro desse contexto, cria-se um espaço em que o educando passa a reinventar-se na história, deixando de ser objeto para ser sujeito histórico e transformador. Corroborando o parecer dos autores acima citados e dentro dessa ótica, Pereira registra que:

Paulo Freire dizia que a educação não poderia ser vista apenas como ferramenta para a transmissão de conhecimentos e reprodução das relações de poder, mas sim como um ato político de libertação e emancipação das pessoas. Enxergava na relação pedagógica uma ação política. Pois compreender o saber como mera transmissão ou como criação e recriação humana; tratar o educando como sujeito ou objeto do processo, faz uma grande diferença na vida das pessoas (PEREIRA, 2006, p. 52).

Ponderadas as considerações até aqui indicadas, vale ressaltar que dentro desse contexto, incide o surgimento de iniciativas políticas e pedagógicas que expandiram a educação de jovens e adultos, destacando a importância da década de 40 por ter sido o início de mobilizações com o intento de remediar desequilíbrios sociais, e por dirigirem-se às vítimas das desigualdades sociais e culturais, daí o termo popular, pois, buscavam abranger todas as camadas da população, aspirando ser uma educação para todos. Por conseguinte, podemos fazer referência, tal como aponta Paiva (1987, p. 48), à criação e regulamentação do Fundo Nacional do Ensino Primário (FNEP). Nesse sentido conforme Paiva (1987, p. 138) a criação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas (INEP); o surgimento das primeiras obras dedicadas ao ensino supletivo; o lançamento da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA), e outros. Este conjunto de iniciativas permitiu que a educação de adultos se firmasse como uma questão nacional. As ações como a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) desempenharam influência positiva, reconhecendo os trabalhos que vinham sendo realizados no Brasil e estimulando a criação de programas nacionais de educação de adultos analfabetos.

É preciso apresentar, ainda que em traços largos, o perfil de determinadas campanhas que mais se enfatizaram nos referidos períodos que compreendem os anos 40 – 60. Cumpre-nos observarmos nesse momento, que os debates intrínsecos a essas campanhas consistiam na defesa da educação popular. Não é demasia salientar que, excepcionalmente a Educação Popular esteve continuamente ligada à formação de contingentes eleitorais.

- A Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) foi criada em 1947. Paiva (1987, p. 176) relata que essa campanha era marcada por duas estratégias: uma se referia aos planos de atuação extensiva, que traduziam a importância dada à alfabetização de grande parte da população. A estratégia seguinte se encerrava nos planos de ação em profundidade, ou seja, no desenvolvimento de trabalhos visando dar capacitação profissional e desempenho junto à comunidade. É preciso observar que a prioridade maior se concentrava no trabalho educativo, ao passo que à alfabetização era dada uma importância secundária. Em relação às suas estratégias Stephanou e Bastos (2005, p. 267) afirmam a fragilidade dessa campanha e a caracterizam como uma atuação pautada de forma radical e urgente na erradicação do analfabetismo. Registra-se ainda que, mantendo atuação no meio rural e no meio urbano, essa campanha possuía diversos objetivos, porém, suas diretrizes eram comuns. Sob essa perspectiva, vale ressaltar que visando atender as demandas do contexto urbano-industrial, ela atuava preparando no meio urbano a mão-de-obra alfabetizada para atender às necessidades do contexto urbano-industrial. Em relação à zona rural, a campanha tinha em vista estabelecer o homem no campo. Outra questão relevante era a de integrar os imigrantes e seus descendentes nos Estados do Sul.

- O 1º Congresso Nacional de Educação de Adultos foi realizado em 1947. Durante sua realização, as propostas de Lourenço Filho, um dos educadores que defenderam a educação dos adultos, e que foi dirigente da Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos, (CEAA), foram fatores influentes nesse congresso, responsabilizando a falta de educação do povo por grande parte dos problemas nacionais, por conseguinte se reconhecia nele a necessidade de aumentar a oferta de educação à massa da população. De acordo com Paiva (1987, p. 187-182), ainda nesse congresso, perdurava a idéia do analfabeto como incapaz, tendo como seu agente a figura de Lourenço Filho e ensejada ainda mais pelo slogan preconceituoso de Cândido Jucá Filho, lingüista, filólogo e professor catedrático do Colégio Pedro II, “Ser brasileiro é ser alfabetizado”. Tal como ressalta a autora, o que se intui como conclusão desse congresso é seu descaso para com as políticas educacionais de cunho socialistas. Em virtude dessas considerações, tendo como base a “desanalfabetização” do povo, a autora prossegue afirmando o caráter precursor desse congresso para a também preconceituosa Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos. Necessário é lembrar que a proposta de concepção desse congresso foi empreendimento dos delegados dos Estados e territórios, que de fato haviam sido convocados para debater problemas que implicavam na concretização da aludida campanha.

- O Seminário Interamericano de Educação de Adultos ocorreu em 1949.  Em relação ao Seminário, Paiva (1987, p. 194-197) tece considerações quanto à sua natureza, argumentando que sua inspiração tem como base a curiosidade e o entusiasmo em relação às decorrências da Campanha de Adultos realizada no Brasil e apresentada na III Conferência Geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, (UNESCO), realizada na cidade de Beirute, tendo como patrocinadores a própria UNESCO e a Organização dos Estados Americanos (OEA). A autora salienta que especialistas em educação presentes nesse Seminário, procedidos de vários países latino-americanos e que igualmente desenvolviam, nesse momento, campanhas de educação de adultos, em seus países, tinham em vista trocas de experiências nesse campo. Convém notar igualmente que se a experiência da Campanha brasileira despertava entusiasmo, ela não era adotada como modelo, mas, sim como embasamento para estudos críticos em relação às experiências de outros países. O Seminário, assim foi realizado num momento em que a Campanha abarcava um bom período e, ainda assim, não é demasia salientar que um traço que distinguiu outras campanhas, do mesmo modo se encontrava presente nesse Seminário, ou seja, sobre o slogan preconceituoso de: “zonas obscuras na América”, o preconceito contra o analfabeto permanecia em pauta.

Tendo em vista que os participantes desse Seminário adotavam bases educacionais que se adaptassem à realidade de seus países, surgiu a elaboração de um Manual de Educação de Adultos atendendo aos anseios aludidos de um trabalho aplicável à realidade latino-americana, que poderia ser adaptado a cada país, mas, que não inviabilizasse o combate ao analfabetismo. O Manual assinalava para essa direção, ou seja, recusar a “ação extensiva” para abarcar uma “ação em profundidade”. O método seria o da “ação comunitária”, ou seja, de que os diferentes segmentos sociais praticassem interferências na educação de adultos de modo que fossem objetivadas experiências com base nos desenvolvimentos econômico, cultural e social. Abrangendo o que a autora nomeia “ação de profundidade”, cumpre-nos registrar a experiência de missão educativo-cultural, realizada na cidade de Itaperuna, Rio de Janeiro.

- A Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) foi realizada em 1952. A princípio essa campanha surge inicialmente ligada a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos - CEAA. A CNER caracterizou-se, no período de 1952 a 1956, como uma das instituições que promoviam o processo de desenvolvimento de comunidades no meio rural brasileiro. Sob essa perspectiva Stephanou e Bastos (2005, p 268) analisam que essa campanha foi pioneira no objetivo de uma política educacional voltada para o meio rural, ressaltando ainda, a acuidade que ela teria sobre um grande contingente de analfabetos que habitavam justamente nesses espaços. A campanha contava com um corpo de profissionais que atuava em áreas distintas como agronomia, veterinária, medicina, economia doméstica e assistência social, entre outras, que objetivavam trabalho de desenvolvimento de caráter comunitário junto às populações da zona rural. De acordo com Paiva (1987, p. 197) a criação da Campanha Nacional de Educação Rural, que inicialmente atuou ligada à Campanha de Educação de Adultos e Adolescentes e que vigorou até 1963, pode ser analisada como um dos pontos altos do movimento em favor do ensino rural.

- A Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo (CNEA) foi realizada em 1958 e tinha como característica uma nova etapa nas discussões que envolviam o tema da educação de adultos. Paiva (1987, p. 213) observa que a Campanha surgiu precisamente no momento em que se iniciava, no país, uma nova fase na educação de adultos: perante o reconhecimento da ineficácia das campanhas anteriores, os educadores mobilizaram-se em busca de novos recursos para o problema do analfabetismo. Segundo seus organizadores, necessário era rever a simples ação alfabetizadora, pois, os mesmos a avaliavam como insuficiente. No entanto salientavam uma área a que se devia dar prioridade, ou seja, a educação de crianças e jovens, pois segundo suas considerações, a educação ainda poderia significar alteração em suas condições de vida. Essa Campanha sofreu as dificuldades enfrentadas por todas as campanhas do MEC, até sua extinção, em 1963. De acordo com Stephanou e Bastos (2005, p. 268), essa Campanha apresentava ações dispersas e desarticuladas, realidades presentes em campanhas anteriores e que os projetos que nela foram propostos eram mais uma forma de superação de críticas, subsídios que somados determinaram sua extinção.

- O Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1958, teve a finalidade de avaliar as ações realizadas na área e, visando propor soluções apropriadas para a questão. A inadequação do material didático e a qualificação do professor, bem como o estado precário dos prédios escolares, padeceram austeras críticas. Nesse sentido, como aponta Romanelli (2005, p. 71), diante de um discurso que situava a educação como caminho para restauração social, era surpreendente observar que os investimentos dos estados não coincidiam com essa aspiração. O Congresso contava com a presença da delegação de Pernambuco. Cumpre-nos assinalar que se tratava da delegação da qual Paulo Freire fazia parte, que propôs uma educação baseada no diálogo. A proposta envolvia uma educação capaz de atender as características socioculturais das camadas populares, e ao mesmo tempo estimular sua participação na realidade social. Outra questão relevante consiste em registrar que nesse congresso se discutiu, também, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e, por conseguinte, foi elaborada em 1962 o Plano Nacional de Educação, (PNE) sendo extintas as campanhas nacionais de educação de adultos em 1963.

Desse cenário de novas práticas de alfabetização, cabe ressaltar a importância do pensamento pedagógico de Paulo Freire, sua filosofia e método que foram adotados pela maioria dos movimentos de educação e cultura popular. Por conseguinte, conforme Cunha e Góes (2002, p. 26-33), vale apontar alguns exemplos de programas empreendidos por intelectuais, estudantes e católicos engajados na ação política:

- O Movimento de Educação de Base, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, estabelecido em 1961, com o patrocínio do governo federal;

- O Movimento de Cultura Popular do recife, a partir de 1961; a Campanha de Pé no Chão se Aprende a ler, da Secretaria Municipal de Educação de Natal,

- Os Centros Populares de Cultura, órgãos culturais da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Conforme já aludido anteriormente, vale lembrar que as décadas de 40 - 50 e os princípios dos anos 60 testemunharam no Brasil o surgimento de distintas iniciativas em relação à educação de adultos e capacitação de um amplo contingente de trabalhadores, que naquele momento, compunham as inconcebíveis estatísticas que desvendavam os alçados indicadores de analfabetismo e de baixa escolarização da população.

No entanto, em 1964, com o golpe militar, todos os movimentos de alfabetização que se acoplavam à idéia de fortalecimento de uma cultura popular foram reprimidos. E ao relatar o ano de 64, no que se refere à educação, recorro a Cunha e Góes (2002, p. 32), quando o mesmo se interroga: é possível exercer a prática do controle do sistema educacional, uma vez, que para tal, necessário se faz o uso de técnicas que promovam a exposição da nova ideologia harmônica com os interesses do capitalismo?
Apresentadas essas considerações em torno de uma educação libertadora, é preciso ressaltar que neste processo histórico de formação do sujeito o sonho e a esperança de modificação da sociedade fazem parte constitutiva. Para Freire, não há perspectiva de intervenção nem de mudança social sem um projeto, sem um sonho possível.

3.0 Mobral  

3.1 Destituída a Educação Popular, surge o Mobral 

Em relação aos anos 50 e início dos anos 60, podemos constatar que foram períodos marcados pela ideologia do desenvolvimento nacional e que se abria simultaneamente uma nova visão no campo social. Nesse ínterim, assistimos ao aparecimento de encontros e movimentos educacionais espalhados pelo país que valorizavam a cultura popular.

Segundo Cunha e Góes (2002, pp. 15-16), o método de alfabetização do educador pernambucano Paulo Freire objetivava uma grande expansão da educação popular para as camadas oprimidas da sociedade que serviu de inspiração para o surgimento de distintos programas educacionais como o “De pés no chão também se aprende a ler”, “Movimento de educação de base”, “Os centros de cultura popular” e para muitas outras iniciativas que despontaram em diversos estados. Os autores (ibid pp. 15-16) ainda destacam a importância que esses movimentos ofereciam à participação do povo como construtor da cultura, contrastando com a idéia até então vigente de uma cultura dada à posteridade. Stephanou e Bastos (2005, pp. 268-269) argumentam que o surgimento dessas mobilizações de forma paralela às ações governamentais, são réplicas às suas superficiais campanhas de aprendizagem. Pois, diante de um quadro em que mais de 50% de brasileiros estavam à margem da participação política por serem analfabetos, era preciso rever o conceito de educação. Sair de uma educação reducionista para uma educação construtiva e centrada na realidade. Afinal, o analfabetismo tem suas raízes fundadas em uma sociedade injusta e desigual. Ademais, é gerado pela ausência e pela insuficiência da escolarização de crianças e adultos.

Em consonância à proposta de uma educação pensada a partir da realidade das classes dominadas, Gramsci (2000, p. 42) expressa sua crença na força social de uma escola crítica e transformadora para essas classes. Para ele, a educação pode desempenhar um papel estratégico na concepção de mundo e, conseqüentemente, em sua transformação. Para que isso ocorra, é preciso que a educação aponte na direção de uma crítica às concepções confusas e contraditórias:

Com o seu ensino, a escola luta contra o folclore, contra todas as sedimentações tradicionais de concepções do mundo, a fim de difundir uma concepção mais moderna, cujos elementos primitivos e fundamentais são dados pela aprendizagem da existência de leis naturais como algo objetivo e rebelde, às quais é preciso adaptar-se para dominá-las, e de leis civis e estatais, produto de uma atividade humana, que são estabelecidas pelo homem e podem ser por ele modificadas tendo em vista seu desenvolvimento coletivo; a lei civil e estatal organiza os homens do modo historicamente mais adequado a dominar as leis da natureza, isto é, a tornar mais fácil o seu trabalho, que é a forma própria através da qual o homem participa ativamente na vida da natureza, visando transformá-la e socializá-la cada vez mais profundamente e extensamente (GRAMSCI, 2000, p. 42).

No que tange a uma educação conscientizadora nesse período, Romanelli (2000, pp. 23-24) considera complexo aplicá-la no Brasil, distinguindo como causa os desníveis sociais, apontando ainda que a escola tornou-se mantenedora das classes privilegiadas, quando colocava a educação a serviço dessa causa. Sob essa ótica é que está alicerçada a educação no Brasil, pois, desde o seu início, sempre foi algo para poucos. Apenas uma pequena elite conseguia as condições necessárias para estudar, e através desta ampliar os seus meios de leitura do mundo, do seu país e da sua sociedade. Nesse sentido, o pensamento de Gramsci em relação à educação, como transformação e socialização do homem, pode ser visto como um paradigma aos que propunham uma educação transformadora.

No período de 60-64, a educação e a cultura não mais se prestavam somente a uma simples formação do eleitorado, conforme a prática da classe dominante, mas, passavam a ser vistos, pelas classes populares, como instrumentos de transformação da estrutura social vigente, da formação de seres conscientes, críticos e participantes. Eis, segundo Paiva, a proposta dos grupos e movimentos da época:

Os diversos grupos lançam-se ao campo de atuação com objetivos políticos claros e mesmos convergentes... Pretendiam todos a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas do país, sua recomposição fora dos supostos da ordem vigente, buscavam criar a oportunidade de construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Além disso, impulsionados fortemente pelo nacionalismo, pretendiam o rompimento dos laços com o exterior e a valorização da cultura autenticamente, a cultura do povo. Para tanto a educação parecia um instrumento de fundamental importância (PAIVA, 1978, p. 230).

De acordo com Paiva (1987, p. 22), as crises existentes, ou até mesmo sua preconização, são elementos propícios para o surgimento de empreendimentos educacionais, de difusão e reformulação de métodos, além de lutas que visam manutenção do poder político. Vale ressaltar que uma onda de lutas por reivindicação pairava sobre o período que precedia o golpe de 64. Dentre essas lutas, podemos fazer alusão aos: movimentos em defesa da escola pública e de ampliação das oportunidades educacionais, bem como os demais movimentos sociais, como o de luta pela terra e de mobilização política de amplos setores sociais.

A partir das idéias articuladas por Paulo Freire de um processo de alfabetização pela conscientização e de uma educação para a liberdade, vemos o surgimento de um paradigma que impulsionou esses movimentos reivindicatórios. Mas, todas essas mobilizações não incidiram sem os olhares cautelosos e descontentes da classe dominante, que se encontrava militarmente representada. Neste momento, os militares, apoiados por amplos setores das classes médias e pelo empresariado brasileiro ligado ao capital internacional, assumiram o comando político da Nação e, num quadro de arbítrio e autoritarismo, foram combatendo e esfacelando todo e qualquer movimento democrático organizado.

No que diz respeito a esse dramático período na história de nosso país, Cunha e Góes (2002, pp. 6-35) tomam emprestado do compositor Chico Buarque de Holanda, o seguinte verso de uma de suas composições: “A gente quer ter voz ativa / No nosso destino mandar / Mas eis que chega a roda-viva / E carrega o destino prá lá”. Nessa linha de raciocínio, podemos ponderar como tempo da voz ativa, o momento em que a educação se ajusta de um caráter libertador, e o tempo em que começa a girar a roda-viva é compreendido como o momento em que a repressão inflige uma educação dada e não consentindo mais que ela fosse construída por mãos verdadeiramente generosas. Nesses termos, percebe-se que a grande generosidade para Paulo Freire, consiste em mãos capazes não de esperar, mas, de promover uma educação transformadora:

A grande generosidade está em lutar para que, cada vez mais, estas mãos, sejam de homens ou de povos, se estendam menos, em gestos de súplica. Súplica de humildes a poderosos. E se vão fazendo, cada ves mais, mãos humanas, que trabalhem e transformem o mundo... Lutando pela restauração de sua humanidade estarão, sejam homens ou povos, tentando a restauração da generosidade verdadeira (FREIRE 2002, p. 31).

Nesse sentido, deve-se dizer que o destino foi “carregado prá lá”, pois, após o golpe militar, no terreno da educação, buscou-se desenvolver uma política educativa que tinha como meta produzir os recursos humanos necessários ao desenvolvimento econômico, submetendo, de uma forma nunca antes vista, a educação às decisões da economia. De acordo com Cunha e Góes (2002, p. 54), existia, nesse momento, por parte da ditadura, a conflitante afirmação de que se, por um lado, a economia vivia bons momentos, não era possível pensar o mesmo em relação ao povo. No entanto, o que se compreendia era verdadeiramente um desnível social, uma má distribuição da renda que tornava possível o enriquecimento de uma minoria em detrimento de uma maioria. Dentro dessa ótica da ditadura, o remédio eficaz, para ajustar a má distribuição de renda visível no povo que ia “mal”, era a educação, uma vez que a ela todos obtivessem acesso. Portanto, segundo o pensamento dos dominantes, a educação, passa a ser considerada a partir de um caráter prodigioso, miraculoso, como porta voz das classes subalternas, que anseiam pelo “fim desse desnível social”. Romanelli (2000, pp. 196-198) considera que o alinhamento da educação à política econômica, que atendia aos interesses do grande capital, significou tratar a educação a partir da ótica estritamente econômica. Também a influência norte-americana na educação brasileira, que já vinha sendo sentida desde o imediato pós-guerra e, sobretudo, a partir dos anos finais da década de 1950, aumentou consideravelmente nos anos finais da década de 60.

As intensas mobilizações por uma educação em defesa dos destinos do país, segundo o parecer de Paiva (1987, pp. 288-301), não são apenas patrimônio dos grupos comprometidos com uma educação popular, mas, são também apropriadas e colocadas em prática sob a ótica dos grupos dominantes como forma de promoção e sustentação do regime vigente. Outra questão relevante, de acordo com a autora, consiste em que, até então, a educação era vista com descaso por parte do Estado. Somente quando é percebida como instrumento eficaz na divulgação da ideologia dos governantes é que ela assume um papel de “importância”.

Em relação à estratégia dos militares na suplantação dos movimentos populares, podemos constatar que surge uma educação pensada de cima para baixo, de fora para dentro, excluindo a construção de dentro para fora vinda do analfabeto, que seria ajustado pelo educador. A educação, contrariando a visão dominante, deve ser libertadora, democrática, e sua função consiste em desenvolver o cidadão em sua plenitude de direitos. A partir desse quadro, torna-se impossível conceber uma plena educação em um governo de ditadura.

Para Cunha e Góes (2002, pp. 33-40), a ditadura militar lançou por terra o conceito de democracia e de liberdade individual em nosso país. Como um movimento político retrógrado e autoritário, ela prendeu, torturou, executou e cassou. No sistema educacional, decretou o fim dos movimentos de educação e cultura popular. Educadores e aliados, comprometidos com a mudança, foram cassados, presos e torturados. Instalou aparelhos, como a censura, e uma mídia tendenciosa e alienante, que difundia as ideologias do regime frente à degradação de ideais comunistas mostrados como ameaça para a saúde do Estado e da ordem pública. A proposta do golpe militar se baseava, principalmente, na palavra "ordem" presente na nossa bandeira acompanhada de um "progresso", como sendo os compromissos de um regime que apresentava uma mascarada idéia de calma, tranqüilidade e seguridade social. Não é demasia salientar que para o autor, esse momento nada tinha de calma e leveza. Ao contrário, e recorrendo a uma expressão usada no belo filme de Margarethe Von Trotta, ele assinala esse período como “Anos de chumbo”.

Em nome dessa “ordem” e desse “progresso”, no campo educacional, o mais admissível era a proposta de uma educação verticalizada e doada. A partir desse contexto, o que podemos presenciar é o embrião que faz surgir o Movimento Brasileiro de Alfabetização – (MOBRAL) criado em 1967, com a Lei. 5379º sob a presidência do General Alberto Costa e Silva.

O Mobral surge como um prosseguimento das campanhas de alfabetização de adultos iniciadas com Lourenço Filho, no ano de 1947. Campanhas que agrupavam pessoas com conhecimentos e bagagens distintas decorridas das vivências no campo familiar, social e do mundo do trabalho. Que desconsiderava a necessidade de uma pedagogia que compreendesse a faixa etária dos jovens, dos adolescentes, dos adultos e os da terceira idade. Dessa forma, se a prática da alfabetização desenvolvida pelos movimentos de educação e cultura popular estava vinculada a um processo de conscientização da população sobre sua realidade, como rompimento a essas campanhas assistencialistas e conservadoras, com o golpe, a alfabetização se restringe a um exercício mecânico de aprender a “desenhar o nome”.

Quanto à metodologia utilizada pelo MOBRAL, podemos considerar que, de acordo com Paiva (1987, pp. 295-296), ela estava fundamentada na aplicação das experiências significativas dos alunos, desta forma, mesmo apresentando divergências ideológicas em relação ao método de Paulo Freire, utilizava-se, semelhantemente a este, de palavras geradoras, porém, totalmente esvaziados de anseios críticos. A principal e fundamental diferença na utilização destes procedimentos em relação ao método Paulo Freire, era o fato de, no MOBRAL, haver uma padronização do material utilizado em todo o território nacional, não traduzindo assim a linguagem e as necessidades do povo de cada região e de uma série de procedimentos para o processo de alfabetização.

O MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização – reedita uma campanha de âmbito nacional. Cunha e Góes (2002, p. 54) registram que ao lado de uma forte ação repressora, coexistia a difusão da educação como caminho promissor. Os militares não conheciam limites em utilizar os meios de comunicação para proclamar essa máxima. Conclamavam a população a fazer a sua parte, tendo como pano de fundo uma canção da dupla de cantores: Dom e Ravel, com a música que tem por título: “Você também é responsável”:

Eu venho de campos, subúrbios e vilas,
Sonhando e cantando, chorando nas filas,
Seguindo a corrente sem participar,
Me falta a semente do ler e contar

Eu sou brasileiro anseio um lugar,
Suplico que parem, prá ouvir meu cantar

Você também é responsável,
Então me ensine a escrever,
Eu tenho a minha mão domável,
Eu sinto a sede do saber

Eu venho de campos, tão ricos tão lindos,
Cantando e chamando, são todos bem vindos
A nação merece maior dimensão,
Marchemos prá luta, de lápis na mão

Eu sou brasileiro, anseio um lugar,
Suplico que parem, prá ouvir meu cantar


Ao contrário do que expressa a canção acima, o Mobral não “foi responsável” e o analfabeto que “ansiava por um lugar”, continuou “seguindo a corrente sem participar” e mesmo “sendo brasileiro”, permaneceu “nas filas a chorar”. A simples “semente do ler e escrever” não explica a educação e para a “sede do saber” não é tudo “marchar com lápis na mão”. Foram “todos bem vindos” sem perceber, a quem, de fato, era dada a “maior dimensão” e todos os que “tinham a mão domável” continuaram a “suplicar” por educação. Aos “vindos de campos, subúrbios e vilas”, “suplico que “parem, prá ouvir meu cantar”, pois, mesmo parecendo “tão ricos tão lindos”, entre os objetivos do MOBRAL, não consta o educar.

Cumpre ao finalizarmos esse capítulo, destacar que o MOBRAL, seguindo os rastros das campanhas de alfabetização passadas, não se diferenciou delas, no que tange ao preconceito contra o analfabeto. Portanto, não fugiu ao aspecto redentor, missionário e assistencialista, existente nas demais campanhas. O que diferencia o MOBRAL é que, além de se impregnar dos vícios de movimentos educacionais decorridos, ele nasce da repressão que tripudia todas as iniciativas pautadas por uma educação que, promovia o homem, de simples objeto a sujeito participante na construção da sua história e da história da humanidade. Já que uma vez dito por Paulo Freire (1981, p. 79): "Ninguém educa ninguém, ninguém se educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo."

3.2 O Mobral e sua realidade

Quanto à questão do analfabetismo no Brasil, de acordo com Stephanou e Bastos (2005. pp. 273-274), diversas foram e ainda são as causas de sua promoção. Portanto, não basta um olhar compassivo e assistencialista para com essa realidade. É preciso que, apontadas as causas, que vão, desde a lenta expansão da rede escolar a não competência da escola em valorizar os saberes provindos do meio cultural de seus alunos, assumirem formas concretas e eficazes para uma mudança significativa na educação. Os autores acreditam que, qualquer ação emergencial envolvendo o processo da educação, traz em si um olhar quantitativo, que considerando estatísticas, desconsidera o papel construtor da cidadania que é próprio da educação.

Portanto, percebe-se que a preocupação quanto à educação no Brasil, na maioria das vezes, esteve pautada pelo olhar de caráter, missionário e caritativo. E como se ainda não bastasse, havia outra visão, que a estas, se acrescentava, enxergando possibilidades. Segundo Paiva, era o olhar da ordem vigente então no país que via na educação um instrumento de difusão e manutenção do regime e que a partir dessa percepção não mais relegava a educação como setor de menor importância.

A importância da educação como instrumento ideológico poderoso é muito clara tanto para os que os detêm quanto para aqueles que pretendem disputá-lo. A diferença quanto à possibilidade de sua utilização reside no fato de que os detentores do poder político se encarregam de determinar a política educacional a ser seguida, os programas a serem promovidos ou estimulados e o conteúdo ideológico dos mesmos. Para os que disputam o poder, a educação é um instrumento somente quando as contradições dos sistemas, as crises o clima de efervescência ideológica chegou a um ponto em que os programas educacionais podem ser controlados por aqueles que se opõem a ordem vigente (PAIVA, 1987 p. 23).

No que diz respeito a essa classe dominante e o uso da educação como instrumento, Paiva (1987, p. 301) registra que, para essa classe, o país passaria a um processo de desenvolvimento, e que esse desenvolvimento suscitaria empregos, tornando necessários trabalhadores qualificados e nisso consistiria o papel da educação.

Podemos informar que, no dia 8 de setembro de 1967, Dia Internacional da Alfabetização, o Ministro da Educação e Cultura, Dr. Tarso Dutra, levou à consideração do Presidente da República, Marechal Costa e Silva, decretos e anteprojetos de lei concernentes à educação. Após a avaliação do sério problema, segundo eles, com que a nação se defrontava, o presidente anunciou que enviaria ao Congresso o Plano de Alfabetização Funcional e Educação Continuada de Adultos, precedido de anteprojeto de lei pelo qual a Alfabetização Funcional e a Educação Continuada passariam a ser atividades prioritárias permanentes do Ministério da Educação e Cultura e no qual ficaria instituída a Fundação Mobral como seu órgão executor. Seu coordenador era o economista Mario Henrique Simonsen.

Quanto à questão da criação do MOBRAL, Paiva (2003, pp. 347-348) relata que esse movimento foi criado com a missão de eliminar do país a “chaga do analfabetismo” e que, diante desse caráter militar e emergencial do programa, tornava-se desnecessário, segundo seus idealizadores, o consenso dos profissionais da educação. O regime, seguindo seus interesses, reconhecia a “importância” do programa a ser criado e o propagava, relegando ao povo a simples incumbência de aceitá-lo. Fazendo um retorno a temas que na República Velha, foram motivos de debates, o Ministro da Educação, Jarbas Passarinho, “emocionado”, fala de remissão em compensação ao “erro histórico que se acumulou”. A autora, portanto, percebe que a fala do Ministro estava focada a tentativa de uma justificação econômica.

Tal como foi visto anteriormente, diante desse quadro de visível incompetência, ocorre o aumento da pressão internacional de organismos com a UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), que implicava atitudes nitidamente tendenciosas frente ao problema. Paiva (1987, p. 260) registra a existência de um descaso em relação à educação de adultos nesse novo regime, o que causava uma imagem negativa do país em âmbito internacional. Ademais, de acordo com Romanelli (2000, pp. 196-209), diante da crise no sistema educacional, que não era recente, surgem os acordos MEC (Ministério da Educação e Cultura) e USAID (Agency for International Development).

Segundo Corrêa (1979, p. 52), o Programa de Alfabetização Funcional apresentava seis objetivos:

1. desenvolver nos alunos as habilidades de leitura, escrita e contagem;

2. desenvolver um vocabulário que permita o enriquecimento de seus alunos;

3. desenvolver o raciocínio, visando facilitar a resolução de seus problemas e os de sua comunidade;

4. formar hábitos e atitudes positivas, em relação ao trabalho;

5. desenvolver a criatividade, a fim de melhorar as condições de vida, aproveitando os recursos disponíveis;

6. levar os alunos:

- a conhecerem seus direitos e deveres e as melhores formas de participação comunitária;

- a se empenharem na conservação da saúde e melhoria das condições de higiene pessoal, familiar e da comunidade;

- a se certificarem da responsabilidade de cada um, na manutenção e melhoria dos serviços públicos de sua comunidade e na conservação dos bens e instituições;

- a participarem do desenvolvimento da comunidade, tendo em vista o bem-estar das pessoas.

Dentro do MOBRAL, existiam outros programas, como os exemplos abaixo:

Programa de Alfabetização Funcional:

O programa cultural do MOBRAL pretendia difundir uma imagem positiva do projeto à população.

Apesar de vislumbrar a disseminação da cultura, valorizava e preservava os valores vigentes.

Programa de Educação Integrada:

Este programa foi implantado em 1971, tendo seu período de expansão entre os anos de 1972 e 1976, criado com o objetivo de dar prosseguimento a formação acadêmica do indivíduo.

Programa MOBRAL Cultural:

Este programa foi lançado com fins de propagar a cultura ao povo brasileiro, permitindo aos estudantes acesso a manifestações artístico-culturais.

Programa de Profissionalização:

Este programa surgiu em 1973, estabelecendo parcerias com entidades privadas buscando profissionalizar a educação. O beneficiário deste possuiria uma instrução de cunho profissional.

O MOBRAL, procurando direção e pretendendo ofuscar as pedagogias populares de educação de adultos, buscou a teoria de Freire, mas dando-lhe uma leitura que se aproximava das orientações aplicadas à Campanha Nacional de Alfabetização de Adultos, subestimando a capacidade de voluntários e alunos cuja atividade, em geral, se restringia a decompor sílabas. O objetivo do MOBRAL era fazer com que os alfabetizandos aprendessem técnicas de leitura, escrita e cálculo para que fossem enquadrados em seu meio social. Stephanou e Bastos estabelecem um quadro comparativo entre a amplitude do papel da educação nos movimentos populares e a restrição da “educação” nesse momento:

Se a prática de alfabetização desenvolvida pelos movimentos de educação e cultura popular estava vinculada á problematização e conscientização da população sobre a realidade vivida e o educando era considerado participante ativo no processo de transformação dessa mesma realidade, com o Golpe Militar de 1964, a alfabetização se restringe, em muitos casos, a um exercício de aprender a “desenhar o nome” (STEPHANOU E BASTOS, 2005, p. 270).

No período do Regime Militar, o analfabeto era considerado um ser marginalizado. No rastro de outras campanhas de massa, também o MOBRAL culpava-o pelo atraso do país, portanto, construiu sua pedagogia orientando-se na descrença da igualdade dos seres humanos, enquanto seres capazes de crítica, inacabados e históricos.  Como se pode notar, sua proposta pedagógica se estruturou na crença de que a elite era capaz de elaborar projetos, os melhores possíveis e que deveriam ser executados com obediência pelo povo.

Para Cunha e Góes (2002, pp. 55-57), a uma máquina fria e eficaz, pode ser comparada essa pedagogia, que destrói as reais possibilidades do povo, transformando-os em produtos não alfabetizados. Os autores ainda destacam, de forma lamentável, a participação nesse processo, por parte de pedagogos da ditadura e de militares que se travestiam em educadores, e por não o serem, desconhecer os caminhos pelos quais o analfabetismo poderia ser superado. Destarte, minimizadas todas as possibilidades do homem como parte do processo de construção de sua cidadania, essa tarefa era atribuída às elites que sempre promoveram uma cultura pronta, dada, imposta. A visão dominante torna-se então o referencial para o pensar e o agir da classe dominada. Paiva (1987, p. 299) percebe essa cultura imposta pelo estado através da educação, quando da difusão para as classes dominadas, de idéias e valores próprios da classe dominante.

O projeto MOBRAL priorizou o modelo político-econômico do Regime militar, modelo este, em que não tinha interesse em elevar o nível das classes populares, por isso, o problema não era apenas educacional, mas principalmente político. Sua proposta de educação, por ser baseada em interesses políticos, motivou a necessidade de desenvolver um discurso ideológico, onde se fazia acreditar que seus alunos sairiam capacitados para integrar-se no mercado de trabalho, o que levaria a uma melhor qualidade de vida, além de prepará-los para o exercício da cidadania.

No que tange à idéia de integração de seus alunos no mercado de trabalho, o Mobral matinha dentre seus programas, o chamado Programa de Profissionalização, que teve seu surgimento em 1973. Cabe ressaltar que algumas empresas deram sua colaboração para a manutenção desse programa. Dentre elas, podemos citar a rede de supermercados Casas Sendas, situada no Estado do Rio de Janeiro. Seu acordo, a princípio, visava o treinamento de empregadas domésticas e o que parecia uma visão voltada para o social, era descortinada pela intenção real de fornecer mão de obra especializada à burguesia residente na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, o que elevaria sua imagem comercial em meio a essa clientela.

Dentro desse mesmo Programa de Profissionalização, podemos registrar outro acordo, agora envolvendo uma empresa multinacional, fabricante de tratores, Massey-Ferguson. O acordo permitiu o treinamento de 40.000 tratoristas, o que ocorreu dentro de um ano. Cumpre assinalar que eram tempos do último presidente militar, João Batista de Figueiredo, que tinha como palavra de ordem o seguinte slogan: “Plante que o João garante”

No que diz respeito ao uso da educação pelo MOBRAL para fabricar eleitores, Cunha e Góes (2002, p. 58) observam que nem todo o aparato arquitetado pelo governo autoritário encontrou eco no eleitorado. A via “doce” da alfabetização tornou-se amarga ao regime vigente, que colheu frutos não esperados na forma de votos de apoio aos candidatos que se opunham ao regime militar. A vitória do MDB (Movimento Democrático Brasileiro) contra a ARENA (Aliança Renovadora Nacional) representava os anseios das camadas populares e isso se tornou bem claro aos militares de plantão. Sua derrota era, portanto, a derrota do MOBRAL.

Necessário é lembrar que, para Paulo Freire, de acordo com Stephanou e Bastos (2005, pp. 269-271) a cartilha do educando deveria ser a leitura de sua própria realidade e a mola propulsora na busca de transformação dessa mesma realidade. Os autores relatam que, a importância dada dentro desses movimentos de base a uma educação transformadora, possibilitava que ali mesmo se produzisse o material didático para uso de seus educandos. Era a leitura da vida, que precedia a leitura do mundo. Em contrapartida a esse procedimento, no MOBRAL, se privilegiava-se  o material didático que trazia em si uma direção bem evidente, a de que para vencer na vida, era preciso ter esforço individual. Paiva (1987, p. 296) aponta que, o material didático do MOBRAL não trabalhava com a idéia do coletivo, mas, possuía um caráter individualista e auto-defensivo, pois, nele ficava bem nítida a responsabilidade de cada um em alcançar ou não suas metas. 

Outra questão relevante consiste em compreender o perfil dos alfabetizadores do Mobral. O recrutamento de alfabetizadores para o MOBRAL era destituído de qualquer preocupação com a capacidade e o preparo dos que se propunham a realizá-lo. Para Stephanou e Bastos (2005, pp. 270-271), embora dotado de forças e recursos, não havia uma preocupação por parte dos dirigentes do MOBRAL em selecionar e preparar alfabetizadores. Partiam do princípio de que quem sabia ler e escrever poderia ser considerado apto a ensinar o mesmo a outros. Desconsideravam, pois, o fato de que, ser alfabetizador, exige uma renovação do processo de preparação de profissionais para o magistério. Que a consciência deve estar criticamente voltada a cada momento para quem esses docentes trabalham, que escola querem construir e qual sociedade desejam semear. Conclamar alfabetizados para assumirem a postura de docentes, significa não perceber a importância da educação como fator de mudanças, o que se encaixa perfeitamente nas diretrizes desse movimento.

Quanto aos professores do Mobral, torna-se relevante apontar que, no período mais violento da ditadura, onde qualquer expressão popular contrária aos interesses do governo era abafada é que foi instituída a lei 5.692/71, que tratava dos assuntos relacionados à educação no Brasil. O que não significava, para muitos professores, um impedimento para realizar dentro desse contexto autoritário, a proposta de uma educação libertadora. Portanto, rotular a educação que ocorre durante esse regime e nos quadros do Mobral, de “educação autoritária” é injusto para com os profissionais de ensino que lutaram por projetos diferentes dos ordenados pelo regime vigente. Um exemplo da contradição existente nesse período ditatorial pode ser percebido na urbanização do país que pedia pelo crescimento da rede física escolar, e foi o corpo docente que pagou a conta desta expansão, com o rebaixamento de seus salários e a duplicação ou triplicação da jornada de trabalho.

A partir de 1980, experiências, ligadas a movimentos populares organizados em oposição à ditadura, vão-se ampliando e surgem novos projetos de alfabetização. Os municípios ganham mais autonomia e os educadores passam a avançar mais no trabalho. Com isso, o MOBRAL foi perdendo suas características de conservadorismo e de assistencialismo.

No que concerne ao às causas do fracasso do MOBRAL, de acordo com Sauner (2002, p.49) no seu trabalho de alfabetização do jovem e do adulto brasileiros, essas estão relacionadas aos recursos humanos: o despreparo dos monitores a quem era entregue a tarefa de alfabetizar. Tratava-se de pessoas não capacitadas para o trabalho em educação, que recebiam um “cursinho” de treinamento de como aplicar o material didático fornecido pelo MOBRAL e ensinavam apenas a mecânica da escrita e da leitura, portanto, não alfabetizaram. Corroborando a observação de Sauner, em relação ao fim do MOBRAL, Sthephanou e Bastos (2002, pp. 270-271) tecem mais considerações, que envolvem desde críticas à sua metodologia, até as denúncias de desvios de verbas e de divulgações falseadas do número de analfabetos. Os autores promovem um retorno ao quadro de campanhas anteriores e mostram o surgimento, como em períodos anteriores de iniciativas de educação, paralelas à educação oficial e aponta que essas iniciativas ganhavam importância na sociedade civil.

Percebemos que o MOBRAL partiu de uma visão de mundo predeterminada, pois seus objetivos eram previamente definidos pelo MOBRAL/CENTRAL, não dando oportunidade aos profissionais da educação de discutir os caminhos mais viáveis para executar tal projeto. Evidentemente, tais objetivos não se confirmaram e o MOBRAL seguiu o seu (des)caminho até o ano de 1985, quando foi extinto.

O MOBRAL, assim como outros programas de alfabetização de adultos elaborados pelo governo federal, não atingiu seus objetivos, pois, não compreenderam que os projetos de alfabetização de adultos só podem ter êxito caso se enfrente os problemas estruturais da miséria, da fome, do desemprego e da corrupção, que são em boa parte as reais causas do analfabetismo, tornando o Brasil um país extremamente injusto uma vez que nunca viam alfabetização como meio de transformação histórica, não valorizando o indivíduo como um ser que apresenta, ao alfabetizar-se, necessidades distintas das crianças. Pretendia-se simplesmente treinar operários que soubessem ler e escrever ainda que de forma rudimentar, e que reconhecessem seus deveres, sobretudo, para a manutenção da ordem e da paz do regime.

Esses adultos guardam histórias e lembranças de suas passagens pelo MOBRAL. São “objetos” resgatados pela memória e que alimentam vastos campos de reflexão, ainda por visitarmos.

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Publicado por: Adilton Cunha

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