ALIENAÇÃO PARENTAL: ALTERAÇÃO DO REGIME DE GUARDA COMO MEIO DE SANÇÃO
índice
- 1. RESUMO
- 2. INTRODUÇÃO
- 3. ALIENAÇÃO PARENTAL
- 3.1 CONCEITO
- 3.2 SUJEITOS
- 3.3 DIFERENÇA ENTRE A ALIENAÇÃO PARENTAL E A SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL
- 4. PREVISÃO LEGAL – LEI Nº 12.318/2010
- 5. SANÇÕES AO PROCESSO ALIENADOR
- 6. CONCLUSÃO
- 7. REFERÊNCIAS
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1. RESUMO
Este trabalho busca analisar e demonstrar as sanções que o juiz pode impor ao chamado alienador, dentre essas a alteração da guarda unilateral para guarda compartilhada ou sua inversão, com o objetivo de inibir ou atenuar a prática de alienação no menor ou adolescente, vítimas desta situação. Pretende demonstrar os reflexos que o assunto tem no ordenamento jurídico brasileiro, através da Lei nº 12.318/2010, conceitos, identificando a diferenciação entre alienação parental e Síndrome da Alienação Parental, os sujeitos, as características, o conteúdo da norma e suas penalidades previstas na lei.
Palavras-chave: Alienação Parental, Síndrome da Alienação Parental, Lei nº 12.318/2010, Sanções ao Processo Alienador, Alteração do Regime de Guarda.
2. INTRODUÇÃO
O presente trabalho monográfico busca esclarecer os pontos mais relevantes acerca das sanções da alienação parental, sobretudo da alteração do regime de guarda ou sua inversão, trazendo, ainda, seu entendimento perante os Tribunais.
Antes de adentrar especificamente na análise da alteração de guarda na alienação parental, se faz necessário apresentar o conceito histórico, o surgimento deste fenômeno e sua interferência no Direito de Família.
Sob o aspecto parental, também conhecido como “implantação de falsas memórias”, ou ainda Síndrome de Medéia, trata-se de lavagem cerebral ou programação das reações da criança e do adolescente pelo alienador, contrárias, em princípio, ao outro genitor, ou a pessoas que lhes possam garantir o bem-estar e o desenvolvimento, fazendo penetrar no espírito os sentimentos de ódio e repúdio ao alienado.
A Alienação Parental foi definida pela primeira vez em 1985 pelo psiquiatra e professor de psiquiatria infantil na Universidade de Colúmbia, em Nova Iorque (EUA), Dr. Richard Alan Gardner, falecido em 2003. Gardner definiu a Síndrome da Alienação Parental (Parental Alienation Syndrome) como um distúrbio infantil que ocorreria especialmente em menores de idade expostos às disputas judiciais de divórcio altamente conflituais entre seus pais. Posteriormente, disseminou para a Europa por François Podevyn, em 2001, publicando um artigo na internet sobre alienação parental, o qual teve a intenção de orientar e esclarecer problemas ocorridos em sua própria família, quando de sua separação judicial.
No Brasil, foi promulgada a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010, que trata da alienação parental. A referida lei foi aprovada com dois vetos. O primeiro veto foi referente ao artigo 9º, que previa que as partes poderiam se utilizar do instrumento de mediação para a solução do litígio, entendida pelo Presidente da República como inconstitucional, justificando que o direito da criança e do adolescente à convivência familiar é indisponível, nos termos do art. 227 da Constituição Federal. O segundo veto se referiu ao artigo 10, que previa detenção de seis meses a dois anos ao genitor que apresentasse relato falso de alienação parental. Este último foi vetado à justificativa de que o ECA contempla mecanismos para inibir a prática de alienação parental, não se mostrando necessária a inclusão de sanções penais, cujo efeitos poderiam ser prejudiciais à criança ou ao adolescente.
O legislador entendeu que o simples ato de alienação parental pode ser suficiente para expor a criança a risco de desenvolver um ou mais sintomas da Síndrome da Alienação Parental.
De modo geral, parece haver certo consenso entre os doutrinadores nacionais quanto à necessidade de responsabilização civil e criminal nos casos em que se verifica caracterizada a alienação parental, uma vez que se posicionam no sentido de que “qualquer meio ou subterfúgio de afastamento do filho do não guardião deve ser punido severamente” (GOLDRAJCH, 2006, p. 10). Ou ainda, que “a punição deve existir, não só para educar, mas também para preservar o menor, nos casos mais graves, dos distúrbios emocionais e psicológicos do alienador. (...) O comportamento antissocial ou atípico merece punição exemplar para que não se repita (ULLMAN, 2008, p. 64).
Entretanto, quando se está diante da aplicação da sanção que determina a alteração da guarda compartilhada ou sua inversão, se faz necessária uma cautela maior, tendo em vista que se deve conciliar a penalidade ao genitor com o bem-estar do menor.
Acerca desta sanção, bem como de suas peculiaridades quando da aplicação ao caso concreto, é que reside o tema central deste trabalho, oportunidade em que se verificará os fundamentos utilizados em julgamentos que ensejaram sua aplicação.
3. ALIENAÇÃO PARENTAL
3.1. CONCEITO
Para se iniciar o estudo acerca da alienação parental, se faz necessário conhecer a história de Medéia, um clássico do escritor grego Eurípides, que apesar de datada 480-406 a.C., possui grande relação com os acontecimentos do tema na atualidade, sendo, inclusive, conhecida como a Síndrome de Medéia, a qual busca descrever as atitudes dos genitores que maltratam seus filhos.
A referida história trata-se de um amor incondicional, na qual Medéia, após a traição de Jasão, sacrifica a vida de seus próprios filhos na busca de vingança.
Em um breve trecho da mencionada tragédia é possível vislumbrar a transformação do amor em ódio, sem limites:
O desengano grita-lhe no coração revoltado as palavras que poderiam ser de amor. Suas mãos que tanto acariciaram, querem vingar-se. O amor transformou-se em ódio. Medéia queima-se em busca de vingança. Medéia sofrida muda-se em fera, pela infidelidade. Jasão tenta apaziguar Medéia e lhe diz que ela e os filhos foram exiliados por causa de seus insultos à casa real. Medéia, furiosa, lembra-lhe que no passado tudo fez para salvá-lo, tornou-se inimiga da própria família e por fim foi traída por ele. Jasão não recua e prossegue nos seus planos. Medéia anuncia a morte próxima dos filhos e entra no palácio. Insensível às súplicas e aos gritos das crianças Medéia os mata. Jasão sente a agonia do horror e no riso desvairado de Medéia, não encontra loucura, mas o gosto da vingança total. Ela destruiu-lhe o passado e negou-lhe o futuro. O sangue dos filhos mistura-se às lágrimas do pai. Suas mãos estão manchadas. Medéia as fez nascer, matou-as, e agora leva consigo aqueles corpos, vítimas inocentes do amor frustrado. Medéia aparece acima dele, sobre a carruagem de seu avô Hélio; diz que tudo aconteceu por culpa dele e parte, levando os corpos dos filhos. Matando os próprios filhos Medéia se vinga de Jasão. (LEITE, 2015, p. 43)
De acordo com o doutrinador Eduardo de Oliveira Leite, o drama narrado na mitologia grega persiste nos dias atuais, visto que é o sentimento de vingança que leva o alienador a se utilizar dos filhos para atingir o alienado.
Neste sentido discorre que:
O cônjuge alienador anula (“mata”) a figura dos filhos para que o cônjuge alienado sofra o vazio da distância e do isolamento (embora os mesmos estejam vivos). Duplo sacrifício. Mudam os meios empregados de morte, mas o resultado do luto desejado é sempre igual.
Os mesmos ingredientes que se visualizam na alienação parental atual. O cônjuge alienador precisa se vingar do cônjuge que passa a ser alienado, de forma que ele não possa mais encontrar um só instante de paz sobre a terra. E para isso usa os filhos como instrumento de sua vingança. (LEITE, 2015, p. 40)
A nomenclatura alienação (alheação) é oriunda do latim alienatione. É um conceito marcado em diferentes interpretações, ao que se extrai dos dicionários da língua e utilizado por diversas áreas do conhecimento, em qualquer caso, consequentes do desencadear da doença na família. No sentido psicológico, corresponde a “qualquer forma de perturbação mental que incapacita o indivíduo para agir segundo as normas legais e convencionais do seu meio social”. Sob o ponto de vista parental, Caetano Lagrasta Neto discorre que “trata-se da lavagem cerebral ou programação da criança e do adolescente pelo alienador, contrárias, em princípio, ao genitor, ou a pessoas que lhes possam garantir o bem-estar e o desenvolvimento, incutindo-lhes sentimentos de ódio e repúdio ao alienado” (REVISTA Síntese, jun/jul 2015, p. 100).
Por vezes a alienação parental surge em decorrência da separação conflituosa dos cônjuges ou ainda de crises na constância da relação conjugal, situações que, diante da alteração dos sentimentos envolvidos, levam com que os pais (neste caso específico), consciente ou inconscientemente, influenciem os filhos, com a inserção de falsas memórias e fatos mentirosos, denegrindo a imagem do genitor alienado.
O alienador procura fazer uma lavagem cerebral nos filhos, fazendo acreditar que o outro, o alienado, mesmo resistindo diante das acusações, não presta, insistindo em histórias de traição, falta de amor e também do não interesse pelo contato e convívio. Tais histórias se tornam tão cotidianas que o próprio alienador passa a tê-las como verdade, não mais discernindo o que é real e o que é fantasioso, instaurando, assim, um processo de destruição e desconstituição da figura do alienado.
Para Priscila M. P. Corrêa da Fonseca:
A alienação nem sempre é atingida em termos absolutos: às vezes a resistência do genitor alienado é de tal ordem que ainda consegue este se avistar com os filhos – de modo forçado ou não – em casas de parentes, educandários ou até mesmo em visitários públicos. A alienação parental, no entanto, é via de regra, alcançada pelo trabalho incansável de destruição da figura do progenitor alienado, promovida pelo progenitor alienante. Tal esforço conduz a situações extremas de alienação que acabam por inviabilizar qualquer contato com o genitor definitivamente alienado. Muitas vezes até, a resistência oferecida pelos filhos ao relacionamento com um dos pais é tamanha que a alienação parental acaba por contar, inclusive, com o beneplácito do Poder Judiciário. Não raro, diante de circunstâncias como essas, alguns juízes chegam até mesmo a deferir a suspensão do regime de visitas. É o quanto basta para que se tenha a síndrome por instalada em caráter definitivo. (FONSECA, 2015)
Esse processo em que se programa o filho a rejeitar o outro genitor, traz, sem dúvida, graves prejuízos à vida da criança ou do adolescente, uma vez que este carregará consigo um sentimento de abandono e ódio, causando-lhe sofrimento e sequelas para o resto da vida.
3.2. SUJEITOS
Na análise da alienação parental, pode-se constatar a presença do sujeito ativo, que é aquele que detém a guarda da criança ou adolescente e se utiliza desta condição para realizar os atos que atentem contra à pessoa do outro genitor, e também o sujeito passivo, que é representado pelo genitor alienado e pela criança (ou adolescente), objeto esta de manipulação.
3.2.1. Alienado
Tem-se, que o termo alienado diz respeito à pessoa que é endoidecida, enlouquecida, doida, demente etc., indivíduo que está atacado de alienação mental (Michaelis, 2009).
Em razão disto, existem doutrinadores que acreditam que o termo alienado não se adequa ao genitor que sofre com os ataques do alienador, uma vez que “alienado é aquele que tem percepção equivocada sobre os fatos e isso é o que ocorre com o menor ou adolescente, como resultado infalível da reprimível conduta de alienação bem-sucedida” (FIGUEIREDO; ALEXANDRIDIS, 2014, p. 47). Entende-se, assim, que o termo correto seria vitimado.
Porém, a legislação aplicável ao tema tem por alienado aquele que, normalmente, após a ruptura da relação conjugal, não detém a guarda do menor e sofre as consequências dos atos praticados pelo alienador, que visa, em regra, afastá-lo dos filhos, bem como denegrir sua imagem.
Quando da ocorrência da alienação parental, o alienado se encontra em uma situação bastante delicada, pois se vê obrigado a travar uma luta contra os efeitos negativos gerados pelo alienador. Ou seja, passa a enfrentar enormes obstáculos para manter o vínculo afetivo com o menor, buscando, muitas vezes sem sucesso, desfazer a imagem distorcida que foi falsamente implantada.
Em muitos casos, o genitor alienado carrega por anos os atos abusivos praticados pelo alienador, evitando criar novos motivos para o afastamento do menor. Ocorre que a espera por uma solução efetiva à alienação parental pode macular de vez o vínculo, sendo, por vezes, irreversível.
Acerca disto, Denise Maria Perissini da Silva dispõe que:
(...) contrariamente ao que o senso comum gostaria de crer, o tempo é um inimigo implacável. Quando os filhos começam a recursar-se a ver um de seus dois pais, a rejeitá-lo, a contagem regressiva se inicia. Se ninguém vier ajudar essa família no momento preciso, a situação só poderá agravar-se. Mas frequentemente entorno intervém nesse caso para minimizar o problema e lembrar que o tempo resolve tudo, o que efetivamente não acontece. Quanto mais o tempo escoa, mais o conflito se cristaliza e é mais difícil voltar atrás; mesmo que não haja recuo, os filhos podem acabar por ver o pai que haviam rejeitado anteriormente, mas mesmo neste caso, em 10 anos, 20 anos, ver 40 anos depois. O tempo realmente modificou os fatos, mas a que preço? (SILVA, 2009, p. 59)
Assim, não deve o genitor alienado aguardar que a prática da alienação parental destrua sua relação afetiva com o menor, acreditando que poderá revertê-la com o tempo. Pelo contrário, deve, assim que identificados os primeiros atos de alienação, buscar o Poder Judiciário, que, como se verá adiante, possui meios para combater a evolução desta prática.
3.2.2. Alienador
Por outro lado, o alienador é aquele que busca afastar o relacionamento do filho com o genitor alienado, programando o menor ou adolescente a odiar o outro, seja o pai ou a mãe.
Segundo Maria Antonieta Pisano Motta,
O genitor “alienador”, que é em geral o que detém a guarda, teria como meta proceder a uma “lavagem cerebral” na mente de seus filhos inculcando-lhes pensamentos e sentimentos em relação ao outro genitor, visando afastá-los e destruir mesmo, o vínculo existente entre eles. O genitor “alienador” promove uma verdadeira campanha denegritória em relação ao ex-cônjuge perante o judiciário, utilizando seu/s filho/s como meio de emprestar credibilidade às suas acusações. (MOTTA, 2008. p. 36)
O que se observa é que o alienador, ao promover uma série de atos atentatórios ao alienado, encontra-se movido por sentimentos de rejeição, inconformismo, frustação, egoísmo e, em razão disto, busca punir o genitor alienado pelo rompimento da relação pessoal.
Para Beatrice Marinho de Paulo, o alienador
(...) se mostra incapaz de ver situações por outro ângulo, que não o seu próprio, bem como de diferenciar verdade e mentira, fazendo declarações inverossímeis, absurdas e inacreditáveis, mas sendo bastante hábil em convencer as pessoas do seu desamparo. Ele mostra, às vezes, grande resistência para ser examinado por profissionais independentes, que possam descobrir suas manipulações. (PAULO, 2011, p. 14)
Embora, normalmente, a mãe que detenha a guarda dos filhos após o fim da relação conjugal, a figura do alienador pode se estender a outras pessoas que não os próprios genitores, como os avós, guardadores, tutores e curadores. Ressalta-se que, inclusive, “um parente que se ocupa das crianças (irmãos, tios, ou cunhados, entre outros) pode também materializar a alienação parental repudiada pelo legislador” (LEITE, 2015, p. 261).
Neste sentido se posicionou o Desembargador Luiz Felipe Brasil Santos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em seu julgado:
APELAÇÃO CÍVEL. MÃE FALECIDA. GUARDA DISPUTADA PELO PAI E AVÓS MATERNOS. SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL DESENCADEADA PELOS AVÓS. DEFERIMENTO DA GUARDA AO PAI. 1. Não merece reparos a sentença que, após o falecimento da mãe, deferiu a guarda da criança ao pai, que demonstra reunir todas as condições necessárias para proporcionar a filha um ambiente familiar com amor e limites, necessários ao seu saudável crescimento. 2. A tentativa de invalidar a figura paterna, geradora da Síndrome de Alienação Parental, só milita em desfavor da criança e pode ensejar, caso persista, suspensão das visitas aos avós, a ser postulada em processo próprio. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70017390972, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/06/2007)
Verifica-se, assim, que o papel de alienador não está restrito aos genitores, podendo qualquer ente, que possua influência sobre o menor, praticar atos que visem distorce r a relação familiar.
Há, ainda, casos em que a alienação parental é recíproca, ou seja, os dois genitores ocupam a posição de alienadores, existindo mútuas agressões. Em situações como esta, não se tem dúvida de que o sofrimento do menor acaba sendo intensificado, pois a falta de cuidado com seus sentimentos estará instaurada dos dois lados.
Com isso, o papel protetor institivamente destinado aos pais é de fato esquecido, prevalecendo, entre os cônjuges, a necessidade de se ferir mutuamente, mesmo que para isso tenham que se utilizar do amor que seus filhos lhe depositam.
A alienação parental não afeta apenas a pessoa do genitor alienado (que perde o contato com o filho), mas também todas as pessoas que cercam a criança: familiares, amigos e serviçais, privando a criança do necessário e indispensável convívio com todo um núcleo familiar e afetivo do qual faz parte e no qual deveria permanecer integrada (REVISTA Síntese, jun/jul 2015, p. 101).
A doutrina especializada cuida em explicar a diagnose desta origem, conforme preleciona Ivone M. Candido Coelho de Souza:
A disputa atualizada desvenda parte da história mal engendrada que, se estabilizada em algumas cenas, não pode isentar de risco os membros dependentes. O capítulo de dissolução está sendo escrito agora e a trama atinge o auge. Lupi et Agni soçobram entre papéis auto atribuídos, tentando impor um ao outro parte das culpas que já não conseguem sustentar. O trauma transborda pelo recinto da família quando os papéis iniciais são abandonados, e um epílogo revelador não pode ainda ser esboçado. Apela-se, então, para o último recurso que sobrou da narrativa familiar: atacar-se; mas de tal maneira está colocada a privação imposta pelas raivas e dores, que o fundamento da sociedade, os filhos, são os primeiros e mais atingidos. (REVISTA Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões, jun/jul 2010, p. 40)
Conclui-se que, embora os atos decorrentes da alienação parental possam ser praticados por qualquer ente familiar, os pais acabam por figurar como personagens principais desta relação, visto que, via de regra, os menores são utilizados como instrumento de ataque para se compensar o sofrimento do fim de uma relação conjugal.
3.3. DIFERENÇA ENTRE A ALIENAÇÃO PARENTAL E A SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL
A expressão Síndrome da Alienação Parental foi criada por Richard Gardner que a definiu como:
Um distúrbio da infância que aparece quase exclusivamente no contexto de disputas de custódia de crianças. Sua manifestação preliminar é a campanha denegritória contra um dos genitores, uma campanha feita pela própria criança e que não tenha nenhuma justificação. Resulta da combinação das instruções de um genitor (o que faz a lavagem cerebral, programação, doutrinação) e contribuições da própria criança para caluniar o genitor alvo. (GARDNER, 2002)
De acordo com o referido autor, a alienação parental pode ser entendida como uma “real situação de abuso, negligência, maus-tratos ou de conflitos familiares” (MADALENO; MADALENO, 2014, p. 51), estando diretamente atrelada aos atos praticados pelo alienador que visam afastar os filhos do genitor alienado. Por sua vez, a Síndrome da Alienação Parental corresponde às sequelas geradas ao menor em razão da prática dos atos abusivos exercidos pelo alienador.
Para Douglas Darnall:
Existe uma diferença entre alienação parental e síndrome da alienação parental, apesar de os sintomas ou aquilo que é observado na criança possam ser similares. A distinção entre as duas é que a alienação parental se foca em como o genitor alienador se comporta em relação à criança e ao genitor alienado. Os sintomas da síndrome da alienação parental descrevem os comportamentos e as atitudes da criança em relação ao genitor-alvo depois que a criança foi efetivamente programada e severamente alienada do genitor-alvo.
(...)
A alienação parental (AP) foca-se mais no comportamento do genitor do que no papel da criança na difamação do genitor vitimizado. Assim, a alienação pode ocorrer muito antes do ódio do genitor permear as crenças da criança acerca do genitor vitimizado. Essa definição de alienação parental é necessária para que os pais reconheçam o risco que eles correm de inconscientemente cair num padrão de alienação. Ao tempo em que os filhos vierem a concordar com o genitor alienador geralmente será tarde demais para prevenir danos significativos. (DARNALL, 1998, p. 3-5)
Deste modo, é possível observar que a alienação parental e a Síndrome da Alienação Parental não se confundem, embora sejam complementares.
Ainda acerca desta diferenciação, válido destacar o entendimento da professora Priscila M. P. Corrêa da Fonseca, a qual afirma que:
A Síndrome da Alienação Parental não se confunde, portanto, com a mera alienação parental. Aquela geralmente é decorrente desta, ou seja, a alienação parental é o afastamento do filho de um dos genitores, provocado pelo outro, via de regra, o titular da custódia. A Síndrome da Alienação Parental, por seu turno, diz respeito às sequelas emocionais e comportamentais de quem vem a padecer a criança vítima daquele alijamento. Assim, enquanto a síndrome refere-se à conduta do filho que se recusa terminante e obstinadamente a ter contato com um dos progenitores, que já sofre as mazelas oriundas daquele rompimento, a alienação parental relaciona-se com o processo desencadeado pelo progenitor que intenta arredar o outro genitor da vida do filho. (FONSECA, 2015)
Assim, tem-se que a Síndrome da Alienação Parental somente estará presente quando os atos praticados pelo genitor alienador surtirem os efeitos desejados no menor, ou seja, quando este apresentar o sentimento de repulsa quanto ao genitor alienado.
Além dos institutos possuírem traços distintos, o artigo 2º da Lei nº 12.318/2010 trouxe expressamente em sua redação que o ato de alienação é “a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Diante destas definições, pode-se entender que a Síndrome da Alienação Parental é o resultado obtido através da prática da alienação parental, sendo esta o gênero e aquela a espécie.
4. PREVISÃO LEGAL – LEI Nº 12.318/2010
O Projeto de Lei n.º 4.053/2008, que criou instrumentos capazes de punir o pai ou a mãe que incitasse o filho a odiar o outro após a separação (alienação parental), teve, em julho de 2009, o seu substitutivo, aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família, passando pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), e confirmado no Senado, onde seguiu para a sanção presidencial, nascendo assim, a Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Trata-se de lei cujas regras já estavam absorvidas pela jurisprudência e pela doutrina, razão pela qual se revela verdadeira adequação normativa ao contexto social.
O artigo 2º, conforme já citado acima, trouxe a definição do ato de alienação parental e, além disto, elencou algumas formas exemplificativas:
Parágrafo único: são formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:
I – realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II – dificultar o exercício da autoridade parental;
III – dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV – dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V – omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI – apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII – mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.
Note-se que o legislador não procurou esgotar neste parágrafo atos que caracterizam a alienação parental, até porque isto seria “praticamente impossível, haja vista a quantia de facetas que podem ser utilizadas pelo alienador na sua tarefa em afastar seu filho de outrem, cada qual com suas possibilidades no caso concreto”. (BUOSI, 2012, p. 122)
Pelo contrário, buscou-se, através do conhecimento mínimo familiar, demonstrar que até “simples” atitudes, como omitir deliberadamente do genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, já pode configurar uma conduta ilícita, tendente a dificultar o relacionamento familiar saudável. São limites éticos que não podem ir além do conflito de interesse conjugal, assim como a inviabilidade de um dos genitores em exercer a autoridade parental.
Segundo Eduardo de Oliveira Leite,
Quanto às formas exemplificativas, a Lei agiu com cautela ao se jungir a meros exemplos, logo, o rol apresentado não é numerus clausus, mas, ao contrário, numerus apertus, como tem demonstrado, de forma irrefutável, a dinâmica familiar. Nem tampouco, seria possível engessar em modelo pré-determinado, todas as possibilidades da multifária conduta humana. Aqui o legislador contentou-se com a apresentação de condutas típicas desviantes que podem desaguar em dezenas de outras condutas ilícitas, com maior ou menor grau de interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente. (LEITE, 2015, p. 267)
Assim, se verificada a prática de atos, por parte do genitor (ou guardião), que tenham por finalidade induzir a criança ou adolescente a repudiar o outro ou apenas o intuito de minar o vínculo parental existente, resta caracterizada a alienação parental. .
No artigo 3º, o legislador deixou claro que a prática de ato de alienação parental fere o direito da criança e adolescente de convivência familiar, bem como configura abuso moral.
Ora, o convívio da criança e adolescente com a família é fundamental, pois é neste meio que lhe será dado todo o suporte necessário para os desafios que serão enfrentados em sua vida, cabendo aos pais, conjuntamente, zelarem pelo bem-estar, segurança e demais cuidados aos menores que estão sob sua guarda.
Neste sentido, o doutrinador Eduardo de Oliveira Leite cita o estudo realizado pelas psicólogas Eliane Marracini e Maria Antonieta Pisano Motta, as quais mencionam que:
É desejável que haja convívio afetivo próximo da criança com adultos de ambos os sexos (...). Desenvolver-se na total ausência de um representante de cada sexo, produz uma espécie de “hemiplegia simbólica” na criança, pois ela será privada de toda uma relação que tem papel fundamental na sua constituição psicológica normal. (LEITE, 2015, p. 310)
Não se tem dúvida de que privar a criança ou adolescente deste convívio pode lhe trazer enormes prejuízos, não só nesta fase de vulnerabilidade, como também pelas sequelas que se carregará na vida adulta.
Com o intuito de combater a prática da alienação parental, o legislador trouxe no artigo 6º uma série de punições a serem aplicadas ao alienador, as quais poderão ser cumulativas ou não.
Segue sua redação:
Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso:
I – declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador;
II – ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado;
III – estipular multa ao alienador;
IV – determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial;
V – determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão;
VI – determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente;
VII – declarar a suspensão da autoridade parental.
Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
A exemplo do que fez no parágrafo único do artigo 2º, a lei apresentou um rol meramente exemplificativo de medidas punitivas cabíveis à prática da alienação, que, de sua leitura, é possível constatar uma certa gradação da “medida mais leve – mera advertência – até a medida mais grave: suspensão da autoridade parental. Entretanto, inexiste uma ordem fixa para sua aplicação (...)” (LEITE, 2015, p. 274/275).
Por estar o referido artigo inserido no tema principal deste trabalho, sua análise se dará de forma pormenorizada em capítulo próprio, possibilitando um melhor aprofundamento da matéria.
Em que pese a guarda compartilhada seja a preferência dada pelo legislador, por vezes esta se mostra incompatível em relações familiares que inexiste um mínimo de cordialidade entre os genitores, razão pela qual o artigo 7º prevê que:
Art. 7o A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada.
Note-se novamente que a lei prioriza a convivência familiar, cabendo ao genitor guardião viabilizar a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor.
5. SANÇÕES AO PROCESSO ALIENADOR
Conforme já verificado, a Lei nº 12.318/2010 trouxe em seu artigo 6º a relação de medidas que o magistrado, ao analisar um caso de alienação parental, poderá se valer para inibir ou atenuar a conduta ilícita do alienador. Não se faz necessário, para tanto, a demonstração efetiva da alienação, visto que seus indícios são suficientes a ensejar a atuação judicial.
O dispositivo legal, ao elencar o rol das medidas inibitórias à alienação parental (advertência, ampliação do regime de convivência, multa, acompanhamento psicológico, alteração da guarda, fixação cautelar do domicílio do menor e suspensão da autoridade parental) não impôs sua aplicabilidade de forma gradual, tampouco limitou o exercício jurisdicional a elas. Ou seja, o julgador não precisa, primeiramente, aplicar a advertência para que depois aplique uma medida mais “gravosa”, isto porque, não há uma sequência a ser seguida, podendo, diante de uma situação mais delicada, impor diretamente a alteração da guarda ou, até mesmo, cumular as medidas, uma vez que a prioridade deve ser a inibição imediata da alienação.
Neste sentido, bem exemplifica o professor Eduardo de Oliveira Leite:
(...) nada impede que o juiz, diante da gravidade do caso, decrete a busca e apreensão de uma criança (art. 839 do CPC) cumulada com advertência (art. 6º, I, da Lei 12.318/2010) como, igualmente, pode decretar a busca e apreensão de uma criança, cumulada com a advertência e estipulação de multa ao genitor alienador (art. 839 do CPC c/c art. 6º, I e III da Lei 12.318/2010). Ou também pode ordenar o afastamento temporário de um dos cônjuges da morada do casal (art. 888, VI, do CPC) juntamente com qualquer das medidas arroladas no art. 6º sob comento. (LEITE, 2015, p. 375/376)
Assim, tem-se que a aplicação das medidas irá depender do caso concreto, tendo o juiz ampla liberdade para determiná-las, podendo, inclusive, quando verificada a cessação dos atos praticados pelo alienador, retirar as restrições impostas (BUOSI, 2012, p. 112).
No presente trabalho se dará maior atenção à medida de alteração da guarda compartilhada ou sua inversão, por esta envolver questões mais amplas e ser objeto central deste estudo.
5.1. ALTERAÇÃO DA GUARDA PARA GUARDA COMPARTILHADA OU SUA INVERSÃO COMO MEIO DE SANÇÃO
A aplicabilidade desta medida tem por objetivo tornar a guarda que é de apenas um dos genitores, chamada guarda unilateral, em guarda compartilhada, na qual ambos os genitores serão responsáveis pelo exercício de direitos e deveres de guardião zelando pela proteção e integridade do menor, ou, então, sua inversão, quando o magistrado constatar que a conduta do alienante é reputada como patológica.
A respeito da guarda, Waldyr Grisard Filho discorre amplamente que:
A guarda representa a convivência efetiva e diuturna dos pais com o menor sob o mesmo teto, assistindo-o material, moral e psiquicamente. A vigilância é a outra face da responsabilidade dos pelos atos dos filhos, atenta ao pleno desenvolvimento do menor, nas suas mais variadas feições, sendo proteção, educação, comunicação. A guarda é o mais dinâmico feixe de deveres e prerrogativas dos pais em relação à pessoa dos filhos. (GRISARD FILHO, 2009, p. 70)
A questão envolvendo a guarda do menor surge com o rompimento da relação conjugal, momento em que os genitores deverão acordar qual das modalidades se adequam melhor à relação familiar e a que melhor atende os interesses da criança e do adolescente.
Segundo os artigos 1.583 e 1.584 do Código Civil:
Art. 1.583. A guarda será unilateral ou compartilhada.
§ 1o Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.
Entende-se por guarda unilateral, conforme a própria lei já menciona, a que é atribuída a um só dos genitores, a quem caberá dirigir os interesses do menor, visto que os filhos passarão a conviver, após o rompimento do vínculo conjugal, sob o teto desse genitor e com ele terão uma relação contínua.
Entretanto, isso não afasta o dever de fiscalização e responsabilidade do genitor que não detém a guarda, pois este também terá o direito (e dever) de decidir sobre os assuntos que envolvem a vida dos filhos, embora ao genitor guardião reste solucionar as questões diárias do menor.
Sobre o tema, Verônica A. da Motta Cezar-Ferreira discorre que:
Costumeiramente, a guarda é entendida pelo genitor que a detém como símbolo de poder familiar absoluto. Não é raro que o outro acompanhe esse pensamento. Não é raro, também, a visita é tida como de caráter social, existindo apenas para que os filhos não deixem de ter contato com o genitor que mora em outra casa. É comum a visita ser utilizada como momentos de lazer e de prazer, em que “só se vê o lado bom da vida”. (...). A guarda vivida de maneira amorosa, complementada pela execução serena do regime de visitas, é que proporciona equilíbrio emocional aos filhos. A guarda existe para que a criança tenha domicílio e tenha definido o nome de quem assume os compromissos diuturnos em relação a ela. O genitor visitador tem a fiscalização dos cuidados inerentes à guarda e à educação (...). Em famílias separadas, para sentir-se estável, a criança precisa ter sentimento de dupla pertinência, isto é, saber que pertence inteiramente a suas duas famílias (...). A criança precisa sentir que suas duas famílias são famílias inteiras, e precisa sentir, quando em estada do não guardião, que não é hóspede, mas filho pertencente à casa daquele. (CEZAR-FERREIRA, 2007, p. 118-120)
Verifica-se que independentemente da separação conjugal dos pais, bem como da atribuição unilateral da guarda do menor, indispensável se faz a participação do genitor não guardião na vida dos filhos, a fim de que se mantenham os laços afetivos e sua referência como família, devendo exercer, ainda que de forma menos rotineira, os direitos e deveres que lhe são atribuídos como pai (ou mãe).
Para que a relação e laços sejam mantidos, se garante ao genitor não guardião o direito regular de visitas, o qual pode ser definido pelos próprios genitores ou, então, pelo juiz que analisa o processo de rompimento conjugal.
Neste sentido é a redação do artigo 1.589 do Código Civil:
Art. 1.589. O pai ou a mãe, em cuja guarda não estejam os filhos, poderá visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo o que acordar com o outro cônjuge, ou for fixado pelo juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação.
Quando a separação do casal se dá de forma consensual, existindo uma relação amigável, ainda que mínima, se torna mais fácil chegar a um acordo em relação à guarda e visitação que melhor atenda o interesse do menor. Neste caso, não cabe ao Judiciário interferir na decisão familiar, salvo se verificada alguma ofensa aos direitos indisponíveis da criança ou adolescente.
A separação litigiosa suscitada entre os dois, por sua vez, tem características mais traumáticas, pois os pais não conseguem chegar a um acordo quanto à guarda e visitação, transferindo esta decisão ao magistrado que dirige o processo. Assim, cabe a este analisar as necessidades do menor e atribuir a guarda ao genitor que entender possuir maiores condições para tanto, bem como regularizar a visitação do genitor que não detiver a guarda.
Deve-se destacar que o direito de visitação não está ligado somente ao direito do genitor não guardião, mas também ao melhor interesse do menor, que precisa, após o rompimento do laço conjugal entre seus pais, manter-se atrelado aos dois, evitando, com isso, prejuízos à relação familiar e social.
Flávio Guimarães Lauria explica que:
A regulamentação de visitas se apresenta, dessa forma, como instrumento de manutenção da relação triangular ameaçada pela ruptura da vida em comum. Trata-se de instituto jurídico que tem por objetivo realizar os direitos fundamentais da criança consagrados pelo art. 277 da Constituição, sobretudo o direito à saúde, incluída a proteção à saúde mental, e à dignidade. (LAURIA, 2003, p. 61-62)
Até pouco tempo atrás, essa modalidade de guarda era a regra prevista tanto na legislação quanto na doutrina e jurisprudência, ou seja, havendo a dissolução da sociedade conjugal, os filhos ficavam apenas com um dos genitores, na maioria das vezes com a mãe. Ocorre que, com o passar do tempo, esse cenário foi mudando e esta mudança veio atrelada, em parte, pelo aumento da prática da alienação parental.
De acordo com o professor Eduardo de Oliveira Leite:
(...) a guarda unilateral favorece, na medida em que a criança está subordinada prioritária e majoritariamente à autoridade de um só dos genitores (a mãe ou o pai), ou avós, o que favorece toda sorte de abusos e manipulações. Além do mais, o vínculo maior com um só dos genitores, em detrimento do genitor não guardião, favorece uma maior relação de confiança e subordinação da criança com o genitor com ela vive. (LEITE, 2015, p. 391)
Desta forma, ainda que a guarda unilateral garanta ao genitor não guardião e ao menor o direito de visitação, a fim de que não haja o total rompimento afetivo, o fato da criança ou adolescente conviver quase que absolutamente com um dos genitores facilita a prática dos atos de alienação parental.
Em razão disto, a guarda compartilhada ganhou força, vindo a ser editada a Lei nº 11.698/2008 que a instituiu e disciplinou, alterando, consideravelmente, o Capítulo XI do Código Civil que dispõe acerca “Da Proteção da Pessoa dos Filhos”. Assim, atualmente, sempre que possível se deve optar pela guarda compartilhada, tendo, inclusive, a própria lei de alienação parental lhe dado a devida preferência.
O artigo 1.584, §2º do Código Civil trouxe como primeira opção para o magistrado, quando não houver consenso entre os pais, a guarda compartilhada, mencionando que:
Art. 1.584 (...)
§ 2o Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
O compartilhamento tem por finalidade manter a participação de ambos os genitores na criação do filho menor, cabendo tanto ao pai quanto à mãe o exercício dos direitos e deveres quanto à criança e adolescente. Nesta modalidade de guarda, todas as decisões a respeito da educação, criação e bem-estar dos filhos serão tomadas em conjunto pelos genitores, permitindo um melhor desenvolvimento emocional e físico do menor.
Neste sentido, Ana Carolina Silveira Akel entende que a guarda compartilhada permite o “melhor desenvolvimento psicológico e maior estabilidade para o menor, que não sentirá da mesma forma a perda de referência de seu pai ou de sua mãe”, razão pela qual se diminuirá “as dificuldades que as crianças normalmente enfrentam na adequação à nova rotina e aos novos relacionamentos após a separação dos seus genitores” (AKEL, 2009, p. 43).
Para Eduardo de Oliveira Leite,
(...) a guarda compartilhada mantém vividos, depois do divórcio, os laços existentes antes da ruptura da sociedade conjugal, em relação aos filhos que não perder a identificação com os genitores. O que a guarda compartilhada resgata, e de forma intensa, é a manutenção da responsabilidade dos pais, independente dos fatores que possam ter comprometido os laços da conjugalidade, comprovando que a parentalidade subsiste porque a relação paterno-materno-filial é uma realidade duradora que não pode se submeter aos eventuais caprichos dos pais. (LEITE, 2015, p. 395)
Portanto, deve-se ter em mente que o fim da relação conjugal em nada altera o vínculo parental, conforme preceitua o artigo 1.632 do Código Civil, sendo que na guarda compartilhada a intenção é que se mantenha a relação entre pais e filhos como aquela que havia quando da constância do casamento, muito embora algumas decisões tenham que se concentrar na mão do genitor que mantém os filhos em sua companhia.
Nesta modalidade, a guarda física do menor permanece com apenas um dos genitores, porém isso não interfere que o outro participe ativamente da vida do filho, visto que também detém sua guarda legal, podendo praticar todos os atos inerentes da guarda, sem que seja considerado um mero visitante.
Assim, o regime de visitação se faz desnecessária no caso da guarda compartilhada, uma vez que ambos os genitores detêm a guarda do menor, inexistindo a regulamentação de quando os pais poderão ter os filhos em sua companhia. Aqui se tem liberdade e não restrição.
Na guarda compartilhada, diferentemente do que ocorre na alternada, a criança ou adolescente possui uma residência fixa, sendo esta a casa do guardião que detém sua guarda física, porém a casa do outro genitor não é vista como apenas uma casa de visita, tendo nesta também o seu lar.
Para Eriton Geraldo Vieira e Newton Teixeira Carvalho: “A ideia de ter um domicílio principal procede no sentido de a criança possuir uma estabilidade e não perder, assim, o seu ponto de referência domiciliar” (REVISTA Síntese, jun-jul. 2015, p. 114).
É necessário destacar que para se determinar a guarda compartilhada é fundamental que o magistrado analise a relação em que se encontram os genitores, tendo em vista que esta modalidade de guarda não tende a ser benéfica aos filhos quando os pais permanecem em conflito após o rompimento conjugal, podendo comprometer ainda mais a relação entre os genitores e até mesmo entre eles e o menor.
Tem-se que para que a guarda compartilhada produza os efeitos desejados, deve existir um mínimo de bom senso e cordialidade entre os genitores, para que que não haja comprometimento ao desenvolvimento do menor, que espera manter uma relação harmoniosa e de carinho, como a que existia antes do rompimento do casamento.
Assim, a modalidade da guarda a ser adotada junto ao Poder Judiciário exige, sem dúvida, uma análise muito criteriosa e de sensibilidade do magistrado que está a conduzir o processo, visto que deve aliar os direitos e deveres dos pais ao melhor interesse da criança e do adolescente, o que, por vezes, parece não ser uma tarefa da mais fáceis.
Com base no todo mencionado acima, observa-se que quando se está diante da guarda unilateral e entre os genitores há uma nítida relação conflituosa, a tendência de que a alienação parental se instale é muito maior, uma vez que um dos genitores estará mais presente na vida do filho do que o outro, tendo, assim, um grande poder de influência sobre ele.
Desta forma, verificada a ocorrência da alienação parental, a legislação permite que o julgador, devidamente analisado o caso concreto, que altere a guarda unilateral para a guarda compartilhada, no intuito de se fazer cessar os atos de alienação por parte do genitor guardião.
Ocorre que nem sempre esta medida se revela possível, pois, conforme já estudado em capítulo próprio, a alienação parental muitas vezes já se encontra em um estágio mais avançado, no qual o menor já está completamente influenciado pelas manipulações feitas pelo genitor alienador, repudiando qualquer convívio com o alienado.
Diante de situações como esta, não se mostra razoável que o magistrado simplesmente determine a alteração da guarda unilateral para a compartilhada, visto que os danos emocionais causados ao menor podem ser devastadores, sendo necessário, sem dúvida, todo um trabalho anterior para que o vínculo entre o alienado e criança se reestabeleça aos poucos, para daí sim se vislumbrar a possibilidade do compartilhamento da guarda e precaução a novos atos de alienação.
Segundo Paulo Lôbo:
(...) para o sucesso da guarda compartilhada é necessário o trabalho conjunto do juiz e das equipes multidisciplinares das Varas de Família, para o convencimento dos pais e para a superação de seus conflitos. Sem um mínimo de entendimento a guarda compartilhada pode não contemplar o melhor interesse do filho. (LÔBO, 2011, p. 311)
Mesmo que impossibilitada a alteração da guarda unilateral para a compartilhada, em razão do grau que se encontra a alienação, acredita-se na possibilidade de determinar que o menor fique, provisoriamente, sob os cuidados de outro guardião, como, por exemplo, os avós, a fim de se evitar que, com a manutenção da guarda unilateral, o genitor alienador continue a praticar a alienação parental.
Por outro lado, quando se verifica indícios da alienação parental, sem que esta já esteja arraigada na criança e no adolescente, acredita-se que a imposição de alteração da guarda possa ser de grande valia, neste caso, se ainda se tem a chance inibir os atos alienatórios ao menor.
Para Caroline de Cássia Francisco Buosi, a
(...) prevenção da síndrome de alienação parental se dá na medida em que com este novo conceito é retirada a conotação de posse sobre a criança, de ser “dono” dela e de seus pensamentos, privilegiando a ideia de compartilhar e estar com ela, voltando-se principalmente aos benefícios que podem levar ao não rompimento dos vínculos que ela já detinha quando morava com ambos os pais, diminuindo, portanto, o sofrimento advindo da separação de um deles. (BUOSI, 2012, p. 118-119)
Por fim, o legislador também permite ao julgador que determine a inversão da guarda compartilhada para guarda unilateral, retirando o menor do convívio com o alienador e passando-o ao alienado. Tal medida exige muita cautela por parte do magistrado, devendo se atentar também ao nível que se encontra a alienação, pois, se o menor rejeita a convivência esporádica com o alienado, não se mostra razoável determinar que este seja seu guardião exclusivo.
Sobre o assunto, Ana Carolina Carpes Madaleno e Rolf Madaleno entendem que:
(...) muito embora os tribunais titubeiem em deferir as alterações da guarda, entendendo serem prejudiciais à criança, que assim tem modificada sua rotina de vida e suas referenciais, gerando-lhe transtornos de ordem emocional, que certamente não são maiores dos que os transtornos emocionais que essas crianças e adolescentes, vítimas imaculadas da alienação parental advinda de quem lhes têm a custódia, e sobre quem depositam sua tola confiança, já sofrem enquanto permanecem na teimosa companhia do alienador, que as vê como crianças objeto, e não como crianças sujeitas de direitos (art. 277 da CF) como se fossem apenas desalmados instrumentos postos a serviço das insanas projeções de vingança de seus pais. (MADALENO; MADALENO, 2014, p. 122-123)
Nos casos de inversão também é possível que a guarda do menor seja atribuída a um terceiro, de preferência aos avós, se estes não estiverem envolvidos na alienação parental, buscando-se sempre esclarecer que ao guardião compete, seja quando da constância da união, seja após o seu término, zelar, cuidar, proteger e custodiar o menor, independentemente da modalidade da guarda, a fim de que se atenda o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
De acordo com o professor Eduardo de Oliveira Leite:
A permanente controvérsia em relação à aplicação da guarda unilateral ou compartilhada parece encontrar a melhor solução, não na imposição legal taxativa, ou, como pensam alguns segmentos, na imposição judicial, porque ambas as propostas tendem ao criticável radicalismo que não leva em consideração o interesse maior da criança, mas continua atendendo aos interesses egoísticos dos pais, em manifesto maniqueísmo, inaceitável nesta matéria.
Tudo indica que a melhor solução – tanto na aplicação da guarda unilateral, quanto na compartilhada – depende de cada situação concreta, de acordo com as peculiaridades próprias a cada dinâmica familiar, mas sempre resgatando o interesse maior da criança. De nada adianta impor a guarda compartilhada a todas as rupturas, desconsiderando as peculiaridades fáticas de cada família. Medidas desta natureza podem se revelar aparentemente válidas, podendo, porém, agasalhar soluções gritantemente injustas. (LEITE, 2015, p. 401)
Assim, a aplicabilidade da sanção de alteração da guarda ou sua inversão depende muito da situação em que se encontra a família envolvida no conflito de alienação parental, cabendo ao magistrado uma análise individualizada de cada caso, razão pela qual entende-se de suma importância para o presente trabalho um estudo acerca dos fundamentos utilizados pelos Tribunais quando da aplicação desta medida, verificando, assim, o entendimento mais recente e a efetividade da legislação.
5.1.1. Aplicabilidade da alteração da guarda e sua inversão nos Tribunais
Para uma melhor compreensão da matéria ora estudada, indispensável se faz a análise das recentes decisões proferidas pelos Tribunais acerca da alienação parental, a fim de se observar, através do caso concreto, a aplicabilidade da sanção de alteração da guarda e sua inversão.
No primeiro caso, observa-se a situação do genitor que detinha a guarda legal da filha, porém, após o cumprimento de visitação aos avós maternos e à mãe, que até então não tinha nenhum contato com a menor, deixaram de devolvê-la na data aprazada. A referida visita foi deferida mesmo após a genitora ter respondido processo por maus-tratos e lesões corporais à filha.
A decisão que regulamentou a guarda da menor restou assim ementada:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GUARDA DE MENOR. GUARDA EXERCIDA PELOS AVÓS MATERNOS, CONFIADA AO PAI NA SENTENÇA. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA MENOR.
Estando demonstrado no contexto probatório dos autos que, ao melhor interesse da criança, será a transferência da guarda para o pai biológico, que há muitos anos busca em Juízo a guarda da filha, a sentença que assim decidiu, com base na prova e nos laudos técnicos, merece ser confirmada. Aplicação do 1.584, do Código Civil.
Guarda da criança até então exercida pelos avós maternos, que não possuem relação amistosa com o pai da menor, restando demonstrado nos autos presença de síndrome de alienação parental.
SENTENÇA CONFIRMADA, COM VOTO DE LOUVOR.
NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO.
Em razão da não devolução da filha, o pai ingressou com ação de busca e apreensão da menor, na qual foi deferida, em audiência, a guarda provisória à mãe, levando-se em consideração a manifestação da filha. Desta decisão o genitor interpôs seu recurso, o qual se deu provimento2 sob a seguinte fundamentação:
Na fala de Sabrina, ela mesma diz que, em 4 anos, veio a Uruguaiana (onde residem os avós) apenas uma vez e que nunca foi a Santa Maria visitar a mãe, onde se encontra faz uma semana. A manifestação da menina deve ser considerada, porém cabe aos adultos sopesar sobre o que realmente lhe convém. Nem sempre o que uma criança supõe seja o melhor para si, o é em verdade! Devem ser ponderados os fortes indicativos de alienação parental, em relação ao pai, detectados naquele feito de substituição de guarda, como se vê no acórdão já mencionado.
(...) a mãe de Sabrina nunca foi figura presente em sua vida, tanto que a certa altura, nem seus pais – avós da menina – sabiam do seu paradeiro e, por isso, postularam contra ela a guarda da criança! Assim, parece temerário que, após 4 anos, em que mãe e filha tiveram quase nenhuma convivência, passem a residir juntas, antes mesmo da conclusão do estudo social, o que foi determinado na audiência e será realizado no curso da convivência
Ademais, é de ver que se trata de ação de busca e apreensão promovida pelo pai da menor, não se justificando que, na audiência preliminar, tenha sido concedida a guarda à mãe, contra quem, ao longo de vários anos, foram levantadas diversas evidências de incompatibilidade para o exercício da guarda.
Verifica-se no caso em comento que o magistrado, mesmo diante da manifestação da menor, manteve a guarda legal ao genitor, visto que a mãe nunca se fez presente na vida da filha, tendo, inclusive, deixado de litigar na ação de regulamentação de guarda, que foi retirada dos avós maternos e deferida em favor do pai, por atender o melhor interesse da criança.
O segundo caso que se analisa, trata-se de um processo de guarda no qual a menor residia com os avós paternos em razão do trabalho da mãe. Verificada a ocorrência de alienação parental por parte do pai da criança, caracterizada através da restrição das visitas, bem como da prática de atos que visavam denegrir a imagem da mãe, o relator do feito assim decidiu:
Apelação Cível. Guarda de Menor. Preponderância do Interesse da Criança. Alienação Parental praticada pelo Genitor. Improcedência do Pedido Inicial do Pai e Concessão de Guarda Unilateral à Mãe. Apesar de a guarda compartilhada, como regra, atender ao melhor interesse da criança, em casos excepcionais, como o dos autos, em que restou demonstrada a prática dos atos de alienação parental pelo genitor, deve-se conceder a guarda unilateral da menor à sua mãe, até porque ela revelou melhores condições para ser a guardiã e, objetivamente, mais aptidão para propiciar à filha afeto nas relações com o grupo familiar, podendo eventual falta de recursos financeiros de sua parte ser suprida pela ajuda do pai, que, com a perda da guarda, não está isento da responsabilidade de contribuir com a criação, educação e lazer da filha. Apelação conhecida, mas desprovida.
Para se chegar a esta conclusão, o magistrado levou em consideração o depoimento das testemunhas, que relataram o bom comportamento da mãe em relação a filha, além do equilíbrio emocional da genitora demonstrado nas sessões com a psicóloga e ausência reiterada do pai e da menor às entrevistas do estudo psicossocial, desconsiderando, entretanto, a alegação do pai, no sentido de que ele possuía melhores condições financeiras para cuidar da filha.
Da citada decisão, pode-se constatar que antes de se determinar a inversão da guarda, o julgador se valeu de meios probatórios para que tivesse pleno conhecimento da figura da genitora, se assegurando que o melhor para a menor era conviver com aquele que se encontrava em melhores condições emocionais para criá-la e que demonstrou saber a importância da relação de ambos para o bom desenvolvimento da criança, ignorando, por completo, a condição financeira de cada um, visto que esta se mostra irrelevante frente ao melhor interesse da menor.
Do terceiro acórdão analisado, tem-se que os julgadores evitam deferir o pedido de inversão da guarda em sede de antecipação de tutela, demonstrando, mais uma vez, ser imprescindível o conjunto probatório, sobretudo o estudo psicológico das partes, para se alcançar uma decisão justa e de segurança ao menor.
Neste sentido é a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DE INVERSÃO DE GUARDA – INDEFERIMENTO DA TUTELA ANTECIPADA – INCONFORMISMO – ALEGAÇÃO DE QUE RELAÇÃO DO GENITOR COM A PROLE É PREJUDICADA POR ATOS PRATICADOS PELA GENITORA FATOS QUE DEVEM SER ESCLARECIDOS COM O EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DILAÇÃO PROBATÓRIA – ALIENAÇÃO PARENTAL NÃO SUFICIENTEMENTE COMPROVADA DIREITO DE VISITAÇÃO QUE, A PRINCÍPIO, VEM SENDO EXERCIDO A CONTENTO – MANUTENÇÃO DO DECISUM. 1. Na condução da separação de um casal, os profissionais do Direito devem primar pelo cuidado do bem-estar da prole, devendo ser desprezadas as discussões desnecessárias entre os ex-cônjuges, e promovido o fortalecimento das relações afetivas entre filhos e genitores, com o objetivo de proporcionar àqueles as condições necessárias para um desenvolvimento sadio e harmonioso; os referidos profissionais devem evitar dar vazão ao lado passional que envolve as partes e agir de modo justo, no mais amplo significado deste termo. Com isso, o processo pode alcançar um objetivo humanizador, poupando os filhos da pesada carga de sofrimento moral imposto pelos atos irracionais nascidos da discórdia entre seus genitores, ao tempo em que orienta estes a um caminho de autossuperação, correspondente a um grau superior de civilização. 3. Recurso conhecido e desprovido. (TJPR - 11ª C. Cível - AI - 1113463-5 - Foz do Iguaçu - Rel.: Ruy Muggiati - Unânime - J. 05.02.2014)
Na situação acima, diante da ausência de provas robustas acerca da prática de alienação parental, o julgador, tanto na primeira quanto na segunda instância, entende ser inviável a inversão da guarda dos menores ao pai, optando por não promover reiteradas e desnecessárias mudanças na vida e na rotina dos menores.
Aqui, cumpre ressaltar que, em que pese o legislador enfatize que meros indícios de alienação parental já possam ser combatidos com as sanções prevista na lei, nota-se que na prática a realidade é outra, principalmente quando se está diante de medidas mais radicais, exigindo-se das partes um conjunto de provas amplo e claro, além de aliar sua aplicabilidade com outras medidas, como, por exemplo, o acompanhamento psicológico.
Entretanto, não parece sensato que o julgador, ao se deparar com relatos que possam dar conta dos atos de alienação parental, aguarde todo o trâmite processual para que somente então profira sua decisão acerca da alteração ou inversão da guarda, devendo determinar medidas de urgências para constatar o quanto antes a ocorrência efetiva ou não da alienação.
Tal situação se verificou no seguinte julgado:
GUARDA. ALIENAÇÃO PARENTAL. ALTERAÇÃO. CABIMENTO. 1. Em regra, as alterações de guarda são prejudiciais para a criança, devendo ser mantido a infante onde se encontra melhor cuidada, pois o interesse da criança é que deve ser protegido e privilegiado. 2. A alteração de guarda reclama a máxima cautela por ser fato em si mesmo traumático, somente se justificando quando provada situação de risco atual ou iminente, o que ocorre na espécie. 4. Considera-se que a infante estava em situação de risco com sua genitora, quando demonstrado que ela vinha praticando alienação parental em relação ao genitor, o que justifica a alteração da guarda. 5. A decisão é provisória e poderá ser revista no curso do processo, caso venham aos autos elementos de convicção que sugiram a revisão. Recurso desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70065115008, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/07/2015)
Observa-se, neste caso, que a alteração da guarda de um genitor para outro se deu em sede de agravo de instrumento, ou seja, antes de transcorrido todo o trâmite processual, tendo o julgador baseado sua decisão no laudo psiquiátrico elaborado pelo Departamento Médico Judiciário, no qual se concluiu que a menor deveria ter a guarda transferida para o pai, ante a ocorrência de alienação parental, bem como em razão da constatação de Transtorno de Personalidade Dissocial da genitora.
Explicou o Desembargador que:
(...) mais do que atentar para o interesse pessoal da genitora, cumpre focalizar o interesse da infante, devendo sempre prevalecer o interesse desta acima do interesse ou da conveniência dos pais...
Aliás, a concepção acerca do que seja o interesse da criança está longe de ser algo estanque e objetivo, sendo composta pelos mais diversos aspectos capazes de influenciar em seu desenvolvimento, o seu futuro, a sua felicidade e o seu equilíbrio. E, EDUARDO DE OLIVEIRA LEITE (in “Famílias Monoparentais” Ed. RT), destaca, entre outros quesitos, o desenvolvimento físico e moral da criança, a qualidade de suas relações afetivas, sua inserção no grupo social, sua estabilidade e, até, “o apego ou a indiferença que a criança manifesta em relação a um de seus pais”. (Agravo de Instrumento Nº 70065115008, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 13/07/2015)
Conclui-se, assim, que cautela tomada pelos magistrados quando da aplicação desta sanção tem sempre como fundamento a busca de se atender o princípio do melhor interesse do menor, entretanto, conforme visto acima, este pode variar diante da análise do caso concreto, cabendo ao julgador, com auxílio ou não de profissionais especializados, ter a sensibilidade para entender e atingir este objetivo de forma justa, rápida e eficaz.
6. CONCLUSÃO
De Eurípedes aos dias atuais, já se passaram muito séculos e quase nada mudou. A força que a atitude do sujeito atinge seus filhos para manchar a imagem do outro faz uma relação épica frente às manipulações elencadas em nosso ordenamento jurídico, possibilitando que, embora não seja uma mancha tirana de sangue como Medeia e seus filhos, a alienação parental “mata” a possibilidade do menor de ser assistido, criado e educado pelos pais, conforme preleciona a Constituição Federal do Brasil.
O rompimento do laço afetivo entre o casal faz com que, muitas vezes, seja o estopim para iniciar uma guerra entre eles, inserindo nessa linha de fogo o menor, vítima da situação e objeto de manipulação, e tendo como alvo macular a inocência dos filhos e denegrir a imagem do alienado, criando, assim, informações falsas. A lavagem cerebral feita na criança é tida como verdadeira em tudo que o alienador diz a respeito do alienado, não se preocupando com o sentimento que tais alegações podem causar ao menor ou adolescente, muitas vezes irreversíveis.
Não se pode olvidar que os atos decorrentes da alienação parental são praticados por qualquer ente familiar, tendo em vista que os pais são os personagens principais desta relação e, via de regra, os menores são utilizados como instrumento de ataque para se compensar o sofrimento do fim de uma relação conjugal.
O presente trabalho, ao objetivar discutir a questão da alienação parental e suas sanções, esclarece exatamente o disposto neste 2º parágrafo desta conclusão, pois, diante da criação da Lei nº 12.318/2010, conhecida como Lei da Alienação Parental, ao tipificar a conduta de prática de alienação parental, resta claro que o magistrado pode aplicar, cumulativamente ou não, medidas inibitórias, que inicia com a advertência, ampliação da convivência, multa, acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial, alteração da guarda ou sua inversão, mudança de domicílio e suspensão da autoridade parental, para proteger o menor, podendo inclusive, em caso de mudança abusiva de endereço, inverter a alternância dos períodos de convivência, tendo liberdade para aplicá-las, inexistindo uma ordem cronológica de atribuição.
Assim, tem-se que a aplicação das medidas irá depender do caso concreto, tendo o juiz ampla liberdade para determiná-las, podendo, inclusive, quando verificada a cessação dos atos praticados pelo alienador, retirar as restrições impostas.
Com acerto, o legislador, ao tipificar elementos capazes de identificar a alienação parental, permitiu ao genitor prejudicado ou ao juiz, de ofício, providências à instauração de processo de apuração da alienação, a fim de cessar a prática, impedindo, assim, que a síndrome se instale e atente à figura patriarcal, sempre com o acompanhamento do Ministério Público. Os juízes podem impor forçosamente medidas capazes e previstas em lei como forma de minimizar a instauração da síndrome e conter o abuso do alienador ante ao menor, determinando acompanhamento especializado e ordenando providências adequadas, permitindo que o genitor alienado aproxime-se da criança, impedindo sucesso na prática do alienador. A alteração da guarda de unilateral para compartilhada ou sua inversão, são meios que o juiz pode impor ao verificar que esta medida contribuirá com a sanidade física e psíquica do menor. Cabe ressaltar que há situações em que a transformação da guarda em compartilhada não é mais eficaz para converter a síndrome, devendo o magistrado utilizar recursos extremos para conter a prática de alienação parental, como a inversão da guarda, onde o juiz afastará o menor do genitor alienador e o entregará acertadamente para o genitor alienado ou, dependendo do grau que se encontre os efeitos da alienação, a um terceiro.
A questão, no entanto, está longe de ser aplicada com maior efetividade, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, porém, se pode enxergar com satisfação, a inserção de meios de inibição de atos atentatórios às crianças e adolescentes, mesmo diante de interesses divergentes entre o casal, que não chegam a um acordo quanto à visitação e à guarda, transferindo, assim, a decisão ao juiz que analisará as condições individuais e objetivará o melhor interesse do menor, tentando de tal forma atrelar uma relação familiar e social frente à separação. O judiciário brasileiro, juntamente com os operadores do direito, diante de inúmeras dificuldades, deve garantir decisões justas, de forma a encontrar uma forma imparcial de garantir os direitos e deveres da criança e adolescente, não favorecendo a prática da alienação parental e permitindo um melhor desenvolvimento emocional e físico do menor.
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2 agravo de Instrumento. busca e apreensão de menor. guarda paterna. é de ser confirmada a liminar de busca e apreensão deferida ao pai, detentor da guarda da filha, desde 2008. Não se recomenda, antes mesmo da realização de estudo social, que a menor passe a residir com a mãe, com quem nunca teve uma convivência estreita, considerando, sobretudo que o genitor reside em distante Estado da Federação (Pará). DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Agravo de Instrumento nº 70052895638, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 04/04/2013)
Publicado por: Rafael Rene Pereira Tara
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