As três vidas de Conrad Detrez (1937-1985): uma análise de suas trajetórias e legados
índice
- 1. RESUMO
- 2. ABSTRACT
- 3. LISTA DE ILUSTRAÇÕES
- 4. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
- 5. INTRODUÇÃO
- 6. UM PANORAMA SOBRE CONRAD DETREZ: ALÉM DO ESQUECIMENTO, ALÉM DO TEMPO
- 7. CONSIDERAÇÕES SOBRE MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA HISTÓRIA
- 7.1 Perspectivas teóricas sobre memória: conflitos e silenciamentos
- 7.2 Evitando apagamentos: a reivindicação da trajetória de vida
- 8. DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ÀS DITADURAS: EUROPA E AMÉRICA LATINA EM FOCO
- 9. AS TRAJETÓRIAS DE CONRAD DETREZ (1937-1985)
- 9.1 Primeira vida como Conradus Primus (1937-1962): a vivência católica em uma Liège rural
- 9.2 Segunda vida como Domingues (1962-1967): a diversidade de uma trajetória suburbana, livre e militante pelo Rio de Janeiro
- 9.3 Terceira vida como Conrad Detrez (1967-1985): contribuições, andanças e desencontros de um militante internacionalista pelo mundo
- 10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
- 11. ANEXO A
- 12. FONTES E REFERÊNCIAS
- 12.1 FONTES
- 12.2 FILMOGRAFIA
- 12.3 PERIÓDICOS CONSULTADOS
- 12.4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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1. RESUMO
O belga naturalizado francês Conrad Detrez (1937-1985) é uma figura pouco conhecida, mas de grande relevância política e cultural para o Brasil. Suas três estadias no país foram marcadas por um intenso envolvimento com questões sociais, culturais, políticas e sexuais, resultando em uma mudança pessoal e profissional em sua vida. Com essa transformação, envolveu-se ativamente na resistência clandestina contra o regime autoritário que surgiu após o golpe de 1964, participando ativamente de movimentos sociais e ações de resistência. No ano de 1967, foi capturado, sofrendo torturas e sendo posteriormente expulso do Brasil. Encontrou refúgio em Paris, onde se estabeleceu como escritor e divulgador literário, realizando traduções de obras de renomados autores brasileiros, como Jorge Amado e Antonio Callado, e desempenhando um papel crucial na disseminação da literatura brasileira no continente europeu. No entanto, sua contribuição para a história nacional tem sido sub-representada e, quando não, frequentemente reduzida a meros aspectos literários, subjetivos e burlescos, negligenciando sua importância para a história, política, cultura e literatura latino-americanas. Visando romper com esse histórico de enfoques limitantes, este estudo procura analisar a trajetória de vida de Conrad Detrez, passando desde sua infância na Bélgica até sua resistência antiditatorial no Brasil e seu papel na divulgação da literatura brasileira na Europa. Além disso, busca-se analisar suas inserções pessoais e profissionais nos países em que viveu, enquanto reflexos de suas próprias vivências pelo mundo. O método utilizado nesta pesquisa baseia-se na análise qualitativa e micro-histórica de fontes públicas e privadas relacionadas à vida e obra de Detrez, incluindo sua produção literária, atividades políticas e culturais, bem como relatos históricos e referências acadêmicas. Foram examinados documentos, entrevistas, ensaios e traduções realizadas pelo belga a fim de compreender sua atuação multifacetada no cenário cultural e político tanto no Brasil quanto no exterior. Com esse fim, espera-se evidenciar os seus legados, destacando sua importância para a história e cultura latino-americanas, especialmente para o contexto brasileiro.
PALAVRAS-CHAVE: Biografia. Resistência. Conflito. Militância. Literatura.
TITLE: The three lives of Conrad Detrez (1937-1985): an analysis of his trajectories and legacies
2. ABSTRACT
The naturalized french-belgian Conrad Detrez (1937-1985) is a little-known figure but of significant political and cultural relevance to Brazil. His three stays in the country were marked by intense involvement with social, cultural, political and sexual issues, resulting in a personal and professional change in his life. With this transformation, he actively engaged in underground resistance against the authoritarian regime that emerged after the 1964 coup, participating in social movements and resistance actions. In 1967, he was captured, tortured and subsequently expelled from Brazil. He found refuge in Paris, where he established himself as a writer and literary promoter, translating works by renowned brazilian authors such as Jorge Amado and Antonio Callado, and playing a crucial role in disseminating brazilian literature in Europe. However, his contribution to national history has been underrepresented and often reduced to mere literary, subjective and burlesque aspects, neglecting his importance to latin american history, politics, culture, and literature. Seeking to break with this history of limiting approaches, this study aims to analyze Conrad Detrez's life trajectory, from his childhood in Belgium to his anti-dictatorial resistance in Brazil and his role in promoting brazilian literature in Europe. Additionally, it seeks to analyze his personal and professional involvements in the countries where he lived as reflections of his own experiences around the world. The method used in this research is based on the qualitative and microhistorical analysis of public and private sources related to Detrez's life and work, including his literary production, political and cultural activities, as well as historical reports and academic references. Documents, interviews, essays, and translations carried out by the Belgian have been examined to understand his multifaceted performance in the cultural and political scenario both in Brazil and abroad. With this aim, it is hoped to highlight his legacies, emphasizing his importance to latin american history and culture, especially in the brazilian context.
KEYWORDS: Biography. Resistance. Conflict. Activism. Literature.
3. LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Imagem 1 - Representação inadequada de Conrad Detrez no filme brasileiro Marighella (2019)
Imagem 2 - Versões mais atuais das edições dos principais romances de Conrad Detrez
4. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
AC - Ação Católica
AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
ALN - Ação Libertadora Nacional
AP - Ação Popular
ASA - Ação Social Arquidiocesana
CEAL - Comitê Europa América Latina
CPCs - Centros Populares de Cultura
DESP - Departamento Federal de Segurança Pública
DOI-Codi - Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna
DSN - Doutrina de Segurança Nacional
DOPS - Departamento de Ordem Política e Social
FSLN - Frente Sandinista de Libertação Nacional
JEC - Juventude Estudantil Católica
JOC - Juventude Operária Católica
JUC - Juventude Universitária Católica
MR8 - Movimento Revolucionário Oito de Outubro
PCB - Partido Comunista Brasileiro
PCF - Partido Comunista Francês
PS - Partido Socialista
PUC - Pontifícia Universidade Católica
RTBF - Rádio Televisão Belga
SN - Segurança Nacional
STM - Superior Tribunal Militar
UMES - União Municipal de Estudantes Secundaristas
UNCuyo - Universidad Nacional de Cuyo
UCL - Universidade Católica da Lovaina
UERJ - Universidade do Estado do Rio de Janeiro
URJ - Universidade do Rio de Janeiro
USP - Universidade de São Paulo
USU - Universidade Santa Úrsula
UNE - União Nacional dos Estudantes
VPR - Vanguarda Popular Revolucionária
5. INTRODUÇÃO
Entre o fim da década de 1970 e o início dos anos de 1980, os processos de redemocratização nos países latino-americanos evidenciaram o choque social entre culturas políticas autoritárias e democráticas. Reforçado desde a implementação de formas de controle social na década de 1930, o histórico autoritarismo na América Latina, aliado às específicas dificuldades econômicas, políticas e sociais de cada país, impôs barreiras à plena volta da democracia no continente (CAPELATO, 2010).
No final do século XX, entretanto, a reconquista parcial dos direitos civis pôde ser, aos poucos, vislumbrada na região. Essa recuperação gradual deu-se justamente a partir da destruição parcial de um legado autoritário visto no continente desde, pelo menos, o século anterior. Um processo lento que, anos mais tarde, desembocou em marés de esperança democrática em diversos países.
Entretanto, mesmo com o esforço das sociedades civis, o legado autoritário segue vivo na América Latina, seja em pequena ou grande escala. Uma continuidade histórica marcada pela manipulação popular a partir da introdução de uma cultura política e de novas formas de controle social, sendo ambas ainda baseadas no papel interventor do Estado nas relações sociais.
No Brasil, a mais recente forma autoritária de poder tem sido, sem dúvidas, o bolsonarismo. Um movimento caracterizado por suas tendências neofascistas, violentas, polarizadas e anticomunistas. Além disso, também um fenômeno político marcado pelo militarismo, reacionarismo de massas e saudosismo em torno da ditadura civil-militar (BOITO JÚNIOR, 2020), fomentando uma batalha de memórias a partir de representações duais e polarizadas do período ditatorial brasileiro (DEZEMONE, 2014).
Esses confrontos, por sua vez, são sintomas da tentativa de um certo controle, seja ele pessoal ou estatal, da circulação coletiva de certas ideias - ou a mudança delas - e da própria liberdade de expressão nos espaços públicos. Essa restrição, por conseguinte, leva ao afugentamento dessas narrativas alternativas para o mundo das ditas “memórias privadas”, passando a ser subterranezadas e transmitidas, essencialmente, pela via oral (JELIN, 2012).
Nesse contexto, essas memórias afugentadas, segundo Scott (1992), podem ocasionar em seu próprio silenciamento, seja por vergonha ou por debilidade, na arena pública. Por meio do apagamento autoritário de certas memórias dissidentes, trajetórias de vida também podem ser, consequentemente, escamoteadas na dinâmica particular de circulação memorial em certa sociedade.
Um dos apagamentos recentes tem sido visto em torno do legado de Conrad Detrez (1937-1985). Nascido em Roclenge-sur-Geer, em Liège, em 1º de abril de 1937, cresceu em um ambiente rural e católico, o que o levou a estudar teologia. Em 1962, sua busca por novas experiências o levou ao Brasil, pouco antes da instauração da ditadura. Em seu novo país, mergulhou em uma sociedade marcada por intensas transformações políticas, sociais, econômicas e culturais, o que o levou a abandonar o caminho clerical para se envolver na política revolucionária.
Com essa mudança, engajou-se na resistência clandestina contra o regime autoritário instaurado pelo golpe de 1964, participando de movimentos sociais e atividades de resistência. Capturado em 1967, foi preso, torturado e expulso do Brasil, encontrando exílio em Paris, onde se estabeleceu como escritor e divulgador literário, traduzindo obras de autores, como Jorge Amado e Antonio Callado, e promovendo a popularização de escritores brasileiros no continente europeu, como Carlos Marighella, Clarice Lispector e Carolina Maria de Jesus.
Apesar das notáveis contribuições de Detrez para a história, política e cultura brasileiras, sua biografia é frequentemente ignorada e sujeita a limitações movidas por estereótipos e preconceitos (RIBEIRO, 2019). Este trabalho busca, portanto, preencher as lacunas de sua biografia, construindo uma narrativa de sua trajetória de vida para analisá-la em sua completude. Em um contexto marcado por polaridades, a narrativa sobre Detrez pode surgir como uma fonte de resistência, contrapondo-se às tentativas de obscurecimento de sua influência na história e cultura brasileiras.
Ao trazer à tona sua história, espera-se, assim, reunir suas perspectivas, que desafiam narrativas dominantes, sobre os eventos históricos que impactaram sua vida, mas também, de certa forma, todo o Ocidente no século XX. Desse modo, é possível evitar o obscurecimento de aspectos importantes do passado, visando contribuir para sociedades mais inclusivas e plurais, em que todas as vozes minoritárias podem ser ouvidas e todas as histórias podem ser consideradas importantes para a compreensão compartilhada do passado e futuro.
O presente trabalho é, assim, fruto de uma investigação qualitativa (AIRES, 2011), fundamentada em um estudo de caso (YIN, 2005), devido ao objetivo de retratar a jornada dessa personalidade contra o autoritarismo e conservadorismo antes, durante e após sua experiência na ditadura civil-militar brasileira (1964-1985). Para isso, foi adotada uma abordagem micro-histórica, que sugere que uma escala específica de análise influencia a produção de conhecimento, bem como sua própria estrutura e narrativa (REVEL, 1998).
6. UM PANORAMA SOBRE CONRAD DETREZ: ALÉM DO ESQUECIMENTO, ALÉM DO TEMPO
Nascido na Bélgica e naturalizado francês, o romancista Conrad Detrez, um dos mais importantes de seu país no período, pertenceu a uma geração europeia de escritores chamada de geração “identitaire” [identidade], de acordo com a idade e contexto histórico, político, social, intelectual e cultural em que cresceu[1]. Formada na década de 1940, essa tendência literária foi marcada pelo desejo de seus autores de quebrar gêneros estabelecidos, em uma tentativa de chegar a um acordo com a história moderna (KLINKENBERG, 2009; WŁOCZEWSKA, 2012).
Essa geração, por sua vez, foi responsável pelo ressurgimento do tema do questionamento da identidade ao longo das décadas de 1970 e 1980. Por conseguinte, ela propiciou um retorno aos relatos autobiográficos – um gênero literário que permitiu a presença de diversas transgressões na nova literatura europeia –, culminando no hibridismo da “autoficção” (DOUBROVSKY, 1977) como seu ápice. Dessa maneira, a escrita sobre si reforçou o tema da busca pela identidade, sendo ela coletiva ou individual, o que contribuiu para sua própria popularização nos anos seguintes (GROMMERCH, 2020).
No espaço literário belga, a escrita de Detrez era identificada em sua plena “belgitude”, ao, sobretudo, fazer parte de uma tríade de autores nacionais francófonos que passaram parte significativa de sua vida no Brasil e que, a partir dessa experiência, puderam trazer contribuições à literatura europeia no século XX. Juntam-se a ele o poeta Géo Libbrecht, com sua obra Palmiers du Taquouari, e a escritora Évelyne Heuffel, com seu romance Villa Belga (2013) sobre a construção ferroviária no Rio Grande do Sul (RS).
A breve, mas intensa, passagem pelo território brasileiro moldou a vida adulta, as aspirações e os desejos íntimos de Detrez. Ao desembarcar no país, foi “devorado pelo Brasil” (apud QUAGHEBEUR, 2014) – como resumiu em uma entrevista concedida à Le Magazine littéraire em setembro de 1982 –, deglutido pela cultura dos trópicos e expelido como nova criatura para ser batizado pelo Carnaval. Viveu o urbano, o suburbano, o fronteiriço e o continental. Pôde, enfim, conhecer a si mesmo.
Sua chegada ao Brasil em 1962 foi movida pelos compromissos missionários do catolicismo, em um contexto de imigração de eclesiais belgas para o país. Sua estadia, porém, foi transformada pelo seu futuro compromisso com a esquerda radical e a experiência de compartilhar parte de sua vida com um homem, o que o tornou mais receptivo à cultura afro-brasileira. Sua permanência no novo país o afastou de uma visão conformista e limitada do mundo provincial e pequeno-burguês da Europa, que buscava evitar ao deixar a Bélgica.
Nos trópicos latino-americanos, o belga entrou em contato com múltiplas realidades, vivendo uma “mestiçagem cultural” (apud MOACYR, 1980), como assim foi chamada por ele mesmo em uma entrevista concedida, em 1980, ao editor Moacyr Félix no número 25 dos Encontros com a Civilização Brasileira. Nesse novo cenário, conheceu as festas pagãs, os cultos afro-brasileiros, as irmandades clandestinas e o amor proibido, sendo “negrificado na América do Sul”, segundo um de seus comentários publicados em La Relève, no dia 25 de janeiro de 1980.
A cultura nacional fascinou Detrez, assim como o fabuloso continente literário sul-americano. A paixão à primeira vista foi a literatura regionalista e o modernismo brasileiro, que se conectavam pela dimensão de sensibilidade barroca. Por meio deles, conheceu a linguagem poética de Guimarães Rosa – que comparava ao espanhol Miguel de Cervantes e ao belga Charles de Coster (DETREZ, 1977) –, o realismo socialista de Jorge Amado e a inovação de outros escritores brasileiros, como pode ser visto em seu relato abaixo:
Rien n’égalait en puissance la poésie de João Cabral de Mello Neto et les romans de Jorge Amado (en particulier les premiers), de José Lins do Rego et surtout de Guimarães Rosa, chantre épique du monde caboclo (l’univers du paysan métissé de Portugais, de Nègre et d’Indien) et du vieux Minas Gerais, fascinante réserve (manancial) du Brésil profond [Nada se comparava em poder à poesia de João Cabral de Mello Neto e aos romances de Jorge Amado (especialmente o primeiro), de José Lins do Rego e especialmente de Guimarães Rosa, cantor épico do mundo caboclo (o mundo do camponês misturado com Português, Negro e Índio) e das antigas Minas Gerais, fascinante reserva (manancial) do Brasil profundo] (DETREZ, 1982 apud QUAGHEBEUR, 2014, grifos do autor).
Seu encantamento pela literatura brasileira levou-o a se tornar, possivelmente, um dos principais expoentes da cultura brasileira na Europa na segunda metade do século XX. Nesse cenário, destaca-se sua inestimável contribuição para a reativação do mercado editorial francês em torno da literatura de Antonio Callado, Clarice Lispector e Jorge Amado, o que pode ser entendido como fundamental para a renovação do interesse e da curiosidade estrangeira sobre essa esfera do Brasil.
Além disso, o belga também pode ser classificado como um dos escritores pioneiros da repressão que estava em vigor no Brasil na década de 1960. Sua inserção em movimentos sociais marcou a resistência urbana contra o fascismo brasileiro e, por conseguinte, sua repercussão no exterior europeu. O seu empreendimento como escritor e tradutor de obras políticas abriu caminho para que diversas publicações internacionais pudessem ser feitas dos textos dos opositores da ditadura e dos acontecimentos do regime militar, sobretudo na França.
Além do Brasil, o escritor também presenciou, analisou e influenciou importantes acontecimentos históricos em diversos países, como Bélgica, França, Argélia, Portugal, Itália e Nicarágua. Neles, vivenciou a eclosão e as consequências da Segunda Guerra Mundial (1939-1945); da Questão Real belga (1944-1950); do golpe civil-militar brasileiro (1964); do Maio francês de 1968; do exílio entre 1967 e 1980; da Revolução dos Cravos (1974); do Tribunal Russell II (1974); e da Revolução Sandinista (1979).
Mesmo com todas suas contribuições e vivências, existem, porém, pouquíssimos trabalhos publicados acerca da trajetória de sua vida, com destaque para os poucos encontrados em acervos e repositórios europeus. Nessas breves menções, há poucas análises sobre o papel que desempenhou na circulação de ideias, práticas e lutas militantes durante as décadas de 1960 e 1970. Os investigadores que escreveram sobre o escritor interessaram-se mais pela sua obra literária do que por suas inserções sociais, políticas e revolucionárias nos países em que viveu.
Nesse cenário esparso, porém, merece menção o intelectual belga Peter Daerden, historiador do Museu Real da África Central e mestre em História com passagem pela Universidade de São Paulo (USP), que, após viagens ao território brasileiro, reuniu um rico material de arquivo, pesquisa e literatura para elaborar uma biografia extensa do romancista, indo além de abordagens simplistas. A investigação de Daerden foi consolidada em Revolutie in Rio: Conrad Detrez tussen God en guerilla, samba en saudade (2023).
Em linhas gerais, a obra é uma grande biografia que narra a vida ainda pouco conhecida do belga, destacando seus feitos notáveis quando esteve na Europa, África e América Latina. Apesar do pouco reconhecimento de seu objeto, o trabalho visa analisar a vida multifacetada e também a busca incansável pela felicidade de um homem que viveu uma existência intensa e inesquecível pelo mundo. Seguindo essa lógica, o autor também publicou outros trabalhos em Daerden (2003; 2014; 2020).
Essa recente biografia, entretanto, parece ser uma exceção em meio a uma profusão de trabalhos, que, mesmo engajados e com boas intenções, possuem enquadramentos limitados e enfoques restritos ao abordar a vida e/ou uma importante colaboração do belga para a política, literatura ou cultura de um determinado país. De forma quantitativa, os países que mais possuem referências pormenorizadas acerca do romancista são Bélgica, Portugal e Brasil, mesmo que isso não necessariamente se reflita em conexões significativas entre as trajetórias, os papéis e as diversas contribuições de Detrez, conforme é exortado por Businskas (2007).
Na Bélgica, além de Daerden (2003; 2014; 2020; 2023), outra importante referência no assunto é o ensaísta Marc Quaghebeur (2010; 2012; 2014), precursor da análise psicanalítica da escrita de autores belgas de língua francesa, que, em alguns artigos, se debruça sobre as inovações e disrupções da literatura do romancista em âmbito ocidental. O autor, porém, pouco aprofunda a experiência política, militante e sexual de Detrez, ao abordar sua passagem pelo Brasil. Um erro, pois a ausência dessa importante abordagem descontextualiza boa parte de sua vida e negligencia a conexão que seu desabrochar para política e sua futura desilusão com ela tiveram para o seu processo criativo de escrita.
Já em Portugal, a grande referência em torno de Conrad Detrez é o literato José Domingues de Almeida. Comportando uma tese de doutoramento, artigos e capítulos de livro (ALMEIDA, 2004; 2008; 2015; 2019), a sua pesquisa valoriza as obras e as andanças do belga pelo mundo. Entretanto, ela é superficial em analisar a diversidade de inserções político-sociais e atuações profissionais do belga no Brasil – país no qual Conrad, nas próprias palavras de Almeida (2019, p. 681), passou por um importante “‘batismo’ cultual, cultural e sexual”.
Por esse motivo, o autor português acaba, por vezes, negligenciando parte das contribuições de Detrez para a história, política, cultura e literatura latino-americanas, relegando suas ações ao mero campo do subjetivo, do burlesco e da libertinagem. Ainda que essas áreas tivessem sido fundamentais para o desabrochar do militante, intelectual e guerrilheiro Detrez, o Brasil precisa ser mais do que um mero lugar místico, exuberante, sexual e desregrado, o que, muitas vezes, é visto de forma exacerbada em Almeida (2004; 2008; 2015; 2019).
Engana-se quem pensa que esses pontos de vista limitados são exclusivamente adotados por autores estrangeiros. Alguns deles também podem ser observados em obras brasileiras, como, por exemplo, em Devassos no Paraíso: a homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade (2018). Neste compêndio, Trevisan (2018), de modo despretensioso, reduz a pluralidade de Detrez a uma mera relação ambivalente entre religião católica e homoerotismo em um Brasil urbano. Em poucas páginas, o quadro da vida de Conrad foi, propositalmente, pintado a partir das cores do pecado bíblico, com pouquíssimas pinceladas de sua importante trajetória política, intelectual, social e cultural no país.
Em meio a esse cenário escasso e limitado, um bom indicativo da ausência de amplo conhecimento da vida e importância de Detrez no Brasil pôde ser observado no filme brasileiro Marighella (2019), um longa-metragem dirigido por Wagner Moura que narra a vida do líder revolucionário homônimo. Dentre idas e vindas na trama, a produção cinebiográfica reproduziu uma célebre entrevista entre o guerrilheiro e o jornalista belga, porém, erroneamente, retratou o entrevistador como um francês mais velho, mesmo ele sendo belga e estando na casa de seus trinta anos na época. Essa representação inadequada pode ser vista na imagem a seguir.
Imagem 1 - Representação inadequada de Conrad Detrez no filme brasileiro Marighella (2019).
Atrelado a esses enquadramentos limitantes e errôneos, Detrez também foi transformado em persona non grata no Brasil – nas palavras de Saenen (2016) –, como assim já havia sido declarado pelo regime durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Devido às suas orientações sexual, política e militante, suas diversas e múltiplas contribuições foram apagadas da história, política e cultura nacionais (RIBEIRO, 2019). Por conta disso, as suas realizações foram relegadas ao esquecimento e a meras menções secundárias em alguns trabalhos acadêmicos que analisam a literatura e/ou a história brasileiras[2].
Além disso, também é pouco lembrado em seu próprio país, como evidencia a quase ausência de eventos pelo trigésimo aniversário de sua morte, em 2015, não fosse um encontro na Blues-Sphere, Liège, que reuniu, em setembro, os testemunhos de William Cliff e de André Joseph Dubois, dois escritores que o conheceram pessoalmente. Raramente é encontrado nas prateleiras de livrarias europeias, o que resulta em uma escassa bibliografia dedicada a ele (LEFERE, 2001).
Por esses motivos, existem grandes lacunas na escrita de sua história de vida que, por sua vez, invisibilizam suas diversas contribuições para a Europa, América Latina e Brasil. “O silêncio sobre ele talvez possa ser atribuído a sua multifacetada vida” (RIBEIRO, 2019, p. 236). Em consequência disso, poucos trabalhos científicos brasileiros estiveram, até este momento, preocupados em analisar a completude e o impacto de suas ações ao longo de sua vida[3].
O caminho biográfico do belga é convidativo ao questionamento não apenas da influência de certos eventos sobre ele, mas também, reciprocamente, ao seu impacto nos acontecimentos que experienciou e nas contribuições que legou para a humanidade. Essa interação dinâmica entre sua vida pessoal e um contexto histórico mais amplo pode revelar as complexidades da sua agência e sua consequente relação com os fluxos da história. Com este trabalho monográfico, espera-se que, enfim, seja possível analisar a diversidade de suas trajetórias e legados pelos países que viveu.
Nesse cenário, o caminho para concretizar esse objetivo é escrever acerca da polissemia de sua vida. Nesse processo, é preciso ir além de preconceitos, limitações e enquadramentos. Não existe apenas um Conrad Detrez esperando ser reconstruído para ser conhecido pelos brasileiros: o depravado, o romancista ou o subversivo. Não. O que existe são interseções e múltiplas facetas de uma mesma personalidade que impactaram, de modo único, a história, a política, a sociedade, a cultura e a literatura nacionais. É assim que, enfim, espera-se contar uma nova história de Conrad Detrez: o missionário, o cronista, o jornalista, o repórter, o professor, o tradutor, o político, o militante e o guerrilheiro que, nos dias de hoje, reúne as esperanças de um Brasil verdadeiramente democrático e livre do autoritarismo.
7. CONSIDERAÇÕES SOBRE MEMÓRIA E TRAJETÓRIA NA HISTÓRIA
Ao longo do tempo, as memórias podem assumir múltiplas formas, moldando e sendo moldadas pelas narrativas que permeiam a própria história. Elas são mais do que simples registros do passado; são construções complexas que refletem identidades individuais, coletivas e sociais, sendo tecidas por lembranças, esquecimentos e distorções. A memória individual, impulsionada por experiências pessoais, e a memória coletiva, moldada por narrativas compartilhadas, porém, podem se chocar em conflitos emblemáticos, o que revela as tensões subjacentes à construção histórica.
Nesse contexto de embates memoriais, emerge a questão da reivindicação da trajetória de vida como uma estratégia para evitar apagamentos na historiografia. Cada vida é um universo único, com seus próprios marcos e cicatrizes, suas alegrias e dores, suas vitórias e derrotas. No entanto, há histórias que são marginalizadas, silenciadas, esquecidas pelos discursos dominantes e relegadas ao anonimato nos registros oficiais. No cerne dessas discussões, emerge a urgência de desvelar essas memórias e reivindicar suas vozes como forma de resistência contra a opressão e a violência, como será visto a seguir.
7.1. Perspectivas teóricas sobre memória: conflitos e silenciamentos
De acordo com Romero (2007), o conceito de memória pode ser entendido como uma parte fundamental da consciência que um ator social tem do seu próprio passado, estando relacionada com a identidade e subjetividades de um indivíduo, um grupo ou uma sociedade. Nesse contexto, o historiador aponta que ela “é feita de lembranças, esquecimentos, distorções, reflexos, subterfúgios, realces, esmaecimentos e mil operações mais” (ROMERO, 2007, p. 10).
Diferentemente da memória individual que seria espontânea e inconsciente, a memória de grupo seria deliberada, uma vez que teria a intenção de servir a um determinado fim conhecido pelo sujeito que o executa (FINLEY, 1989). Nessa direção, Woisson (2002) aponta que haveria conjunturas que possibilitariam uma ativação de certas recordações e/ou o seu próprio apagamento no tempo presente. Assim sendo, uma lembrança seria sempre seletiva e uma construção retroativa de um enquadramento feito do passado (CATROGA, 2010).
Quanto à memória coletiva, Pollak (1989) reconhece um caráter potencialmente problemático, emblemático e conflituoso entre os diferentes modos de recordar. O autor destaca possíveis oposições entre memórias ditas “oficiais” e memórias subterrâneas dos excluídos, dos marginalizados e das minorias, pontuando a existência de uma disputa entre a reabilitação metodológica de marginalidades e o caráter destruidor, uniformizador e opressor de uma certa memória coletiva nacional.
No centro das disputas pelas interpretações hegemônicas e pelas atribuições de sentidos sociais a um determinado passado, Jelin (2012) destaca o papel dos agentes estatais na seleção e construção de uma “história/memória oficial”, que, desde os seus próprios processos de formação e centralização, se propõe a ser homogeneizante, identitária e enquadrante. Quanto maior o policiamento estatal, maior é o controle da circulação coletiva de ideias e da liberdade de expressão nos espaços públicos, o que leva, por conseguinte, ao afugentamento de narrativas alternativas para o mundo das ditas “memórias privadas”.
Em um certo contexto de violência, as memórias afugentadas são vítimas de silenciamento, tanto por vergonha quanto por debilidade. Nesse sentido, é comum que os agentes estatais sejam os bastiões da elaboração de uma única “história/memória oficial”, visando, a partir do enquadramento de outras memórias, construir uma identidade nacional, uma coesão social e um sentimento de pertencimento em prol de sua própria ideologia política (JELIN, 2012).
Durante períodos de grande repressão estatal, caracterizados pela intensificação de um maniqueísmo polarizador, censura e repressão, as narrativas oficiais encontram poucos desafios na esfera pública. Apenas com a abertura política e os processos de democratização é possível integrar as memórias alternativas, anteriormente contidas, censuradas e clandestinas, à nova esfera pública, o que resulta na emergência e complexificação de novos debates e demandas sociais.
As lembranças categorizadas como “subterrâneas”, apesar de aparentemente personalizadas, emergem e se consolidam no contexto das relações sociais. Mesmo afugentada e silenciada, essa memória desempenha o papel fundamental na produção e percepção de sentimentos de pertencimento a passados compartilhados, essenciais para a construção de identidades fundamentadas não apenas em registros históricos materiais, mas também, e de forma preponderante, no domínio simbólico e privado (HALBWACHS, 2006).
No cerne dessas dualidades, o espaço do tempo passado é, assim, permeado por conflitos inerentes às construções da história e memória no presente. Seja longe ou perto, ele espreita e irrompe o presente, não pelo simples ato de vontade ou convocação, mas sim pelo advento de uma lembrança – que é soberana, instável, incontrolável e incompleta (SARLO, 2007). Em detrimento de qualquer tentativa de proibição e silenciamento, o passado, mesmo podendo ser eliminado de modo aproximado ou figurativo, resiste nos sujeitos e, assim, invade o hoje, que pode ser lido como a condição de sua própria existência histórica.
Encontrar e analisar as memórias subterrâneas silenciadas pela história oficial é, portanto, uma tarefa desafiadora, porém urgente. Urge que as memórias chamadas de “clandestinas”, que são cristalizadas em sujeitos, ocupem as cenas culturais, midiáticas e políticas frente a uma dominação que se pretende hegemônica. Uma vez que elas consigam, enfim, penetrar no espaço público, reivindicações variadas e de difícil previsão juntar-se-ão a elas nessa irrupção de lembranças veladas. A resistência, a obstinação e o clamor por justiça dos dominados exprimem-se como gritos contra a violência e a opressão. Chegou, enfim, a hora de desvelá-las, narrá-las e analisá-las no contexto brasileiro contemporâneo.
7.2. Evitando apagamentos: a reivindicação da trajetória de vida
Da antiguidade à contemporaneidade, são as pequenas pistas de eventos não diretamente experimentados por um observador que podem ser entendidas como os indícios mínimos de um minucioso caminho de reconstituição histórica de uma certa realidade. Nessa direção, o método indiciário abre a possibilidade de uma flexibilidade e integralidade nas ciências humanas, a partir da centralidade da análise de elementos imponderáveis, como os sentidos e a intuição de qualquer observador pelo mundo (GINZBURG, 1989).
As memórias subterrâneas, aquelas que foram silenciadas e marginalizadas pela história oficial construída por agentes estatais, são cristalizadas nos pequenos detalhes de seus indivíduos dominados. A compreensão e análise dessas memórias e seus receptáculos emergem, portanto, como fundamentais para desvelar as lacunas e distorções presentes na chamada “narrativa oficial”. Nesse contexto, a trajetória de vida é reivindicada na historiografia como um caminho possível para esse processo analítico.
Assim como o próprio rumo da história, a trajetória de uma vida não é guiada por um deslocamento lógico, linear, coerente, unidirecional, orientado e teleológico. Existem encruzilhadas, emboscadas, imprevisibilidades e acontecimentos que marcam, de modo singular e diversificado, a passagem de cada existência individual. Narrá-la é, portanto, percorrer por fragmentos de acontecimentos dessa existência individual, cuja vida está inserida em contextos amplos de condicionantes temporais, sociais, econômicos e culturais (BOURDIEU, 1996).
Nessa concepção, a trajetória de um certo indivíduo adquire um significado crucial ao se tornar um elemento constituinte – não apenas contido dentro, mas formador – da sociedade. Nesse contexto, a memória desse indivíduo ganha uma grande relevância historiográfica. Com isso, suas experiências pessoais, desejos, sofrimentos, decepções, privações e traumas são os pontos de referência que delineiam a singularidade de sua identidade como indivíduo social (FERREIRA, 1997).
Em meio à recente virada biográfica da história, a investigação da vida dos indivíduos está atrelada aos desenhos de seus amplos panoramas sociais, políticos e culturais que estão inseridos. Desta forma, os vastos cenários (econômicos, culturais, institucionais, legais) nos quais as pessoas se inserem estão relacionados a tomadas de decisão pragmáticas que podem impactar toda uma sociedade de modo micro ou macro. Essa lógica permite, portanto, reconstituir a complexidade, a multiplicidade e a diversidade das experiências sociais e individuais ao longo da história.
Nesse cenário, a micro-história é um caminho metodológico a ser trilhado. Ela é estruturada na concepção de que uma escala particular de observação produz efeitos e estratégias de conhecimento, bem como alterações significativas em sua forma e trama. Mudando a escola das escalas de observação, é possível transformar o próprio conteúdo daquilo que é representado e, por conseguinte, analisado (REVEL, 1998).
A proposta da micro-história é enriquecer a análise social, tomando como base os comportamentos individuais, as relações entre indivíduos, as experiências sociais e a constituição de identidades. Assim, adota-se uma perspectiva a nível local, em que a defasagem entre categorias exógenas e endógenas é mais definida. A partir da análise dos comportamentos de indivíduos, visa-se à reconstrução das modalidades de agregação e de associação social.
De acordo com essa lógica, a escolha do individual não é considerada como totalmente oposta à social; ela, ao contrário, visa possibilitar uma abordagem distinta do contexto social, ao seguir o caminho de um destino específico – seja de um indivíduo ou de um grupo de pessoas – e, junto com ele, a diversidade de espaços e tempos, desvendando a complexidade das relações nas quais se inserem (REVEL, 1998).
Os caminhos abertos por essa perspectiva desembocaram, assim, em uma “nova” história política, social e cultural, cujos limites são voláteis e fluidos. Uma história mais próxima de seus próprios atores e sujeitos, cujos processos sociais passaram a possuir uma dimensão mais humanizada. Uma história capaz de “[...] dar cor e sangue aos acontecimentos, que não ‘acontecem’ naturalmente, mas são produzidos por homens reais, quer das elites, quer do povo” (GOMES, 1998, p. 124).
A partir desses contributos, este trabalho se propõe a escrever uma micro-história de Conrad Detrez, perpassando os principais acontecimentos que presenciou. Para esse fim, o caminho metodológico utilizado neste trabalho monográfico é de base qualitativa (AIRES, 2011) e micro-histórica (GINZBURG, 1989; REVEL, 1998), fundamentada em estudos de caso (YIN, 2005).
A partir dessa perspectiva, os principais objetivos, hipóteses e conclusões presentes foram tecidos a partir de fontes públicas encontradas em torno de Detrez em acervos brasileiros, franceses, belgas e estadunidenses. Além disso, também foram analisados relatos pessoais do belga, ou que o mencionavam, em reportagens jornalísticas, entrevistas, romances autobiográficos, ensaios, críticas literárias e referências secundárias contidas em trabalhos de graduação e pós-graduação publicados tanto no Brasil quanto no exterior.
8. DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ÀS DITADURAS: EUROPA E AMÉRICA LATINA EM FOCO
Ao longo do século XX, pouquíssimos indivíduos estiveram envolvidos em todos esses acontecimentos históricos: a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), na Europa; a Questão Real (1944-1950), na Bélgica; o golpe civil-militar (1964), no Brasil; o Maio de 1968, na França; a Revolução dos Cravos (1974), em Portugal; e a Revolução Sandinista (1979), na Nicarágua. Um deles foi o belga francófono Conrad Detrez, no qual as trajetórias de sua vida serão analisadas a seguir.
Em sua infância, testemunhou a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), um conflito global que mobilizou nações em uma escala sem precedentes. Este período foi marcado pela divisão entre os Aliados e o Eixo, resultando em uma devastação sem igual e uma perda estimada entre 50 a mais de 70 milhões de vidas (SOMMERVILLE, 2008). A Europa, onde Detrez estava, foi um dos principais campos de batalha, sofrendo enormes consequências em termos de destruição e perda humana.
Em seu país natal, também presenciou a Questão Real (1944-1950), um período de intensa controvérsia sobre o retorno do rei Leopoldo III, cuja conduta durante a ocupação nazista gerou discordância entre os belgas. As tensões se manifestaram em debates acalorados, greves e protestos, refletindo os desafios enfrentados pelo país após o término da guerra e durante os anos de reconstrução e reestruturação.
Ao desembarcar no Brasil, foi espectador do golpe civil-militar de 1964, que interrompeu o governo democrático e instaurou uma ditadura que perdurou por duas décadas. Esse período foi marcado por repressão política, censura e violações dos direitos humanos, afetando profundamente a sociedade brasileira e deixando um legado de resistência e luta pela democracia, no qual atuou com protagonismo.
Em 1968, Detrez, em seu exílio, testemunhou os eventos de Maio de 1968 na França, um período de intensa agitação social, protestos estudantis e greves operárias que desafiaram as estruturas de poder estabelecidas. Esse movimento representou um desafio às noções tradicionais de política e sociedade, influenciando gerações futuras e deixando um impacto duradouro na cultura e na política francesas.
Anos mais tarde, também viveu a Revolução dos Cravos (1974) em Portugal, um movimento que pôs fim a décadas de ditadura e inaugurou um período de transição para a democracia. Este evento marcou não apenas o fim do regime autoritário, mas também o início de uma nova era de liberdade e reforma política no país.
Por fim, presenciou a Revolução Sandinista (1979) na Nicarágua, liderada pela Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), que derrubou a longa ditadura da família Somoza. Esta revolução resultou na implementação de reformas sociais e econômicas significativas, consolidando o controle sandinista e marcando o início de uma nova era na história da Nicarágua.
Esses eventos, testemunhados por Detrez, refletem os tumultuosos e transformadores acontecimentos do século XX, marcados por guerras, revoluções, golpes políticos e movimentos sociais de grande magnitude. Uma época de profundas transformações que deixou um intenso legado em sua vida, marcando sua trajetória pelos países em que viveu.
9. AS TRAJETÓRIAS DE CONRAD DETREZ (1937-1985)
Nasci em 1937 no país de Liège. Uma segunda vida surgiu e revolucionou a primeira, em 1963, no Rio de Janeiro. No começo, eu era um aldeão, de raça valona, de religião católica e língua francesa. Na segunda, virei suburbano, de origem carioca e de língua portuguesa.
Conrad Detrez
A infância de Conrad Detrez foi influenciada pela presença da violência da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e pela fervorosa religiosidade católica de Liège, onde nasceu. Enquanto testemunhava os horrores da guerra durante seus primeiros anos de vida, Detrez também era imerso nos rituais e simbolismos da fé católica, quando recebeu o nome latinizado de Conradus Primus. Dentro do ambiente eclesiástico, viveu tanto o encanto inicial quanto experiências dolorosas. Esses eventos traumáticos deixaram marcas indeléveis em sua psique, moldando não apenas sua visão de mundo, mas também sua busca por significado e redenção ao longo de sua vida e em sua obra literária.
Anos mais tarde, o belga desembarcou no Rio de Janeiro aos 25 anos durante um período turbulento no Brasil. Inicialmente como missionário, envolveu-se em movimentos pastorais e trabalhistas, mas seu engajamento político mudou devido ao início do regime ditatorial, o que o levou a viver na clandestinidade revolucionária sob o pseudônimo de Domingues. Nesse contexto, também foi confrontado com seu desejo carnal e romântico por homens. Sua nova jornada confrontou sua fé com seus desejos, sua nova conexão com a cultura brasileira e seu ativismo político, transformando-o de seminarista belga em defensor engajado dos direitos humanos no Brasil.
Expulso do Brasil, Conrad Detrez buscou por novos campos de atuação ao redor do mundo, envolvendo-se na literatura autobiográfica e em redes de solidariedade para exilados latino-americanos. Participou ativamente de acontecimentos históricos do século XX e desempenhou um papel crucial na divulgação das vozes dissidentes do Brasil. Além de sua atuação jornalística e política, destacou-se como um tradutor dedicado, trazendo para o público europeu importantes obras brasileiras, e também como romancista premiado.
Três vidas, três nomes, três histórias, três destinos diferentes: Conradus Primus (1937-1962), Domingues (1962-1967) e, enfim, Conrad Detrez (1967-1985). Um único homem: o cronista, o romancista, o poeta, o jornalista, o repórter, o crítico literário, o tradutor, o diplomata, o político, o guerrilheiro, o homossexual, o belga, o brasileiro, o uruguaio, o francês, o português, o argelino, o nicaraguense. A tradição e o progressismo, o conservadorismo e a inovação, o Velho e o Novo Mundo, juntos em um.
9.1. Primeira vida como Conradus Primus (1937-1962): a vivência católica em uma Liège rural
Hoje, descobri que as experiências que eu poderia fazer me prepararam para a vida literária. Os escritores devem viver antes de escrever, de outro modo eu não poderia enxergar bem o que há para dizer.
Conrad Detrez
Conrad Jean Walthère Alphonse Ghislain Arthur Detrez nasceu no dia 01 de abril de 1937, em um vilarejo de Rukkelingen-aan-de-Jeker, atualmente conhecido como Roclenge-sur-Geer, no município de Bassenge na província de Liège e na região da Valônia, ambos na Bélgica. Filho de Jean Victor Louiz Detrez, um modesto açougueiro valão, e de Marie Catherine Vandeclée, uma dona de casa limburguesa, nasceu em um ambiente católico, rural e isolado, o que marcou os primeiros anos de sua vida. Tinha uma irmã chamada Marthe.
Aos três anos, sua primeira lembrança da vida foi uma caminhada sobre as flores entre os trilhos de uma estrada de ferro abandonada em Liège. Quem o acompanhava era seu avô materno, Gauthier, que o guiava pelos caminhos. As flores lembravam seu lar. Herdada de seu avô, sua mãe nutria uma paixão por paisagismo, o que fazia com que a casa da família, localizada perto da pequena ponte sobre o rio Jeker, fosse ornamentada com mudas, vasos e arranjos de flores, que diariamente eram cuidadosamente limpos, cuidados e regados (DETREZ, 1974; 1979).
Dias depois desse passeio, essas mesmas flores entre os trilhos, todavia, foram arrancadas do campo, os jardins foram pisoteados pelas botas de soldados e a vida começou a ser ceifada na Valônia. A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) chegava, dessa maneira abrupta, à sua pacata região. Em um dos de seus romances autobiográficos[4], Jardim do nada (1979), Conrad narrou esse momento histórico da seguinte forma:
A guerra abateu-se sobre os campos e os caminhos alguns dias depois. Duraria quatro verões e outros tantos invernos, eternidades de noites de tempestade, trazendo o fogo e explodindo, negras e gigantescas bexigas dentro das quais fervia uma sopa de ferro líquido, acima dos jardins. A guerra me destruiria quatro primaveras e forçaria minha alma a descer ao mais profundo do meu corpo, a cavar para si um esconderijo dentro dele, a ser só com ele (DETREZ, 1979, p. 11-12).
Sua primeira infância foi marcada pelo contexto do conflito mundial. Esses tempos belicosos causaram-lhe desespero, pânico, ansiedade e medo, sobretudo ao ter presenciado a morte trágica de seu avô exatamente no jardim de sua própria casa. Viu com seus próprios olhos “[...] as vísceras misturadas com lama, expostas ao vento, do avô Gautier” (DETREZ, 1979, p. 12). Viveu seu enlutamento particular em meio aos tiros, às explosões e à destruição da guerra. O primeiro trauma de sua vida é datado desse período e trouxe diversas consequências para o desenrolar de sua trajetória.
Com a morte de seu avô em pleno jardim, o pequeno Conrad perdeu o encanto pelos campos. Se antes, esforçava-se para cultivar tulipas com seu baldinho, ancinho e pá, agora, só visitava o jardim, que foi encaixotado e levado ao porão da casa, para arrancar os frutos da terra. Durante quatro longos anos, as borboletas foram expulsas pelo conflito. Sua diversão foi incendiada. Sua alegria foi bombardeada. O belo céu azul foi rasgado pelos aviões de guerra. E os pássaros morreram.
Nesse cenário belicoso, Ludo (1974) é o principal romance autobiográfico do autor que procura autoficcionalizar suas memórias de infância vividas durante o conflito. Inserido em um passado provinciano, o livro traz colagens de rememorações, estimuladas pela atmosfera de pânico da história. Nele, os aviões alemães foram transformados pelo narrador-criança em pássaros de ferro ou martelos que cruzavam os céus de Liège e espalhavam morte pela região:
es morceaux de fer traversent le ciel au-dessus des prés […]. Des bouquets de fumée fleurissent. Les oiseaux plongent comme des martins pêcheurs, les eaux s’ouvrent jusqu’au lit de vase, les oiseaux s’éteignent [Os pedaços de ferro cruzam o céu acima dos prados […]. Buquês de fumaça florescem. Os pássaros mergulham como guarda-rios, as águas abrem-se para o leito de lama, os pássaros morrem] (DETREZ, 1974, p. 27).
Os futuros relatos autobiográficos de Detrez sobre esse momento específico de sua infância demonstram a sua habilidade narrativa, pois, segundo Almeida (2013), a abordagem de uma criança-personagem como testemunha – narradora e espectadora – dos horrores da guerra demanda um intenso trabalho de escrita por parte do narrador, o que justifica o recurso retrospectivo do romance pelo autor. Visto em poucos autores, esse árduo exercício é justificado pelo fato de que
En effet, si la perception qu’en donne le texte réfère à un filtrage puéril et innocent, voire naïf, de la guerre, l’auteur n’en demeure pas moins un adulte conscient de la nature et des conséquences des violences atroces commises en temps de guerre, et un détenteur des capacités discursives et narratives du langage. Il y a dès lors écart et travail stylistiques au service d’une stratégie narrative particulière quand un écrivain opte pour le témoignage de la guerre sur le registre de l’enfance. Par ailleurs, ce processus narratif suppose une mise à distance de la guerre par sa déréalisation, laquelle s’opère surtout par le langage, puissant et subtil médium, s’il en est [Com efeito, se a percepção dada pelo texto se refere a uma filtragem infantil e inocente, até mesmo ingênua, da guerra, o autor permanece, no entanto, um adulto consciente da natureza e das consequências da violência atroz cometida em tempo de guerra, e um titular do capacidades discursivas e narrativas da linguagem. Há, portanto, uma lacuna estilística e um trabalho a serviço de uma determinada estratégia narrativa quando um escritor opta pelo testemunho da guerra no registro da infância. Além disso, este processo narrativo pressupõe um distanciamento da guerra através da sua desrealização, que ocorre sobretudo através da linguagem, um meio poderoso e subtil, se é que alguma vez existiu] (ALMEIDA, 2013, p. 19).
Esse seu esforço em narrar a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) como um dos grandes elementos constitutivos de sua infância fez parte de seu projeto geral de dar substância narrativa ao que, posteriormente, chamou de “autobiografia alucinada”, na qual, a partir do método de análise de Sigmund Freud (DETREZ 1978b), incorporou a autoanálise psicanalítica à literatura para narrar sua própria vida nos livros. Além de tentar superar o trauma da guerra, seu objetivo era uma busca retrospectiva do seu sujeito na percepção de sua infância, assim como do que ela escondia, preservava e codificava da sua existência adulta.
O embate global terminou oficialmente no dia 8 de maio de 1945 quando Conrad tinha exatos sete anos. Meses depois, ao chegar na idade apropriada para catequese, foi apresentado formalmente ao universo católico por sua mãe, como era costume da região. Em um dia qualquer, foi levado a uma igreja. Sentou na primeira fila e assistiu à liturgia de sua primeira missa. Ficou deslumbrado pelas roupas coloridas, cheiros fortes e gestos ritmados. Voltou mais vezes e logo encantou-se por todo esse universo brumoso. Pouco tempo depois, o pequeno Conrad já estava fazendo parte ativamente da cerimônia, ao receber do padre da paróquia vestes litúrgicas e um turíbulo fumegante para saudação aos fiéis.
Seu encantamento inocente pelo universo paroquial, porém, durou pouco. No dia seguinte à sua entrada no coro da igreja, o pequeno obreiro teria sido vítima de uma importunação sexual por parte do acólito dentro das dependências do templo, conforme narrado em um de seus romances autobiográficos. A violência foi mascarada sob a forma de um sermão pelo clérigo, que, tranquilamente, seguiu regendo a liturgia das missas. Todavia, a violência já estava instaurada em Conrad, que expunha que “a presença daquele menino a meu lado enojava minha alma. [...] Conscienciosamente eu agitava o turíbulo, mas perdera a paz” (DETREZ, 1979, p. 14).
Além dessa importunação, sua mocidade também foi marcada pelas consequências dos traumas causados pela guerra, pelas inundações do rio Jeker e pela visão de animais desmembrados pelo trabalho de seu pai como açougueiro. “Dans cet univers, une chose me répugnait: le métier de mon père. Cet homme égorgeait des porcs, des moutons. Je voyais, derrière la maison, le sang gicler, les bêtes se débattre. J’ai senti, très jeune, que jamais je ne ferais ce métier-là” [“Nesse universo, uma coisa me repelia: o trabalho do meu pai. Este homem matou porcos e ovelhas. Vi, atrás da casa, o sangue jorrando, os animais se debatendo. Eu senti, muito jovem, que nunca faria esse trabalho”] (DETREZ, 1978b).
A sensação de impotência diante da fúria da natureza, da perda de pertences, da violência irracional da humanidade, da luta pela sobrevivência e das mortes causadas pelo seu pai se entrelaçam em suas lembranças de vida. Sua infância difícil em uma zona rural afetada pela atmosfera opressiva da guerra teve um impacto duradouro sobre ele. Relapsos de parte dessas rememorações foram reunidos, de modo literário, nas páginas dos livros que escreveu futuramente.
Ao fim dessas hostilidades, voltou ao seu antigo refúgio: a paixão de sua mãe pela jardinagem. Em seu tempo livre, imitava-a e preparava mudas para plantar no jardim da família. Passou boa parte de sua adolescência cuidando de plantas e vegetais. Essa paixão por flores tornou-se uma parte indissociável de sua essência, permeando cada fase de sua vida. À medida que crescia, buscava aprofundar seus conhecimentos sobre botânica, que foram herdados por sua família.
Nesse período, passou, porém, por outra perda. Seu pai, que trabalhava em uma mercearia, fugiu de casa para trabalhar na África Central, após ter brigado com o avô Gauthier e sua mãe. Essa situação comoveu toda a aldeia. Preocupado com o estado da alma do pequeno Conrad, o vigário da paróquia aconselhou a sua entrada em um colégio do burgo de Saint Rémy, a fim de ser orientado no Evangelho e cuidado por padres.
Seu histórico escolar também tutelou sua ida. Sendo o primeiro lugar de sua turma tanto na escola municipal da aldeia quanto no catecismo paroquial, o pequeno Conrad demonstrou facilidade em prosseguir os estudos e maturidade em seguir com seu ensino longe de sua família.
Em uma tarde chuvosa, Conrad, sua mãe e o padre do vilarejo partiram de bicicleta em direção ao colégio. Após enfrentarem uma hora de trajeto, com diversos obstáculos pelo caminho, finalmente chegaram ao endereço da escola. Lá, foram recebidos e apresentados às instalações. Depois de receber orientações sobre seus estudos com o guia da escola, Conrad ficou confinado no parlatório, enquanto o padre e sua mãe retornaram para a aldeia.
O internato era dividido em dois grupos de alunos: o setor de agricultura e o de letras clássicas. Foi determinado pelo coordenador da escola que o jovem pertencesse ao segundo, mesmo ele nutrindo uma vontade de fazer parte do primeiro. Dizia: “aqui somos obrigados a escolher entre os livros e as plantas. Um muro, horários, professores, paisagens diferentes separam os adeptos da leitura e os partidários da agricultura” (DETREZ, 1979, p. 27).
Por conta dessa nova vida, passou a morar no pavilhão Justus Lipsius e recebeu o nome latinizado de Conradus Primus, por ser o único ali que possuía esse nome. Essa sua nova alcunha significava homem probo e sábio (DETREZ, 1979). Logo de início, recebeu seis volumes para leitura imediata a partir das cinco horas da manhã. Mesmo com dificuldade, começou a aprender latim, holandês e gramática. Invés de flores e legumes, começou a viver rodeado de livros, tarefas e obrigações.
Mas não só isso. Começou a estar rodeado também de desejo. Desejo do antigo ofício familiar, pois a janela de seu quarto era voltada para a horta do prédio, na qual trabalhavam os alunos do setor de agricultura e, assim, sua vontade era diariamente instigada. E um desejo desconhecido, porque o seu dormitório e lavatório eram ao lado dos de Leopoldus N’Dongo[5], um estudante congolês que virou seu amigo e, ao mesmo tempo, começou a despertar um novo tipo de atração do jovem Conradus.
No fim daquele ano, elaborou uma estratégia para tentar passar para o lado dos agrícolas: fracassar propositalmente nos exames. Leopoldus adotou esse caminho, tirou zero nas provas e, assim, foi encaminhado ao outro setor. Conradus não teve coragem de trocar a novidade dos livros pelas flores já conhecidas e, por isso, seguiu no pavilhão Justus Lipsius, mas, agora, sem companhia e sozinho. Sem nenhum amigo, transformou os estudos em seu refúgio, começando a ler as histórias dos livros com tanto afinco que adoeceu.
Com o passar do tempo, acostumou-se com essa nova realidade. Recuperou sua saúde e adotou uma nova rotina: dormia de manhã e de tarde para ficar acordado à noite. Dessa forma, podia conversar clandestinamente com seu único amigo, que fugia de seu novo dormitório na madrugada para conversar rotineiramente. Com esses encontros às escondidas, conversavam sobre a vida e o futuro fora da escola, o que injetou novos ânimos nos estudos gramaticais de Conradus.
Em uma das visitas noturnas, Leopoldus contou que estava apaixonado por uma camponesa da fazenda de Trois-Gués, uma aldeia vizinha da escola para a qual qual alguns alunos escapavam de vez em quando. Enquanto o congolês contava sobre as aventuras de seu primeiro beijo, Conradus, que já possuía quinze anos, deu conta que nunca havia sido atravessado tão intensamente por essa sensação tão avassaladora, nem em sua vida e nem nos livros (DETREZ, 1979).
Após tantos encontros, os dois ficantes noivaram para, futuramente, se casarem, o que fez o belga entristecer-se com receio de perder seu confidente. Dias depois, sua angústia se tornou realidade: as visitas clandestinas cessaram por determinação da noiva de Leopoldus, que tinha medo de os dois serem pegos e expulsos da escola. De tamanha tristeza, Conradus não conseguia mais ler, nem fazer seus deveres e lições. Esperava, em vão, por toda noite por seu amigo que passou a não aparecer tão regularmente. Passaram a encontrar-se raramente, sobretudo aos domingos, quando leitores e horticultores rezavam, meditavam e comungavam juntos.
Depois de tanta curiosidade e infelicidade, o jovem resolveu ir atrás das mesmas sensações vividas e narradas pelo melhor amigo. Foi apresentado por Leopoldus à Alphonsine[6], prima de sua noiva que estudava na escola de costura das Irmãs do Calvário, também em Saint-Rémy. Encontrou, assim, com sua pretendente nas férias, quando retornou a sua antiga aldeia. Conversaram pouco, até que ele a beijou, buscando o desejo que foi gestado há meses em seu interior. Todavia, não encontrou: “o beijo de Alphonsine apenas me fez babar” (DETREZ, 1979, p. 39). Os dois nunca mais se encontraram novamente.
O pior foi quando, tarde da noite, voltou para casa e encontrou sua mãe aos prantos pela sua fuga momentânea. Em meio a uma enxurrada de indagações, confessou o que havia feito às escondidas e suas férias ali terminaram, pois, no dia seguinte, foi mandado de volta ao colégio para contar sua falta ao confessor. Ao chegar no internato, passou por uma longa sessão de penitência, o que fez sua alma entrar em suplício contra sua vontade que foi categorizada como pecado. Esse momento fez Conradus decidir por uma mudança radical no rumo de sua breve vida, que foi narrada por ele da seguinte forma:
O interrogador pegou minhas lembranças de infância, revirando-as, abrindo feridas, furando abcessos que eu ignorava. Extirpava o mal, todo o mal, dizia ele, desceria ao mais profundo de minha consciência, arrancaria a última semente de mau pensamento. O padre com suas perguntas cada vez mais precisas punha minha alma em suplício; espremia o pus até o sangue. Parecia querer extirpar de mim o pecado original. Envolveu-me de tal modo em minha purulência que fiquei com horror de mim, jurei, prometi, me comprometi a dali por diante viver só para Deus, a graça, a Virgem, os santos, meus superiores e os livros. Chorei minha alma abundantemente (DETREZ, 1979, p. 41-42).
Após o retorno oficial das férias, em setembro daquele ano, afastou-se de Leopoldus e aproximou-se dos livros. Sua natureza passou a ser recriminada e todo o seu desejo carnal punido constantemente pela liderança espiritual do internato, o que o fez largar seus pensamentos mais íntimos em prol da reza e da contrição. Adotou a castidade. Semanalmente, passou a confessar-se e relatar seus avanços nos estudos da religião ao pároco da escola. Em seus últimos dois anos, seu desejo mais íntimo passou a ser a plena santificação de sua alma, a partir da penitência e da decoração dos escritos bíblicos.
Na primeira etapa de sua vida, o jovem, por pressões religiosas, reprimiu essa dimensão tão importante de sua existência. Iniciada aos quinze anos, o voto de celibato serviu, assim, para mascarar a latência da sua indecisão sexual, o que, futuramente, resultou em sintomas de uma tendência latente e reprimida quanto à sua própria sexualidade. Nessa direção, não é à toa que os romances autobiográficos que mencionam algum aspecto dos seus primeiros 25 anos de sua vida transitem, de forma dual e maniqueísta, entre o pecado e a inocência (PANIER, 1981; ALMEIDA, 2011a)
Entre 1949 e 1957, o jovem Conrad estudou nos Colégios de Visé e Herstal, mergulhando com afinco nos estudos de humanidades gregas e latinas, o que marcou sua adolescência estudiosa. Em ambos, destacou-se como um dos melhores alunos nas escolas comunitárias. Nesse período, explorou o fascinante universo dos livros, se encantou com os renomados escritores franceses do currículo e até mesmo arriscou escrever alguns poemas por conta própria, ao passo que crescia sua estima pelo Evangelho.
Ao longo desse tempo, seu confessor viu um indício de vocação para o sacerdócio, dado o afinco com que se dedicava à oração e teologia. Com isso, foi indicado com grande estima para prosseguir seus estudos em um dos grandes internatos católicos da região para ter uma educação mais apurada. O vigário do vilarejo e sua mãe foram convencidos da ideia pelos padres. Com o aval dos homens e de Deus, mudou novamente de residência em plena juventude.
Aos 20 anos, deixou, mais uma vez, a aldeia, sua mãe e a vida pacata do campo. Dois anos depois, deixou a Valônia. Sua mãe, que estava sozinha, com saudade do filho e ansiava o retorno de seu esposo, morreu tempos depois, em 1959, sendo sua morte atribuída pelos vizinhos ao desgaste emocional e à tristeza. Teria falecido em meio às suas plantas na cozinha, como descrito por testemunhas (DETREZ, 1979).
Em 1957, Conradus ingressou no seminário menor do Collège de Saint-Trudon, na província natal de sua mãe, Limburgo, em Flandres. Sua estadia foi narrada em Les Plumes du coq (1975): os superiores desempenhavam um jogo duplo particularmente cruel, alternando entre a gentileza e a severidade com as crianças, com o objetivo de impor a disciplina mais rigorosa possível. Rapidamente, o belga se viu imerso no ritmo da vida comunitária, marcada por ordens, reprimendas e castigos infligidos pelos padres.
Dois anos depois, matriculou-se, no ano de 1959, em Teologia na Universidade Católica da Lovaina (UCL), na Bélgica, onde estudou filosofia, humanidades greco-latinas e doutrinas teológicas no seminário maior. Além disso, futuramente também se graduou em Língua e Literatura Francesa pela Universidade de Nancy, na França.
Para cursar o Ensino Superior, o jovem Conradus tomou o trem e atravessou o país rumo ao novo capítulo de sua vida. Durante a longa viagem, deparou-se, entretanto, com uma agitada manifestação de homens e mulheres vestidos de preto que impediu o prosseguimento da locomotiva. O pano de fundo desse protesto era o imbróglio criado entre socialistas e religiosos na rede escolar da região, no qual os segundos não admitiram a concorrência dos primeiros nos novos estabelecimentos de ensino.
Atrelado a esse movimento local, foi exatamente nesse período que se iniciou uma transição incipiente de um conservadorismo clerical para uma abordagem mais humanista do catolicismo. Alguns teólogos progressistas, como, por exemplo, Emmanuel Mounier e Teilhard de Chardin (1881-1955), ganharam apoio crescente nos centros religiosos, e suas interpretações mais centradas no mundo da fé deixaram uma forte impressão no jovem aspirante ao seminário.
O viajante ficou sabendo que a cidade de destino também estava inserida nesta tensão, porém continha uma maioria esmagadora de clérigos, o que o tranquilizou na viagem. Essa tranquilidade, porém, foi momentânea: o trem não conseguia prosseguir viagem por conta dos manifestantes, que ficavam cada vez mais violentos. Com o tempo, porém, a manifestação se dispersou e o percurso seguiu em silêncio até chegar na estação final. Chegando em seu destino, Conradus se deslocou até o seminário, que, essencialmente, ensinava filosofia tomista e teologia.
Chegando no centro, conheceu o diretor da faculdade, subdiáconos e seus futuros colegas, em especial Rodrigo da Silva[7], um veterano brasileiro que o acolheu com segurança e cumplicidade. Com a ajuda de seu novo amigo, tentava se encontrar em meio a discussões de argumentos, batalhas de leituras, imbróglios litúrgicos e disputas interpretativas em torno do texto bíblico, que mobilizavam as energias dos corpos discente e docente. Em seus primeiros dias, a principal divergência era a melhor posição do altar: a celebração deveria ocorrer no fundo da igreja ou de frente para o povo? (DETREZ, 1979).
Uma discussão totalmente irrisória, segundo Rodrigo, que contou para seu novo amigo sobre as divisões da América do Sul que moviam a ação dos padres contra a violência, fome, guerrilha e miséria. O brasileiro relatava que o que estava em jogo para as Igrejas americanas eram problemas políticos incontornáveis. Um tema ainda muito distante para Conradus, que se interessava mais pelos estudos da religião, mas que, muitas vezes, passou a se ver confrontado com a política dentro da sua nova cidade, imersa em conflitos entre religiosos e socialistas (DETREZ, 1979).
Em meio a esse imbróglio irrelevante, Conradus, por meio de seu novo amigo brasileiro, entrou em contato com outros alunos sul-americanos, frequentemente padres estudantes, cujos relatos vividos no outro lado do Atlântico o atraíram mais. Ao contrário de seus colegas europeus, esse clero latino-americano estava mais politicamente engajado, possuindo um histórico de militância. Em seu novo círculo de amizade, Detrez teve acesso à ideia de Terceiro Mundo e também a conceitos políticos que ampliaram sua forma restrita de ver o mundo.
Foi justamente em Lovaina que Conradus teve seu primeiro contato com uma nova forma de política; não apenas uma política interna, marcada por conflitos sociais e disputas linguísticas, mas, principalmente, os embates político-ideológicos que assolavam países de outra realidade, como, por exemplo, o Brasil. Uma nova percepção ancorada em questões reais que ganhou ao ouvir os relatos de seus amigos sul-americanos.
Devido a essas mesmas características, a América Latina também se revelava terrivelmente viva, até mesmo revigorante e, em última análise, mais autêntica do que a Europa. Ao mesmo tempo, de maneira mais sutil, vislumbrava-se um mundo de carne, ao qual o antigo amigo africano e o atual amigo brasileiro, assumindo a figura do mediador e até mesmo do iniciador, gradualmente o introduziram, seja por questões envolvendo a liberdade sexual ou a política em si (LEFERE, 2001).
Após se conectar com jovens estudantes do Terceiro Mundo, que o levaram a compreender sua realidade econômica, e chocar-se com a brutalidade da Guerra da Argélia (1954-1960), além de se impressionar com as grandes greves insurrecionais da classe trabalhadora na Valônia durante o inverno de 1960 e 1961, Detrez começou a interessar-se pelos desafios das independências em África e da revolução liderada por Fidel Castro. Surgiu, assim, a questão central da ação política em sua vida.
Esse período ímpar de autodescoberta frente às novidades da Universidade foi narrado pelo aspirante à seminarista em seus romances autobiográficos, Ludo (1974) e L'herbe à brûlé (1978a). Também foi citado em entrevistas futuras, como pode ser observado no trecho abaixo:
Mes maîtres m’envoyèrent étudier la théologie à l’Université de Louvain. Je devais y découvrir l’histoire et la politique. Pour la première fois de ma vie, je parlais à des étudiants passionnés par les drames du monde, plutôt que par les idées du Pape sur le sexe ou l’Assomption de la Sainte Vierge. Ces étudiants, surtout ceux qui venaient de loin: d’Afrique, d’Amérique du Sud, m’ont fasciné. Une crise de vocation m’a secoué. Dans le même temps le besoin d’amour humain m’obsédait. J’ai quitté les ordres, la Belgique; j’ai tourné le dos à la culture classique et française: j’ai émigré au Brésil [Meu mestre me enviou para estudar teologia na Universidade de Louvain. Tive que descobrir história e política lá. Pela primeira vez na minha vida, falei para estudantes que eram apaixonados pelos dramas do mundo, e não pelas ideias do Papa sobre sexo ou pela Assunção da Santíssima Virgem. Estes estudantes, sobretudo os que vieram de longe: de África, da América do Sul, fascinaram-me. Uma crise vocacional me abalou. Ao mesmo tempo, a necessidade do amor humano me obcecava. Deixei as ordens, Bélgica; dei as costas à cultura clássica e francesa: emigrei para o Brasil] (DETREZ, 1978b).
Nesse meio tempo, Rodrigo, enfim, recebeu a tonsura, o que deixou seu amigo belga um pouco incomodado com a necessidade recorrente do corte típico de cabelo. Além disso, ao passo que disputas violentas cresciam na cidade, Conradus se tornava um pouco mais incrédulo e descrente com o catolicismo ensinado e praticado em Lovaina, que era meramente embasado em discussões e polêmicas linguísticas. Antes mesmo de fazer seus votos, o brasileiro fugiu do seminário para morar com outros estudantes sul-americanos, deixando seu confidente ainda mais desesperançado, frustrado e desamparado com sua vida na cidade (DETREZ, 1979).
Com a partida de seu amigo, as manifestações recomeçaram em Lovaina, mas, agora, sob nova forma: afogamento forçado de opositores no rio Dyle. Os novos atos violentos, por sua vez, contrastavam com o céu acinzentado que pairava sobre todos na maior parte dos meses. As lideranças católicas da cidade viram esse episódio como ápice da violência, chegando a propor a capitulação dos prelados da Valônia na Universidade. Mesmo antes da decisão, Conradus estava inclinado a deixar o seminário e a faculdade. O ceticismo teológico em sua vida começou por meio das inconsistências presentes no aparato doutrinário e jurídico (DETREZ, 1979).
O belga seguiu, assim, o exemplo do brasileiro: a política, ainda que, de certa forma, em intercessão com a religião. Em sua nova vida, a mística venceu o direito canônico e os ritos. Com isso, começou a faltar às aulas, parou de estudar teologia para ler obras que iniciaram Rodrigo no mundo político e iniciou o estudo da Língua Portuguesa. Em alguns dias, decidiu, de forma definitiva, seguir o mesmo destino de seu confidente: partir para a América do Sul como missionário leigo, sem, porém, qualquer vínculo com alguma instituição. Nos meses seguintes, seguiu seu novo rumo. “Parti de Lovaina como se saísse de um banheiro público, repleto de ar viciado” (DETREZ, 1979, p. 83).
Para desbravar o mundo, o jovem precisou deixar Liège, à contravontade da direção da Universidade. Deixar a Bélgica, sua família, infância, bem-estar e segurança para trás. Precisou romper as primeiras barreiras de sua vida para poder, enfim, se encontrar no mundo. Longe de casa, o jovem aventureiro deu de cara, porém, com a natureza nua e crua da humanidade, que tanto leu nos textos bíblicos. No ano de 1962, desembarcou no continente americano, em um país continental prestes a entrar em uma ditadura que duraria nada mais nada menos que 21 anos.
9.2. Segunda vida como Domingues (1962-1967): a diversidade de uma trajetória suburbana, livre e militante pelo Rio de Janeiro
A arte de viver é uma obrigação.
O desejo prevalece sobre tudo.
Conrad Detrez
Com seus 25 anos, o jovem - e “tímido” (DAERDEN, 2014, p. 69) - Conradus Primus desembarcou no Rio de Janeiro no dia 31 de julho de 1962, a bordo do navio francês Charles Tellier. Sua emigração missionária à América lhe permitiu evitar seu serviço militar obrigatório no Congo belga no mesmo ano.
O cenário desse novo capítulo de sua história foi uma sociedade mergulhada em uma atmosfera de incerteza e tensão desde o início da década. O Brasil estava imerso na agitação do governo João Goulart (1961-1964), marcado por intensos conflitos políticos, econômicos, sociais e sindicais que culminaram no futuro golpe civil-militar de 1964.
Nesse contexto turbulento, chegou ao país como missionário leigo, após concluir sua formação básica em teologia pela UCL, na Bélgica. Impelida pela sua vocação religiosa ainda latente, sua vinda ao país foi guiada pelo seminário católico para auxiliar no trabalho social de evangelização em fábricas e favelas pauperizadas.
Deveria ser professor em um colégio católico de Minas Gerais (MG), mas um dos padres que iria esperá-lo no cais do porto para levá-lo até lá nunca apareceu (D’AGUIAR, 2023). Desamparado e sem falar português, procurou o diretor do Seminário Arquidiocesano de São José, um tradicional estabelecimento de ensino religioso no Rio de Janeiro (RJ), em busca de acolhimento e direcionamento.
Ao chegar na casa de formação diocesana, ficou sabendo do caso de um bispo em Volta Redonda (RJ) que estava em busca de leigos para trabalhos apostólicos na região. O nome do clérigo era dom Agnelo Rossi (1913-1995), o brasileiro que mais alto subiu na hierarquia eclesiástica, sendo considerado um dos grandes expoentes da Igreja do Brasil. Os seus primeiros seis meses no país passaram-se, assim, no polo da indústria siderúrgica do estado.
Em sua fase inicial no Brasil, sua sobrevivência material era garantida pelo apoio financeiro e ajuda de custo que recebia da Igreja e do movimento religioso em que fazia parte, sendo ambos levantados a partir de doações de fiéis. Também foi comum sua atuação em trabalhos extras, seja em fábricas ou em negócios locais para complementar sua renda.
Antes de chegar ao país, o seminarista belga atuava como ativista internacional da Juventude Operária Católica (JOC), um movimento evangelizador da Igreja Católica para jovens entre 14 e 30 anos voltado para a garantia de direitos fundamentais. Suas atividades facilitaram sua criação de uma seção do movimento em Volta Redonda (RJ). Tempos depois, tornou-se dirigente da JOC brasileira, com a tutela da filial belga.
Como parte de suas atividades missionárias, participou, tempos depois, de um retiro espiritual em um convento em São Vicente, um dos municípios de São Paulo. O monastério era vizinho de um quartel. A partir dessa viagem, o religioso começou a gestar o desejo de fundar uma ordem religiosa de operários, além de começar a sentir atração por outros homens, sobretudo pelos soldados descamisados da região paulista (DETREZ, 1979).
Nesses dias de viagem, sua homossexualidade foi, aos poucos, ainda mais revelada pelo seu desejo gestado em torno homens negros, metonimizada pela atração diferenciada que sentiu pelos movimentos sensuais e indistintos de dois soldados descaminhados da região. “Calé dans mon renfoncement je voyais sans être vu. Le sang me fouettait le cœur” [“Apoiado em uma cavidade eu podia ver sem ser visto. Sangue chicoteou meu coração”] (DETREZ, 1978a, p. 112). De acordo com Almeida (2011a), esse episódio marcou uma transição decisiva entre os sintomas de uma tendência latente e reprimida do narrador e a assunção de sua homossexualidade.
Para tentar reprimir seus desejos mundanos e pecaminosos, o jovem Detrez, ao retornar ao Rio de Janeiro, mudou-se e foi morar na casa de um jovem padre em uma favela carioca. Em pouco tempo, o clérigo inquilino, entretanto, fugiu com sua amante, deixando o seminarista a sós com Fernando[8], um negro baiano que militava em um movimento de operários cristãos e que residia em sua mesma residência. Mesmo tentando se dedicar à sua missão evangelizadora, Detrez se envolveu pela primeira vez com um homem tanto sexualmente quanto romanticamente.
Após mudar-se para a capital, mais especificamente para a proletária Zona Norte, passou a trabalhar como auxiliar leigo em favelas, sobretudo em Brás de Pina, ao passo que também começou a lecionar francês na Universidade Santa Úrsula (USU). Nesse mesmo período, também começou a trabalhar com alfabetização de adultos em uma favela localizada na Penha.
Sua mudança de Volta Redonda para a cidade do Rio de Janeiro e suas novas colocações profissionais fizeram com que o estrangeiro começasse a ocupar uma posição social singular na sociedade fluminense. Nesse momento, o seminarista belga, como pontuado por Daerden (2014), passou a fazer parte de um espaço de interseção entre a cultura popular e os meios intelectuais brasileiros.
A combinação das possibilidades do universo popular com as normas do ambiente acadêmico contribuiu para moldar sua visão em relação ao Brasil. As dualidades e os antagonismos desses dois espaços esculpiram as contradições de seu olhar sobre a sociedade e a cultura brasileiras. Em meio às dialéticas da realidade, Detrez, influenciado pelas suas origens católicas, passou a ser também guiado por um ideal trabalhista fabril em suas primeiras vivências nos trópicos.
Diante dessas questões, Daerden (2014) resumiu bem as primeiras inserções de Conrad Detrez na cidade do Rio de Janeiro. Em suas palavras,
Sua atitude era em primeiro lugar de índole muito trabalhista. Não gostava nem um pouco da mundana Copacabana, mesmo esta se passando para a maioria dos estrangeiros como o cartão de visita do Brasil. Não, ele se encantava com a proletária Zona Norte do rio. Este bairro era talvez feio, mas tinha caráter. Porém, neste olhar romântico sobre as favelas se escondia uma grande contradição, já que Detrez criticaria precisamente, de um ponto de vista cada vez mais à esquerda, a pobreza reinante por lá (DAERDEN, 2014, p. 70).
Ao contrário de outros europeus, Detrez não encontrava atração na movimentada e turística Copacabana, considerando-a “mundana” demais. “A Zona Sul é, para mim, uma imitação, sem sucesso da Europa e dos Estados Unidos” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25). Em seu lugar, afirmava ter uma preferência pela aparente “feiura” da Zona Norte, pois era nesse lugar que ele se deparava com indivíduos que ele considerava possuidores de um forte caráter (DETREZ, 1979). O contato com o proletariado carioca moveu o belga enquanto esteve morando na região.
A realidade pauperizada, a falta de higiene, a miséria das favelas e a devastação do analfabetismo despertaram um olhar crítico do belga para as desigualdades do Brasil, o que contribuiu para aflorar sua escrita como meio de ecoar essas vivências subalternas. De início, debruçou-se em questões envolvendo a pobreza da região. Em seguida, foi arrebatado pelas diversidades nacionais. Nesse cenário, fascinou-se pela cultura negra, pelos corpanzis braseados dos homens brasileiros, pela religião afro-brasileira e pelo candomblé.
Em sua primeira passagem pelo território brasileiro, trabalhou como jornalista e professor de colégios católicos. Além disso, ensinou literatura francesa, chegando a lecionar no Instituto de Letras da Universidade do Rio de Janeiro (URJ), atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Também ministrou aulas de filosofia na Pontifícia Universidade Católica (PUC). A partir dessas inserções, o belga começou, aos poucos, a se sentir integrado à eclética vida intelectual do país.
Em meio à dualidade entre sacralidade e profanidade, intelectualidade e vulgaridade, seguiu evangelizando e politizando operários, esquivando-se da repressão policial. Ao longo dos meses, Detrez, todavia, foi se afastando do ministério sacerdotal, ao passo que começou a se aproximar de assuntos e atividades envolvendo a política nacional. Em um contexto instável no país, participou de greves e movimentos trabalhistas.
Desde 1961, o país vivia em uma instabilidade social, política, militar e econômica sob o regime democraticamente eleito de João Goulart (1961-1964). Reformas sociais e democráticas não surtiram os efeitos desejados. Distúrbios e manifestações contrárias ao governo deram a tonalidade desse período, culminando em um golpe civil-militar de Estado. Entre 31 de março e 01 de abril de 1964, o presidente foi deposto com apoio dos Estados Unidos e uma ditadura se instaurou no país.
Nesse ínterim de efervescência, Detrez adentrou na sociedade civil brasileira a partir do mundo da militância pastoral, influenciado pelo personalismo de Emmanuel Mounier. Por sua formação católica, vinculou-se, em um primeiro momento, a movimentos operários e estudantis cristãos de tendência criptomarxista. Ao se debruçar sobre a realidade brasileira, teve acesso às ideias da Revolução Cubana e da Teologia da Libertação, ao passo que foi se aproximando progressivamente da militância política.
Detrez já exercia o papel de ativista internacional da JOC, um dos segmentos da Ação Católica (AC), chegando a desempenhar o cargo de dirigente na filial brasileira, como desígnio da sede belga. Foi lá onde conheceu Carlos Alberto Libânio Christo, popularmente conhecido como frei Betto, um dos integrantes da direção nacional da Juventude Estudantil Católica (JEC), e, assim, pôde contar com todo apoio e cumplicidade do frade ao longo de sua passagem pelo país.
Com o advento do golpe civil-militar, diversos movimentos e ações progressistas, todavia, foram postos na clandestinidade pelo novo regime. Nesse contexto repressivo, o militante Detrez, que havia sido afastado de seu cargo na USU, migrou da esquerda cristã para a resistência política antiditatorial, enquanto parte de uma necessidade pessoal de resistir ao autoritarismo, à censura e ao cerceamento da plena liberdade, como assim foi relatado por ele mesmo em entrevista concedida à Rosa Freire D’Aguiar:
Eu já me sentia integrado na vida intelectual do país e pretendia naturalizar-me. Com o golpe de 1964, todo o trabalho, apostólico e social, foi proibido, inclusive o de alfabetização de adultos que fazíamos. Senti-me atingido e não via como ficar à margem de uma luta pela restituição das liberdades democráticas e da justiça social (DETREZ, 1978 apud D’AGUIAR, 2023, p. 121).
Quando alguns de seus amigos da AC decidiram romper com a Igreja e ingressar na Ação Popular (AP), Detrez os acompanhou. O belga começou a militar, assim, nessa organização política socialista extraparlamentar, que fora integrada por cristãos como o primeiro embrião de um partido cristão de esquerda no Brasil. Essa organização de esquerda extraparlamentar das décadas de 1960 e 1970 foi criada por quadros políticos que pertenciam à Juventude Universitária Católica (JUC). A ação tinha o objetivo de atuar nos principais movimentos sociais no Brasil, sobretudo nas causas camponesas, operárias e estudantis.
Quando ingressou na organização, Detrez, entretanto, não possuía uma formação política e ideológica sólida. Era simplesmente uma pessoa de boa vontade. A liderança do movimento, então, o enviou para fazer um estágio em Paris, um local aberto de fermentação intelectual, onde passou seis meses estudando marxismo com Louis Althusser, grande referência intelectual do campo marxista, e sua brilhante aluna, Marta Harnecker. Por lá, também se encontrou com outros militantes sul-americanos. Após esse período, fez muitas viagens pela América Latina, retornando ao Rio de Janeiro em 1965, onde começou a trabalhar como tradutor para sobreviver.
Seu engajamento político e sua conduta transgressora intensificaram-se após seu retorno ao Brasil, o que contribuiu para a combinação de dois elementos importantes em sua vida: evangelização e trabalho. Ainda que não sentisse muita estima pelo comunismo, enveredou para o marxismo e para a esquerda radical, passando a nutrir grande admiração por importantes figuras históricas latino-americanas, como Che Guevara e Fidel Castro. “On devint ainsi de frais disciples de Marx. Teilhard et Mounier étaient des vieilles lunes” (DETREZ, 1981, p. 29).
Na clandestinidade imposta pelo regime ditatorial-militar, a resistência esquerdista ocorria por meio de encontros secretos, saques e transportes de armamentos, assaltos a bancos e sequestros de pessoas ligadas às cúpulas da ditadura. Ocorria também por meio de manifestações, propagandas, panfletos, traduções e formações ideológicas, no qual Detrez atuava ativamente. Seu trabalho era mais técnico-intelectual do que propriamente bélico. O belga “[...] provavelmente nunca soltou um tiro [...]” (DAERDEN, 2014, p. 70).
Um exemplo de suas primeiras ações nesse sentido foi visto ainda em torno da fé e ciência moderna. Devido à escassez de recursos financeiros, Detrez e Betto decidiram publicar apostilas sobre a obra teológico-científica do padre jesuíta francês Teilhard de Chardin, que era um best-seller mundial na época. O belga encarregava-se da tradução do francês, enquanto o brasileiro escrevia os textos e produzia cópias no mimeógrafo. As vendas ocorriam na entrada das faculdades cariocas, especialmente na PUC.
Em agosto de 1967, uma dessas traduções foi publicada pelo seminarista belga na série “Cadernos Teilhard”, da editora Vozes, consagrada à divulgação da obra do padre francês. A tradução da vez foi do pequeno ensaio intitulado “Teilhard, Claudel e Mauriac”, de autoria da professora Claude Rivière, que analisava a obra do jesuíta em comparação com a literatura dos escritores católicos Paul Claudel e François Mauriac. Essa publicação foi noticiada nas páginas do Correio da Manhã (RJ), Jornal do Commercio (RJ) e Jornal dos Sports (RJ).
Anos mais tarde, os resumos mimeografados e as apostilas também foram condensadas pelo frei brasileiro no livro Sinfonia universal: a cosmovisão de Teilhard de Chardin (2011). A obra visava apresentar uma reflexão profunda sobre as condições humanas dentro do cosmos, sendo ela fundamental para a popularização das ideias do padre jesuíta no Brasil. De acordo com Freire e Sydow (2017), Detrez e Betto tornaram-se um dos primeiros divulgadores da obra de Chardin no país.
Além das traduções, a divulgação das ideias do padre jesuíta também se deu por meio da ministração de cursos para o grande público. Um deles foi realizado pelo próprio Conrad Detrez durante três semanas de setembro de 1966. Com inscrições abertas à população, a ação aconteceu na sede do Centro de Estudos da Ação Social Arquidiocesana (ASA), em Copacabana, sendo uma das atividades mensais de seu Clube de Leitura.
Anteriormente dedicado à organização de arrecadação de fundos e distribuição de alimentos para os necessitados nas favelas, o belga também expandiu seu papel militante ao se tornar correspondente da imprensa belga. Nessa nova função, assumiu um papel ativo na denúncia dos excessos do governo de Humberto Castello Branco (1964-1967), por meio das páginas do diário cristão La Cité. Essa mudança de foco não só demonstrava sua evolução pessoal e profissional, mas também refletia seu amplo compromisso com a justiça social e a luta contra a opressão. Em 1965, publicou um artigo na revista Combat sobre federalismo e política internacional.
Com o decorrer dos meses, o seminarista se afastou cada vez mais da Igreja, cuja alta hierarquia apoiava o novo regime ditatorial, até romper definitivamente com a instituição. Esse distanciamento coincidiu com uma mudança significativa em sua vida. Impulsionado pelas novas relações bissexuais que vivenciou no Brasil, ele questionou e eventualmente abandonou sua fé cristã. Essa jornada de autodescoberta e aceitação não apenas influenciou sua visão sobre religião e espiritualidade, mas também impactou profundamente sua identidade e perspectivas sobre o mundo ao seu redor. O confronto com novas experiências e a quebra de paradigmas religiosos tradicionais foram catalisadores para uma transformação pessoal e uma redefinição de seus valores e crenças.
Seguindo um viés anarquista – de tendência cristã –, o militante Conrad Detrez, durante cerca de um ano, tentou beatificar-se como o justiceiro estrangeiro de uma sociedade iníqua, corrompida, corrupta e autoritária. De guerrilheiro urbano retornou às suas raízes e voltou, novamente, a ser um devoto religioso, mas, agora, de uma religião nova e emergente no Brasil: uma crença política fundada por Carlos Marighella e inspirada em Fidel Castro e Che Guevara.
Um ponto fundamental para seu desabrochar para a militância política foi seu encantamento pela diversidade da cultura brasileira. Desde sua chegada, o turista Conrad ficou apaixonado pelas riquezas culturais do Brasil, sendo impactado de modo carnal e espiritual. Em sua passagem, enveredou pelo carnaval. Bebeu do pecado trazido pelos ventos cariocas e deleitou-se. Experimentou do sexo proibido e das orgias, com homens e mulheres. Conheceu cultos africanos e pagãos. Frequentou pais e mães de santo. Abandonou a paternidade exclusiva de Deus e foi adotado por Ogum, orixá da guerra.
O sexo teve uma dimensão libertadora em sua trajetória. O turista aventureiro teve sua primeira experiência sexual com uma sacerdotisa em uma favela de Volta Redonda. Depois nas areias da praia de Copacabana. E, por fim, o desejo carnal e romântico por um homem, um jovem negro ao qual se entregou por completo, de corpo e alma. Com esses atos, Detrez, nas palavras de Almeida (2019, p. 681), passou por um “‘batismo’ cultual, cultural e sexual”. Uma libertação da repressão religiosa, política e (homos)sexual que fora vítima há duas décadas.
Para a trajetória de Detrez, o Brasil apareceu como um lugar inicial de tomada de consciência tanto da sua própria existência quanto da realidade de um país imerso em um contexto autoritário. Um país exótico e atraente que contrastava com o clima pacato da Europa. Diferente da Bélgica, o Brasil representava a abertura sexual, a esperança revolucionária e o comprometimento político para Conrad Detrez, o seminarista, o guerrilheiro e o militante. “[...] Hoje sou o resultado de duas vivências, a europeia e a brasileira [...]” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Com efeito, as experiências-limite que o ambiente latino-americano proporcionou, enquanto iniciáticas e transfiguradoras, resultaram em uma forma única de sabedoria para o belga: retornar de tudo e voltar-se para si mesmo, o mais próximo possível de tudo e de si mesmo. Com todas as forças empregadas, não sem melancolia, pôde abrir seus olhos para contemplar as múltiplas belezas do mundo e, a posteriori, revê-las no espelho da memória (LEFERE, 2001).
Com o tempo, a castidade, ingenuidade e ascetismo do autor seguiram sendo confrontados pelos prazeres da pecaminosidade dos trópicos. O antigo cristão, de educação católica, encontrou o pecado carnal e se deliciou com ele. Os universos mundano e sagrado entraram em conflito dentro de Detrez. O gozo proibido salvou sua alma e, então, o fez renascer cidadão suburbano em uma das regiões mais mestiças, profanas e populares de toda a América: o Rio de Janeiro.
Em um de seus romances (auto)ficcionais, O Jardim do Nada (1979), o autor narra as suas experiências, ambiguidades e encontros nesse país que foram determinantes para uma transformação radical e decisiva em diversos aspectos de sua vida. Acerca dessa obra em específico, Almeida (2019) é categórico em caracterizá-la como um “romance de aprendizagem”, no qual o seu enredo narra a trajetória do próprio autor em meio ao contexto de:
[...] fascínio pelo Brasil, representações do Brasil, estada inicial entusiasta, aculturação (nomeadamente pelo acesso à língua e aos ritmos), descoberta actancial de um amigo/amante exótico, oriundo das camadas pobres, contratempos/deceções/problemas, mediação diplomática (embaixada com vista ao repatriamento), e regresso ao Brasil ou relação positiva, mas serena com esse país. A isso acrescem o empenhamento (religioso ou humanitário) do escritor, uma carreira diplomática; isto é a inscrição na tradição dos escritores-diplomatas (ALMEIDA, 2019, p. 685).
Fascinado pelas diversidades e dicotomias brasileiras, o intelectual Detrez chegou a teorizar acerca delas, sobretudo a partir da perspectiva racial. Em sua visão, a emancipação da condição dos negros seria a oportunidade para o fim da opressão racial no Brasil. A libertação do povo preto seria o único caminho. Nesse contexto, Frei Betto (1988, p. 266) atribui um papel essencial a Conrad: o de divulgação e popularização do conceito político de “negritude” em meio à “segunda nação negra do mundo”.
Além do uso da perspectiva racial no campo político, o belga também passou a ser reconhecido por incorporar bases filosóficas em suas análises sobre a realidade latino-americana. Um exemplo disso foi visto entre 5 e 10 de setembro de 1966 quando foi convidado para ministrar seis conferências sobre existencialismo em Belo Horizonte (MG) e, nelas, incorporou teorias personalistas e marxistas, ao citar Sócrates, Søren Kierkegaard, Martin Heidegger, Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Emmanuel Mounier.
Enquanto professor e jornalista, Detrez chegou a publicar suas reflexões sobre política e filosofia em diversos veículos nacionais. Entre setembro de 1966 e 1967, o escritor belga, segundo levantamentos feitos por Paredes (2017; 2018) e Cunha (2020), publicou dois artigos sobre história e política na revista Paz e Terra, uma revista ecumênica-comunista que, entre 1966 e 1969, reunia personalidades públicas para analisar aspectos da realidade brasileira e internacional.
Um de seus dois artigos publicados foi intitulado “A América Latina entre o trágico e a revolução”. Nas doze páginas do seu texto analítico, o autor teceu importantes reflexões sobre a situação política do continente frente aos movimentos golpistas que foram precursores do início de governos ditatoriais em diversos países latino-americanos. Nesse cenário, também expunha a importância da ação combativa de grupos revolucionários para a possibilidade de futuros democráticos para a região.
À título de curiosidade, entre os 112 escritores contemplados, Conrad foi o oitavo autor que mais foi publicado no periódico, estando atrás de grandes nomes como Helder Câmara, Pierre Furter, Paul Ricœur, Moacyr Felix, Ivan Illich, entre outros. Nas 140 publicações das dez edições da Paz e Terra, também foi o quarto estrangeiro mais publicado na revista, que, em três anos, foi o centro dos debates do movimento ecumênico brasileiro (PAREDES, 2017). A partir desses dados, é possível ter uma noção do papel de relevância dado ao olhar político do belga em meio aos intelectuais nacionais.
Em adição a essas publicações, Detrez também era convidado por periódicos brasileiros para analisar questões caras à época. Em 13 de setembro de 1966, O Jornal, diário carioca que circulou no estado entre 1919 e 1974, republicou uma entrevista que foi realizada com o professor em Belo Horizonte (MG), quando estava na capital para ministrar conferências sobre filosofia, a pedido de instituições de ensino.
O tema central da entrevista foram os grandes temas existencialistas que, à época, preocupavam a juventude de Minas Gerais: a angústia e a liberdade frente a situações contrárias. Como base de sua reflexão sobre o existencialismo no mundo, o entrevistado comparou a mocidade brasileira com a europeia, em âmbito social, político e cultural, mostrando as diferenças entre suas angústias. Em suma, concluiu que ao tomarem consciência de suas limitações, tabus e alienações, as juventudes mundiais clamam por mudanças e liberdades.
Além da política e filosofia, o intelectual belga também teceu algumas reflexões políticas acerca da relação ambivalente entre a religião católica e o homoerotismo no Brasil urbano, condensando-as em livros (DETREZ, 1979; 1980; 1981) e entrevistas (MOACYR, 1980). A análise central de Detrez residia na conexão entre a presença de uma formação religiosa repressiva e a existência sub-reptícia da prática homoerótica dentro da sociedade patriarcal brasileira e da própria instituição católica. Nas palavras de Trevisan (2018), o jornalista, a partir de sua passagem pelo Brasil, analisou
[...] as relações entre a religião católica e o machismo brasileiro. Notou que os machões se afastam da prática religiosa porque, bem ou mal, são sensíveis à dimensão homoerótica dessa exuberante religiosidade católica onde um homem é levado a se interessar por outro homem até o ponto de ir adorá-lo num templo (TREVISAN, 2018, p. 93-94).
Mesmo sendo atravessado pelos prazeres, desejos, experiências, contradições e saberes dos trópicos, o intelectual belga vivia às margens da sociedade brasileira. Vivendo em meio à resistência clandestina, o devoto guerrilheiro Conrad Detrez foi taxado de “subversivo” pelos militares. Em vista do recrudescimento ditatorial, passou a precisar ser chamado pelo pseudônimo de Domingues (ou Domingos).
Essa mudança de identidade gerou estranheza e um sentimento de dissociação da personalidade do militante. Ao, por exemplo, encontrar alguém na rua que o chamava pelo seu verdadeiro nome, era obrigado a fingir que era outra pessoa. Isso o fez começar a duvidar de si mesmo, conforme foi relatado por ele em uma futura entrevista concedida ao Jornal do Brasil (RJ):
A clandestinidade é uma das experiências mais violentas pelas quais passei [...]. Isto pode levar a um comportamento esquizofrênico, à dissociação da personalidade. Para alguns, eu era Conrad, para outros, Domingues. E acabava não sabendo muito bem quem eu era, de fato. É preciso ter um domínio intelectual e emocional muito grande para enfrentar uma vida clandestina (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Além do universo político e social, a marginalidade também pairava sobre outro aspecto importante de sua vida: sua sexualidade. Embora poucos de seu círculo íntimo desconhecessem sua homossexualidade, o tema era considerado um tabu, inclusive na esquerda armada. Em seu romance autobiográfico, O Jardim do Nada (1979), chegou a relatar, de modo autoficcional, uma terapia de reorientação sexual que teria sido submetido no Uruguai pela liderança de seu movimento político.
Mesmo em suas marginalidades, o belga seguia ativo na militância antiditatorial, sendo uma importante peça de uma rede de solidariedade que se formava no Rio de Janeiro. Era comum, por exemplo, realizar frequentes visitas ao ex-ministro da Educação do governo João Goulart, Paulo de Tarso dos Santos (1963), que se exilara na embaixada do Chile, no Flamengo.
A partir de dezembro de 1966, Domingues começou a ser vigiado pelo regime. Nesse período, Herbert José de Sousa, conhecido como Betinho, um dos líderes da AP, que era hemofílico, se machucou e conseguiram interná-lo no Hospital Getúlio Vargas. O belga, que era doador universal, doou sangue para ele. Mais tarde, porém, descobriram que o médico que facilitou a internação e colaborava com o movimento era, na verdade, um agente da polícia. Com isso, o espião entregou uma lista contendo seus nomes e endereços ao regime, fazendo com que a polícia começasse a monitorar o grupo por meio de agentes disfarçados de varredores de rua.
Às seis horas da manhã do dia 25 de fevereiro, três dias depois de ter sido submetido a uma operação cirúrgica, três policiais invadiram o apartamento de Domingues, onde guardava máquinas de escrever e uma mala de documentos, que, dias depois, seguiria para a Bahia. Os agentes remexeram a casa, revirando móveis e abrindo livros. Em seguida, foi raptado, acusado de pretensa subversão política e, com isso, detido pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), a polícia política do regime militar, no Rio de Janeiro.
Depois de três horas de inspeção clandestina, o belga foi enviado para a 1ª Companhia da Polícia do Exército, na Vila Militar, onde ficou sob a tutela de um capitão que se apresentava como Zamid. Chegou no quartel às 10h, encontrando outros quinze prisioneiros, entre os quais reconheceu um deles, Valdo César, diretor da revista Paz e Terra. Foi separado dos demais e encaminhado para uma cela sem grade, sem janela e sem ventilação. Sua prisão foi manchete nos principais jornais da época, sendo mencionado por O Globo e Jornal do Brasil.
Durante seis dias, passou por três longos interrogatórios, totalizando dezessete horas de duração, sendo o primeiro deles realizado pelo inspetor do DOPS, Otamar Bertrand. Enquanto esteve preso, foi torturado pelos militares, incluindo violações sexuais quando descobriram sua orientação sexual, espancamentos e ameaças de fuzilamento[9]. Além disso, nos primeiros dias, foi obrigado a fazer curativos na região recém-operada com sua própria saliva.
Depois das torturas e humilhações, Domingues foi solto da prisão por intermédio da embaixada da Bélgica junto ao Itamaraty. Um dos conselheiros diplomáticos do país, Jean Sonerhausen, entrou com um pedido formal de protesto em decorrência do tratamento humilhante recebido pelo seu compatriota em uma dependência do governo brasileiro. Também exigiu a devolução de livros, documentos e objetos apreendidos pela polícia no apartamento do professor belga.
Nos poucos meses em que a travessia clandestina do Brasil com a Argentina e o Uruguai estava funcionando[10], diversos militantes conseguiram passar por ela e, assim, se refugiar da ditadura. O que possibilitou essa travessia foi o vínculo entre a Ação Libertadora Nacional (ALN), por meio da figura de sua liderança, e um pequeno grupo de frades dominicanos (SANTOS, 2015). Iniciada pelo contato com os livros e planos de ação de Marighella, essa conexão garantia o levantamento de fundos, o esconderijo de pessoas e o apoio em fugas à ALN. Com o auxílio de frei Betto, Domingues conseguiu sair do Brasil.
9.3. Terceira vida como Conrad Detrez (1967-1985): contribuições, andanças e desencontros de um militante internacionalista pelo mundo
Estou partindo para um lugar no mundo onde acredito que serei feliz. Se não for mais, vou embora.
Conrad Detrez
Se, durante a ditadura civil-militar brasileira, a escrita nacional sobre os movimentos de resistência era “uma tarefa quase impossível”, nas palavras de Sizilo (2017, p. 36), o mundo exterior abria maiores possibilidades de escrita, publicação e divulgação da história recente brasileira. Na década seguinte ao golpe militar no Brasil, os principais pólos internacionais vistos com esse fim foram a França, Chile, a Grã-Bretanha, o México e a Colômbia[11], seja por ação de exilados brasileiros ou por simpatizantes.
Expulso do Brasil, Domingues viajou para Liège, a província belga onde nasceu, chegando a visitar Roclenge. Entretanto, não conseguiu se readaptar ao país e, por isso, resolveu instalar-se em Paris, a até então sede política do exílio esquerdista, em fins do ano de 1967. A mudança compulsória para a Europa gerou sensações e pensamentos de frustração para o antigo militante. Esse cenário adverso foi narrado por ele em uma futura entrevista:
[...] quando regressei à Europa, aos 30 anos, estava desesperado. Ao invés de derrubar a ditadura, tínhamos sido esmagados. Foi um fracasso político, intelectual (era professor na Faculdade Santa Úrsula até 1964, quando foi afastado) e sentimental, porque na militância a relação afetiva era impossível. Tinha que me contentar com aventuras mais ou menos prolongadas e mesmo caóticas que me deram, finalmente, uma grande sensação de vazio (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Mesmo com esses sentimentos oriundos da clandestinidade e da repressão, o belga seguiu inserido em círculos políticos e intelectuais vinculados às vertentes do socialismo. Em seu novo país, passou a fazer parte de uma rede transnacional de solidariedade para exilados políticos latino-americanos, que incluía Herbert de Souza, Martha Harnecker, Miguel Arraes, frei Betto, Beatriz Nascimento, entre outros.
Na França, também encontrou exilados que faziam parte da AP, mas com mudanças do que se via no Brasil. A liderança brasileira tinha uma perspectiva verdadeiramente nacional, enquanto a liderança em Paris adotava uma abordagem internacionalista, com influências maoístas. Por conta dessa reorientação política, o belga se distanciou da organização, quando o movimento rejeitou o foquismo em prol do maoísmo, apontando a luta armada como única via para a instauração do socialismo.
Mesmo não concordando com a visão desses brasileiros exilados em Paris e se separando do grupo, Detrez seguiu ativo na política internacional. Exemplo disso foi visto anos depois quando passou a integrar o Comitê Europa América Latina (CEAL), uma rede que criou ligações importantes entre organizações e pessoas de diferentes origens ideológicas em torno de questões comuns como a paz e o Terceiro Mundo.
Devido às suas antigas e novas conexões, o belga foi adentrando na vida política francesa. Participou de comícios, reuniões e debates, tanto em periódicos quanto em espaços públicos. Quanto ao primeiro grupo, a revista Esprit[12] esteve profundamente envolvida com a causa dos refugiados brasileiros, e foi nesse contexto que Detrez teve a oportunidade de conhecer Jean-Marie Domenach, que o apresentou ao editorial.
Além disso, também conheceu uma gama de letrados, intelectuais e militantes, sejam eles americanos, europeus ou exilados políticos da América Latina. Um deles foi o filósofo americano Dick Howard, que estava visitando a capital na época e tornou-se um amigo particularmente próximo ao longo dos anos, como assim foi relatado por ele mesmo em seu trabalho “The new left lives on. The spirit of may ’68 in 2020” (2020).
Durante esses anos, Detrez teve uma intensa atividade de contato e trabalho intelectual. Contribuiu com diversos jornais e revistas, tanto belgas quanto franceses. Com suas origens valãs e sua experiência política na América, o intelectual estava bem posicionado para abordar não só as questões políticas na América Latina, mas também os conflitos linguísticos, políticos e sociais que agitavam sua terra natal. Frequentemente escrevia sobre esses temas no Le Monde.
Nesse contexto, o jornalista, em seus primeiros meses na cidade, também chegou a presenciar um dos principais acontecimentos do século no país, ao participar ativamente da célebre Revolução de Maio de 1968, um movimento político na França que foi marcado por greves gerais e ocupações estudantis contra o conservadorismo, o desemprego crescente, o sistema educacional francês e o governo de Charles De Gaulle (1959-1969).
A revolução moral desencadeada pelo Maio francês fascinou aquele que descobriu sua homossexualidade no Brasil e que lutava consistentemente contra os intentos conservadores do clero, tanto na Bélgica quanto no Brasil: o próprio Conrad Detrez, que começou a vislumbrar a emergência de novas interações humanas em aspectos políticos, sociais e culturais. Ambos esses elementos em ebulição foram analisados em boa parte de seus artigos publicados no período. Sua esperança revolucionária pôde ser renovada.
Em uma de suas autobiografias, o jornalista narrou da seguinte maneira os primeiros contatos que teve na capital francesa, ao sair do Brasil e deparar-se com os acontecimentos de Maio de 1968:
Engagé sans trop le vouloir, par distraction, puis me prenant au jeu je m’étais souvent retrouvé dans les meetings, les manifestations avec des garçons et des filles qui m’avaient instruit de la vie et des luttes menées par des personnages mal connus et pour qui le pain donné à tous, même gratuitement, restait amer si, dans le même temps, l’amour, toutes les amours qu’ils désiraient étaient refusées à ceux qui mangeaient. Ces jeunes révoltés, poètes autant que politiques, m’avaient exposé les idées d’un certain Bakounine et d’un certain Fourier [Envolvido sem realmente querer, por distração, depois me envolvendo no jogo, muitas vezes me vi em reuniões e manifestações com meninos e meninas que me ensinaram sobre a vida e as lutas protagonizadas por pessoas pouco conhecidas e para quem o pão dado a todos , mesmo livremente, permaneciam amargos se, ao mesmo tempo, o amor, todos os amores que desejavam, eram recusados àqueles que comiam.. Esses jovens rebeldes, tanto poetas como políticos, expuseram-me às ideias de um certo Bakunin e de um certo Fourier] (DETREZ, 1978a, p. 214).
Além de L’herbe à brûler (1978a), Detrez também publicou outros textos sobre suas percepções em torno do acontecimento histórico que presenciara. Um mês depois do célebre Maio de 1968, redigiu um ensaio intitulado “Pour une stratégie de la contestation” [“Por uma estratégia da contestação”], uma análise pessoal não desprovida de um certo profetismo utópico, e o publicou na revista francesa Esprit.
Movida por suas experiências políticas e intelectuais, a prática ensaística marcou grande parte da produção analítica e literária de Detrez. O motivo dessa predileção pode ser entendido a partir da seguinte concepção de Adorno (2003, p. 16-17): “o ensaio reflete o que é amado e odiado, em vez de conceber o espírito como uma criação a partir do nada, segundo o modelo de uma irrestrita moral do trabalho”.
Sua exposição ensaística não contrapunha verdade e história, por entender o conteúdo histórico como base para sua busca do teor da verdade como algo histórico por si mesmo. Essa interpretação, conforme exortado por Adorno (2003), desafiava a noção de que o historicamente produzido deveria ser menosprezado como objeto. Nessa direção, atribuía grande importância à experiência, enquanto uma relação com toda a história.
Nesse período, o escritor também chegou a passar uma estadia na Argélia, um importante ponto de encontros de dissidentes políticos, e lá reencontrou Miguel Arraes, outro exilado da ditadura civil-militar brasileira e um dos próceres da resistência do Brasil. Ambos já se conheciam desde a primeira passagem do belga pelo Brasil e chegaram até a trocar algumas correspondências entre si em 1967, quando o governador de Pernambuco já se encontrava exilado.
No exílio, o belga passou breve estadia que durou cerca de um ano. Em 1968, seu advogado acenou positivamente para seu regresso ao Brasil, tendo em vista que seu processo sobre atividades subversivas havia sido arquivado pelas autoridades. Após viver a experiência do Maio francês, o militante decidiu retornar ao Brasil, mas agora resolveu fixar-se em São Paulo, pois não estava bem-visto no Rio de Janeiro.
Em seu novo estado, foi indicado por frei Betto e tornou-se jornalista da Folha da Tarde, jornal vespertino brasileiro de médio porte que era publicado pela Empresa Folha da Manhã e distribuído em São Paulo entre os anos de 1949 e 1959 e entre 1967 e 1999. Em sua nova empreitada, atuou como redator e comentarista na área de política internacional no jornal, sob um novo pseudônimo de André Domingues (ou Domingos).
Enquanto jornalista, também contribuía com o “Caderno B” do Jornal do Brasil, um tradicional periódico brasileiro de grande circulação na cidade do Rio de Janeiro. Entre janeiro e maio daquele ano, escreveu alguns artigos sobre a doutrina estruturalista, o pensamento de Jean-Paul Sartre e a filosofia de Jacques Maritain, Emmanuel Mounier, Gabriel Marcel e Teilhard de Chardin. Nesse período, o jornalismo e suas questões intelectuais passaram a absorver sua atenção de forma mais intensa do que a política nacional.
Em sua nova cidade, o belga, porém, vivia com a polícia política do regime em seu encalço. Meses antes, em novembro de 1967, já havia sido mencionado por Pompeu da Silva Oliveira, inspetor do Departamento Federal de Segurança Pública (DESP), em um inquérito policial militar da Segunda Auditoria da 1ª Região Militar que apurava atividades subversivas na classe estudantil, com destaque para a AP. Junto a ele, foram citados outros 29 estudantes, incluindo Valdo César e Lincoln Bicalho Roque.
Com o tempo, a repressão ditatorial e a censura passaram a ameaçar sua atividade profissional, por conta do antigo e atual processo que sofrera por subversão. Com isso, aceitou o conselho de amigos e, menos de um ano depois, precisou deixar São Paulo, com receio de ser preso novamente. Com a promulgação do Ato Institucional nº 5, tornou a sair do país pela segunda vez em dezembro de 1968. Meses após sair do país, o jornalista recebeu mais denúncias por subversão.
De São Paulo, retornou novamente à França. Em Paris, dedicou-se ao trabalho jornalístico com mais energia, ao passo que estava cada vez mais atento para o que estava acontecendo no continente e no mundo, ambos efervescidos pelos acontecimentos globais vistos no ano de 1968.
Nesse cenário, publicava suas análises e reflexões sobre a atualidade em periódicos franceses, com destaque para suas notáveis contribuições no Le Monde sobre uma revolta violenta de estudantes na UCL, sua antiga Universidade. Além disso, também seguia publicando suas percepções sobre diversas esferas da América Latina, incluindo o artigo intitulado “L’extermination des Indiens” [“O extermínio dos Índios”] sobre o genocídio indígena que foi publicado em 1969 na revista Jeune Afrique.
Em meio a isso, um simples encontro mudou sua vida para sempre. Em um dos seus dias na Europa, o jornalista belga foi procurado por um amigo do comunista veterano Carlos Marighella, que pediu sua ajuda para a divulgação da luta do líder revolucionário na região, enquanto seu porta-voz no continente. Devido ao seu histórico militante e por falar francês, seu trabalho seria levar ao conhecimento dos europeus a situação brasileira, assim como denunciar as torturas do regime e, com isso, explicar por que Marighella havia escolhido a luta armada de tendência guevarista como estratégia política.
Da cidade parisiense, planejou, assim, uma de suas maiores peripécias, que, em pouco tempo, transformar-se-ia em uma de suas mais importantes contribuições para a política brasileira. Entre julho e agosto de 1969, o jornalista cruzou o Oceano Atlântico e foi ao Uruguai fazer uma reportagem sobre a situação política do Brasil para a revista trotskista francesa Front, antigo periódico mensal de informação política internacional. O seu principal objetivo, no entanto, era entrevistar Marighella para o veículo europeu.
Para possibilitar o encontro, o belga, que já havia sido expulso do território brasileiro em 1967 pelo governo militar, entrou no país de modo clandestino, com apoio logístico fundamental de frei Betto, que havia obtido ajuda de Detrez para receber sua carteira de identidade falsa com o nome de Ronaldo Matos. Retornou do Uruguai via São Leopoldo (RS) e se reuniu com o clérigo, que o auxiliou a agendar a entrevista em sigilo. Em sua partida, deixou cerca de 500 pesos com o frei, considerando que não os necessitava mais, quantia que Betto depois repassou para um outro militante que se dirigia ao Uruguai (FREIRE; SYDOW, 2017).
Com o codinome Domingues, Detrez, aos 32 anos, foi levado de carro para São Paulo pelo frei Ivo. Chegando em seu destino, conseguiu realizar a esperada entrevista em outubro de 1969, um mês após o clássico sequestro do então embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Charles Burke Elbrick (1969-1970), o que tornou o entrevistado conhecido na Europa. O encontro aconteceu no Colégio Rainha da Paz, no Alto de Pinheiros, bairro nobre paulistano, e foi intermediado por dominicanos do estado, sob a liderança de frei Betto.
O longo diálogo discorreu sobre pontos que, até então, uniam as histórias de vida tanto do entrevistador quanto do entrevistado, como, por exemplo, o papel da Igreja no Brasil, a ditadura civil-militar brasileira, os movimentos revolucionários nacionais e internacionais e as influências políticas das Revoluções Cubana e do Vietnã. Além disso, o líder baiano também expôs sua expectativa para a frente rural como uma continuidade da guerra revolucionária no Brasil. Ao final do encontro, Domingues recebeu textos do guerrilheiro.
No dia seguinte da entrevista, os contatos clandestinos do jornalista belga em São Paulo aconselharam-no a deixar o país o mais rápido possível (BETTO, 1993). Domingues retornou às pressas a Paris. De testemunha privilegiada das ações da esquerda radical brasileira, o jornalista, que “[...] provavelmente nunca soltou um tiro [...]” (DAERDEN, 2014, p. 70) por conta de seus traumas de infância, arriscou sua vida para fazer ecoar a principal voz da resistência antiditatorial brasileira no exterior europeu.
Contando com a condução de Conrad Detrez, essa foi a primeira – e, infelizmente, última – entrevista concedida por Carlos Marighella, até então também líder da organização clandestina Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), a um jornal europeu (RIBEIRO, 2016). Poucos dias depois, o revolucionário baiano foi brutalmente assassinado pela polícia brasileira, tendo sido pego em uma emboscada e abatido em 4 de novembro de 1969.
A entrevista exclusiva foi publicada, de modo integral, pelo enviado especial no periódico francês um mês após a realização da entrevista, quando o entrevistado já estava morto. A conversa foi publicada em novembro de 1969, sendo condensada no terceiro número da revista Front, com o título “Le Brésil sera un nouveau Vietnam” [“O Brasil será um novo Vietnã”].
Em futura conversa com a jornalista brasileira Rosa Freire D’Aguiar, o entrevistador belga falou sobre como se deu esse encontro e também relatou o que mais o impressionou em Marighella tanto ao longo da entrevista quanto em sua militância intelectual e política no Brasil:
Primeiro, o aspecto físico e a tal peruca; essa incrível peruca de um jovem, quando ele tinha mais de cinquenta anos, era muito mal colocada, preta, caindo por cima das sobrancelhas. Meu encontro com Marighella foi em fins de outubro de 1969, numa época de extrema tensão. Daí a peruca, mas ela chamava muito mais atenção do que disfarçava. A segunda impressão foi sua coragem intelectual. Ele tivera a coragem de rever as posições da esquerda brasileira que julgava improdutivas, principalmente as do PCB, e rompeu com o partido. E a coragem física. Era um homem extremamente atrevido, participava de atos perigosos com uma valentia incrível. Passei um dia com ele, e no dia seguinte Marighella enviou-me um recado dizendo que a situação de todos nós estava profundamente ameaçada, que o cerco da repressão apertava. Ele acabava de receber informações sobre a prisão de companheiros que me tinham levado a ele. Pedia-me para sair urgentemente do país. Poucas horas depois eu peguei um avião. Uma semana depois, no dia 6 de novembro, Marighella morria (DETREZ, 1978 apud D’AGUIAR, 2023, p. 124, grifos nossos).
A morte do guerrilheiro reverberou pelo mundo, gerando ondas de protesto por conta da execução política. A Bélgica, país de origem de Detrez, foi um dos palcos dessas manifestações, conforme relatado por Christiaens (2013). Um grupo de estudantes lançou um coquetel molotov nas ruas de Bruxelas. Enquanto isso, em Antuérpia, cerca de vinte ativistas jogaram documentos pela janela do consulado brasileiro antes de serem detidos pela polícia. Não seria leviano considerar que a memória de Marighella foi promovida entre os estudantes por seu biógrafo compatriota, Conrad Detrez.
Quatro meses depois, a célebre entrevista também foi reunida pelo entrevistador em Pour la libération du Brésil (1970). Publicado em março de 1970 pela editora Seuil, o livro condensou esse e outros textos traduzidos do militante brasileiro, além de documentos inéditos da ALN e o clássico Manual do Guerrilheiro Urbano (1969). O organizador também escreveu um breve relato da trajetória política do revolucionário baiano a partir do panorama político do Brasil.
A primeira edição do livro, porém, foi alvo de censura e perseguição na França. Dias após a publicação, Raymond Marcellin[13] utilizou um decreto de 6 de maio de 1939, acerca das necessidades da defesa nacional, e publicou uma normativa no Diário Oficial de 6 de março de 1970 proibindo a venda e ordenando que a polícia confiscasse a edição, com a justificativa de que ela poderia incentivar jovens a promover violência contra o poder. A editora Le Seuil foi processada.
Segundo entrevista concedida para Rosa Freire D’Aguiar, o próprio tradutor da obra, Conrad Detrez, que havia saído do país, comentou que circulou uma versão extraoficial no país de que a proibição e as medidas tomadas pela polícia francesa contra certos exilados, incluindo o próprio belga, teriam sido decididas em troca de uma venda de aviões Mirage franceses ao Brasil (D’AGUIAR, 2023).
A proibição arbitrária do governo francês reverberou pelo mundo, chegando a ser noticiada uma semana depois no Diário de Notícias (RJ), um jornal diário e matutino de posição política dúbia que circulou no Rio de Janeiro de 1930 a 1974. Em poucas linhas, o periódico informava a proibição da venda e publicidade da coletânea de textos de Carlos Marighella, alcunhado de ex-deputado comunista brasileiro.
O uso autoritário desse dispositivo legal, entretanto, gerou o efeito contrário na França: em maio, poucas semanas após o assassinato de Marighella, o livro retornou às livrarias, mas agora com o patrocínio das 21 principais editoras francesas, que passaram a estampar seus nomes na capa[14]. O governo nada pôde fazer, pois não iria processar as editoras mais importantes do país. Segundo o jornalista Elio Gaspari (2014), essa atitude foi o maior esforço editorial visto no país em torno de assuntos brasileiros.
Tempos depois, a mesma obra também chegou a ser alvo de censura e apreensão no território brasileiro. Segundo entrevista feita por Baptistini (2017), a livreira Vanna Piraccini, fundadora da Livraria Leonardo da Vinci no Rio de Janeiro, chegou a ser convocada a comparecer à sede do Destacamento de Operações de Informação do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) para prestar esclarecimentos sobre um exemplar da obra que foi enviado a ela e confiscado na Alfândega (PIRACCINI, 1998).
No mesmo mês da publicação, o jornalista belga também chegou a ser denunciado pelo promotor José Manes Leitão no Conselho Permanente de Justiça da 1ª Auditoria da Aeronáutica como incurso na Lei de Segurança Nacional, sob acusação de ter participado de ações subversivas na AP. Além dele, outros 23 estudantes também foram denunciados, conforme noticiado pelo Correio da Manhã (RJ).
Mesmo com as tentativas de repressão, as ideias da coletânea seguiram circulando. Conforme citado por Betto (2006), uma breve reprodução dessa entrevista também foi reunida, posteriormente, em outro escrito de Detrez: Les noms de la tribu (1981), que foi publicado em Paris pela editora Seuil. A obra foi um ensaio dedicado ao Brasil após a futura confirmação da anistia do autor, que narrou uma de suas últimas viagens ao país e também veiculou reflexões pessoais sobre sua participação clandestina na guerrilha dos anos de 1960.
As premissas de Marighella presentes em Pour la libération du Brésil (1970) também seguiram ecoando ao longo dos anos. Mesmo anos depois, a obra segue como uma importante referência para entendimento de certas consciências políticas desse período brasileiro. Um bom exemplo dessa afirmação foi visto em 17 de abril de 1993, quando a popular revista Manchete (RJ) citou a obra francesa como um dos principais materiais de aprofundamento para saber mais sobre a história da guerrilha brasileira.
Outro caso das ações intelectuais de Detrez nesse período foi a tradução integral do Manual do guerrilheiro urbano (1969), de Marighella, para o francês, a fim de inspirar táticas de luta nas ações clandestinas de outros movimentos europeus. A versão traduzida popularizou-se com o título Manuel du guérillero urbain (1970). A obra foi um importante material de referência para os movimentos mundiais de luta armada, tendo, segundo Sommier (2009), suas ideias vistas em países como Japão, Estados Unidos, Itália, Alemanha e Irlanda.
A partir dessas traduções, o belga alcançou uma notoriedade em âmbito internacional, gerando inúmeros novos contatos e possibilitando-lhe conduzir diversas atividades em alguns países, como Bélgica, França, Argélia e Alemanha. Neles, participou de conferências, ministrou cursos e realizou viagens em que discutia regularmente as formas europeias de protesto e os desafios enfrentados na América Latina.
A idealização do início desse movimento de tradução e popularização partiu do próprio Marighella, em vida, que desejava que o ex-seminarista belga divulgasse na Europa os eventos e ações da luta armada no Brasil, assim como o francês Régis Debray fez ao colaborar com a popularização das ideias revolucionárias de Che Guevara. Seu objetivo era reunir uma frente das esquerdas brasileiras a partir de uma linha política mais nacional, como foi realizado, de forma exitosa, por Fidel Castro em Cuba.
Com esses trabalhos, Detrez fez parte da vanguarda que começou a veicular os escritos políticos de Marighella no continente europeu. Segundo Magalhães (2012), foi o filósofo francês Jean-Paul Sartre quem iniciou a publicação dos textos do guerrilheiro na Europa, em 1969, na revista Les Temps Modernes. No final daquele mesmo ano de início das veiculações de seus escritos no continente, o jornalista belga, porém, já conduzia e publicava sua célebre entrevista com o líder revolucionário realizada no Brasil.
Um movimento pioneiro que reverberou pelo mundo. Entre os meses de fevereiro e abril de 1970, alguns textos das duas edições foram traduzidos para a língua espanhola pela Revista Debate no Chile. Já em março do mesmo ano, a última entrevista com Marighella realizada por Conrad Detrez foi traduzida para a língua inglesa por Lizzie Blum e publicada na revista Leviathan (DETREZ, 1970). Iniciou-se, assim, um marco da literatura política de resistência do Brasil para o Ocidente, no qual esses primeiros materiais escritos desempenharam papel de protagonismo.
No ano seguinte, Detrez, em parceria com seu amigo de militância, Márcio Moreira Alves (1936-2009), editou a entrevista e junto a ela publicou uma versão do clássico Manual do Guerrilheiro Urbano (1969) para a língua alemã. A versão foi compilada em Zerschlagt die Wohlstandsinseln der Dritten welt: mit dem Handbuch der Guerilleros von São Paulo (1971). Esse material também contribuiu para disseminar os ideais revolucionários de Marighella na Alemanha.
Mesmo meio século depois de sua primeira publicação, a célebre entrevista segue repercutindo no Brasil, conforme mapeado pelas investigações de Cavalcanti (2020). Em 30 de setembro de 2019, por exemplo, trechos traduzidos do encontro compuseram uma matéria especial de capa da revista Cult, a principal e mais longeva revista de cultura do Brasil. No mesmo ano, a entrevista também foi republicada no livro Chamamento ao povo brasileiro e outros escritos (2020).
Meses depois do último encontro com o líder baiano, o belga seguiu empenhado em ecoar outras vozes brasileiras da resistência na Europa. Nessa direção, traduziu o clássico Revolução dentro da paz (1968), de Dom Helder Câmara e, assim, foi, mais uma vez, pioneiro em publicar, pela editora Seuil, o título Révolution dans la paix (1970) – um livro que, mesmo escrito por outro autor, reunia uma veia revolucionária com uma base religiosa, bem similar aos moldes da trajetória de vida de Conrad Detrez enquanto esteve no Brasil.
A obra traduzida reuniu uma coletânea inédita de discursos e escritos do bispo brasileiro no âmbito internacional. Nesse sentido, a importância do pioneirismo de sua publicação reside na possibilidade de reverberar uma visão do Brasil e de uma leitura do subdesenvolvimento na Europa, além de ecoar mensagens inspiradoras, reformistas e educativas do próprio clérigo.
De acordo com Christiaens (2013), a tradução desse livro também contribuiu para ressoar os atos institucionais de repressão vistos no Brasil entre grupos católicos do continente europeu. Nesse cenário, a figura progressista, democrática e legalista de Dom Helder Câmara ganhou, aos poucos, popularidade na Europa, chegando até a fazer uma visita à Bélgica em julho de 1973 para realizar um apelo para lideranças religiosas combaterem a violência política no país.
Nesse contexto, a coragem e o empreendimento tradutor de Detrez abriram caminho para que diversas publicações internacionais pudessem ser feitas dos textos dos opositores da ditadura, como foi o caso de Carlos Marighella e Helder Camara. Com isso, o jornalista passou a ser um dos principais canais de divulgação das ações revolucionárias da ALN no continente europeu, o que foi fundamental para dar visibilidade a esse movimento e ao que estava acontecendo no Brasil.
Em entrevista concedida à Feijó (2011), Magno José Vilela, ex-frade dominicano exilado na Europa nos anos 1970, destaca que foram justamente os relatos do escritor belga na França que contribuíram para evidenciar a repressão ditatorial brasileira à ala progressista da Igreja Católica em âmbito internacional, mesmo em um cenário de dificuldade de se obter notícias do que estava acontecendo no país e de difamação doméstica voltada aos frades pertencentes à Ordem de São Domingos.
Em seu exílio, o belga transformou-se, assim, em uma das mais importantes vozes de denúncia das atrocidades cometidas pela ditadura civil-militar no Brasil. Nesse cenário, mesmo com as dificuldades em publicar textos nacionais acerca do cenário político brasileiro, segundo Sizilo (2017), a realidade ditatorial e a resistência guerrilheira no território brasileiro puderam ser ecoadas pelo mundo, sobretudo a partir de suas palavras traduzidas e publicadas na Europa.
Meses depois, essas e outras histórias silenciadas foram consolidadas pela belga em seu livro Les Mouvements révolutionnaires en Amérique latine (1972), uma breve síntese de movimentos de resistência vistos no continente. Em pouco mais de cem páginas, a obra se dedica a demonstrar que os conflitos contemporâneos seriam, de certa forma, uma continuação das lutas lideradas por Simón Bolívar no passado. Nesse contexto, o ideal bolivariano de independência e unificação continental poderia continuar sendo garantido, nos dias de hoje, pela influência de líderes como Fidel Castro, Che Guevara e Carlos Marighella.
Considerando o período de 1955 e 1970, o autor enumera 27 movimentos do que chamou de “principais movimentos de libertação”, ou seja, as organizações mais representativas dos movimentos de guerrilha, sejam rurais ou urbanos, vistos no continente latino-americano nesse período. A partir desse compêndio, a obra oferece uma análise ampla, abrangente e comparada da história da resistência política da América Latina, considerando múltiplas experiências.
Visando disponibilizar um inventário para o grande público, o autor realiza avaliações individuais das lutas revolucionárias ocorridas em cada uma das repúblicas latino-americanas, enquadrando-as em um amplo panorama histórico, no qual o colonialismo, o nacionalismo e o imperialismo se entrelaçam. Devido a sua linguagem acessível e popular, o livro atingiu seu objetivo, pois possui mérito na apresentação objetiva dos fatos, bem como em sua interpretação clara e concisa, que envolviam movimentos bolivarianistas, castristas, guevaristas, tupamaros, entre outros.
A antologia denunciava, assim, as injustiças sociais, os fascismos e os imperialismos dos quais este continente é vítima e, com isso, representava um apelo à luta revolucionária. Nesse contexto, o livro testemunhava as esperanças que o autor nutria pelo continente. Para Detrez, o Brasil e a América Latina como um todo – mesmo em menor escala – possuíam um grande potencial de representar um futuro possível para o continente europeu (LEFERE, 2001).
A coleção, porém, recebeu algumas críticas teórico-metodológicas de Paul-Yves Denis, importante geógrafo canadense de formação doutoral em Filosofia pela Universidade Nacional de Cuyo (UNCuyo). Essas críticas, por sua vez, foram publicadas em forma de resenha na revista francófona Études internationales e estão relacionadas a certas escolhas de abordagem do autor, como pode ser observado no trecho abaixo:
L'inventaire systématique auquel il se livre dans un style heurté, parfois presque télégraphique, le situe cependant plus près du pamphlétaire que de l'analyste. [...] il faut déplorer, étant donné la valeur de l'exposé, que certains faits dégagés de leur contexte, certains jugements a priori acquièrent dans le récit une importance discutable. [...] Au Brésil, il aurait fallu insister davantage sur l’apolitisation et l'apathie des masses, le contrôle de la presse, la fascination d'un système appuyé par une minorité profitant du boom économique, qui renforce constamment ses positions en s'assurant que toute opposition officielle ou non soit dans l'impossibilité de s'organiser [O inventário sistemático que ele realiza num estilo conflitante, às vezes quase telegráfico, o coloca mais próximo do panfletário do que do analista. [...] devemos deplorar, dado o valor da apresentação, que certos fatos retirados de seu contexto, certos julgamentos a priori adquirem uma importância questionável na história. [...] No Brasil deveria ter havido mais ênfase na apolitização e na apatia das massas, no controle da imprensa, no fascínio de um sistema apoiado por uma minoria que lucra com o boom econômico, que fortalece constantemente suas posições assegurando que qualquer oposição, oficial ou não, seja incapaz de se organizar] (DENIS, 1972, p. 375).
Mesmo com críticas, o jornalista belga foi, aos poucos, transformando-se em referência para assuntos ligados à economia e política em âmbito ocidental. Entre 1971 e 1972, dois de seus artigos de opinião publicados em periódicos franceses, como Le Monde e Esprit, chegaram a ser citados no Diário de Pernambuco (PE) e Jornal do Commercio (RJ) como embasamento para argumentos em torno de multinacionalismo e subimperialismo.
Dentro dessa lógica de tratar sobre assuntos interditos, Detrez, mesmo em sua timidez (DAERDEN, 2014), também se destacou como um certo defensor da causa homossexual na Europa, um continente que, apesar das convulsões morais que o agitaram a partir do final dos anos 1960, ainda permanecia desesperadamente conformista com certas questões e preconceitos.
Além do campo jornalístico, político e social, Detrez também foi fundamental para a reativação e/ou início da circulação de obras literárias brasileiras na Europa, com destaque para textos clássicos de Jorge Amado, Clarice Lispector, Antônio Callado e Carolina Maria de Jesus. Para isso, o belga desempenhou um importante papel de tradutor, crítico, comentador e divulgador da literatura brasileira no exterior, mesmo com a presença de certos cenários adversos percebidos no continente europeu. O belga se sustentou traduzindo diversas obras brasileiras.
Entre os anos 1959 e 1970, um cenário de divergências político-ideológicas de Jorge Amado com o Partido Comunista Brasileiro (PCB) gerou uma animosidade e consequente falta de apoio do Partido Comunista Francês (PCF), o que, atrelado a mudanças estéticas em sua produção narrativa, fizeram com que as novas obras amadianas não fossem traduzidas e publicadas em massa no país.
No começo da década, entretanto, Conrad Detrez deu um fim a um hiato de mais de dez anos no mercado editorial francês com relação à publicação de novos romances de Amado. Em 1970, o belga traduziu o clássico Os pastores da noite (1964) e, assim, publicou, pela editora Stock, a obra Les Pâtres de la nuit (1970) – uma ficção de três partes que acompanha os conflitos sociais, raciais e políticos em torno de prostitutas, boêmios, vigaristas e a comunidade notívaga de Salvador (Bahia).
Nesse conturbado cenário, é importante pontuar o pioneirismo de Detrez em ser um dos primeiros intermediários transnacionais da obra amadiana na Europa Ocidental. Antes de Les Pâtres de la nuit (1970), Lourenço de Abreu (2014) aponta que a obra do escritor baiano nunca havia sido objeto de nenhuma edição belga, nem na Bélgica francófona nem na Bélgica holandesa. Nos anos 1970, um tradutor de Liège residente de Paris mudou essa situação e cravou seu nome na história literária brasileira.
De início, a publicação da edição de Detrez já ganhou repercussão em periódicos europeus. Em 31 de agosto de 1970, Le Figaro trouxe um breve resumo do título. Já em 19 de setembro, a edição do Le Monde relatou a novidade da obra, o que foi replicado pelo L’Express entre os dias 28 de setembro e 4 de outubro. Nos anos seguintes, La Relève, jornal de tendência cristã progressista, convidou, em 14 de abril de 1978, o tradutor para comentar o impacto da obra em longo prazo, quando o livro foi editado e publicado em brochura.
Devido à sua repercussão, a tradução foi responsável por reiniciar o movimento de edições e novas traduções das obras de Jorge Amado na França, o que estava paralisado no país desde o ano de 1959. Entre 1970 e 1998, a versão foi republicada outras seis vezes pela Stock, incluindo mudanças das imagens da capa, inclusões de glossários e inserções de uma biobibliografia do autor.
Nesse cenário, o empreendimento de Detrez também guiou e incentivou a mesma editora a publicar outras obras amadianas em solo francês, como destaque para Gabriela, girofle et cannelle (1971), Les Deux Morts de Quinquin-la-Flotte (1971) e Dona Flor et ses deux maris (1972), porém com apoio de outros tradutores, como Georgette Tavares-Bastos e Alice Raillard.
O esforço tradutor do belga fez com que, assim, ressurgisse um novo interesse do mercado editorial francês em torno da literatura amadiana, após mais de uma década de hiato. Nesse contexto, sua ação pioneira pode ser observada como fundamental para o recomeço da circulação da produção do escritor nordestino não só na França, mas em boa parte do território europeu. Desse modo, Lemos dos Santos (2018) pontua que
Após a publicação de Les Pâtres de la Nuit, em 1970, não houve mais interrupção nas edições e publicações das obras de Jorge Amado na França. As traduções se sucederam regularmente, podendo ser contadas 24 obras de 1970 a 1996. Considerando que a publicação de um livro deve ser, a princípio, rentável para o mercado editorial, podemos avaliar que, a partir dos anos 1970, as obras amadianas voltaram às prateleiras das livrarias e recaíram no gosto do leitor comum. Na década de 1970, foi visivelmente a editora Stock que iniciou a movimentação editorial das obras de Jorge Amado no território (LEMOS DOS SANTOS, 2018, p. 69, grifos da autora).
Conrad Detrez contribuiu, assim, para que o idioma francês fosse uma das únicas línguas, junto com o espanhol, na qual a obra amadiana foi traduzida integralmente (DURAND, 2010). Suas ações de tradução foram recebidas com grande interesse e estima pelo amplo público francês. As palavras traduzidas pelo belga contribuíram para consolidar a presença desse autor brasileiro na cultura francófona, deixando um legado literário admirável no país.
Em um contexto conturbado no Brasil, a escolha da obra de Jorge Amado a ser traduzida e publicada em solo europeu não foi à toa e nem feita sem pretensão. Os interesses de Detrez guiaram sua mobilização. Segundo a visão do tradutor, seria fundamental divulgar uma narrativa que apresentasse os reais enfrentamentos sociais e os laços comunitários que intercruzavam a vida dos brasileiros, como é o caso de Os pastores da noite (1964).
Antes mesmo de ser expoente e divulgador da obra de Amado pelo mundo, o belga foi tomado, atravessado e inspirado pela sua literatura. Era comum Detrez chamar Amado de “o Balzac ou Simenon da literatura brasileira” (DETREZ, 1978c), em referência aos clássicos Honoré de Balzac e Georges Simenon, dada a sua grande admiração pelo escritor. Ele se encantou pelo barroco brasileiro, que era representado pelo lirismo, pelo humor, pelo realismo social e pela acusação contra a ordem social vistos nas obras de Jorge Amado.
Nos campos social e político, as obras amadianas representavam, para o próprio Detrez, a verdadeira encarnação de uma forma pragmática de realismo socialista, “à cause de la réalité trouvée sur place, si riche, si drôle, si tragique, si bouleversante que l’idéologie a volé en éclat” [“por conta da realidade ali encontrada, tão rica, tão engraçada, tão trágica, tão comovente em que a ideologia foi estilhaçada”] (DETREZ, 1977, p. 620). Em sua visão, as características amadianas de crítica sociopolítica, combate ao autoritarismo e engajamento político transcendiam as fronteiras literárias para se tornarem uma poderosa expressão da complexidade social e política, o que capturava a essência do Brasil de maneira singular e impactante.
Além disso, por meio do barroco amadiano, Detrez pôde, antes de tudo, ressignificar seu próprio passado nos campos da Bélgica. Durante as décadas de 1940, sua terra natal era um país fortemente barroco tanto na sua cultura quanto nas suas formas de fazer as coisas. Ao chegar no Brasil, esse estilo de vida passou a ser negado pelo belga durante seus primeiros meses (QUAGHEBEUR, 2010). Com o tempo, todavia, ao reconhecer-se como indivíduo e como escritor, redescobriu o que havia de mais fértil no património literário belga: o barroco, a imaginação requerida, a multiplicação de pontos de vista e de personagens (QUAGHEBEUR, 2014).
Nesse cenário, o território brasileiro, bem como a sua literatura e sua cultura, foi o lugar onde se tornou possível o (re)encontro com seu passado e sua metamorfose no tempo presente para o escritor. Em meio a esse longo processo, o trabalho de tradução das 429 páginas de Os pastores da noite (1964), certamente, desempenhou um importante papel de transformação em sua trajetória de vida, tanto em relação à sua infância na Europa quanto ao que almejava para seu futuro.
Por conseguinte, a influência e admiração por Amado foram reverberadas na literatura do belga, mesmo que ele nunca tenha reconhecido explicitamente essa relação direta (QUAGHEBEUR, 2014). Uma prova desse intercâmbio inegável é o trabalho de Durand (2010) que, ao analisar as múltiplas ligações entre as obras de Amado e a França e seu escritores, lista uma sequência de onze autores francófonos que, de certa forma, foram influenciados pela escrita, temática e estilo amadianos, seja de forma consciente ou não, incluindo Conrad Detrez, que até chega a mencionar o seu encantamento por Amado no capítulo dedicado a Salvador da Bahia, em seu futuro ensaio dedicado ao Brasil, Les noms de la tribu (1981).
Com Les Pâtres de la nuit (1970), o jornalista, em sua face tradutora, visava publicizar e internacionalizar as questões sociais e raciais do Brasil, com o intuito de, antes de tudo, contribuir na continuidade da exportação da cultura popular brasileira para a Europa. A sua tradução foi republicada em outras duas versões pela editora Le livre de poche em 1978 e 1998. A primeira versão da obra chegou a ser elogiada pelo próprio Jorge Amado em uma carta direcionada para o tradutor belga (DAERDEN, 2014).
Além de Amado, Conrad Detrez também contribuiu para a repercussão da literatura de Clarice Lispector na França. Com 14 anos de diferença para o primeiro livro traduzido da autora brasileira, o interesse francês pelas obras de Lispector passou por um longo hiato entre os anos de 1954 e 1970. Na década seguinte, a tradução de dois títulos mudou esse contexto e reativou o interesse pela escrita clariceana: Le Bâtisseur des ruines (1970) e La Passion selon G.H. (1978).
Em relação à segunda obra, a repercussão na mídia francesa foi imediata, sobretudo a partir de uma contribuição de Detrez (1978c). No dia 19 de outubro de 1978, o crítico literário publicou uma apresentação da tradução francesa de A Paixão Segundo G.H. (1964) no periódico Le Matin de Paris – uma apresentação que, nas palavras de Pereira (1995, p. 112), soou “[...] como uma sismografia do que há de mais humano”.
Conrad Detrez também foi tradutor de Antônio Carlos Callado, o qual conhecia pessoalmente, na França. Traduziu Quarup (1967) para francês, um romance central do autor brasileiro que narra a história de um padre protestante interessado na cultura indígena em meio à ditadura brasileira. “Trabalhei 1 mil 500 horas para verter Quarup” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25). Em 1971, publicou, assim, Mon pays en croix (1971) pela editora parisiense Seuil.
A escolha dessa obra em específico para tradução também não foi feita despretensiosamente, segundo Riaudel (2017), uma vez que o livro acaba se assemelhando com as mesmas rupturas e descobertas do antigo seminarista belga no contato com as possibilidades do Brasil dos anos 1960, o que contribuiu para refletir sobre sua própria experiência e envolvimento com a cultura brasileira.
Por fim, Detrez também contribuiu para a volta da circulação da principal obra de Carolina Maria de Jesus na França. Após cinco anos de seu desaparecimento, Le Dépotoir (1962), a tradução de Quarto de Despejo (1960), foi relançada pela editora A. M. Métailié. Após o lançamento da obra, o crítico literário belga teceu grandes elogios à abordagem da autora, o que, certamente, contribuiu para o retorno da distribuição do livro em vista de sua grande respeitabilidade na área.
Ao passo que foi inspirado pela cultura popular brasileira, o jornalista também foi um dos seus grandes expoentes, como se viu em torno da obra de Amado, Lispector, Callado e Carolina Maria. Nesse cenário, se a literatura brasileira influenciou na formação do homem e do escritor Detrez (OLIVIERI-GODET, 1996), parte de sua popularização europeia na segunda metade do século XX veio das mãos de uma de suas maiores criaturas, o belga Conrad Detrez.
O trabalho de tradutor e crítico de Detrez, portanto, não só permitiu que os leitores franceses pudessem ter acesso a essas leituras do Brasil, mas também desencadeou um efeito duradouro de influência literária, como pode ser evidenciado pela análise de Durand (2010) e Pereira (1995). Eis aqui um elo inestimável na difusão da literatura brasileira na França, em que Detrez pôde contribuir com suas palavras traduzidas e críticas.
A década de 1970 continou sendo um período de diversas transformações na trajetória transnacional de Conrad Detrez pelo mundo, levando a ser conhecido como escritor. Nesses próximos anos, a sina desbravadora do belga alcançou novos países e continentes. Essa guinada foi possibilitada por um movimento interno de autolibertação e empoderamento, logo após sua experiência revolucionária no Brasil. Segundo Schulmann (1985), um dos segredos da construção de sua autonomia foi o seu desapego de bens materiais, que foi visto justamente nesse período de transição em sua vida. O belga seguiu, todavia, lutando pelo o que acreditava e, com isso, pôde impactar novas sociedades e culturas.
Devido à intensificação da oposição que começou a enfrentar em Paris, o jornalista Conrad mudou-se para a Argélia pela segunda vez no ano de 1970, passando a ocupar um cargo docente em um colégio provincial. A seleção deste país não foi aleatória; de fato, era em sua capital, Argel, em que se situava o quartel-general da resistência brasileira no norte da África, onde chegou a ser criada a Frente Brasileira de Informação (1969-1973). Uma nova ruptura com uma Europa que começara a lhe inspirar apenas aversão e contentamento.
Porém, com o dinheiro que recebeu de direitos autorais da entrevista com Marighella, conseguiu comprar um pequeno apartamento de cobertura às margens do rio Sena, localizado no centro de Paris, após seu contrato ter sido encerrado no norte da África. Anos depois, frei Betto o visitou em 1980, quando ele esteve pela primeira vez no continente europeu, e, conforme entrevista do Anexo A, relatou que o belga estava inteiramente absorvido pela literatura.
Nesse mesmo período, também viu a violência ditatorial tomar conta de seu legado no Brasil, em que a repressão entrava em sua fase mais rígida. Denúncias antigas culminaram na instauração de mais um inquérito policial militar sobre a tentativa subversiva de reorganização do Partido Comunista e reativação da AP entre 1965 e 1967, por meio de impressos, estudos, planos e reuniões. Com apoio da Marinha, o inquérito foi instaurado pelo Exército após denúncias de autoridades policiais do Rio de Janeiro, apontando Detrez como um dos elementos de ligação político-ideológica da AP com o setor internacional.
Dois anos depois, em 16 de fevereiro de 1971, o ex-seminarista foi levado a julgamento perante o Conselho Permanente de Justiça da 2ª Auditoria da 1ª Circunscrição Judiciária Militar. O juízo foi orientado pelo auditor Helmo de Azevedo Sussekind e a acusação pelo promotor Walter Wigderowitz, que gozava dos artifícios repressivos do artigo 36 do Decreto-Lei nº 314/1967 e o artigo 37 do Decreto-Lei nº 510/1969, com base em inquérito policial militar instaurado anteriormente pelo DOPS. A sessão iniciou às 13h e durou mais de nove horas, terminando às 22h.
No dia seguinte, a sentença pública: condenação. Dois oito julgados, a servidora Amélia Maria Mayall Guillayn e os estudantes Maria Olivia das Chagas e Silva, Eudóxio Rodrigues de Abreu, Ana Maria Galeno Michcovitch foram condenados a um ano de reclusão, enquanto o professor Conrad Detrez a dois. Apenas os dois primeiros estudantes e outros absolvidos compareceram ao julgamento, enquanto o restante foi julgado à revelia, incluindo o belga.
Três anos depois, o Conselho Permanente de Justiça, em julgamento do dia 16 de abril de 1974, decidiu absolver os acusados nesse e em outros processos em torno da AP, incluindo o professor belga. Em fevereiro do ano seguinte, a promotora Maria José de Carvalho Salvador, da 2ª Auditoria da Marinha, chegou a recorrer da decisão junto ao Superior Tribunal Militar (STM). O Jornal do Brasil (RJ) noticiou esses dois casos para a ampla população.
Durante esse período turbulento, Detrez viveu breve estadia na França, porém decidiu voltar a residir em Bruxelas, ao final de 1971. Morando novamente na capital da Bélgica, o autor envolveu-se em projetos de cunho pessoal, ao passo que iniciava sua desilusão com a política, mesmo com seus contatos frequentes com o entusiasmo de estudantes brasileiros nas Universidades de Lovaina e Bruxelas. “L’idée de dire la vie, ma vie, a remplacé Le désir de refaire le monde” [“A ideia de contar a vida, a minha vida, substituiu a vontade de refazer o mundo”] (DETREZ, 1978 apud DAERDEN, 2003, p. 37).
Em comparação com seu passado de carnaval político diário, cheio de reviravoltas e rumores contraditórios, a Bélgica dos anos 70 soou como distante, sem graça, monótona e sem interesse. Diferentemente de outros países, a sociedade belga não produziu nenhum acontecimento impactante no período. No máximo, gerou eventos esparsos, de interesse e escala puramente local.
Segundo Daerden (2003), é datado desse período a primeira vez que o jornalista belga começou a fazer uma avaliação mais crítica dos movimentos revolucionários que fez parte direta ou indiretamente, percebendo que haviam agido precipitadamente e com um aventureirismo equivocado da juventude. Depois das prisões, das torturas, dos assassinatos e do desmantelamento das organizações de resistência, Detrez começou a se questionar se utilizaram o método adequado ou se deveriam ter procedido de forma diferente.
Ademais, ao ser condenado a dois anos de prisão pelo governo ditatorial brasileiro, o jornalista belga também enfrentou uma crise moral. Aos trinta anos, não desfrutava de certa estabilidade financeira. Atrelado a isso, perdera a fé e sua confiança na viabilidade de uma revolução política mundial diminuíra. Por fim, sua homossexualidade marginalizava sua existência na sociedade europeia conformista da época. “Dos 30 aos 32 anos vivi uma crise muito intensa e procurei a saída do túnel. Era uma sensação de morte física e de todas as minhas aspirações da juventude” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
No começo dos anos 1970, atormentado pela sua desilusão com a revolução e desconfortável em uma sociedade ainda resistente ao amor homossexual, Detrez encontrou conforto em Sigmund Freud (1856-1939) e em suas teorias psicanalíticas. Enquanto questionava a si mesmo e o mundo ao seu redor, o belga iniciou sua jornada na escrita autoficcional[15], enquanto um exercício espiritual e ascético para atender a si mesmo. “Besoin de me connaître, d’exorciser mes démons, de découvrir les racines de mes rébellions, d’où auto-analyse, d’où vertu thérapeutique de l’écriture, d’où catharsis” [“Preciso me conhecer, exorcizar meus demônios, descobrir as raízes das minhas rebeliões, daí a autoanálise, daí a virtude terapêutica da escrita, daí a catarse”] (DETREZ, 1980 apud BARROSO, 1980).
Além disso, o belga, futuramente, também comparou seu ato intimista de escrever sobre si mesmo como o da jardinagem, uma paixão antiga que conectava seu novo “eu” com uma lembrança afetiva de sua infância impostada do baldinho, do ancinho e da pá ao lado de sua mãe, Marie Catherine, e de avô, Gauthier em Roclenge-sur-Geer, conforme metáfora tecida em 1978, no Le Figaro:
Mon univers est posé, mes territoires délimités, mes obsessions arrêtées. Ils arrivent tout droit de la vie. Je plonge mes racines dans l’humus autant que dans les livres. Je suis un poète et une plante. L’écriture, pour moi, tient du jardinage. La littérature est le jardin de la vie. Un jardin fou. C’est là que je pousse [Meu universo está definido, meus territórios demarcados, minhas obsessões fixadas. Eles vêm direto da vida. Eu cavo minhas raízes no húmus tanto quanto nos livros. Sou poeta e planta. Escrever, para mim, é como jardinagem. A literatura é o jardim da vida. Um jardim maluco. É aqui que eu rebento] (DETREZ, 1978b).
Em 1974, publicou seu primeiro conto chamado Ludo (1974), um longo fluxo de prosa experimental que contém um relato fictício de sua infância na Bélgica durante a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). O livro marcou sua entrada na ficção autobiográfica, em meio ao início de suas desilusões políticas com o cenário internacional. Publicou a obra quando tinha 37 anos, após sua atividade como missionário no Brasil e passagem pelas fileiras das guerrilhas que o levaram a experimentar os porões da ditadura.
Na obra, o eu-lírico, aos cinco anos de idade, vive em um pequeno vilarejo perto de Visé, uma cidade belga, no início do conflito mundial, durante uma inundação causada por chuvas torrenciais na região. Enquanto enfrenta a ameaça dos bombardeios da guerra, ele também busca um amigo, enfrentando obstáculos materiais e a vigilância de uma mãe possessiva. Tudo isso traduzido de modo poético e intimista.
A imaginação da criança distorce a realidade, ampliando o mundo ao seu redor. O autor usa exageros e intensidades para descrever a inundação catastrófica e os bombardeios incessantes. Apesar do tom apocalíptico, a narrativa oscila entre tragédia, delicadeza e elementos burlescos. Em linhas gerais, o conto é um amplo poema em prosa, com estilo conciso e imagens marcantes, transcendendo o tradicional romance regionalista ou memórias de infância.
O livro representou a entrada de Detrez no mundo literário, mas também inaugurou sua união da psicanálise com a literatura, bem ao estilo do que seria uma das principais marcas da sua futura literatura, como uma das formas de tentar se reconciliar consigo mesmo novamente. Ao analisar esse aspecto específico da obra, Blanckeman (2017) mostra que os modelos psicanalíticos mobilizados pelo autor atuam de quatro maneiras ao longo da trama: no fundo figurativo, como condutor lógico, como suporte simbólico e como um incentivo linguístico da leitura.
Acerca do uso terapêutico da literatura para o belga, Daerden (2003) ilustra bem as origens desse movimento, como resposta ao aparecimento de desilusões, dúvidas e descrenças em sua vida:
Hij moest weer met zichzelf in het reine komen. Hij wilde nagaan, via de pen, waar dat radicalisme in hem vandaan kwam: zijn emigratie naar Brazilië, zijn verwerping van het geloof, zijn biseksualiteit, zijn engagement in de revolutionaire beweging. Hij zocht niet naar realistische weergaven van gebeurtenissen, veeleer naar de (traumatiserende) uitwerking die ze op hem hadden gehad. Hij hield van het fantastische in de Latijns-Amerikaanse romankunst en dit procédé paste hij gretig toe. Vooral de herinneringen uit zijn kinderjaren baden in een lyrische sfeer en niet ontoepasselijk worden zijn eerste drie romans door de kritiek vaak als “gehallucineerde” autobiografie bestempeld [Ele teve que chegar a um acordo consigo mesmo novamente. Queria descobrir, através da sua pena, de onde vinha o seu radicalismo: a sua emigração para o Brasil, a sua rejeição à religião, a sua bissexualidade, o seu compromisso com o movimento revolucionário. Ele não procurou representações realistas dos acontecimentos, mas sim o efeito (traumatizante) que eles tiveram sobre ele. Ele amava o fantástico no romantismo latino-americano e aplicou esse processo com entusiasmo. As memórias da sua infância, em particular, são banhadas por uma atmosfera lírica e é apropriado que os seus três primeiros romances sejam frequentemente rotulados pelos críticos como uma autobiografia “alucinada”] (DAERDEN, 2003, p. 41).
Nesse novo momento em sua vida, a veia artística de Detrez seguiu pela via literária. Nesse contexto, a política, porém, seguiu ocupando um lugar de destaque em sua literatura ficcional, sobretudo devido aos acontecimentos dissidentes que tomaram o seu país e marcaram sua infância e mocidade. Dessa forma, o romancista evocou os principais marcos da história belga do século XX em suas obras, porém sem ignorar o barroco, a ironia e o escárnio.
Um desses marcos aconteceu quando o escritor vivia o início de sua adolescência. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Bélgica foi tomada por um conflito que ficou chamado de Questão Real. Entre os anos de 1944 e 1950, apoiadores e opositores ao regresso do rei Leopoldo III (1934-1951). Em poucas vezes o país esteve tão próximo da eclosão de uma guerra civil como nesses anos. Esse período, por sua vez, foi marcado por uma série de eventos significativos.
Após a libertação, em 1944, o rei Leopoldo III, que havia permanecido na Bélgica ocupada pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, enfrentou controvérsias devido à sua postura pouco contundente durante a ocupação. O governo belga estava dividido sobre seu retorno ao país, com a esquerda e os liberais defendendo sua abdicação, enquanto que os social-cristãos apoiavam seu retorno. Em 12 de março de 1950, uma consulta popular foi realizada para decidir sobre o exercício dos poderes constitucionais do rei, resultando em 57,68% dos eleitores a favor de seu retorno.
No entanto, as divisões persistiram, especialmente entre as regiões de Flandres e Valônia – essa última terra natal de Detrez. As tensões aumentaram, levando a greves e manifestações, e o exército foi chamado para manter a ordem no país. Em 16 de julho de 1951, Leopoldo III, para tentar conter a crise, viu-se obrigado a abdicar do trono em favor de seu filho, Balduíno, e a monarquia belga permaneceu, apesar das controvérsias. A Questão Real refletiu os conflitos sociais e políticos da época e teve consequências duradouras na sociedade belga.
Acerca desse contexto histórico, Quaghebeur (2012) afirma que são poucos os textos de ficção que estão diretamente relacionados com esses tempos difíceis da sociedade belga. Pouquíssimos ainda são aqueles que estão no centro da grande dinâmica literária do continente. O ensaísta belga divide o momento literário desse período em duas gerações e cita as produções de alguns escritores, como André Malraux, Pierre Mertens, Jean Louvet, Gaston Compère e Conrad Detrez.
Fazendo parte da segunda geração, a literatura de Detrez é mencionada por Quaghebeur (2012) pelas suas contribuições ao resgatar esses acontecimentos. A Questão Real ressurgiu no romance Les Plumes du Coq (1975), em que o eu-lírico, inicialmente em um internato católico na província de Liège, é envolvido no campo leopoldista em meio à sua abdicação em 1951. A obra não pode ser categorizada como um romance histórico, mas, sim, como enraizada em um contexto político específico.
Nesse romance, que sucede Ludo (1974), o narrador, agora com treze anos, enfrenta novas experiências. Este livro difere de seu antecessor em seu tom, que é marcado pela ironia e pela crítica política, em contraste com a inocência presente no anterior. O autor retrata o ambiente insalubre do internato e as contradições do clero, enquanto mergulha nas questões políticas da época, incluindo os tumultos pós-guerra e a oposição à monarquia.
Quanto ao último ponto, o escritor belga relata, de modo ficcional, desgrenhado e barroco, o retorno do rei Leopoldo III à Bélgica no livro da seguinte forma:
Le roi est rentré. Le soleil pleuvait sur les pistes, les verrières, les passerelles de l'Aéroport national. Les enfants des orphelinats catholiques de la capitale brandissaient des gerbes de fleurs jaunes et blanches que les bourrasques suscitées par les hélices du quadrimoteur agitaient, arrachant des nuées de pétales qui fondaient comme des papillons sur la masse argentée des installations. Cinquante-sept fillettes habillées de jupes tricolores se sont avancées, gazouillant, illustrant le score qu'avait fait valoir le souverain pour décider de son rapatriement. Elles se sont tournées, inquiètes, vers les soeurs au moment où sont sortis de l'avion des messieurs vêtus de noir ou de kaki, des messieurs dont aucun n'arborait le visage rose et glabre, auréolé d'or et de bleu pâle, des portraits accrochés au-dessus des tableaux noirs dans eurs salles de classe. Mais les soeurs ont levé l'index, ont battu des mains; deux d'entre elles se sont évanouies sans que les autres se portent à leur secours: derrière les messieurs venait de paraître Sa Majesté. Les fillettes détachaient les derniers pétales de leurs bouquets, les jetaient avec tant de presse et de fébrilité sur les passagers que, lorsque le roi s'en est approché, elles n'avaient plus à lui offrir que des tiges, ce qui remplit de confusion et causa l'évanouissement de trois autres soeurs, mais, comme le rapporta un journaliste de la radio, le roi fut bon prince et huma les tiges [O rei voltou. O sol chovia nas pistas, nos telhados de vidro, nas passarelas do Aeroporto Nacional. As crianças dos orfanatos católicos da capital erguiam coroas de flores amarelas e brancas que as rajadas geradas pelas hélices quadrimotoras sacudiam, arrancando nuvens de pétalas que se derretiam como borboletas na massa prateada das instalações. Adiantaram-se cinquenta e sete meninas vestidas com saias tricolores, cantando, ilustrando a pontuação que o soberano usara para decidir sobre sua repatriação. Elas se viraram, preocupadas, para as irmãs quando cavalheiros saíram do avião vestidos de preto ou cáqui, nenhum deles com rosto rosado e sem pelos, com halos dourados e azuis claros, retratos pendurados acima dos quadros negros em suas salas de aula. Mas as irmãs levantaram os dedos indicadores e bateram palmas; dois deles desmaiaram sem que os outros viessem em seu auxílio: atrás dos cavalheiros Sua Majestade acabara de aparecer. As meninas destacaram as últimas pétalas dos buquês, atiraram-nas aos passageiros com tanta ânsia e entusiasmo que, quando o rei se aproximou delas, só tinham hastes para lhe oferecer, o que as confundiu e causou o desmaio de outras três irmãs, mas, como relatou um jornalista de rádio, o rei era um bom príncipe e cheirava os caules] (DETREZ, 1975, p. 132).
No romance, o eu-lírico é um dos jovens estudantes católicos que se engajam na campanha para o retorno de Leopoldo III ao trono, colando cartazes “SIM” nas ruas. O autor retrata esse episódio com humor: ele e os outros membros do chamado “comando” são tão desajeitados e assustados com a multidão de manifestantes anti-monarquistas que acabam misturando as letras que formam a palavra, tornando a mensagem ilegível. No entanto, o tom muda para o drama quando a polícia reprime violentamente a manifestação em Grace-Berleur.
O livro, em que o autor descreve as complexidades históricas da realidade de seu próprio país, sob a perspectiva de um jovem valão, é verdadeiramente, segundo Daerden (2003), uma sátira perspicaz de várias situações católicas flamengas e uma tentativa de abordar assuntos importantes da Bélgica, mesmo em um contexto em que seu trabalho não tinha o mesmo sucesso em Flandres do que já tinha em algumas regiões francófonas da Europa.
Para isso, o caminho utilizado pelo escritor foi o prisma burlesco e fantástico. A fronteira entre a realidade e a fantasia é tênue - uma abordagem também vista em sua obra futura, La Lutte Finale (1980a), e, posteriormente, em seu último livro, La Mélancolie du voyeur (1986), em que o narrador-autor se torna um agente da memória de sua própria vida, imerso no lendário, na incerteza e na dúvida. Em L'herbe à brûlé (1978a), também há menções à destruição causada pela guerra na Valônia e as influências nas memórias de infância do personagem.
Além do livro citado, Detrez também publicou reportagens jornalísticas ao narrar o regresso do Rei Leopoldo III a Bruxelas na sequência do imbróglio criado em torno da Questão Real. Mesmo em seus textos analíticos, o belga, segundo Almeida (2010), relatou esse acontecimento histórico nacional da forma que mais sabia fazer: a partir de contornos barrocos e burlescos. É inegável que o escritor estava atento para a história e atualidade do continente.
Em 1974, o jornalista foi à Itália para acompanhar in loco a primeira sessão do tribunal Russell II na América Latina, uma conferência em Roma para averiguar as violações aos direitos humanos no Brasil. Durante os encontros no tribunal, conheceu Fernando Gabeira, antigo militante do Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR8) e ex-repórter do Jornal do Brasil. Depois desse primeiro encontro, os dois continuaram contatos por pouco tempo por meio de troca de correspondências.
No mesmo ano, publicou outro pequeno ensaio sobre os movimentos revolucionários na América Latina. Mais uma vez, a escrita ensaística, conforme caracterizada por Adorno (2003), foi utilizada devido ao uso da experiência como substância, à profundidade da escrita sobre o objeto, à valorização da subjetividade e ao seu desapego a dogmas metodológicos de qualquer tradição científica.
Meses depois, o belga saiu, novamente, da teoria para a prática, ao vivenciar uma nova experiência em sua vida. Após suas diversas passagens por Brasil, França, Bélgica, Argélia e Itália, o jornalista aceitou um novo desafio de ser repórter correspondente na capital portuguesa, a fim de cobrir um dos principais acontecimentos históricos da década para uma das principais rádios belgas.
Vivendo em meio à dicotomia do socialismo democrático e da violência revolucionária, o jornalista belga desembarcou em Lisboa para noticiar a Revolução dos Cravos (1974) para toda a Europa. Juntamente com Dominique de Roux, foi um dos raros falantes de francês a testemunhar esse acontecimento (SAENEN, 2016). Mais uma vez, desempenhou um papel de ligação entre diferentes espaços e culturas. Sua habilidade narrativa e analítica transcendeu fronteiras geográficas e culturais, mas trouxe consequências para sua vida.
Para essa função, Detrez renunciou, definitivamente, seu posto de militante e passou a ser correspondente da Rádio Televisão Belga (RTBF), um dos maiores serviços públicos de comunicação francófona da Bélgica, em Portugal. Enquanto esteve em solo português, o jornalista vivenciou as consequências políticas, sociais e culturais do levante popular e militar que encerrou o período salazarista no país, e das independências das colônias portuguesas localizadas em África.
A mudança de ares gerou a possibilidade de que o jornalista não rompesse definitivamente com a ação direta, mesmo em seu ceticismo crescente. “Pour la gauche européenne, ce pays était devenu un pôle d’attraction. Pour les Brésiliens de l’exil, une patrie. La nation de Camoens et de Pessoa s’exprimait en outre dans ma seconde langue; et c’était le berceau de ma seconde culture” [“Para a esquerda europeia, este país tornou-se um pólo de atração. Para os brasileiros no exílio, uma pátria. A nação de Camões e Pessoa também se expressou na minha segunda língua; e foi o berço da minha segunda cultura”] (DETREZ, 1981, p. 122). Nesse contexto, foi levado a participar de mais uma experiência revolucionária, estando rodeado de esquerdistas de todos os matizes e de diferentes partes do mundo.
Breves e sutis relatos de sua experiência em relação ao desabrochar e às decorrências desse primeiro movimento estão presentes em trechos de um dos seus romances autobiográficos intitulado Mélancolie du voyeur (1986a), uma obra de 192 páginas publicada, de forma póstuma, um ano após sua morte. Recorrendo aos recursos linguísticos da ironia e da sutileza, o correspondente narrou, em tom confidencial, o acontecimento português de 25 de abril de 1974 da seguinte maneira:
Un coup d’État poli, feutré. Ministres, généraux se sont levés avant le soleil. Des inconnus frappaient à la porte. Nous sommes des mutins, ont dit les mutins. Ils ont déposé ces messieurs. Ils leur ont permis de se raser, se parfumer, choisir leur chapeau. On les a conduits, toujours courtois, jusqu’à l’aéroport, pour l’exil. Et au peuple on a distribué ces armes belles, rouges, un exemple pour l’univers, les insurgés de l’univers, guerriers de toutes nations, tout poil, toutes classes, idéologies...les mutins ont distribué aux masses œillets. Bon enfant, rêveurs – toute leur histoire le dit – les doux Lusitaniens se sont mis à faire “la révolution aux œillets”. Jolie recette. J’apprécie [Um golpe de Estado educado e moderado. Ministros e generais levantaram-se antes do sol. Estranhos batiam na porta. Somos amotinados, disseram os amotinados. Eles deixaram esses senhores. Permitiram que se barbeassem, usassem perfume, escolhessem o chapéu. Nós os levamos, sempre corteses, ao aeroporto, para o exílio. E para o povo distribuímos essas lindas armas vermelhas, um exemplo para o universo, os insurgentes do universo, guerreiros de todas as nações, todos os cabelos, todas as classes, ideologias...os amotinados distribuíram cravos para as massas. Bem-humorados, sonhadores – toda a sua história o diz – os gentis lusitanos começaram a fazer “a revolução dos cravos”. Bela receita. Eu aprecio] (DETREZ, 1986a, p. 110, grifo do autor).
Todavia, mesmo com seu passado brasileiro de paixões militantes radicais, a vivência de Detrez na Lisboa revolucionária contribuiu para consolidar sua renúncia à luta armada enquanto único meio legítimo de transição para o socialismo. Em futura entrevista com Rosa Freire D’Aguiar, o jornalista relatou melhor quais foram os motivos para o seu desencantamento com o uso de ações militares na esquerda radical:
Em suma, acho que a luta armada pecou por militarismo, radicalismo pequeno-burguês e por não ter analisado a realidade com a devida lucidez. Houve um comportamento esquizofrênico. Eles enxergavam a realidade como queriam que ela fosse, deformando-a através de óculos ideológicos rígidos. E agiam a partir dessa visão irreal. Essa patologia política foi o mal da época, e atingiu todo o esquerdismo latino-americano. [...] Quando faço uma crítica ao comportamento do esquerdismo brasileiro, não quero atacar a coragem de ninguém. Eles lutaram por valores que achavam fundamentais. Os de origem cristã tinham uma motivação moral; os marxistas, uma concepção histórica determinada pelos interesses do proletariado. No fundo, o objetivo era um só: justiça social. Mas deve-se analisar a causa psicológica de tanto radicalismo. Era evidente que problemas de frustrações afetivas ou de revolta contra a família autoritária geraram uma opção política extrema. A transferência da revolta familiar para a política explica o número importante de militantes mineiros, saídos de um estado em que a educação familiar era rígida. O importante é saber o porquê de seu comportamento. Creio que nem todos sabiam (DETREZ, 1978 apud D’AGUIAR, 2023, p. 126-127).
A abdicação de ações militares, por sua vez, também levou à ruptura do belga com a ortodoxia marxista-leninista (MASSIN, 2023). No lugar da luta armada, floresceu a via democrática, enquanto alternativa política mais viável para o campo progressista, em sua própria concepção. “Seul alors m’est devenu acceptable le socialisme démocratique” [“Só então o socialismo democrático se tornou aceitável para mim”] (DETREZ, 1981, p. 128). Sua nova guinada foi movida por um sentimento intuitivo.
Em alguns de seus romances autobiográficos, Detrez até zomba (1981; 1986a) dos estrangeiros que se tornaram, para ele, seus próprios compatriotas. Também chega a gozar dos turistas de esquerda em busca de tumultos e barricadas, que desejariam mais, mas que acabaram por se contentar com um golpe de Estado polido e inofensivo, observado de perto por seus aliados americanos.
Mesmo com o contexto político lisboeta, esse novo momento de sua vida foi, assim, marcado por sua desilusão definitiva com a política revolucionária e com o pensamento esquerdista de um modo geral, como ele mesmo posteriormente deixou claro em seu ensaio Les noms de la tribu (1981), uma obra que “[...] pensa em fragmentos, uma vez que a própria realidade é fragmentada [...]” (ADORNO, 2003, p. 34).
Em seu novo país, Detrez se sentia cansado (ALMEIDA, 2011b). Ele havia testemunhado outras revoluções, onde pessoas morreram. Em sua concepção, a guerrilha estava completamente exaurida. Cada batalha travada, cada perda sofrida pela causa, parecia apenas contribuir para um ciclo interminável de dor e desesperança. O antigo militante ansiava por um momento de paz e tranquilidade, longe das armas e dos conflitos que haviam marcado sua vida desde o início.
A eclosão e as consequências do levante popular de 25 de abril de 1974 o deixaram bastante desconfiado com qualquer forma de radicalismo da esquerda. Seu contrato durou cerca de dois anos. Nesse período, a cidade de Lisboa moldou seu novo perfil político, que foi visto em suas futuras inserções sociais após esse momento. Quando o repórter, enfim, partiu de Portugal, deixou boa parte de sua herança revolucionária no país e, da capital lusitana, levou sementes de saudades do seu antigo “eu”.
Morar em Lisboa e cobrir os acontecimentos da Revolução dos Cravos (1974) fizeram com que Detrez se tornasse ainda mais reservado em sua vida política e literária, ao retornar a Paris como crítico literário colaborador da Le Matin, La Relève e Le Magazine littéraire e na rádio France-Culture. Depois de traduzir e comentar autores brasileiros na Europa, como Antônio Callado e Jorge Amado, a introspecção passou a guiar suas produções artísticas, em especial seus romances autobiográficos.
Ainda em Lisboa, a literatura transformou-se no refúgio de Detrez contra a crueldade dos homens. As palavras transformaram-se em suas fiéis escudeiras e em lamparinas que o fizeram enxergar a beleza pura do mundo. Por meio delas, suas novas formas de se defender contra os estragos da realidade passaram a ser o escárnio e a ironia, como assim foi dito à Christian Panier, em uma entrevista publicada pela La Revue nouvelle, em setembro de 1981 (PANIER, 1981). “Foi uma espécie de autoanálise de caneta na mão. O que me salvou foi realmente escrever” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
De forma paradoxal, ao mesmo tempo em que a capital portuguesa exauriu a sua ideologia e seu espírito revolucionário, a cidade, personificada pela vista deslumbrante sobre o rio Tejo no Cais do Sodré, também o acolheu de múltiplas formas, em suas angústias, medos, fracassos e novas aspirações. Uma nova pátria e uma nova língua que foram os refúgios necessários para o início de sua “autobiografia alucinada” de sua infância até a vida adulta (ALMEIDA, 2011b).
Para escrever sobre sua vida, suas angústias e experiências, o jornalista iniciou, ainda em Lisboa, uma intensa retrospectiva psicanalítica em torno de sua trajetória e ações no mundo. Para esse objetivo, julgou válido remontar às suas maiores referências na literatura, como, por exemplo, o brasileiro Antônio Callado, que conhecia pessoalmente, o colombiano Gabriel García Márquez, o cubano Reinaldo Arenas e o belga Charles de Coster. Foi influenciado pelo realismo mágico de ambos.
Anos mais tarde, o escritor belga falou abertamente sobre como a introspecção foi utilizada como estratégia psicanalítica de escrita de sua própria “autobiografia transposta”, como pode ser observado na entrevista abaixo:
Na realidade, tudo estava dentro de mim. Fiz várias tentativas para contar o que queria, mas senti, em determinado momento, que era necessário um certo distanciamento. Na verdade, o que procurava era o estilo e o tom para narrar, literariamente, minha educação católica na Bélgica, a tomada de consciência política no Brasil, o despertar sexual também no Brasil e a revolução de Maio de 68 na França. [...] A partir de elementos vividos, a minha imaginação se empolgou e tentei tirar o que tinha de mais profundo em minha experiência, o que estava escondido (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Mesmo durante essa guinada introspectiva, Detrez seguiu publicando reflexões acerca do campo literário no âmbito ocidental. Em dezembro de 1977, Detrez publicou um artigo sobre a literatura latino-americana na La Revue nouvelle, uma revista acadêmica belga de grande circulação que foi criada em 1945 e é publicada oito vezes por ano. O título escolhido para o texto foi “L’Amérique latine, ce fabuleux continent de l’écriture” [“América Latina, este fabuloso continente da escrita”] (DETREZ, 1977) – e ele não poderia representar melhor o encanto do autor belga sobre o assunto.
Já em 11 de julho de 1978, Detrez publicou uma análise literária intitulada “Poètes baroques allemands. L’Actualité du Grand Siècle” [“Poetas barrocos alemães. Notícias do Grande Século”] (DETREZ, 1978c) no periódico Le Matin de Paris, um jornal diário francês que foi fundado em 1 de março de 1977 por Claude Perdriel e extinto em 1987. Neste artigo, o escritor dissertou acerca do barroco europeu e as influências literárias da América Latina, mais especificamente Colômbia, Cuba e Peru, na Europa.
Nesse contexto, a sua introspecção resultou em alguns textos auspiciosos, até que, em 1978, gerou sua pequena obra-prima: L’herbe à brûler (1978a), romance autobiográfico escrito em 1977 que fora marcado por referências – discretas mas claras (QUAGHEBEUR, 2014) – ao barroco e ao picaresco que narra suas aventuras sexuais, profissionais e políticas em terras brasileiras, após seu encontro com um Brasil ditatorial. A obra diz respeito a três dimensões importantes para o autor: a política, a religiosa e a sexual.
Sob uma estrutura circular, o livro relata suas experiências desde a sua vida como seminarista em Lovaina até o Brasil da década de 1960. Ao desembarcar em território brasileiro, narrou seu choque com a pobreza das favelas e sua participação em greves e movimentos de protesto. Nessa nova realidade, o eu-lírico descobriu seus primeiros amores homoafetivos e aceita sua homossexualidade, além de se envolver nos debates da nova teologia e engajar-se politicamente. Todas essas fases culminaram em sua prisão, onde enfrentou a tortura antes de ser deportado do Brasil.
A sexualidade do eu-lírico, antes contida no reino da repressão de sua educação religiosa, é confrontada com a natureza inexplicável e irreprimível de sua homessexualidade. Neste romance, assim como nos anteriores, a abordagem do tema homossexual, porém, é indireta, sendo explorada por meio de alusões, ironias, descrições castas e distanciamento astuto. Mesmo não escrevendo “romances homossexuais”[16], o tema está presente, porque é inerente e inevitável à sua história, não em sua unicidade explícita, mas como parte de um universo mais amplo de autodescoberta do próprio autor (ALMEIDA, 2011a).
Quanto ao conteúdo e aos objetivos da obra, Almeida (2019) caracteriza o livro como um “romance de aprendizagem” por relatar as múltiplas decepções de um protagonista tão ingênuo quanto entusiasmado pelas novas experiências que vivia. Ao mesmo tempo, Lefere (2001) já o chama de “romance cosmopolita” por narrar as aventuras e desventuras do eu-lírico pelo Ocidente, passando por Liège, Brasil, Uruguai, novamente Brasil, Paris e finalmente Bruxelas.
Nesse contexto, o livro, mesmo possuindo a forma de um romance de aventuras, faz parte de uma literatura pioneira formada por livros de memórias, romances e autobiografias de ex-militantes que apresentaram suas versões do que ocorreu e fazem avaliações sobre os rumos tomados pelas organizações de esquerda, armada ou não, na época resistência à ditadura civil-militar. Sua publicação na Europa foi, portanto, fundamental para reivindicar reconhecimento dos excessos da repressão do governo militar contra os militantes no Brasil (PEDRO; WOLFF, 2011; 2020).
Segundo levantamentos historiográficos realizados por Vargas (2018), a obra foi a primeira publicação de um estrangeiro acerca de um relato de experiência sobre o regime ditatorial militar na perspectiva literária do testemunho. Essa iniciativa, por sua vez, possibilitou, por meio da literatura de conteúdo memorialístico, a publicização desse capítulo da história brasileira no continente europeu, mesmo com as dificuldades em publicar textos que veiculassem esse cenário no Brasil (SIZILO, 2017).
Para ecoar seus testemunhos, Detrez, por sua vez, recorreu ao romance e à ficção como meio de explorar suas próprias experiências. Nesse contexto, a organização subjetiva dessa manifestação de relato, proveniente daquele que esteve na oposição e resistência ao regime, ocorreu por meio de composições (auto)biográficas, (auto)fictícias e autorreferenciais, apresentadas em formato literário, sendo elaboradas sem a influência direta de terceiros.
Nessa obra, o autor compartilha uma série de eventos que moldaram sua identidade ao longo da vida. O personagem-narrador relata desde a infância rural nos campos da Bélgica até sua permanência em um internato católico e em um seminário, culminando em sua chegada ao Brasil durante a época da ditadura civil-militar, onde vivenciou tanto paixões sexuais quanto políticas. Todas essas experiências moldaram a personalidade e a história de vida do próprio escritor.
Em todos esses momentos, porém, o eu-lírico se via constantemente diante do “novo”, do “outro”, do “incomum” e do “estrangeiro”, tanto em relação à sua sexualidade – que contrastava com a tradição católica – quanto à sua condição estrangeira nos países em que viveu. Todavia, foi justamente o contato com toda essa estranheza, seguindo a perspectiva de Kristeva (1988), e a total aceitação de sua condição que moldaram sua própria identidade ao longo do tempo. O “eu” de Detrez foi, portanto, criatura de seu desencaixe, singularidade e coragem em desbravar o mundo e a si próprio (DAMASCENO, 2020).
Ao final da narrativa, o autor relata com uma alegria carnavalesca o retorno fatal de seu protagonista desiludido ao seu continente de origem. Este personagem, que perambulou por anos pela América do Sul, voltou a uma Europa minada em seu zelo revolucionário. Essa volta é também acompanhada por algumas críticas à intelectualidade e à práxis da política de esquerda.
Além de romanesco e autobiográfico, L’herbe à brûler (1978a) também possui um viés politizante internacionalista que, definitivamente, marcou a segunda metade do século XX na Europa. Nessa obra, Detrez, ainda que focado em relatar suas vivências pelo mundo, revelou-se um agente crucial na resistência literária contra o eurocentrismo e o colonialismo belga em África, sobretudo em um contexto europeu que estava veiculando pouquíssimo sobre a região central do continente.
Entre o início de 1964 até o final da década de 1980, a memória colonial e as expressões literárias congolesas, segundo Halen (2016), chegaram a quase desaparecer do discurso público, se não fosse a ação de poucos autores que conheciam minimamente a realidade do país e passaram a escrever sobre a região, seja em forma de militância ou cautela. Nesse período, o autor cita as produções literárias de Jacques Danois (1965), Henry Bauchau (1966) e Pierre Mertens (1974; 1978).
Além dos citados, Halen (1993; 2016) também menciona a contribuição pontual – porém destacada – de Conrad Detrez em veicular suas narrativas autobiográficas acerca das “imagens de África” do Congo ao final da década de 1970, em L’herbe à brûler (1978a). Mesmo a partir de breves alusões que narravam a partida de seu pai para a antiga colônia belga, o autor contribuiu, à sua maneira, para que a memória colonial da África Central não desaparecesse do discurso público, mas sim pudesse ser indagada, referenciada e interligada, a partir de sua narrativa, à Europa (HALEN, 2016).
A publicação da obra, portanto, pode ser representada como uma forma literária de resistência de vivências coloniais da África Central frente ao eurocentrismo e ao colonialismo belga. Por meio de breves alusões sobre sua adolescência e suas relações com o continente, Detrez não apenas abordou uma realidade do Congo colonial, mas também contribuiu para despertar a curiosidade de leitores comuns sobre a realidade do país, que foi duramente colonizado pela Bélgica por mais de três décadas.
Adepta do hedonismo e com estilo visual picaresco, a obra foi aclamada na Europa e mundo afora, culminando na obtenção de um prêmio Renaudot para o autor no dia 21 de novembro de 1978, após frustrações anteriores com o prêmio belga Victor Rossel. Um reconhecimento e tanto, pois essa é considerada a segunda premiação mais importante da literatura francesa, atrás do Goncourt, o mais antigo prêmio literário francês. Detrez foi o terceiro estrangeiro e primeiro belga a ser congratulado com essa honraria.
A aprovação do seu terceiro romance autobiográfico fez com que seu nome ganhasse destaque ao redor do mundo, o que instigou o interesse de jornalistas e editores de diversos países pelo livro e, por conseguinte, por sua história de vida. Dentre eles, um foi a brasileira Rosa Freire d’Aguiar, sua futura amiga, que, dias após saber o resultado do prêmio, interessou-se tanto pela obra que marcou uma conversa com o belga no Café de la Paix, perto de onde moravam em Paris, para ouvir mais sobre sua trajetória[17].
Atrelado a esse interesse jornalístico orgânico, o resultado da prestigiosa premiação também repercutiu em diversos veículos de comunicação pelo mundo, chegando a ser comentado no The New York Times, em sua edição diária de 21 de novembro de 1978, que, em poucas linhas, destacou a inovação autobiográfica da obra e a formação jornalística do ex-seminarista.
Mesmo na Europa, a conquista do prêmio pelo jornalista belga fomentou ainda mais a produção de resenhas, recomendações, ensaios e artigos sobre a obra, que já existiam. À título de curiosidade, por exemplo, dois meses antes, em exatos 30 de setembro, o renomado crítico literário francês Robert Kanters, em publicação em Le Figaro, já havia colocado o livro no mesmo patamar de La condition humaine (1946), um dos clássicos da literatura belga.
Grandes veículos brasileiros também noticiaram essa conquista literária, destacando a forte presença do Brasil no livro premiado. No mesmo dia da publicação americana, a Tribuna da Imprensa e o Jornal do Brasil, dois dos mais importantes periódicos cariocas, anunciavam o resultado, pontuando a influência latino-americana para a escrita da obra em meio à trajetória de vida do autor.
Por conta de sua aclamação no Brasil, L’herbe à brûler (1978a) foi traduzido para a língua portuguesa. Intitulada O jardim do nada (1979), a versão foi traduzida por Vera Teixeira Soares e lançada no final da década de 1970, deixando o autor contente com a publicação, conforme mencionado por ele em um jantar casual com sua amiga, a jornalista brasileira Rosa Freire D’Aguiar (2023).
Ao chegar no Brasil, a edição foi acompanhada por boas análises publicadas na Veja e IstoÉ. Esta última reverberava a “aventura guerrilheira” do autor, conforme publicado em sua edição de 6 de dezembro de 1978. Além disso, foi resenhada e recomendada por diversos periódicos de grande e média circulação no país, com destaque para Jornal do Brasil (RJ), Tribuna da Imprensa (RJ), A Tribuna (SP), Diário do Paraná (PR), O Pioneiro (RS), Jornal de Caxias (RS) e Diário de Pernambuco (PE).
Cerca de um ano depois, o escritor, que estava sendo relativamente bem recebido no país, foi convidado pela repórter Beatriz Bonfim para participar de uma entrevista exclusiva para o Caderno B do Jornal do Brasil (RJ). Publicado na edição de 7 de junho de 1980, o longo diálogo centrou-se na obra e na trajetória de vida do autor, mas também nas percepções do entrevistado sobre a história e a atualidade da sociedade, política e resistência brasileiras.
Além disso, devido à boa repercussão da publicação, Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), um dos fundadores do movimento do cinema novo, até chegou a se prontificar para dirigir um filme do livro, mas o projeto, infelizmente, não foi para frente. Depois de décadas, um novo escritor belga de impacto internacional, enfim, colocava o país nas livrarias pelo mundo ocidental.
Ao narrar suas próprias atividades e as fronteiras da luta armada, a obra de Detrez foi reconhecida por abordar o desenraizamento e a ruptura do autor no campo militante brasileiro. Ainda que de cunho literário e romanesco, o livro é considerado um dos grandes trabalhos publicados no Brasil sobre a luta das esquerdas armadas, segundo revisão bibliográfica realizada por Ridenti (2001).
Além do português, o livro também foi traduzido para o neerlandês e inglês. Nos Estados Unidos, teve sua edição chamada de A weed for burning (1984a) e foi publicada em Nova Iorque no ano de 1984 pela editora Harcourt Brace Jovanovich, chegando a receber boas resenhas nas revistas Time e The Village Voice. A tradução do francês para a língua inglesa foi realizada por Lydia Davis, tendo sido a primeira e até então a única a traduzir o autor para o referido idioma, de acordo com Evans (2011).
A autenticidade e a reverberação internacional desta obra mudaram o patamar literário do escritor belga em âmbito europeu, o que levou a comparações entre romancistas clássicos de seu país. Dentre elas, um bom exemplo aconteceu meses depois quando o literato Marcel Voisin (1979), ao analisar a situação das letras francesas na Bélgica em outubro de 1979, comparou a inovação incomum de Detrez com a genialidade de Georges Simenon e Charles Plisnier, os dois escritores mais importantes da literatura belga.
Após a conclusão deste livro, Detrez retornou a Paris e, posteriormente, decidiu voltar à América, mais especificamente a Montevidéu, em busca de seus amigos dos anos 1960 (DEI CAS, 2010). Ao longo desse período, todavia, seguiu ativo nos empreendimentos que tomavam maior parte de seu tempo, isto é, a crítica literária, em âmbito ocidental, e a literatura pessoal.
Em dezembro de 1979, Detrez entrou para o grupo de acadêmicos e jornalistas que contribuiu para popularizar a literatura de Marguerite Yourcenar (1903-1987), futura primeira mulher eleita à Academia Francesa de Letras, na Europa. Nesse mês, publicou um artigo intitulado “La Couronne et la Lyre, poèmes traduits du grec par Marguerite Yourcenar” [“A Coroa e a Lira, poemas traduzidos do grego por Marguerite Yourcenar”] (DETREZ, 1979) na Esprit, em que analisa a antologia de poesia antiga grega compilada pela autora.
A crítica do jornalista realizada em ocasião da publicação de La Couronne et la Lyre: poèmes traduits du grec (1979) foi muito elogiosa, mesmo com seu juízo de valor acerca da obra. Em seu texto, o belga esteve atento à grande variedade de formas literárias reunidas na antologia e à frequência de temas que lhe interessavam, como a juventude, a velhice, a beleza dos meninos, o amor e o desespero. Segundo Poignault (2010), esse artigo contribuiu para o sucesso da obra no continente europeu.
O início dos anos 1980 reservou os capítulos finais e o início do prólogo da trajetória heterogênea de Detrez pelo mundo. No começo da década, viu algumas mudanças impactarem sua vida, mas não impediu que seguisse publicando vários romances e uma coleção de poesias em um ritmo bastante acelerado, no qual ambos continuaram conectados pelo catolicismo, pela mística e pela homossexualidade
Em 1980, o militante exilado, após longos onze anos de espera, foi beneficiado com a anistia política da lei n° 6.683/1979 oferecida pelos governantes de Brasília aos cassados e exilados pelo regime ditatorial-militar. Por esse motivo, pôde, enfim, retornar ao Brasil no ano seguinte. Voltou por três meses com o objetivo de visitar velhos amigos, negociar publicações de outros livros com a editora Civilização Brasileira, analisar o andamento da abertura política anunciada para o Brasil e conhecer as novidades literárias do país. Viajou pelo Rio de Janeiro, São Paulo e Nordeste.
Os reencontros com antigos companheiros do Brasil foram narrados da seguinte forma pelo antigo militante:
Comecei a rever algumas pessoas que não via há 13 anos. Alguns se desligaram completamente de qualquer tipo de militância partidário para aderir a certos movimentos específicos, como o feminismo e os pela emancipação do negro. A maior parte de meus antigos companheiros continua a se interessar pela política, mas evoluiu do esquerdismo radical para uma esquerda democrática. Alguns – a minoria – continuam radicais (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Após ser anistiado, o escritor belga, que já contava com mais de 300 mil exemplares vendidos em cinco línguas, concebeu uma longa entrevista para a edição diária de 7 de junho de 1980 do Jornal do Brasil (RJ). Ao longo das perguntas, o entrevistado fez uma autocrítica radical de sua antiga militância, atribuindo a nova fase de sua vida como socialista democrata aos escritos de Freud, pois afirmou que pôde compreender as razões que o levaram a escolher as vias mais radicais para expressar seu descontentamento (BONFIM, 1980).
Quanto às suas autocríticas, relatou, com pessimismo, seu antigo engajamento na vanguarda radical, que, em sua interpretação, estava desconectada das massas devido ao comportamento pequeno-burguês marcado por esquerdismos e aventurismos. Reforçou sua rejeição ao marxismo-leninismo, ao falar de sua busca por uma via intermediária entre capitalismo e socialismo. Nesse contexto, via, com estima, o amadurecimento de forças progressistas democráticas no país (BONFIM, 1980).
Durante sua terceira passagem, Detrez tomou o hábito de registrar suas vivências e experiências em um diário de viagem. Neste material, documentou não apenas os eventos e encontros que teve, mas também as reflexões mais íntimas que surgiram durante sua jornada. Essas anotações se tornaram a base para um futuro ensaio que dedicou ao seu breve retorno, em que não só descreveu os acontecimentos de sua viagem, mas também analisou profundamente as mudanças pessoais e emocionais que ocorreram dentro dele durante esse período.
Após o sucesso de L’herbe à brûler (1978a), Detrez chegou a escrever outras obras ambientadas no estado do Rio de Janeiro. Publicado em 1980 pela editora Balland, seu romance seguinte foi La lutte finale (1980a), no qual, a partir de uma fusão entre os elementos provenientes de sua própria imaginação e os provenientes da realidade vivida na América Latina e em outras grandes cidades do Terceiro Mundo, narra as aventuras e desventuras da vivência de jovens pauperizados no Brasil.
A obra oferece um testemunho das classes mais desfavorecidas do Brasil, a partir de aventuras em uma favela, em que jovens desempregados buscam consolo no prazer sexual e na esperança de revolução. Formam comandos revolucionários, mas uma missão contra delatores resulta em mortes e prisões. Condenados à morte, são trocados por um embaixador refém e enviados para a Argélia, onde sofrem o tédio das reuniões e a curiosidade das delegações políticas. O romance mistura política e erotismo de forma cômica, ironizando especialmente os esquerdistas europeus e estudantes de sociologia.
Escrito praticamente de uma só vez, o livro foi considerado, segundo o próprio autor, o mais imaginário, delirante e picaresco de seus romances, ainda que fosse inspirado na realidade vista nas favelas latino-americanas, de acordo com seu longo comentário expresso no diálogo com o jurista belga Christian Panier, que foi publicado pela La Revue nouvelle, em setembro de 1981 (PANIER, 1981).
Influenciado pela literatura amadiana, La lutte finale (1980a) é estruturado em torno de marginalidades, sejam elas as sociais ou as do continente literário franco-francês (QUAGHEBEUR, 2014). O cenário principal é de uma favela localizada na Zona Norte do Rio de Janeiro, ainda que alguns de seus capítulos se passem na Argélia, no qual o autor também já havia residido. Os protagonistas são dois jovens, filhos da pobreza, que foram presos e exilados do país. Em uma terra estrangeira, o amor e a política os confundem, quando tentam regressar clandestinamente ao país.
A existência dos personagens não apenas reflete a dualidade entre sobrevivência e desejo, mas também se entrelaça com a narrativa revolucionária durante a era da ditadura civil-militar no Brasil. As 165 páginas deste romance, meticulosamente elaborado na essência mais pura da tradição picaresca e no realismo amadiano, são impulsionadas pela vivência do autor na revolução, o que constitui, assim, um testemunho íntimo desse contexto histórico, mesmo que não haja alusões explícitas à sua própria vida (QUAGHEBEUR, 2014).
A obra citada goza de cenas e mitos mais carnavalescos do que meramente barrocos, ainda que a metáfora do segundo tenha servido de pretexto para sua escrita. Diferentemente de seus livros anteriores, há poucas digressões ou repetições nos meandros desse conto, posto que ele é muito mais focado na história de vida dos dois irmãos gêmeos do que no do próprio autor (QUAGHEBEUR, 2014), fazendo referência a duas dimensões importantes para o autor: a política e o sexo.
Nesse contexto, o livro foi publicado para ser uma divertida sátira sobre os próprios revolucionários latino-americanos, servindo para apontar o autor como alguém que ainda tinha muito a dizer sobre sua própria vida, mas também sobre política, guerrilha e revolução (DAERDEN, 2003).
Em sua edição de 8 de julho de 1980, o Jornal do Brasil (RJ) chegou a noticiar sobre uma tradução de La lutte finale (1980a) para língua portuguesa que seria realizada proximamente pela editora Civilização Brasileira, a mesma que publicou O Jardim do Nada (1979). Entretanto, não foram encontrados registros de circulação dessa possível edição traduzida dessa obra de Detrez no Brasil.
Em poucos dias, sua terceira passagem pelo Brasil foi bem diferente da primeira. Se antes era um seminarista leigo, agora perdeu sua fé religiosa e transformou-se em agnóstico. Do antigo marxismo-leninismo cativante, brotou a crítica e a moderação. Da prática revolucionária, voltou apenas a uma teoria, mas agora diferente. “Tenho a política só no plano da reflexão, porque o papel do escritor e do intelectual não é o de distribuir panfletos ou pichar paredes” (DETREZ, 1980 apud BONFIM, 1980, p. 25).
Ainda em 1980, publicou Le Dragueur de Dieu (1980b), uma ficção com enredo em torno de Victor, um filho de açougueiro enojado da profissão do pai após uma infância nos matadouros que busca o êxtase místico. Identificando um estranho como o anjo Amor, ele ingressa no noviciado de Saint-Amand, onde faz de Lucien seu confidente. Quando Amor assume a forma de um retirante, Victor parte para Paris, desencadeando uma jornada que Lucien segue pela capital em busca dele.
Neste mundo noturno e secreto dos parisienses homoafetivos, Lucien encontra Victor à beira da morte. Após o episódio, Lucien retorna ao seminário, mas logo prefere voltar a Paris, onde, com o jardineiro de Martial Postel, fundou uma comunidade para seus amigos viverem livres e felizes. Este romance único, entre o sonho e a realidade, permeado de misticismo e sordidez, mantém-se distante da trivialidade graças ao humor e à ingenuidade dos personagens, cuja busca pelo amor é o cerne da história.
No início do ano seguinte, o romancista belga publicou um novo pequeno livro de memórias em Paris: Les noms de la tribu (1981), um ensaio dedicado ao Brasil após a confirmação de sua anistia. Relatando sua recente viagem feita ao país, a obra traz reflexões pessoais do autor sobre a guerrilha dos anos de 1960, no qual participou clandestinamente, e sobre suas impressões acerca de seu próprio percurso de vida ao longo do tempo.
Além de falar sobre a vida de seu autor, a obra também cita a trajetória de personagens históricos famosos, como Carlos Marighella, Miguel Arraes e frei Betto. Em seu enredo, essas personalidades, por sua vez, se juntaram a jovens entusiasmados do Rio de Janeiro e de São Paulo, mas também da Argélia, de Portugal e da França, que vivenciavam experiências históricas diversas entre si.
Ensejada por essa publicação, o escritor concedeu uma breve entrevista para a correspondente do Jornal do Brasil (RJ) em Paris, Arlette Chabrol. O diálogo foi publicado na edição de 7 de fevereiro de 1981 do periódico carioca. Os principais assuntos foram a temática do livro, a trajetória de vida do autor e suas análises sobre a atualidade da política latino-americana.
Ao longo da entrevista, o autor deixou claro qual era o lugar de Les noms de la tribu (1981) em sua literatura autobiográfica:
Este novo livro é um prolongamento e uma complementação de L’herbe a brûler, romance que termina com um certo desencanto, um certo desespero político e talvez mesmo intelectual. Acusaram-me, então, de não crer em mais nada, pois eu dizia que a revolução tinha fracassado - o que é verdade - e que não havia mais coisa nenhuma pela frente. Escrevendo Les noms de la tribu, quis responder a essas acusações. Mas quis também descrever a minha própria evolução, definir os valores que para mim ainda contam (DETREZ, 1981 apud CHABROL, 1981, p. 41, grifos da autora).
Era mais uma obra do belga estruturada a partir de perspectivas autoficcionais e que ganhava repercussão pelo mundo. Nesse cenário, Almeida (2012) aponta que a autoficção de Detrez seria um sintoma da pós-modernidade, pois, ao unir a clássica escrita autobiográfica à subjetividade romântica contemporânea e ao barroco, reinterpretou e hibridizou estilos literários e discursivos europeus e latino-americanos. Algo que o próprio Detrez confirmou no período:
De Franse geest is mij vreemd. Ik voel me meer aangetrokken door de verbeelding. Ik ben meer beschrijvend en niet zo analytisch, meer visueel dan essayistisch. Iksta buiten het Franse rationalisme en cartesianisme. Ikbenheel weinig conceptueel. De uitdrukkingsvormen die mij het meest liggen, komen van elders: van de Spaanse en Latijns-Amerikaanse wereld, waarin ik een bepaalde Vlaamse inslag terugvond, vooral het beeldende element [O espírito francês é estranho para mim. Sinto-me mais atraído pela imaginação. Sou mais descritivo e não tão analítico, mais visual do que ensaístico. Estou fora do racionalismo e do cartesianismo franceses. Sou muito pouco conceitual. As formas de expressão que mais gosto vêm de outros lugares: do mundo espanhol e latino-americano, onde encontrei um certo cunho flamengo, sobretudo o elemento visual] (DETREZ, 1979 apud VAN ITTERBEEK, 1979, p. 177).
Além disso, a escrita do belga, ao trabalhar com base em noções psicanalíticas, como o inconsciente, a ausência e o deslize, por exemplo, enfatiza a multiplicidade de perspectivas tanto individuais quanto sociais. Essas duas novidades resultaram, assim, no “nascimento de um ‘eu’ do terceiro tipo” (CRÉPU, 2001, p. 66), isto é, uma nova forma literária de ficção – ou “autoficção”, conforme fora assim chamado por Doubrovsky (1977).
Por conta desse novo contexto literário, o gênero novelístico pôde ser renovado na literatura (JOURDE, 1999). A vanguarda da autoficção rompeu, assim, com a tradição autobiográfica, originando um olhar renovado para o sujeito em si, bem como para suas memórias e história. Essa tendência surgiu com a criação de uma dimensão imaginária da própria identidade do eu-lírico e com a ficcionalização de um sujeito complexo por parte de autores contemporâneos, como foi o caso de Conrad Detrez (BLANCKEMAN, 2017).
Em 1981, com a eleição de François Mitterrand (1981-1995), o primeiro presidente abertamente socialista da França e um dos únicos oriundos do Partido Socialista (PS), o jornalista aproximou-se ainda mais do país e do governo franceses, mas, sobretudo, do socialismo democrático. Em 28 de março de 1982, naturalizou-se, enfim, francês, com seus 45 anos de idade.
O motivo de sua naturalização esteve relacionado ao acolhimento que recebeu no novo país. Apesar de sua consagração parisiense, Detrez não alcançou o mesmo nível de reconhecimento na Bélgica, o que originou uma complexa relação com sua terra natal: “‘Frustration’? ‘Complexe’? ‘Amour-haine’? Il est malaisé de prétendre étiqueter un sentiment envers un lien aussi indicible que l’appartenance à une patrie, une culture…” [“‘Frustração'? 'Complexo'? ‘Amor-ódio’? É difícil pretender rotular um sentimento por um vínculo tão inexprimível como pertencer a uma pátria, a uma cultura…”] (SAENEN, 2016). Por esse motivo, decidiu obter a naturalização francesa.
No mesmo ano de sua naturalização, publicou um livro de poesia, Le Mâle Apôtre (1982b), ilustrado com desenhos de Luis Caballero. Também publicou um de seus últimos romances, La Guerre Blanche (1982a). De caráter ficcional e autobiográfico, o segundo livro retrata Paris como um ambiente de tumulto, agitação e melancolia. O narrador, desiludido com a vida na cidade, decide mudar-se para Givet, na fronteira entre França e Bélgica, onde ocorrem intensas lutas contra a construção de uma central nuclear.
A obra segue o estilo de Le Dragueur de Dieu (1980b), com sua falsa ingenuidade e humor leve, acompanhando as desventuras de um autor provinciano que busca sucesso em Paris, mas é distraído por problemas urbanos da cidade: agitação frenética, poluição sonora e promiscuidade dos edifícios de apartamentos. É uma grande sátira à sociedade contemporânea e também à própria solidão do escritor na capital francesa.
Essa mudança é emblemática de uma sensação mais ampla do próprio autor: Paris deixa de ser o epicentro vibrante das teorias intelectuais e discussões revolucionárias para se tornar um lugar cinza e desencantado. Os confrontos políticos agora são vistos como problemas locais e sociais, e o narrador busca significado e engajamento em lutas mais concretas e tangíveis. O livro destaca essas mudanças de perspectiva e os desafios enfrentados pelo protagonista ao buscar um novo propósito em sua vida (TEICHER, 2020).
A tentativa de reaproximação com a vida social e cultural da França foi em vão. A mesmice de Paris entediava o belga (DETREZ, 1983 apud TAUNAIS, 1983). Se a Cidade Luz de 1968 havia, por muitas vezes, revigorado o espírito militante de Detrez, a da década de 1980 já não o conseguia fazer com tanto entusiasmo (TEICHER, 2020). “J’ai quarante-cinq ans passés. Paris n’a plus de mystère. Paris se détraque. Paris me fait la guerre, une guerre blanche (DETREZ, 1982a, p. 148).
Em novembro de 1983, o romancista belga resolveu seguir, então, novos ares e, com isso, ingressou no corpo diplomático da França, como estava acontecendo com outros escritores de sua geração. Graças à sua amizade com Régis Debray, então consultor francês de relações exteriores, o jornalista foi nomeado pela nova gestão presidencial como adido cultural e científico em Manágua, capital da Nicarágua.
Rumou, assim, novamente para a América, mas agora para um novo país. Meses depois de seu desembarque, chegou até a reencontrar seu antigo amigo, frei Betto, em uma tarde no país nicaraguense. Conforme entrevista contida no Anexo A, o dominicano encontrou o belga feliz com a nomeação. Essa foi a última vez que se encontraram pessoalmente.
Como se tivesse uma sina para revoluções, o embaixador vivenciou o início do período sandinista. Na América Central, viveu em um país naturalmente, politicamente e socialmente vulcânico. No momento de sua chegada, o contexto nicaraguense era o de ascensão da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) e da queda violenta da ditadura da família Somoza em 1979.
Esse trabalho diplomático proporcionou uma oportunidade única de reencontro com seus antigos amores, aspirações e sonhos americanos, ao mesmo tempo em que possibilitava que reservasse tempo suficiente para dedicar-se criativamente à escrita. Detrez deixou isso claro em uma entrevista na época:
J’avais besoin de revenir en Amérique latine. Paris m’ennuyait. [...] Managua est une ville pour métaphysiciens. Elle ressemble à une toile de Mondrian. C’est l’absence, le rien mais pourquoi pas le territoire du possible où l’on peut inventer un nouveau type d’existence, de nouvelles formes de relations humaines. A Paris, mon inspiration se tarissait [Eu precisava voltar para a América Latina. Paris me entediava. [...] Manágua é uma cidade para metafísicos. Ela se assemelha a uma tela de Mondrian. É a ausência, o nada senão o território do possível onde podemos inventar um novo tipo de existência, novas formas de relações humanas. Em Paris, minha inspiração secou (DETREZ, 1983 apud TAUNAIS, 1983).
Entretanto, rapidamente, a decepção tomou conta novamente de suas expectativas para o futuro. Dias depois da indicação, o diplomata se afastou da política do governo Mitterrand, após uma desilusão com suas medidas de austeridade tomadas ainda em 1983. Uma de suas últimas frustrações em vida foi registrada em um de seus diários, conforme foi analisado por Teicher (2020).
A partir dessas experiências contrastantes entre felicidade e desapontamento, o belga publicou seu último romance em vida, La Ceinture de feu (1984b), um livro ficcional e pessimista que narra a trajetória de um cientista francês na Nicarágua devastada pela guerra. Mesmo cético, o livro faz menção a duas esferas importantes para a vida pública e privada do autor: o sexo e a política.
Um romance que começa com a chegada de um vulcanologista francês à Nicarágua em 1979, antes da vitória sandinista. O livro narra a história desse grupo de revolucionários, com foco na família de Abel, um jovem homossexual, e seu irmão machista, Álvaro, ambos envolvidos na revolução. O cientista retorna quatro anos depois para encontrar seus antigos revolucionários e descobrir o destino deles.
O romance, enfim, pôde retomar as preocupações sociais de Detrez. O título faz referência à cadeia de vulcões do Pacífico, representando a instabilidade e destruição que assolavam Manágua após dois terremotos. A trama gira em torno de dois irmãos, enquanto também retrata a luta pela sobrevivência dos habitantes e o compromisso político de personagens diversos, incluindo padres, professores, estudantes e ativistas feministas.
Dentre suas últimas publicações, esse livro obteve uma repercussão maior e chegou a ser traduzido para a língua inglesa por Lydia Davis – a primeira e até então a única a traduzir o autor para o idioma, segundo Evans (2011) – dois anos depois e publicado pela editora Harcourt Brace Jovanovich como Zone of fire (1986b). Após a publicação, a tradução foi mencionada com méritos na edição de 16 de novembro de 1986 do The New York Times.
Mesmo com grande alcance, essa publicação lhe rendeu fortes críticas de seu amigo, Régis Debray, que chamou o trabalho de caricaturado. O escritor belga negou e declarou ter mantido sua filiação democrática e socialista, agora rejeitando as influências leninistas de seu aparato teórico-metodológico. No entanto, na verdade, ele foi, principalmente, influenciado pelo declínio das lutas vistas no ano de 1968 e definitivo abandono da luta pela transformação social na década de 1980.
Menos de dois anos depois, o diplomata, porém, foi obrigado a retornar à França. Permaneceu na Nicarágua até setembro de 1984, quando adoeceu gravemente, sendo vítima dos primeiros sintomas da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), uma doença ainda pouco conhecida e cercada por preconceitos e falta de informação. A condição o deixou cada vez mais exausto e fez com que ele precisasse ser internado no hospital Tenon, em Paris.
Após receber o diagnóstico positivo para a infecção do Vírus HIV, Detrez entrou em um estágio de ressignificação de sua vida e de seus feitos. A morte passou a estar mais presente do que nunca em sua trajetória final, mas, agora, ocupando um lugar novo e diferente. Em seus últimos fôlegos de vida, o belga deixou escrito a seguinte mensagem:
A doença veio em meu socorro. Agora estou aqui, derrotado, mais próximo da morte. Finalmente encontrei a via. Eu entrevejo um caminho. O caminho deveria conduzir a um espaço novo, uma geografia. A beleza tem a sua, que tira vantagem do relevo na vizinhança da morte (DETREZ apud BELOQUI, 1992, p. 27, grifos nossos).
A nova doença tabu da década de 1980 foi fatal para o embaixador belga naturalizado francês. Entre a noite de 11 e 12 de fevereiro de 1985, Conrad Detrez, aos 48 anos, morreu de complicações da AIDS, de forma totalmente inesperada, em Paris, juntando-se a personalidades como Michel Foucault (1926-1984) e Rock Hudson (1925-1985) como uma das primeiras vítimas fatais do vírus de sua geração.
“Detrez mourut comme il avait vécu, en marginal” [“Detrez morreu como viveu, como um marginal”] (SAENEN, 2016).
No Brasil, sua morte gerou consternação entre amigas e amigos próximos, conforme mencionado por frei Betto em entrevista presente no Anexo A. Além disso, entre dois e cinco dias depois, seu falecimento foi noticiado, com pesar, por periódicos brasileiros de grande e média circulação, com destaque para Cidade de Santos (SP), Jornal do Brasil (RJ) e Diário do Pará (PA).
Em um dos seus necrológios, uma de suas grandes amigas francesas, Fernande Schulmann, destacou quatro características marcantes de sua trajetória: o amor, o trabalho, a lucidez e a felicidade. Em ambas, a escritora salientava a intensidade, a simplicidade e a diversidade na qual o companheiro punha em sua vida pessoal, profissional e intelectual, como pode ser observado no trecho original a seguir:
Homosexuel ni agressif, ni honteux, il vivait ce choix avec simplicité. L’amour aura beaucoup compté dans son existence, l’amour et le travail: il entendit mener de front les deux et y parvint. Il eut en effet beaucop d’activités: enseignement, articles, traductions, essais, romans; le troisième, L’herbe à brûler ayant obtenu le Prix Renaudot - à quoi plus récemment s’ajoutèrent des responsabilités d’attaché culturel au Nicaragua dont il tirait une grande satisfaction [Homossexual, nem agressivo nem envergonhado, viveu esta escolha com simplicidade. O amor terá contado muito na sua existência, amor e trabalho: pretendia realizar ambos e conseguiu. De fato, ele teve muitas atividades: ensino, artigos, traduções, ensaios, romances; o terceiro, tendo L’herbe à brûler ganho o Prêmio Renaudot - ao qual mais recentemente se somaram responsabilidades como adido cultural na Nicarágua, das quais obteve grande satisfação] (SCHULMANN, 1985, p. 92, grifos nossos).
Um ano após sua morte, o percurso alucinado de Detrez pôde, enfim, terminar. Em 1986, seu último livro intitulado La Mélancolie du voyeur (1986a) foi publicado postumamente pela editora Denoël. Nesta narrativa, o escritor-narrador, que está adoentado, retorna às suas diversas vidas, revelando um desapego em relação às crenças religiosas ou ideológicas que outrora lhe pertenciam. O autor relata, assim, um outro momento de lutas sociais, porém, não mais a partir da alegria e esperança, mas sim por meio da descrença e desilusão com a política.
Prefaciado por Hector Bianciotti, o livro percorre a vida diversificada e aventureira de Detrez, desde sua infância e mocidade na Bélgica até sua militância, reportagem e diplomacia nos países que visitou: Brasil, Nicarágua, Portugal, França, Tchéquia e Tailândia. Com serenidade, o autor tomou o rumo final de seus romances anteriores, completando a busca por suas nuances interiores. Escrita de forma simples e comovente, foi a última mensagem de sua alma, em meio às aventuras e desilusões que viveu, o que contribuiu para consolidar ainda mais seu nome nas letras francesas contemporâneas.
O livro foi escrito pelo autor em seu leito de hospital, como um mosaico de memórias que retrata sua infância, juventude no seminário, viagens e ativismo. Detrez retoma os elementos que caracterizaram seus romances anteriores: melancolia, entusiasmo, humor e ironia, além de uma distorção da realidade. O livro evoca figuras importantes em sua vida e países que visitou, trazendo novos pontos de vista sobre os acontecimentos históricos que presenciou.
Mesmo sendo considerada como complemento final da sua literatura anterior, La Mélancolie du voyeur (1986a) possui elementos próprios que vão além de memórias convencionais ou de uma mera autobiografia. A diferença foi o motor para a escrita: sua doença fatal, que guiou o autor em sua última viagem literária. Segundo Cooper (1987), foi justamente esse fator que foi responsável pela inovação, ineditismo e comoção do livro, uma vez que
The fatal disease brings him freedom. Capter l’essentiel becomes his last goal, his spiritual testament. From his hospital bed as from an observation post or a fortress, Detrez is intent on watching the clouds (including his own nuages intérieurs). He becomes a voyeur, a hunter of beauty, wherever it can be found [A doença fatal lhe traz liberdade. Capturar o essencial se torna seu último objetivo, seu testamento espiritual. De sua cama de hospital, como de um posto de observação ou de uma fortaleza, Detrez tem a intenção de observar as nuvens (incluindo suas próprias nuvens internas). Ele se torna um observador, um caçador de beleza, onde quer que ela esteja] (COOPER, 1987, p. 420, grifos da autora).
Mesmo após anos de seu falecimento, a figura polissêmica de Detrez e suas contribuições seguiram ecoando no continente europeu. Em 1990, a sua vida foi homenageada pelo poeta William Cliff, uma das vozes mais importantes da poesia contemporânea de língua francesa. O tributo post mortem foi reunido em Conrad Detrez (1990), um longo poema composto em décimas regulares. A obra é tanto uma narrativa autobiográfica quanto uma busca ficcional pelo amigo desaparecido, a partir de possíveis vestígios deixados em Montevidéu. Ela retrata o poeta em uma viagem de Antuérpia à capital do Uruguai, percorrendo toda a expressão da amizade entre os dois.
No ano seguinte, o escritor guineano Tierno Monénembo – amigo de Detrez (DEN AVENNE; BERTHO, 2020) com uma literatura cheia de referências ao belga (DUCOURNAU, 2020) – dedicou seu livro Un rêve utile (1991) ao romancista. A dedicatória não foi despropositada, mas sim uma referência às relações religiosas, estéticas e culturais entre a África e o Novo Mundo, tendo em vista que sua obra pode ser lida, segundo Mangeon (2020a; 2020b), como um diálogo entre África, Europa e América. Nesse cenário, a escolha de honrar a memória de Detrez, que residiu nos três continentes, pode ser compreendida.
Em 1995, Les Plumes du coq (1975) foi incluído no catálogo “Espace Nord”, um espaço que reúne mais de 400 títulos da herança literária belga francófona. Com a inserção, o livro foi acompanhado por um magnífico prefácio do escritor Jean-Louis Lippert, que descreveu especialmente o estilo único do autor. Anos mais tarde, o livro foi relançado na mesma coleção em março de 2016 e também em 2023.
Outro exemplo de homenagem póstuma foi visto na França também ao final do século XX. No ano de 1996, a revista literária e acadêmica parisiense Prétexte dedicou o seu 10º número a um dossiê sobre a literatura belga contemporânea intitulado “Spécial Belgique”. Dentre os quatro cadernos críticos da edição, um deles foi particularmente dedicado ao romancista e intelectual Conrad Detrez, que destacou seu papel fundamental no processo de renovação e popularização da literatura belga no cenário europeu.
Já nos meses seguintes, os principais centros literários da França seguiram essa linha honorífica. Entre os anos de 1996 e 1997, tanto a La Revue Nouvelle quanto a Textyles, duas grandes revistas francesas, deslocaram dossiês temáticos para a investigação do estado atual da literatura belga na sociedade francesa. Nesse contexto, surgiu uma notável quantidade de artigos científicos e ensaios acadêmicos sobre a produção multifacetada de Detrez durante a década de 1980.
Dentre eles, destaca-se o artigo intitulado “Conrad Detrez et le vécu brésilien: genèse d’une écriture”, publicado por Rita Olivieri-Godet (1996) na Textyles. No ano seguinte, o ensaio foi traduzido para a língua portuguesa e publicado na terceira edição da Escrita, a revista do programa de Mestrado e Doutorado em Letras da PUC do Rio de Janeiro (OLIVIERI-GODET, 1997). Esses dois trabalhos contribuíram para reforçar o papel pioneiro de relevância e protagonismo de Detrez no campo literário europeu.
Esses arquivos históricos da Prétexte, La Revue Nouvelle, Textyles e Escrita ilustram, de forma significativa, a vitalidade das produções literárias no período. Segundo Almeida (2005), esses e outros materiais do século passado ajudaram a registrar o inegável sucesso da nova geração literária que emergiu no Ocidente a partir da virada dos anos 1980. Nesse cenário, a literatura Detrez possui um papel determinante de inovação, influência e vanguarda (ALMEIDA, 2005).
As homenagens ao legado do belga seguiram no século XXI, ainda que acontecessem de forma tímida pelo mundo. Em 2015, no trigésimo aniversário de sua morte, sua vida foi celebrada em um pequeno encontro, em que os testemunhos de William Cliff e André Joseph Dubois, dois escritores que o conheceram pessoalmente, foram reunidos.
Já em 2020, o escritor brasileiro Luiz de Miranda dedicou seu livro Os Magadaes (2020) a Detrez. A obra é um compilado de contos ambientados na Bruxelas dos anos 1970, enquanto o mundo enfrentava tumultos e conflitos, desde a Guerra do Vietnã até as ditaduras sul-americanas e os movimentos de libertação na África. A homenagem se deu pelo fato de o autor ter conhecido o belga em vida que, juntamente com seu amigo Paulo Roberto de Almeida, ajudava-o na tradução de textos antiditatoriais para o francês.
Em 2023, Clément Dessy, grande literato belga e professor da Universidade Livre de Bruxelas, reeditou e republicou três dos grandes romances de Detrez - Ludo (1974), Les Plumes du coq (1975) e L'Herbe à brûler (1978a) – em formato de bolso pela coleção Espace Nord, visando a maior popularização e circulação desses clássicos. O empreendimento colheu bons frutos: os livros fizeram sucesso nas prateleiras das livrarias belgas.
As três republicações contaram com uma repaginação da opção gráfica das capas das primeiras versões. Como pode ser observado na imagem abaixo, cada título é acompanhado por um autorretrato que revela o escritor em um estilo semelhante ao de uma cabine fotográfica em preto e branco. O cigarro aparece entre os lábios e dedos do autor. Seu olhar evita a lente da câmera: na primeira, ele se desvia lateralmente; nas outras, eleva-se, sugerindo uma busca pela imaginação.
Imagem 2 - Versões mais atuais das edições dos principais romances de Conrad Detrez.
Além da parte gráfica, o editor também foi responsável por escrever os posfácios das três novas edições, em que analisou a biografia e as inovações literárias do autor. Em um deles, chegou a homenagear o romancista com o título honorífico de “Régis Debray das letras valônicas”, em referência ao filósofo e escritor francês que militou ao lado de Che Guevara na década de 1960.
10. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o período da redemocratização, vive-se atualmente um contexto ímpar de recrudescimento do autoritarismo no Brasil. Na atual conjuntura, narrar a trajetória de militantes perseguidos pela ditadura civil-militar brasileira é uma estratégia para impedir o apagamento proposital da repressão. Em um país de ambiguidades e polaridades, é preciso tomar partido e, nesse contexto, o trabalho do historiador surge como lâmpada em meio a uma escuridão marcada por preconceitos, estereótipos e silenciamentos.
Nesse cenário adverso, foi analisada a trajetória de Conrad Detrez, um romancista belga de consciência política e um estilo enérgico, que viveu as principais convulsões do período pós-guerra. Nascido em uma família rural e católica em Liège, desviou-se do destino que parecia naturalmente destinado a ele, o sacerdócio, e encontrou forças para transcender suas raízes pelo mundo. Ele se tornou um ativista revolucionário, dedicado à libertação dos povos oprimidos, com um foco especial no povo brasileiro.
Em 1962, Conradus Primus, seu pseudônimo durante a primeira fase de sua vida, desembarcou no Brasil. Em sua passagem pelo território brasileiro, trabalhou como jornalista e ensinou literatura francesa, chegando a lecionar na USU, URJ e PUC. Em 1964, presenciou o golpe civil-militar que destituiu João Goulart e instaurou uma longa ditadura no país. Durante o regime ditatorial, militou em grupos de universidades, organizações esquerdistas e comunidades eclesiais progressistas.
Durante esses anos, sua trajetória foi movida por escolhas instigadas conscientemente por seus anseios e utopias. Renunciou ao seu cargo formal de professor para ser um homem de ação e de revolução, reservando a escrita ficcional de sua vida para a idade da maturidade que sabia que estava por vir, a partir das suas múltiplas experiências vividas no país, entre as quais o ativismo político como um lugar de destaque. Um sujeito que influenciou e foi influenciado pelos eventos que vivenciou, analisou e narrou.
Nesse sentido, a figura do Brasil pode ser lida como um lugar utópico que alimentou os desejos e sonhos mais profundos de Conrad Detrez. Foi a terra da tentação, da vontade, da esperança, da possibilidade, do engajamento, da realidade e da transformação, mas, sobretudo, da vida, de uma nova vida. Foi seu refúgio de uma Europa superficial que condenava seus habitantes a um derradeiro vazio existencial. Foi, antes de tudo, um lugar para o seu renascimento, enquanto homem, homossexual, intelectual e militante. Todavia, também foi lugar de sofrimento. Aqui, foi preso, torturado pelos militares e expulso do Brasil em 1967.
Após ser expurgado do país, o jornalista retornou à Europa. Lá escreveu e publicou relatos, ficcionais ou não, acerca das experiências vividas em sua viagem. Contextualizados pelo panorama político e social brasileiros, também teceu comentários sobre as vivências sociais e culturais que testemunhou, mencionando, sobretudo, o valor estético e social da literatura de João Cabral de Mello Neto, Jorge Amado, Antonio Callado, José Lins do Rego, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Carolina Maria de Jesus.
Todavia, ao mesmo tempo em que o Brasil foi o lugar do seu renascimento, ele também foi o local em que Detrez pôde ressignificar seu próprio passado, de forma inconsciente ou mesmo semiconsciente. O acesso à literatura e cultura brasileiras possibilitou que o belga pudesse metamorfosear suas heranças culturais importantes, como o barroco, por exemplo, e, assim, redescobrir a riqueza do patrimônio literário de sua terra natal em seu tempo presente. Um encontro, dessa maneira, do Novo Mundo no Velho Continente e vice-versa.
Nesse contexto, sua trajetória em sua primeira passagem pelo Brasil foi influenciada pela interseção entre religiosidade, homoerotismo, política e resistência, o que desembocou na construção de um sujeito polissêmico e multifacetado, caracterizado pela versatilidade e atuação em diferentes áreas no Brasil durante os anos de 1962 e 1967, seja no catolicismo, na militância, na política ou na intelectualidade. Por conseguinte, o belga também influenciou a cultura brasileira em âmbito internacional, tendo em vista que suas primeiras obras publicadas foram traduções de autores brasileiros e ensaios sobre o contexto do país.
Em termos temporais, o novo compromisso militante de Detrez na Europa abrangeu o evento-limite de Maio de 1968, começando no início dos anos 1960 e se estendendo até o início dos anos 1980. Em termos espaciais, seu principal papel envolveu a circulação de textos e ideias políticas, principalmente entre a Europa e a América Latina, tendo Paris como centro primário de difusão. A partir de meados dos anos 1970, Detrez passou a se autoquestionar por meio de suas obras, praticando o que ele chamava de “autoanálise literária”, ao mesmo tempo em que escrevia seus testemunhos da história mundial.
Depois de seu retorno à Europa, o escritor, entre os anos de 1972 e 1986, publicou onze obras, tanto de cunho literário quanto analítico da realidade política de diversos países. Em ordem cronológica, os seus títulos publicados foram Les Mouvements révolutionnaitres en Amérique latine (1972); Ludo (1974); Les Plumes du coq (1975); L'Herbe à brûler (1978a); La Lutte finale (1980a); Le Dragueur de Dieu (1980b); Les Noms de la tribu (1981); La Guerre blanche (1982a); Le Mâle apôtre (1982b); La Ceinture de feu (1984b); e, postumamente, La Mélancolie du voyeur (1986a).
Sua literatura foi permeada por uma profunda nostalgia pela infância e juventude. Para este ex-seminarista, a infância simbolizava a fusão das diferenças, um tempo perfeito e feliz, ainda que frágil, no qual alma e corpo se encontravam unidos, em um mundo sem conflitos. Ao longo de sua vida, todavia, começa a perceber o desejo, especialmente o desejo homossexual, como algo que quebrou essa harmonia. À medida que seus desejos se intensificavam, ele observou um aumento no abismo entre uma alma que buscava paz e um corpo entregue à lascívia. Para o autor, a tarefa interminável de um narrador literário seria conciliar esses impulsos aparentemente irreconciliáveis.
Nesse cenário, sua literatura se destacou por sua natureza autobiográfica em busca dessa conciliação. Sua imaginação aderiu intimamente à realidade. Em Ludo (1974), transportou os leitores para sua infância em uma aldeia, um período marcado pelas sombras da Segunda Guerra Mundial. Les Plumes du coq (1975) mergulhou em sua adolescência, revelando as angústias e amarguras despertadas pela Questão Real. Já em Le Dragueur de Dieu (1980b), compartilhou sua experiência no seminário, explorando temas de fé, sexualidade e identidade em meio a um contexto religioso. Por fim, em L'Herbe à brûler (1978a), confrontou sua dupla descoberta da sua homossexualidade e do seu engajamento revolucionário.
Dentre eles, seus principais romances foram construídos a partir de uma hibridização cultural entre o barroco europeu, representado pelos clássicos francófonos, e o modernismo brasileiro, encabeçado por Jorge Amado, ao reunir o misticismo, a esperança revolucionária e o erotismo homossexual. Neles, também reuniu a herança francesa e o maniqueísmo ocidental com o realismo socialista baiano, o espírito carnavalesco carioca e o onirismo psicanalítico. Para esse fim, usou o tragicômico – uma forma mestiça em si – para narrar e publicizar toda a mistura cultural que viveu quando esteve na Bélgica, no Brasil, no Uruguai, na França, em Portugal, na Argélia e na Nicarágua.
Nessa direção, é possível observar a trajetória de uma vida aberta aos três continentes nos quais passou e aos mais variados ventos do Ocidente. Além disso, também se enxerga um homem multifacetado que incorporou as principais facetas culturais, sociais, econômicas e políticas dos lugares que viveu, passando desde sua origem valona e flamenga, mas federalista belga – e francês por adoção – até sua convicção política terceiro-mundista experienciada na América Latina e África.
Nota-se também a recorrente busca, relativamente angustiante, de uma significação por meio desses deslocamentos, seja por meio de movimentações físicas, metafóricas ou psicanalíticas. Ao ter vivido novas experiências no Brasil e sido expulso do país, o belga procurou sentido em outros locais que viveu: França, Bélgica, Portugal, Argélia e Nicarágua. Todavia, não encontrou, a não ser, futuramente, na literatura autobiográfica do seu próprio “eu” ao longo do tempo.
Desde seu primeiro conto ficcional, Ludo (1974), as questões mobilizadas pelo autor diziam respeito a três dimensões interligadas em sua trajetória: a política, a religiosa e a sexual. Estes temas são, por exemplo, minuciosamente explorados nas suas descrições sobre os meios revolucionários brasileiros, em que o indivíduo e a história, o sexo e a política, se entrelaçam de forma oposta e complementar. A plenitude da infância, inalcançável para o adulto vivo, permanece como um ideal distante. Sexo, violência e morte estão entrelaçados de forma intrínseca em sua literatura.
Fascinado pela liberdade de costumes dos trópicos, o belga passou a usar a dualidade da sua própria arte para afirmar o fato de existir enquanto indivíduo único e, assim, narrou sua própria vida sem amarras e estereótipos em seus livros. Sua trajetória foi caracterizada por fases dialetais que foram resultantes dos choques culturais que vivenciou ao longo da sua maioridade. Desse modo, sua literatura, seja ela alucinada, ficcional e/ou política, esteve profundamente imersa nessas relações.
A interseção entre religiosidade, homoerotismo, política e resistência passou a moldar a sua vida após sua primeira passagem pelas ruas brasileiras. A partir dessa experiência, seu engajamento social, político, literário e cultural trouxe contribuições para a política e cultura nacionais. Foi o amor que o despertou para a realidade brasileira. E é esse mesmo amor que se espera que contribua para trazer luz à escuridão que permeia a atual realidade.
Nascido em um ambiente católico e conservador, a trajetória do belga francófono Conrad Detrez foi marcada por uma sina metamorfósica e internacionalista em sua completude. Seja como cronista, romancista, poeta, jornalista, repórter, crítico literário, tradutor, diplomata, político ou guerrilheiro, a polissemia de sua vida influenciou o desenrolar da história e cultura brasileiras tanto de modo endógeno quanto exógeno. Desapegado de suas origens provincianas, mas sem esquecê-las, o seu novo berço passou a ser o mundo ao seu entorno e o seu destino a própria História.
11. ANEXO A
Entrevista de frei Betto, cujo nome de batismo é Carlos Alberto Libânio Christo, nascido em 25 de agosto de 1944 em Belo Horizonte (MG). Sua trajetória política teve início em 1958, quando se envolveu na Ação Católica (AC). Mais tarde, em São Paulo, juntou-se à Ordem Dominicana e, ao lado de outros frades do Convento de Perdizes, participou ativamente do Movimento Estudantil da Universidade de São Paulo (USP). Em 1964, enfrentou uma detenção de 15 dias pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). Uma segunda prisão ocorreu em 9 de novembro de 1969, devido ao seu apoio à Ação Libertadora Nacional (ALN) e ao seu líder, Carlos Marighella. Nesse segundo episódio, foi processado e julgado pela Justiça Militar por supostos crimes contra a Lei de Segurança Nacional. Durante os quatro anos em que permaneceu detido, frei Betto passou por diversas prisões estaduais. Ao longo de sua trajetória, desenvolveu uma grande amizade com Conrad Detrez. Após sua libertação, dedicou-se ativamente ao movimento pastoral e concentrou-se na escrita. Publicou várias obras que narram suas experiências durante o período da ditadura civil-militar. Entre 2003 e 2004, exerceu a função de Assessor Especial da Presidência da República.
Como estava sendo o cenário do Brasil do início da década de 1960 até o golpe? Como estava sendo a atuação política e religiosa do senhor nesse período?
Fui para o Rio em 1962 para integrar a direção nacional da JEC (Juventude Estudantil Católica), um dos segmentos da Ação Católica. Desde 1960 eu atuava, via JEC, na política estudantil em aliança com a Juventude Comunista, do PCB. Em 1961 fui eleito primeiro vice-presidente da UMES (União Municipal de Estudantes Secundaristas) de Belo Horizonte. Em 25/8/61 liderei manifestações estudantis pela volta de Jânio Quadros à presidência da República. Foi no Rio que conheci Conrad Detrez, enviado ao Brasil para assessorar a JOC brasileira. Ele era belga e a JOC, raiz de toda a Ação Católica, foi fundada na Bélgica em 1912. O Brasil, e em especial o Rio, estava em efervescência política e cultural. O governo Jango prometia reformas de base. As Ligas Camponesas, no Nordeste, lutavam por reforma agrária. A UNE (União Nacional dos Estudantes) disseminava pelo país os CPCs (Centros Populares de Cultura). O vocábulo que definia a conjuntura nacional era o adjetivo Novo: o cinema era novo; a literatura era nova; a economia de Celso Furtado era nova; a nova capital se instalava em Brasília; e, na música, a bossa era nova.
Nesse contexto, é documentada uma aproximação do senhor com Conrad Detrez, seminarista recém chegado da Bélgica ao Brasil. Pode falar melhor sobre como se deram os primeiros encontros com Detrez em 1962, no Rio de Janeiro?
Não tenho lembrança de como foram os primeiros contatos. Sei que foram via Ação Católica e que ficamos muito amigos. E como carecíamos de dinheiro, decidimos publicar apostilas sobre a obra teológico-científica do padre Teilhard de Chardin, na época best-seller mundial. Conrad traduzia do francês e eu escrevia os textos e rodava no mimeógrafo. Vendíamos na porta de faculdades. Também levei-o a Minas, onde conheceu minha família e ficou encantado com Ouro Preto.
Em um de seus relatos autobiográficos, Detrez divide sua própria vida em duas: uma na Bélgica como camponês e outra no Brasil como militante. Poderia compartilhar como se deu o desabrochar de Detrez para a política no Brasil?
Suponho que, primeiro, através da JOC. E, em seguida, por ele ter se tornado militante da Ação Popular, movimento de esquerda nascido da JUC, mas que não tinha nenhum caráter religioso ou vínculo com a Igreja.
Devido sua atuação política, Detrez foi preso, Conrado torturado pelos militares e expulso do Brasil em 1967. Pode falar melhor sobre como se deu a fuga de Detrez do Brasil? Poderia falar mais sobre como foram os dias de Detrez desde sua prisão até a ida ao exílio?
Em 1967 eu, já frade mas jornalista, fui trabalhar como repórter na Folha da Tarde, em São Paulo. La arrumei emprego para Conrad ser editor do caderno de notícias internacionais. Não me recordo de quanto tempo ele ficou no jornal. De lá foi para o exílio. Retornou clandestinamente em outubro de 1969, como colaborador da revista Les Temps Modernes, dirigida por Jean-Paul Sartre, para entrevistar Carlos Marighella. Entrou pelo Uruguai e me contatou em São Leopoldo (RS), onde eu estudava teologia e repassava guerrilheiros urbanos pelas fronteiras do Brasil com Argentina e Uruguai. Foi a última entrevista concedida pelo comandante da ALN (Ação Libertadora Nacional). Em 4 de novembro Marighella foi assassinado pela repressão.
No exílio, existia comunicação entre o senhor e Detrez por meio de cartas ou encontros presenciais? Se sim, quais eram os principais assuntos que conversavam?
Acho que sim, sobretudo quando ele me contatou para entrevistar Marighella. Mas queimei todas as cartas e documentos, por questão de segurança. Reencontrei-o em São Paulo. Levei-o para trabalhar na Folha da Tarde, como comentarista de política internacional. Em outubro de 1969, quando me encontrava cursando teologia no seminário Cristo Rei, em São Leopoldo, fui surpreendido pela inesperada visita de Conrad Detrez. Viera da Europa via Montevidéu, desembarcara do ônibus em Porto Alegre, trazendo uma missão jornalística encomendada pela revista Les Temps Modernes, de Jean-Paul Sartre: entrevistar Carlos Marighella. Este se tornara conhecido na Europa após o sequestro do embaixador dos Estados Unidos no Brasil, no mês anterior, em uma operação conjunta da ALN, comandada por Marighella, e o MR-8. Com o dinheiro que ganhou de direitos autorais, Conrad Detrez comprou um pequeno apartamento de cobertura junto ao Sena, no centro de Paris. Visitei-o ali em 1980, quando estive pela primeira vez na Europa. Estava inteiramente absorvido pela literatura. Em março de 1981, reencontrei-o em Paris e almoçamos juntos no Le Procope, o mais antigo café do mundo, fundado em 1686. Na placa em mármore à porta, os nomes de seus mais famosos frequentadores: Voltaire, Robespierre, Danton, Napoleão, Victor Hugo e Verlaine. Ao sabor de uma garrafa de Beaujolais, comemos pato ao molho pardo com talharim. À saída, fomos contemplar os vitrais da catedral de Notre Dame. Em companhia de frei João Xerri, meu prior na comunidade dominicana de São Paulo, cheguei a Manágua na quarta-feira, 17 de novembro de 1982. No convento, recebi a visita de Conrad Detrez que, graças à sua amizade com Régis Debray, foi nomeado pelo presidente François Mitterrand adido cultural da embaixada da França. Éramos velhos amigos. Estava feliz quando o encontrei naquela tarde de novembro. Não mais nos veríamos.
Como os mais próximos de Detrez lidavam com a homossexualidade do belga? Havia resistência de religiosos ou militantes?
Nunca percebi nenhum preconceito com ele. E sua vida afetiva era sempre muito discreta. Sabia que ele tinha namorados, quase todos negros, mas não me lembro de ter conhecido nenhum. Nem mesmo o africano que ele namorava quando o visitei em Paris quando já tinha sido contaminado pelo HIV. Antes, encontrei-o na Nicarágua, onde atuava como adido cultural da embaixada da França. Este país o adotou e o premiou como romancista.
Em 11 de fevereiro de 1985, Detrez morreu de complicações da AIDS. Lembra de como essa notícia foi recebida no Brasil? Houve comoção na política ou de grupos católicos?
Sim, os amigos e amigas daqui ficaram muito consternados.
12. FONTES E REFERÊNCIAS
12.1. FONTES
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12.2. FILMOGRAFIA
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12.3. PERIÓDICOS CONSULTADOS
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Cidade de Santos (1985)
Correio da Manhã (1967-1971)
Diário da Noite (1970-1971)
Diário de Notícias (1962-1974)
Diário de Pernambuco (1971-1979)
Diário do Pará (1985)
Diário do Paraná (1979)
IstoÉ (1978)
Jornal de Caxias (1979)
Jornal do Brasil (1966-1985)
Jornal do Commercio (1967-1972)
Jornal dos Sports (1967)
Manchete (1982-1993)
Luta democrática (1967)
O Jornal (1966-1970)
O Pioneiro (1979)
Veja (1978)
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[1] A conclusão de que Conrad Detrez fez parte de alguma tendência literária na Europa não é um consenso entre os seus pesquisadores. Ribeiro (2019, p. 235), por exemplo, é categórica em afirmar que “O autor de Ludo (1974) não faz parte de nenhum grupo literário”. Entretanto, é possível contestar essa afirmação a partir da assimilação de características da tendência literária apontadas por Klinkenberg (2009) e Włoczewska (2012) à literatura de Detrez.
[2] Pouquíssimas menções secundárias à vida ou a alguma contribuição político-cultural de Conrad Detrez podem ser observadas nos seguintes trabalhos acadêmicos brasileiros, a saber: Pereira (1995), Pedro e Wolff (2011; 2020), Feijó (2011), Santos (2015), Cardoso (2016), Baptistini (2017), Vargas (2018) e Cavalcanti (2020). Nenhum deles, porém, aprofundou uma análise em torno da história de vida de Detrez, mesmo que esse movimento pudesse enriquecer suas investigações sobre a literatura e/ou a história brasileiras. Essa superficialidade é um sintoma das invisibilidades presentes em sua biografia no Brasil.
[3] Uma das poucas exceções brasileiras a essa afirmação parece ser o artigo “Conrad Detrez: o romance como arma de combate”, no qual Maria Cláudia Badan Ribeiro se debruça sobre as diversas manifestações experienciadas pelo escritor e militante em confronto ao movimento de apagamento de sua biografia ao longo do tempo. Ver: Ribeiro (2019).
[4] Por “romance autobiográfico”, leva-se em consideração a definição de Lejeune (2008), que a caracteriza como um texto ficcional em que haveria dúvidas do leitor sobre a identidade compartilhada entre autor e personagem, em vista de que o primeiro resolveu negar ou não afirmar essa relação. Seria, assim, definida por sua diferenciação frente ao gênero autobiográfico em si, seja em seus graus ou em seu conteúdo. Contendo nomes fictícios, por exemplo, seria um gênero textual que não pressupunha uma identidade assumida necessariamente na enunciação, posto que a semelhança produzida é totalmente secundária. Por suas características duais, esse gênero literário faz parte de um jogo de ambiguidade.
[5] “Leopoldus N’Dongo” é, possivelmente, um pseudônimo criado por Conrad Detrez em Jardim do Nada (1979). Em 1980, o belga reconheceu que fazia uso de nomes fictícios ao abordar pessoas em seus livros (BONFIM, 1980). Devido à importância do personagem para a biografia do autor, a alcunha original contida na obra ficcional foi mantida.
[6] “Alphonsine” é, possivelmente, um pseudônimo criado por Conrad Detrez em Jardim do Nada (1979). Em 1980, o belga reconheceu que fazia uso de nomes fictícios ao abordar pessoas em seus livros (BONFIM, 1980). Devido à importância do personagem para a biografia do autor, a alcunha original contida na obra ficcional foi mantida.
[7] “Rodrigo da Silva” é, possivelmente, um pseudônimo criado por Conrad Detrez em Jardim do Nada (1979). Em 1980, o belga reconheceu que fazia uso de nomes fictícios ao abordar pessoas em seus livros (BONFIM, 1980). Devido à importância do personagem para a biografia do autor, a alcunha original contida na obra ficcional foi mantida.
[8] “Fernando” é, possivelmente, um pseudônimo criado por Conrad Detrez em Jardim do Nada (1979). Em 1980, o belga reconheceu que fazia uso de nomes fictícios ao abordar pessoas em seus livros (BONFIM, 1980). Devido à importância do personagem para a biografia do autor, a alcunha original contida na obra ficcional foi mantida.
[9] Daerden (2003), entretanto, contesta a factualidade dessa versão, afirmando que essa foi uma versão literária criada por Detrez para narrar sua prisão política com ênfase autoficcional. Nesse contexto, o historiador belga afirma que a realidade teria sido mais prosaica do que realmente foi e que não teria havido violência física grave.
[10] Frei Betto ganhou destaque entre eles por sua atuação na ajuda à fuga de perseguidos políticos pela fronteira entre Brasil, Argentina e Uruguai. Durante os poucos meses em que a travessia pelo Sul foi viável, passaram por ela militantes como Joaquim Câmara Ferreira, conhecido como Toledo, Franklin Martins e o jornalista Conrad Detrez (SANTOS, 2015).
[11] Nesses cinco países, a veiculação dos movimentos brasileiros de resistência foi vista, sobretudo, em torno da tradução de escritos políticos de Carlos Marighella, uma das grandes lideranças das guerrilhas do Brasil. Dentre eles, destaca-se a publicação de Acción libertadora (1970) e Pour la libération du Brésil (1970), em Paris; Escritos de Marighella: Contribuciones del guerrillero brasileño a la lucha de liberación de Latinoamérica (1971), em Santiago; Urban guerrilla warfare (1971), em Londres; Teoría y accíon revolucionarias: Carlos Marighella (1971) e La Guerra revolucionaria (1971), no México; e Escritos políticos y militares de Carlos Marighella (1975), em Bogotá.
[12] Esprit é uma revista literária francesa. Fundado em 1932 pelo filósofo Emmanuel Mounier, a revista mensal era o rival não marxista do Les Temps Modernes, a mais importante revista literária do período pós-guerra na França fundada por Simone de Beauvoir, Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. As suas raízes estavam no catolicismo de esquerda, mas as suas preocupações eram amplas e internacionais. O filósofo Paul Ricoeur colaborou frequentemente com o periódico.
[13] Raymond Marcellin (1914-2004) foi um político gaullista conservador que atuou como ministro do Interior na França entre 31 de maio de 1968 e 27 de fevereiro de 1974. Era um defensor ferrenho da ordem pública desde os eventos de Maio de 68, mantendo uma postura firme, ao utilizar um considerável arsenal repressivo para combater tanto a extrema esquerda quanto a extrema direita, embora demonstrasse menos vigor neste último caso.
[14] As 21 editoras francesas envolvidas nesse ato em torno de Pour la libération du Brésil (1970) foram as seguintes: Aubier Montaigne, Christian Bourgois, Buchet-Chastel, Le Centurion, Le Cerf, Armand Colin, Denoël, Esprit, Flammarion, Grasset-Fasquelle, Gallimard, Pierre Horay, Magnard, Mercure de France, Minuit, Robert Morel, J.-J. Pauvert, Seghers, Le Seuil, La Table Ronde e Claude Tchou. Com o patrocínio, ambas passaram a estampar seus nomes da nova edição do livro, ao passo que condenaram publicamente a arbitrariedade do ministro. A instigação para esse movimento partiu de Claude Durand.
[15] O termo “autoficção” foi considerado pela sua representatividade inovadora frente à literatura disruptiva de Detrez na época, ainda que Saenen (2016) o considere insuficiente para dar conta do carácter do empreendimento, porque apenas evidenciaria o essencial viés de mudança adotado para retratar sua versão da realidade.
[16] Três anos após a publicação do livro, Conrad Detrez negou que fizesse parte de uma conveniente rubrica de “romance homossexual”, em que a homossexualidade seria narrada de forma única apenas por si mesma. “Je n’ai pas voulu qu’on me colle une étiquette – vite posée – de romancier homosexuel: elle est aujourd’hui à la mode et je ne veux pas de cette image de marque” [“Não queria receber o rótulo – aplicado rapidamente – de romancista homossexual: está na moda hoje e não quero que esta imagem de marca”] (DETREZ, 1981 apud MERTENS, 1981). Ao contrário, a abordagem do romancista quanto à sua sexualidade era alusiva, latente e casta, em que a descrição de cenas amorosas nunca beirava a pornografia (ALMEIDA, 2011a).
[17] A longa conversa entre Rosa Freire d’Aguiar e Conrad Detrez realizada em fins de 1978 foi recentemente publicada pela jornalista brasileira em Sempre Paris: crônica de uma cidade, seus escritores e artistas (2023), um compilado de textos e entrevistas com figuras proeminentes da cena cultural, intelectual e artística de Paris durante as décadas de 1970 e 1980, quando atuou como correspondente na França.
Publicado por: Lucas Barroso
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