A ORELHA DIREITA DE MALCO
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. CAPÍTULO I - ANALOGIA ENTRE A ORDENAÇÃO SACERDOTAL DE ARÃO E SEUS FILHOS E O MINISTÉRIO SACERDOTAL DE CAIFÁS E ANÁS
- 4. CAPÍTULO II - LIVRO E LEVÍTICO E EVANGELHO DE JOÃO
- 5. CAPÍTULO III - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
- 5.1 Os grupos judaicos na época de Jesus
- 5.1.1 Os Fariseus
- 5.1.2 Os Saduceus
- 5.1.3 Os Essênios
- 5.2 Outros grupos político-religiosos
- 5.2.1 Os herodianos
- 5.2.2 Os zelotes
- 5.2.3 Os samaritanos
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SILVA, Renato Feitosa da.A orelha direita de malco. Formosa, 2014. 34p. Monografia [Graduação em Teologia] – Faculdade Entre Rios do Piauí - FAERPI
1. RESUMO
Teóricos antigos e contemporâneos abordam temas que envolvem a liderança religiosa. O objetivo do presente trabalho é trazer uma reflexão crítica a respeito do assunto, fazendo analogia entre o ministério sacerdotal de Arão e seus filhos em comparação com o ministério sacerdotal exercido no tempo de Jesus, mostrando assim a corrupção do oficio sagrado, que continua corrompido até os dias presentes. Para tanto, faz-se necessária uma revisão bibliográfica de autores que versam sobre o assunto através de uma abordagem qualitativa e comparativa do tema proposto. O trabalho divide-se em quatro sessões assim dispostas: Capitulo primeiro faz uma analogia entre o sacerdócio levítico exercido por Arão e seus filhos e o sacerdócio levítico exercido no tempo de Jesus; o capítulo segundo fundamenta a tese proposta com base nos livros de Levítico e Evangelho de João, e o terceiro capítulo, aborda sobre os grupos religiosos de judeus contemporâneos de Jesus. Conclui-se a partir de então que no período de Jesus o sacerdócio levítico estava plenamente corrompido, os sacerdotes não conseguiam ouvir a voz de Deus nem reconhecer que a profecia messiânica se cumpria diante de seus olhos, pelo contrário, identificaram o filho de Deus como um marginal, arruaceiro, blasfemo, glutão e pecador, motivos pelos quais o levaram a júri popular e o condenaram a morte de Cruz. Encerra-se o presente trabalho questionando que se o filho de Deus viesse novamente a terra, os lideres religiosos contemporâneos, em sua maioria, igualmente corrompidos como os sacerdotes do tempo de Jesus, também o condenariam a morte em detrimento de seus interesses e sede de poder.
PALAVRAS-CHAVE: Sacerdócio Levítico, Arão, Malco, Pedro,Jesus.
2. INTRODUÇÃO
Muito embora vários estudiosos da Bíblia Sagrada afirmem enfaticamente não haver nenhuma compatibilidade ou relação entre o texto de Levítico 8:24 “E mandou então que se aproximassem os filhos de Aarão: pôs-lhes o sangue na ponta da orelha direita, no polegar da mão direita e no hálux do pé direito; e derramou o resto do sangue em todo o redor do altar” e o de João 18:10 “. Então Simão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco1.” O primeiro trata do legislador Moisés espargindo sangue do cordeiro da consagração sobre a ponta da orelha direita dos filhos de Arão, e, o texto neo-testamentário fala sobre o momento em que Simão Pedro, discípulo de Jesus, desembainha sua espada e desfere um golpe certeiro sobre o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita.
Referências bíblicas que podem ser encontradas também em Mateus 26:51 e no Evangelho de Lucas 22:49-50. Entretanto o escritor do Evangelho segundo de João faz questão de dar ênfase especial a este ocorrido retratando inclusive o nome do servo do sumo sacerdote: “e o nome do servo do sumo sacerdote era Malco”.
Embora haja um distanciamento cronológico incontestável entre a narrativa vero-testamentária e o ocorrido no novo testamento envolvendo Kefa, Malco e Yeshua ,conforme descrito, em Yochanan 18:10, sem falar também, que o texto de Levítico ao tratar da unção e consagração de Arão e seus filhos para servirem como sacerdotes foi uma ordenança dada por Deus a Moisés, o próprio Deus os escolheu e os designara para o exercício deste ofício, conforme ordem emitida através do ministério de Moisés.
3. CAPÍTULO I - ANALOGIA ENTRE A ORDENAÇÃO SACERDOTAL DE ARÃO E SEUS FILHOS E O MINISTÉRIO SACERDOTAL DE CAIFÁS E ANÁS
Podemos ver tal designação registrada no Pentateuco, conforme cita o texto sagrado em Êxodo 28:1 que diz: “ Depois tu farás chamar a ti a teu irmão Arão e seus filhos com ele, do meio dos filhos de Israel, para que administrem o ofício sacerdotal, a saber: Arão e seus filhos Nadabe, Abiu, Eleazar e Itamar.”2
Podemos ver neste registro sagrado que o próprio Deus lá dos altos céus escolheu essas pessoas e as designou para este ofício específico, e, o próprio Deus é enfático ao dar as diretrizes de como estes deveriam se portar, vestir e exercerem suas funções sacerdotais. A regra é clara, pois o título de Êxodo 28 é: “Deus escolhe Arão e seus filhos para sacerdotes.” Deus escolheu.
Relacionado a este fato, aí sim, devemos levar em consideração que há uma notável incompatibilidade entre os textos de Levítico 8:24 e João 18:10, pois o critério expresso no primeiro difere-se totalmente ao ocorrido no segundo.
Malco, era servo do sumo sacerdote, a Questão é: de que forma Caifás, ou mesmo anás, seu sogro, chegaram a este ofício? quem os escolhera? Quanto pagaram para chegar ao exercício desta função? É claro que a Bíblia Sagrada nos orienta a nos sujeitarmos às autoridades constituídas e nós como servos do Senhor, não podemos ser omissos diante desta questão, pois como servos piedosos de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo devemos estar sujeitos e obedientes à autoridades – na sociedade, família, igreja e trabalho, conforme nos admoesta as Sagradas Escrituras em Tito 3:1 “ Lembre a todos que se sujeitem aos governantes e às autoridades, sejam obedientes, estejam sempre prontos a fazer tudo o que é bom” e1 Pedro 2:13 “Por causa do Senhor, sujeitem-se a toda autoridade constituída entre os homens; seja ao rei, como autoridade suprema”; entre diversas outras orientações bíblicas no que diz respeito a sujeição às autoridades.
É válido ressaltar que, ao fazer menção dos nomes de Caifás e Anás, se deve ao fato de estes serem as principais figuras religiosas entre os judeus na época do ministério terreno de Jesus, e, embora Caifás fosse o sumo sacerdote, no momento da paixão de Cristo, Anás, o ex-sumo sacerdote, exercia maior influência e autoridade. Tanto Caifás, como Anás, cometeram discrepâncias e disparates absurdos e inadmissíveis, atitudes desprovidas e incompatíveis com a função sacerdotal, pois, por mais que o sumo sacerdote, como ser humano, esteja rodeado de fraquezas, porém é inadmissível a este como representante dos homens junto a Deus, levarem a morte um homem justo, íntegro e mensageiro da paz em tempos conflituosos.
Outro agravante que revela o mau comportamento dos referidos sacerdotes, é que estes conspiraram para que a morte de Jesus fosse a mais humilhante e cruel. Estes sacerdotes juntamente com os romanos levaram Jesus ao ápice da dor e da humilhação.
Em Atos dos Apóstolos 4:63 estes mesmos sacerdotes estavam presentes ameaçando Pedro e João, no intuito de fazer com que estes homens iletrados, mas cheios do Espírito Santo, não falassem mais no nome de Jesus para homem algum, entretanto, como Pedro e João recusaram-se a obedecer tais ordens. Os inimigos de Cristo, inimigos do Evangelho os ameaçaram ainda mais, porém não achando motivos para castigá-los, os deixaram ir, como afirma Lucas: “[...] mas eles os ameaçavam mais e, não achando motivo para os castigar os deixaram ir por causa do povo, porque todos glorificavam a Deus pelo que acontecera.” (Atos 4:21).
Destarte vemos que existe uma diferença entre o sacerdócio de Aarão e seus filhos e o sacerdócio de Caifás e Anás. Há sim, sem sombra de dúvida uma incompatibilidade entre os textos de João 18:10 e Levítico 8:24, no sentido literal e teológico, porém não se descartam as possibilidades ideológicas.
3.1. A unção de Arão e de seus filhos
Primeiro se derramou azeite sobre a cabeça de Aarão. Isto simbolizava a ação do Espírito Santo. Os dons e a influência divina são indispensáveis ao exercício do ministério. O cordeiro do holocausto servia para mostrar que os sacerdotes se consagravam inteiramente ao serviço de Deus. A oferta de paz, o carneiro das consagrações, dava a entender a gratidão que os sacerdotes sentiam ao entrar no serviço de Deus. O sangue do cordeiro da consagração era posto na ponta da orelha direita de Arão, sobre o dedo polegar da sua mão direita e sobre o dedo polegar do seu pé direito. Assim seus ouvidos deveriam estar atentos a voz do Senhor, suas mãos prontas para fazerem o trabalho divino e seus pés prontos para correrem no serviço do Rei Celestial. Isto é, todo seu ser deveria estar “sob o sangue” e consagrado à obra de Deus.
No caso de Malco, servo do sumo sacerdote que foi ferido pelo discípulo de Jesus, chamado Pedro que cortou a orelha direito deste, é provável que ele fosse judeu e descendente da tribo de Levi, uma vez que eram os levitas os ajudantes dos sacerdotes. Os levitas assistiam os sacerdotes em seus deveres e transportavam também o tabernáculo, cuidando dele. Certamente no tempo de Jesus, os sacerdotes preservavam estas formalidades e por esta razão é certo que Malco era levita e certamente na condição de servo sacerdotal, aspirava um dia exercer esse ofício.
Ao obter a ordem de sair e prender Jesus, é provável que Malco tenha se esforçado para cumprir sua missão delegada pelo sumo sacerdote, porém, como bem sabemos que os sacerdotes em épocas passadas, estavam na condição de servirem como mediadores entre o povo e Deus e que o sacerdote deveria estar sempre pronto e atento ao serviço e obediência a Deus. O que se vê é um Malco que se empenha, a executar uma ordem completamente equivocada. Malco sai no afã de cumprir uma ordem delegada por aquele a quem ele servia com a intenção de se tornar provável candidato a sacerdote, sai com uma finalidade de agradar sim ao homem e não a Deus.
É inconcebível a ideia de alguém que esteja a serviço de Deus compactue com atitudes e ações erradas de pessoas que querem demonstrar um perfil de religiosidade, porém, da pior maneira possível, como era o caso do sumo sacerdote na época do ocorrido envolvendo Pedro, Malco e Jesus.
É certo talvez que o servo do sumo sacerdote não fazia a mínima ideia de que ao sair para cumprir a ordem de prender ao mestre Jesus estaria saindo para prender um homem justo, um homem santo que jamais cometeu qualquer dolo. Esse Jesus que os oficiais dos principais sacerdotes saíram para prender deixou bem claro em suas ações, em sua maneira de ser, em sua conduta, que ele somente queria o melhor para aquele povo. Jesus se doou tanto em amor e compaixão para com o próximo que pela humanidade ele entregou a própria vida.
Jesus era tão compassivo e preocupado com o bem estar das pessoas (incluindo Malco, o servo do sumo sacerdote) que quando Pedro feriu a orelha de Malco que fora enviado para prender a Jesus, este mesmo Jesus que o curou, de acordo com o texto sagrado, escrito no Evangelho de Jesus Cristo segundo Lucas 22:50-514 diz que Jesus tocando-lhe a orelha o curou.
Malco jamais poderia negar ou se esquecer deste grande acontecimento que indubitavelmente fora presenciado por um considerável número de pessoas. As mãos miraculosas de Jesus lhe tocaram e a sua orelha direita que há instantes atrás tinha sido decepada por Pedro, agora fora curada pelo toque das mãos de Jesus.
Deixando, porém agora o lado crítico da questão aqui catalogada, seguindo a narrativa dos fatos, isto na óptica de uma grande maioria de pessoas com notável conhecimento teológico.
3.2. Sobre o servo do sumo sacerdote chamado Malco?
No Evangelho de João 18:10 ele é identificado como servo do sumo sacerdote (Caifás era o sacerdote nesta época) e por haver João feito questão de citar o nome de Malco, diferentemente dos outros evangelistas (Mateus, Marcos e Lucas), provavelmente era Malco quem estava liderando aquela legião de soldados romanos que foram ao Getsêmani com o objetivo formal de prender a Jesus.
Diferentemente da escolha da unção e consagração dos sacerdotes determinada por Deus e elencada no livro de Levítico 8:24, a escolha de Caifás foi totalmente diferente daquela do antigo testamento, pois antes o sacerdote era escolhido por Deus. Quanto a Caifás ou na era contemporânea a este, o sumo sacerdote era escolhido ou indicado pelos governantes romanos da Palestina e dentre alguns critérios específicos para a escolha do sumo sacerdote era que este atendesse aos interesses e reivindicações de Roma, cada vez que Roma achasse conveniente ou necessário.
O sumo sacerdote tinha um número específico de servos que estavam sobre o seu comando e a sua disposição, estes servos geralmente repartidos em quatro grupos, ou seja, quatro grupos de servos, chamados de chefes dos sacerdotes. Eram estes: o comandante do templo; os chefes das 24 sessões semanais; os sete vigilantes e os três tesoureiros.
O comandante do templo era responsável pelas cerimônias religiosas e pela manutenção da ordem no santuário, ele também poderia substituir o sumo sacerdote e caso houvesse necessidade, este também possuía uma cadeira no mais alto tribunal dos judeus, o Sinédrio que era composto por 71 membros, incluindo o presidente.
Infelizmente o comandante do templo também realizava trabalhos sujos ou contratava pessoas aptas para fazê-los, para executar tais trabalhos, conforme confessou e admitiu o apóstolo Paulo:
[...] e foi o que fiz em Jerusalém: eu pessoalmente encarcerei um grande número de santos em virtude do poder que recebera dos sumos sacerdotes, e dei o meu sufrágio quando os matavam, percorrendo todas as sinagogas eu multiplicava as minhas sevícias contra eles, para os forçar a blasfemarem, no auge do meu furor, eu os perseguia até em cidades estrangeiras. É assim que um dia eu ia a Damasco com plenos poderes e mandato especial dos sumos sacerdotes (ATOS 26:10-12)5
Para que uma pessoa pudesse assumir o cargo relacionado a comandar o templo, além claro da indicação do sumo sacerdote, precisava ser sabatinado pelo Sinédrio e também devia preencher os requisitos formais estabelecidos pela Lei Mosaica. A perfeição do corpo também era um requisito necessário e obrigatório. Conforme especifica a ordem levítica:
“Fala a Arão dizendo: Ninguém da tua descendência, nas suas gerações, em que houver algum defeito, chegará a oferecer o pão do seu Deus” [...] “Nenhum homem da descendência de Arão, o sacerdote, em quem haver alguma deformidade, se chegará para oferecer as ofertas queimadas do Senhor; defeito nele há, não se chegará para oferecer o pão do seu Deus” (LEVÍTICO 21:17; 21).
Ao sacerdote exigia-se nas Leis Cerimoniais que sempre antes de iniciar o sacrifício era necessário a este que fosse ungido antes de se apresentar no altar do Senhor, O dedo polegar da mão direita, do pé direito e a ponta da orelha direita deveriam ser devidamente ungidos, conforme Levítico 14:14“E o sacerdote tomará do sangue da expiação da culpa, e o porá sobre a ponta da orelha direita daquele que tem de purificar-se e sobre o dedo polegar da sua mão direita e no dedo polegar do seu pé direito.”
Como o servo do sumo sacerdote poderia substituí-lo na ausência deste, via de regra, ele já era um sumo sacerdote, já que em dados momentos, o mesmo poderia exercer tal ofício. Como a perfeição do corpo era uma exigência, pois o sacerdote não poderia ter defeito físico , Malco com sua orelha direita decepada, via agora seus sonhos tornarem-se verdadeiros pesadelos. Sua esperança de num futuro próximo tornar-se um sumo sacerdote, se acabaria ali, pois Malco foi ferido com um golpe certeiro de Pedro e teve sua orelha cortada pelo golpe da espada.
Se não fosse a ação compassiva e miraculosa de Jesus ao tocar-lhe na orelha e curá-la, morreria ali todos os projetos e esperanças de Malco, e este com sua orelha amputada jamais, mas, jamais mesmo, poderia exercer o ofício tão sonhado de sacerdote, pois teve este, sua orelha direita cortada, como registra João 18:10: “Então Simão Pedro, que tinha espada, desembainhou-a, e feriu o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita. E o nome do servo era Malco” e complementa Lucas 22:51 “[...] e respondendo Jesus, disse: deixai-os; basta. E, tocando-lhe a orelha, o curou.”
Naquele dia Malco pode perceber que o homem pelo qual ele saíra com ordem dos principais dos sacerdotes para prendê-lo, tocou-lhe com suas mãos e o curou, naquele momento tão conflituoso mais uma vez Jesus traz calma e tranqüilidade ao emendar a orelha decepada do servo do sumo sacerdote, em momento litigiosos, em meio a tão denso clima, Jesus mostra mais uma vez que é Senhor da situação, não somente sarando a orelha de um homem, a orelha direita de Malco, mas trazendo também o equilíbrio emocional a mente de uma pessoa que devido a condição do momento, estava com seu lado emocional totalmente desequilibrado pelo o que antes lhe ocorrera ao sentir o golpe da espada e haver tido ferida sua orelha direita.
Quando Malco saíra para prender a Jesus, acreditava ele estar a serviço do Reino de Deus, não sabendo ele que estava rebaixando-se a mais vil condição de executar missões reprováveis em nome do corrupto sumo sacerdote.
Malco estava a serviço da maldade de pessoas más, vulgares e inescrupulosas, que o induziram ao dolo de sem nenhum pudor envolver-se com pessoas erradas, defender a causa errada e envolver-se com o erro, o engano, a corrupção e a hipocrisia de uma falsa religiosidade como se virtudes fossem, o certo é que essas pessoas conseguiram corromper o coração de Malco e este não pensou duas vezes ao apressar os seus passos e sair para prender o mestre Jesus, com tudo isto, Malco tinha a convicção que estava defendendo a causa certa, que estava agindo da forma mais correta possível, pois acreditava ele que ao executar as ordens impostas pelo sumo sacerdote, estava executando também um grande serviço para o supremo Deus.
Não obstante, ser servo do sumo sacerdote, Malco almejava um pouco mais, e, segundo uma relevante corrente de opiniões, embora havendo uma incompatibilidade entre o texto de Levítico 8:24 e João 18:10, tudo o que Malco queria era ver o desejo do seu coração realizado, ou seja, tornar-se sumo sacerdote também, entretanto, sem sua orelha ele via este desejo ser frustrado. Com a orelha direita amputada, pelo golpe certeiro da espada de um destemido discípulo de Jesus chamado Pedro, Malco via seu sonho de tornar-se sacerdote morrer.
Sem sua orelha direita o sonho sacerdotal chegaria ao ápice da frustração e descontentamento, e, ser sacerdote para Malco não era apenas uma questão religiosa, era a sua vida, era a razão de sua existência.
O fator mais positivo diante desta situação era que Jesus estava ali presente e sendo ele o mensageiro da paz, não aprova a atitude violenta de Pedro para com o servo do sumo sacerdote, chamado Malco. Ao vê-lo ali arrasado, frustrado e abalado emocionalmente, ensangüentado, com sua orelha direita cortada e com a sensação que tudo ali havia-se acabado, os seus sonhos, seus projetos, tudo, tudo teria sido em vão, o que Malco projetou para sua vida ao longo de vários anos ali se acabara, ali chegaria ao fim , mas neste momento Jesus mais uma vez demonstra o mais profundo sentimento de amor, compaixão e misericórdia ao manifestar sua graça curando a orelha de Malco, deixando-a no lugar que deveria estar.
Jesus restituiu a Malco sua orelha direita, destarte Malco poderia continuar sonhando, o sonho não acabaria ali, uma vez que Jesus mais uma vez realiza um grande milagre, restituindo-lhe todos os seus sonhos. Malco poderia continuar alimentando esta grande esperança de um dia chegar a servir como sacerdote, doravante, Malco poderia continuar no seu posto, exercendo sua função dentro da maior normalidade possível, e ainda, com todo o direito de continuar lutando para chegar onde de fato ele pretendia chegar, que para ele era prioridade, a realização de serviços que ele acreditava ser uma missão vital perante o Deus daquela nação, a nação de Israel.
Aquele homem que os principais dos sacerdotes consideravam como impostor e arruaceiro, restituiu a orelha do homem que fora designado para prendê-lo, Jesus liberta Malco da dor e do pânico, certamente o toque das mãos de Jesus deixou uma marca indelével no coração do servo do sumo sacerdote.
Não obstante, não se deve omitir a discrepância de um fato para outro, deve levar-se em consideração o tempo cronológico, a distinção e de onde emanou a ordem sacerdotal prevista e pontuada em Levítico 8:24 para o acontecimento de João 18:10; naquele, a ordem emanava de Deus, a formalidade da consagração também era determinada por ele, já o texto elencado em João 18:10, fala acerca do servo do sumo sacerdote, Malco saíra no afã de cumprir a ordem do sumo sacerdote para prender Jesus que na verdade também era o verdadeiro supremo sacerdote, àquele que substituiria a todos os demais rituais e sacrifícios com sua morte vicária na cruz do calvário, ele era o Cordeiro de Deus que nos purifica de todo pecado.
Jesus também leva a esperança aos desesperançados, faz ainda com que os sonhos que aparentemente estavam mortos ou foram frustrados sejam ressuscitados e se tornem realidades, em síntese, Jesus era o verdadeiro sumo sacerdote, Ele é Senhor em todos os aspectos, é todo poderoso e o grande Deus das realizações, pois nada é impossível para ele. Ele é soberano! Ele é Mestre! Ele é Rei! Ele é o Senhor! “E todas as coisas foram feitas por Ele, e sem ele nada do que foi feito se fez.” (João 1:3).
Nos textos de Levítico 8:24 e João 18:10 há uma considerável distância no que se refere a historicidade de ambos os textos, outrossim não podemos omitir a peculiaridade teológica dos mesmos, suas particularidades e complexidades objetivas, bem como as subjetivas.
Na objetividade levaremos em consideração os aspectos inerentes a sociedade de cada época, nos atendo às questões históricas e finalidades afins, que no sentido ideológico podem ter semelhanças analógicas, contudo, descartam-se questões de cunho profético e razoabilidade literal.
No que diz respeito à questão subjetiva entendemos a distinção entre um autor e outro, onde certamente a visão de ambos são completamente diferentes muito embora, se em alguns momentos, acontecer de compactuarem uma mesma realidade factual, a visão de uma determinada pessoa sempre será distinta da visão do outro.
Neste prisma, é válido salientar que os textos ora aqui estudados distanciam-se um do outro, há um grande lapso temporal, há um distanciamento cronológico e histórico, ambos são incompatíveis entre si, todavia entre eles poderá haver uma eventual coerência de harmonia ou mesmo um contraste de confrontação histórica, intrínseca e peculiar entre um texto e outro, no que diz respeito a subjetividade do autor de um dos textos supracitados.
Exige-se, portanto, para uma melhor compreensão e, conseqüentemente para uma melhor argumentação, aplicação e dedicação de estudo teológico, não se limitando a um estudo superficial e sem empenho, mas buscando conhecer de forma aplicada um pouco mais sobre os textos ora estudados, para não corrermos o risco de cairmos em erros grotescos e ainda aceitarmos como certa, interpretação diversa daquela que o verdadeiro autor e inspirador da Bíblia de fato queria falar. Não podemos nos esquecer que a Bíblia é interprete de si mesma, ou seja, a Bíblia explica a própria Bíblia.
4. CAPÍTULO II - LIVRO E LEVÍTICO E EVANGELHO DE JOÃO
4.1. O livro de Levítico
O livro de Levítico que tem um evidente conteúdo proposital de orientação tanto para os sacerdotes, bem como para os levitas, de tratarem suas responsabilidades quanto à adoração, e é também um guia de vida santa para os hebreus.
Sendo o terceiro livro da Bíblia, o Livro de Levítico faz parte do Pentateuco, e do capítulo 8 a 10 deste livro nós podemos acompanhar um manual de instruções para sacerdotes, sendo que o capítulo 8 fala especificamente sobre a consagração de Arão e seus filhos.
Levítico é um livro que contém a Lei dos sacerdotes da Tribo de Levi, tribo Israelita que Deus escolhera para exercer o ofício sacerdotal entre o povo de Israel. Nos fala também sobre o ritual dos sacrifícios, as normas que diferenciam o puro do impuro, a Lei da santidade e o calendário que versa sobre a liturgia entre este povo. Nele está expresso entre outros, as normas de legislação que regulam também o comportamento desta gente em sociedade.
Em tempos remotos da história bíblica, o livro de Levítico era o que hoje chamaríamos de um ordenamento jurídico, pois neste livro contém uma expressiva e notável gama de sanções, direitos e obrigações, um livro deveras complexo, reunido nele compilações de leis sanitárias, e da alimentação e os regulamentos sobre a teologia moral e sexual, e, assim da proteção contra diversas enfermidades.
As referidas leis os beneficiaram em sentido espiritual também, pois habituaram os judeus a se familiarizarem com as normas de condutas estabelecidas por Deus, e os ajudara a adequarem o comportamento às normas de conduta elencadas neste livro.
Os irmãos da igreja primitiva, bem como os cristãos atuais tinha a segura convicção que as normas registradas no livro de Levítico, ou seja, as Leis Mosaicas, serviam como caminho para conduzir os judeus ao Messias, que seria o grande sumo sacerdote de Deus, representado pelos inúmeros sacrifícios que foram oferecidos em uma aparente harmonia com a lei.
O livro de Levítico nos revela de forma ampla a identidade da nação de Israel, representada pelas suas regras prescritas neste livro, certamente em muito contribuiu para a formação social de Israel e seus indivíduos, pois em regra ,isto os ajudou a terem conduta de comportamentos igualitários e não litigiosas entre si.
É importante mencionar também sobre a linguagem pela qual o livro de Levítico foi escrito, ou seja, os idiomas utilizados pelos antigos hebreus e também usados no início do cristianismo, os quais eram: aramaico, hebraico e o grego.
Também devemos levar em consideração a influência de diversos idiomas e dialetos usados pelos antigos judeus, devido o contato destes com outros povos. Claro que isso poderia levar algum intérprete a cometer equívocos na sua interpretação, entretanto, relacionado aos textos bíblicos originais, não resta dúvida sob o viés positivo da inerrância das escrituras.
O texto que está registrado em Levítico 8:24 diz respeito a continuidade de um ritual de consagração, diferentemente do texto de João 18:10, que é a continuidade da história sobre a prisão de Jesus, onde diz o texto sobre o golpe do discípulo de Jesus, chamado Pedro, que fere com um golpe de espada o servo do sumo sacerdote, cortando-lhe a orelha direita, e o nome deste servo era Malco.
4.2. O Evangelho de João
Entre os evangelhos, o de João foi o último a ser escrito, embora não sendo considerado sinótico entre os demais, não podemos desmerecê-lo ou tentar diminuí-lo por conta disto, pelo contrário, João, ao escrever este evangelho que leva o seu próprio nome, tinha como propósito, através da escrita fazer com que os seguidores não judeus, especialmente os que debatiam com certas filosofias gregas predominantes naqueles dias, “cressem verdadeiramente em Jesus Cristo o filho de Deus, e crendo, tivessem vida em seu nome.” (João 20:31). Nessa época essas filosofias ensinavam que a salvação era obtida por um conhecimento especial, e que Jesus era divino, porém, não era verdadeiramente humano.
João pode ser considerado como um escritor das formalidades, pois ele caprichosamente dava ênfase e atenção especial aos notáveis acontecimentos, ao descrever os feitos e milagres de Jesus.
Como de certo modo o texto de levítico 8:24, fala sobre a consagração dos sacerdotes, então não está descartada a possibilidade de se fazer uma comparação ideológica entre o texto de João 18:10 e o texto de Levítico 8:24, uma vez que Malco era servo do sumo sacerdote.
Para que um indivíduo se tornasse sacerdote, era necessário, dentre outras tarefas, tornar-se servo do sumo sacerdote por um período de pelo menos cinco anos. No ritual de consagração ao sacerdócio, era molhada a ponta direita da orelha da pessoa com o sangue do holocausto. Entende algumas pessoas que Simão Pedro era sabedor deste fato e sabendo que dentro de pouco tempo Malco teria a possibilidade de tornar-se sacerdote, cortou-lhe a orelha direita para que isso não viesse acontecer, pois com a orelha direita cortada, Malco não poderia mais se tornar sacerdote, pois estes eram perseguidores de Jesus e responsáveis pelo sofrimento do povo.
Pedro age desta forma buscando evitar que surgisse mais um sacerdote corrupto na sociedade para trazer sofrimento para seu povo, para sua nação, pois não poderia um indivíduo sem a orelha direita ser sacerdote, por não poder cumprir com as formalidades previstas nos rituais de consagração.
Falando neste sentido pode até ser que haja uma ligação ideológica, entretanto tudo isto não passa de uma mera suposição que Pedro tenha agido de forma premeditada e que propositalmente tenha cortado a orelha direita de Malco, para impedir que a realização deste sonho fosse concretizada, tornando-se assim um sacerdote.
Não podemos afirmar inclusive se a orelha de fato foi amputada ou se foi parcialmente ferida, pois não sabemos como foi o golpe, se foi proposital ou específico para arrancar-lhe a orelha direita ou se o golpe foi mera coincidência.
Claro que temos a clareza bíblica que o servo do sumo sacerdote, foi ferido em sua orelha direita, e Jesus o curou, entretanto, afirmar com convicção que Pedro tinha uma intenção específica de cortar a orelha de Malco, justamente para que ele não tornar-se sacerdote é no mínimo uma informação desconexa e deveras contraditória, as afirmações ditas por alguns, partindo deste pressuposto, indubitavelmente não passam de meras suposições e sendo suposições não podemos afirmar com clareza ou mesmo conceber a ideia que as referidas suposições são axiomáticas e dignas de um prestígio absoluto sem a necessidade de uma sábia e coerente contestação.
Talvez pelo fato de alguns lerem a bíblia de forma descompromissada, criou-se a ideia de que Pedro tenha agido premeditadamente no assunto em questão e também pela lógica e as formalidades previstas no Velho Testamento para realização do ritual de consagração sacerdotal, sem dúvida, existe um paradoxo entre Levítico 8:24 e João 18:10, pois ao interpretarmos ou correlacionarmos os dois textos de forma literal, logo perceberemos que estamos fora do seu contexto real.
5. CAPÍTULO III - CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
5.1. Os grupos judaicos na época de Jesus
De acordo com o historiador Flavio Josefo6 (ano 100), o povo de Israel contemporâneo de Jesus era divido em vários grupos éticos--filosóficos-políticos-religiosos, isto representa um povo divido de acordo com os interesses de cada grupo, por exemplo: havia o grupo cujo interesse e objetivo era a libertação da subserviência a Roma; outros estavam a serviço de Roma, na tentativa de induzir o povo a reconhecer Herodes como o Messias.
Vejamos o que Josefo descreve sobre esse período:
Um grupo de judeus entendia que a resistência judaica visava a preservação de sua religião e cultura contra a tentativa de helenização7 e paganização8 de seu povo; outro grupo, como o dos zelotes, formavam um grupo de resistência política que visava libertação do povo judeus do julgo do Império Romano; e para tanto, aguardava o Messias, filho de Davi, guerreiro e conquistador, que viesse promover a emancipação política de seu povo. (JOSEFO, 100)
Compreende-se a partir da expectativa de um messias guerreiro, o comportamento de Pedro ao ferir Malco com sua espada, imaginava, possivelmente que Jesus, como Messias, descendente de Davi, iria incitar o povo a tomar o poder e subverter a autoridade que Roma exercia sobre os judeus.
A Bíblia Sagrada menciona a presença de três grupos no judaísmo contemporâneos de Jesus: Fariseus, saduceus e essênios. Certamente esses grupos representavam opiniões e posicionamentos diversos entre si, vejamos:
5.1.1. Os Fariseus
Segundo Fernandes (2014)9, o grupo dos fariseus começou a se organizar após a guerra dos Macabeus e naquele momento histórico representavam o grupo mais consolidado da religião judaica, tinha como ideologia fazer oposição a helenização dos judeus através de Roma, visando a preservação das tradições, cultura e fé judaica.
Podemos verificar a longa existência desse grupo, no discurso do apóstolo Paulo perante Agripa, quando afirma: “Eles sabem de longa data, e podem testemunhar se quiserem que eu vivi segundo a tendência mais estrita da nossa religião, como fariseu.” (At 26: 5).
A respeito da doutrina, os fariseus acreditavam na predestinação harmonizada com o livre arbítrio, na alma imortal, no corpo ressuscitado, na existência do espírito, nos castigos na vida futura, no viver conforme a lei de Moisés.
Caifás, Anás e Malco, pertenciam ao grupo dos fariseus, grupo que detinha a liderança do templo naquele período, e, portanto, com participação decisiva no martírio de Cristo, uma vez que como sacerdotes não reconheceram em Jesus o cumprimento da promessa do Messias prometido. Pelo contrário, o enxergaram como um rival que pretendia tomar o poder que a eles pertencia. Por isso buscavam ocasiões para desmoralizá-lo diante do povo, porém, o povo o seguia cada vez mais, para indignação deste grupo de fariseus, assim como de outros grupos judaicos.
5.1.2. Os Saduceus
Este grupo assumia posicionamento doutrinário e filosófico contrário ao dos fariseus. A respeito de como surgiu o grupo dos saduceus existe alguns posicionamentos controversos. Mas, a corrente mais aceita é que surgiu com Zadoque, um sacerdote contemporâneo de Davi.
A respeito dos saduceus Schubert, afirma:
Este grupo era mais sacerdotal e aristocrático e, sendo mais fechado, não fazia questão de popularização, e de 539 a.C., período do domínio persa, até o período de Alexandre, o Grande, as famílias dos sumo-sacerdotes se mostravam complacentes com os vizinhos pagãos, vivendo em harmonia com os povos helênicos. Era um grupo composto por homens educados, ricos e de boa posição social. Em geral, tinham crenças opostas a dos fariseus.10
De acordo com Josefo apud Schubert (1979, p. 16), os saduceus eram mais sépticos, só acreditavam naquilo que se pudesse provar por meio da razão, por isso não admitiam ideias como: ressurreição, juízo futuro, imortalidade, existência dos anjos, de espíritos, de inferno e não seguiam as interpretações dos fariseus a respeito dos patriarcas.
Vemos que no novo testamento Lucas faz menção à oposição doutrinária-filosófica existente entre fariseus e saduceus dizendo:
”Mas Paulo acabara de fazer essa declaração, iniciou-se um conflito entre os fariseus e os saduceus e a assembleia se dividiu. Com efeito os saduceus suscitaram que não há ressureição, nem anjos, nem espíritos, ao passo que os fariseus professam a existência de tudo isso.” (Atos 23:7-8)
A respeito do oficio sacerdotal exercido naquele período observa-se que a semelhança da ordenação de Arão e seus filhos, o sacerdócio ainda era exercido em família, porém já não havia a preocupação com a santidade que o oficio exigia, pois segundo as palavras de Josefo apud Schubert (1979, p.15), “as famílias dos sumo-sacerdotes se mostravam complacentes com os vizinhos pagãos, vivendo em harmonia com os povos helênicos.”
Franklin Ferreira a respeito da crença dos saduceus faz a seguinte afirmação:
Os saduceus, com o seu repúdio à doutrina da ressurreição e descrença na existência de seres angelicais, podem ser considerados como precursores dessa corrente de interpretação das Escrituras. Pouco se sabe sobre a origem desse partido judaico, mas parece haver adotado uma posição secular-pragmática de interpretação das Escrituras. Ao negarem verdades básicas das Escrituras, os saduceus podem ser considerados guardados as devidas proporções, como os modernistas ou liberais da época.11
Diante do exposto, percebe-se que os fariseus eram os conhecedores da lei e dos profetas, contudo eram hipócritas, já os saduceus eram os líderes, mais humanistas, que secularizaram o sagrado. Mas tinha grande influência política e religiosa.
5.1.3. Os Essênios
Segundo Charles Ryrie,12 os essênios eram mais ascéticos, assim como os fariseus eram conhecedores da Lei e dos profetas, e prezavam por manter viva a verdadeira chama do judaísmo, porém esses não eram considerados hipócritas, buscavam viver no isolamento como forma de se resguardarem da contaminação filosófica romana e grega, tão presentes naquele contexto.
Sobre o grupo dos essênios Ryrie faz a seguinte observação:
Os essênios, assim como os fariseus se dedicavam ao estudo das Escrituras, a oração e as cerimônias, conhecidas como banhos Mikvah. Dividiam seus bens com a comunidade e eram conhecidos por seu trabalho e vida piedosa, porém, a grande fragilidade dos essênios é que acreditavam que só se poderia alcançar a santidade e a fé pura, através do isolamento do mundo.13
É fato que Jesus não pertencia a nenhum desses grupos, porém o que mais se aproximava dos ensinamentos de Jesus, em pureza, santidade, e vida de piedade para com o próximo eram os essênios, exceto que, Jesus não se isolava, embora buscasse em alguns momentos estar a sós com Deus em oração, mas na maior parte de seu ministério Jesus é testemunhado em meio ao povo simples, doente, leprosos, e até beberrões e prostitutas.
Josefo apud Schubert (1979, p.16) diz que os essênios julgavam-se os verdadeiros Israelitas e se dedicavam a preparar o “caminho do Senhor”, pois aguardavam a promessa do Messias e eram cuidadosos na realização de seus sacrifícios conforme prescrevera Moisés a Arão e seus filhos, dando especial atenção a importância da purificação e a santidade dos seus sacerdotes.
Além destes três grupos mais tradicionais daquele período existiam outros três considerados menos importantes na opinião dos grupos mais fortes e antigos, os quais eram:
5.2. Outros grupos político-religiosos
5.2.1. Os herodianos
O grupo dos herodianos era composto por judeus que aceitavam favorecimentos de Herodes, em troca de se deixarem helenizar e com o compromisso de pulverizar a helenização entre os judeus. Esse grupo exercia grande influência política nas escalas do poder judaico e persuadia os lideres a corromper os costumes judaicos a fim de tornar a vida dos judeus mais fácil dentro do império Romano.
Tognini (2009),14 afirma que historiadores como Jerônimo, Tertuliano, Epifânio, Crisóstomo e Teófilo são unânimes em declarar que “os herodianos eram um partido mais político que religioso. Eram como os saduceus em religião, divergindo apenas em um ou outro ponto político. Os herodianos eram um grupo independente e oriundo de uma ala esquerdista dos saduceus. Estavam a serviço do governo romano e atuavam como espiões, em troca de altos privilégios.
5.2.2. Os zelotes
Encontramos relatos nos estudos de Packer (1991, p. 82)15 a respeito dos zelotes: “Este grupo é considerado como o mais radical dentro do judaísmo. Com grande expressão política e social promoveram grandes levantes contra Roma, e incitaram a Guerra judia (66-70 d.C.)”, o que levou a destruição do Templo e da cidade de Jerusalém. Os zelotes eram fervorosos na fé judaica e comprometidos com o bem estar social de seu povo. Por isso esperavam um Messias que viesse responder aos anseios e necessidades do povo; um Messias que promovesse uma revolução social e promovesse a emancipação do povo judeu de Roma. Era considerado um grupo de rebeldes e esperava um Messias revolucionário. Segundo os relatos de Flavio Josefo no ano 100 d.C, Judas pertencia ao grupo dos zelotes.
Os sacerdotes dos Zelotes eram zelosos pelo cumprimento da Lei Mosaica, e possuíam uma característica a mais que os diferenciavam dos outros sacerdotes dos demais grupos, que era o fato de serem engajados politicamente, visando tomar as dores de seu povo e lutavam pelo bem estar social deste.
Sobre os Zelotes afirmam Horsley e Hanson:
“O zelo por Deus e pela Lei de Deus não pode ser utilizado como características para se denominar um grupo, pois de certa forma todos os grupos judeus possuíam essa característica [31]. No entanto, o que caracteriza principalmente os sacerdotes dos zelotes não é apenas esse zelo, tão somente, mas a manifestação desse zelo através do desejo de revolução e luta como meio de libertação. Isso é o que os diferenciava de outros grupos.”16
5.2.3. Os samaritanos
Os samaritanos têm a sua origem histórica registrada quando Sargom rei da Assíria dominou Samaria, ocorrendo assim a mistura dos judeus com os babilônios como podemos conferir no registro bíblico de 2 Rs 17:24, que diz: “O rei da Assíria mandou vir gente da Babilônia, de Kut, de Avá, de Hamate de Serfavaim, estabelecendo-os na cidade de Samaria, em lugar dos filhos de Israel. Assim tomaram posse de Samaria e passara a habitar nas suas cidades.”
Joaquim Jeremias17apud (Lopes 2007, p. 123)18, ressalta que os samaritanos eram odiados pelos judeus, por causa da mistura de seu povo com os babilônicos, motivo pelo qual os desprezavam, conforme ficou conhecido o ditado popular da época: “a partir de hoje Siquém será chamada a cidade dos idiotas, porque nós zombamos deles como se zomba de um louco”.
Freqüentemente os samaritanos costumavam adorar no templo, mas foram proibidos pelos judeus desde a época de Neemias quando foram impedidos de participar da reconstrução do templo, por causa do sacerdote Sambalate, que era inimigo de Neemias e foi expulso dali por ele, por não serem considerados judeus de ‘sangue puro’, e, portanto, não dignos de freqüentar o templo, nem praticar a religião judaica. Motivo este que levou o sacerdote Sambalate a incitar os samaritanos a embargarem a obra de reconstrução do templo de Jerusalém.
Impedidos de freqüentarem o templo de Jerusalém, o sacerdote Sambalate construiu uma réplica do templo de Jerusalém no monte Gerizim, o que motivou mais rivalidade, ódio e desprezo dos judeus aos samaritanos.
No tempo de Jesus vemos a postura inclusiva de Jesus em relação aos samaritanos, em várias passagens bíblicas: (Lc 17:16; Jo 4; At 1:8; At 8:5,14; At 9:31), e em muitos casos, Jesus compara-os com os judeus, ressaltando-lhes a fé, e reprovando a hipocrisia dos fariseus, que devo fazer para receber em herança a vida eterna?
Senão vejamos o registro bíblico do Evangelho de Lucas a respeito:
Eis que um legalista se levantou e lhe disse, para pô-lo a prova: “Mestre, que devo fazer para receber em herança a vida eterna? Jesus lhe disse: que está escrito na Lei? Como a lês? Ele respondeu: ”Amarás o senhor teu Deus de todo teu coração, com toda a tua alma, com toda tua força e com todo teu pensamento; e ao teu próximo como a ti mesmo.” Jesus lhe disse: “respondeste bem. “Faze isto e terá vida”. Mas ele querendo mostrar a sua justiça, disse a Jesus: E quem é o meu próximo? Jesus continuou: “Um homem descia de Jerusalém a Jericó, caiu nas mãos de bandidos que, tendo-o despojado e coberto de pancadas, foram embora e o abandonaram quase morto. Aconteceu que um sacerdote descia pelo caminho; ele viu o homem e passou a boa distância. Do mesmo modo um levita passou a este lugar, viu o homem e passou a boa distância. Mas um samaritano, que estava de viagem, passou perto do homem, ele o viu e tomou-se de compaixão. Aproximou-se, atou-lhe as feridas derramando nelas azeite e vinho, montou-o sobre a sua própria montaria, conduziu-o a uma hospedaria e cuidou dele. No dia seguinte, tirando duas moedas de prata, deu-as ao hospedeiro e lhe disse: “toma conta dele, e se gastares alguma coisa a mais, sou eu quem te pagarei na minha volta.” Qual dos três, ao teu ver, mostrou-se próximo do homem que caira nas mãos dos bandidos? Respondeu o legalista: “foi aquele que deu prova da sua bondade para com ele”. Jesus lhe disse: Vai e tu também fazes o mesmo”. Lc 10:25-3719
Diante dos ensinamentos de Jesus através desta história que contara ao legalista, a respeito do samaritano, percebemos mais uma vez a censura de Jesus a hipocrisia e a falta de legitimidade do sacerdócio judaico de seu tempo e demonstra que Deus não faz acepção de pessoas, mas atenta pra a verdadeira devoção e fé sincera demonstrada por nossas atitudes, frente às situações da vida.
Diante do contexto de Israel retro descrito, entendemos a hostilidade de Pedro como fruto de povo fragmentado entre si, no qual o grupo de fariseus que naquele momento histórico ocupava a função sacerdotal do templo, como não tendo legitimidade, pois oprimiam o povo com pesadas cargas, as quais eles mesmos não se dispunham carregar.
Além dos grupos mencionados, existiam outros grupos de judeus que eram os sicários e os publicanos. Sobre este descreve Buckland:
“Os Sicários eram um subgrupo oriundo dos zelotes, porém, mais radicais, responsáveis por liderar o movimento revolucionário rural da Judéia” enquanto os zelotes estavam mais focados em promover um movimento revolucionário a nível sacerdotal, isto é, de cunho mais religioso. Já os Publicanos eram os coletores de impostos nas províncias do Império Romano. Havia dois tipos de Publicanos: os Publicanos Gerais e os Publicanos Delegados. Os Publicanos Gerais respondiam ao imperador romano e eram responsáveis pelos impostos. Os Publicanos Delegados eram aqueles que eram comissionados pelos Gerais para coletar os impostos nas províncias. Estes eram considerados como “ladrões e gatunos”. Muito embora fossem odiados pelos seus compatriotas, os judeus, diferentemente dos fariseus, os Publicanos não eram hipócritas. Pois ser Publicano era mais uma “profissão” do que um grupo filosófico-político-religioso.20
Portanto diante do contexto exposto a respeito da divisão política-religiosa-judaica do tempo de Jesus, podemos analisar o episódio em que Pedro decepa a orelha de Malco, possível candidato fariseu a sucessão sacerdotal de Caifás, ou seja, é uma resposta a repressão deste grupo religioso que oprimia o seu povo e que não gozava da admiração de seus compatriotas.
Entende-se, portanto, diante da análise de atuação sacerdotal no período neo-testamentario, que a unção sacerdotal de Arão e seus filhos é considerada como o parâmetro para a o exercício da função sacerdotal, mas que, contudo o ministério sacerdotal no tempo de Jesus estava muito distante do que de fato, Deus requerera como pressuposto para o exercício de tal função.
Considera-se também que a morte de Jesus apesar de ter um significado espíritual que implica o mistério da redenção e da reconciliação entre Deus e os homens, foi motivada por interesses e conchavos políticos daqueles que deveriam ter a sensibilidade espiritual para reconhecer que a promessa do Messias se cumprira em Jesus, o ungido e enviado por Deus para que todo aquele que nele cresse pudesse ter a certeza e garantia de vida eterna.
6. CONCLUSÃO
O presente trabalho aborda a questão do sacerdócio levítico personificado no ministério de Arão e seus filhos, em comparação com o sacerdócio judaico, dividido em várias facções e corrompido pelo poder político e pela influencia helênica que recebera de Roma.
Tal comparação fundamenta-se nos textos bíblico do livro de Levítico 8:24 e o Evangelho de João 18:10; o primeiro relata a escolha de Deus, para o sacerdócio separando a Arão e seus filhos para o exercício deste oficio, precedido de rituais de purificação e consagração ao sacerdócio levítico; onde um dos critérios era a unção da orelha direita, simbolizando que o sacerdote deveria ter a sensibilidade de ouvir a voz de Deus. O segundo texto refere-se ao relato feito pelo evangelista João sobre o episódio onde Jesus é preso, mas exatamente a situação que envolve Pedro, discípulo de Jesus e Malco, servo do sumo sacerdote Caifás e aspirante a sucessão sacerdotal de Caifás. Pedro decepa a orelha direita de Malco em defesa de Jesus e em protesto ao sacerdócio exercido pelo grupo dos fariseus e corrompido pelo jogo de interesses e poder.
Segundo o pensamento de algumas pessoas, a atitude de Pedro, é precedida de intenção visando impedir que Malco pudesse vir a ser sumo sacerdote, uma vez que tendo o corpo mutilado, não cumpriria as exigências de perfeição física, para o exercício da função, entretanto, opiniões sobre se a atitude de Pedro foi proposital ou não, são apenas suposições.
Conclui-se diante deste estudo, que o sacerdócio conforme Levítico, instituído pelo próprio Deus, foi plenamente vivenciado na família de Arão, mas com o decorrer do tempo, devido às guerras, destruição do templo, cativeiros, miscigenação do povo de Israel com outros povos, deu-se a divisão política, religiosa e filosófica dos judeus, em partidos e grupos diversos de judeus nos quais o sacerdócio levítico era interpretado de diferentes formas e assim foi distanciando-se cada vez mais dos propósitos de Deus.
No Período de Jesus o sacerdócio levítico estava plenamente corrompido, os sacerdotes não conseguiam ouvir a voz de Deus nem reconhecer que a profecia messiânica se cumpria diante de seus olhos, pelo contrario, identificaram o filho de Deus como um marginal, arruaceiro, blasfemo, glutão e pecador, motivos pelos quais o levaram a júri popular e o condenaram a morte de Cruz.
Contextualizando a temática para os nossos dias, percebemos um número bem maior de grupos religiosos ditos seguidores de Jesus, cada um assumindo a sua própria interpretação da Bíblia, do ministério sacerdotal, e se utilizando destes como forma de ascensão social, enriquecimento ilícito, explorando a fé dos fiéis, ou para fins de manipulações políticas em defesa de seus interesses particulares.
Diante do exposto, entende-se que se Jesus voltasse a terra, como a visitou a mais de dois mil anos atrás, os grupos religiosos, principalmente os que estão investidos da ocupação de ministros religiosos (sacerdotes), também crucificariam Jesus da mesma se tivessem seus interesses contrariados e a sua hipocrisia denunciada pelo próprio filho de Deus.
Espera-se que este breve estudo possa contribuir para a reflexão critica a respeito das lideranças religiosas hodiernas e a seriedade que o ministério sacerdotal exige daqueles que são escolhidos pelo próprio Deus, e não indicados por interesses políticos para fins escusos.
7. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Bíblia Tradução Ecumênica – TEB. Les Éditions du Cert et Societé Biblique Française, Paris, 1998.
BUCKLAND, A. R. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Vida, 1981.
FERNANDES, Antônio Guimarães. Os grupos judaicos no primeiro século. Cultura Cristão, 2014.
FERREIRA, Franklin. Apostila de Hermenêutica. Rio de Janeiro: STBSB, 1999, p.12,13.
HORSLEY, Richard A. & HANSON, John S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995, p.166.
LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
La Bible – Traduction acuménique de la Bible – 111TEB.Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1994.
PACKER, J. I.; TENNEY, Merril C.; WHITE, William. O Mundo do Novo Testamento. São Paulo: Vida, 1991, p.82.
RYRIE, Charles C. A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1994, p.1659.
SCHUBERT, Kurt. Os Partidos Religiosos Hebraicos da época Neotestamentária. São Paulo: Paulinas, 1979, p.15,16
Sociedade Bíblica do Brasil. Bíblia Sagrada. Tradução Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida. 1997.
TOGNINI, Enéas. O período Interbíblico. São Paulo: Hagnos, 2009, p.153
1 Idem
2 Bíblia Sagrada. Tradução Revista e Atualizada de João Ferreira de Almeida. Sociedade Bíblica do Brasil. 1997.
3 Estavam ali Anás, o sumo sacerdote, bem como Caifás, João, Alexandre e todos os que eram da família do sumo sacerdote. Atos dos Apóstolos 4:6.
4 Eis que um dos que estavam com Jesus, estendendo a mão, puxou a espada e ferindo o servo do sumo sacerdote, decepou-lhe uma das orelhas.Contudo, Jesus interveio e ordenou: “Deixai-os. Basta!” E tocando a orelha do homem, Ele o curou.
5 La Bible – Traduction acuménique de la Bible – TEB.Edições Loyola, São Paulo, Brasil, 1994.
6 Flavio Josefo, conhecido como Josefo, viveu por volta do ano 100 dC. Apesar de Judeu, tornou-se cidadão romano e foi um importante historiador do 1º século. Suas obras apresentam um importante quadro do judaísmo do 1º século.
7 É uma expressão utilizada para descrever a difusão da cultura grega em Roma, naquele período.
8 Consistia em levar o povo a atribuir devoção e adoração aos deuses pagãos: Espíritos de mortos antepassados, objetos inanimados, sol, lua, terra, etc. porque acreditavam que os deuses habitavam neles.
10 SCHUBERT, Kurt. Os Partidos Religiosos Hebraicos da época Neotestamentária. São Paulo: Paulinas, 1979, p.15,16
11 FERREIRA, Franklin. Apostila de Hermenêutica. Rio de Janeiro: STBSB, 1999, p.12,13.
12 RYRIE, Charles C. A Bíblia Anotada. São Paulo: Mundo Cristão, 1994, p.1659.
13 Idem
14 TOGNINI, Enéas. O período Interbíblico. São Paulo: Hagnos, 2009, p.153
15 PACKER, J. I.; TENNEY, Merril C.; WHITE, William. O Mundo do Novo Testamento. São Paulo: Vida, 1991, p.82.
16 HORSLEY, Richard A. & HANSON, John S. Bandidos, profetas e messias: movimentos populares no tempo de Jesus. São Paulo: Paulus, 1995, p.166.
17 Joachim Jeremias foi um teólogo Luterano alemão e professor de Novo Testamento e faleceu em 1979.
18 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e Seus Intérpretes. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.
19 Biblia Tradução Ecumênica – TEB. Les Éditions du Cert et Societé Biblique Française, Paris, 1998.
20 BUCKLAND, A. R. Dicionário Bíblico Universal. São Paulo: Vida, 1981.
Publicado por: Renato Feitosa da Silva
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