Responsabilidade Civil Cirúrgica

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1. Parecer Jurídico sobre Responsabilidade Civil Cirúrgica

Este texto apresenta uma situação hipotética, com personagens e nomes de instituições criados exclusivamente para ilustrar e exemplificar a argumentação. Os nomes de pacientes, médicos e hospitais, assim como o caso relatado, são inteiramente ficcionais e não têm qualquer ligação com pessoas, entidades ou eventos reais. A história narrada serve apenas como uma ferramenta didática para a discussão do tema em questão.

Exmo. Sr. João da Silva,

Este parecer visa analisar as circunstâncias e a responsabilidade associadas aos procedimentos cirúrgicos que resultaram na paraplegia de João da Silva, diagnosticado com escoliose idiopática. Serão examinadas a natureza das responsabilidades dos médicos e dos hospitais, considerando diferentes contextos de relações profissionais, e as implicações legais e contratuais da celebração de um plano de saúde após o diagnóstico de uma doença. A análise baseia-se em fundamentos doutrinários, jurisprudenciais e nos princípios do direito.

2. Relatório

João da Silva, de 15 anos, foi diagnosticado com escoliose idiopática e submetido a uma cirurgia no Hospital Isaac Newton, sob a orientação do Dr. Guilherme Ostrondo de La Veiga. Após a cirurgia, constatou-se que a paraplegia era causada por fragmentos ósseos na medula espinhal. Este parecer examina:

  1. A natureza da responsabilidade dos médicos e dos hospitais.
  2. O impacto da relação profissional entre médicos e hospitais.
  3. Cobertura e falta de plano de saúde caso seja diagnosticada infecção.

3. Fundamentação

3.1. Natureza Jurídica da Relação entre Médico e Paciente

A relação entre médico e paciente pode ser qualificada tanto como civil quanto consumerista. Quando a prestação de serviços médicos ocorre em ambiente hospitalar, sobretudo em instituições privadas, aplica-se a legislação consumerista (Lei nº 8.078/1990 - CDC), que visa proteger a parte vulnerável, ou seja, o paciente/consumidor. Esta abordagem é endossada pela doutrina majoritária e pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

3.2. Relação de Meio ou de Resultado

No contexto médico, a obrigação é de meio e não de resultado. Isso significa que o médico se compromete a empregar todos os recursos possíveis e agir com diligência, perícia e prudência, mas não garante a cura ou o resultado esperado. Este entendimento é fundamental para a análise da responsabilidade médica e está respaldado pela doutrina e pela jurisprudência, como no REsp 1.355.564/SP.

3.3. Responsabilidade Civil dos Médicos

A responsabilidade civil dos médicos é subjetiva, fundamentada na culpa, conforme disposto no art. 186 do Código Civil: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, comete ato ilícito." Para a responsabilização, é necessário comprovar a culpa, o nexo causal entre a conduta e o dano, e o dano em si. Este entendimento é reforçado em decisões como o REsp 1.355.564/SP, que destaca a necessidade de prova da culpa para a responsabilização médica.

Para demonstrar a culpa do médico, é necessário comprovar três elementos fundamentais: Ação ou omissão voluntária do médico durante o tratamento. Dano ao Paciente: Comprovação do dano sofrido pelo paciente, no caso, a paraplegia. Nexo Causal: Relação direta entre a conduta do médico e o dano causado.

Exemplos de Prova de Culpa: Laudos Periciais: Laudos que demonstrem que a conduta do médico foi negligente, imprudente ou imperita. No caso de João, um perito pode avaliar se a manipulação cirúrgica foi inadequada ou se houve falha técnica durante a operação. Testemunhos de Especialistas: Depoimentos de outros profissionais da saúde que possam corroborar a existência de falhas no procedimento realizado pelo médico. Histórico Médico: Documentação completa do tratamento pré e pós-operatório, incluindo registros de comunicação entre médico e paciente, consentimentos informados e relatórios cirúrgicos.

Já em relação ao Nexo Causal: Para estabelecer o nexo causal, é essencial demonstrar que a paraplegia foi uma consequência direta das ações do médico durante a cirurgia. Isso pode ser feito através de exames de imagem e relatórios

cirúrgicos que indiquem a presença de fragmentos ósseos na medula como resultado direto da manipulação médica.

3.4. Responsabilidade Civil dos Hospitais

A responsabilidade civil dos hospitais é objetiva, conforme o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor (CDC): "O fornecedor de serviços responde, independentemente de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços." Assim, os hospitais respondem objetivamente pelos danos causados aos pacientes, incluindo falhas na estrutura, nos equipamentos e na prestação de serviços auxiliares. A jurisprudência do STJ, como no REsp 802.832/SP, endossa essa visão, responsabilizando objetivamente os hospitais pelos danos decorrentes de suas atividades.

3.5. Relação entre Médicos e Hospitais

3.5.1. Médico Integrante do Corpo Clínico do Hospital

Quando o médico é parte integrante do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital é solidária, conforme o art. 932, inciso III, do Código Civil e o art. 14 do CDC. A responsabilidade solidária implica que o hospital responderá objetivamente pelos atos dos médicos de seu corpo clínico, independentemente da culpa do médico, desde que haja falha na prestação do serviço hospitalar. Este entendimento é corroborado pela doutrina e pela jurisprudência, incluindo decisões como o REsp 1.360.969/RS, onde se estabeleceu que o hospital responde objetivamente pelos atos dos médicos vinculados ao seu corpo clínico.

3.5.2. Médico Não Integrante do Corpo Clínico do Hospital

Se o médico não faz parte do corpo clínico do hospital, a responsabilidade do hospital se limita aos serviços que presta diretamente, como a infraestrutura e a equipe auxiliar. Neste caso, o hospital não é responsável pelos atos exclusivamente médicos, salvo se houver falha na prestação dos serviços auxiliares ou na estrutura oferecida.

3.6. Cobertura do Plano de Saúde Pós-Diagnóstico

3.6.1. Cobertura de Gastos da Cirurgia

Se o plano de saúde foi contratado após o diagnóstico, ele não é obrigado a cobrir doenças pré-existentes, conforme a Lei nº 9.656/1998. A legislação prevê mecanismos de proteção tanto para o consumidor quanto para a operadora do plano de saúde, estabelecendo limites e prazos específicos.

3.6.2. Prazo de Carência

O prazo de carência para doenças pré-existentes pode ser de até 24 meses, conforme o art. 11 e o art. 12, inciso V, "c" da Lei nº 9.656/1998.

3.6.3. Ônus da Prova

A operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é pré- existente, conforme a Súmula nº 609 do STJ, que estabelece que a alegação de doença pré-existente deve ser comprovada pela operadora do plano.

3.6.4. Casos de Urgência

Em casos de urgência ou emergência, o plano deve garantir atendimento imediato após 24 horas da contratação, conforme o art. 12, inciso V, "c" da Lei nº 9.656/1998. Este dispositivo busca proteger o paciente em situações críticas, garantindo acesso ao atendimento necessário sem esperar os prazos regulares de carência.

4. Análise Detalhada de Casos Específicos

Para aprofundar a análise, é fundamental examinar casos específicos que tratam de responsabilidade civil em contexto médico-hospitalar. A seguir, são apresentados exemplos de decisões judiciais que ilustram a aplicação dos princípios discutidos.

Caso 1: Responsabilidade Objetiva do Hospital

Caso REsp 1.355.564/SP: Neste caso, o STJ determinou que o hospital é responsável objetivamente por danos causados pela falha na prestação de serviços auxiliares, como manutenção de equipamentos e estrutura hospitalar. A decisão

reforça a interpretação de que a responsabilidade do hospital não depende da comprovação de culpa, mas sim da demonstração do nexo causal entre o dano e a falha na prestação dos serviços.

Caso 2: Responsabilidade Subjetiva do Médico

Caso REsp 1.360.969/RS: O STJ confirmou que a responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa. O tribunal destacou a importância de avaliar se o médico agiu com diligência, perícia e prudência durante o atendimento ao paciente. A decisão enfatiza que a obrigação do médico é de meio, não de resultado, e que a responsabilização só ocorre se houver prova de negligência, imprudência ou imperícia.

Caso 3: Cobertura de Plano de Saúde e Doenças Pré-existentes

Caso Súmula 609 do STJ: A súmula estabelece que a operadora do plano de saúde tem o ônus de comprovar que a doença é pré-existente à contratação do plano. Esse entendimento protege o consumidor ao impedir que as operadoras recusem indevidamente a cobertura sob alegação de preexistência sem a devida comprovação. A súmula é uma ferramenta importante na defesa dos direitos do consumidor em disputas contra operadoras de planos de saúde.

4.1. Discussão sobre Defesas dos Médicos e Hospitais

Uma análise completa do tema também deve considerar as possíveis defesas que médicos e hospitais podem apresentar em casos de responsabilidade civil. Essas defesas podem incluir:

Defesa de Médicos

  1. Ausência de Culpa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas pela profissão, e que a complicação ocorrida (como a paraplegia no caso de João) foi uma consequência imprevisível e inevitável do procedimento cirúrgico. Este argumento pode ser respaldado por laudos periciais e depoimentos de especialistas.

Defesa: O médico pode argumentar que agiu com a diligência, perícia e prudência exigidas, e que a paraplegia foi uma complicação imprevisível e inevitável.

Provas: Laudos médicos demonstrando que o procedimento foi conduzido conforme as melhores práticas médicas e que a complicação estava dentro dos riscos inerentes à cirurgia.

  1. Consentimento Informado: Os médicos frequentemente se defendem alegando que o paciente foi devidamente informado sobre os riscos inerentes ao procedimento e consentiu livremente após receber todas as informações necessárias. O consentimento informado deve ser documentado e assinado pelo paciente.

Defesa: O médico pode alegar que informou adequadamente o paciente e seus pais sobre os riscos envolvidos na cirurgia e que eles consentiram com o procedimento.

Provas: Documentação do consentimento informado assinado pelo paciente e seus responsáveis legais, detalhando os riscos e benefícios da cirurgia.

  1. Causa Multifatorial: A defesa pode argumentar que a lesão ou complicação teve causas multifatoriais, não relacionadas exclusivamente à conduta do médico. Por exemplo, a paraplegia poderia ser atribuída a uma condição médica preexistente ou a uma resposta fisiológica inesperada do paciente.

Defesa: Argumentar que a paraplegia resultou de múltiplos fatores, não exclusivamente atribuíveis à conduta médica.

Provas: Evidências de que a paraplegia poderia ter sido causada por fatores como condições preexistentes ou respostas fisiológicas inesperadas do paciente.

Defesa de Hospitais

  1. Ausência de Nexo Causal: O hospital pode alegar que não há nexo causal entre a sua conduta e o dano sofrido pelo paciente. Para isso, deve demonstrar que todos os serviços e equipamentos estavam em conformidade com as normas técnicas e de segurança.

Defesa: O hospital pode argumentar que a paraplegia não foi resultado de falhas na estrutura ou nos serviços prestados pelo hospital.

Provas: Relatórios de manutenção de equipamentos, registros de treinamentos da equipe, e protocolos seguidos durante a internação e cirurgia.

  1. Terceirização de Serviços: Em alguns casos, o hospital pode alegar que a responsabilidade pelos danos é de terceiros que prestaram serviços dentro de suas instalações (por exemplo, uma equipe de anestesia terceirizada). No entanto, essa defesa pode ser limitada pela responsabilidade objetiva prevista no CDC.

Defesa: O hospital pode alegar que todos os serviços prestados estavam de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Provas: Documentos comprovando que os equipamentos estavam em perfeito estado de funcionamento e que todos os procedimentos operacionais padrão foram seguidos.

  1. Prova de Adequação dos Serviços: O hospital pode apresentar provas de que seus serviços foram prestados de acordo com os padrões de qualidade e segurança exigidos. Isso pode incluir manutenção regular de equipamentos, treinamento contínuo da equipe e cumprimento de protocolos de segurança.

Defesa: Alegar que os serviços específicos que resultaram no dano foram prestados por terceiros contratados, como uma equipe de anestesia terceirizada.

Provas: Contratos e registros de prestação de serviços por terceiros, demonstrando que a responsabilidade direta não recai sobre o hospital.

5. Conclusão

Com base nos fatos, na legislação e na jurisprudência relevante, João da Silva tem fundamentos sólidos para processar médicos e hospitais, desde que se comprove a relação de causalidade e a culpa dos profissionais envolvidos. A responsabilidade do médico é subjetiva e depende da comprovação de culpa, enquanto a responsabilidade do hospital é objetiva e independe de culpa, especialmente se o médico fizer parte do corpo clínico do hospital.

Se o plano de saúde for contratado após o diagnóstico, a cobertura poderá ser limitada, sujeita a carências e à necessidade de comprovação da preexistência da doença. Em casos de urgência, a cobertura deve ser garantida após 24 horas da contratação do plano, protegendo o paciente em situações críticas.

A análise minuciosa da legislação, doutrina e jurisprudência permite concluir que, havendo falha na prestação de serviços médicos ou hospitalares, existem fundamentos legais para a responsabilização, assegurando os direitos do paciente conforme os princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção ao consumidor.

As defesas dos profissionais e das instituições de saúde podem incluir a ausência de culpa, a prova de consentimento informado e a demonstração de que todos os serviços e estruturas estavam adequados.

Esta análise minuciosa garante que as partes envolvidas estejam cientes de seus direitos e deveres, promovendo a justiça e a proteção do consumidor no âmbito da saúde.

É o parecer.

Belo Horizonte – Minas Gerais, 14 de junho de 2024

LEONAN BERGAMIM OLIVEIRA

6. Referências

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Brasília, DF, 2002.

BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF, 1990.

BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde. Brasília, DF, 1998.

STJ. Súmula nº 609. O ônus de comprovar que a doença é preexistente à adesão ao plano de saúde é da operadora.

STJ. Recurso Especial 802.832/SP. Relator: Min. Aldir Passarinho Junior. Data de Julgamento: 24/10/2006.

STJ. Recurso Especial 1.355.564/SP. Relator: Min. Ricardo Villas Bôas Cueva. Data de Julgamento: 27/08/2013.

STJ.     Recurso              Especial             1.360.969/RS.  Relator:              Min.      Paulo    de           Tarso Sanseverino. Data de Julgamento: 12/03/2014.


Publicado por: Leonan Bergamim Oliveira

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